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Nelson Eizirik

TEMAS DE DIREITO
SOCIETÁRIO

RENOVAR
Rio de Janeiro • São Paulo • Recife NAO FAÇA CóPIA

2005 fttffi§
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Eizirik, Nelson
E426t Temas de direito societário I Nelson Eizirik. - Rio de Janeiro: Re-
novar, 2005.
630p. ; 23cm.
ISBN 85-7147-516-4
I. Direito societário - Brasil. I. Título.
CDD-346.81052

Proibida a reprodução (Lei 9.610/98)


Impresso no Brasil
Printed in Brazil
INCORPORAÇÃO DE COMPANHIA POR SUA
SUBSIDIÁRIA INTEGRAL. EXTINÇÃO DE
ACORDO DE ACIONISTAS. INAPLICABILIDADE
DO ARTIGO 264 DA LEI DAS S.A.. PREVALÊNCIA
DO INTERESSE SOCIAL E ABUSO DE DIREITO

I - DA CONSULTA

A Consulta está formulada nos seguintes termos:

"1. A Companhia Alfa e sua subsidiária integral Companhia Beta são


co-proprietárias na razão de 90% e 10% de um lucrativo Shopping
Center. Há interesse, por razões fiscais, em concentrar a propriedade
do referido Shopping Center na Companhia Beta. Além disso, não
mais se justifica a existência das duas sociedades, levando a que se
proponha a eliminação de uma delas, recaindo a escolha na Compa-
nhia.Alfa, por razões de substancial economia de despesas.
2. Existe na Companhia Alfa um Acordo de Acionistas versando sobre
(i) direito de preferência, {ii) eleição de administradores para seu
Conselho de Administração e (i i i) exercício do direito de voto.
3. Sabe-se que a incorporação acarreta a sucessão universal dos direi-
tos e obrigações da incorporada pela incorporadora. No caso em espé-
cie, a única obrigação que poderia resultar para a sociedade, na qua-
lidade de incorporadora, em decorrência da existência de um Acordo
de Acionistas averbado nos livros próprios da incorporada, é a do
presidente da Assembléia Geral, ou de órgão colegiado de delibera-
ção, observar-lhe os termos. Todavia, para que se transfira a referida
obrigação para qualquer órgão social da incorporadora, será necessá-
rio concluir que o Acordo de Acionistas da incorporada deva ser ob-
servado na incorporadora, o que se questiona, seja porque se trata o
Acordo de Acionistas de relação intuitu personae, seja porque não
mais existirá o objeto do acordo, ou seja, a sociedade incorporada,
seja porque não se trata de obrigação com conteúdo patrimonial.

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4. A par disso, consulta-se, também, se, na incorporação de subsidiá-
ria integral, tem aplicação o disposto no art. 264 da Lei das Socieda-
des Anônimas tendo em vista que não há, seja na incorporadora, seja
na incorporada, acionista minoritário a ser protegido contra o s.d[_
dealing, permanecendo idênticas as participações percentuais dos
acionistas na incorporadora.
5. Por fim, e considerando que, no entender da sociedade, mostra-se
visível o interesse social em que se realize a supracitada incorporação,
e que a discussão sobre a sobrevivência do Acordo de Acionistas, ou
não, é res inter alias, pergunta-se se a iniciativa, judicial ou extraju-
dicial (Junta Comercial), de algum acionista visando paralisar a in-
corporação é ato lícito, à vista do disposto no art. 187 do Novo Código
Civil?"

11 -DO PARECER

A elaboração do presente Parecer, tendo em vista o desenvolvi-


mento sistemático da matéria objeto da Consulta, pressupõe a análise
dos seguintes tópicos:
a) extinção do acordo de acionistas em decorrência da incorpora-
ção da companhia;
b) inaplicabilidade do artigo 264 da Lei das S .A. às operações de
incorporação de companhia por sua subsidiária integral;
c) prevalência do interesse social sobre os interesses particulares
dos acionistas e caracterização do abuso de direito; e
d) conclusões.

A- DA EXTINÇÃO DO ACORDO DE ACIONISTAS EM


DECORRÊNCIA DA INCORPORAÇÃO DA COMPANHIA

A. I. - Da natureza contratual dos acordos de acionistas

O acordo de acionistas constitui contrato celebrado entre acionis-


tas da companhia para compor seus interesses individuais e para esta-
belecer normas sobre a sociedade da qual participam, regulando seu
funcionamento, de forma a harmonizar seus interesses societários e
implementar o próprio interesse social.
A regulação dos acordos de acionistas foi introduzida, em nosso
direito societário, pelo artigo 118 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, o qual, em sua redação atual, dispõe que:

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"Art. 118 - Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de
suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito de voto,
ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quan-
do arquivados na sua sede."

Apesar de regulados pela lei societária, os acordos de acionistas


caracterizam-se como contratos submetidos às normas comuns deva-
lidade de todos os negócios jurídicos de direito privado, conforme
leciona de Jürgen Dohm 1:

"Un teZ acte générateur d'obligations est étranger au droit des so-
ciétés anonymes, il releve au droit des obligations. (. .. .) Naus
pouvons conclure avec la doctrine unanime que les accords relatifs à
l'exercise du droit de vote de l'actionnaire sont de nature purement
contractuelle et reposent sur les príncipes généraux du droit ci-
vil." (grifamos)

De fato, a regulação dos acordos de acionistas pela Lei das S.A.


não desnatura o caráter preponderantemente civil das relações jurídi-
cas dele advindas 2 .
A regulação pela Lei das S.A. tem por finalidade apenas estabele-
cer os pressupostos necessários a que tais contratos sejam observados
pela companhia e produzam efeitos perante terceiros.
Portanto, o acordo de acionistas possui natureza jurídica de con-
trato e, como tal, está sujeito às normas comuns do Código Civil,
quanto aos requisitos de validade e eficácia do negócio jurídico.

A.2- Da natureza de contrato parassocial dos acordos de


acionistas e sua dependência em relação ao contrato social

O acordo de acionistas constitui negócio celebrado sem a inter-


venção da companhia e estranho ao regulamento das relações internas
da sociedade, ditado pelo Estatuto Social.
Apesar de a companhia ser parte estranha aos acordos de acionis-

I JÜRGEN DOHM. Les accords sur l'exercice du droit de vote de l'actionnaire.


Geneve: Georg, 1971. p. 15/1 7.
z EGBERTO LACERDA TEIXEIRAeJOSÉALEXANDRE TAVARES GUERREI-
RO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro. vol. 1. São Paulo: José Bushatsky,
1979. p. 305.

