Você está na página 1de 71

NOTA PRÉVIA:

Estes são os apontamentos semanais de DIREITO DAS OBRIGAÇÕES- TURMAS 1 E 2,


disponibilizados pela Comissão de Curso dos alunos do 3º ano da licenciatura em Direito da
Faculdade de Direito da Universidade do Porto, para o mandato de 2023/2024.
Foram elaborados pela aluna Adriana Rebelo, tendo por base as aulas e documentos
disponibilizados pela docente Luísa Eckenroth Moreira.
Salienta-se que estes apontamentos são apenas complementos de estudo, não sendo
dispensada, por isso, a leitura das obras obrigatórias e a presença nas aulas.

1
ÍNDICE
NOTA PRÉVIA:....................................................................................................................... 1
RESPONSABILIDADE CIVIL.............................................................................................. 3
CASO PRÁTICO Nº1: Responsabilidade Civil Extra-obrigacional................................... 4
CASO PRÁTICO Nº2: Causas de exclusão da ilicitude - estado de necessidade e
responsabilidade civil............................................................................................................... 6
CASO PRÁTICO Nº3: Responsabilidade civil-extracontratual..........................................9
CASO PRÁTICO Nº 4: Responsabilidade civil extracontratual....................................... 13
CASO PRÁTICO N.º 5: Responsabilidade civil por factos ilícitos....................................20
CASO PRÁTICO N.º6: Responsabilidade civil por factos ilícitos.....................................23
CASO PRÁTICO N.º 7: Responsabilidade pelo risco........................................................ 26
CASO PRÁTICO N.º 8: Responsabilidade pelo risco........................................................ 29
CASO PRÁTICO N.º 9: Responsabilidade pelo risco........................................................ 33
CASO PRÁTICO N.º 10: Responsabilidade civil por danos causados por veículos........39
CASO PRÁTICO N.º 11: Modalidades das obrigações quanto aos sujeitos.....................42
CASO PRÁTICO N.º 12: Modalidades das obrigações quanto ao objeto...................................... 50
CASO PRÁTICO N.º 13: Modalidades das obrigações quanto ao objeto...................................... 54
CASO PRÁTICO N.º 14: Obrigações de juros................................................................................. 57
CASO PRÁTICO N.º 15: Cumprimento das obrigações................................................................. 61
CASO PRÁTICO N.º 16: Não cumprimento não imputável ao devedor........................................65
CASO PRÁTICO N.º 17: Não cumprimento das obrigações...........................................................68

2
RESPONSABILIDADE CIVIL

Designa-se por responsabilidade civil o conjunto de factos que dão origem à obrigação de
indemnizar os danos sofridos por outrem. Trata-se da figura que maior importância prática
assume na criação de vínculos obrigacionais, basta pensar na frequência de entrada de ações
nos tribunais de responsabilidade civil.

O princípio fundamental nesta matéria é o casum sentict dominus, isto é, o dano fica com
quem o sofre, para que o possa repercutir sobre o autor é necessário um fundamento. Em
princípio cada um suporta os prejuízos que sofre sem os poder repercutir na esfera jurídica
alheia. Uma outra expressão que traduz esta ideia é “the loss lies where it falls”.

A deslocação do dano da esfera jurídica onde ele ocorre para outra, através da indemnizar
representa uma inversão da ordem natural das coisas, só haverá se há razões que a
justifiquem. A prática de um facto ilícito e culposo é sempre uma razão válida para a
transferência do dano, mas existem outras, como a criação e manutenção do risco. É legítima
a transferência quando exista um título de responsabilidade.

A responsabilidade pode ser classificada tendo por base diferentes critérios:

Atendendo aos deveres incumpridos:

1. Responsabilidade obrigacional (art.798º e seguintes do CC): provém da


violação de uma obrigação, ou seja, da violação de deveres jurídicos específicos
nascidos no contexto de uma relação obrigacional, previamente existente;

2. Responsabilidade extraobrigacional (art.483º e seguintes do CC): decorre da


violação de deveres genéricos de conduta, impostos a todas as pessoas, para
salvaguarda de direitos de outrem, deveres esses que formam um estatuto básico
geral indiferenciado da coexistência dos sujeitos.

Existe na doutrina quem não reconduz as situações de responsabilidade civil apenas a


responsabilidade obrigacional e extraobrigacional, há quem defenda uma terceira via. Esta
permite uma melhor equação e analise de situações, como o da culpa in contrahendo.

Com base no título de imputação da responsabilidade:

● Responsabilidade por factos ilícitos (art.483º/2 do CC): é a regra geral, a


responsabilização do agente assenta na prática de um facto ilícito e culposo,
pressupõe um juízo moral de censura do comportamento do agente);

3
● Responsabilidade por risco: admitida apenas nos casos previstos na lei, prescinde
deste juízo de valor e efetua-se por critérios objetivos de distribuição do risco, como
alude o art.503º/1 do CC (responde pelos danos que no fundo traduzam a
concretização de riscos próprios do veículo, independentemente da culpa sua da
produção dos danos);

● Responsabilidade por factos lícitos ou do sacrifício: nesta modalidade também


prescinde de um juízo de desvalor da conduta do agente, assentando a imputação do
dano numa compensação ao lesado que se justifica pelo sacrifício quer ele teve de
suportar. Exemplo: estado de necessidade (art.339º do CC).

Verificados os pressupostos os efeitos são sempre os mesmos, a obrigação de indemnizar


(art.562º e seguintes do CC).

Análise do art.483º/1 do CC:


A simples leitura desta norma mostra que vários pressupostos têm de estar cumulativamente
preenchidos:
1. Facto voluntário;
2. Ilicitude;
3. Culpa;
4. Dano;
5. Nexo causal entre dano e o facto.

CASO PRÁTICO Nº1: Responsabilidade Civil Extra-obrigacional

Alberto, ao passear por uma rua na cidade do Porto, vê um indivíduo (Bruno) a apontar
uma seringa a um jovem que o olhava de uma forma temerosa. Sem mais, Alberto
desfere um violento murro em Bruno. Sabe depois que se trata de um finalista de
Medicina a praxar um caloiro. Quid iuris?

Neste caso, poderemos estar perante um caso de responsabilidade extraobrigacional por


factos ilícitos.
Supondo que Bruno pretende que Alberto o indemnize pelos prejuízos sofridos, temos de ver
se estão preenchidos os 5 pressupostos cumulativos de que depende a afirmação da
responsabilidade civil de Alberto, ao abrigo do art.483º CC que são:
● facto voluntário;
● ilicitude;
● culpa;
● dano;
● nexo de causalidade.

4
Incumbe provar estes danos ao lesado pelo art.342º do CC, que estabelece a regra geral em
matéria de distribuição do ónus da prova.
O lesado vai invocar o direito a uma indemnização, por isso cabe-lhe a ele alegar e provar os
factos constitutivos desse seu direito.
Assim, os factos constitutivos do seu direito são os pressupostos da responsabilidade civil por
factos ilícitos. O art.487º do CC, no fundo, mais não é do que uma simples reprodução do
disposto no art.342º do CC.

Analisando os 5 requisitos da responsabilidade civil de Alberto:


● Facto voluntário: coloca-se a questão se temos um facto voluntário à qual teremos de
responder mediante a análise do que é um facto voluntário. Como facto voluntário
entende-se um facto dominável ou controlável pela vontade.
Este facto consiste, em regra, numa ação (positiva e ativa), mas também pode
traduzir-se numa omissão (pura atitude negativa), esta não pode gerar física ou
materialmente o dano, mas entende-se que é causa do dano sempre que haja o dever
jurídico de praticar um ato que teria impedido a consumação do dano. O facto pode
assumir estas duas formas, nos termos do art.466º do CC e a omissão só releva
juridicamente se houver um dever jurídico, podendo decorrer da lei ou de negócio
jurídico. Neste caso, temos um facto positivo de Alberto, desferir um murro, por isso
o primeiro pressuposto encontra-se verificado.

● Ilicitude: De acordo com o art.483º/1 do CC são duas as modalidades básicas de


ilicitude que são a violação de direito de outrem e a violação de uma norma de
proteção.
Quanto à primeira modalidade, importa ter presente os direitos subjetivos absolutos,
oponíveis erga omnes (ex.:direitos de personalidade, direitos reais) e não os direitos
de crédito, cuja via é a responsabilidade obrigacional.
A segunda modalidade trata-se da infração de normas que embora protejam interesses
particulares quer em exclusivamente quer em conjunto, não conferem aos respetivos
titulares um direito subjetivo a essa proteção. Para que o lesado, em caso desta
segunda variante, tenha direito a indemnização têm de estar cumulativamente
verificados certos requisitos.

A juntar a estes casos, há ainda uma outra forma de comportamento antijurídico, o abuso de
direito, o exercício abusivo do direito pode dar azo a uma obrigação de indemnizar por
responsabilidade de factos ilícitos. O nosso código, além de estabelecer critérios gerais para
definição de ato ilícito trata de um modo especial alguns factos antijurídicos, como consta
dos art.484º- 486º do CC.

No caso em apreço, o facto é ilícito, por violação de um direito de outrem, a ofensa à


integridade física, um direito subjetivo absoluto.
A violação do direito subjetivo de outrem constitui, em regra, um facto ilícito, mas pode
suceder que esta violação se encontre a coberto de alguma causa justificativa, capaz da
exclusão da ilicitude.

5
O comportamento de Alberto poderá estar abrangido pela legítima defesa (art.337º do CC),
que consiste numa reação destinada a afastar a agressão atual e ilícita da pessoa ou do
património que seja do agente ou terceiro.
Em caso de legítima defesa, além de ser lícito o ato de defendente, o autor é isento de
responsabilidade pelos danos causados. Há quem entenda que o que temos não é um
alargamento da causa justificativa do ato, mas uma causa de exclusão da culpa, porque
havendo excesso há um comportamento ilícito.
Para que haja legítima defesa é necessário que os bens pertençam ao agressor, o que é o caso.
Em primeiro lugar, é necessário que haja uma ofensa da pessoa ou dos bens de alguém
(agente ou terceiro), necessária a atualidade (presente ou iminente) e ilicitude da agressão
(contrária à ordem jurídica), não sendo necessária a culpa do agressor.
Acrescente-se que é preciso que haja necessidade de reação, pelo que não seja eficaz o
recurso aos meios coercivos normais.
Não obstante, é necessário que haja adequação (certa proporcionalidade entre o prejuízo que
se causa e aquele que se pretende evitar, de modo que o meio usado não provoque um dano
manifestamente superior ao que se pretende afastar).
Relativamente ao caso em análise, desde logo, é necessária uma agressão (atuação
finalisticamente dirigida à provocação de uma lesão de bens de outrem), contudo, este
requisito não se encontra preenchido, por isso não se encontram preenchidos os requisitos da
legítima defesa.
Assim, Alberto está numa situação de erro quanto à verificação dos pressupostos que
legitimam a defesa, quando ele atua está em erro, estando perante um comportamento ilícito.
Alberto ficará obrigado a indemnizar Bruno, exceto se o erro for desculpável, nos termos do
art.338º do CC. O erro será desculpável sempre que a atuação do agente resulte de uma falsa
representação da realidade que não lhe possa em face das circunstâncias ser censurada. Para
aferir se o erro é desculpável há que utilizar em padrão uma conduta que teria uma pessoa
normal, medianamente cuidadosa, zelosa, prudente, colocada naquelas circunstâncias
(art.487º do CC).
Esta referência ao homem médio, não deve ser entendida em termos estatísticos, importa
aquilo que é eticamente exigível ao homem médio. Na falta de indícios externos que se
mostre que é uma situação de praxe, então tudo levaria a querer que estaria em curso uma
verdadeira agressão contra o jovem, porque o erro do alberto se poderia considerar
desculpável. Nessa eventualidade, embora a atuação não deixe de ser ilícita, o Alberto não
seria obrigado a indemnizar por falta de pressuposto da culpa.

CASO PRÁTICO Nº2: Causas de exclusão da ilicitude - estado de necessidade e


responsabilidade civil

António conduz o seu automóvel numa rua do Porto. De repente, surge-lhe na frente do
carro em corrida, Bernardo, inimputável. Para não o atropelar, António tem que
proceder a uma guinada súbita, indo embater na carrinha de Carlos que estava
estacionada. A carrinha sofre danos no valor de 1.000 euros e o carro de António no
valor de 1.250 euros. Quid iuris?

6
Sucede que perante o surgimento de um peão, António prefere chocar com a carrinha de
Carlos do que atropelar Bernardo.
Neste contexto, temos de averiguar se estão verificados os pressupostos do art.483º do CC,
que permitem afirmar a responsabilidade extra-obrigacional por factos ilícitos.
Temos um facto voluntário, positivo de António, o primeiro requisito está verificado.
Este facto voluntário positivo de António poderá ser ilícito? Como temos a violação de um
direito de propriedade de Carlos, sendo este um direito real, então a violação de direito de
propriedade constitui, em regra, um ato ilícito.
Acontece que nem todo o ato típico é um ato ilícito, na medida em que poderá estar coberto
por uma causa de justificação. a atuação de António parece estar enquadrada no estado de
necessidade, de acordo com o art.339.º do CC.
O estado de necessidade é a situação de constrangimento em que age quem sacrifica coisa
alheia, destruindo-a ou danificando-a, com o fim de afastar o perigo atual de um prejuízo
manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro. Para que haja estado de
necessidade tem de existir:
● um perigo atual de um dano para o agente ou para terceiro, este requisito está
verificado (perigo de atropelamento de B);
● em segundo lugar, tem de haver superioridade de danos que de outra forma adviriam
para a pessoa ou património de agente ou terceiro em relação aos danos que se
causam, estando este requisito preenchido, já que para Bernardo estaria em causa a
sua vida, por isso excedem os danos causados;
● por último, exige-se a circunscrição do sacrifício a bens meramente patrimoniais,
estando este requisito preenchido, já que houve apenas a danificação da carrinha de
Carlos.

Há quem admita o sacrifício de danos pessoais para tutela de outros bens pessoais superiores
ou mesmo o sacrifício de bens pessoais para tutela de bens patrimoniais de valor considerável
(Almeida Costa).
Estão preenchidos todos os pressupostos que justificam o estado de necessidade, logo
poder-se-á afirmar que António agiu em estado de necessidade, sendo, por conseguinte, a sua
atuação lícita. Como não há no ato praticado em estado de necessidade, ao contrário do que
acontece na legítima defesa, uma agressão prévia do lesado e porque os interesses do titular
da coisa são sacrificados em proveito de outrem, a lei impõe, em alguns casos e admite
noutros, a indemnização dos prejuízos causados.

