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P R O F .

S A R A H C O Z A R

C I R U R G I A I N FA N T I L - PA R T E 1
CIRURGIA Prof. Sarah Cozar|Cirurgia Infantil- Parte 1 2

APRESENTAÇÃO

PROF. SARAH
COZAR
Antes de iniciarmos o estudo das principais afecções
cirúrgicas pediátricas, você precisa ter em mente que neste
material vamos tratar de um imenso escopo de patologias, em
pacientes pediátricos de diferentes faixas etárias.
Dividimos este conteúdo em três volumes para tornar sua
leitura menos exaustiva.
Vamos começar nosso estudo pelas principais causas
cirúrgicas de desconforto respiratório neonatal: a hérnia
diafragmática congênita (HDC) e as malformações bronco-
pulmonares. Na sequência, partiremos para o estudo das
principais afecções cirúrgicas abdominais do RN. Diferente do
adulto, no recém-nascido com abdome agudo, o quadro clínico
e a radiografia simples de abdome são suficientes para definir
a conduta terapêutica, na maioria dos casos. Acredite, por mais
difícil que possa ser na prática, na sua prova você não terá grandes
dificuldades para reconhecer as mais diferentes patologias! Isso
porque as bancas costumam trazer um paciente com quadro
clínico-radiológico clássico.
Nosso método de ensino é baseado em uma metodologia
denominada engenharia reversa: antes de redigir determinado
material, realizamos inúmeras questões sobre este assunto,
conhecemos as características peculiares das mais diferentes
bancas em todos os estados do Brasil, para que pudéssemos
orientá-lo da forma mais assertiva possível.

Estratégia
MED
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Ao longo dos próximos volumes, vamos ainda discutir as você não vá despreparado para as provas, e contamos ainda com
principais afecções abdominais adquiridas do recém-nascido e do um fórum para incluir o que for publicado após o lançamento
infante, as afecções cirúrgicas hepatobiliares, hérnias e hidroceles, do material digital. Fique sempre atento à nossa plataforma
doenças do trato geniturinário e, por fim, os principais tumores digital! Após completar a leitura, se ainda existirem dúvidas, corra
sólidos da criança. até nosso fórum de dúvidas! Sinta-se à vontade para entrar em
Nosso material foi preparado com todo cuidado de contato comigo por meio de minhas redes sociais ou por e-mail!
acrescentar o que há de mais atual na literatura médica para que Mãos à obra! Desejo a você uma excelente leitura!

Profª. Sarah Cozar Zolio – Graduada em Medicina pela Pontifícia


Universidade Católica de Campinas e Cirurgiã Geral pelo Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-SP.

Estratégia MED

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Estratégia
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CIRURGIA Cirurgia Infantil - Parte 1 Estratégia
MED

SUMÁRIO
1.0 HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA 6
1.1 ETIOPATOGÊNESE 6

1.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 7

1.3 DIAGNÓSTICO 9

1.4 TRATAMENTO 9

2.0 PRINCIPAIS MALFORMAÇÕES BRONCOPULMONARES 11


2.1 MALFORMAÇÃO ADENOMATOIDE CÍSTICA 11

2.2 ENFISEMA LOBAR CONGÊNITO 13

3.0 ATRESIA DO ESÔFAGO E FÍSTULA TRAQUEOESOFÁGICA 15


3.1 PATOGÊNESE 16

3.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 18

3.3 DIAGNÓSTICO 18

3.4 TRATAMENTO 21

3.5 RESULTADOS 22

4.0 OBSTRUÇÃO DUODENAL 24


4.1 ATRESIAS E ESTENOSES DUODENAIS 25

4.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 26

4.3 DIAGNÓSTICO 26

4.4 TRATAMENTO 30

5.0 ATRESIAS JEJUNOILEAIS 31


5.1 PATOGÊNESE E CLASSIFICAÇÃO 31

5.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 31

5.3 DIAGNÓSTICO 32

5.4 TRATAMENTO 33

6.0 MÁ ROTAÇÃO INTESTINAL E VÓLVULO DE INTESTINO MÉDIO 34


6.1 EMBRIOLOGIA DO INTESTINO MÉDIO 34

6.2 PATOGÊNESE 37

6.3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 38

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6.4 DIAGNÓSTICO 38

6.5 TRATAMENTO 41

7.0 SÍNDROME DO INTESTINO CURTO 41


8.0 ÍLEO MECONIAL 42
8.1 PATOGÊNESE 42

8.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 43

8.3 DIAGNÓSTICO 44

8.4 TRATAMENTO 44

9.0 DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG 46


9.1 PATOGÊNESE 46

9.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 47

9.3 DIAGNÓSTICO 49

9.4 TRATAMENTO 51

10.0 MALFORMAÇÕES ANORRETAIS 52


10.1 PATOGÊNESE 53

10.2 CLASSIFICAÇÃO E APRESENTAÇÃO CLÍNICA 53

10.3 AVALIAÇÃO E CONDUTA 54

10.4 TRATAMENTO CIRÚRGICO 57

10.4.1 LESÕES BAIXAS 57

10.4.2 LESÕES ALTAS 57

11.0 MALFORMAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL 59


11.1 ONFALOCELE 59

11.2 GASTROSQUISE 61

11.3 PROGNÓSTICO DAS MALFORMAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL 63

12.0 LISTA DE QUESTÕES 65


13.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 66
14.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 66

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CAPÍTULO

1.0 HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA


A hérnia diafragmática congênita (HDC) é uma causa relativamente comum de desconforto respiratório neonatal, com incidência geral
de um em 2.000 – 5.000 nascidos vivos. Apesar das estratégias inovadoras mais recentes, a HDC permanece sendo uma das condições mais
desafiadoras tratadas pela cirurgia pediátrica.

1.1 ETIOPATOGÊNESE

Acredita-se que a HDC resulte da falha no desenvolvimento intrauterino do diafragma, uma estrutura anatômica que separa as cavidades
pleural e peritoneal. Essa falha resulta em um defeito diafragmático, mais frequentemente posterolateral.

• As HDC posterolaterais são conhecidas como HÉRNIAS DE BOCHDALEK.


• O defeito diafragmático é mais comum do lado esquerdo (90%).
• A HDC bilateral é extremamente rara.
• Na maioria das vezes a herniação ocorre sem a presença de um saco herniário - O saco herniário é uma estrutura pleuroperitôneal
e pode ser identificado em cerca de 15% dos casos, apenas.

Os defeitos diafragmáticos posterolaterais permitem que o • Hipoplasia pulmonar


conteúdo abdominal hernie para a cavidade pleural e comprima o • Persistência do ducto arterioso
pulmão em formação, provocando desenvolvimento anormal das • Persistência do forame oval
vias aéreas e da vasculatura pulmonar. • Má rotação intestinal.
O pulmão ipsilateral ao defeito é mais afetado, mas ambos os É importante lembrarmos que crianças que nascem com
pulmões são hipoplásicos, ou seja, com brônquios menores, menos malformações congênitas maiores têm um risco mais elevado
ramificações bronquiais e menor área de superfície alveolar. Além do que o da população geral de serem portadoras de outras
disso, as arteríolas pulmonares apresentam aumento da espessura anomalias congênitas associadas. Nesse contexto, recém-nascidos
da musculatura lisa em suas paredes e tornam-se extremamente com HDC não são exceção a essa regra. Aproximadamente 40% das
sensíveis a fatores vasoativos locais e sistêmicos. crianças com HDC são portadoras de uma ou mais malformações
A herniação de órgãos abdominais para o tórax e a hipoplasia associadas, entre elas:
pulmonar costumam levar ao surgimento de outras anomalias • Anomalias cardíacas
intratorácicas. Esse conjunto de alterações, que surge como • Anomalias geniturinárias
consequência à herniação, pode ser chamado de “síndrome da • Anomalias gastrointestinais
HDC”. Essa síndrome é frequentemente caracterizada por: • Anomalias do sistema nervoso central
• Hérnia diafragmática congênita • Anomalias cromossômicas.

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1.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Noventa por cento dos pacientes com HDC já são sintomáticos nas primeiras 24 horas de vida. A principal manifestação clínica é o
desconforto respiratório. Nesse contexto, quanto mais cedo surgirem os sinais e sintomas, mais grave tende a ser o acometimento pulmonar.
Os elementos da apresentação clínica costumam incluir taquipneia associada à retração subcostal e da fúrcula esternal, além de
cianose e dispneia.
Essa apresentação tende a piorar progressivamente com o passar do tempo e isso acontece por três motivos:

1. Há distensão gasosa progressiva do intestino intratorácico, que é acelerada pela aerofagia, comum em crianças com desconforto
respiratório;
2. Há aumento gradual do volume herniado para o interior do tórax, como resultado da pressão negativa provocada pelos movimentos
inspiratórios;
3. Há hipoxemia, hipercapnia e acidose de caráter progressivo. Esses eventos acontecem como consequência a um círculo vicioso que
agravam a hipertensão pulmonar já existente. Veja como esse ciclo acontece:
A hipoplasia do parênquima pulmonar e à compressão dos pulmões pelas vísceras abdominais produzem hipertensão pulmonar.
Esse regime hipertensivo faz com que haja persistência do padrão de circulação fetal, levando a um shunt direita-esquerda, que
impede a oxigenação adequada do sangue.
Esse fenômeno promove hipóxia, acidose e hipercapnia e essas três alterações são estímulos à vasoconstrição pulmonar, devido
à hipersensibilidade das arteríolas pulmonares
Desse modo, a hipóxia, a acidose e a hipercapnia agravam a hipertensão pulmonar e a piora na hipertensão leva ao aumento
do volume de sangue circulante através do shunt. O aumento do shunt, por sua vez, piora ainda mais a hipóxia a acidose e a
hipercapnia. Ou seja, temos um ciclo vicioso.

Outros elementos clínicos relacionados à HDC incluem:

• Baixo débito cardíaco e sinais de hipoperfusão - A hipertensão pulmonar também compromete a função do ventrículo
direito, levando a essas duas alterações.
• Abdome escafóide ou escavado - A migração das vísceras abdominais para o tórax faz com que o abdome adquira essa
conformação.
• Murmúrios vesiculares diminuídos
• Ruídos hidroaéreos no hemitórax que contém o conteúdo herniado.
• Aumento do diâmetro anteroposterior do tórax
• Desvio do ictus cordis e das bulhas cardíacas para o lado contralateral ao da hérnia.

Outro elemento clínico interessante é a diferença dos valores de oximetria de pulso pré-ducto e pós-ducto arterioso. Essa diferença é
consequência da presença de shunt direita-esquerda, resultado da hipertensão pulmonar.
Veja como as bancas costumam cobrar essa afecção nas provas de cirurgia!

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CAI NA PROVA

(Centro Médico de Campinas – 2019) Um recém-nascido que apresenta, algumas horas após o nascimento, desconforto respiratório,
causando hipoxemia severa, respiração ruidosa com grunhido, tiragem, dispneia, cianose, abdome escafoide e desvio das bulhas cardíacas
para a direita, apresenta provavelmente diagnóstico de:

A) Hérnia diafragmática congênita.


B) Malformação adenomatoide cística congênita.
C) Cisto broncogênico.
D) Eventração diafragmática.

COMENTÁRIO

Estamos diante de um RN que, nas primeiras horas de vida, está em franca insuficiência respiratória. São muitas as afecções que
se manifestam por meio de desconforto respiratório nas primeiras horas de vida de um RN, mas, nas provas de Residência Médica, não
encontraremos grandes dificuldades se ficarmos atentos a alguns dados do enunciado. Guarde esta informação: sempre que o examinador
disser que um neonato apresenta SINAIS DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA e, ao exame físico, seu ABDOME é ESCAFOIDE ou apresenta
AUMENTO DO DIÂMETRO ÂNTERO-POSTERIOR DO TÓRAX E DESVIO DAS BULHAS CARDÍACAS PARA DIREITA, esse RN, até que se prove o
contrário, é portador de HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA! A alternativa correta é a letra A.
A seguir, veremos como manifestam-se a malformação adenomatoide cística e os cistos broncogênicos, ambas malformações císticas da
árvore respiratória que estão entre os diagnósticos diferenciais de desconforto respiratório no RN, mas não é esperado que o portador dessas
afecções apresente abdome escafoide, que só ocorre na HDC, uma vez que as vísceras abdominais herniam para o tórax em consequência do
defeito no diafragma.
A eventração diafragmática é o termo utilizado para referir-se a uma elevação anormal do diafragma; pode ser congênita ou adquirida,
esta última geralmente secundária à lesão do nervo frênico. Admite-se que a eventração diafragmática congênita seja decorrente de falha
na muscularização do diafragma e não de falha na fusão de suas partes, como ocorre na HDC. A área eventrada é inativa. Geralmente, os
pacientes portadores dessa afecção não apresentam sintomas logo após o nascimento, sendo mais comum o desenvolvimento de infecções
de repetição em lactentes.

Correta a alternativa A.

(UNICAMP – 2017) Recém-nascido com 6 horas de vida começou a apresentar insuficiência respiratória aguda progressiva. Exame físico:
coração: bulhas rítmicas normofonéticas em hemitórax direito; abdome: escavado. O DIAGNÓSTICO É:

A) Persistência do canal arterial.


B) Situs inversus totalis.
C) Hérnia diafragmática congênita.
D) Cisto broncogênico.

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COMENTÁRIO

Mais uma vez, um neonato, em suas primeiras horas de vida, que apresenta SINAIS DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA, ABDOME
ESCAFOIDE E BULHAS CARDÍACAS EM HEMITÓRAX DIREITO, até que se prove o contrário, é portador de HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA!

Correta a alternativa C.

1.3 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de hérnia diafragmática congênita é frequentemente realizado


durante o acompanhamento pré-natal, através da ultrassonografia.
A HDC está entre as causas de polidrâmnio materno, aparentemente devido à
diminuição do volume de líquido amniótico deglutido pelo feto, provavelmente, por
causa de obstrução digestiva relacionada à hérnia.
Após o nascimento, em bebês que manifestam desconforto respiratório, a
radiografia simples do tórax é suficiente para confirmar o diagnóstico.
A imagem típica é caracterizada por:

• Várias alças intestinais no interior da cavidade torácica


• Desvio mediastinal contralateral à hérnia
• Diminuição ou ausência de conteúdo gasoso no abdome (figura 01).
Quando é realizada a sondagem orogástrica, o cateter aparece enrolado no
tórax, caso o estômago também esteja herniado.

Figura 01: Radiografia de tórax de recém-nascido


com hérnia de Bochdalek. Imagens radiolucentes,
semelhantes a bolhas, no hemitórax esquerdo
correspondem às alças intestinais. O mediastino
encontra-se desviado para a direita.

1.4 TRATAMENTO

Quando o diagnóstico de HDC é realizado durante o pré-natal, grandes centros.


a cirurgia fetal se apresenta como uma abordagem promissora. O manejo pós-natal da HDC é direcionado para estabilização
Uma das técnicas de abordagem intra-útero é a oclusão da traqueia cardiorrespiratória. A HDC, em um primeiro momento, não é uma
fetal. Essa medida parece estimular o desenvolvimento pulmonar e emergência cirúrgica, mas sim uma emergência clínica. Portanto,
atenua a hipoplasia. o reparo cirúrgico da HDC deve ser postergado por 2 a 4 dias, até
A abordagem intra-útero tem ganhado grande interesse que a estabilização cardiorrespiratória tenha sido alcançada. A
recentemente, mas sua aplicabilidade permanece limitada a prioridade deve ser o tratamento da hipertensão pulmonar.

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O tratamento cirúrgico é feito por meio de incisão abdominal subcostal e então, as vísceras herniadas são reduzidas para a cavidade
abdominal e o defeito diafragmático é corrigido. Tipicamente, o defeito é grande, com apenas um pequeno folheto ântero-medial de diafragma
presente. Portanto, é comum a necessidade de materiais protéticos para o reparo. A técnica com uso de tela de PTFE costuma ser a mais
empregada, por permitir menor tempo cirúrgico e reparo livre de tensão.

Já vimos que as HDC posterolaterais são as HÉRNIAS DE BOCHDALEK.


Já as HDC ântero-mediais são conhecidas como HÉRNIAS DE MORGAGNI, também chamadas de
retroesternais ou paraesternais.
Essas hérnias são bem menos frequentes que as hérnias posterolaterais e seu diagnóstico muitas
vezes é postergado até a infância, pois os recém-nascidos geralmente são assintomáticos.
Uma radiografia simples de tórax pode ser capaz de realizar o diagnóstico. Uma das alterações
identificável nesse exame é a presença de nível hidroaéreo em posição mediastinal retroesternal,
correspondente à herniação de vísceras ocas nessa posição.
O tratamento das hérnias de Morgagni envolve a redução do conteúdo herniado e ressecção do saco
herniário, quando presente, seguidas do reparo primário do defeito diafragmático.

A imagem a seguir (figura 02) demonstra a localização dos defeitos diafragmáticos nas hérnias de Bochdalek e Morgagni. Lembre-se
dela!

Figura 02: Localização dos principais defeitos diafragmáticos congênitos, em vista inferior do diafragma: forames de Morgagni, anterior, e de Bochdalek, posterolateral.