313
tas, estes se destinam a produzir efeitos no âmbito da sociedade, par-
ticularmente quando disciplinam o exercício do direito de voto.
Assim, o acordo de acionistas tem natureza de contrato parasso-
cial, uma vez que, embora suas disposições não integrem o contrato
social, seus contratantes são acionistas e sua execução opera-se na
esfera societária.
Por regularem, extra-socialmente, a composição dos interesses
individuais dos sócios, os acordos de acionistas são classificados como
contratos parassociais. 3
A jurisprudência de nossos tribunais também tem reconhecido a
natureza de contrato parassocial dos acordos de acionistas, a latere do
contrato de sociedade 4 .
O fato de constituir um contrato parassocial permite concluir
que, apesar de celebrado individualmente entre os sócios, a eficácia
do acordo de acionistas está condicionada à existência da pessoa jurí-
dica, em cuja esfera dar-se-á a sua execução.
Com efeito, não faria sentido, até por uma questão lógica, a exis-
tência de um contrato cujo objetivo é regular as relações das partes
enquanto acionistas de uma companhia que não existe. Diante disso,
pode-se afirmar que o contrato social precede, logicamente, o acordo
de acionistas. 5
Dessa forma, a vigência do acordo de acionistas depende da exis-
tência da sociedade na qual seus efeitos deverão ser produzidos, con-
forme ressalta Modesto Carvalhosa: 6

"São, com efeito, os acordos de acionistas, convenções marginais, em


relação ao contrato social, muito embora existam em razão do mes-
mo. O acordo de acionistas, enquanto pacto parassocial, depende
da existência da pessoa jurídica, podendo ou não, conforme a sua
causa, ter a função de implementar determinadas cláusulas do pacto
social." (grifamos)

3 FÁBIO KONDER COMPARATO. Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresa-


rial. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 75 e ss.; WALDÍRIO BULGARELLI. Questões
de Direito Societário. São Paulo: RT, 1983. p. 28.
4 NELSON EIZIRIK. Sociedades Anônimas- Jurisprudência. Rio de Janeiro: Re-
novar, 1996. p. 3.
5 LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Estudos e pareceres sobre sociedades
anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 215/216.
6 MODESTO CARVALHOSA. Acordos de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984.
p.38.

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No mesmo sentido, vale mencionar a lição de Mario Leite Santos,
nos seguintes termos: 7

"Resulta de igual modo da observação empírica que o acordo paras-


social pressupõe a existência actual ou futura de um contrato de
sociedade, relativamente ao qual se encontra numa relação de
subordinação, quanto mais não seja dum ponto de vista lógico. É
difícil pensarmos num contrato parassocial que não tenha por finali-
dade incidir sobre relações jurídicas que decorrem da existência
duma sociedade." (grifamos)

Como se verifica, a existência dos acordos de acionistas pressupõe


a da sociedade, estando tais acordos interligados à sobrevivência e à
manutenção da própria companhia. 8
Assim, a eventual extinção da sociedade em cujo âmbito o acordo
de acionistas deveria ser executado implica o perecimento do referido
acordo, tendo em vista a impossibilidade do cumprimento de suas
cláusulas.
A propósito, ressalte-se que, em função de sua dependência em
relação à existência da sociedade, o acordo de acionistas pode ser
classificado como pacto acessório ao contrato social.
De fato, conforme refere a doutrina, contratos acessórios são to-
dos aqueles que têm como pressuposto a existência de outro contra-
to, e não apenas os que têm por objeto garantir o cumprimento das
obrigações contraídas no contrato principal. 9
Como o acordo de acionistas pressupõe a existência da sociedade
a qual ele se refere, fica evidenciado seu caráter acessório em relação
ao contrato social.
O vínculo de acessoriedade entre o contrato de social e o acordo de
acionistas foi expressamente reconhecido por Modesto Carvalhosa: 10

"Diante dessa colocação, fica evidente o caráter de acessoriedade


relativamente ao pacto social, havendo inclusive uma dependência

7 MARIO LEITE SANTOS. Contratos Parassociais e Acordos de Voto nas Socieda-


des Anônimas. Lisboa: Edições Cosmo, 1996. p. 53.
8 CARLOS CELSO ORCESI DA COSTA. Da rescisão imotivada de acordo de
acionistas por prazo indeterminado. Revista de Direito Mercantil. vol. 60. p. 43.
out./dez. 1985.
9 ORLANDO GOMES. Contratos. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 78.
10 MODESTO CARVALHOSA. Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984. p.
40.

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recíproca entre os dois negócios, pois tem o acordo de acionistas a
função de implementar cláusulas estatutárias. Nessa hipótese, ade-
mais, a eficácia do contrato parassocial depende não apenas da
existência da pessoa jurídica, mas também da existência de deter-
minadas cláusulas do próprio contrato social." (grifamos)

A principal conseqüência da classificação entre contratos acessó-


rios e principais decorre da aplicação do princípio geral de que o aces-
sório segue a sorte do principal. De acordo com tal princípio, a extin-
ção do contrato principal acarreta a do contrato acessório, pois este,
logicamente, não pode sobreviver ao primeiro, por faltar a sua própria
razão de ser. 11
Diante disso, extinguindo-se a sociedade em cuja esfera devem
produzir-se os efeitos do acordo de acionistas, este também não pode-
rá sobreviver, conforme enfatizado por Márcio Correia Vianna:'2

"O Acordo de Acionistas é contrato que tem como pressuposto funda-


mental um outro (contrato de sociedadeJ, existindo em função deste
outro, num fenômeno que a doutrina espanhola denomina 'dependên-
cia funcional'. Daí por que, a nosso ver, tais pactos extra-estatutá-
rios merecem ser classificados como contratos acessórios em re-
lação ao contrato de sociedade, que nas sociedades anônimas está
sintetizado nos estatutos sociais.
Sendo contrato acessório, a ele têm que ser aplicáveis os princípios e
regras especiais que regem essa categoria contratual, notadamente a
do accesorium sequitur principale. Assim, a nulidade ou a rescisão
do contrato de sociedade implica, necessariamente, na nulidade
ou rescisão dos Acordos de Acionistas, que a essa sociedade anô-
nima se referem (. ..)" (grifamos)

Portanto, sendo o acordo de acionistas acessono ao contrato


social, o desaparecimento deste, em virtude da extinção da socieda-
de, implica, necessariamente, o término da vigência do acordo de
acionistas, em função da ausência de um de seus pressupostos es-
senciais.

11 ORLANDO GOMES. Contratos. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 78.


12 MÁRCIO CORREIA VIANNA. A conceituação jurídica do acordo de acionistas e
a licitude da convenção de voto. Revista Forense. Rio de Janeiro, vol. 253, p. 471.
jan./fev./mar. 1976.

316
Ora, uma das conseqüências da operação de incorporação, confor-
me textualmente mencionam os artigos 219, inciso 11 e 227, § 3°, da
Lei das S .A., é a extinção da sociedade incorporada.
Dessa forma, não há dúvida de, no caso presente, a incorporação
da COMPANHIA ALFA pela COMPANHIA BETA acarretará a ex-
tinção do Acordo de Acionistas, na medida em que não mais existirá a
sociedade em cujo âmbito suas disposições devem ser executadas.

A.3 - Da impossibilidade de o acordo de acionistas impor


obrigações à companhia

Além da extinção da incorporada, a incorporação da sociedade tam-


bém acarreta a assunção de todos os seus direitos e obrigações pela in-
corporadora, conforme dispõe o caput do artigo 227 da lei societária.
A sucessão universal estabelecida pelo artigo 227 da Lei das S.A.,
contudo, não prejudica a conclusão acima aduzida, no sentido de que
a incorporação da sociedade tem como conseqüência a extinção do
acordo de acionistas a ela referente.
Isto porque o acordo de acionistas não pode impor nenhuma obri-
gação à companhia, mas apenas a seus acionistas, visto que estes cons-
tituem as únicas partes legítimas para figurar em tal contrato parasso-
cial13.
De fato, no sistema legal vigente, a companhia não pode ser parte,
em sentido substancial, dos acordos firmados por seus próprios acio-
nistas. 14
Sendo a companhia parte ilegítima para figurar em acordos de
acionistas, fica evidente que ela não pode assumir qualquer obrigação
em decorrência de tais instrumentos.
Apesar disso, como o acordo de acionistas destina-se a produzir
efeitos. no âmbito da sociedade, a Lei no 6.404!1976 instituiu proce-
dimento específico com o objetivo de atribuir à companhia a função
de assegurar a observância do pactuado entre seus acionistas, a fim de
aumentar a eficácia de tais contratos.
Dito procedimento consiste no arquivamento do acordo de acio-
nistas na sede social, conforme estabelece o artigo 118 da Lei no
6.404/1976.