Há obrigação de indemnizar sempre que a situação do perigo foi causada por culpa exclusiva
do autor do dano, todavia fora desse caso especial, a nossa lei entrega ao prudente critério do
julgador, mediante equilibrada ponderação de interesses, a tarefa de decidir a indemnização e
sobre a própria atribuição de indemnização e atribuição das pessoas responsáveis. Apesar da
letra do art.339.º/2/2º parte do CC parece apontar para uma interpretação cumulativa, há
quem entenda que possa ser possível uma interpretação alternativa e não cumulativa,
defendem isso Ribeiro de Faria, Antunes Varela, Vaz Serra. Deste modo, temos autores que
entendem que pode o tribunal, consoante os casos, responsabilizar quer só o autor do dano,

7
quer só o causador do estado de necessidade, quer apenas o terceiro que beneficiou do ato,
quer uns e outros simultaneamente.

Neste caso, podemos excluir a aplicação da primeira parte do nº2 do art.339º do CC.
Nesta hipótese, o prejuízo causado na carrinha de Carlos seria de responsabilizar somente
Bernardo, já que foi ele que causou o estado de necessidade, como foi quem beneficiou.
Temos por um aldo os danos que se produzem na esfera de Carlos e temos os danos que se
produzem na esfera jurídica de António.
António agiu em estado de necessidade, sendo a sua atuação lícita e conforme ao Direito, mas
o art.339.º do CC admite a possibilidade de alguém ser indemnizado, neste caso, Carlos, que
é alheio a esta situação.

Quanto aos danos produzidos no carro de António, ao salvar a vida de Carlos, o estado de
necessidade pressupõe o sacrifício de coisas alheias, então não será este que instituto que
possibilitará a indemnização pelos danos alheios, pelo que temos o sacrifício de um bem
próprio.
O António não conseguiria obter a reparação dos seus danos pelo instituto da
responsabilidade civil do art.483.º do CC, pois esta pressupõe culpa.
Assim, uma das possibilidades seria de António tentar responsabilizar os obrigados à
vigilância de Bernardo, se os houver, ao abrigo dos art.491.º do CC.
O art.491.º do CC não é fundamento de responsabilidade, mas é uma presunção de culpa e,
por isso, temos de ligar ao art.483.º/1 do CC, que é o fundamento da responsabilidade por
factos ilícitos.
Os obrigados de Bernardo poderão ilidir a presunção de culpa, mostrando que cumpriram o
seu dever de vigilância ou podem lançar mão da relevância negativa virtual, tendo de
demonstrar que os danos se teriam produzido ainda que tivessem cumprido o dever de
vigilância.
Pode dar-se o caso de não haver obrigados à vigilância de Bernardo, ou até existindo essas
pessoas podem verificar-se alguma das circunstâncias da parte final do art.491.º/1 do CC,
eximindo-se da responsabilidade.
Assim, pode:
● Não haver obrigados;
● Conseguir ilidir a presunção de culpa;
● Fazer relevar negativamente a causa virtual e ficam isentos de responsabilidade;
● Vigilantes até são responsáveis, mas não terem bens que permitem a efetivação da sua
responsabilidade, logo a lesão ficaria sem reparação.

Nestes casos, a lesão ficaria sem reparação, mas nem sempre é assim, pois António poderá
recorrer ao art.489.º do CC, que admite que a pessoa inimputável seja condenada a indemniza
total ou parcialmente o lesado, não sendo possível obter a reparação dos obrigados à
vigilância e quando razões de equidade assim o imponham.
O inimputável responde apenas nos termos em que responderia se fosse imputável e
praticasse o mesmo facto.

8
O art.489.º/2 do CC produz uma ressalva, segundo a qual, o obrigado não pode ficar privado
dos alimentos para o seu sustento nem dos meios que lhe permitem cumprir as suas
obrigações de alimentos.
O art.489.º do CC admite a responsabilidade do inimputável desde que estejam verificados os
seguintes requisitos:
● Facto ilícito;
● Facto tenha causado danos a alguém;
● Facto tenha sido praticado em termos de ser considerado culposo, se nas mesmas
condições tivesse sido praticado por pessoa imputável;
● Necessário que entre o facto e o dano haja um necessário nexo de causalidade;
● Necessário que a reparação não possa ser obtida pelos vigilantes do inimputável;
● Obrigação de indemnizar seja fixada em termos de não privar o inimputável dos
meios necessários aos seus alimentos ou ao cumprimento dos seus deveres legais de
alimentos.
Se o inimputável tem um vigilante e este é responsável, nos termos do art.483.º/1 do CC ex vi
art.491.º do CC, mas não dispõe de bens que permitam a efetivação da sua responsabilidade,
por motivos de insolvência, e o inimputável vem, por isso mesmo, a ressarcir os danos
através dos seus próprios bens, então dá-se o fenómeno da sub-rogação, pelo que fica
sub-rogado nos termos gerais nos direitos do lesado com que à pessoa culpada, com falta de
vigilância relativamente ao que tenha pagado.

Dá-se a sub-rogação quando um terceiro que cumpre uma dívida alheia cumpre adquire os
direitos do credor originário, em relação ao devedor, isto é, se os vigilantes algum dia vierem
a restabelecer-se financeiramente, o imputável vai poder exigir deles tudo quanto pagou ao
lesado.

De outro modo, o António podia recorrer pela gestão de negócios, pelo que António assume o
negócio de Bernardo, atuando no interesse por conta de B, sem para tal estra autorizado,
estando os requisitos verificados.
Se a gestão tiver sido regular, o gestor tem o direito a ser indemnizado pelo prejuízo que
sofreu por causa da gestão, de acordo com o art.468.º/1 do CC.

CASO PRÁTICO Nº3: Responsabilidade civil-extracontratual.

Pelas 21 horas de uma noite muito chuvosa do início de fevereiro de 2014, César, no
percurso de regresso a casa que efetuava no seu veículo motorizado de duas rodas, sofre
um acidente. É atingido pelo veículo de Daniel, que circulava na mesma faixa de
rodagem, em excesso de velocidade, e que o último não consegue travar a tempo,
quando avista César. César sofre ferimentos de alguma gravidade no braço e na perna
direita. É submetido a diversas operações e tratamentos vários. Fica, por isso, impedido
de trabalhar durante um mês. César pretende responsabilizar Fábio, que, na mesma
altura, transitava naquela via, já que este circulava com as luzes do seu veículo
motorizado desligadas. Invoca, para tal, a violação do artigo 61.º do Código da Estrada

9
que impõe a todos os condutores a utilização de luzes “desde o anoitecer até ao
amanhecer”. Quid iuris?

Estamos perante um possível caso de responsabilidade civil, que é uma das fintes das
obrigações.
Atendendo à qualificação de responsabilidade civil, no presente caso, estamos perante uma
responsabilidade civil extracontratual.
César pretende responsabilizar Fábio, mas na verdade foi atingido pelo veículo de Daniel,
tendo por esse motivo de verificar se à luz do art.483.º/1 do CC, Daniel pode ser imputado de
responsabilidade civil por factos ilícitos.
Para que Daniel responda nestes termos têm de estar preenchidos determinados pressupostos
cumulativos:
● Facto voluntário;
● Ilicitude;
● Culpa;
● Dano;
● Nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A prova dos elementos constitutivos dos factos por responsabilidade civil do lesado cabe ao
lesado, de acordo com o art.342.º/1 do CC, ou seja, neste caso o lesado invoca o direito à
indemnização, logo cabe-lhe fazer prova dos factos constitutivos da indemnização por factos
ilícitos.
Se existir uma presunção de culpa opera a inversão do ónus da prova, como alude o
art.487.º/1/ parte final do CC.

Um facto voluntário é um facto controlável pela vontade e, nessa medida, pode ser imputado
objetivamente e assume 2 formas (ação ou omissão), sendo que neste caso temos uma ação.
Seguidamente, o facto voluntário ativo é ilícito, pelo que de acordo com o art.483.º/1 do CC
são 2 modalidades de ilicitude (violação de um direito subjetivo de outrem e violação de uma
disposição legal destinada a proteger interesses alheios- norma de proteção). A doutrina
acrescenta o abuso de direito, consagrado no art.334.º do CC e o legislador prevê alguns
casos especiais de ilicitude nos art.484.º,485.º e 486.º do CC.

No caso em análise deparámos-mos com a violação de um direito subjetivo, sendo que o


direito subjetivo nela compreendidos são os direitos absolutos oponíveis erga omnes, sendo
que César viola o direito à integridade física, que é um direito de personalidade e absoluto e o
direito de propriedade sobre o veículo.

Poderíamos equacionar estra perante a 2 modalidade de ilicitude, pois há a violação de uma


norma do Código da Estrada que estabelece os limites de velocidade, sendo considerada uma
norma de proteção, podendo-se afirmar a ilicitude do facto de Daniel.
Para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o autor tenha agido com culpa,
ou seja, o facto ilícito tem de ter sido praticado com dolo ou mera negligência. Atuar com
culpa significa atuar quando a conduta merece censura e reprovação pelo Direito, quando

10
pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas, o lesante podia e devia ter agido
de outro modo.

Assim, é necessário que o lesante seja imputável, sendo que partimos desse pressuposto
quanto a Daniel, pois nada nos é dito em sentido contrário, mas é ainda necessário que haja
um nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante, sendo que segundo o
critério do bom pai de família medianamente diligente, cuidadoso prudente e colocado nas
circunstâncias em que Daniel atuou não teria excedido os limites máximos de velocidade,
logo Daniel agiu com culpa.

A culpa pode assumir 2 modalidades, sendo que neste caso estaríamos perante a negligência,
que consiste na omissão da diligência exigível do agente, que pdoe ser ainda negligência
consciente ou inconsciente, sendo que na primeira o agente representa o resultado contrário à
lei, mas só atua porque confia que esse resultado não se verificará, pelo contrário na
negligência inconsciente o agente nem sequer representa o resultado contrário à lei na sua
conduta, embora o devesse ter representado.
Pela falta de elementos seria difícil identificar qual das formas de negligência estávamos
perante.

Aplicando-se a presunção de culpa, César estaria isento de fazer a presunção de culpa de


Daniel, mas pelo Assento do STJ nº1/80 de 21 de novembro de 1979 foi fixada a doutrina do
art.473.º/2 do CC, que não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre,
aderindo à tese de Antunes Varela que entendia que a presunção de culpa não seria aplicável
neste domínio por o legislador ter admitido neste domínio da circulação de veículos para a
proteção dos lesados a responsabilidade pelo risco, sendo este regime também excecional.

Para o Dr. Menezes Leitão justifica-se uma interpretação restritiva da doutrina firmada neste
assento, de modo a considerar como atividade perigosa certos tipos de condução de veículos,
sendo exemplos, as provas desportivas de condução, a condução de empilhadoras, o
transporte de materiais de explosivos e inflamáveis e a condução sob efeitos de álcool.
Se não se produzir um dano não há responsabilidade civil, sendo o dano toda a perda causada
em bens jurídicos legalmente tutelados de carácter patrimonial.

O dano pessoal ou em espécie/ in natura é o ferimento na perna e o dano patrimonial são os


custos das diversas operações a que César foi submetido, os lucros cessantes, decorrido do
impedimento de trabalhar durante meses e a reparação do veículo.
O dano material é o dano no veículo e o dano pessoal é o dano na pessoa de César.
Os danos diretos são produzidos diretamente na esfera do lesado, que neste caso seria os
ferimentos e indiretos são os custos que incorreu com os tratamentos e o facto de não auferir
o seu rendimento, por impossibilidade de trabalhar.
Os danos patrimoniais são os danos no veículo e os custos com a sua reparação, o tratamento
das lesões e os danos não patrimoniais são os próprios ferimentos, dores e o sofrimento que
haja experienciado das lesões e a angústia, de ter havido a necessidade de ser submetido a

11
operações e o facto de saber que não podia trabalhar e, consequentemente auferir o seu
rendimento.
Os danos patrimoniais são indemnizáveis os termos do art.562.º do CC.
Os danos não patrimoniais são compensados, em termos genéricos, do art.496.º do CC, pelo
que têm de ser danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do Direito.
O quantum compensatório é fixado nos termos do art.496.º/4 do CC, equitativamente pelo
Tribunal, tendo o tribunal de fixar as circunstâncias concretas do caso.
O valor da indemnização há de arbitrar para a reparação de danos corporais é importante ter
atenção à tabela indicativa para avaliação da incapacidade de Direito civil, aprovada pelo DL
nº352/2007 de 23 de outubro, tratando-se de uma tabela médica destinada à avaliação e
pontuação das incapacidades.

O nexo de causalidade, nos termos do art.563.º do CC, o agente só responde pelos danos que
o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo que a doutrina e a jurisprudência têm
entendido que é de aplicar a teoria da causalidade adequada. Segundo esta teoria, não basta
que o fato seja em concreto, condição necessária do dano, em termos de condição sin qua
non, sendo necessário também, que em abstrato, seja causa adequada a produzir o dano.

Assim, verificamos no caso em concreto que há um nexo de causalidade entre o facto


praticado por Daniel e os danos sofridos por César.

Em suma, estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, logo Daniel é


responsável pelos danos causados a César, ficando obrigado a indemnizá-los, de acordo com
o art.483.º/1 do CC.
Todavia, César quer responsabilizar Fábio e temos de verificar se se preenchem os
pressupostos cumulativos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Quem atingiu o veículo de César foi Daniel, mas César pretende imputar a responsabilidade a
Fábio, na precisa medida em que circulava com as luzes desligadas, atuando em
desconformidade com o art.61.º do Código da Estrada.

Assim, temos um facto voluntário de Fábio que é uma omissão, pois não acendeu as luzes do
veículo, sendo que para relevar juridicamente Fábio tinha o dever de praticar o ato omitido,
ou seja, de circular com as luzes do veículo ligadas à noite.