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CAPÍTULO

2.0 PRINCIPAIS MALFORMAÇÕES


BRONCOPULMONARES
As lesões congênitas broncopulmonares são um grupo de desde insuficiência respiratória grave a pacientes oligossintomáticos.
afecções relativamente raras, de expressão clínica extremamente Nesse contexto, duas afecções broncopulmonares congênitas
variável. Suas manifestações clínicas podem ser percebidas em merecem destaque por cursarem com desconforto respiratório nas
uma linha de tempo que inclui desde o período fetal ou neonatal primeiras horas de vida, de forma semelhante à hérnia diafragmática
até a adolescência. congênita, sendo muitas vezes difícil diferenciá-las. Veja a seguir!
As manifestações clínicas também são variáveis e podem ir

2.1 MALFORMAÇÃO ADENOMATOIDE CÍSTICA

Definição. A doença adenomatoide cística, ou malformação adenomatoide cística (MAC), é uma afecção que acomete todo um lobo
pulmonar e caracteriza-se pela substituição do parênquima pulmonar por uma massa multicística.
Acredita-se que sua gênese esteja relacionada a um estímulo anormal para o supercrescimento dos bronquíolos, em detrimento
do subdesenvolvimento dos alvéolos, dando origem às alterações anatomopatológicas observadas: múltiplos cistos de diversos tamanhos
ocupando o parênquima pulmonar.

Quadro clínico. O quadro clínico é variável e depende da extensão do acometimento pulmonar. Pacientes com lesões volumosas, que
determinam compressão do parênquima e de estruturas vizinhas, apresentam manifestações clínicas ainda no período neonatal, que podem
incluir desconforto respiratório grave, com risco de morte.
Os pacientes com menores extensões de parênquima acometido costumam ser assintomáticos durante esse período, mas podem
apresentar infecções pulmonares bacterianas recorrentes em idade pré-escolar.

Diagnóstico. Atualmente, a maioria dos casos é diagnosticada pelo ultrassom pré-natal. Nos casos em que se manifesta por insuficiência
respiratória no período neonatal, a doença adenomatoide cística pode ser diagnosticada pela radiografia simples de tórax. A tomografia
computadorizada pode ser realizada para confirmação, em casos de dúvida diagnóstica (figura 03).
Em relação aos achados de imagem pós-natal, normalmente, identificam-se múltiplos cistos, geralmente unilaterais e unilobares -
imagens císticas, ovalares, radioluscentes. Nas formas extensas, podemos encontrar desvio contralateral do mediastino e depressão da
cúpula diafragmática ipsilateral.
Nas radiografias realizadas nas primeiras horas de vida, os cistos encontram-se parcialmente preenchidos por líquido; mas, quando o
ar ocupa o espaço previamente preenchido por líquido, os múltiplos cistos podem expandir-se e mimetizam alças intestinais na cavidade
torácica, como na HDC.

Tratamento. O tratamento é sempre cirúrgico e consiste na retirada do lobo acometido. A cirurgia é curativa.
Caso não seja tratada cirurgicamente, a malformação adenomatoide cística pode apresentar transformação maligna (já foi relatada
evolução para rabdomiossarcoma).

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Figura 03: Malformação adenomatoide cística. Radiografias de tórax em posição ântero-posterior, à esquerda, e perfil, à direita, evidenciando imagens radiolucentes,
com aspecto de bolhas, de dimensões variáveis, em lobo superior direito, melhor visualizadas à tomografia computadorizada do tórax.

#FICAADICA

Após o nascimento, um recém-nascido apresenta insuficiência respiratória e, à radiografia de tórax, são


visualizadas múltiplas imagens radiolucentes semelhantes a bolhas no hemitórax esquerdo. Esse RN é portador
de HDC ou MAC?
# DICA 01: em caso de HDC, o abdome pode estar “vazio” (abdome escafoide) e podem ser auscultados
ruídos hidroaéreos no tórax. Essa você já sabia!
# DICA 02: na HDC esquerda, o estômago pode ter localização torácica ou posição anormal na cavidade
abdominal (mais próximo à linha média ou inferior à localização habitual). Um cateter gástrico pode auxiliar:
a extremidade da sonda gástrica visível na topografia normal do estômago orienta o diagnóstico para MAC.
# DICA 03: apenas na MAC é possível observar a cúpula diafragmática ipsilateral à lesão.

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(Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP - 2019) Recém-nascido a termo apresentou insuficiência respiratória logo após o nascimento.
A radiografia de tórax evidenciou imagens radioluscentes com aspecto de bolhas de diversos tamanhos no hemitórax esquerdo, com desvio
contralateral do mediastino. Bolha gástrica tópica. O diagnóstico provável é:

A) Malformação adenomatoide cística.


B) Hérnia diafragmática.
C) Cisto broncogênico.
D) Pneumotórax.
E) Hipoplasia pulmonar.

COMENTÁRIO

Acabamos de ver que um recém-nascido com hérnia diafragmática congênita apresenta desconforto respiratório logo após o nascimento
e a radiografia de tórax evidencia imagens radiolucentes semelhantes a bolhas, geralmente no hemitórax esquerdo, que correspondem às
alças intestinais, além de desvio contralateral do mediastino. Entretanto, o examinador deu uma dica valiosa para orientar nosso diagnóstico:
a presença de bolha gástrica tópica! Conforme você leu acima, na HDC o estômago pode ter localização intratorácica ou abdominal anormal!
Portanto, esse RN deve ser portador de MAC!

Correta a alternativa A.

2.2 ENFISEMA LOBAR CONGÊNITO

Definição. O enfisema lobar congênito (ELC) consiste na hiperinsuflação de um lobo pulmonar devido ao desenvolvimento broncopulmonar
anormal. As etiologias desse quadro podem incluir a obstrução endobrônquica por proliferação mucosa ou a compressão brônquica extrínseca
por anomalias vasculares.
Em mais de 90% dos casos, o ELC envolve o lobo superior esquerdo ou lobo médio direito.

Quadro clínico. O quadro clínico é variável e pode estar presente desde os primeiros dias de vida a até seis meses após o nascimento.
A principal manifestação clínica são graus variados de desconforto respiratório, como consequência da hipoventilação do
parênquima pulmonar normal, que é comprimido pelo lobo hiperinsuflado.

Diagnóstico. Na maioria das vezes, o diagnóstico é feito pela radiografia de tórax. Nesse exame, observamos uma área de
hipertransparência do lobo doente (figura 04). Vale ressaltar que, caso a radiografia seja feita logo após o nascimento, o lobo acometido pode
estar parcialmente preenchido por líquido e apresentar-se radiopaco. Com o tempo, o líquido é reabsorvido e o lobo torna-se radiotransparente.
Outra caracterísitca visível ao raio-x é a compressão das áreas de parênquima saudável e do pulmão contrtalateral, pelo segmento
hiperinsuflado, promovendo áreas de Atelectasia e, até mesmo, desvio mediastinal contralateral.

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Tratamento. Quando o ELC é descoberto em paciente assintomático,


recomenda-se sua observação, afinal, essas lesões possuem tendência à
regressão espontânea. Nos pacientes sintomáticos, o tratamento consiste na
remoção do lobo acometido.

Vamos aprender com as questões a seguir.

CAI NA PROVA

(FAMERP - 2018) Recém-nascido apresentando ao exame físico cianose, Figura 04: Radiografia simples de tórax de paciente com
dispneia, desvio do ictus cordis, abolição do murmúrio vesicular no hemitórax enfisema lobar congênito no lobo inferior direito. Observe a
hiperinsuflação do lobo doente, promovendo desvio mediastinal
direito superior, hipersonoridade no mesmo local e na radiografia de tórax contralateral.
mostrou uma hiperdistensão do lobo pulmonar superior direito. Em que
patologia podemos pensar?

A) Enfisema lobar congênito.


B) Sequestro pulmonar.
C) Malformação adenomatoide cística pulmonar congênita.
D) Cisto pulmonar.

COMENTÁRIO

Qual é o diagnóstico desse RN com desconforto respiratório, cujo exame físico revela abolição do murmúrio vesicular no hemitórax
direito superior e hipersonoridade no mesmo local (indicando hiperinsuflação) e cuja radiografia de tórax mostrou hiperdistensão do lobo
pulmonar superior direito? Esse RN apresenta enfisema lobar congênito. A alternativa correta é a letra A.
Vamos avaliar as demais alternativas:

Incorreta a alternativa B. Denomina-se sequestro pulmonar a presença de tecido histologicamente semelhante ao tecido pulmonar, porém
sem comunicação com a árvore brônquica e irrigado por artéria sistêmica, com frequência ramo direto da aorta abdominal. O quadro
clínico do sequestro pulmonar é pobre, não raro permanecendo assintomático por longos períodos e diagnosticado ocasionalmente em
exame de imagem realizado por outras causas. A radiografia de tórax pode levantar a suspeita, confirmada pela demonstração de irrigação
arterial anômala por angiotomografia.
Incorreta a alternativa C. A doença adenomatoide cística, como vimos, é uma afecção caracterizada pela substituição do parênquima
pulmonar por múltiplos cistos de diversos tamanhos.

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Incorreta a alternativa D. O cisto congênito do pulmão é uma malformação pulmonar periférica. Apresenta pequenas comunicações com
a árvore respiratória, razão pela qual se apresenta como lesão aerada. Pode, entretanto, apresentar-se como lesão cística, primariamente,
cheia de líquido, ou secundariamente, quando infectado. Pode ser causa de desconforto respiratório perinatal, mas, caracteristicamente,
apresenta-se em lactentes ou pré-escolares, que apresentam infecções respiratórias de repetição. É facilmente identificado à radiografia
simples de tórax ou por meio de tomografia computadorizada, como lesão cística intraparenquimatosa de grandes proporções.

Correta a alternativa A.

(Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP - 2017) Frente a um neonato com desconforto respiratório grave, o exame subsidiário mais
útil para confirmar o diagnóstico de enfisema lobar congênito é:

A) RX de tórax.
B) Broncoscopia.
C) Tomografia computadorizada do tórax.
D) Arteriografia pulmonar.
E) Videotoracoscopia.

COMENTÁRIO

Agora, você já sabe! Quando suspeitar que um RN pode ser portador de enfisema lobar congênito, apenas uma radiografia simples do
tórax permite firmar o diagnóstico, sendo identificado lobo hipertransparente, que pode promover compressão do parênquima adjacente,
formação de atelectasias e desvio mediastinal contralateral. Os demais exames ficam reservados para quando houver dúvida diagnóstica.

Correta a alternativa A.

CAPÍTULO

3.0 ATRESIA DO ESÔFAGO E FÍSTULA


TRAQUEOESOFÁGICA
A atresia do esôfago é uma malformação congênita caracterizada pela interrupção da luz esofágica em sua porção torácica, com
ausência de um segmento do esôfago. A incidência da atresia varia de um em 3.000 – 10.000 nascidos vivos, com uma média de 1 : 4.000 e
predomínio discreto no sexo masculino.
A fístula traqueoesofágica (FTE), por sua vez, consiste em uma comunicação anormal entre o esôfago e a traqueia.
Essas duas afecções podem ocorrer separadamente, mas frequentemente acontecem em conjunto e, por isso, foram colocadas
juntas nesse capítulo.
É importante sabermos que cerca de 60% dos neonatos acometidos por atresia de esôfago/fístula traquoesofágica irão apresentar
outros tipos de anomalias associadas. Além disso, síndromes conhecidas podem estar presentes em aproximadamente 20% dos casos, tais
como a a síndrome de Down e as trissomias dos cromossomos 13 e 8.

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A prematuridade também é mais frequente nessas crianças e em aproximadamente 10% dos pacientes com anomalia há associação
com as anomalias relacionadas pelo acrônimo VACTERL (ou VACTER).
Você conhece esse acrônimo?

Vamos aprender com a questão.

CAI NA PROVA

(Hospital Universitário da UEL – 2018) Na atresia de esôfago, há uma associação de malformações, particularmente comum, conhecida como
síndrome de VACTER. Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, o significado da letra “A” nessa sigla.

A) Agenesia da tíbia.
B) Alteração auricular.
C) Atresia do rádio.
D) Anomalia anorretal.
E) Malformação aórtica.

COMENTÁRIO

Aproximadamente, 60% a 70% dos bebês com atresia do esôfago, com ou sem fístula traqueoesofágica, apresentam outras anomalias
associadas. Em 10% dos pacientes, há associação não randômica, não hereditária, de anomalias relacionadas pelo acrônimo VACTERL
(Vertebral, Anorretal, Cardíaca, Traqueal, Esofágica, Renal e Limb – membro), ou VACTER (Vertebral, Anorretal, Cardíaca, Traqueal, Esofágica,
Renal ou Rádio). Dessa forma, a letra A do acrônimo representa as anomalias anorretais, o que nos leva à alternativa D. Nesse contexto, as
anomalias mais comumente associadas são as cardíacas, sendo as responsáveis em parte pela mortalidade desses recém-nascidos.

Correta a alternativa D.

3.1 PATOGÊNESE

A atresia esofágica decorre da reabsorção do terço médio do esôfago. Esse evento cria uma falha entre o esôfago proximal e o distal.
Anatomicamente, a atresia se apresenta em 5 formas mais comuns, representadas na imagem abaixo (figura 05).
Conforme a ordem de incidência temos:

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• Atresia com fístula distal (tipo III),


• Atresia sem fístula (tipo I)
• Atresia com fístula proximal (tipo II)
• Atresia com dupla fístula - proximal e distal (tipo IV)
• Fístula em H sem atresia (tipo V)

Figura 05: Formas de apresentação da atresia de esôfago e fístula traqueoesofágica.

O tipo mais comum é a atresia com fístula traqueoesofágica distal, em que o esôfago proximal termina em fundo cego, à distância
de aproximadamente um a dois corpos vertebrais da fístula traqueoesofágica distal, tipicamente localizada logo acima da carina, na
porção membranosa da traqueia.

CAI NA PROVA

(Fundação João Goulart – 2019) Em relação a atresia de esôfago e fístula traqueoesofágica congênita, a apresentação mais frequente é:

A) Fístula traqueoesofágica sem atresia de esôfago.


B) Atresia de esôfago isolada sem fistula traqueoesofágica.
C) Atresia de esôfago distal com fístula traqueoesofágica proximal.
D) Atresia de esôfago proximal com fístula traqueoesofágica distal.

COMENTÁRIO

Viu só como esses conceitos são cobrados? Conforme lido no quadro em destaque acima, a apresentação mais frequente é a atresia de
esôfago proximal com fístula traqueoesofágica distal.

Correta a alternativa D.

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3.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

O RN com atresia do esôfago com FTE pode apresentar as seguintes manifestações clínicas:

• Salivação excessiva.
• Regurgitação.
• Impossibilidade de progredir sonda gástrica.
• Tosse ou engasgo durante a primeira alimentação oral.
• Distensão gástrica aguda (pode ocorrer como resultado do ar entrando no esôfago distal e estômago através da fístula
traqueal).
• Tosse, taquipneia, cianose e/ou apneia - o refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago distal pode ultrapassar a FTE e entrar
de forma abrupta na traqueia.
• Pneumonias aspirativas e atelectasia.

Nos casos de atresia sem fístula, o quadro respiratório é menos intenso, de início mais tardio e predomina a sialorreia.

3.3 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico pré-natal pode ser suspeitado na presença de polidrâmnio materno,


frequentemente presente nos casos de atresia. A ultrassonografia também pode mostrar o
coto esofágico proximal dilatado, além de uma câmara gástrica muito diminuída nos casos de
atresia sem FTE.
Após o nascimento, diante de suspeita clínica, a parada de progressão de sonda
nasogástrica a 8 a 12 cm da narina de um RN é característica cardinal para o diagnóstico da
atresia de esôfago. Nesse contexto, devemos realizar radiografias simples de tórax e abdome e a
interpretação desse exame pode ser feita da seguinte maneira:

1. A impossibilidade de progredir a sonda, associada à presença de gás no trato


gastrointestinal abaixo do diafragma é altamente sugestiva de FTE associada.
2. Por outro lado, a impossibilidade de progredir uma sonda nasogástrica em bebê sem
Figura 06: Atresia de esôfago. Observe
evidência radiográfica de gás no trato gastrointestinal é praticamente diagnóstica de a sonda nasogástrica enovelada no coto
atresia de esôfago isolada, ou seja, sem FTE. esofágico proximal.

Em ambos os casos, a radiografia pode demonstrar a sonda enovelada no coto esofagiano proximal (figura 06). O uso de contraste oral
para identificar a presença e/ou nível de atresia do esôfago proximal é fortemente desaconselhável, devido ao risco de broncoaspiração do
contraste.

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Lembre-se! Após o diagnóstico, outras anomalias associadas devem ser pesquisadas. Ecocardiograma está indicado para avaliação
de defeitos cardíacos congênitos e anomalias do arco aórtico, assim como ultrassom renal para identificação de malformações
geniturinárias. O exame radiológico permite, ainda, o reconhecimento de malformações vertebrais.