13 CELSO BARBI FILHO. Acordo de Acionistas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p.
90.
14 FÁBIO KONDERCOMPARATO. O poder de controlenasociedadeanônima. Rio
de Janeiro: Forense, 1983. p. 177/178.

317
Em virtude de tal dispositivo, deve a companhia, por exemplo,
impedir a transferência das ações de propriedade de um dos conve-
nentes em violação às cláusulas do acordo ou, ainda, não computar o
voto proferido em Assembléia Geral em sentido contrário daquele
previamente ajustado.
Em suma, o artigo 118 da lei societária impôs à companhia a fun-
ção de assegurar o cumprimento do disposto nos acordos de acionistas
arquivados em sua sede.
No entanto, o fato de a companhia ter a atribuição legal de garan-
tir a observância do cumprimento dos acordos de acionistas não a
torna parte de tais contratos e tampouco autoriza que, como tal, ela
possa ficar sujeita ao cumprimento de obrigações neles impostas.
A regra do artigo 118 da Lei das S .A. não acarreta propriamente
uma obrigação à companhia, mas somente atribui a ela a função de
implementar a vontade dos convenentes, com poderes para impedir
que produzam efeitos eventuais atos praticados em desconformidade
com as disposições do acordo.
De fato, obrigação, em seu sentido jurídico, constitui o vínculo em
virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em
proveito da outra, tendo como um de seus requisitos essenciais o
caráter patrimonial da prestação. 15
A atribuição conferida pelo artigo 118 da Lei das S .A. à sociedade
não se caracteriza, portanto, como obrigação e, muito menos, possui
natureza patrimonial.
Assim, a função de assegurar a observância das disposições do
acordo firmado entre os acionistas da sociedade incorporada não pode
ser incluída entre as obrigações que, nos termos do artigo 227 da Lei
das S.A., devem ser assumidas pela companhia incorporadora.
Conclui-se, pois, que o acordo de acionistas não acarreta nenhuma
obrigação para a sociedade incorporada que deveria ser assumida pela
companhia incorporadora.
Dessa forma, não há como se pretender que o acordo de acionis-
tas, extinto em decorrência do desaparecimento da companhia incor-
porada, seja, automaticamente, "transferido" para a incorporadora,
passando a disciplinar a relação de seus signatários enquanto acionistas
desta.

15 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de Direito Civil. vol. 2. 19 ed.


Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 16.

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A.4 - Da inexistência de declaração de vontade dos acionistas da
COMPANHIA ALFA quanto à sobrevivência do Acordo de
Acionistas após a incorporação da Companhia

Vale ainda ressaltar que somente seria possível admitir que o acor-
do de acionistas passasse a ser aplicável em relação à incorporadora,
após a incorporação da sociedade a que ele originalmente se referia,
caso os contratantes tivessem expressamente previsto tal possibilida-
de.
Lembre-se que a celebração de acordo de acionistas impõe, em
regra, uma série de restrições ao exercício de direitos inerentes à
condição de sócio.
Dependendo do teor das cláusulas contratuais, o acionista poderá
ser constrangido a votar, nas deliberações assembleares, em sentido
previamente determinado, assim como terá que observar limites à
livre alienação de suas ações.
Em vista disso, a "transferência" das obrigações decorrentes do
acordo de acionistas para outra sociedade, após a incorporação da
companhia, constituiria medida de caráter excepcional, que, como
tal, somente poderia ser admitida em face de concordância expressa
dos contratantes.
Ou seja, a única forma pela qual o acordo de acionistas da compa-
nhia incorporada poderia sobreviver à extinção desta, passando a vigo-
rar em relação à sociedade incorporadora, seria mediante declaração
inequívoca da vontade das partes neste sentido.
Assim, se esta tivesse sido a sua intenção, deveriam as partes ter
previsto expressamente que, na hipótese de incorporação da socieda-
de, os direitos e obrigações decorrentes do acordo de acionistas passa-
riam a ser exercidos em relação à nova companhia.
No caso presente, as Partes do Acordo· de Acionistas comprome-
teram-se a restringir o exercício de seus direitos enquanto acionistas
da COMPANHIA ALFA, não de qualquer outra sociedade. Não há,
no Acordo de Acionistas, qualquer menção à sobrevivência da avença
em relação à companhia que eventualmente viesse a suceder a COM-
PANHIA ALFA.
Note-se, ademais, que foi expressamente prevista a possibilidade
de a Companhia vir a ser incorporada no decorrer da vigência do
Acordo, conforme se verifica de sua Cláusula 7.2:

"Os contratantes concordam em submeter à aprovação por quórum


qualificado de 2/3 (dois terços) das ações com direito de voto que

319
compuserem o capital social toda e qualquer deliberação da Assem-
bléia Geral da COMPANHIA ALFA que tenha por objeto as seguin-
tes matérias:
(. ..)
3. incorporação, fusão, clsao, transformação ou dissolução da
COMPANHIAALFA." (grifamos)

Ou seja, as Partes concordaram que a COMPANHIA ALFA pode-


ria ser incorporada por outra sociedade, mesmo sem a aprovação da
totalidade dos signatários do Acordo.
Contudo, o contrato não estabeleceu nenhuma conseqüência es-
pecial em decorrência de tal operação, muito menos, repita-se, a ma-
nutenção de sua vigência em relação à sociedade incorporadora.
Logo, não tendo sido expressamente prevista tal possibilidade,
não se pode simplesmente presumir, sem nenhuma indicação concre-
ta, que a intenção das Partes tenha sido a de manter a eficácia das
obrigações pactuadas no Acordo de Acionistas em relação à compa-
nhia sucessora da COMPANHIA ALFA.
Diante disso, reafirma-se a conclusão de que a extinção da COM-
PANHIA ALFA, em decorrência de sua incorporação pela COMPA-
NHIA BETA, acarreta o término da vigência do Acordo de Acionistas,
não estando as Partes vinculadas ao cumprimento das disposições de
tal Acordo em relação à sociedade incorporadora.

B -DA INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 264 DA LEI DAS


S.A. ÀS OPERAÇÕES DE INCORPORAÇÃO DE
COMPANHIA POR SUA SUBSIDIÁRIA INTEGRAL

B.l - Fixação das relações de substituição das ações

Um dos aspectos mais relevantes da operação de incorporação é,


inequivocamente, a definição das relações de substituição das ações,
ou seja, quantas ações de emissão da companhia incorporadora serão
entregues a cada acionista da sociedade incorporada por cada ação de
emissão desta anteriormente possuída.
Por meio da relação de substituição, obtida a partir de uma avalia-
ção comparativa dos patrimônios das sociedades envolvidas na opera-
ção, deve-se estabelecer a justa contrapartida em ações de valor equi-
valente na sociedade incorporadora, de forma a evitar a ocorrência de
prejuízos patrimoniais aos acionistas cujas ações serão extintas.