Quanto à ilicitude tínhamos a violação de uma norma de proteção, mas para isso têm de estar
verificados os seguintes requisitos:
● Lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, sendo
que há lesão de interesses de César que corresponde à violação da norma do art.61.º
do Código da Estrada;
● Norma legal violada vise diretamente a proteção dos interesses particulares, ou seja, a
tutela dos interesses privados não tem de ser um mero reflexo dos interesses que a lei
pretende tutelar. Este requisito está verificado, pois a norma do art.61.º visa proteger
interesses privados diretamente daqueles que circulam, ainda que em conjunto com o
interesse público na organização do tráfego rodoviário.

12
● Interesse do lesado caiba no círculo de interesses particulares que a norma legal
violada vida proteger. A norma do art.61.º do CE obriga a utilização de luzes para que
cada condutor veja os demais veículos, sendo que não visa tornar terceiros visíveis a
terceiros, ou seja, que César veja Daniel, mas para que cada condutor veja os demais
veículos e que para que o seu próprio veículo seja visível aos demais, logo os danos
que César sofre não está no círculo de interesses que esta norma visa tutela. Não se
verifica este requisito, logo não temos aqui uma das modalidades do art.483.º/1 do
CC, que é o requisito da ilicitude.

Faltando um dos elementos de verificação cumulativa por factos ilícitos, então Fábio não
poderia ser responsabilizado nestes termos, pelo que César não teria sucesso na sua pretensão
de responsabilização de César por factos ilícitos.
Em conclusão, César apenas poderia demandar Daniel para obter a declaração dos danos que
sofreu.

CASO PRÁTICO Nº 4: Responsabilidade civil extracontratual.

Em consequência do vento forte que se fez sentir durante o fim-de-semana, uma árvore
do jardim de A cai sobre o muro exterior da propriedade do mesmo. Na segundafeira, e
dada a necessidade de profundas reparações, A abre uma vala de 1,5 m de profundidade
no passeio adjacente, iniciando as obras de recuperação. A intervenção revelou-se mais
demorada do que o esperado, pelo que A não consegue terminar a obra no dia de
segunda-feira, limitando-se a indicar o buraco com um pau, onde ondulava um pano
branco, pequeno e pouco visível. Às 11 horas da noite, B, que se deslocava por aquela
rua, tropeça no buraco aberto por A que não vira em virtude da intensa escuridão. B é
transportado para o hospital mais próximo com uma perna partida. Dada a natureza da
fratura, tem de ser operado. Fica hospitalizado durante uma semana e impossibilitado
de trabalhar durante dois meses, deixando de auferir o salário relativo a esse período
(1.500 €). Gasta 500 € em fármacos. Sente intensas dores durante as primeiras três
semanas.

a) Quid iuris?

Estamos perante a responsabilidade civil extracontratual.


Perante os danos que sofreu B, quem responderia seria A, em termos do art.483.º/1 do CC,
por responsabilidade por factos ilícitos.
À luz dos art.483.º/1 do CC temos de verificar se estão preenchidos, cumulativamente os 5
pressupostos (facto voluntário, ilicitude, culpa, dano, nexo de causalidade entre o facto e o
dano).
Neste caso, quanto ao facto voluntário temos uma omissão, que para relevar juridicamente
tinha de verificar-se um dever de juridicamente praticar o ato omitido, que pode advir da lei
ou de facto jurídico.

13
Segundo a teoria da fonte dos danos, aquele que cria ou mantém no tráfego uma fonte de
perigo é obrigado a tomar todas as medidas necessárias para afastar esse perigo, ou seja, para
evitar que haja consumação desse perigo em danos.

Sobre A impendia um dever de tomar todas as providências adequadas para evitar a


ocorrência de danos com o buraco que havia aberto na estrada.
Na impossibilidade de tomar uma providência direta, ou seja, de tapar o buraco, então devia
ter tomado medidas que permitissem aos potenciais lesados lidar de forma autónoma,
consciente e responsável com a fonte de perigo, através da sinalização, com dispositivos de
luz e construindo uma grade à volta da vala, para que se construísse uma situação de maior
segurança próximas das medidas de providência direta.
As medidas tomadas por A não eram suficientes.
As formas de providência indireta só são suficientes quando se alcança um nível de segurança
próximo das providências diretas.

Estamos perante um juízo de ilicitude, pois temos a violação de um direito subjetivo de


outrem.
O facto voluntário para fundamentar a responsabilidade civil tem de ser ilícito e, neste caso, é
ilícito, pois atinge um direito subjetivo absoluto de B, que é o seu direito à integridade física.
A age com culpa, em face às suas capacidades e circunstâncias do caso, este podia e devia ter
agido de outro modo, sendo a culpa avaliada em abstrato, à luz das bases do art.487.º do CC.
Partindo do pressuposto que A é imputável, a sua conduta é reprovável, pois em face à suas
capacidades e circunstâncias concretas podia e devia ter agido de outra forma. O bom pai de
família colocado nas circunstâncias que A atuou sabia que a sinalização feita ao buraco à
noite podia dar aso à queda de peões e na impossibilidade de remover totalmente o perigo
tomaria todas as providências para evitar a consumação do perigo em dano.

O ónus da prova cabe ao lesado, de acordo com o art.487.º/1 do CC, todavia é excetuada a
presunção legal de culpa na parte final do nº1, em que a jurisprudência tem considerado a
abertura de valas públicas como uma atividade perigosa, podendo equacionar-se aqui o
art.493.º nº2 do CC, pelo que A só poderá exonerar-se de responsabilidade provando que
tomou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
Atendendo que A sinalizou deficientemente a estrada, então dificilmente se iria ilidir da
culpa, não lhe permitindo lançar mão da relevância negativa da causa virtual, isto é, provar
que ainda que tivesse tomado todas as medidas necessárias, o dano verificar-se-ia na mesma.
No art.493.º nº2 do CC não se lhe permite a possibilidade de fazer relevar negativamente a
sua causa virtual, logo A apenas podia provar que tomou todas as providências exigidas pelas
circunstâncias para evitar os danos, mas pelo descrito no enunciado percebemos que A com a
sua sinalização não afastou o perigo.

O problema da responsabilidade só se coloca quando ao facto ilícito e culposo lhe sobrevem


um dano e, neste caso, temos danos patrimoniais e não patrimoniais.

B sofreu danos patrimoniais:

14
● Dano emergente: despesas com os fármacos;
● Lucro cessante: os salários que B deixou de auferir no montante de 1500€.

No que respeita à forma de indemnização, o CC privilegia a reconstituição natural da situação


hipotética que existiria se não fora o facto determinante da responsabilidade, como alude o
art.566.º nº1 do CC.

A regra geral é da reconstituição natural, mas nos casos em que não é possível suficiente ou
adequada, a lei manda a que se proceda a uma indemnização por equivalente, calculando-se o
quantum indemnizatório segundo a teoria da diferença, como alude o art.566.º nº2 do CC.

Quanto aos danos não patrimoniais, B:


● Sentiu intensas dores físicas durante as primeiras 3 semanas.

Em regra, os danos não patrimoniais são compensáveis, desde que pela sua gravidade
mereçam tutela, como consta do art.496.º/1 do CC.

O montante compensatório é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção as


circunstâncias do caso concreto, nomeadamente as enunciadas no art.494.º do CC para o qual
o art.496.º/4 do CC remete.

Havendo danos corporais releva a tabela indicativa para avaliação da incapacidade de Direito
civil, aprovada pelo DL nº352/2007 de 23 de outubro.
O lesado poderia requerer que o tribunal decretasse uma indemnização em renda, nos termos
do art.567.º nº1 do CC, sendo que não é decretada oficiosamente, mas mediante requerimento
do lesado.

Nem todos os danos sobrevindos do facto ilícito e culposo são incluídos na responsabilidade
do autor da lesão, mas apenas aqueles que resultam do facto, ou seja, que são causados pelo
facto, existindo um nexo de causalidade.
A aferição do nexo causal faz-se nos termos do art.563.º do CC, sendo que a doutrina e
jurisprudência têm entendido aplicar-se a teoria da causalidade adequada, de acordo com a
qual não basta que o facto seja, em concreto, condição necessária do dano, mas que o dano
seja, em abstrato, causa idónea a produzir aquele dano.

Neste caso, não oferece grande dificuldades, pelo que o facto praticado por A foi condição
necessária do dano, em termos de conditio sin qua non e também causa adequada, em
abstrato a produzir aquele dano.

Em suma, verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, A


seria obrigado a indemnizar B pelos danos por este sofridos.

15
b) Considere agora que B é conduzido ao hospital em estado de inconsciência. Os
médicos realizam vários exames tendentes a averiguar a extensão da lesão sofrida. Feito
o diagnóstico, entendem que é necessário proceder urgentemente a uma transfusão de
sangue. Com o intuito de salvar B, que até então não havia recuperado a consciência,
atuam sem mais demora. B pretende acionar os médicos, já que as transfusões de
sangue contrariam a sua convicção religiosa. Quid iuris?

Perante esta factualidade temos de avaliar a eventual responsabilidade civil dos médicos.
Assim, para que haja responsabilidade civil por factos ilícitos dos médicos têm de estra
preenchidos cumulativamente os 5 pressupostos.

Neste caso, verifica-se um facto voluntário que é uma ação positiva, a administração de
sangue.
O facto voluntário é ilícito, pois coloca em causa um direito absoluto à integridade física ou à
autodeterminação pessoal.
Podemos ter a violação de um direito subjetivo de outrem que tem de ter por base um facto
ilícito típico, mas nem sempre o facto típico é ilícito, como por exemplo, quando se verifica o
consentimento ou uma causa de exclusão de ilicitude.
Tendo em conta, que B entra em estado de consciência e não a recupera podemos equacionar
se estaríamos perante um consentimento presumido.

Nos termos do nº3 do art.340.º do CC, presume-se o consentimento quando a lesão se deu no
interesse do lesado e, de acordo com a sua vontade presumível, sendo estes 2 requisitos
cumulativos.
Para haver consentimento presumido é necessário que lesão se tenha dado no interesse do
lesado, quando de acordo com um critério objetivo seja idónea a satisfazer uma necessidade
do lesado, que equacionando com o presente caso, verifica-se, pois temos uma transfusão de
sangue para o tratamento de B.

O segundo requisito relativo à vontade presumível do lesado, teríamos de recorrer a um juízo


hipotético para reconstruir a vontade que o lesado teria naquelas circunstâncias, sendo que ou
os médicos possuíam dados seguros das convicções religiosas de B e sabiam que este tinha
recusado uma transfusão de sangue, logo nesta hipótese não haveria consentimento e a
atuação dos médicos seria ilícita e verificados os demais pressupostos da responsabilidade os
médicos seriam obrigados a indemnizar B ou a hipótese dos médicos não terem dados que lhe
permitissem conhecer as convicções religiosas de B, então a atuação dos médicos é
justificada, ainda que atente a uma vontade de B, logo B não teria sucesso da sua pretensão
indemnizatória contra os médicos, na medida em que faltaria um dos requisitos da
responsabilidade civil por factos ilícitos que é a ilicitude.

c) Suponha, agora, que apesar de aparentar ter apenas algumas escoriações, B sofrera
graves lesões cerebrais que só seriam detetadas por via de um exame de TAC que,
segundo leges artis da ciência médica, deve ser realizado em casos da espécie do que
acaba de ser descrito. B acaba por falecer no hospital, em virtude de os médicos que o

16
assistiram não terem efetuado o referido exame, apesar de saberem que o paciente havia
batido com a cabeça aquando da queda. A mulher de B, C e o filho de ambos, D, ficam
devastados com este trágico desfecho. Quid iuris?

Na alínea a) concluímos que A deveria indemnizar B pelos danos sofridos, pela verificação
dos 5 pressupostos cumulativos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Nets acaso, temos a falta de realização de um TAC que permitia detetar as lesões cerebrais de
B, logo necessariamente teríamos de avaliar se existe responsabilidade civil dos médicos por
facto ilícito.
Para que haja obrigação nestes termos, temos de ter:
● Facto voluntário: não realização do exame de TAC, assumindo a forma de uma
omissão. Existia um dever de agir, nos termos do art.486.º do CC, que poder-se-á
extrair das leges artis (regras a seguir pelo corpo médico no exercício da medicina,
que indicam qual o modelo a observar na prestação de serviços médicos, que constam
do Código deontológico médico, embora não tenham sido aprovadas em sentido
legislativo são leis em sentido material) da ciência médica;

● Ilicitude: as leges artis obrigam à realização de um TAC, mas a verdade é que estas
regras podem ser consideradas como normas de proteção, pois são lei em sentido
material, logo verifica-se a ilicitude pela verificação dos requisitos especiais:
○ É preciso que à violação dos interesses de B corresponda a violação de uma
norma de proteção (leges artis- normas de proteção);
○ Tutela dos interesses privados te de figurar quer os fins da norma de proteção
de violada, sendo que a norma de proteção violada tem de tutelar diretamente
interesses particulares;
○ Dano sofrido se tenha registado dentro do círculo de interesses que a norma de
proteção visa tutelar (dano sofrido por B insere no círculo de interesses que a
norma de proteção- leges artis- visa tutelar).

● Dano: o dano da perda da vida, que quando um facto gerador de responsabilidade


causa morte do lesado podem ser atendidos, não só os danos patrimoniais sofridos
pelas pessoas prevista nos nº2 e 3 do art.496.º do CC, mas como os danos não
patrimoniais sofridos pela vítima.
O art.496.º nº1 do CC permite concluir que a lesão do bem jurídico vida, enquanto
bem supremo, substancia um dano compensável.
Atualmente, a doutrina de forma geral aceitar pacificamente a compensação do dano
da perda da vida e a jurisprudência segue a mesma diretriz.
Mas coloca-se a questão de saber quem é o titular ativo do direito à compensação pelo
dano da perda da vida, porque a morte acarreta a cessação da personalidade da vida e
o seu principal atributo que é a capacidade jurídica, logo objeta-se que o falecido não
chega a adquirir estes drieio e, nesse sentido, defendem o dever de compensação
nasce direta e originariamente na esfera jurídica das pessoas previstas no nº2 e3 do
art.496.º do CC. Os valores compensatórios não serão chamados a responder pelas
dívidas do falecido e pelos encargos da herança, de acordo com o art.2068.º do CC.

17
Outros autores, afirmam que o direito nasce na esfera jurídica do falecido:
○ Direito constitui-se no momento lesivo, sob condição de a morte se vir
a produzir;
○ Personalidade jurídica, ainda que reduzida, que perdura no período
post-mortem apenas para aquisição deste direito.