CAI NA PROVA

(USP-SP - 2022) Recém-nascido de termo apresenta salivação abundante e impossibilidade de passagem da sonda orogástrica na sala de
parto. A ausculta cardiopulmonar é normal e não se notam outras alterações ao exame físico. Qual é o exame indicado neste momento?

A) Broncoscopia.
B) Tomografia de tórax e abdome com contraste oral.
C) Ultrassonografia de tórax e abdome.
D) Radiografia de abdome.

COMENTÁRIOS:

Já sabemos que sempre que estivermos diante de um RN com salivação excessiva e impossibilidade de passagem de sonda orogástrica,
devemos pensar no diagnóstico de ATRESIA DE ESÔFAGO. Nesse contexto, a radiografia de abdome, assim como a de tórax, estão indicadas
para realizar o diagnóstico.

Gabarito: alternativa D.

(SES-RJ – 2021) Com 38 semanas, uma gestante abandonou o pré-natal, pois descobriu polidramnia através de uma ultrassonografia realizada
na 26° semana. Teve parto normal a termo, porém o recém-nascido apresenta intensa distensão abdominal ao chorar e engasgos ao mamar
o colostro. Nesse caso, a mal formação a ser considerada consiste em:

A) Imperfuração anal.
B) Má rotação do intestino anterior.
C) Atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica.
D) Atresia duodenal e fístula de ducto onfalomesentérico.

COMENTÁRIO

Qual é a principal hipótese diagnóstica para esse RN? Veja que ele apresenta importante distensão abdominal ao chorar e engasgos às
mamadas, quadro bastante sugestivo de atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica. Lembre-se: na presença de FTE, distensão gástrica
aguda pode ocorrer como resultado do ar entrando no esôfago distal e estômago em cada inspiração e pode ocorrer engasgo secundário à
aspiração do colostro para via aérea, devido a um coto esofágico em fundo cego.

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Correta a alternativa C.

(Hospital Universitário da UEL – 2018) Recém-nascido a termo, parto normal, submetido à tentativa de passagem de sonda orogástrica nº 8
Fr na sala de parto, com interrupção na sua progressão à cerca de 8 cm da narina. USG pré-natal evidenciou polidrâmnio. Em relação a esse
caso, assinale a alternativa que apresenta, corretamente, a principal hipótese diagnóstica.

A) Atresia intestinal.
B) Atresia de esôfago.
C) Atresia duodenal.
D) Brida de Ladd.
E) Cisto de mesentério.

COMENTÁRIO

Qual é o diagnóstico desse RN, cuja mãe apresentou polidrâmnio durante a gestação e cujo exame físico na sala de parto detectou
interrupção da progressão de sonda orogástrica a 8cm da narina? Esse RN é portador de atresia do esôfago! A rigor, o sinal mais precoce dessa
afecção é pré-natal, representado por polidrâmnio, que ocorre em 80% dos casos de atresia sem FTE e em 30% a 35% dos casos com FTE.
Quando o diagnóstico pré-natal não é realizado, essa anomalia deve ser considerada em RN com salivação excessiva e regurgitação, tosse ou
engasgo durante a primeira alimentação oral. Diante de suspeita clínica, a parada da progressão de sonda nasogástrica a 8 a 12cm da narina
de um RN é característica cardinal para o diagnóstico da atresia do esôfago.
Nos itens que se seguem, discutiremos as atresias intestinais, incluindo as atresias duodenais e jejunoileais, citadas nas alternativas
A e C, e definiremos o que são as bridas de Ladd, que constam na alternativa D. Mas já adianto: são todas causas de obstrução intestinal no
recém-nascido!
Os cistos de mesentério são lesões raras, essencialmente benignas e curadas com a ressecção cirúrgica. São formações císticas
localizadas principalmente no mesentério do segmento jejunoileal e do cólon que provavelmente são originadas a partir de malformação do
sistema linfático, sem comunicação com a rede de drenagem central da linfa. Podem assumir diversos tamanhos, desde poucos centímetros
até grandes proporções. Os cistos pequenos são em geral assintomáticos, enquanto os maiores podem causar dor ou massa abdominal.

Correta a alternativa B.

(Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP - 2020) Gestante de 24 semanas vem para consulta de rotina pré-natal. A ultrassonografia
morfológica evidenciou feto feminino, único, artéria umbilical única e polidrâmnio, sem visibilização de bolha gástrica. O diagnóstico é:

A) Atresia de esôfago sem fístula.


B) Atresia de primeira porção duodenal.
C) Coristoma.
D) Fístula em H.
E) Atresia de esôfago com fístula distal.

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COMENTÁRIO

O examinador forneceu dois dados importantes para o diagnóstico desse bebê: a presença de polidrâmnio materno e a não visualização
da bolha gástrica no feto. Esse último dado já descarta a alternativa B. Na atresia duodenal, pode haver polidrâmnio, mas a bolha gástrica
está presente, e o estômago dilatado e a primeira porção do duodeno obstruído do feto aparecem no exame ecográfico como duas imagens
císticas (cheias de líquido), conectadas ou não, no abdome fetal, o que dá nome ao sinal característico “da dupla bolha”, como veremos a
seguir.
O termo “coristoma” (ou heterotopia) aplica-se à presença de células ou tecidos microscopicamente normais que estão presentes
em locais anormais. Quando acomete o esôfago, pode apresentar-se como uma estenose congênita devido a tecido traqueobrônquico
heterotópico (cartilagem, glândulas respiratórias do epitélio mucoso ou ciliar). É uma anomalia rara e o diagnóstico é confirmado com a
anatomia patológica com a presença de tecido cartilaginoso e respiratório localizado fora do tecido de origem, ou seja, no esôfago. Os
sintomas de disfagia e de regurgitação iniciam-se na idade média de 3 a 5 meses e o tratamento é cirúrgico. Como ocorre apenas uma
estenose e não uma atresia, a bolha gástrica está presente e polidrâmnio pode estar ausente.
Ficamos então com o diagnóstico de atresia esofágica, resta saber qual é o tipo de atresia! Como vimos, existem cinco tipos mais
importantes de atresia, a maioria envolvendo uma fístula entre esôfago e traqueia. Volte à figura 05 para relembrar! O polidrâmnio materno
está presente na maioria dos casos de atresia sem fístula e em 30% a 35% dos casos com FTE, mas a ausência da bolha gástrica é observada
somente nos casos SEM FÍSTULA. Na fístula em H, por não haver obstrução esofágica, não haverá polidrâmnio e a bolha gástrica estará
presente. Na atresia de esôfago com fístula distal, pode ocorrer polidrâmnio, mas a bolha gástrica está presente porque há uma comunicação
entre o estômago e a traqueia.

Correta a alternativa A.

3.4 TRATAMENTO

A atresia de esôfago não é uma urgência cirúrgica, devendo término-terminal.


ser operada quando o recém-nascido estiver em boas condições, Em cerca de 25% dos casos, não é possível realizar
principalmente respiratórias. Enquanto aguarda a cirurgia, o RN anastomose esôfago-esofágica, pois os cotos esofágicos proximal
é posicionado com o tronco elevado, para minimizar o refluxo e distal estão muito distantes um do outro. Nesses casos, está
gastroesofágico. Deve-se realizar também a descompressão da indicada a esofagostomia cervical, ressecção do coto esofágico
bolsa esofágica proximal com uma sonda de aspiração em sucção distal e gastrostomia para alimentação.
contínua, o que evita a aspiração pulmonar de saliva. Além disso, Nesse cenário, o trânsito alimentar é reconstruído em um
nutrição parenteral e antibióticos de amplo espectro devem ser segundo tempo, quando a criança atinge idade próxima a um ano.
iniciados. A reconstrução é feita através da interposição de tubo gástrico
A abordagem do tipo mais comum de atresia do esôfago com (esofagogastroplastia) ou então, através da interposição de um
FTE envolve toracotomia posterior, identificação da fístula e sua segmento do cólon (esofagocoloplastia).
ligadura e secção, além da anastomose primária esôfago-esofágica

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3.5 RESULTADOS

A taxa de mortalidade da atresia de esôfago com ou sem após a administração contraste confirma o diagnóstico.
FTE está diretamente relacionada com as anomalias associadas, Fístulas pequenas costumam fechar espontaneamente
especialmente os defeitos cardíacos e as anomalias cromossômicas. quando tratadas com jejum oral, antibioticoterapia e nutrição
Na ausência desses fatores, é esperada sobrevida de mais de 95% parenteral. Nas fístulas grandes, com alto débito, deve-se realizar
dos pacientes após a correção cirúrgica do defeito. nova toracotomia, limpeza do mediastino, esofagostomia cervical e
As principais complicações pós-operatórias são os distúrbios ressecção do coto esofágico distal. Então a reconstrução do trânsito
da motilidade esofágica, refluxo gastroesofágico (25 – 50%), alimentar é programada para outro tempo operatório.
estenose da anastomose (15 - 30%), deiscência da anastomose (10 A estenose da anastomose é outra complicação cirurgica
– 20%) e traqueomalácea (08 – 15%). relativamente comum. As manifestações clínicas incluem disfagia e
A deiscência anastomótica é a complicação mais precoce aspiração pulmonar (crises de apneia e pneumonias de repetição).
e grave, ocorrendo geralmente entre o segundo e terceiro dia Nesses casos, o tratamento envolve dilatações endoscópicas
pós-operatório. Nesses casos, pode ocorrer desde um pequeno seriadas.
vazamento ou até mesmo deiscência total da anastomose, Nas estenoses mais intensas e refratárias à dilatação, deve-se
evoluindo com mediastinite, empiema, pneumotórax e sepse. suspeitar da presença de refluxo gastroesofágico concomitante, que
A suspeita diagnóstica de deiscência é feita através da apresenta incidência maior nesses pacientes quando comparados
identificação de secreção salivar no dreno posicionado próximo à às crianças normais. O tratamento cirúrgico do refluxo está indicado
anastomose (dreno vigilante) . A realização de radiografia do tórax nesse caso.

CAI NA PROVA

(Hospital Universitário da UEL – 2018) A respeito da atresia de esôfago, considere as afirmativas a seguir. I. A suspeita diagnóstica ocorre no
pré-natal e é confirmada na sala de parto. II. As complicações pós-operatórias mais frequentes são deiscência da anastomose, estenose da
anastomose e refluxo gastroesofágico (RGE). III. As anomalias associadas mais frequentes são cardíacas, renais e neurológicas. IV. O tipo mais
comum é sem fístula traqueoesofágica. Assinale a alternativa correta.

A) Somente as afirmativas I e II são corretas.


B) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
C) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

COMENTÁRIO

Vamos avaliar as alternativas a respeito da atresia de esôfago.

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I. Correta. Histórico materno de polidrâmnio está frequentemente presente e permite a suspeita pré-natal da atresia do esôfago.
Quando o diagnóstico pré-natal não é realizado, essa anomalia deve ser considerada em bebê com salivação excessiva e regurgitação,
tosse ou engasgo, durante a primeira alimentação oral. Após o nascimento, diante de suspeita clínica de atresia do esôfago, a parada
de progressão de sonda nasogástrica até o estômago de um RN é característica cardinal para o diagnóstico da atresia de esôfago.
II. Correta. As complicações pós-operatórias da atresia de esôfago, associada ou não à fístula traqueoesofágica, incluem distúrbios
da motilidade esofágica, refluxo gastroesofágico (25–50%), estenose da anastomose (15-30%), fístula da anastomose (10–20%) e
traqueomalácea (08–15%).
III. Incorreta. Aproximadamente 60% a 70% dos bebês com atresia do esôfago com ou sem fístula traqueoesofágica apresentam
anomalias associadas. Em 10% dos pacientes, há associação de anomalias relacionadas pelo acrônimo VACTERL (Vertebral, Anorretal,
Cardíaca, Traqueal, Esofágica, Renal e Limb – membro). As malformações cardíacas são as mais frequentemente associadas, seguidas
pelas anomalias gastrointestinais - sendo as mais comuns as anomalias anorretais e as obstruções duodenais -, anomalias ósseas,
principalmente da coluna vertebral, geralmente no metâmero da atresia, e malformações urinárias.
IV. Incorreta. O tipo mais comum é a atresia do esôfago com fístula traqueoesofágica (FTE) tipo III – há uma bolsa cega proximal, que
termina aproximadamente à distância de um ou dois corpos vertebrais da FTE distal. A FTE distal é tipicamente localizada 01cm acima
da carina, na porção membranosa da traqueia.

Correta a alternativa A.

(Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina da USP – 2015) Menina, 2 anos de idade, com o diagnóstico de refluxo
gastroesofágico desde 06 meses de idade. Quando está em esquema terapêutico correto fica completamente assintomática, entretanto há
um ano a criança não tem vindo aos retornos e nem tem feito uso correto das medicações. Há uma semana teve um episódio de engasgo
com um pedaço de carne e foi submetida a remoção por endoscopia. A mãe relata que a criança nasceu com atresia de esôfago e que foi
submetida a correção cirúrgica com 48 horas de vida. Qual a alternativa correta quanto ao diagnóstico e conduta terapêutica?

A) Refluxo gastroesofágico patológico; indicar pHmetria esofágica de 24 horas.


B) Estenose péptica de esôfago; deve ser feita cirurgia antirefluxo.
C) Esôfago de Barret; está indicada a esofagectomia.
D) Distúrbio de motilidade esofágica; deve ser feita manometria esofágica.

COMENTÁRIO

Os pacientes submetidos a correção da atresia esofágica, como você acabou de ler, estão sob risco aumentado de refluxo gastroesofágico
e alguns autores recomendam a manutenção do uso de inibidor da bomba de prótons por pelo menos 01 ano e por períodos maiores naqueles
que mantiverem refluxo. Como nossa paciente perdeu seguimento e não está em uso da medicação, evoluiu com estenose da anastomose, o
que explica a queixa de engasgo com um pedaço de carne, que necessitou de remoção endoscópica. Qual é o tratamento? Essa paciente deve
ser submetida ao tratamento da estenose e à cirurgia antirrefluxo. A melhor resposta está na alternativa B.

Correta a alternativa B.

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CAPÍTULO

4.0 OBSTRUÇÃO DUODENAL


A obstrução duodenal congênita é consequência de defeitos embrionários no desenvolvimento, que promovem alterações na
canalização ou na rotação das porções do intestino primitivo relacionadas à origem do duodeno. Além disso, alterações embrionárias das
estruturas próximas ao duodeno também podem levar à obstrução duodenal.
As obstruções duodenais congênitas podem ser classificadas como intrínsecas (atresia ou estenose duodenal) ou extrínsecas.
As principais causas de obstrução intrínseca incluem:
• Atresia
• Estenose
• Membrana duodenal

As principais causas de obstrução extrínseca incluem:


• Pâncreas anular (figura 07);
• As bridas de Ladd (figura 08), que ocorrem com as anomalias de rotação e fixação do intestino
• Duplicação duodenal
• Veia porta em posição anterior.

Figura 07: Pâncreas anular. O pâncreas desenvolve-se a partir de dois brotos embrionários, dorsal e ventral. O broto ventral cresce rodando ao redor do lado direito do
duodeno até encontrar-se e fundir-se com o broto dorsal, formando a glândula normal, que se situa à esquerda do duodeno. A fixação do broto ventral à direita, durante
a rotação, pode causar a permanência de tecido pancreático ao redor do duodeno, como um anel, causando estenose ou mesmo obstrução total.

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Figura 08: Bridas congênitas (bandas de Ladd).

As malformações duodenais costumam estar associadas às alterações cromossômicas, especialmente à síndrome de Down (30%)
e à prematuridade. A associação com outras anomalias, como malformações cardíacas, renais, esofágicas e anorretais, também é comum.
Essa associação frequente entre a atresia duodenal e outras anomalias sugere que a obstrução intrínseca do duodeno deva-se a um erro
congênito do desenvolvimento do embrião, que ocorre em fases mais precoces, ao contrário das atresias e estenoses do intestino distal que,
na maioria dos casos, são causadas por acidentes vasculares em fases tardias da gestação e raramente associam-se a outras malformações.

4.1 ATRESIAS E ESTENOSES DUODENAIS

Durante a quinta e sexta semanas, a luz do duodeno torna-se progressivamente menor e é temporariamente obliterada, devido à
proliferação de suas células epiteliais, recanalizando normalmente no final do período embrionário.
Acredita-se que a atresia duodenal ocorra como resultado de uma falha no processo de recanalização do duodeno a partir desse
estágio embrionário de cordão sólido. As variantes anatômicas possíveis (figura 09) incluem:

• Estenose duodenal;
• Atresia por membrana mucosa com a parede muscular intacta;
• Extremidades separadas por um cordão fibroso;
• Separação completa entre as extremidades atrésicas, com uma lacuna no duodeno;

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Figura 09: Representação gráfica das obstruções intrínsecas do duodeno. (A) Estenose duodenal. (B) Duas extremidades separadas por um cordão fibroso. (C) Atresia por
membrana mucosa. (D) Separação completa das extremidades atrésicas.