320
A lei societária exige que os critérios utilizados para determinar as
relações de substituição das ações sejam divulgados no Protocolo de
Incorporação, conforme o disposto em seu artigo 224, inciso I.
A exigência legal da indicação dos critérios de avaliação implica,
obviamente, a possibilidade da utilização de mais de um, como meio
de se alcançar a justa relação de substituição. 16
De fato, não há qualquer exigência ou determinação especial
quanto aos critérios a serem utilizados para avaliação das ações de cada
sociedade, que serão livremente escolhidos pelos administradores e
acionistas das companhias envolvidas. 17
Prevalece, portanto, em nosso direito, a ampla liberdade na esco-
lha convencional do critério utilizado para determinar as relações de
substituição das ações em operações de incorporação.

B.2- Da particularidade da incorporação de controlada

As regras acima referidas sobre a fixação da relação de substitui-


ção aplicam-se tanto às operações de incorporação entre sociedades
que não possuem qualquer relação societária, como naquelas que se
realizam entre a companhia controladora e sua controlada.
No entanto, no caso de incorporação de companhia controlada, a
lei societária optou por oferecer uma proteção adicional aos acionistas
minoritários da sociedade incorporada, procurando uma fórmula que
garantisse ser a relação de troca das ações das duas sociedades a mais
justa possível.
Justifica-se o regime especial das incorporações de controladas, já
que, quando as duas sociedades não estão submetidas a controle co-
mum, os interesses dos acionistas de cada companhia são defendidos
pelos respectivos administradores e controladores. Nestas hipóteses,
a definição das bases da incorporação representa questão meramente
negocial. 18
Por outro lado, quando a operação ocorre entre sociedades con-
troladoras e controladas, não se verifica o caráter bilateral que assegu-
ra os interesses dos minoritários de ambas as companhias envolvidas,

16 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S.A. São


Paulo: Saraiva, 2002. p. 374.
17 ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A. vol. 2.
2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 562/563.
18 ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A. vol. 2.
2 ed. Rio de Janeiro: Renovar,1996. p. 679.

321
visto que o mesmo acionista controlador decide pelos dois lados da
operação.
De fato, na incorporação de controlada inexistem duas vontades
na operação, pois o mesmo controlador vota e decide as condições em
que se realizará a incorporação nas assembléias gerais das duas socie-
dades, onde, a princípio, pressupõe-se que os acionistas repre-
sentariam interesses contrários.
Esta foi a razão que motivou o legislador brasileiro a adotar regras
especiais em relação à incorporação de companhia controlada, confor-
me se verifica da Exposição de Motivos da Lei no 6.404/1976:

"A incorporação de companhia controlada requer normas especiais


para a proteção aos acionistas minoritários, por isso que não existem,
na hipótese, duas maiorias acionárias distintas, que deliberem
separadamente sobre a operação." (grifamos)

Em vista destes princípios, o artigo 264 da Lei n° 6.404/1976


estabelece que, no caso de incorporação de controlada, deverá ser
apresentada aos acionistas a avaliação, tanto da incorporadora como
da incorporada, com base no critério do patrimônio líquido a preços
de mercado.
Dita avaliação é formalidade adicional ao procedimento normal de
incorporação, tendo em vista que, em regra, a lei não estabelece crité-
rios para a avaliação das companhias envolvidas.
Isso não significa, contudo, que a relação de troca das ações deva
ser determinada com base no parâmetro estabelecido no artigo 264 da
lei societária.
Nada impede que as sociedades envolvidas optem por estabelecer
a relação de substituição com base em outro critério, desde que os
acionistas sejam informados de qual seria a relação de troca se apurada
com base no valor patrimonial a preços de mercado. 19

B.3 - Das finalidades da exigência de avaliação adicional prevista


no artigo 264 da Lei das S.A.

A avaliação das sociedades envolvidas com base no critério indica-


do pelo artigo 264 da Lei das S.A. tem por primeiro objetivo conferir

19 MODESTO CARVALHOSA e NELSON EIZIRIK. A Nova Lei das S.A. São


Paulo: Saraiva, ZOOZ. p. 376.

3ZZ
ao minoritário elementos para que ele possa decidir sobre a conve-
niência de aceitar ou não a relação de troca estabelecida no Protocolo
da operação.
De fato, o cálculo da relação de substituição com base no vàlor do
patrimônio líquido a preços de mercado é exigido para permitir a
comparação com o critério escolhido pela administração das socieda-
des e indicado no Protocolo, a fim de evidenciar a eqüidade da esco-
lha do referido critério, conforme leciona Alfredo Lamy Filho 20 :

"Essa informação - imposta para evidenciar a equidade no cál-


culo da incorporação votada pelo controlador dos dois lados da
operação- seria, também, (no caso de companhia fechada) uma
alternativa para o valor de reembolso dos acionistas dissidentes. Re-
vogado o direito de recesso na hipótese de incorporação (pela vigência
da Lei n° 7.958, de 1989) subsiste a exigência para esclarecimento
do critério adotado na fixação da relação de troca, e ciência dos
acionistas- tanto da incorporadora como da incorporada- da
inexistência de abuso de poder por parte do controlador (art.
115 da Lei)." (grifamos)

Como se verifica, a Lei das S.A. exigiu a avaliação das sociedades


envolvidas pelo critério do patrimônio líquido a preços de mercado
como forma de assegurar que o acionista minoritário da companhia
incorporada tenha condições de avaliar se a relação de troca proposta
pelos acionistas controladores, e indicada no Protocolo da operação, é
ou não eqüitativa.
Além de servir para demonstrar a eqüidade da relação de substi-
tuição, a avaliação do patrimônio líquido a preços de mercado tam-
bém pode constituir alternativa para a determinação do valor de
reembolso devido aos acionistas que divergirem da operação.
De fato, a lei societária determina, em seu artigo 45, que, como
regra geral, o reembolso deve ser fixado com base no valor do patrimô-
nio líquido contábil da companhia, salvo se existir norma estatutária
adotando o critério do valor econômico para tal finalidade.
No entanto, conforme dispõe o§ 3° do artigo 264 da Lei das S.A.,
caso as relações de substituição das ações dos acionistas minoritários,
fixadas no Protocolo, sejam menos vantajosas do que as que resulta-

zo ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A. vol. 2.
2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 328.

323
riam da avaliação dos patrimônios a preços de mercado, os acionistas
dissidentes poderão escolher, ao exercer o direito de recesso, entre o
reembolso de suas ações calculado com base no valor do patrimônio
líquido contábil ou com base no valor de patrimônio líquido a preços
de mercado.
Em outras palavras, a possibilidade de o valor de reembolso ser
fixado com base no patrimônio líquido avaliado a preços de mercado
somente existe na hipótese de os acionistas da companhia incorporada
serem prejudicados na relação de substituição de suas ações, em com-
paração com o critério indicado no Protocolo da operação.
Portanto, a regra prevista no artigo 264 da Lei das S.A. possui
dupla finalidade, qual seja:
a) evidenciar a eqüidade dos parâmetros escolhidos para a fixação
da relação de substituição das ações; e
b) servir como critério alternativo para o cálculo do valor de reem-
bolso devido aos acionistas dissidentes, na hipótese de a relação de
substituição estabelecida no Protocolo da Incorporação ser menos
vantajosa do que aquela que decorreria da avaliação dos patrimônios
líquidos a preços de mercado.