Os que defendem a tese da transmissibilidade ainda há divergências quanto à


definição dos beneficiários da transmissão do direito:
○ Pessoas revistas nos nº2 e 3 do art.496.º do CC- regime especial de
transmissibilidade;
○ Sucessíveis definidos de acordo com as regras gerais do direito das sucessões.

Se vítima vive em união de facto, então tem direito à compensação, como alude a redação
dada ao nº3 pela revisão de 2010.
Uma coisa é o dano que pessoa que morre sofre por ver a sua vida suprimida e outra coisa são
os danos que a família sofre por ter perdido um ente querido.
Os danos intercalares produzem-se entre o momento da lesão e o momento da morte, sendo
exemplos, a angústia da inevitabilidade da morte e nas cem na esfera jurídica do de cuius.
No art.496.º estabelecem-se regras especiais, em que não só se reconhecem a relevância
ressarcitória desses danos, como se define o círculo de pessoas com legitimidade para
requerer a sua compensação.
No que respeita a danos patrimoniais rege o art.495.º do CC, relativo à lesão corporal e às
despesas com o funeral e com especial relevância para o nº3, em que poderiam C e D ter
eventualmente direito a uma indemnização pelo dano da perda de alimentos.

● Nexo causal: atendendo art.563.º do CC a doutrina e a jurisprudência têm entendido


que temos de recorrer à teroia da causalidade adequada, que pressupõe 2 juízos:
○ Juízo em concreto de condicionalidade, segundo um critério lógico;
○ Juízo em abstrato de adequação normativo, baseado na axiologia própria do
direito.
Se os médicos tivessem realizado o TAC verificavam as lesões e podiam tratá-las, em
concreto, sendo que o facto de os médicos não o fazerem é condição necessária do dano e, em
abstrato, esta omissão é idónea a produzir o dano, logo é possível determinar que houve um
nexo causalidade.
Assim, os médicos respondem pela responsabilidade civil por factos ilícitos, á luz do art.483.º
nº1 do CC.
Temos de aferir da verificação do último requisito de que depende a responsabilidade civil de
A que é o nexo de causalidade.
A teoria da causalidade adequada defende que para que exista nexo de causalidade entre o
facto e o dano não basta que o facto tenha sido causa concreta do dano, mas que, em abstrato,
seja causa adequada a produzir aquele dano.
Removido o facto do encadeamento causal, aquele dano continuaria a produzir-se?
○ Se a resposta fosse não, então o facto foi causa do dano.
○ Se a resposta fosse sim, então o facto não foi causa do dano.

18
O juízo em concreto da adequação é um critério assente nas valorações próprias do Direito,
logo se tirássemos A do encadeamento causal, o dano da morte de B ter-se-ia causado? A
resposta seria não, pelo que o facto foi conditio sin qua non sem o qual o dano não se teria
produzido.

O facto de A é abstratamente causa adequada da morte de B, segundo um critério normativo


que leva em consideração aquelas que são as valorações próprias do Direito?

● Formulação positiva: atribuída a Larenz. É causa adequada de um resultado toda a


condição apropriada para a produção dele segundo um critério de normalidade e não
apenas por força de circunstâncias especialmente particulares e de todo improváveis e
estranhas para o regular curso das coisas.

● Formulação negativa: uma condição só deixa de ser causa adequada de um resultado


se atendendo á sua natureza geral se mostrar de todo indiferente para a produção dele,
que por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias.

Se optássemos pela formulação positiva, A não responderia, pois, a sua omissão não levaria a
condições normais, segundo um critério de normalidade, a este dano, pois num decurso
normal de acontecimentos o que aconteceria era que os médicos teriam realizado um exame
de TAC e as lesões cerebrais teriam sido tratadas e oportunamente tratadas.

De acordo com a formulação negativa não houve interrupção ao nexo causal, na precisa
medida em que o facto de A potencia o risco de erro médico ou de complicações e a morte
por negligência médica, logo não podemos considerar, atendendo à sua natureza geral, que o
comportamento de A seja indiferente à morte de B.

Conclusão final: A responsabilidade civil por factos ilícitos pressupõe a prática de um facto
ilícito com culpa, logo a doutrina tende a aderir à aplicação da formulação negativa, na
precisa medida em que alude com mais frequência ao nexo de causalidade e pelo facto de ser
mais ampla e abrangente, sendo mais favorável ao lesado.
Em suma, vislumbra-se a função sancionatória e punitiva que cumpre à responsabilidade
civil.
A teoria da causalidade adequada não exige que a causalidade seja imediata, ou seja, direta,
mas para que possa afirmar conexão causal basta a causalidade mediata, isto é, basta que o
facto dê lugar a uma condição posterior que provoque imediatamente o dano, exceto se esta
segunda condição não estiver me relação adequada com o facto que deu lugar à primeira.
A responsabilidade é solidária, nos termos do art.497.º nº1 do CC, pelo que o lesado pode
exigir de qualquer um dos devedores solidários a totalidade da indemnização e o pagamento
efetuado por um deles a todos libera. - Efeito liberatório recíproco.
Nas relações internas quem tiver pagado tem um direito de regresso contra os demais, sendo
que de acordo com o nº 2 do art.497.º do CC, o direito de regresso existe na medida das
respetivas culpas e das consequências que delas advieram.

19
Importaria distinguir se os médicos estavam em serviço num hospital público integrado no
SNS ou num hospital privado, pois o regime aplicável seria diferente.

CASO PRÁTICO N.º 5: Responsabilidade civil por factos ilícitos.

Artur, criança de 6 anos, filho de Bruno e Carla, contra as instruções dos pais vai jogar
futebol com os amigos no campo em frente a sua casa. Durante o jogo, um remate com
mais força de Artur vai embater, partindo, o vidro da montra de uma loja de sapatos
(que tem o valor de 1.000 €). Como já eram 19h00, o dono da loja só conseguiu reparar
o vidro com fita autocolante. Durante a noite, a loja vem a ser assaltada, sendo causados
prejuízos no seu recheio no valor de 1.500 €. Quid iuris?

Estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual.


Começamos por analisar se a Artur pode ser imputada responsabilidade civil por factos
ilícitos à luz do art.483.º nº1 do CC. para que surja responsabilidade de indenizar nestes
termos têm de estar verificados 5 pressupostos cumulativos:
● Facto voluntário: ao atirar a bola pratica um facto voluntário que é uma ação;

● Ilicitude: o facto de Artur atirar com a bola contra o vidro de uma loja está em
violação de um direito de propriedade de outrem. O direito de propriedade é um
direito real que é um direito absoluto com eficácia erga omnes;

● Dano: vidro da loja partido é um dano patrimonial;

● Nexo de causalidade: o remate da bola é, em concreto, condição necessária do dano


e, em abstrato, causa idónea a produzir aquele dano.

● Culpa: não basta reconhecer que ele procedeu objetivamente mal, mas é necessário
que o facto ilícito tenha sido praticado com dolo ou negligência. O lesante em face da
sua capacidade e das circunstâncias concretas podia e devia ter agido de outro modo.
Assim, primeiramente, é necessário que a pessoa seja imputável, isto é, que tenha
capacidade de compreender as consequências dos seus atos e de se determinar em
função da avaliação que fez. A lei presume a falta de imputabilidade nos menores de
7 anos, de acordo com o art.488.º do CC, logo tendo Artur 6 anos presume-se a
inimputabilidade. Esta presunção do art.488.º do CC é ilidível, não ficando excluída a
prova da imputabilidade de Artur, ou seja, não fica excluída a possibilidade de
afastamento desta presunção. O lesado tinha de provar que o Artur tinha o
discernimento bastante para querer. Seria pouco provável que o dono da loja
conseguisse fazer a prova necessária para ilidir a presunção, logo dificilmente Artur
poderia ser responsabilizado pelo prejuízo suportado, em consequência da destruição
do vidro da montra.
Não conseguindo afastar a presunção de inimputabilidade do Artur não consegue
afirmar um dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil por factos

20
ilícitos, logo seria difícil responsabilizar Artur em consequência da destruição do
vidro da montra.

Perante a dificuldade de responsabilizar Artur à luz do art.483.º do CC, o que o dono da loja
poderia fazer era imputar a responsabilidade civil por factos ilícitos aos pais de Artur, por
força do art.483.º do CC.

Por parte dos pais temos um facto voluntário que é a omissão do dever de vigilância do filho,
sendo que as omissões, nos termos do art.486.º do CC só gera obrigação reparatória quando
há obrigação de agir, que pode decorrer da lei ou de negócio jurídico que, neste caso, havia
um dever de vigilância dos pais que decorre da lei, dos art.1877.º e 1878.º do CC.

O legislador estabelece no art.483.º nº1 do CC 2 modalidades de ilicitude a que acresce o


abuso de direito (art.334.º do CC) e, ainda, no art.484.º, 485.º e 486.º casos especiais de
ilicitude, que neste caso atendemos ao art.486.º do CC.
Podemos afirmar a ilicitude do facto de violação de um direito absoluto, que é o direito de
propriedade do dono da loja, de acordo com o art.483.º nº1 do CC, todavia mais corretamente
seria apontar o art.486.º do CC.
Não bastava dizer ao filho de 6 anos para não jogar a bola, mas deviam ter vigiado a criança
para que esta não desobedecesse as suas orfens.

Atente-se que no art.491.º do CC existe uma presunção de culpa, que decorre do art.487.º nº2
do CC, que é relativa, ilidível e se aplica às pessoas obrigadas por lei ou negócio jurídico à
vigilância de incapaz natural, ou seja, quando haja uma qualquer lesão cometida por um
incapaz natural a lei presume que ela proveio de culpa in vigilando, isto é, que houve falta de
vigilância adequada a quem a tal estava obrigado.

Como deve ser exercida a vigilância?


Atualmente vale entre nós um modelo gradualista de aquisição da capacidade, o que significa
que a criança à medida que cresce vai paulatinamente adquirindo mais capacidade e, à
medida que, vai adquirindo mais capacidade é-lhe reconhecida mais autonomia e a vigilância
não é sempre a mesma, que varia com a idade e características do jovem.

O grau de natureza e os limites da vigilância têm de ser objeto de uma apreciação casuísta,
em regra a vigilância que se exige dos pais em relação a um jovem de 16 anos é mais
atenuada do que a se lhes impõe quando em causa esteja uma criança de 6 anos.
Note-se que os tribunais têm adotado um padrão particularmente exigente do dever de
cumprimento do dever de vigilância dos pais, sobretudo quando estão em causa crianças de
tenra idade, na precisa medida em que os tribunais exigem da parte dos pais a doação de
comportamentos que extravasam comportamentos de estrita vigilância, ou seja, de
comportamento educativos e de vigilância da criança.- objetivação da responsabilidade
civil dos pais (Maria Clara Sottomayor- o que se tem assistido é no sentido de uma cada
vez maior exigência do padrão de aferição do dever de vigilância pelos pais).

21
Se o dever de vigilância assume uma maior amplitude, então por causa desta tendência
estamos a caminhar para uma responsabilidade objetiva dos pais, mas na lei a
responsabilidade dos pais é responsabilidade extracontratual ao abrigo do art.483.º ex vi
art.491.º nº1 do CC, que pressupõe a culpa.
Os pais de Artur conseguiriam eximir-se da responsabilidade por 2 possibilidades, de acordo
com o art.491.º do CC:
● Ilidir a presunção: provam que cumpriram o seu dever de vigilância;
● Relevar negativamente a causa virtual: os danos teriam produzido ainda que tivessem
cumprido o dever de vigilância.

Todavia, os pais de Artur dificilmente conseguiriam mostrar que cumpriram o dever de


vigilância, ou seja, afastar a presunção de culpa que sobre eles recai.

Os pais de Artur respondem por um facto de outrem ou um facto próprio?


Os pais de Artur respondem por facto próprio, que é a omissão da vigilância do filho que
possibilitou o facto danoso do mesmo.

Não sendo possível obter a reparação dos danos dos pais de Artur, em que
circunstâncias poderá não ser possível obter a reparação deles?
Uma impossibilidade prática, na medida em que não tenham bens em que se possa efetivar a
sua responsabilidade.
Ou, ainda, olhando para o art.491.º do CC poderiam relevar negativamente a causa virtual ou
ilidir a culpa.
Assim, a lesão tenderá a ficar sem reparação, mas pode não ser assim, pois o lesado poderia
lançar mão do art.489.º do CC, em que se admite a responsabilidade da pessoa inimputável,
mediante a verificação de determinados pressupostos.

Não é uma solução que se impõe aos tribunais, mas pdem fazê-lo por motivos de equidade,
quando, por exemplo, a pessoa imputável é muito rica e o lesado é de escassos recursos, logo
seria injusto deixar o lesado sem indemnização.

Relativamente à parte final do caso prático: “Como já eram 19h00, o dono da loja só
conseguiu reparar o vidro com fita autocolante. Durante a noite, a loja vem a ser
assaltada, sendo causados prejuízos no seu recheio no valor de 1.500 €.”
No dano causado cabe não só a destruição do vidro que é um dano direito, ou seja, um efeito
imediato no património do lesado, como o prejuízo de um dano ulterior do recheio da loja,
que decorre do assalto da loja que constitui um dano indireto, ou seja, uma consequência
remota do dano direto.
Cabe saber se este dano indireto é indemnizável, sendo que suscita dificuldades ao nível da
aferição do nexo causal.
Já sabemos que não podemos inverter a ordem, logo só avançamos para a formulação do
segundo juízo quando preenchermos o primeiro juízo, segundo um critério lógico.

O facto dos pais de Artur é causa de um dano, ou seja, do roubo do recheio da loja?

22
Removido o facto gerador do dano direto do encadeamento causal, o dano indireto ter-se-ia
produzido? Não, logo o facto é condição do dano, em concreto, pelo que a falta de vigilância
dos pais do Artur é condição necessária do roubo do recheio da loja.
Em abstrato, aquele facto é idóneo a causar o dano?

A formulação negativa é que a que permite abranger o maior número de danos, sendo que
neste âmbito seria a aplicada.
Assim, atenta à sua natureza geral, a quebra do vidro da montra potencializa os assaltos à
loja, isto é, o facto gerador do dano direto atento à sua natureza geral não se mostra de todo
indiferente para a produção do dano indireto, porque aumentou a probabilidade de um
assalto.