4.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Os RN com obstrução duodenal apresentam quadro de vômitos costumam ser biliosos.


obstrução alta do trato gastrointestinal, caracterizada por vômitos Fique atento: vômitos biliosos, algumas horas após o
precoces e distensão abdominal discreta, ou apenas em andar nascimento, são o mais precoce e mais comum sinal de obstrução
superior do abdome (distensão gástrica). Como na maioria dos duodenal, ocorrendo em 100% dos casos com obstrução total.
casos a obstrução do duodeno é distal à ampola de Vater, os

4.3 DIAGNÓSTICO

O polidrâmnio materno e a dilatação gástrica e do duodeno Imediatamente após o nascimento, uma radiografia
proximal do feto antecipam o diagnóstico de atresia duodenal. O abdominal simples mostra o típico “SINAL DA DUPLA BOLHA”,
polidrâmnio está presente em aproximadamente 65% dos casos. que corresponde à dilatação gasosa do estômago e da porção
O estômago dilatado e a primeira porção do duodeno proximal do duodeno, sem a presença de gás no restante do
obstruído aparecem no exame ecográfico fetal como duas imagens intestino. Esse sinal radiográfico é altamente sugestivo de atresia
císticas (cheias de líquido), que podem estar conectadas ou não. duodenal e dispensa a realização de exames adicionais (Figura 10).

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Guarde esta imagem, pois ela é muito frequente nas provas!


Nos casos em que há presença da dupla bolha, mas o intestino é preenchido com gás, devemos pensar em causas de obstrução
duodenal incompleta, por exemplo, membrana duodenal com perfuração, estenose ou causas de obstrução extrinsecas.

Figura 10: A imagem radiológica de “dupla bolha”, formada pelo estômago dilatado e a primeira porção
do duodeno distendida, com níveis hidroaéreos, na posição supina, é conclusiva para o diagnóstico de
obstrução duodenal.

CAI NA PROVA

(UNICAMP – 2021) Recém-nascido com 6 dias de vida, sexo masculino, apresentando vômitos
biliosos desde o 2o dia de vida. Gestação com polidrâmnio. Radiograma de abdome:
O diagnóstico sindrômico mais provável é:

COMENTÁRIO

Esse é o tipo de questão em que não podemos ter dúvidas! Neonato com vômitos
biliosos, sem distensão abdominal e com radiografia abdominal com SINAL DA DUPLA BOLHA
deve remeter-nos imediatamente à OBSTRUÇÃO DUODENAL CONGÊNITA!

Gabarito oficial UNICAMP: Obstrução duodenal.

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(HCPA - 2021) Assinale a assertiva correta sobre obstruções intestinais congênitas do duodeno em recém-nascidos.

A) As estenoses duodenais congênitas são mais frequentes do que as atresias duodenais.


B) Anomalias congênitas associadas ocorrem em 45-65% dos casos, sendo que a trissomia do 21 (síndrome de Down) é observada em quase
metade dos pacientes.
C) As obstruções duodenais ocorrem mais comumente antes da papila duodenal (papila do Vater).
D) As estenoses duodenais congênitas apresentam o sinal clássico da dupla bolha, com dilatação do estômago e duodeno e com ausência
de gases no intestino distal.

COMENTÁRIO

Vamos avaliar as alternativas sobre as obstruções congênitas do duodeno e assinalar a correta:

Incorreta a alternativa A. A estenose duodenal ocorre menos frequentemente que a atresia.

A incidência de anomalias associadas à atresia duodenal é elevada (cerca de 65%) e aproximadamente


Correta a alternativa B.
30% dos bebês com atresia duodenal têm uma anomalia cromossômica, principalmente síndrome de
Down. Mesmo entre crianças com um cariótipo normal, a atresia duodenal está frequentemente associada a outras malformações
estruturais, incluindo anomalias cardíacas, gastrointestinais, renais, de membros e vertebrais.

Incorreta a alternativa C. As obstruções ocorrem na segunda porção do duodeno, distais à ampola de Vater em mais de 85% dos casos.
Incorreta a alternativa D. Já vimos que a obstrução duodenal pode ser causada por atresia ou estenose duodenal (intrínseca) ou extrínsecas
ao duodeno (pâncreas anular, bridas e má rotação intestinal). Nas malformações duodenais caracterizadas por septos, com pequenas
perfurações, ou nas estenoses severas causadas por pâncreas anular ou bridas congênitas de Ladd, podemos ter imagem da “dupla bolha”
e presença de pequenas quantidades de gás no intestino distal.

(Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE – 2020) Durante o acompanhamento da gestante, foi notado o sinal da "dupla bolha" na
ultrassonografia pré-natal, que foi confirmado na radiografia de abdome do recém-nascido realizada logo após o nascimento. Dentre os
diagnósticos abaixo, o mais provável é:

A) Atresia de esôfago sem fístula.


B) Atresia duodenal.
C) Estenose de piloro.
D) Divertículo de Meckel.
E) Doença de Hirschprung.

COMENTÁRIO

Mesmo no ultrassom antenatal, podemos encontrar este sinal: o estômago dilatado e a primeira porção do duodeno obstruído do feto
aparecem no exame ecográfico como duas imagens císticas (cheias de líquido), conectadas ou não, no abdome fetal, o que dá nome ao sinal
característico “da dupla bolha”.

Correta a alternativa B.

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(Universidade Federal de Campina Grande – UFCG - 2020) O Sinal radiográfico de dupla bolha ocorre em:

A) Gastrosquise.
B) Fístula traqueoesofágica.
C) Atresia de esôfago.
D) Megaesôfago.
E) Atresia duodenal.

COMENTÁRIO

Agora você nunca mais vai errar esse tipo questão! O sinal da “dupla bolha” ocorre tanto nas obstruções duodenais como na obstrução
secundária à atresia do duodeno!

Correta a alternativa E.

(Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de RP da USP – 2014) Recém-nascido masculino, com 5 horas de vida, começa
a apresentar vômitos biliosos e distensão crescente no epigástrio. O RX simples mostra imagem de dupla bolha no andar superior
do abdome e distribuição irregular de ar, em pequenas bolhas, por toda sua extensão. O diagnóstico provável é:

A) Refluxo gastroesofágico, que nesta idade deve ser fisiológico.


B) Hérnia inguinal encarcerada.
C) Suboclusão intestinal, provavelmente por pâncreas anular ou má rotação intestinal.
D) Estenose hipertrófica do piloro.

COMENTÁRIO

A questão aborda um quadro de abdome agudo obstrutivo em um recém-nascido. A presença de vômitos precoces, biliosos, e distensão
epigástrica sugere, ainda, uma obstrução alta. A radiografia de abdome auxilia no diagnóstico e, em geral, em conjunto com o quadro clínico, é
suficiente para definir a conduta terapêutica na maioria dos casos de abdome agudo no recém-nascido. A “imagem em dupla bolha” é típica
de obstrução duodenal, que pode ser provocada por causas intrínsecas, como atresia ou estenose duodenais ou extrínsecas como pâncreas
anular; bridas e má rotação intestinal.
Nas malformações duodenais caracterizadas por membranas, com perfurações, ou nas estenoses severas causadas por pâncreas
anular ou bridas congênitas de Ladd, podemos ter imagem da “dupla bolha” e presença de pequenas quantidades de gás no intestino distal.

Correta a alternativa C.

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4.4 TRATAMENTO

O tratamento inicial do recém-nascido com atresia ou estado geral e comprometimento hemodinâmico) a cirurgia deve
estenose duodenal inclui descompressão gástrica por meio de ser realizada em critério de emergência.
sondagem nasogástrica, além de reposição hidroeletrolítica e O tratamento para atresia duodenal pode ser restabelecido
prevenção da hipotermia, para que sejam obtidas condições ótimas por anastomose duodenal término-terminal, latero-lateral ou
para o tratamento cirúrgico da anomalia. término-lateral. Uma das técnicas para anastomose consiste na
É importante lembrar que até 50% dos pacientes com atresia sutura do duodeno proximal incisado transversalmente ao duodeno
duodenal podem apresentar vícios de rotação intestinal, com distal incisado de forma longitudinal (anastomose em forma de
risco de volvo (torção) e isquemia da víscera. Portanto, nos casos diamante – diamond-shaped) (figura 11).
em que há atresia associada a sinais de volvo intestinal (queda do

Figura 11: Duodeno-duodenostomia do tipo “diamond shaped”.

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CAPÍTULO

5.0 ATRESIAS JEJUNOILEAIS


A atresia jejunoileal é a atresia gastrointestinal mais comum. Ocorre em aproximadamente um em cada 2.000 nascidos vivos.
Diferentemente do que observamos para a atresia duodenal, as atresias jejunoileais geralmente não são associadas a outras anomalias,
exceto fibrose cística e defeitos da parede abdominal, notadamente a gastrosquise.

5.1 PATOGÊNESE E CLASSIFICAÇÃO

Acredita-se que as atresias jejunoileais ocorram como resultado de isquemia intrauterina, seguida de necrose do segmento isquêmico,
que evolui para atresia. São classificadas conforme a tabela abaixo (tabela 01) e representadas na imagem seguinte (figura 12).

Tabela 01: Atresias Jejunoileais

Tipo I Atresia por membrana ou diafragma mucoso.

Com cordão atrésico entre duas


Tipo II extremidades cegas do intestino, com
mesentério intacto.

Separação completa das extremidades cegas


Tipo IIIa do intestino com uma lacuna mesentérica em
forma de V.

Deformidade em formato de casca de maçã


Tipo IIIb (ou árvore de natal – apple peel ou Christmas
tree atresia) com grande lacuna mesentérica.

Múltiplas atresias, com aspecto em cadeia de


Tipo IV
salsichas.
Figura 12: Formas de apresentação das atresias jejunoileais.

A atresia jejunoileal tipo IIIb, com deformidade em formato de casca de maçã (apple peel) está relacionada com necrose intestinal
isquêmica por vólvulo antenatal. O tipo IV é o de pior prognóstico, representado por atresias múltiplas que podem estender-se por todo o
delgado e cólon. Muitos dos RN com esses tipos de atresia nascem com comprimento intestinal reduzido.

5.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Habitualmente, o bebê nasce sem distensão abdominal, que começa a tornar-se evidente após 18 a 24 horas. A distensão pode ser
acompanhada de peristaltismo visível e será mais intensa quanto mais distal a obstrução provocada pelo segmento atrésico. Vômitos
biliosos podem estar presentes e, em recém-nascidos, são um importante sinal de alerta para a necessidade de investigação de obstrução
intestinal congênita. Ainda, nas obstruções mais baixas, os bebês frequentemente não eliminam mecônio.
Veja como as bancas costumam abordar esse conceito!

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CAI NA PROVA

(Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de RP da USP – 2018) Recém-nascido masculino, prematuro de 34 semanas de gestação,
peso ao nascer 2.400g, parto cesárea, Apgar 9 e 10, internado no CTI neonatal devio a desconforto respiratório transitório. Ainda na sala
de parto foi aspirado 50 ml de líquido gástrico claro, sem qualquer outra intercorrência. No momento, passadas 08 horas do nascimento, o
neonato vomitou 03 vezes grande quantidade de líquido de aspecto bilioso, não evacuou e está ligeiramente distendido no andar superior do
abdome. Qual o diagnóstico mais provável?

A) Atresia jejunal.
B) Estenose hipertrófica do piloro.
C) Megacólon congênito.
D) Irritação gástrica por aspiração de líquido amniótico.

COMENTÁRIO

Como acabamos de ver, vômitos biliosos em um recém-nascido consistem em um dos mais importantes sinais de alerta para a
necessidade de investigação de obstrução intestinal congênita. Caso não haja vômitos, a sondagem gástrica com saída de grande quantidade
de líquido bilioso apresenta o mesmo significado. O diagnóstico mais provável é de atresia jejunoileal (causa mais comum de obstrução
intestinal congênita, correspondendo a cerca de um terço de todos os casos de obstrução intestinal nos recém-nascidos).

Correta a alternativa A.

5.3 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico pode ser confirmado por meio de radiografia simples


do abdome, que identifica distribuição heterogênea de gases, com níveis
hidroaéreos. Na atresia jejunal alta, há poucas alças intestinais dilatadas
e são visíveis no andar superior do abdome (fig. 13). Por outro lado, na
atresia ileal baixa, há grande distensão gasosa abdominal, com dilatação
de maior extensão de alças de intestino delgado.
Via de regra, quanto mais baixa a obstrução, mais sugestiva se torna
a radiografia.

Fig. 13: radiografia simples de abdome de recém-nascido com


atresia jejunal. Observe a distribuição aérea abdominal irregular,
restrita aos quadrantes superiores.
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5.4 TRATAMENTO

Um cateter orogástrico é colocado e ressuscitação hídrica endovenosa adequada é instituída antes da abordagem cirúrgica. Durante a
cirurgia, o principal objetivo é reestabelecer a continuidade do trânsito intestinal, preservando a maior quantidade possível em extensão. Nas
atresias múltiplas, anastomoses múltiplas podem ser necessárias.

CAI NA PROVA

(Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina


de RP da USP – 2016) Menino, 4 dias de vida,
apresenta vômitos amarelo-esverdeados desde as
primeiras horas de vida, em grande quantidade, associado à
distensão localizada no epigástrio e hipocôndrio esquerdo,
com movimentos peristálticos de cima para baixo e da
esquerda para a direita e ainda não eliminou mecônio.
Com base no quadro clínico e nas figuras apresentadas,
o diagnóstico mais provável é:

A) Obstrução do jejuno alto.


B) Estenose hipertrófica do piloro.
C) Doença de Hirschsprung.
D) Obstrução no duodeno após a papila de Vater.

COMENTÁRIO

O examinador apresenta um recém-nascido com apenas 4 dias de vida, que vem apresentando vômitos amarelo-esverdeados (ou seja,
vômitos biliosos), distensão abdominal em epigástrio e hipocôndrio esquerdo, peristaltismo visível e ausência de eliminação do mecônio (que
habitualmente é eliminado nas primeiras 24 horas de vida), ou seja, esse neonato apresenta um quadro característico de obstrução intestinal.
A radiografia simples do abdome evidencia poucas alças intestinais dilatadas, visíveis na parte mais alta dessa área. Qual é o diagnóstico?
Observe que apenas com a história relatada e uma radiografia do abdome podemos tranquilamente marcar a alternativa A – trata-se de uma
obstrução do jejuno alto!
A estenose hipertrófica do piloro, conforme veremos adiante, ocorre em lactentes por volta da quarta semana de vida, que apresentam
vômitos não biliosos e apenas o estômago seria evidenciado na radiografia; na doença de Hirschsprung, ainda que o quadro seja semelhante,
a distensão abdominal seria mais importante, assim como a quantidade de alças visíveis na imagem (fique tranquilo, veremos essas duas
afecções com calma a seguir). Na obstrução duodenal, a imagem esperada seria o “sinal da dupla bolha”, ainda que o quadro clínico possa
ser idêntico.

Correta a alternativa A.

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CAPÍTULO

6.0 MÁ ROTAÇÃO INTESTINAL E VÓLVULO DE


INTESTINO MÉDIO
A má rotação intestinal ou rotação intestinal incompleta casos de síndrome do intestino curto na população pediátrica.
engloba as múltiplas alterações da rotação e da fixação do intestino. O reconhecimento e o tratamento urgentes são os fatores mais
Esse grupo de afecções congênitas inclui desde a ausência total de importantes para prevenir essa complicação.
rotação até o simples ceco móvel. A frequente associação das alterações de rotação intestinal
A incidência de anomalias rotacionais do intestino médio é com outras anomalias congênitas e com diversas síndromes clínicas
estimada em um a cada 6.000 nascidos vivos. Nesse contexto, o é clássica, como a síndrome de Prune-Belly, a gastrosquise, a
vólvulo do intestino médio , uma das complicações mais temidas onfalocele e a hérnia diafragmática congênita.
da má rotação, é responsável por aproximadamente 18% dos

Para compreender as manifestações e complicações decorrentes da má rotação intestinal


ou rotação intestinal incompleta, precisamos conhecer alguns conceitos da embriologia do
intestino. Este é o momento em que você pensa “ah, não! Embriologia? De novo?”. Fique calmo!
Faça uma pausa para um café, respire fundo e vamos juntos!

6.1 EMBRIOLOGIA DO INTESTINO MÉDIO

Durante o desenvolvimento embriológico normal, na quarta Todos os elementos originados a partir do intestino médio
semana, inicia-se a diferenciação do intestino em suas porções são supridos pela artéria mesentérica superior (AMS).
anterior, média e posterior. A rotação e a fixação intestinais ocorrem O desenvolvimento do intestino médio é caracterizado
nos três primeiros meses de vida intrauterina. pelo alongamento do intestino e de seu mesentério, resultando
Nesse contexto, o intestino médio recebe especial na formação de uma alça intestinal ventral com a forma de U,
importância para esse capítulo, afinal, esse segmento dará origem distinguindo-se duas porções importantes para o estudo dos
a, praticamente, todo o intestino delgado e parte do intestino fenômenos de rotação: a alça duodenojejunal e a alça cecocólica
grosso. Ou seja, o intestino médio origina todo o segmento (figura 14).
visceral compreendido entre o duodeno distal até metade do Em consequência de seu crescimento em extensão, o
cólon transverso, o que também inclui a abertura do ducto biliar e intestino médio exterioriza-se parcialmente para fora da cavidade
o apêndice vermiforme. celômica em uma hérnia fisiológica ao nível do anel umbilical.