B.4- Da análise do caso concreto

Em princípio, a operação de incorporação da COMPANHIA


ALFA pela COMPANHIA BETA estaria subordinada ao cumprimen-
to da formalidade prevista no artigo 264 da Lei das S.A., visto que se
trata, inequivocamente, de incorporação de companhia por sua con-
trolada.
Assim, uma análise superficial da situação descrita na Consulta,
levaria ao entendimento de que a realização da aludida incorporação
dependeria da avaliação do patrimônio líquido das sociedades envolvi-
das a preços de mercado, conforme exigido pelo referido artigo da lei
societária.
Lembre-se, contudo, que, em qualquer operação de incorporação,
as ações emitidas pela companhia incorporadora são divididas entre os
acionistas da incorporada, observando-se a participação de cada acio-
nista no capital desta última. Trata-se de uma característica essencial
da incorporação, pois não se poderia admitir que a atribuição das no-
vas ações desse ensejo a privilégios para determinados acionistas, em
detrimento de outros.
No caso de incorporação por subsidiária integral, como ocorre na
hipótese da Consulta, o único acionista da incorporadora extinguir-se-
á em decorrência da operação.

324
Assim, a composição do capital social na sociedade resultante da
incorporação será, necessariamente, idêntica àquela anteriormente
existente na companhia incorporada.
Vale dizer, independente do critério utilizado para determinar a
relação de substituição das ações, os acionistas da incorporada deverão
deter, no capital da incorporadora, exatamente o mesmo percentual
de participação que possuíam antes da incorporação.
Em vista disso, pode-se afirmar que a incorporação da companhia
por sua subsidiária integral não acarreta, em nenhuma hipótese, pre-
juízos patrimoniais aos acionistas da incorporada, visto que as suas
respectivas porcentagens de participação, no novo quadro acionário,
permanecerão absolutamente idênticas.
Ora, conforme referido, a exigência da avaliação prevista no artigo
264 da Lei das S.A. visa, em essência, a conferir informação adicional
aos acionistas da companhia incorporada, de modo que estes possam
aferir o caráter eqüitativo da operação, comparando a relação de subs-
tituição fixada no Protocolo com aquela que resultaria da avaliação
pelo critério do patrimônio líquido a preços de mercado.
Na incorporação por subsidiária integral, a referida informação
adicional não possui nenhuma utilidade para o acionista da incorpora-
da, uma vez que, repita-se, qualquer que seja o critério adotado para
fixar as relações de substituição, a composição acionária da incorpora-
dora será exatamente igual à que existia na incorporada antes da ope-
ração.
Ou seja, não se justifica impor à companhia a realização de uma
formalidade adicional, cujo objetivo é permitir a comparação entre
dois resultados que serão, sempre, absolutamente idênticos.
Da mesma forma, também não faria sentido exigir a avaliação referi-
da no artigo 264 da Lei das S.A. sob o argumento de que os acionistas
dissidentes da operação poderiam requerer que o valor de reembolso de
suas ações fosse apurado com base no critério ali previsto.
De fato, a possibilidade de o valor de reembolso ser calculado com
base no parâmetro mencionado no artigo 264 da lei societária so-
mente existe na hipótese de a relação de substituição estipulada no
Protocolo ser prejudicial para os acionistas da incorporada, em com-
paração com aquela que resultaria da avaliação dos patrimônios a pre-
ços de mercado.
Caso a relação de substituição fixada no Protocolo seja mais van-
tajosa ou igual àquela que decorreria da avaliação adicional determi-
nada pelo artigo 264 da Lei das S.A., o valor de reembolso das ações
será apurado de acordo com a regra geral estabelecida no artigo 45 da

325
Lei no 6.404/1976, qual seja, valor de patrimônio líquido contábil da
companhia, se outro critério não estiver previsto no estatuto social.
Em se tratando de incorporação por subsidiária integral, a relação
de substituição estabelecida no Protocolo será necessariamente igual
a que resultaria da avaliação dos patrimônios a preços de mercado,
visto que, em qualquer caso, os acionistas manterão a mesma partici-
pação que detinham na companhia incorporada.
Vale dizer, o resultado da comparação prevista no artigo 264 da lei
societária nunca será prejudicial aos acionistas da incorporada, inde-
pendentemente do critério adotado para determinar a relação de
substituição.
Constata-se, pois, que nenhuma das duas finalidades que ensejam
a obrigatoriedade da realização da avaliação adicional exigida pelo ar-
tigo 264 da Lei das S.A. justifica a sua aplicação às operações de
incorporação da companhia por sua subsidiária integral.
Ora, o direito comercial, pela própria natureza das atividades que
ele regula, caracteriza-se pela celeridade e informalidade, o que auto-
riza a dispensa do cumprimento de formalidades inúteis, isto é, cujo
atendimento não acarreta nenhum benefício para aqueles que norma
visa a proteger.
O direito societário, sem abrir mão das formalidades necessárias à
segurança das relações jurídicas, tem dispensado rituais despiciendos
e onerosos, reconhecendo o caráter dinâmico e informal dos negócios
mercantis.
Assim, não se justifica, na hipótese da Consulta, a exigência de
apresentação da avaliação prevista no artigo 264 da Lei das S.A., visto
que, conforme referido, o atendimento a tal formalidade não acarreta
nenhuma proteção adicional aos acionistas minoritários da sociedade
incorporada.
Em verdade, a realização da aludida avaliação representaria um
acréscimo nos custos incorridos para a efetivação da incorporação,
sem que, em contrapartida, nenhum benefício fosse auferido pelos
acionistas das sociedades envolvidas.
Nessas condições, pode-se afirmar que dita avaliação, ao invés de
representar uma proteção, seria prejudicial para os próprios acionistas
da incorporada, pois seriam eles que, indiretamente, teriam que arcar
com os custos de sua realização.
Diante do exposto, conclui-se que a regra prevista no artigo 264
da Lei n° 6.404/1976 não se aplica às operações de incorporação de
sociedade anônima por sua subsidiária integral.

326
Logo, não há como se pretender sujeitar a incorporação da COM-
PANHIA ALFA pela COMPANHIA BETA à avaliação dos patrimô-
nios de ambas as companhias a preços de mercado.

C -DA PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL SOBRE OS


INTERESSES PARTICULARES DOS ACIONISTAS E DA
CARACTERIZAÇÃO DO ABUSO DE DIREITO

C.l -Da prevalência do interesse social sobre os interesses


particulares dos acionistas

A prevalência do interesse social sobre a vontade individual dos


acionistas constitui um dos princípios básicos que informam o funcio-
namento das sociedades anônimas, conforme se infere de diversos
dispositivos da lei societária.
De fato, para proteger o interesse social, a Lei das S.A. estabelece
uma série de limites, objetivando impedir que os direitos por ela ou-
torgados aos acionistas sejam direcionados para o atendimento de in-
teresses particulares dos sócios, sejam eles minoritários ou controla-
dores.
Neste sentido, o votQ a ser proferido nas assembléias gerais da
companhia deve ser manifestado tendo em vista o interesse social,
conforme expressamente determina o artigo 115 da Lei n°
6.404!l976.
Como se verifica, o acionista, quer majoritário, quer minoritário,
é responsável pelo conteúdo de seu voto e tem a obrigação de exercê-
lo sempre no interesse da companhia, como adverte Luiz Gastão Paes
de Barros Leães: 21

"Assim sendo, ao exercer o direito de voto, o sócio não pode perse-


guir nenhum interesse particular, mas o seu interesse de sócio uti
socius, que se considera coincidente com o interesse social. Neste sen-
tido, pode-se dizer que, embora o voto seja livre, o acionista está
obrigado a perseguir o interesse social." (grifamos)

21 LUIS GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Apud MAURO RODRIGUES PEN-


TEADO. Aumento de Capital nas Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1988. p.
257/258.