A teoria da causalidade adequada como referimos não exige que o dano seja direto,
bastando-se com uma causalidade mediata, contanto que entre os elementos intermédios da
cadeia se verifique uma adequação causal.
Os pais de Artur seriam condenados a indemnizar este prejuízo resultante do assalto da loja,
no valor de 1500€.
Satisfazendo os pais de Artur a obrigação de indemnizar teriam direito de regresso sobre os
assaltantes, que são os causadores imediatos do dano e poderiam exigir deles, caso viessem a
ser identificados e detidos, o reembolso de tudo quanto tivessem prestado a título de
reparação destes danos.

CASO PRÁTICO N.º6: Responsabilidade civil por factos ilícitos.

André, dono de um imóvel sito no Porto, contrata com Bernardo, empreiteiro, o arranjo
e pintura da fachada do edifício. Para o efeito, Bernardo monta um andaime em frente
do mesmo para permitir a realização dos trabalhos. Numa noite de vento cai um
cilindro de ferro, mal seguro, que fazia parte do andaime num automóvel que estava
estacionado no outro lado da rua, provocando uma lesão craniana a Carlos que se
encontrava lá dentro. Chamada a ambulância, Carlos é recolhido, mas acaba por
morrer dos ferimentos pouco depois de chegar ao Hospital, por falta da assistência
atempada. De facto, a ambulância só aí chegou passadas duas horas devido a um
engarrafamento de trânsito onde tinha ficado retida. Quid iuris?

Estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual, podendo ser uma


responsabilidade por factos ilícitos, ao abrigo do art.483.º nº1 do CC.
A responsabilizar será o Bernardo que é o empreiteiro, proprietário do andaime.
Para aferir da responsabilidade de Bernardo temos de verificar os 5 pressupostos
cumulativos:
● Facto voluntário: omissão, que só é ilícita quando havia o dever de praticar o ato
omitido, de acordo com o art.486.º do CC. Este dever pode ser decorrente da lei ou de
negócio jurídico. Doutrina dos deveres de segurança no tráfego desenvolvida pela
jurisprudência alemã, em que aquele que mantém ou cria uma fonte de perigo tem de

23
tomar as medidas necessárias para afastar esse perigo, encontrando corolários na lei
portuguesa no art.491.º, 492.º e 493.º do CC. para o caso em apreço interessa-nos o
art.492.º do CC, em que há ruína total ou parcial de edifícios ou outras obras, devido a
vícios de construção ou defeito de conservação. De acordo com Antunes Varela e
pires de Lima no CC anotado, na noção de edifícios ou obras inclui-se o andaime que
esteja unido ao prédio ou ao solo, conforme resulta do art.492.º do CC a ruína pode
ser total ou parcial.- reunidas as partes componentes e integrantes, como o cilindro de
ferro que caindo causa prejuízos. Pode-se extrair que sobre o empreiteiro, Bernardo,
proprietário do andaime, impendia o dever de montar o andaime corretamente de
modo a não causar danos a terceiros. Discute-se a questão de saber sobre quem recai a
prova dos deveres a observar na montagem do andaime, sendo que a posição inicial
seguida pela jurisprudência era de que a aplicação da presunção de culpa, prevista no
art.492.º do CC dependia da prova de que existiu um vício de construção ou defeito de
manutenção do edifício ou obra que ruiu parcialmente, que recai sobre o lesado.
Todavia, Menezes Leitão (posição aditada na nova edição do manual do Dr.
Ribeiro de Faria) entende que, salvo nos casos extraordinários, como por exemplo
terramotos, a ruína de uma obra é um facto que indicia, por si só, o incumprimento de
deveres relativos à sua construção e conservação, não justificando que recaia sobre o
lesado o ónus suplementar de mostrar a forma como ocorreu esse incumprimento, ou
seja, o art.492.º do CC contém não apenas uma presunção de culpa, mas uma
presunção de ilicitude dos deveres a observar na manutenção da obra.

● Culpa: é um juízo de desvalor subjetivo. há culpa quando o lesante, face às


circunstâncias concretas, podia e devia ter agido de outro modo.
Podemos partir desse pressuposto quanto a Bernardo que não nos permita duvidar da
imputabilidade de culpa.
Para que o facto seja imputável é preciso que haja um nexo psicológico entre a
vontade do lesante e o facto psicológico.
Aqui estaríamos perante uma culpa negligente, sendo a omissão da negligência
exigível a do bom pai de família.
O bom empreiteiro medianamente diligente, cuidadoso e competente terá assegurado
que o cilindro se encontrava bem seguro e poderá considerar-se que agiu em termos
que justifica a censura.
Neste caso, encontraria aplicação o art.492.ºdo CC que consagra uma presunção de
culpa, logo o Bernardo para se eximir à responsabilidade no art.492.º do CC teria de
provar que não houve culpa da sua parte, ou seja, que não foi por culpa sua que o
cilindro de ferro caiu ou fazer relevar negativamente a causa virtual, em que, não
obstante, a sua culpa o dano ter-se-ia produzido, mesmo tomando a diligencia devida.

● Ilicitude: a omissão é ilícita e culposa.

● Dano: a omissão de bernardo provoca danos na pessoa de Carlos, que se encontra no


carro e que, em virtude, dessa lesão craniana vem a falecer.

24
Estes danos são compensáveis, nos termos do art.496.º nº1 do CC, desde que pela sua
gravidade estes danos não patrimoniais mereçam tutela do Direito.
O dano neste caso é a perda da vida e os danos intercalares e entre o momento da
lesão corporal e o momento da morte, que neste caso não sendo a morte instantânea,
então houve danos intercalares, como as dores, angústia e sofrimento pela
proximidade do fim da vida.
Os danos das pessoas próximas de Carlos identificadas no nº2 e 3 do art.496.º do CC,
embora haja quem defenda que este elenco não é taxativo.
Além dos danos na pessoa de Carlos, verificam-se danos no carro, que são danos
patrimoniais, que se tem em conta nos termos do art.562.º e 566.º do CC, sendo que a
nossa lei dá primazia à reconstituição natural, que não sendo suficiente ou
excessivamente onerosa, então dará lugar a uma reintegração por equivalente.

Situação hipotética: Se Carlos saísse vivo do veículo, o carro ficaria na oficina


durante algum tempo, sendo que o facto de não puder usar o veículo causar-lhe-ia
danos, em que a reconstituição natural não seria suficiente para reparar os danos na
sua totalidade, log haveria lugar a uma reintegração por equivalente, nos termos do
art.566.º do CC.

● Nexo de causalidade: o agente só responde pelos danos que o lesado provavelmente


não teria sofrido se não fosse a lesão. A doutrina e a jurisprudência têm entendido
aplicar a teoria da causalidade adequada.
A omissão quanto à lesão craniana sofrida por Carlos, devida à omissão dos deveres
culposo de construção do andaime foi condição necessária deste dano, em concreto e
causa idónea, em abstrato.
O que causou a morte foi o atraso da ambulância e a falta de assistência médica
atempada, mas a teoria da causalidade imediata não exige uma causalidade imediata,
mas basta que o facto mediato dê lugar ao dano.
Um juízo em concreto foi condição sin qua non, porque removido o facto do
encadeamento causal, o dano não se teria produzido.
Em abstrato, o facto de Bernardo não ter tomado as diligências corretas, o facto é
A causa só deixa de ser adequada produzir os resultados quando atendendo a sua
natureza geral ela se revele de todo indiferente à sua produção que, por isso, ocorreu
devido a circunstâncias excecionais, porque tornou necessário o transporte de
ambulância, que pode não chegar ao hospital em tempo útil. Não tendo a morte de
Carlos decorrido de nenhum evento inesperado ou comportamento anormal de
terceiros, então continua inserida dentro do quadro de riscos que Bernardo criou com
a sua omissão ilícita e culposa.

Verificados os 5 pressupostos, Bernardo fica obrigado a indemnizar por responsabilidade civil


por factos ilícitos, ao abrigo do art.483.º nº1 do CC.

25
CASO PRÁTICO N.º 7: Responsabilidade pelo risco.

A é subgerente do Banco B em Bragança. Grande parte dos clientes do banco são

emigrantes que aí depositam as suas poupanças, estando habituados a ver A no


exercício das suas funções e a serem aconselhados por este. A partir de uma dada altura,
A começou a aceitar os depósitos em numerário que os clientes lhe entregavam em mão,
dando-lhes a 2ª via do impresso do depósito assinado por si, mas sem ter dado entrada
nos registos do Banco. A situação prolongou-se durante certo tempo, até que A
desaparece e vários clientes dessa agência bancária são informados pelo banco de que
nada têm na sua conta.

Esses clientes apenas têm na sua posse as segundas vias dos talões de depósito assinados
por A. A posição do Banco é a de que nada tem de restituir. Quid iuris?

Estamos perante um caso de responsabilidade civil, em que os clientes de A podiam


responsabilizá-lo, mas este desapareceu, portanto querem uma outra solução, pretendem
responsabilizar o banco.

A questão que se coloca é se será possível responsabilizar o banco B pelos atos do subgerente
A, e em caso afirmativo a que titulo e a que termos.

São concebíveis duas vias, por agora só vamos trilhar uma delas, nomeadamente, a
classificação entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, tendo aqui a via da
responsabilidade obrigacional.

Entre o banco e os clientes foi celebrado um contrato, portanto, banco responde pelo art.800º
pelos atos praticados pelos seus auxiliares. A vantagem que esta via tem é a presunção de
culpa (art.799.º/1 do CC), faz cair sobre o devedor uma presunção de culpa, ficando o lesado
dispensado de fazer prova deste pressuposto.

Mas vamos percorrer o caminho da responsabilidade extracontratual (art.483.º e ss do CC),


devendo equacionar a responsabilidade do banco enquanto comitente (art.500.º do CC). O
art.500.º do CC prevê um dos casos de responsabilidade objetiva, que prescinde de culpa,
sendo esta excecional, retirando isto do art.483º/2 do CC. Da leitura do art.500.º do CC
podemos retirar que para que o banco responde objetivamente enquanto comitente pelos atos
praticados pelo subgerente A, tem de verificar certos pressupostos cumulativos:

1) Alguém tenha encarregado outrem de uma comissão (existência de relação de


comissão). O termo comissão tem um sentido amplo de serviço ou atividade,
podendo esta traduzir-se num ato isolado ou de duração duradoura, carácter
gratuito ou oneroso. O que é relevante para afirmamos estarmos perante uma

26
relação de comissão é desde logo fundamental que a atividade seja praticada por
conta de outrem (atuar para que os benefícios ou vantagens da atividade se
produzam na esfera de outra pessoa, do comitente). Alem disso tem-se entendido
de uma forma generalizada que a comissão pressupõe uma relação de dependência
ou subordinação entre o comitente e comissário, que autorize o comitente a dar
ordens e fiscalizar o desempenho do comissário (Menezes Leitão recusa que a
subordinação seja indispensável à relação de comissão).

O comissário tem de ser escolhido pelo comitente? Não parece que constitua um requisito
essencial da comissão, basta que o comitente tenha aceitado dar instruções ao comissário.

Neste caso, este requisito está verificado, já que A atua por conta e direção do banco,
havendo uma relação de comissão.

2) Prática do facto danoso no exercício de uma função (art.500.º/2 do CC), não


releva que tenha sido praticado intencionalmente ou contra as instruções do
comitente, por isso este não se pode defender com este tipo de argumento.
Pretende-se afastar os atos do comissário que apenas apresentam um nexo
temporal e meramente ocasional com a comissão, é necessária uma ligação íntima
entre o ato e o quadro das funções que lhe foram atribuídas.

Neste caso, os atos praticados de A cabiam no âmbito das suas funções, por causa das suas
funções e não pela ocasião das suas funções. O dolo não isenta o banco de responsabilidade.

Vamos supor que o subgerente do banco subtraia da mala do cliente uma carteira, este
requisito já não estaria preenchido, o facto apresentaria um mero nexo espacio- temporal com
a comissão.

3) Exige-se que sobre o comissário recaia a obrigação de indemnizar


(art.500.º/1/parte final do CC), a doutrina diverge sobre a questão de saber se para
a responsabilidade objetiva do comitente se exige culpa do comissário, que tenha
praticado facto ilícito e culposo ou se basta qualquer imputação do comissário por
factos lícitos ou objetivamente.

No fundo, questiona-se para que o comitente responda pelo art.500.º do CC é preciso que
recaia sobre o comissário a responsabilidade civil por factos ilícitos?

No sentido afirmativo temos o Antunes Varela, Rui de Alarcão e Menezes Leitão, defendem
que para que o comitente seja chamado à responsabilidade é necessário que o comissário
tenha praticado um facto ilícito e culposo.

Por outro lado, o Dr.Almeida Costa e Menezes Cordeiro, admitem que não seja necessário a
responsabilidade por factos ilícitos, basta qualquer ato por responsabilidade objetiva ou por
factos lícitos.

27
Contudo, esta querela acaba por não ser muito relevante, porque a A pode ser
responsabilizada por factos ilícitos. Esta questão ganharia relevância numa hipótese em que a
imputação da responsabilidade se fizesse pelo risco ou por factos lícitos.

Agora temos de ver se se verifica a responsabilidade por factos ilícitos a A (art.483.º/1 do


CC):

· Facto voluntário: a ação de desvio do dinheiro.

· Ilicitude: é ilícito, pela via de segunda modalidade, porque estaria a ser violada a
norma penal que prevê e pune o crime de burla (art.217.º do CP).

· Culpa: a modalidade mais grave de culpa, o A atua dolosamente, com dolo


direto, com a intenção de produzir o resultado danoso.

· Dano: sim, dão origem a danos patrimoniais, designadamente a danos emergente,


a perda do dinheiro depositado e lucros cessantes, já que há perda de juros
provindos do contrato de deposito. Estes dois danos são indemnizáveis à luz
art.564.º/1 do CC. Podemos equacionar a possibilidade de terem sido gerados
danos não patrimoniais, pela angústia dos emigrantes que depositam o dinheiro de
uma vida, podendo ser compensado pelo art.496.º/1 do CC.

· Nexo causal: também aqui parece não haver dúvidas, que se verifica o nexo de
causalidade entre o facto de A e os danos identificados, à luz da teoria da
causalidade adequada.