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Figura 14: corte sagital do embrião ilustrando a hérnia fisiológica do intestino médio. Note a relação inicial dos membros da alça intestinal com a artéria mesentérica
superior.

Em torno da décima semana de gestação, o intestino começa longo de um eixo oblíquo, do ângulo de Treitz até o ceco (figura 16).
a migrar de volta à cavidade abdominal, fazendo uma rotação anti- A fixação do mesentério, a aderência do cólon ascendente
horária de 270 graus ao redor do eixo da AMS. e descendente ao retroperitônio e a fixação do duodeno ao
O segmento duodenojejunal retorna primeiro. Dessa forma, ligamento de Treitz garantem a estabilidade intestinal e impedem
a junção, que de início localiza-se superiormente e à direita da a torção (volvo).
AMS, fixa-se abaixo e à esquerda desta, no ligamento de Treitz. Em Uma interrupção ou reversão de qualquer desses movimentos
seguida, o segmento ileocecal, inicialmente abaixo da AMS, cresce é a explicação embriológica para a variedade de vícios de rotação
e roda sobre a artéria em direção ao quadrante inferior direito observados. Ainda, na maioria dos defeitos da rotação intestinal,
(figura 15). há encurtamento da fixação do mesentério e estreitamento da sua
Na décima segunda semana de gestação, essa etapa de base de inserção no retroperitônio. Quanto mais estreita a base
rotação intestinal está completa. No processo de fixação, o intestino de fixação do mesentério, maior é o risco da ocorrência de volvo
fica aderido à parede posterior do abdome pelo mesentério, ao intestinal.

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Figura 15: Rotação gradual em sentido anti-horário, até atingir 270 graus.

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Figura 16: Fixação normal do mesentério ao retroperitônio ao final da rotação intestinal.

6.2 PATOGÊNESE

Entre os vícios de rotação possíveis, a rotação incompleta de há isquemia de um grande segmento intestinal.
todo o intestino médio é a anomalia mais comum e ocorre quando Outro vício de rotação notável é quando há ausência de
nem o componente duodenojejunal nem o cecocólico fazem rotação do componente duodenojejunal, seguida de rotação e
rotação correta. fixação do componente cecocólico. Esse tipo de má rotação resulta
Quando isso ocorre, o duodeno e o intestino delgado ficam em obstrução duodenal por bandas mesentéricas anormais, as
do lado direito da AMS e o cólon do lado esquerdo (figura 17 - A). bandas de Ladd (lembra-se delas?!).
Nessa situação, temos um mesentério único e de base estreita Nessa situação, o duodeno não cruza a linha média,
para o intestino delgado e cólon. Quando isso acontece, há grande mantendo-se à direita da AMS. O ceco permanece sobre o duodeno
chance de torção da base do mesentério, em uma condição ou ligeiramente à esquerda deste, com a formação de aderências
chamada de volvo de intestino médio. que unem o ceco ao peritônio parietal no hipocôndrio direito –
O grande problema do volvo de intestino médio é que a são as bandas de Ladd, que passam sobre a segunda porção do
AMS passa justamente por ali (no meio da base do mesentério duodeno e podem causar obstrução duodenal por compressão
torcido), portanto, ela também sofre torção e, como consequência, extrínseca (figura 17 - B).

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Figura 17: (A) Não rotação intestinal incompleta ou rotação incompleta. O mesentério é único para o delgado e cólon. (B) Má rotação intestinal. Repare que o duodeno
é retificado e fica à direita da AMS; o ceco fica próximo ao duodeno e as bridas ou bandas de Ladd passam sobre o duodeno, causando obstrução duodenal extrínseca.

6.3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

A apresentação clínica varia dependendo do tipo de má O RN com essa condição apresenta-se com uma tríade de
rotação e se há comprometimento vascular. sinais clínicos característicos:
A maioria dos pacientes desenvolve sintomas durante o • Vômitos biliosos
primeiro mês de vida. A rotação intestinal incompleta, por si só, não • Eliminação de sangue pelo ânus
causa sintomas importantes (especialmente para a prova). • Massa abdominal palpável.
Os quadros clínicos mais exuberantes (e mais comuns nas Os vômitos biliosos decorrem da obstrução que se estabelece
provas de residência) manifestam-se quando existem anomalias ao nível duodenal, logo abaixo da papila, em consequência da
associadas ou quando aparecem as complicações relacionadas torção. O sangramento intestinal, por sua vez, é produto da estase
aos vícios de rotação, que incluem: venosa ao nível da mucosa e a massa palpável é representada por
1. Volvo de intestino médio (com consequente isquemia todo o intestino, que se edemacia e sofre alteração da consistência.
mesentérica) O vólvulo de intestino médio pode também ser incompleto
2. Obstrução extrínseca de duodeno pelas bandas de Ladd - já ou intermitente. Os pacientes podem ter dor abdominal crônica,
discutido no capítulo de obstrução duodenal. episódios intermitentes de êmese, saciedade precoce, perda de
O início agudo de vômitos biliosos em RN sempre deve peso, deficit de crescimento e desenvolvimento e/ou má absorção
chamar atenção para a possibilidade de vólvulo, especialmente e diarreia. Essas crianças com sintomas intermitentes também têm
quando o paciente está sonolento ou letárgico. risco de torção completa das alças intestinais.

6.4 DIAGNÓSTICO

Todo recém-nascido com vômitos biliosos persistentes deve ser investigado radiologicamente para anomalias da rotação intestinal.
A radiografia simples do abdome identifica sinais de obstrução intestinal alta, ou seja, distensão de alças com níveis hidroaéreos.
Nos casos em que há obstrução duodenal, podemos observar a imagem clássica de “dupla bolha” com pouco ou nenhum ar no
restante do abdome (já vimos esse conceito quando estudamos as obstruções duodenais, lembra?).

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O estudo contrastado do trato gastrointestinal (com A radiografia de abdome simples é um exame que ajuda
fluoroscopia) é o método preferido para o diagnóstico dos vícios pouco nos casos de volvo intestinal ou má rotação.
de rotação. Nesses casos, o exame demonstra a posição anormal Os sinais radiológicos identificáveis nos casos de má rotação
do duodeno (ligamento de Treitz no lado direito do abdome) que intestinal incluem:
tem uma aparência de saca rolhas.
• Posição anormal da sonda nasogástrica (indica localização
Nos casos em que há obstrução duodenal, a imagem é
atípica do duodeno)
semelhante à que encontramos na atresia, e quando há volvo
• Presença do sinal da dupla bolha, nos casos em que há má
intestinal, observamos uma imagem de “bico de pássaro” na
rotação associada à obstrução duodenal (cerca de 50% das
terceira porção do duodeno, indicando torção.
vezes).
Com base no estudo da posição dos vasos mesentéricos
Nos casos de torção, tipicamente, observamos à radiografia
superiores, a ultrassonografia com doppler também pode ser
simples um abdômen sem gás ou com pouco gás. Entretanto, o
utilizada para a confirmação diagnóstica de má rotação intestinal
exame pode se apresentar normal ou mostrar apenas dilatação
em casos de dor abdominal recorrente. A relação normal dos vasos
discreta na porção do intestino médio.
mesentéricos (veia à direita da artéria) é invertida ou alterada.

CAI NA PROVA

(Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – SP - 2019) Lactente de 45 dias de vida, termo, peso atual de 4,5kg, é trazido ao
pronto-socorro com piora importante do estado geral, acompanhada de vômitos biliosos e parada de eliminação de gases e fezes há 6 horas.
Ao exame clínico está em mau estado geral, descorado 3+/4+, com abdome muito distendido, tenso e doloroso. Ao toque retal há saída de
pequena quantidade de sangue. Qual o diagnóstico mais provável?

A) Enterite necrotizante.
B) Volvo de intestino médio.
C) Divertículo de Meckel hemorrágico.
D) Estenose hipertrófica de piloro.

COMENTÁRIO

Estamos diante de um lactente de 45 dias, que vinha bem até que, há seis horas, começou a apresentar vômitos biliosos e parada da
eliminação de gases e fezes! Ao exame físico, encontrava-se em mau estado geral, com abdome distendido, tenso, e, ao toque retal, observou-
se a saída de pequena quantidade de sangue! Você acabou de ler que o início agudo de vômitos biliosos, especialmente em recém-nascido
sonolento ou letárgico, deve chamar atenção para a possibilidade de vólvulo.
A enterite necrotizante, como veremos em breve, pode gerar quadro clínico semelhante, mas espera-se que ocorra em recém-nascidos
prematuros, geralmente, nas primeiras duas semanas de vida! O divertículo de Meckel, quando se manifesta com sangramento, costuma ser
indolor, sem outros comemorativos. Por fim, a estenose hipertrófica do piloro causa vômitos NÃO biliosos, pós-alimentares, em um lactente
que está em bom estado geral e que frequentemente pede alimentação adicional.

Correta a alternativa B.

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(UFRJ - 2022) Recém-nascido (RN), 25 dias, é atendido com história de “vômitos biliosos” há cerca de 6 horas. Exame físico: apático; sonolento;
desidratado; hipocorado; perfusão periférica lentificada; abdome difusamente distendido. Radiografia simples do abdome: “pobreza” de gás
intestinal. A hipótese diagnóstica mais provável é:

A) volvo do intestino médio


B) estenose hipertrófica do piloro
C) atresia jejuno ileal tipo 1
D) invaginação intestinal aguda

COMENTÁRIO:

A história é a mesma: início agudo de vômitos biliosos, especialmente em recém-nascido sonolento ou letárgico, deve chamar atenção
para a possibilidade de vólvulo.
O RN com essa condição apresenta-se com uma tríade de sinais clínicos característicos: vômitos biliosos; eliminação de sangue pelo
ânus e massa abdominal palpável.
Os vômitos biliosos decorrem da obstrução que se estabelece ao nível duodenal, logo abaixo da papila, em consequência da torção. O
sangramento intestinal, por sua vez, é produto da estase venosa ao nível da mucosa e a massa palpável é representada por todo o intestino,
que se edemacia e sofre alteração da consistência. Como no volvo de intestino médio a obstrução é logo após o duodeno, há uma “pobreza
de gás intestinal”.

Gabarito: alternativa A.

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6.5 TRATAMENTO

O tratamento cirúrgico está sempre indicado na má rotação


intestinal, mesmo nos casos crônicos ou oligossintomáticos, pois
não há meio de prever quais pacientes desenvolverão volvo.
Nos casos em que o volvo de intestino médio está presente,
estamos diante de uma emergência cirúrgica. Afinal, há isquemia
intestinal com risco iminente de necrose. Portanto, uma vez
feito o diagnóstico, a criança deve ser prontamente submetida à
exploração cirúrgica.
O procedimento de Ladd é a operação de eleição para
tratar os vícios de rotação intestinal. Ele está ilustrado na imagem
a seguir (figura 18).
Nesse procedimento, o intestino é eviscerado e, caso haja
torção (volvo), ela é desfeita em sentido anti-horário. Após a
distorção, a integridade das alças deve ser avaliada e os segmentos
necróticos ressecados.
As aderências peritoneais entre o ceco e o duodeno na
base do mesentério são seccionadas. Ao fazermos isso, a base
mesentérica é expandida, reduzindo as chances de torção.
Uma apendicectomia tática é associada, pois, ao final do
procedimento, o ceco estará do lado esquerdo do abdome e isso
pode trazer confusões diagnósticas, caso o paciente apresente
apendicite no futuro.
O intestino é então recolocado na cavidade peritoneal, com Figura 18: procedimento de Ladd. (A) O vólvulo é desfeito, em sentido anti-
o intestino delgado posicionado totalmente do lado direito do horário. (B) A integridade das alças é avaliada após a distorção. (C) A banda
de Ladd é dividida. (D) O intestino é recolocado na cavidade peritoneal, com o
abdome, enquanto o cólon é colocado à esquerda. intestino delgado posicionado à direita e o intestino grosso à esquerda.

CAPÍTULO

7.0 SÍNDROME DO INTESTINO CURTO


A síndrome do intestino curto (SIC) é uma condição clínica em que a extensão do intestino funcional é insuficiente para manter a
nutrição enteral normal. Essa síndrome costuma ser secundária a grandes ressecções do intestino delgado.

As principais condições que podem resultar em SIC na infância incluem:

• Atresia intestinal
• Vólvulo do intestino médio
• Enterocolite necrosante
• Gastrosquise.

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A principal manifestação clínica da SIC é a diarreia, causada Os procedimentos mais conhecidos são a técnica de
pela disabsorção secundária à extensão reduzida do intestino. Bianchi (em que um segmento dilatado de intestino é grampeado
O tratamento clínico de pacientes com SIC inclui dieta longitudinalmente para criar dois segmentos mais estreitos para
elementar, glutamina, vários fatores de crescimento e nutrição anastomose sequencial) e a enteroplastia transversal em série
parenteral. Muitas técnicas cirúrgicas, voltadas para diminuição do ou STEP (serial transverse enteroplasty), ambos ilustrados abaixo
tempo de trânsito intestinal e/ou aumento da área de superfície (figura 19).
mucosa para melhorar a absorção, foram descritas.

Figura 19: procedimentos empregados no tratamento cirúrgico da SIC: técnica de Bianchi, à esquerda, e STEP, à direita.

CAPÍTULO

8.0 ÍLEO MECONIAL


O íleo meconial é uma forma de obstrução intestinal A FC é uma doença autossômica recessiva que resulta da
perinatal que ocorre quase que exclusivamente em RN com mutação no gene regulador do transportador transmembrana CFTR.
fibrose cística (FC) - cerca de 80 a 90% dos pacientes com íleo O resultado dessa mutação genética é a produção de secreções
meconial apresentam fibrose cística. anormalmente viscosas e isso afeta uma grande variedade de
Além disso, aproximadamente 10 a 20% dos portadores de órgãos, incluindo intestino, pâncreas, pulmões, glândulas salivares,
FC apresentam íleo meconial como sua manifestação mais precoce. órgãos reprodutores e trato biliar.

8.1 PATOGÊNESE

O íleo meconial ocorre quando há uma obstrução intestinal Consequentemente, em virtude da dificuldade de progressão
mecânica do íleo terminal por mecônio muito viscoso e espesso, do trânsito, o intestino delgado em sua porção terminal apresenta-
que lembra “massa de vidraceiro” e que dificulta o trânsito intestinal se estreitado e sua luz torna-se ocupada por massas pétreas de
normal. mecônio.

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O íleo meconial pode manifestar-se de duas formas: não complicada e complicada.

Figura 20: Patogênese do Íleo Meconial.

No íleo meconial não complicado, observamos apenas o fenômeno obstrutivo mecânico. Por outro lado, nos casos complicados, há
perfuração intestinal intraútero ou no início do período neonatal. Nesse contexto, pode haver peritonite grave, com resposta inflamatória
intensa.

8.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

O RN com íleo meconial normalmente é de termo e apresenta peso normal ao nascimento. Os pacientes com essa afecção apresentam
três sinais cardinais nas primeiras 24 a 48 horas de vida. São eles:

• Distensão abdominal generalizada


• Vômitos biliosos
• Ausência de eliminação do mecônio.

Além disso, a alça intestinal repleta de mecônio muitas vezes é palpável e apresenta consistência descrita como “pastosa”. Os demais
sinais da fibrose cística aparecem somente após algumas semanas de vida. Pode haver referência de outros casos na família, já que a FC é uma
doença com caráter genético autossômico recessivo.

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8.3 DIAGNÓSTICO

A radiografia simples de abdome é inespecífica. O achado típico


corresponde a alças de delgado dilatadas, próximas à impactação (quadrante
inferior direito). Habitualmente, há pouco ou nenhum nível hidroaéreo.
A presença do mecônio espesso misturado com gás de permeio no
quadrante inferior direito apresenta-se à radiografia com aspecto de “vidro
triturado” ou “bolha de sabão” (figura 21).
Frente a um quadro de íleo meconial, sempre devemos solicitar a
dosagem de eletrólitos no suor, para pesquisa de fibrose cística.

Atenção: Devemos realizar diagnóstico diferencial com a


síndrome da rolha meconial que, na maioria dos casos, não é uma
sequela da fibrose cística.
Os neonatos com rolha meconial também apresentam
distensão abdominal significativa e ausência de eliminação do
mecônio nas primeiras 24 horas de vida.
No entanto, a rolha meconial é caracterizada pela
eliminação de mecônio em grande quantidade após estimulação
retal ou enema. Trata-se de um quadro obstrutivo distal, funcional Figura 21: radiografia simples de abdome em paciente com íleo
e benigno, em que ocorre obstrução transitória por mecônio meconial. Repare o aspecto em “bolha de sabão” na fossa ilíaca
direita.
espesso.
Esse quadro acomete cerca de 1 a cada 500 a 1000 neonatos e pode estar associado a megacólon aganglionar, diabetes materno
e hipotireoidismo.
Essas crianças com quadro de rolha meconial devem ser acompanhadas periodicamente. Afinal, o retorno dos sintomas pode ser
sugestivo de doença de Hirschsprung (megacólon aganglionar).