327
Em conseqüência, o exercício do direito de voto do acionista so-
mente será legítimo se tendente à satisfação do interesse social. Ou
seja, o acionista que proferir voto contrário ao interesse social estará
atuando de maneira abusiva.
O acionista que exerce seu direito de voto abusivamente, em
busca unicamente de seus interesses pessoais, deve responder pelos
danos causados à sociedade ou aos demais acionistas, nos termos do§
4° do artigo 115 da Lei das S .A.
A violação ao princípio da prevalência do interesse social configu-
ra, ainda, abuso de poder por parte do acionista controlador.
Com efeito, o abuso de poder de controle deve ser entendido,
justamente, como a conduta do acionista controlador na direção dos
negócios contrária ao interesse social, da qual resulte prejuízo para a
sociedade, para seus acionistas ou para terceiros.
Nos termos da alínea "c" do § 1o do artigo 117 da Lei das S.A.,
considera-se modalidade de abuso de poder de controle "promover
alterações estatutárias, emissão de valores mobiliários ou adoção de
políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da compa-
nhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que tra-
balham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emiti-
dos pela companhia" (grifamos).
Da mesma forma, a alínea "e" do referido dispositivo qualifica
como abusiva a conduta do acionista controlador no sentido de "indu-
zir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou,
descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover,
contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia
geral" (grifamos).
Vale também mencionar que um dos limites ao exercício da auto-
nomia privada nos acordos de acionistas é justamente a observância do
princípio da prevalência do interesse social, conforme se depreende
zo
do § do artigo 118 da lei societária.
Ao analisar o dispositivo transcrito, a doutrina sustenta que os
acionistas podem, livremente, firmar acordos e outras convenções
para regular o exercício dos direitos atribuídos pela Lei das S.A., des-
de que tais avenças não contrariem o interesse social 22 •
Neste sentido, Trajano de Miranda Valverde leciona que o inte-

22 WALDÍRIO BULGARELLI. Questões de Direito Societário. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 1983. p. 30.

328
resse social constitui a medida para verificar-se a licitude das conven-
ções de voto 23 :

"A licitude ou a ilicitude das convenções, que vinculam, temporaria-


mente, o direito de voto, depende, pois, da sua causa ou fim. É um
problema a resolver em cada caso, segundo o critério, que nos parece
justo, da jurisprudência americana, que considera válidas as
convenções sempre que visam ao interesse da sociedade anôni-
ma" (grifamos)

Diversos outros dispositivos da Lei das S.A. asseguram a prevalên-


cia do interesse social, erigindo-o à categoria de um princípio que deve
servir como limite à atuação não apenas dos acionistas, mas de todos
os demais participantes da vida societária, como os administradores
(artigos 154 a 15 7) e conselheiros fiscais (artigo 163, inciso IV).
Diante disso, pode-se verificar a existência de um princípio básico
que permeia nossa lei societária, qual seja: é ilegítimo o exercício de
qualquer direito decorrente da condição de acionista que não tenha
como objetivo o interesse social, mas que vise a beneficiar interesses
particulares de determinado acionista ou grupo de acionistas ou mes-
mo terceiros em detrimento da sociedade.
Dessa forma, conclui-se que os direitos decorrentes da condição
de acionista devem ser sempre exercidos visando a consecução do
interesse social.

C.2- Da caracterização do abuso de direito

Até o advento do Código Civil de 2002, não existia, em nosso


ordenamento jurídico, uma norma que reconhecesse, em termos ge-
rais, a teoria do abuso de direito. No entanto, tal teoria era indireta-
mente consagrada pela regra prevista no artigo 160 do Código Civil de
1916, que prescrevia que:

"Art. 160. Não constituem atos ilícitos:


I - Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido. (grifamos)
(. . .)"

23 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. vol. 11. Rio de


Janeiro: Forense, 1959. p. 59 e ss.

329
Como se verifica, a redação do dispositivo transcrito revelava, a
contrário senso, que os atos praticados no exercício irregular de um
direito seriam considerados ilícitos.
Contudo, o Código Civil de 1916 não estabelecia requisitos claros
e genéricos para identificar quando o exercício de um direito seria
irregular, isto é, quando um ato poderia ser considerado abusivo.
O Código Civil de 2002, inovando em relação ao texto revogado,
acolheu de forma expressa a teoria do abuso do direito, conforme se
verifica do disposto em seu artigo 187, in verbis:

"Art. 187- Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao


exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". (grifamos)

A redação do novo dispositivo, inspirada no Código Civil portu-


guês, impõe, assim, limites éticos aos exercícios de direitos subjetivos
e outras prerrogativas individuais. Tais limites serão estabelecidos ten-
do como parâmetros a função social e econômica dos direitos, os bons
costumes e o princípio da boa-fé objetiva.
Dessa forma, a verificação do caráter abusivo de determinado ato
não está limitada apenas à intenção do agente em prejudicar alguém,
mas centra-se no desvio do exercício do direito em relação à sua fun-
ção econômica ou social.
Em verdade, o ponto fundamental para a identificação do abuso
de direito, de acordo com a teoria adotada pelo artigo 187 do Código
Civil de 2002, está na aferição da existência de finalidade legítima
para a prática do ato. 24
De fato, o abuso do direito caracteriza-se quando uma pessoa, ao
exercer um direito do qual é titular, pratica um ato sem que tenha
motivo legítimo para tanto.
Neste sentido, a doutrina ressalta que a investigação sobre a even-
tual existência de abuso deve concentrar-se na busca do motivo legíti-
mo para a prática do ato: 25

24 HELOÍSA CARPENA. Abuso do Direito no Código de 2002.Relativização de


Direitos na Ótica Civil-Constitucional. In: GUSTAVO TEPEDINO (coord.).A Parte
Geral do Novo Código Civil- Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002. p. 382.
25 LUIZ ALBERTO WARAT Apud ALAÔR EDUARDO SCISINIO. As Maiorias
Acionárias e o Abuso do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 59.