Em conclusão, verificados os pressupostos do art.483.º do CC, sobre o A recai a obrigação de


indemnizar com fundamento da responsabilidade civil por factos ilícitos. Como também há
responsabilidade objetiva do B, por isso o subgerente A respondera por factos ilícitos, o
banco B respondera objetivamente enquanto comitente, à luz do art.500.º do CC.

A responsabilidade é solidária (art.497.º do CC aplicável por força do art.499.º do CC), esta


obrigação do lado passivo é plural ao que se aplica a solidariedade, por força da lei. Significa
que o lesado pode exigir a totalidade da indemnização a qualquer um dos condevedores,
exigindo o lesado ao banco. Se o banco satisfizesse a indemnização, nas relações externas, há
um efeito liberatório extintivo recíproco, ou seja, aos dois libera (art.512.º do CC), e o banco
teria, nas relações internas, um direito de regresso contra A.

Neste âmbito seria importante averiguar a existência de culpa por parte do banco. Se tiver
agido sem culpa pode exigir tudo quanto pagou (art.500.º/3/1ª parte do CC). Mas pode dar-se
o caso do banco ter culpa, então o encargo da indemnização deve ser repartido entre o banco
e A na proporção das respetiva culpa e nas consequências que dela advieram (art.497.º/2, ex
vi art.500.º/3/parte final do CC).

28
Nota: Esta situação preenche os requisitos da aplicação dos regimes da responsabilidade
contratual e extracontratual, por isso deparamo-nos com o problema do concurso destas
responsabilidades. Como se resolve? A lei não o diz, no entanto existem na doutrina duas
grandes propostas:

· Sistema do cúmulo: cabem ainda 3 perspetivas:

o Tese da ação híbrida: o lesado pode socorrer-se numa única ação das
normas da responsabilidade contratual e das normas de responsabilidade
extracontratual, amparando-se nas que considera mais favoráveis

o Tese da opção: ao lesado é concebida a escolhida entre os procedimentos


fundados numa ou noutra dessas responsabilidades.

o Tese das ações autónomas: consiste em admitir em ações autónomas ao


lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual.

· Sistema do não cúmulo: consiste na aplicação do regime da responsabilidade


contratual em virtude de um princípio de consunção.

Em suma, o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual.

CASO PRÁTICO N.º 8: Responsabilidade pelo risco

a) Estamos perante uma responsabilidade civil extracontratual, por danos causados por
animais, sendo importante considerar o art.493.º/1 do CC (presunção de culpa) que se
aplica às pessoas obrigadas à vigilância do animal e o art.502.º do CC (regime de
responsabilidade objetiva fundada no risco), que se aplica ao detentor do animal. O
detentor do animal pode ser um usufrutuário, comodatário, etc, por isso não equivale
necessariamente ao dono.

A pessoa com dever de vigiar o animal será o seu detentor, que via de regra será o seu
proprietário, mas neste caso verificamos que não é assim, porque A é o proprietário,
mas encontrava-se ausente em viagem, deixando o animal ao cuidado de X.

Assim, temos de considerar a responsabilidade de 2 pessoas, começando por X.

X é responsabilizado por força do art.493.º/1 do CC em conjugação com o art.483.º/1


do CC.

29
Deste modo, analisando os 5 pressupostos cumulativos para que X seja
responsabilizado ao abrigo do art.483.º/1 do CC:

· Facto voluntário: omissão (art.486.º do CC), em que deveria de vigiar o animal,


por força de via negociar, pelo que X se obrigou a vigiar o animal perante A.

· Culpa: casos em possa firmar que X pela sua capacidade e em face às


circunstâncias concretas podia e devia ter agido de outro modo. O critério é a
diligência do bom pai de família, segundo o art.487.º/2 do CC. A prova da culpa
cabe ao lesado, mas neste caso como temos uma presunção de culpa o legado fica
isento de provar a culpa, nos termos d art.487.º/1/parte final do CC;

· Danos: ferimentos nos braços e nas pernas, que geram danos não patrimoniais,
embora não resulte do enunciado podemos considerar que experienciou dores
físicas que são compensáveis ao abrigo do art.496.º/1 do CC e custos com os
tratamento médicos a que B teve de ser submetido, indemnizáveis, de acordo com
o art.562.º e 566.º do CC.

· Nexo de causalidade: nexo entre omissão ilícita e culposa da omissão indevida e


os danos sofridos por B.

X responderá pelos danos sofridos por B, a menos que consiga provar que nenhuma culpa
houve pela sua parte, ilidindo a sua culpa ou conseguindo provar que os danos se teriam
igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua (relevância negativa da causa
virtual).

O bom tratador de cães, medianamente diligente teria procedido da mesma forma que X?

Talvez não, pelo facto da raça ser especialmente perigosa definida pelo legislador e pelo facto
de circular na via pública sem o açaime seria muito difícil X ilidir a presunção de culpa.

A responderia pelo art.502.º do CC, pelo que este artigo estabelece um princípio de
responsabilidade objetiva a cargo de quem utiliza os animais no seu próprio interesse
(detentor).

Neste caso, tem inteiro cabimento a ideia de riso, porque quem utiliza os animais em seu
proveito, que são seres irracionais, que são quase sempre fontes de perigo para terceiro, deve
suportar os riscos que envolve a sua utilização.

Primeiramente temos de identificar quem é o detentor do animal, que é quem utiliza o animal
no seu próprio interesse, que neste caso é A.

Pode acontecer que o detentor não seja o proprietário, como já referimos pode ser um
usufrutuário, comodatário, etc.

30
O detentor do animal só responde pelos danos que constituam o perigo específico que
concretize a perigosidade do animal.

É pelo perigo resultante da utilização do animal que se define o perímetro dos danos
indemnizáveis.

O dano registrado no caso em análise procede de risco próprio do animal.

Em suma, X responde a título de responsabilidade civil por factos ilícitos, a título do


art.483.º/1 em conjugação com o art.493.º/1 do CC e A, responde objetivamente, pelo risco
que advém na utilização do animal, com fundamento no art.502.º do CC e perante o lesado
respondem solidariamente, nos termos do art.497.º/1 e art.499.º do CC.

Como A não responde a título de culpa não podemos aplicar o nº2 do art.497.º do CC, mas
tem-se entendido que a repartição das responsabilidades far-se-á com o peso da contribuição
para os danos do perigo especial do animal e da culpa do X (obrigado á vigilância).

Nota importante: Nos casos em que o detentor do animal haja incumbido alguém da
vigilância do animal poderão perante o lesado cumular-se 2 responsabilidades, caso o facto
danoso provenha de culpa presumida do vigilante (art.493.º/1 do CC) e responsabilidade pelo
risco (art.502.º do CC).

Se não houver culpa do vigilante, então a obrigação de indemnizar recairá apenas sobre o
detentor do animal com fundamento do risco.

Se o ataque do cão fosse motivado por um trovão que assustou o animal e fez cm que este
atacasse B, seria a mesma a resposta? Sim, porque reconduz-se ao círculo de perigos típicos
que a utilização do animal acarreta, logo A responderia pelos danos causados.

Poderia levar a que X conseguisse afastar a presunção de culpa, nas circunstancia do trovão
referidas? Não nos parece, porque ainda sim, um vigilante é medianamente cuidadoso não
iria para um parque sem o açaime no animal.

b) A causa do dano é um facto de terceiro que provocou o cão. Não obstante, a


resposta mantém-se em parte a mesma.

A responsabilidade de A mantém-se, porque na responsabilidade do detentor do


animal cabem os danos resultantes dos perigos que envolvem a utilização do animal,
mesmo quando a causa do dano seja acontecimento de força maior, a responsabilidade
pelo detentor do animal persiste.

31
O prejuízo que advenha da reação do animal a factos de terceiro pode, ainda, ser
considerado como a consumação do perigo próprio que a utilização do animal
acarreta.

Quanto à responsabilidade de X, mais uma vez dificilmente conseguiria ilidir a


presunção a culpa.

Relativamente a C, a responsabilidade teria de ser avaliada ao abrigo do art.483.º do


CC:

· Facto voluntário: verifica-se uma ação de C;

· Ilicitude: 1º modalidade;

· Culpa: um bom pai de família, medianamente considerado, colocado


naquelas circunstância não teria atuado da forma como C atuou;

· Dano: ferimentos;

· Nexo de causalidade: o facto de C ter açulado o animal fez com que este
reagisse e provocasse os ferimentos a B.

Assim, responde A ao abrigo do art.502.º do CC, X nos termos do art.483.º/1 em conjugação


com o art.493.º/1 do CC e C, enquanto terceiro que provocou o cão ao abrigo do art.483.º/1
do CC e perante o lesado respondem solidariamente (art.497.º/1 e art.499.º do CC). Nas
relações internas, respondem pelo risco do animal e das culpas do vigilante (X) e do terceiro
(C).

O professor Ribeiro de Faria considera que o terceiro responderia exclusivamente, nas


relações internas.

c) Para a produção do dano concorre a ação culposa do próprio lesado, B que


enfureceu o animal atirando-lhe pedras.

Analisando o art.570.º do CC, retiramos que se a responsabilidade do tratador (X) se


fundar numa simples presunção de culpa do art.493.º/1 do CC, ela será excluída por
força o art.570.º/2 do CC, porque agora temos culpa do lesado.

Pode interessar ao lesado, que beneficia de uma presunção legal de culpa, provar
positivamente a culpa para evitar que se produza o efeito do art.570.º nº2 do CC.

A responsabilidade de A não se retiraria, porque os danos da reação do cão


corresponde ainda a uma concretização do perigo especial do animal, no entanto
havendo culpa do lesado parece que se produzirá um efeito idêntico ao art.570.º/1 do
CC, ou seja, não se aplica aqui diretamente, mas por aplicação analógica.

32
No juízo que faça deve ponderar a gravidade das culpas, mas neste caso A não tem
culpa, logo deverá ponderar a gravidade do risco do animal e à culpa do lesado e a
produção do dano.

CASO PRÁTICO N.º 9: Responsabilidade pelo risco

No dia 3 de outubro de 2023, por volta das 13h30, ocorreu um embate na Estrada
Municipal que liga Lama a Oliveira, em Barcelos, no qual intervieram o veículo
ciclomotor de matrícula 11-22-ZZ, propriedade de Bruno e conduzido pelo seu filho
António (a quem o primeiro empresta o veículo regularmente para deslocações ao fim
do dia e ao fim-de-semana), e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 44-55-TT,
conduzido pelo respetivo proprietário, Carlos, dono de uma empresa de mobiliário.

O ciclomotor circulava pela referida Estrada Municipal no sentido Oliveira - Lama. Por
seu lado, o veículo ligeiro de mercadorias circulava em sentido contrário. No local do
embate, a estrada tem 5,70 m, duas faixas de rodagem, uma para cada sentido de
transito, com piso em paralelo, seco e com aderência. A estrada apresenta uma ligeira
curva.

No que concerne às circunstâncias em que o acidente se produziu, apenas se prova que:

● ambos os veículos circulavam a velocidade não superior a 50 km/hora;


os condutores de ambos os veículos travaram, deixando o veículo ligeiro de
mercadorias marcado no pavimento um rasto de travagem com a extensão de
11,50m;

● António e o ciclomotor foram cair na berma do lado direito da Estrada


Municipal, atento o sentido Oliveira - Lama.

(Adaptação do Acórdão do STJ de 19 de Setembro de 2006, in: www.dgsi.pt). Pergunta-se:

1. Recai sobre António alguma presunção de culpa?

Estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e depara-se uma hipótese de


responsabilidade de condução de veículos terrestres. Neste âmbito vigora um princípio de
responsabilidade objetiva fundada no risco, nos termos do art.503.º/1 do CC. Temos um
regime de responsabilidade objetiva pelo risco, mas não deixa de haver responsabilidade por
factos ilícitos e culposos, que se rege pelas regras gerais do art.483ºe ss do CC. A questão que
se coloca é saber se sobre o A, condutor do veículo de B, se recai uma presunção de culpa.

33
Durante muito tempo foi sustentada a doutrina de que a condução de veículos seria uma
atividade perigosa pela sua própria natureza para efeitos do art.493º/2 do CC, o que permitiria
fazer recair sobre o condutor a presunção de culpa caso se verificassem acidentes. Contudo,
segundo o assento 1/80 de 21 de novembro de 79 foi fixada a doutrina de que o disposto no
art.493.º/2 do CC não tem aplicação em matérias de acidentes de circulação terrestre. O
supremo neste assento veio aderir à tese de Antunes Varela. Esta posição suscitou acesas
críticas e uma voz crítica na doutrina foi a de Joaquim Sousa Ribeiro, que veio destacar que o
facto de se poder aplicar o regime da responsabilidade objetiva não torna desnecessária a
presunção de culpa, sendo certo que a responsabilidade de risco na medida em que prescinde
de. A culpa permite abranger mais casos, a tutela que ela confere é menos intensa, porque a
responsabilidade objetiva está sujeita a limites. Antunes Varela entendia que para essa
perigosidade o legislador já deu resposta, estabelecendo um regime de responsabilidade
objetiva nos art.503ºss.

Poderíamos equacionar a presunção do art.503º/3/1ª parte, contudo não se poderá aplicar


neste caso, aplica-se ao comissário quando conduza no exercício das suas funções, o A não é
comissário de B, é comodatário. Portanto, também esta presunção não tem aplicação.

Questão extra colocada pela professora: E se o veículo conduzido por A fosse um veículo
parcialmente automatizado?

A condução automatizada é um conceito que se reporta às situações em que o sistema


informático do veículo detém um qualquer nível de controlo sobre o veículo, o que pode ir
desde a mera assistência do condutor até à automatização total, exercendo pleno controlo das
manobras do veículo, já não requerendo mão humana. Segundo uma classificação
generalizada é possível distinguir 6 modelos de automatização: nos primeiros dois níveis há
auxílio do condutor nas tarefas de condução, a partir no nível 3 o veículo começa a
autoconduzir, mas o condutor tem de estar pronto para intervir se isso lhe for solicitado.

Deixando o condutor humano a ter controlo, passando o carro a assumir esse lugar, é possível
identificar uma pessoa como condutora de automóvel?

Aí há que distinguir os altamente automatizáveis, já que esse realiza todas as tarefas sem
necessitar de mão humana, aí o utilizador do veículo não tem qualquer espécie de controlo do
veículo, estando excluída a sua responsabilidade, a menos que ele seja detentor do veículo,
respondendo pelo risco que envolve a condução do veículo.