8.4 TRATAMENTO

No íleo meconial simples, o tratamento é feito pela cirúrgico fica reservado aos casos que não responderam às
administração retal de substâncias hipertônicas como a medidas clínicas ou para os casos de íleo meconial complicado
gastrografina, cujo mecanismo de ação consiste na absorção de (com perfuração e peritonite).
água para a luz intestinal, fazendo com que o mecônio se torne As táticas cirúrgicas nos casos não complicados incluem
mais fluido e, consequentemente, seja eliminado mais facilmente. a enterotomia com irrigação ou manipulação do mecônio para o
O tratamento conservador do íleo meconial não complicado cólon distal. Nos casos de íleo meconial complicado, o tratamento
tem sucesso em até 75% dos casos. Desse modo, o tratamento inclui a ressecção dos segmentos acometidos.

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CAI NA PROVA

(HOA-GO - 2019) Assinale a alternativa INCORRETA com relação ao íleo meconial.

A) Trata-se de obstrução do íleo, no recém-nascido, por acúmulo de mecônio espesso, anormal, em casos de fibrose cística do pâncreas, que
acomete aproximadamente 20% dessas crianças.
B) É uma obstrução rara, dada à baixa incidência da doença de base em nosso meio.
C) A radiografia abdominal mostra alças ocupadas por material de aspecto espumoso.
D) O tratamento de primeira escolha é cirúrgico, com ressecção da alça intestinal no ponto de obstrução.

COMENTÁRIO

Vamos avaliar as alternativas sobre o íleo meconial e assinalar a incorreta:

Corretas as alternativas A e B. O íleo meconial é uma forma de obstrução intestinal perinatal que acomete aproximadamente 20% dos
portadores de fibrose cística, doença genética autossômica recessiva, que não apresenta elevada incidência em nosso meio. No íleo
meconial, ocorre obstrução ileal por mecônio anormalmente espesso, que adere à parede intestinal. Os RN apresentam três sinais cardinais
nas primeiras 24 a 48 horas de vida: distensão abdominal generalizada, vômitos biliosos e ausência de eliminação do mecônio.
Correta a alternativa C. A radiografia simples de abdome demonstra alças de delgado dilatadas, com ausência relativa de níveis hidroaéreos
devido ao mecônio viscoso espesso e massa de mecônio misturado com gás no lado direito do abdome, com aspecto de “vidro triturado”
ou “bolha de sabão”.

No íleo meconial simples, o tratamento é feito pela administração oral e retal de substâncias hipertônicas
Incorreta a alternativa D.
como a gastrografina e N-acetilcisteína. O tratamento conservador tem sucesso no tratamento da
obstrução em até 75% dos casos. Tratamento cirúrgico é necessário apenas nos casos não respondedores.

(Universidade Estadual Paulista – UNESP - 2018) RN do sexo masculino, 3 dias de vida, apresenta distensão abdominal e vômitos há 1 dia.
Até o momento, foram 4 episódios de vômitos, os 2 primeiros de conteúdo alimentar e os últimos com conteúdo esverdeado. AP: nascido
a termo, de parto vaginal, sem intercorrência, com peso e estatura adequados para idade gestacional. Hoje evacuou pela primeira vez, em
pequena quantidade, após a realização de estímulo com supositório de glicerina. Exame físico: BEG, desidratado 1+/4, corado, FC e FR normais
para a idade. Abdome: distensão generalizada, RHA presentes, sem sinais de reação peritoneal. Toque retal: saída de grande quantidade de
mecônio. A conduta inicial é:

A) Colostomia em duas bocas, para tratamento da obstrução intestinal.


B) Lavagem intestinal com solução fisiológica aquecida, para alívio dos sintomas.
C) Tomografia computadorizada do abdome, para elucidação diagnóstica.
D) Duodeno-duodenoanastomose em “forma de diamante”, para tratamento definitivo.

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MED

COMENTÁRIO

Veja que estamos diante de um recém-nascido com 3 dias de vida, que há um dia vem apresentando distensão abdominal e vômitos
(inicialmente alimentares e posteriormente de estase) e que, no terceiro dia de vida, ainda não havia eliminado o mecônio, somente
evacuando em pequena quantidade após a realização de estímulo com glicerina! Atenção às informações que vêm a seguir: apresentava
distensão generalizada, sem sinais de irritação peritoneal e, após o toque retal, observou-se a eliminação de grande quantidade de mecônio!
Vamos pensar juntos! Esse RN apresenta obstrução intestinal alta ou baixa? Observe como os vômitos foram mais tardios (no segundo
dia de vida, apenas quatro episódios até o momento e predominantemente com conteúdo alimentar), enquanto a distensão abdominal era
generalizada! Ou seja, obstrução intestinal BAIXA. A descrição de saída de grande quantidade de fezes ao estímulo retal é muito característica
de uma patologia que veremos a seguir, a doença de Hirschsprung (ou megacólon aganglionar), mas você acabou de ler que a síndrome da
rolha meconial pode ser uma manifestação do megacólon aganglionar no período neonatal. A rolha meconial acomete cerca de 1 a cada
500 – 1000 nascidos vivos, e essas crianças devem ser acompanhadas periodicamen te, uma vez que o retorno dos sintomas pode ser um
indicativo da doença de Hirschsprung. Como trataremos esse RN? O tratamento é clínico, com lavagem intestinal com solução fisiológica
aquecida.
Só mais uma dúvida: poderia ser um quadro de íleo meconial? O íleo meconial, como vimos, é um quadro quase que exclusivo dos
portadores de fibrose cística. Como o autor da questão não nos deu nenhuma informação a respeito dos antecedentes familiares dessa
criança, não sabemos se ela pode ser portadora da doença, mas o quadro clínico esperado seria semelhante: obstrução intestinal baixa, sem
eliminação do mecônio.

Correta a alternativa B.

CAPÍTULO

9.0 DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG


A aganglionose intestinal congênita ou doença de Apresenta incidência de 1 : 5.000 nascimentos, sem
Hirschsprung (DH) é um distúrbio congênito do cólon decorrente predileção racial. Há predominância no sexo masculino nas formas
de alteração da inervação intestinal parassimpática. Trata-se clássicas (4 : 1) e há forte evidência de influência genética em sua
de uma das principais causas de suboclusão intestinal baixa no patogênese.
período neonatal.

9.1 PATOGÊNESE

A DH decorre da falha na migração das células da crista mioentérico e submucoso, a zona aganglionar (onde não houve
neural em direção ao intestino distal. A parada da migração pode a migração) é aperistáltica, espástica e, portanto, constitui um
ocorrer em qualquer parte do intestino, mas na maioria das vezes obstáculo ao trânsito intestinal. Os segmentos inervados, proximais
ocorre ao nível do retossigmoide. à área de apreristalse, tornam-se dilatados e há progressiva
Devido à ausência de células ganglionares nos plexos hipertrofia muscular, tornado a parede intestinal espessada.

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Assim, o intestino anormal torna-se um segmento distal O comprimento do segmento aganglionar é variável. O
contraído, enquanto o intestino normal é a porção dilatada retossigmoide é afetado em aproximadamente 80% dos casos
proximal. A área entre os segmentos dilatados e os hipotônicos é (forma clássica), o cólon esquerdo ou transverso em 17% (forma
chamada de zona de transição. Nessa área, as células ganglionares longa) e todo o cólon em 8% dos casos (aganglionose cólica total).
começam a aparecer, mas estão em número reduzido.

CAI NA PROVA

(Centro Médico de Campinas – 2019) Em relação à doença de Hirschsprung, assinale a alternativa INCORRETA.

A) É caracterizada pela ausência de células ganglionares nos plexos mioentérico e submucoso.


B) A área entre o segmento dilatado e o contraído é chamada de zona ou cone de transição.
C) A maioria dos lactentes com doença de Hirschsprung tem sintomas nas primeiras 24h de vida.
D) O intestino doente é o segmento dilatado, enquanto o segmento contraído é o intestino normal.

COMENTÁRIO

Agora ficou fácil, você não pode errar essa questão! Como vimos, a doença de Hirschsprung é caracterizada pela ausência de células
ganglionares nos plexos mioentérico e submucoso (alternativa A correta), a zona aganglionar é aperistáltica, espástica e constitui um obstáculo
ao livre e harmônico trânsito intestinal. Consequentemente, os segmentos proximais, ganglionares, dilatam-se, há progressiva hipertrofia
muscular e a parede torna-se espessada. Assim, o intestino anormal é o segmento distal contraído, enquanto o intestino normal é a porção
dilatada proximal (alternativa D errada). A área entre os segmentos dilatados e os hipertônicos é chamada de zona de transição (alternativa
B correta).
Grande parte dos lactentes manifesta-se nas primeiras 24 horas de vida, sendo o atraso na eliminação do mecônio a primeira
manifestação em muitos pacientes acometidos, como veremos a seguir (alternativa C correta)!

Incorreta a alternativa D.

9.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

A DH pode apresentar-se sob diferentes formas clínicas, de caráter progressivo.


dependendo da extensão e da espasticidade da zona aganglionar. Ao exame físico, um grande bolo fecal pode ser palpável e
A manifestação mais precoce é a ausência de eliminação do o toque retal revela uma ampola retal vazia. Após sua realização,
mecônio nas primeiras 48 horas após o nascimento. Esse é um pode ocorrer eliminação de fezes explosivas. Esse sinal também é
sinal clássico, mas não deve ser considerado como fundamental característico da DH.
para o diagnóstico. A enterocolite é a mais temível complicação da DH e é a
Caso o diagnóstico e o tratamento não sejam realizados principal causa de óbito em pacientes com a doença não corrigida.
no período neonatal, iniciam-se as manifestações de constipação É mais frequente no recém-nascido e lactente, em relação às
intestinal crônica, distensão abdominal, desnutrição, além de crianças maiores.
deficit de crescimento e desenvolvimento e peristaltismo visível,

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Na patogenia da enterocolite da DH participam vários estado geral.


fatores, entre os quais se destacam a redução da defesa da mucosa Nesse contexto, a mucosa do cólon acima da zona
contra infecções e a estase fecal. Os pacientes acometidos por aganglionar pode sofrer necrose e evoluir para perfuração
enterocolite evoluem com distensão abdominal, eliminação de intestinal. O tratamento inicial envolve lavagens intestinais
diarreia pútrida, febre, hematoquezia e acentuada queda do frequentes e antibióticos em regime hospitalar.

CAI NA PROVA

(UNICAMP – 2021) Menina, 11 meses, com história de constipação intestinal desde o nascimento com piora progressiva e necessidade
frequente de clister glicerinado para evacuar. Não apresenta controle esfincteriano. Antecedente pessoal: primeira evacuação no quarto dia
de vida. Exame físico: hidratada, IMC abaixo do P10; Abdome: distendido; Períneo: ânus tópico, genitália sem anormalidades; Toque retal:
esfíncter normotônico e ausência de massas, com eliminação explosiva de fezes. A PRINCIPAL HIPÓTESE DIAGNÓSTICA É:

COMENTÁRIO

Qual é a principal hipótese para essa RN com história de atraso na eliminação do mecônio e constipação intestinal progressiva? A
aganglionose intestinal congênita ou doença de Hirschsprung (DH), um distúrbio congênito do cólon decorrente de alteração da inervação
intestinal parassimpática. Lembre-se de que, devido à ausência de células ganglionares nos plexos mioentérico e submucoso, teremos um
segmento intestinal aperistáltico, que constitui um obstáculo ao livre e harmônico trânsito intestinal. A manifestação mais precoce da DH é
a ausência de eliminação do mecônio nas primeiras 48 horas após o nascimento. Esse é um sinal clássico e deve alertar para a possibilidade
dessa afecção. Outro sinal bastante sugestivo é a eliminação de fezes explosivas após o toque retal. Esse RN deve ser encaminhado para
biópsia retal, para confirmação do diagnóstico.

Gabarito oficial UNICAMP: aganglionose intestinal/doença de Hirschsprung.

(Associação Médica do Paraná – 2021) Lactente de cinco meses, amamentado exclusivamente ao seio, apresenta-se com quadro de aumento
de volume abdominal desde o nascimento, dificuldade de ganho de peso e vômitos ocasionais. Mãe relata que apresentou eliminação de
mecônio ao nascimento, mas vem apresentando desde então constipação crônica. Abdome distendido e timpânico, ânus com posicionamento
normal. No toque retal ausência de fezes na ampola. Paciente é internado para investigação e apresenta na sequência quadro de diarreia,
sensibilidade abdominal, sepse e sinais de obstrução intestinal na evolução. Considerando esta situação, analise as asserções abaixo e a
relação proposta entre elas.

I - Não se deve realizar procedimento cirúrgico no momento. PORQUE


II - Ocorreu provavelmente uma proliferação bacteriana pela estase, levando a uma enterocolite ou megacólon tóxico.

A respeito destas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I.


B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.
C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
E) As asserções I e II são proposições falsas.

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COMENTÁRIO

A banca apresentou um lactente que vem apresentando, desde o nascimento, constipação intestinal crônica. Repare que ele tem
dificuldade de ganho ponderal e vômitos ocasionais. No momento, apresenta distensão abdominal e, ao toque retal, AUSÊNCIA DE FEZES NA
AMPOLA RETAL. Essa história não lhe parece familiar? Esse lactente deve ser portador da doença de Hirschsprung.
A evolução, durante internação hospitalar, com quadro de diarreia, sensibilidade abdominal e sepse sugere desenvolvimento de
ENTEROCOLITE, complicação mais temida nos lactentes com DH.
Vamos avaliar as afirmativas:

I. FALSA. O tratamento inicial da enterocolite envolve lavagens intestinais frequentes e antibióticos, em regime hospitalar, mas, na
enterocolite, a mucosa do cólon acima da zona aganglionar pode sofrer necrose e evoluir para perfuração intestinal, abscessos
peritoneais, septicemia e até mesmo óbito e, portanto, o quadro pode exigir intervenção cirúrgica urgente. A ressecção cirúrgica e a
colostomia são indicadas na presença de intestino isquêmico, perfuração franca ou falha na melhora com medidas não operatórias.
II. VERDADEIRA. A enterocolite é a mais temível complicação da DH e a principal causa de óbito em pacientes com a doença não
corrigida. É mais frequente no recém-nascido e lactente em relação às crianças maiores. Na patogenia da enterocolite da DH, incluem-
se vários fatores, entre os quais se destacam a redução da defesa da mucosa contra infecções e a estase fecal. Os pacientes acometidos
evoluem com distensão abdominal, eliminação de diarreia pútrida, febre, hematoquezia e acentuada queda do estado geral.

Correta a alternativa D.

9.3 DIAGNÓSTICO

A investigação diagnóstica frequentemente inicia-se com radiografia


simples do abdome. Esse exame é inespecífico para o diagnóstico, mas seus
achados incluem distensão intestinal com predomínio no cólon e ausência
ou redução de conteúdo gasoso no reto e na região agangliônica.
O enema contrastado é um bom exame para elucidação diagnóstica.
Em crianças normais, o reto tem calibre igual ou discretamente maior que o
restante do cólon. Em pacientes com doença de Hirschsprung, o espasmo
do reto distal geralmente resulta em calibre menor quando comparado
com o do cólon sigmoide proximal. A identificação de uma zona de
transição (mudança de calibre do reto aganglionar para o reto saudável) é
um dos achados diagnósticos (figura 22). A ausência de eliminação completa
do contraste instilado após 24 horas também é indicador de doença de
Hirschsprung.
A manometria anorretal também é um recurso diagnóstico útil. O
achado manométrico característico é de de ausência de relaxamento do
esfíncter interno quando o reto é distendido por um balão (ausência do
reflexo de abertura do esfíncter). Essa estratégia diagnóstica é especialmente Figura 22: Enema baritado de criança com doença de
útil em crianças mais velhas. Hirschsprung. A seta demonstra zona de transição entre o
segmento agangliônico distal e o cólon proximal dilatado.