330
"El abuso nos parece- afirma Josserand- como intimamente ligado
a la idea de la finalidad de los derechos, entendida como socialmente
indispensable, es asegurada, no solamente por los límites concretos
trazados dentro de los instrumentos legislativos o regulamentarias,
sino también por las fronteras menos aparentes que derivan de la
función social de las diversas prerrogativas jurídicas y que se
constatan por un processo de investigación constante, uniforme
y segura: la búsqueda deZ motivo legítimo. Y agrega, que esas prer-
rogativas que aparecen como derechos soberanos, no son más que fa-
cultades de intereses limitados, que no pueden ser realizados correcta-
mente sino dentro y conforme al espíritu de la institución." (grifamos)

Constitui, pois, ato abusivo aquele mediante o qual a pessoa que o


praticou não visa a obter uma finalidade legítima.
Por finalidade legítima, cuja ausência configura o caráter abusivo
da conduta, deve-se entender aquela que está de acordo com o fim
econômico e social que a lei pretendeu preservar ao conferir determi-
nado direito ao agente.
Ou seja, o caráter abusivo do ato deve ser analisado a partir da
adequação de seu exercício aos fins econômicos e sociais para os quais
ele foi atribuído a seu titular.
Com efeito, ao garantir determinado direito ao particular, o orde-
namento jurídico tem em vista uma função econômica ou social pró-
pria de tal direito. Esta função condiciona o exercício do direito pelo
respectivo titular, de modo que não sendo ela observada ou sendo
excedidos os seus limites estará caracterizado o abuso de direito, con-
forme menciona a doutrina: 26

"Cada direito possui uma função instrumental própria, que jus-


tifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício. Em não
raros preceitos do Cód. Civ. transparece a importância reconhecida,
na disciplina dos diversos institutos, ao fim social ou econômico que se
lhe confere. A mesma idéia sobressai aqui. O titular de um direito
deve exercê-lo nos limites do seu fim social ou econômico. Ultra-
passadas essas fronteiras, o exercício será abusivo."(grifamos)

Assim, o exercício dos direitos deve atender a sua função própria,


isto é, a finalidade econômica e social que visam a atender. O ato que,

26 MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA. Direito das Obrigações. Coimbra: Alme-


dina, 2000. p. 77.

331
embora aparentemente conforme a lei, for contrário a essa finalidade
é abusivo e, em conseqüência, atentatório ao direitoY
Dessa forma, incide na prática de abuso o indivíduo que desvia o
exercício de um direito de seu fim social ou econômico próprio e
característico.
Portanto, o exercício de determinado direito será abusivo, com
fundamento no artigo 187 do Código Civil de 2002, na hipótese de
não corresponder a uma finalidade legítima, isto é, de contrariar o fim
econômico e social visado pela lei que conferiu ao titular o referido
direito.
Por fim, vale esclarecer, que, apesar de a redação do artigo 187 do
Código Civil de 2002 referir-se ao ato ilícito cometido pelo "titular de
um direito", a possibilidade de caracterização do abuso não se restrin-
ge aos direitos subjetivos propriamente ditos.
Com efeito, deve-se entender a palavra "direito", constante do
referido dispositivo legal em sentido amplo, de modo a abranger qual-
quer situação jurídica na qual o comportamento do agente apresente
os mesmos requisitos exigidos para a configuração do exercício abusi-
vo de um direito. 28
Assim, mesmo o direito de recorrer ao Poder Judiciário pode ser
utilizado abusivamente, desde que a ação do agente não seja pautada
por uma finalidade legítima, conforme refere a doutrina: 29

"Assim, tenho eu o direito de promover uma ação, para chamar al-


guém a juízo. Se o faço, porém, com a vontade viciada por dolo ou
culpa, prejudicando o promovido, claro que abusei de meu direito
de recorrer à Justiça." (grifamos)

Verifica-se, pois, que qualquer direito, inclusive o direito de re-


correr à justiça, pode ser objeto de abuso por seu titular, na hipótese
de este contrariar ou exceder os fins econômicos e sociais estabeleci-
dos pela ordem jurídica.

27 RUBENS REQUIÃO. "Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade


Jurídica". Revista dos Tribunais. v. 91, n. 803, p. 755. set. 2002.
28 MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA. Direito das Obrigações. Coimbra: Alme-
dina, 2000. p. 75; HELOÍSA CARPENA. "Abuso do Direito no Código de 2002."
Relativização de Direitos na Ótica Civil-Constitucional. In: GUSTAVO TEPEDINO
(coord.). A Parte Geral do Novo Código Civil- Estudos na Perspectiva Civil-Cons-
titucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 383.
29 EVERARDO DA CUNHA LUNA. "O Ato Ilícito." Revista dos Tribunais. V. 89,
n. 773, p. 764. jan. 1996.

332
C.3 -Análise do caso concreto

Conforme referido, em função do princípio da prevalência do in-


teresse social, consagrado pela Lei das S.A., os direitos decorrentes da
condição de acionista devem sempre ser exercidos em benefício da
companhia.
Vale dizer, não pode o acionista, ao exercer uma prerrogativa con-
ferida por lei, visar a causar prejuízos ao interesse da sociedade.
Em face de tal princípio, pode-se afirmar que a preservação do
interesse da companhia constitui a finalidade econômica e social que
deve limitar o exercício dos direitos conferidos aos acionistas pela Lei
das S.A.
Ou seja, o exercício dos direitos previstos na lei societária somen-
te é legítimo na medida em que eles são utilizados em conformidade
com a consecução do interesse social.
Assim, quem utiliza os direitos de sócio em prejuízo da companhia
está, inequivocamente, atuando de forma abusiva, na medida em que
contraria o fim econômico e social da norma que lhe outorgou os
referidos direitos.
Por outro lado, o acordo de acionistas, como também já mencio-
nado, constitui contrato de natureza civil, celebrado à margem do
estatuto social e do qual não decorre nenhum direito ou obrigação
patrimonial para a companhia em cujo âmbito ocorrerá sua execução.
De fato, o acordo de acionistas visa a disciplinar, extra-socialmen-
te, a composição dos interesses individuais dos sócios.
Trata-se, assim, de um contrato que afeta apenas as relações entre
os acionistas convenentes, não influindo na relação destes com a com-
panhia da qual são sócios.
Neste sentido, o próprio artigo 118, § zo, da Lei das S.A. expres-
samente adverte que tais acordos não eximem os contratantes de ob-
servarem seus deveres como acionistas, dentre os quais destaca-se o
de priorizar o atendimento do interesse social.
Logo, não há dúvida de que a eventual discussão sobre a extinção
do Acordo de Acionistas da COMPANHIA ALFA, em função de sua
incorporação pela COMPANHIA BETA, constitui questão restrita à
esfera particular de seus signatários, que não afeta o cumprimento de
seus deveres como acionistas da Companhia.
Ora, não pode o interesse social da COMPANHIA ALFA ser pre-
judicado por discussões de natureza privada de seus acionistas. A estes
cumpre não envolver a Companhia no âmbito de tais discussões, abs-
tendo-se de tomar medidas com o objetivo de inviabilizar operações
benéficas ao interesse social.