Diferentemente se passam as coisas quando estejam parcialmente automatizáveis, quanto a


estas é possível identificar um condutor, nestes ainda há de facto quem se sente ao volante e
decida ou não ativar o modo automatizado, por isso o condutor será quem opta por ligar a
automaticidade. Portanto, esta pessoa podendo, embora alienar-se dos acontecimentos do
tráfego, tem de se manter recetiva e pronta a intervir no caso de necessidade, pelo que terá de
vigiar a estrada. A não observância com culpa, fá-lo-á incorrer por responsabilidade por
factos ilícitos, caso surjam danos. Parece que se deverá equacionar a presunção de culpa do
493º/2, porque a condução parcialmente automatizável é perigosa em certas circunstâncias.

34
Parece que estes veículos têm características mais perigosas, porque não deixa de empreender
um dever de vigiar e permanecer recetivo às solicitações do sistema. O facto deste veículo
conduzir autonomamente faz com que haja um perigo sério de afrouxamento de vigilância
que é devida por parte do condutor e de esperar que este adormeça. Por outro lado, está um
fenômeno de excesso de confiança que os seres humanos tendem a depositar em veículos
automatizados. Um outro problema prende-se com a perda de confiança da falta de exercício
das competências de condução. Parece que a condução parcialmente automatizada nos casos
em que se torne necessária a transferência de controle da máquina para o controle humano
poderá ter uma maioríssima probabilidade de provocar danos do que as restantes. Por isso
devemos equacionar uma interpretação restritiva da doutrina do assento.

2. A resposta seria a mesma se o veículo de mercadorias de Carlos fosse


conduzido pelo seu empregado, Dário, que procedia ao transporte de uma
mobília a casa de um cliente? Quid iuris quanto aos danos derivados do
acidente?

Quem conduz o veículo é o empregador que procedia o transporte de mobília na casa do


cliente, pelo que poderíamos equacionar a presunção de culpa do art.503º/3/1ª parte do CC. O
principal argumento para justificar esta presunção é o que os condutores por conta de outrem
são por via de regra condutores profissionais, a quem se deve exigir perícia especial e que
mais facilmente podem ilidir a presunção de culpa quando nenhuma culpa tenha havido da
sua parte. O problema é que na prática muitas vezes não são profissionais.

Agora temos de ver se é possível afirmar a existência de uma relação de comissão, entre C e
D. que neste caso se verifica, atua para que as vantagens da atividade se produzem na esfera
de outrem, D conduz o veículo por conta de C. além disso entre o C e D existe um vínculo
laboral, uma relação de subordinação. Portanto D é comissário de C. além disso também
sabemos que conduz o veículo no exercício das suas funções, já que o acidente ocorre no
transporte de mobília para o cliente. Por isso recai sobre o D a presunção de culpa do
art.503º/3/1ª parte do CC.

Na jurisprudência e doutrina discutiu-se a questão de saber se esta presunção de culpa se


vigorava apenas nas relações internas entre comitente e comissário ou se estendia nas
relações externas entre comissário e lesado. Pode o lesado invocar a presunção demandando
diretamente o comissário com base na sua culpa presumida? O STJ estabeleceu que a
responsabilidade por culpa presumida por parte do comissário não tem os limites do art.508º
do CC, não estando sujeito aos limites máximos deste artigo. Portanto uma resposta
afirmativa a esta questão para além de permitir demandar o comissário sem limites, vai
permitir responsabilizar o comitente nos mesmos termos. O comitente responde nos mesmos
termos que responde o comissário, por isso se o segundo responde sem limites, o comitente
também responderá. O entendimento que veio a vingar, assento 1/83 de 14 de abril de 83, foi
que a presunção de culpa é aplicável nas relações entre comitente e o lesante, por isso tem
alcance externo. Por via do assento 7/94 veio esclarecer.

35
Os limites do 508 são hoje bastante amplos porque o problema já não se coloca. Remissão
para o regime de sistema de seguro obrigatório automóvel DL 291/2007, de 21 de agosto. O
capital mínimo do seguro obrigatório está no art.12º do DL, onde o nº3 veio dizer que a partir
de 2012 são revistos 5 em 5 anos. Desde 1 de junho de 2022 o capital mínimo de seguro é de
6450000 e 13000000 para danos materiais.

Há um choque de veículos, colisão de veículos. O legislador destacou esta situação no


art.506º do CC. Portanto, este regime está pensado especialmente para os casos em que
nenhum dos condutores tem culpa na colisão, se apenas um deles tem culpa deve ser ele a
responder exclusivamente dos danos causados ao abrigo do 483º/1. Uma outra duvida que
surgiu na doutrina teve que ver se a presunção de culpa do art.503º/3/1ª parte do CC era ou
não aplicável na colisão de veículos.

O STJ definiu que a responsabilidade por culpa presumida estabelecida no 503 é aplicável no
caso de colisão de veículos prevista no 506º/1 (assento 3/94 de 26 de janeiro de 94).

Isto significa que tendo ocorrido uma colisão de veículos em que um deles é conduzido por
comissário no exercício das funções, não se aplica o 506, havendo presunção de culpa do D.

Se ele não conseguir ilidir a presunção de culpa e verificados os demais pressupostos da


responsabilidade civil por factos ilícitos responde por todos os danos advenientes do acidente.
Também vai ser chamado a responder o comitente ©, respondendo objetivamente pelos atos
do seu comissário, ao abrigo do art.500º. Responderão solidariamente e se for C a satisfazer a
indemnização, tem um direito de regresso integral contra D.

Temos ainda de considerar se ele consegue ilidir a presunção de culpa, nesse caso ele já não
responde, por isso aplicar-se-ia o regime do 506º, sendo necessário identificar as pessoas dos
veículos e aplicar contribuição causal.

3. Voltando à hipótese inicial, e supondo que (i) do acidente resultam danos em


ambos os veículos: 1.500 € no ciclomotor e 750 € no veículo de mercadorias; e
(ii) o motociclo contribuiu em 1/3 para o acidente e veículo de mercadorias
em 2/3.

a) Quid iuris?

Sabemos que do acidente resultaram danos e a proporção da contribuição dos danos de cada
veículo. Então não há culpa presumida de qualquer um dos condutores, temos uma colisão de
veículos conduzido por A, comodatário, e veículo conduzido por C. estando perante uma
hipótese de colisão de veículos aplica-se o regime do 506º/1.

Em primeiro lugar vamos ter de apurar quem responde pelos riscos dos veículos envolvidos
na colisão, quem são os detentores. A lei identifica o condutor através de duas notas
essenciais, nomeadamente quem tem a direção efetiva do veículo (poder real de facto sobre o

36
veículo, aquele que de facto goza ou usufrui as vantagens do veículo e a quem incumbe
controlar o seu funcionamento- destina-se a abranger os casos em que com ou sem domínio
jurídico parece justo impor a responsabilidade objetiva por se tratar das pessoas a quem
especialmente incumbe tomar as providências necessárias paras que o veículo opere sem
causar danos a terceiros) e o utiliza no próprio interesse (este interesse na utilização pode ser
material ou moral, nem se exige que se trate de interesse digno de proteção legal, o que é
decisivo é que seja de interesse próprio, ainda que não exclusivo- visa afastar a
responsabilidade objetiva daqueles que como o comissário utilizam o veículo em proveito de
outrem) (art.503º/1). A titularidade do direito sobre o veículo não é um elemento decisivo,
claro que a maior parte das vezes o detentor é o proprietário.

O veículo ligeiro de mercadorias de C verifica-se que é o Carlos, o seu proprietário. As


situações em que não há o mesmo poder de facto ou jurídico. Na questão do comodatário,
recai sobre ambos ou apenas um? Há uma divergência doutrinal:

· Vaz Serra considera que o detentor do veículo é o comodatário, portanto seria A

· Antunes Varela entendem que serão ambos, comodante e comodatário, no entanto


admite que o comodato possa ser interpretado no sentido de excluir a detenção do
comodante.

· Almeida Costa e Ribeiro de Faria defendem que é necessário fazer-se uma


avaliação casuística, não podemos dar uma resposta geral e abstrata é necessário
saber a quem na situação concreta reúne as duas caraterísticas.

No fundo, o pai empresta com regularidade o carro do filho, parece que ambos são detentores
do veículo. Temos de aplicar a solução do 506º/1 somar todos os danos resultantes nos
veículos e que se reparta a responsabilidade na proporção em que cada um dos veículos
houver contribuído para a produção dos danos. Portanto:

1- Consiste em identificar os danos e somá-los: danos de 1.500 e 750 à 2.250

2- Determinar a contribuição de cada um dos veículos na proporção dos danos: o juiz


atenderá ao peso, velocidade, dimensão do veículo… Neste caso, o motociclo
contribui 1/3 e o veículo 2/3.

3- Aplicação das proporções das contribuições que determinamos na segunda fase ao


total valor dos danos que identificamos na primeira fase: C enquanto detentor do
veículo ligeiro 2/3 dos 2250 (1500) e B e A um 1/3 de 2250 (750).

Poderia eventualmente operar a compensação de créditos, causa de extinção das


obrigações, prevista e regulada nos 847ºss, C pagaria 750, os 1500 menos os 750 dos
outros dois.

37
b) Considerando a situação fática da alínea anterior, suponha, agora, que
A transportava um iPad que ficou totalmente destruído. O iPad valia 500
€. Quid iuris?

A letra do art.506.º/1 do CC apenas se refere aos danos causados nos veículos envolvidos na
colisão.

Aplicar-se-á o art.506.º/1 do CC aos danos no IPad?

Tem sido defendida uma interpretação extensiva deste regime, no sentido de abranger,
também, quaisquer outros danos resultantes da colisão, desde que se encontrem abrangidos
pela responsabilidade objetiva do art.503.º do CC em conjugação com o art.504.º do CC.

Assim sendo, seria de incluir nos somatórios dos danos também o valor do IPad.

c) Suponha, por fim, que António transportava no motociclo uma amiga,


Marta, a quem estava a “dar boleia”. Em consequência da colisão, Marta
sofreu vários ferimentos e o seu computador portátil ficou inutilizado.
Quid iuris?

A questão diz respeita ao problema dos beneficiários da responsabilidade civil pelo risco,
como alude o art.504.º do CC.

Relativamente aos beneficiários da responsabilidade pelo risco, a lei vem esclarecer que ela
tanto aproveita a terceiros como às pessoas transportadas, ou seja, tanto as pessoas de fora
como as dentro do veículo, de acordo com o art.504.º/1 do CC.

No caso de transporte, por força de contrato oneroso, abrange os danos da própria pessoa e os
danos das coisas por ela transportadas.

No caso de transporte gratuito, a responsabilidade apenas cobre os danos da pessoa


transportada, nos termos do art.504.º nº3 do CC.

Marta sofreu danos pessoais e danos materiais.

Quanto aos danos pessoais, tanto Carlos, como Bruno e António responde pelos danos
caudados na pessoa de Marta, sendo que havendo uma responsabilidade plural esta é
abrangida pela responsabilidade solidária, do art.507.º/1 do CC.

Nas relações internas, existe um direito de regresso, em que se recorre ao critério de


repartição do art.506.º/1 do CC, segundo o qual somar-se-iam estes danos aos demais danos e
a responsabilidade seria repartida tendo por base as proporções em que cada veículo
contribuiu para os danos.

38
No que respeita aos danos causados no computador de Marta, o António e o Bruno não
responderão por estes danos, segundo o disposto no art.504.º nº3 do CC.

Coloca-se a questão se Carlos poderia responder, pelo que a tese dominante considera que
pode responder objetivamente, pelo facto de Marta ser uma terceira.

A Marta pode reclamar do Carlos a inteira indemnização do prejuízo ou apenas pode exigir
uma indemnização correspondente à proporção em que o risco do seu veículo contribuiu para
o dano?

Quanto aos danos causados no computador de Marta, no caso de transporte gratuito, a


responsabilidade apenas abrange os danos pessoais da pessoa transportada, pelo que Bruno e
António não têm de responder.

No entanto, Carlos pode ser chamado a responder pelos danos, na medida em que para
Carlos, Marta é uma terceira – nº1.

O PC valia 900€. O Carlos pagava uma indemnização neste montante?

Parte da doutrina sustenta a tese da reparação integral, como defende Dário Martins de
Almeida. Contudo, Vaz Serra, Almeida Costa e Ribeiro de Faria consideram a
responsabilidade parcial associada ao risco do seu veículo, logo tendo o risco do veículo de
Carlos contribuído 2/3 para os danos, então apenas podia exigir uma indenização no valor de
600€, suportando ela os restantes 300€.

Seguindo esta última posição, então a Marta tem de suportar aquilo que não cabe na
responsabilidade de Carlos.

CASO PRÁTICO N.º 10: Responsabilidade civil por danos causados por veículos.

Artur, camionista que trabalha para Bráulio, entra numa bomba de gasolina para
atestar o depósito e também para verificar a pressão dos pneus. Carlos, dono da estação
de serviço, designa Dário, empregado recém-contratado e com escassa preparação, para
verificar a pressão dos pneus do camião. Dário, ao desempenhar a sua tarefa, acaba por
manusear mal a máquina, enche de mais um dos pneus que rebenta. Os destroços do
pneu são projetados, indo atingir Ema, transeunte que estava no passeio adjacente à
bomba de gasolina. Ema sofreu um traumatismo craniano. Quem reponde e com que
fundamento perante Ema?

39
Estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual. Temos aqui vários potenciais
responsáveis e que poderão ser chamadas à responsabilidade.

Estamos perante danos causados por veículos de circulação terrestre. O facto de o veículo se
encontrar parado não impede a aplicação do regime de responsabilidade objetiva fixada no
art.503.º do CC que vale para danos causados por veículos em circulação, como para veículos
imobilizados.

O camião era conduzido por Artur que é camionista que trabalha para Bráulio, logo é
comissário de B para que os benefícios da sua atividade se produzam na esfera de B, estando
sujeito ao poder de direção e fiscalização de B.

Nada no enunciado permite concluir que A não estivesse a conduzir o veículo no exercício
das suas funções, pelo que devemos considerar a presunção de culpa que recai sobre o
condutor por conta de outrem no exercício das suas funções, de acordo com o art.503.º/3/1ªa
parte do CC. Esta presunção vale nas relações externas entre o lesante e o titular do direito à
indemnização.