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Lembre-se de que a manometria anorretal baseia-se no fato da DH. Células ganglionares ausentes, hipertrofia de troncos
de que, fisiologicamente, o processo da evacuação acontece com nervosos nos plexos submucoso e mioentérico e imuno-
a contração do reto (aumento da pressão retal) e relaxamento do histoquímica positiva para acetilcolinesterase (AChE) são os
esfíncter anal interno (queda da pressão esfincteriana). Para que critérios histopatológicos.
isso ocorra, é necessária a integridade anatômica e funcional de As fibras hipertrofiadas são neurônios pré-ganglionares,
todo o arco reflexo nervoso, que compreende as fibras colinérgicas colinérgicos, provenientes da cadeia parassimpática paravertebral.
pré-ganglionares, células ganglionares e suas sinapses. Imagina-se que essas fibras pré-ganglionares, não encontrando
Assim, o aumento da pressão retal deve ser acompanhado células ganglionares para sinapse, sofram hipertrofia. A pesquisa
de uma queda na pressão do esfíncter interno pelo relaxamento de atividade de AChE detecta atividade de AChE aumentada na DH,
esfincteriano. Na DH, devido à ausência de células ganglionares, o fato que também se justifica pelo aumento de fibras colinérgicas na
mecanismo normal da evacuação não se processa. ausência de células ganglionares.
A biópsia retal é o exame padrão-ouro para o diagnóstico

CAI NA PROVA

(Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de RP da USP - 2015)


Recém-nascido, sexo masculino, duas semanas de vida, admitido no
pronto-socorro com vômitos e distensão abdominal. Informante refere
que a criança não apresentou evacuações há sete dias. Evoluiu com
distensão abdominal progressiva e inapetência, associado à piora
do quadro de vômitos. Nascido a termo, permaneceu internado
mais tempo do que o usual por "constipação intestinal". Ao exame
físico apresenta-se em regular estado geral, desidratado, descorado,
dispneico, afebril, anictérico. O exame abdominal mostra peristaltismo
visível, ruídos hidroaéreos aumentados, timpanismo à percussão e
resistente à palpação. Períneo sem alterações. Não foi realizado toque
retal. Enema Opaco: VER IMAGEM. Considerando a história clínica e
o achado do exame de imagem acima, qual o diagnóstico e a conduta
mais adequados?

A) Intussuscepção intestinal e cirurgia.


B) Volvo intestinal e retossigmoidoscopia.
C) Enterocolite necrosante e cirurgia.
D) Doença de Hirschsprung e biópsia retal.

COMENTÁRIO

Vamos juntar todas as informações relevantes que o examinador forneceu: estamos diante de um recém-nascido, com duas semanas
de vida, com antecedente de, após o nascimento, ter permanecido no hospital mais tempo que o usual, por ter apresentado “constipação
intestinal” (atraso na eliminação do mecônio? Rolha meconial?), que foi levado ao pronto-socorro porque não evacua há uma semana e agora
está apresentando vômitos e distensão abdominal. Foi realizado um enema opaco e a imagem é característica da doença de Hirschsprung!

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Observe o espasmo do reto distal, com calibre menor quando comparado com o do cólon sigmoide proximal. Essa é uma imagem que você deve
guardar para as provas! Como confirmar o diagnóstico? Por meio da biópsia retal, que é o exame padrão-ouro e identifica células ganglionares
ausentes, hipertrofia de troncos nervosos nos plexos submucoso e mioentérico e a imuno-histoquímica é positiva para acetilcolinesterase
(AChE).

Correta a alternativa D.

9.4 TRATAMENTO

O tratamento da doença de Hirschsprung é cirúrgico e


consiste na ressecção do segmento aganglionar e reconstrução
do trânsito intestinal. Classicamente, era realizada uma colostomia
no período neonatal e, após alguns meses, cirurgia reparadora
de abaixamento de cólon. Nos últimos anos, passou-se a realizar
cirurgia em um só tempo e em menor idade. Realiza-se cirurgia de
abaixamento abdominoperineal tipo Duhamel ou Soave.
No procedimento de Duhamel, o coto retal agangliônico é
deixado in situ e o cólon normogangliônico é abaixado por trás do
coto retal (figura 23), na topografia pré-sacral, sendo confeccionada
uma anastomose coloanal (o cólon gangliônico é anastomosado
posteriormente, logo acima do ânus). Um grampeador é então
introduzido pelo ânus com um braço dentro do intestino
normogangliônico posteriormente e o outro, anteriormente, no
reto agangliônico. O disparo do grampeador resulta na anastomose
entre a parede anterior do cólon gangliônico e a parede posterior
do reto agangliônico. Desse modo, configura-se um neorreto que
se esvazia normalmente devido à porção posterior do intestino
ganglionar.
A técnica de Soave envolve a dissecção mucosa endorretal do
reto distal agangliônico. O cólon normogangliônico é então puxado
pelo coto muscular remanescente do reto e uma anastomose Figura 23: Cirurgia de Duhamel. Nessa técnica, o reto agangliônico é deixado no
coloanal é realizada. lugar e o intestino gangliônico é trazido para o espaço retrorretal.

Os resultados em longo prazo para ambos os procedimentos são comparáveis e geralmente excelentes em mãos experientes.
Constipação é a complicação pós-operatória mais frequente, seguida de incontinência fecal de pequena monta (soiling), incontinência
franca, estreitamento anastomótico e enterocolite.

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CAI NA PROVA

(Hospital do Câncer de Barretos - 2020) Recém-nascido com 20 dias de vida, em investigação de distensão abdominal, é submetido à
radiografia de abdome que evidencia distensão importante de colón descendente, sem achado de pneumatose intestinal. Foi submetido
à biopsia retal que evidenciou ausência de células ganglionares e número aumentado de fibras nervosas acetilcolinesterase positivas. A
conduta cirúrgica adequada para este caso, dentre as opções abaixo é:

A) Amputação abdominoperineal de Miles.


B) Colostomia definitiva pela técnica de Parks.
C) Colostomia provisória e ressecção do segmento agangliônico e programação posterior pela técnica de Duhamel.
D) Proctocolectomia total endoanal pela técnica de Swiert.

COMENTÁRIO

Não podemos ter dúvidas quanto ao diagnóstico desse RN. Ele é portador de uma das principais causas de suboclusão intestinal
baixa em recém-nascidos: a doença de Hirschsprung (DH). Ainda que o examinador tenha fornecido poucas informações clínicas, esse RN foi
submetido à biópsia retal, exame padrão-ouro para o diagnóstico da DH. Células ganglionares ausentes, hipertrofia de troncos nervosos nos
plexos submucoso e mioentérico e imuno-histoquímica positiva para acetilcolinesterase (AChE) são os critérios histopatológicos.
Uma vez confirmado o diagnóstico, qual é o tratamento? O tratamento é cirúrgico e consiste na ressecção do segmento aganglionar e
reconstrução do trânsito intestinal. Classicamente, era realizada uma colostomia no período neonatal e, após alguns meses, cirurgia reparadora
de abaixamento de cólon. Nos últimos anos, passou-se a realizar cirurgia em um só tempo e em menor idade.
Realiza-se cirurgia de abaixamento abdominoperineal tipo Duhamel. Nesse procedimento, o coto retal agangliônico é deixado in situ
e o cólon normogangliônico é abaixado por trás do coto retal, pelo espaço retrorretal, pré-sacro, sendo confeccionada uma anastomose
coloanal (o cólon gangliônico é anastomosado posteriormente, logo acima do ânus). Um grampeador é então introduzido pelo ânus com um
braço dentro do intestino normogangliônico posteriormente e o outro, anteriormente, no reto agangliônico. O disparo do grampeador resulta
na anastomose entre a parede anterior do cólon gangliônico e a parede posterior do reto agangliônico, sendo confeccionado um neorreto que
se esvazia normalmente devido à porção posterior do intestino ganglionado. Dessa forma, a alternativa correta é a letra C.

Correta a alternativa C.

CAPÍTULO

10.0 MALFORMAÇÕES ANORRETAIS


As anomalias anorretais representam um conjunto de é o ânus imperfurado com fístula entre o cólon distal e a uretra
malformações da região anal e retal de diferentes complexidades, (retouretral), seguida da fístula retoperineal. No sexo feminino, o
que incluem desde estenose anal simples a até a persistência de tipo de anomalia mais comum é a fístula retovestibular, seguida
cloaca. por fístula retoperineal. A associação com outras malformações
A ocorrência dessas anomalias é de 1 a cada 4.000 – 5.000 congênitas é muito frequente, como veremos adiante!
nascimentos. Em meninos, a variação anatômica mais frequente

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10.1 PATOGÊNESE

As afecções anorretais congênitas resultam de alterações meninos) ou a vagina (em meninas). Outro espectro da alteração
embriológicas relacionadas à parada da descida do septo urorretal consiste na falha total ou parcial na reabsorção da membrana anal.
em direção à membrana cloacal. Esse evento resulta em membrana ou estenose anal.
Na sexta semana de gestação, o septo urogenital move-se É importante ressaltarmos que o defeito anorretal isolado
caudalmente para dividir a cloaca em um sinus urogenital anterior constitui a forma não sindrômica, enquanto a associação de
e um canal anorretal posterior. A falha na formação desse septo afecção anorretal com outras malformações congênitas constitui
resulta em uma fístula entre o intestino e o trato urinário (em a forma sindrômica, que representa 60% dos casos.

10.2 CLASSIFICAÇÃO E APRESENTAÇÃO CLÍNICA

A classificação anatômica das anomalias anorretais é das do sexo masculino. Afinal, nas meninas, o aparelho genital está
baseada no nível em que o coto retal com extremidade cega entre as vias urinárias e o reto. Dessa forma, no sexo feminino, a
termina em relação à musculatura elevadora do ânus. Essa malformação costuma acometer o sistema genital. No caso dos
classificação é de grande importância, pois vai influenciar a meninos, é comum haver acometimento do sistema urinário.
conduta terapêutica. Veja nas tabelas abaixo as má formações possíveis, divididas
É importante deixar claro que, por conta das peculiaridades por sexo.
anatômicas de cada sexo, as anomalias no sexo feminino diferem

Sexo feminino Sexo masculino


Fístula perineal (cutânea) Fístula perineal (cutânea)
Fístula reto-vestíbulo vaginal (reto-vestibular) Fístula retrouretral bulbar
Fístula retovaginal (Cloaca) Fístula retrouretral prostática
Malformação complexa Fístula reto-colo vesical
Anus imperfurado sem fístula Anus imperfurado sem fístula
Atresia retal Atresia retal

Os principais sinais clínicos de malformação anorretal incluem a não


eliminação do mecônio ou a saída do mecônio por fístula perineal, urinária
ou vestibular.
Agora, vamos discutir um pouco as principais apresentações das
malformações anorretais.
Inicialmente, vamos falar sobre a fístula retoperineal - Esse é o
defeito mais benigno, em ambos os sexos. Trata-se de uma “malformação
baixa" e recebe esse nome, pois, a parte mais inferior do reto abre-se na
pele do períneo. No recém-nascido, essa anomalia é identificada através da
saída de mecônio pela pele do períneo através da fístula (figura 24).

Figura 24: Fístula retoperineal. Observe a presença de mecônio


exteriorizado por fístula no períneo.

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Outra possibilidade é o ânus imperfurado sem fístula. Esse é Nessas situações, observa-se a saída de mecônio através do orifício
um defeito pouco comum e nesses casos, o reto termina em fundo vaginal e podemos identificar a fístula ao examinarmos a genitália.
cego, a aproximadamente 1 a 2 cm acima do períneo. Como não Como reto e vagina têm uma longa parede em comum, nas
existe fístula com o períneo e genitália, não se observa eliminação pacientes com essa malformação, a altura da fístula deve ser levada
de mecônio por nenhum orifício. em consideração durante a correção cirúrgica. (figura 25).
Em meninas, podemos suspeitar do tipo de defeito a partir Nos recém-nascidos do sexo masculino, a eliminação de
do número de orifícios no períneo. Ou seja, um único orifício é mecônio através da uretra é o que identifica a presença de uma
compatível com o diagnóstico de cloaca, ou seja, há malformação fístula alta, ou seja, uma fístula retouretral, retoprostática ou
distal nos aparelhos urinários e genitais e sua fusão com o reto. Se retovesical.
dois orifícios forem vistos, por exemplo, uretra e vagina, o defeito Por fim, na estenose ou atresia retal, o reto termina em
representa ânus imperfurado. fundo cego (atresia) ou apresenta estreitamento pouco acima
Outras apresentações possíveis incluem os casos de ânus do canal anal (estenose). Esses defeitos são difíceis de serem
imperfurado associados a uma fístula retovestibular ou retovaginal. diagnosticados, pois a aparência externa é normal.

Figura 25: Representação das fístulas reto-vestibular e reto-vaginal. Observe que reto e vagina apresentam uma parede em comum nessas anomalias.

10.3 AVALIAÇÃO E CONDUTA

No recém-nascido com malformação anorretal, existem duas condutas terapêuticas possíveis:

1. Colostomia descompressiva imediata e adiamento da correção definitiva da anomalia


2. Anorretoplastia sem colostomia.

O elemento que levamos em consideração para escolher uma estratégia ou outra é a altura da malformação anorretal.
Malformações baixas podem ser corrigidas através de anorretoplastia em tempo único. Por outro lado, malformações mais altas
precisam inicialmente de uma colostomia descompressiva e então, em um segundo momento, é realizada a correção definitiva da anomalia.
Nesse contexto, a presença de anomalias associadas a fístulas podem nos auxiliar na decisão terapêutica e isso é possível pelo seguinte:
a exteriorização do mecônio através de uma fístula no períneo é indicativo de uma fístula baixa, permitindo que a reconstrução anorretal seja
feita sem a colostomia, através de uma anorretoplastia.

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É importante lembrarmos que a eliminação do mecônio por fístula pode demorar até 16 a 24 horas e esse período deve ser aguardado,
pois como vimos, a localização da fístula nos auxilia na definição do tratamento inicial. Portanto, guarde a seguinte informação: a identificação
de fístula retoperineal, em ambos os sexos, é indicação de anorretoplastia, sem colostomia prévia.
Como vimos no tópico anterior, a existência de mecônio na urina ou na uretra são indicativos de uma fístula alta. Portanto, nessas
situações, está indicada colostomia. A correção definitiva poderá ser realizada a partir de 4 a 8 semanas de vida.
Veja que interessante, a simples inspeção perineal e o exame da urina (em busca de mecônio) permitem estabelecer a decisão
terapêutica em 80% dos casos.

Nos casos em que não se consegue estabelecer um diagnóstico preciso da altura


da fístula ou do coto retal, a criança deve ser submetida à investigação radiológica,
com o objetivo de determinarmos a distância entre o fundo cego retal e a pele
anal. O exame realizado é uma radiografia, com a criança em posição prona e com
a pelve elevada. Esse exame recebe o nome de INVERTOGRAMA, ou incidência de
Wangesteen-Rice (figura 26).
Esse estudo radiológico está indicado após 24 horas de vida, na ausência de
eliminação de mecônio por fístulas. Convencionalmente, a distância entre o fundo
cego retal e a pele anal maior que 01 cm é indicação de colostomia. Se essa distância
for menor que 01 cm, a criança é portadora de uma anomalia baixa e pode ser tratada
pela anoplastia perineal imediata, sem colostomia.
Figura 26: Invertograma. O local em que o ânus deveria
situar-se no períneo é marcado e determina-se a distância
entre o ar no reto e a pele anal.

Meninas com fístula retovestibular são, geralmente, submetidas inicialmente à colostomia e a correção definitiva da malformação é
postergada. De forma semelhante ao manejo de recém-nascidos masculinos, quando não se consegue localizar uma fístula perineal e não há
saída de mecônio por qualquer orifício do períneo, as meninas devem realizar o INVERTOGRAMA, a fim de avaliar a altura do fundo cego retal.
A malformação anorretal muitas vezes coincide com outras anomalias congênitas e a associação VACTERL (lembra dela?) deve ser
considerada durante a avaliação desses RN.
Anomalias vertebrais e do sacro são frequentes, assim como anomalias geniturinárias ocorrendo em até 60% dos pacientes. É importante
deixar claro que as essas anomalias genitourinárias não incluem as fístulas, mas sim refluxo vesicoureteral, hidronefrose, rim em ferradura,
hipospádia, entre outras.
Em geral, quanto mais alta a malformação anorretal, mais frequente é a associação com anomalias urológicas. Dessa forma, O RN com
malformações anorretais deve ser submetido à radiografia simples da coluna vertebral, ultrassom da medula espinhal, ultrassom renal e de
vias urinárias e ecocardiograma. A atresia de esôfago pode ser investigada por meio da introdução de uma sonda orogástrica.
Logo abaixo estão dispostos algoritmos de decisão para o manejo de pacientes do sexo masculino (figura 27) e feminino (figura 28)
portadores de anomalias anorretais. Se você tiver que escolher algo sobre esse tema para decorar, deverão ser os algorítimos!

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Figura 27: Algoritmo para manejo de recém-nascido masculino com anomalia anorretal.

Figura 28: Algoritmo para manejo de recém-nascido feminino com anomalia anorretal.

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10.4 TRATAMENTO CIRÚRGICO

10.4.1 LESÕES BAIXAS

O RN com lesão baixa pode ser submetido a anorretoplastia em um único tempo, sem colostomia, por meio de abordagem perineal.
Nessa cirurgia, a abertura retal é transposta para a posição normal nos centros dos músculos do esfíncter anal e o corpo perineal é reconstituído.

10.4.2 LESÕES ALTAS

Bebês com lesões altas requerem colostomia como primeira parte de uma
reconstrução do trânsito em três tempos.
1. Inicialmente, é realizada colostomia terminal do cólon sigmóide e uma
fístula mucosa (colostomia em duas bocas, figura 29).
2. O segundo procedimento é realizado aos 2-4 meses de idade e consiste em
dividir a fístula retourinária ou retovaginal com tração do coto retal terminal
para a posição anal normal (anorretoplastia sagital posterior, ou cirurgia de
Peña). Após esse procedimento, são necessárias múltiplas dilatações anais,
que começam duas semanas após a anorretoplastia e continuam por vários
meses após o fechamento da colostomia.
3. O terceiro e último estádio é o fechamento da colostomia, que é realizado
várias semanas após a cirurgia de Peña.