333
No caso presente, segundo nos foi informado, a incorporação pela
COMPANHIA BETA constitui medida que claramente atende ao in-
teresse da COMPANHIA ALFA, tendo em vista os relevantes benefí-
cios de natureza fiscal que tal operação acarretará para as sociedades
envolvidas, e, indiretamente, para seus próprios acionistas.
Diante disso, o eventual ato de algum signatário do Acordo de
Acionistas da COMPANHIA ALFA que, no âmbito da discussão so-
bre a continuidade da vigência de tal Acordo, pretender inviabilizar a
incorporação da Companhia pela COMPANHIA BETA carecerá de
motivo legítimo, pois não estará observando o interesse social na rea-
lização de tal operação.
Vale dizer, a conduta de tal acionista, ao não atuar em conformi-
dade com o princípio da prevalência do interesse social, configurará
abuso de direito, em função da violação ao fim econômico dos direi-
tos que a qualidade de acionista lhe assegura.
Em princípio, nada impede o acionista eventualmente discordante
de questionar judicial ou extrajudicialmente a extinção do Acordo de
Acionistas. Porém, como se trata de questão particular entre as Partes
de tal Acordo, cujo desfecho não afeta a validade da incorporação da
COMPANHIA ALFA pela COMPANHIA BETA, deve ele restringir
a discussão aos demais signatários do Acordo, sem envolver direta-
mente a Companhia.
Caso contrário, tal acionista estaria atuando com abuso de direito,
na medida em que privilegiaria seu interesse individual, de ver manti-
da a vigência do Acordo de Acionistas, em detrimento do interesse
social, consubstanciado pelos benefícios decorrentes da incorporação.
Portanto, a eventual iniciativa, judicial ou extrajudicial, de algum
acionista da COMPANHIA ALFA no sentido de, por não concordar
com a extinção do Acordo de Acionistas, paralisar a incorporação da
Companhia pela COMPANHIA BETA, caracterizaria ato ilícito, nos
termos do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002.

111- CONCLUSÕES

Diante do exposto, conclui-se que:


l. A extinção da COMPANHIA ALFA, em decorrência de sua
incorporação pela COMPANHIA BETA, acarretará o término da vi-
gência do Acordo de Acionistas, visto que:
a) o acordo de acionistas tem natureza de contrato parassocial, na
medida em que regula, extra-socialmente, a composição dos interes-
ses individuais dos sócios;

334
b) por constituir contrato parassocial, a vigência do acordo de
acionistas depende da existência da sociedade, em cuja esfera dar-se-
á sua execução, de modo que, desaparecendo esta, extingue-se o acor-
do de acionistas, tendo em vista a impossibilidade do cumprimento de
suas cláusulas;
c) o acordo de acionistas constitui pacto acessório ao contrato
social, razão pela qual o desaparecimento deste, em virtude da extin-
ção da sociedade, implica, necessariamente, o término da vigência do
acordo de acionistas;
d) não há como se pretender que o acordo de acionistas, extinto
em decorrência do desaparecimento da companhia incorporada passe,
automaticamente, a disciplinar a relação de seus signatários enquanto
acionistas da incorporadora, pois tal acordo não acarreta para a socie-
dade incorporada nenhuma obrigação que, em decorrência da incor-
poração, devesse ser assumida pela companhia incorporadora; e
e) somente seria possível admitir que o acordo de acionistas pas-
sasse a ser aplicável em relação à incorporadora caso os contratantes
tivessem expressamente previsto tal possibilidade, o que não se veri-
fica no Acordo de Acionistas da COMPANHIA ALFA.
2. A regra prevista no artigo 264 da Lei n° 6.404/1976 não se
aplica às operações, como a descrita na Consulta, de incorporação de
sociedade anônima por sua subsidiária integral, uma vez que:
a) o artigo 264 da Lei das S.A. estabelece, como formalidade adi-
cional para as operações de incorporação envolvendo companhia con-
trolada, a necessidade de a incorporadora e a incorporada serem ava-
liadas pelo critério de patrimônio líquido a preços de mercado;
b) a exigência de tal formalidade adicional possui dupla finalidade,
qual seja, evidenciar a eqüidade dos parâmetros escolhidos para a fixa-
ção da relação de substituição das ações e servir como critério alterna-
tivo para o cálculo do valor de reembolso devido aos acionistas dissi-
dentes, na hipótese de a relação de substituição estabelecida no Pro-
tocolo da incorporação ser menos vantajosa do que aquela que decor-
reria da avaliação dos patrimônios líquidos a preços de mercado;
c) em se tratando de incorporação da companhia por sua subsidiá-
ria integral, a composição do capital social na sociedade resultante da
operação será, necessariamente, idêntica àquela anteriormente exis-
tente na companhia incorporada, qualquer que seja o critério adotado
para determinar a relação de substituição das ações;
d) nenhuma das duas finalidades que ensejam a obrigatoriedade
da realização da avaliação adicional exigida pelo artigo 264 da Lei das
S.A. justifica a sua aplicação às operações de incorporação da compa-

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nhia por sua subsidiária integral, uma vez que, em qualquer hipótese,
os acionistas da incorporada deterão, no capital da incorporadora, exa-
tamente o mesmo percentual de participação que possuíam antes da
incorporação, e
e) o atendimento à formalidade adicional prevista no artigo 264 da
lei societária não representaria nenhuma proteção adicional aos acio-
nistas da sociedade incorporada, mas, ao contrário, implicaria acrésci-
mo nos custos incorridos para a efetivação da incorporação, o qual, em
última análise, seria suportado pelos próprios acionistas.
3. A eventual iniciativa, judicial ou extrajudicial, de algum acionis-
ta da COMPANHIA ALFA no sentido de, por não concordar com a
extinção do Acordo de Acionistas, paralisar a incorporação da Compa-
nhia pela COMPANHIA BETA seria caracterizada como ato ilícito,
nos termos do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002, na
medida em que:
a) a prevalência do interesse social sobre a vontade individual dos
acionistas constitui um dos princípios básicos que informam o funcio-
namento das sociedades anônimas;
b) é ilegítimo o exercício de qualquer direito decorrente da condi-
ção de acionista que não tenha como objetivo a consecução do interes-
se social, mas que vise a beneficiar interesses particulares de determi-
nado acionista;
c) o artigo 187 do Código Civil de 2002 acolheu de forma expres-
sa a teoria do abuso do direito, determinando que o exercício de
qualquer direito deve ser limitado pela sua função social e econômica,
pelos bons costumes e pelo princípio da boa-fé objetiva;
d) o exercício de determinado direito será abusivo, com funda-
mento no artigo 187 do Código Civil de 2002, na hipótese de não
corresponder a uma finalidade legítima, isto é, de contrariar o fim
econômico e social visado pela lei que conferiu ao titular o referido
direito;
e) qualquer direito pode ser objeto de abuso por seu titular, inclu-
sive o direito de recorrer à justiça, desde que a ação do agente não seja
pautada por uma finalidade legítima;
f) a preservação do interesse da companhia constitui a finalidade
econômica e social que deve limitar o exercício dos direitos conferi-
dos aos acionistas pela Lei das S.A., de modo que o acionista que
utiliza os direitos de sócio em prejuízo da sociedade está, inequivoca-
mente, atuando de forma abusiva;
g) como o acordo de acionistas constitui contrato que afeta apenas
as relações entre os acionistas convenentes, a eventual discussão sobre

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a extinção de tal contrato restringe-se à esfera particular de seus sig-
natários, não interferindo no cumprimento de seus deveres como
acionistas;
h) a incorporação pela COMPANHIA BETA constitui medida
que claramente atende ao interesse social da COMPANHIA ALFA,
tendo em vista os relevantes benefícios de natureza fiscal que tal ope-
ração acarretará para as sociedades envolvidas; e
i) eventual a conduta de algum signatário do Acordo de Acionistas
da COMPANHIA ALFA que, no âmbito da discussão sobre a conti-
nuidade da vigência de tal Acordo, pretender inviabilizar a incorpora-
ção da Companhia pela COMPANHIA BETA, configurará abuso de
direito, em virtude da não observância do fim econômico e social dos
direitos decorrentes da qualidade de acionista.
Foi o nosso Parecer, em fevereiro de 2003.

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