Vamos ver se você entendeu! Dê uma olhada na série de


Figura 29: Colostomia em duas bocas.
questões a seguir! É assim que as provas de Residência
Médica costumam cobrar esse assunto!

CAI NA PROVA

(Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – SP - 2018) O exame de


um recém-nascido de termo na sala de parto é exibido a seguir. Qual é a conduta
para o caso?

A) Proctoplastia imediata.
B) Colostomia em duas bocas.
C) Aguardar 24 a 48 horas.
D) Invertograma.

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COMENTÁRIO

Vamos revisar: a imagem mostra um recém-nascido do sexo masculino com uma malformação anorretal, e isso fica óbvio, pois não
vemos ânus na imagem. Como proceder nesses casos?
Uma vez feito o diagnóstico dessa malformação ao examinar o RN na sala de parto, devemos aguardar um período de, no mínimo, 24
horas. Esse período é necessário para verificar a existência de fístulas, pois, em geral, são necessárias 16 a 24 horas para a pressão intraluminal
intestinal aumentar suficientemente para eliminar mecônio pela fístula, o que evidencia sua presença e localização. Nesse intervalo, enquanto
aguardamos o mecônio, devemos procurar por outras anomalias associadas.
Se nesse período ele evoluir com saída de mecônio pelo períneo, está feito o diagnóstico de fístula perineal. Isso significa que a
malformação é baixa, ou seja, o coto retal está próximo ao ânus. Por outro lado, se ele eliminar mecônio pela urina, quer dizer que a
malformação é alta. Essa classificação é importante para determinar se a cirurgia corretiva será realizada em um ou em mais tempos cirúrgicos,
com colostomia.
Nas anomalias altas, inicialmente, faz-se uma colostomia e, após 2 meses, a anorretoplastia sagital posterior. Já nas lesões baixas, o
tratamento cirúrgico é a anorretoplastia em um só tempo, sem a necessidade de colostomia prévia.
Quando não se identifica a presença de fístula, após período de espera inicial, há necessidade de um invertograma, para determinar a
distância do coto retal em fundo cego e pele anal.

Correta a alternativa C.

(Universidade Estadual Paulista – UNESP - 2018) RN do sexo masculino, nascido com 39 semanas
de idade gestacional, de parto vaginal. Recebeu os cuidados iniciais de assistência ao RN sem
nenhuma intercorrência. Ao exame físico, na sala de parto, observou-se ausência de ânus. Logo
após, o paciente eliminou urina de cor escura (imagem). (Conforme imagem do caderno de
questões) Em relação ao tratamento dessa malformação congênita, a conduta imediata é:

A) Expectante nas primeiras 48 horas de vida.


B) Cirúrgica, por meio de anorretoplastia sagital posterior.
C) Cirúrgica, por meio de colostomia em duas bocas.
D) Realizar radiografia com incidência de Wangesteen-Rice (invertografia).

COMENTÁRIO

Vamos ver se você entendeu! Esse recém-nascido masculino, cujo exame físico na sala de parto evidenciou ausência de ânus, eliminou
mecônio pela urina! O que isso significa? Isso significa que estamos diante de uma malformação anorretal ALTA, ou seja, esse RN necessitará
de mais de um procedimento cirúrgico para correção do defeito e nesse momento deverá ser submetido a uma colostomia em duas bocas!

Correta a alternativa C.

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(Universidade Estadual Paulista – UNESP - 2014) Recém-nascido do sexo masculino


apresenta ausência de ânus ao primeiro exame na sala de parto. A conduta é:

A) Uretrocistografia miccional para verificar presença de fístula retouretral.


B) Invertograma após 24 horas.
C) Anoplastia.
D) Aguardar 18 a 24 horas para verificar a presença de fístula perineal.
E) Sondagem para verificar a presença de mecônio na urina, indicativo de fístula
retovesical.

COMENTÁRIO

Última questão, para fecharmos esse assunto com chave de ouro! Qual será a conduta para esse RN? Você consegue perceber que,
ainda que não apresente ânus, ele eliminou mecônio por uma fistula perineal? Ou seja, apresenta uma malformação anorretal BAIXA e poderá
ser submetido ao tratamento definitivo da malformação em um único tempo cirúrgico! Qual é o procedimento indicado? É a anoplastia, ou
anorretoplastia sagital posterior!

Correta a alternativa C.

CAPÍTULO

11.0 MALFORMAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

11.1 ONFALOCELE

A onfalocele é uma malformação da parede abdominal, externamente por âmnio e o cordão umbilical está sempre no
onde há formação de um defeito na linha média, de tamanho ápice do defeito (figura 30). Esses elementos são importantes
variável, na altura do anel umbilical. Através desse defeito, há pois ajudam a diferenciar os quadros de onfalocele em relação à
evisceração de parte do conteúdo do intra-abdominal, que inclui: gastrosquise - o principal diagnóstico diferencial da onfalocele é a
intestino delgado, intestino grosso, estômago e até mesmo o fígado, gastrosquise!
em 30% dos casos. O defeito na parede abdominal é variável e quanto maior o
A onfalocele é revestida internamente por peritônio e defeito abdominal, pior o prognóstico.

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Figura 30: Onfalocele. Observe as vísceras recobertas por membranas translúcidas (âmnio e peritônio parietal). O cordão umbilical está sempre no ápice do defeito.

Esse defeito do desenvolvimento embrionário apresenta importante associação com outras anomalias congênitas estruturais
(cardiovasculares, defeitos do tubo neural, meningoceles, má rotação intestinal, anomalias musculoesqueléticas, hérnia diafragmática)
e com anomalias cromossômicas.

Existem quatro grupos de malformações associadas mais frequentes na onfalocele:

• Síndrome da linha média, que compreende a fissura vesicointestinal, atresia colônica, extrofia de bexiga, ânus imperfurado,
defeitos da coluna sacral e meningomielocele;
• Pentalogia de Cantrell, que inclui defeitos do esterno, diafragma, pericárdio e malformações cardíacas, inclusive ectopia
cordis;
• Síndrome de Beckwith-Wiedemann, que compreende, além dos defeitos da região umbilical, macroglossia, gigantismo e
esporadicamente hipoglicemia por secreção inapropriada de insulina;
• Trissomias dos cromossomos 13, 15 e 18.

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O tratamento neonatal da onfalocele começa com a Nos defeitos pequenos a médios, o fechamento primário
preservação da membrana amniótica intacta com gaze estéril, da parede abdominal é o tratamento de escolha. Quando isso não
umedecida em solução salina, sempre tomando cuidado com é possível, opções alternativas incluem o emprego de materiais
hipotermia. Além disso, está indicada a descompressão gástrica aloplásticos, fechamentos com retalhos de pele ou a colocação de
através de sonda, hidratação e antibióticos endovenosos. Por fim, um silo para redução sequencial e fechamento estagiado (veja a
outras anomalias associadas sempre devem ser pesquisadas. seguir).

11.2 GASTROSQUISE

Assim como a onfalocele, a gastrosquise também é um defeito


da parede abdominal. Tipicamente, essa malformação é paramediana e
acontece à direita do cordão umbilical, que está inserido normalmente.
A associação com outras anomalias é menor, mas em cerca de
15% dos casos associa-se à atresia intestinal.
O defeito costuma ser pequeno (< 4 cm), não é recoberto por
membrana amnio-peritonial e é acompanhado por evisceração de alças
de delgado, parte do intestino grosso e, algumas vezes, estômago, tubas
uterinas, ovários e bexiga urinária (figura 31).
Um fato bastante característico desse defeito refere-se ao fígado,
que não se exterioriza, permanecendo em sua posição normal, ao
contrário do que acontece em parte dos casos de onfalocele, em que o
fígado é exteriorizado em cerca de 30% das vezes.
Devido à ausência do saco amnio-peritonial e à exposição direta
do intestino ao líquido amniótico no útero, as alças são tipicamente
espessadas, edematosas e encurtadas. Portanto, bebês com gastrosquise
devem receber cuidados especiais para evitarmos a lesão dessas alças
intestinais expostas e para minimizarmos a perda de fluidos. Figura 31: Gastrosquise. Observe o defeito paraumbilical, à direita da
Normalmente, os RN são colocados em ambiente aquecido e cicatriz umbilical. As alças intestinais evisceradas não são recobertas por
membrana.
envoltos, até a altura dos mamilos, em uma bolsa plástica para órgãos
umedecida com soro fisiológico. Essa medida permite a fácil avaliação
do conteúdo intestinal eviscerado e evita a perda de fluidos.
Assim como na onfalocele, está indicada hidratação,
antibioticoterapia e descompressão gástrica. Em geral, as necessidades
de fluidos são maiores que na onfalocele, devido à maior perda.
Também como na onfalocele, quando possível, as alças intestinais
são reduzidas e o defeito na parede abdominal é fechado primariamente
ou por meio de material aloplástico. Caso as vísceras não possam ser
reduzidas de volta à cavidade abdominal, um silo protético é colocado,
ainda no setor de terapia intensiva, e as alças evisceradas são reduzidas
progressivamente, ao longo de 05 a 07 dias (figura 32). Então, após a
redução completa, é realizado o fechamento operatório da parede.
Você seria capaz de listar as principais diferenças entre essas
duas malformações? É exatamente isso que as bancas costumam
Figura 32: Gastrosquise. Tratamento cirúrgico com silo protético. As alças
cobrar! Quer ver? são reduzidas progressivamente ao longo de 05 a 07 dias.
Fonte: Shutterstock.

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CAI NA PROVA

(Hospital do Câncer de Barretos– 2020) É um defeito congênito central da parede abdominal. O defeito fascial é geralmente maior do que 4
cm de diâmetro, com um saco membranoso intacto, composto por uma camada exterior de âmnio e uma camada interior de peritônio:

A) Gastrosquise.
B) Hérnia inguinal.
C) Pentalogia de Cantrell.
D) Onfalocele.

COMENTÁRIO

Essa é exatamente a principal diferença entre essas duas malformações e a mais cobrada pelas bancas! É na ONFALOCELE que as
vísceras herniadas apresentam-se envoltas por membrana transparente.

Correta a alternativa D.

(Comissão Estadual de Residência Médica do Amazonas – CERMAM - 2018) Nas patologias abaixo, a que apresenta protusão da parede
abdominal, paraumbilical, congênita, que resulta na extrusão das vísceras, sem revestimento ou bolsa peritoneal é:

A) Hérnia Epigástrica.
B) Hérnia de Spiegel.
C) Onfalocele.
D) Gastrosquise.

COMENTÁRIO

Enquanto na onfalocele as vísceras herniadas apresentam-se envoltas por membrana transparente, na GASTROSQUISE ocorre a
extrusão das vísceras sem revestimento por membrana.

Correta a alternativa D.

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(Universidade Estadual Paulista – UNESP - 2013) A foto apresentada mostra recém-


nascido. Após análise da imagem, pode-se afirmar que o recém-nascido é portador
de:

A) Onfalocele, pois há exteriorização das alças à direita do cordão umbilical e está


associada a outras malformações.
B) Gastrosquise, pois o orifício de exteriorização é pequeno e tem sua origem na
involução da veia umbilical direita.
C) Extrofia de cloaca.
D) Gastrosquise, pois há fígado exteriorizado no defeito e não há malformações
associadas.
E) Onfalocele, pois há sofrimento das alças exteriorizadas, tornando-se difícil a
correção cirúrgica.

COMENTÁRIO

Qual é o diagnóstico desse recém-nascido? Ele apresenta extrusão das alças intestinais por meio de um pequeno defeito da parede
abdominal adjacente e à direita do cordão umbilical, que está inserido normalmente; as alças não estão recobertas por saco membranoso e
encontram-se espessadas, edematosas e encurtadas. Ou seja, esse bebê é portador de GASTROSQUISE. Relembre-se do que você leu sobre
esse defeito: o fígado, curiosamente, não se exterioriza, permanecendo em sua posição normal!
A gastrosquise é um defeito da parede abdominal paraumbilical, geralmente à direita do cordão, relacionado com a posição anatômica
da veia umbilical obliterada à direita. A alternativa correta é a letra B.

Correta a alternativa B.

11.3 PROGNÓSTICO DAS MALFORMAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

Qualquer que seja o defeito abdominal, onfalocele ou tipicamente menor que nos casos de gastrosquise. Nesta última, a
gastrosquise, a desproporção entre as vísceras exteriorizadas e o desproporção entre o conteúdo eviscerado e a cavidade é devida,
tamanho da cavidade abdominal é o que dita o prognóstico, uma em grande parte, ao edema e espessamento das alças expostas,
vez que isso implica em maior ou menor dificuldade na redução provocados pelo contato prolongado das alças com líquido
cirúrgica das alças à cavidade abdominal. amniótico, que é ácido e irritante.
Como regra geral, quanto maior o defeito, maior a O encurtamento intestinal observado na gastrosquise é mais
desproporção entre a cavidade abdominal e o conteúdo, mais aparente do que real e decorre de serosite, edema e espessamento
difícil o tratamento, maior a morbidade e pior o prognóstico. das alças.
Nas grandes onfaloceles, o conteúdo eviscerado é maior e A presença de outras malformações e de anomalias
a cavidade abdominal menos desenvolvida, sendo uma cavidade cromossômicas associadas é outro fator que afeta o prognóstico.

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A tabela abaixo (tabela 02) apresenta os principais detalhes morfológicos que permitem diferenciar as
onfaloceles das gastrosquises. É muito importante que você leve estes conceitos para as provas de Residência!

Tabela 02: Principais diferenças entre a onfalocele e a gastrosquise.

ONFALOCELE GASTROSQUISE

É recoberta por membrana (âmnio e peritônio). Ausência de membrana amniótica recobrindo as vísceras.

Defeito umbilical; cordão umbilical sempre inserido no ápice do


Defeito paraumbilical, à direita do cordão umbilical.
defeito.

Geralmente, o fígado ou parte dele fazem parte do conteúdo


Raramente há protrusão do fígado ou de parte dele.
herniário.

Defeito abdominal > 4 cm. Defeito abdominal pequeno (< 4 cm).

Associação com outras malformações é menos frequente (15%).


Frequente associação com outras malformações (> 40%). Quando presente, a maioria é representada pelas atresias
jejunoileais.

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CAPÍTULO

13.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. Maksoud, J. G. 2003. Cirurgia Pediátrica. 2ª edição, Revinter.
2. Tannuri, U. 2010. Doenças Cirúrgicas da Criança e do Adolescente, 1ª edição, Manole.
3. Townsend, C. M., R. D. Beauchamp, B. M. Evers and K. L. Mattox. 2017. Sabiston Textbook of Surgery: The Biological Basis of Modern
Surgical Practice, 20th edition. Elsevier Saunders.
4. Brunicardi, F. C., D. K. Andersen, T. R. Billiar, D. L. Dunn, J. G. Hunter, J. B. Matthews and R. E. Pollock. 2014. Schwartz's Principles of
Surgery, 10th edition, McGraw-Hill Education.
5. Gama-Rodrigues, J. J., Machado, M. C. C., Rasslan, S. 2008. Clínica Cirúrgica, 1ª edição, Editora Manole.
6. Ellison, E. C., Zollinger, R. M. 2017. Zollinger - Atlas de Cirurgia. 10ª edição, Guanabara Koogan.
7. Cameron, J. L., Cameron, A. M. 2013. Terapêutica Cirúrgica. 10ª edição, Elsevier Saunders.
8. https://www.uptodate.com/contents/search

CAPÍTULO

14.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Querido estrategista, quem te escreve é o professor Antonio Rivas, atual responsável pelo material de cirurgia pediátrica.

A professora Sarah Cozar precisou se desligar do projeto, mas adianto a você que a causa foi muito nobre: ela foi aprovada para a única
vaga de residência de cirurgia pediátrica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP em São Paulo.

Sei que esse tema é denso, mas estou aqui para ajudá-lo de todas as formas que forem possíveis!

Não deixe de assistir às aulas de cirurgia pediátrica. Elas vão te ajudar bastante a compreender o conteúdo. Peço também que você
fique atento a todos os trechos em negrito! Eles foram selecionados estrategicamente, para que você acerte a maioria absoluta das questões
lendo somente eles.

Conte comigo no fórum de dúvidas e nas redes sociais, fico à disposição para esclarecer quaisquer questões que eventualmente
venham a surgir.

Lembre-se, para dicas, notícias e atualizações sobre os concursos de residência médica, siga o perfil do Estratégia Med nas mídias
sociais!

Você também poderá seguir meu perfil pessoal no Instagram @dr.antoniorivas, lá você pode acompanhar um pouco mais do meu dia
a dia de cirurgião e falar comigo via direct!

E lembre-se,

“O trabalho duro vence o talento quando o talento não trabalha duro”

Até a próxima e um forte abraço.

Antonio Rivas.

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