O Artur conseguia ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai, porque o rebentamento
ficou-se a dever ao Dário que manuseou mal a máquina e encheu demais um dos pneus, logo
o acidente não procedeu de culpa sua e conseguiria ilidir a presunção de culpa com que a lei o
onera. Se o Artur não conseguia ilidir a presunção de culpa responderia pelo art.483.º/1 em
conjugação com o art.503.º/3/1 ª parte do CC, a título de responsabilidade civil por factos
ilícitos, sendo que conjuntamente responderia Bráulio, enquanto comitente ao abrigo do
art.500.º do CC (3 requisitos- existência de comissão, facto danoso tem de ser praticado no
exercício das funções da comissão e por força da comissão é que os danos forma causados e
sobre o comissário tem de recair a obrigação de indemnizar).

A e B responderiam de forma solidária e ilimitada, pelo que segundo o Assento a


responsabilidade do comissário não estava sujeita aos limites máximos da responsabilidade
civil pelo risco.

Artur conseguindo ilidir a presunção de culpa, sendo a responsabilidade por factos ilícitos e
culposos, então já não responderia e ficaria prejudicada a responsabilidade de B, enquanto
comitente.

B, ao abrigo do art.503.º/1 do CC, tem a direção efetiva do veículo e utiliza-o no seu próprio
interesse, sendo que a lei considera ser detentor do veículo e, por isso, tem de responder
objetivamente pelos danos que advenham da sua utilização.

Ema é beneficiária da responsabilidade pelo risco, nos termos do art.504.º/1 do CC.

Temos e ver se existe alguma causa de exclusão da responsabilidade pelo risco de B, como
alude o art.505.º do CC.

40
Note-se que quando o art.505.º do CC se refere a “imputável” vem no sentido de atribuível de
causalidade, pelo que o problema nada a tem a ver com culpa.

Assim, neste caso, temos um acidente imputável a um facto danoso de terceiro, pelo que
Dário foi quem nauseou erradamente a máquina de encher os pneus.

● Teoria do tudo ou nada: Estende o sentido exoneratório a todas as situações de


culpa- Antunes Varela e Menezes Leitão;

● Tese da solução concursal da culpa e do risco: Para o acidente de viação pode


incorrer, ao mesmo tempo, o perigo especial do veículo e a culpa de terceiro. (Vaz
Serra, Calvão silva, Almeida Costa, Ribeiro de Faria, Rute Pedro, Pestana
Vasconcelos).

À luz desta tese admite-se que a culpa e o risco possam coexistir, só havendo exclusão da
responsabilidade objetiva quando o acidente for devido exclusivamente a culpa de terceiro e
não quando for devido conjuntamente à culpa de terceiro e ao risco especial criado com a
utilização do veículo, logo se a culpa de terceiro for uma das causas do dano, concorrente
com os riscos próprios do veículo, o detentor do veículo não se exonera de responsabilidade.

Se a culpa de terceiro for leve o acidente não será só causado por essa culpa, mas pelos riscos
especiais da utilização desse veículo, tendo em conta os danos a que terceiros ficam expostos
pelo simples uso do veículo, não tendo a culpa leve a força causal para destruir o nexo causal
entre o risco específico do veículo e os danos.

Quanto a C, pode ser imputado a responsabilidade civil por factos ilícitos, na precisa medida
em que designa D a realizar uma tarefa que comporta certos riscos, sem lhe dar adequada
formação, nem sem o vigiar – há culpa in eligendo, instruendo e in vigilando. Desta forma,
há atuação culposa por parte de C. A sua atuação constitui culpa grave ou negligência
grosseira, porque nesse caso poderá haver exclusão da responsabilidade objetiva de B, será
apenas culpa leve?

Assim, seria importante discutir se a atuação de Carlos se baseia em negligência grosseira ou


culpa grave para vermos se há exclusão da responsabilidade pelo risco do detentor do
veículo, que é B.

A negligência ou mera culpa consiste na omissão da ação exigida.

A culpa grave ou negligência grosseira consiste em não fazer o que faz a generalidade das
pessoas ao não observar os cuidados que todos, em princípio, não observam.

Esta conhece diferentes graus, podendo ser:

● Levíssima;
● Leve;

41
● Grave/negligência grosseira.

Quanto ao Carlos este poderia ser chamado a responder por factos ilícitos e encontra-se aqui
a aplicação da presunção de culpa do art.493.º/2 do CC.

Dário responde a título de responsabilidade civil por factos ilícitos, ao abrigo do art.483.º/1
do CC. Deste modo, Dário sabendo que não está preparado e que tem falta de experiência
prática não deveria ter atuado ou deveria ter pedido instruções para realização da tarefa, logo
Dário responde a título de responsabilidade civil por factos ilícitos.

O facto danoso foi praticado por causa do exercício das suas funções e não apenas por
ocasião do exercício das suas funções. Sobre Carlos recai a obrigação de indemnizar e, por
isso, reúnem-se as condições cumulativas para que C respondesse objetivamente, enquanto
comitente, pelos atos do seu comissário ao abrigo do art.500.º do CC.

Caso se entenda em adesão à teoria que admite concurso da culpa e do risco não dever a
responsabilidade do detentor do risco ser afastado quando para o acidente tenha concorrido
apenas culpa leve de terceiro e se considere ter Carlos e Dário atuado com culpa leve, então a
conclusão é que perante a lesada todos responderia, ou seja, B, C e D, embora a títulos
diferentes, solidariamente perante Ema, de acordo com os dispostos 499.º e 497.º/1 do CC e
nas relações internas, a responsabilidade seria repartida em função do risco e das culpas, para
a produção dos danos.

Por fim, se acolhermos a solução do “tudo ou nada”, havendo a intervenção de terceiro há


exclusão de responsabilidade do detentor do veículo, não respondendo B pelos danos.

CASO PRÁTICO N.º 11: Modalidades das obrigações quanto aos sujeitos

Em fevereiro de 2024, António, Bruno e César, proprietários de uma cadeia de cafés e


restaurantes, compram a Daniel meia tonelada de café moído por € 90.000. Responda às
seguintes questões que são independentes umas das outras:

1) A quem pode Daniel exigir o pagamento dos € 90.000?

Convoca a matéria das modalidades das obrigações, que se distinguem quanto ao sujeito,
objeto e quanto ao vínculo.

Para resolver este caso, interessa as modalidades das obrigações quanto aos sujeitos,
nomeadamente, aquelas que tomam em consideração a singularidade ou pluralidade dos
sujeitos da obrigação, distinguindo entre obrigações singulares ou plurais.

Na maior parte dos casos, há apenas um devedor e um credor, sendo uma obrigação singular,
mas ao lado destas, muitas outras existem em que há dois ou mais titulares do lado ativo ou

42
do lado passivo ou, simultaneamente, de ambos os lados, sendo obrigações plurais, que
podem ser:

● Ativas;
● Passivas;
● Simultaneamente, passivas e ativas.

No caso, há pluralidade de devedores, porque são vários a dever o preço , logo temos uma
pluralidade do lado passivo.

Qual o problema que aqui se coloca?

Saber como se processa a contribuição de cada devedor para a prestação a que estão
vinculados, sendo que tal varia consoante as obrigações plurais em causa. Que tipos de
obrigações plurais existem?

● Conjuntas ou parciárias: são obrigações plurais a que se aplica o regime da


conjunção;
● Solidárias: são aquelas a que se aplica o regime da solidariedade.

No Direito Civil, sendo a obrigação plural, o regime regra é o da conjunção, segundo o


art.513.º do CC. Daqui retiramos que a conjunção é o regime regra, já que a solidariedade só
existe quando é determinada por lei ou estipulada pelos interessados, pelo que no silêncio da
lei ou falta de estipulação pelos interessados, aplica-se o regime da conjunção.

No Direito Comercial é a solidariedade que é o regime regra, já que é mais prática para o
credor e facilita a exigência de crédito, permitindo acautelar o credor contra o risco da
insolvência de qualquer credor porque ele pode exigir dos restantes a totalidade do crédito.

Isto compreende-se se tivermos em conta as finalidades do Direito Comercial:

· a tutela do crédito ou reforço do crédito, sendo que a solidariedade passiva protege e


aumenta a segurança do credor , segundo o art.100.º do CSC.

Desta forma, estamos perante um caso de dívida comercial e, por isso, será de recorrer ao
regime da solidariedade, segundo o art. 100.º do CSC.

Sendo esta obrigação solidária do lado passivo, o credor pode exigir a prestação integral de
qualquer um dos devedores, sendo que a prestação integralmente efetuada por qualquer um
deles, a todos libera perante o credor comum, como aludem os art.512.º/1 e art.523.º do CC.

Quais os dois traços que caracterizam a solidariedade passiva no âmbito das relações externas
entre credor comum e os devedores?

O cumprimento integral que pode ser exigido a qualquer um e a liberação de todos eles
perante o credor comum, sendo o efeito extintivo recíproco comum face ao credor dado por
qualquer um dos devedores.

43
Assim, devendo A, B e C, 90 000€ a D e, sendo a obrigação solidária, por força do art.100.º
do CSC, então o credor D pode exigir de qualquer um deles a entrega de toda a soma devida
e, não apenas, de parte dela. A prestação espontânea ou coativamente efetuada libera os
outros dois face ao Daniel.

No plano das relações internas, o devedor que satisfaz o direito do credor, além da parte que
lhe compete do débito comum vê nascer um direito de regresso na sua esfera, por parte dos
outros condevedores, de acordo com os art.516.º e 524.º do CC.

2) A resposta seria a mesma se Daniel tivesse renunciado à solidariedade face a António


e tivesse remitido a dívida de César?

Neste cenário, a resposta seria diferente, pois ao renunciar à solidariedade face a A, D


(credor) compromete-se a não exigir dele uma prestação superior à sua quota-parte no débito
comum de 90.000€. Como vimos, num pressuposto de que as quotas são iguais, a parte de A
na divida comum é de 30.000€, pelo que D apenas pode exigir esse montante.

Assim, caso D venha a exigir a prestação integral, A pode opor este meio pessoal de defesa,
de acordo com o art.514.º do CC.

Analisando o art.527.º do CC, percebemos que a renúncia à solidariedade não prejudica o


direito do credor relativamente aos restantes, contra os quais conserva o direito à prestação
por inteiro, isto é, que dos restantes devedores solidários (B e C), D continua a poder exigir a
prestação integral, e se algum deles realizar a prestação por inteiro, a dívida extingue-se em
relação a todos e o que tiver cumprido terá direito de regresso contra A e contra o outro,
podendo exigir de cada um 30.000€.

Por isto, a renúncia à solidariedade, uma vez invocada por A, e os seus efeitos valem perante
o credor, mas não aproveitam perante os demais devedores.

A remissão está prevista no art.863.º e ss do CC. O credor, tendo direito a exigir a prestação
do devedor, pode com o acordo do devedor renunciar a esse direito, determinando a extinção
da dívida, sem que ocorra a realização da prestação. A remissão consiste no contrato entre
credor e devedor, pelo qual o credor prescinde de receber do devedor a prestação debitória.

A remissão foi acordada apenas com 1 dos condevedores, que era César, fazendo com que C
fique liberado perante Daniel, tratando-se de um meio pessoal de defesa de C.

Para as obrigações dos restantes condevedores teremos de articular a obrigação com o regime
das obrigações solidárias, pelo que temos de atentar ao art.864.º do CC, onde podemos ter 2
aplicações distintas, nomeadamente:

● Daniel remite dívida de César, nada acrescentado à declaração de remissão


(art.864.º/1 do CC). A remissão consubstancia um meio pessoal de defesa de C que só

44
por ele pode ser invocado e, uma vez invocado, os efeitos aproveitam a todos os
devedores.

Qualquer um dos condevedores se forem interpelados para cumprir e pagassem os


60000€ teriam direito de regresso contra o outro, menos contra o César, porque a
remissão exonera o devedor da própria obrigação de regresso.

Todavia, Daniel renunciou à solidariedade face a António, só podendo exigir os


30000€, pelo que só pode exigir os 60000€ de Bruno, sendo que B pagando depois
terá direito de regresso de 30000€ de António;

● Daniel remite a dívida de C, mas acrescenta que se reserva o seu direito por inteiro
contra os outros devedores- espécie de pactum de non petendo (art.864.º/2 do CC).
Nestes casos, em que o credor se reserva o seu direito por inteiro contra os outros
devedores aplica-se o art.864.º/2 do CC. Tendo-se reservado o seu direito por interior
contra os outros devedores o D poderia, em princípio, demandar A ou B, por toda a
prestação (90000€), C não responderia perante o D que remitiu a sua obrigação, mas
podia ser demandado em via de regresso, quer por A quer por B, como se a remissão
não existisse.

Note-se que temos de considerar que D renunciou à solidariedade face a A e dele o


credor só pode exigir a sua quota-parte no débito comum (30000€), todavia pode
exigir de B os 90000€, pelo que a dívida se extingue, tendo posteriormente direito de
regresso face a A e C.

Este é um meio pessoal de defesa de C que só por ele pode ser invocado e, uma vez
invocado, os seus efeitos valem em face do credor, mas não aproveitam ao devedor
em face dos outros condevedores.

3) Suponha agora que Daniel exigia a Bruno o pagamento dos € 90.000. Bruno, tendo
falta de liquidez, cumpre, entregando a Daniel um automóvel avaliado em € 120.000.
Daniel aceita. Em seguida, Bruno exige € 40.000 a António e € 40.000 a César.

a) Quid iuris?

B realiza com D uma prestação diferente da que é devida, para extinção da dívida, entregado
um automóvel avaliado no valor de 120000€, ao invés de pagar os 90000€, logo temos a
figura da dação em cumprimento, que é outra causa de extinção das obrigações diferente do
cumprimento, estando prevista nos art.837.º e ss do CC.

Consiste na realização de prestação diversa da que é devida com o fim de mediante de acordo
com o credor extinguir a obrigação. É importante distinguir a dação em cumprimento da

45
dação função do cumprimento que está prevista no art.840.º do CC e pode ser designada por
datio pro solvendo, em que temos na dação em cumprimento, um acordo de atribuição do
valor liberatório a prestação diferente da que é devida e na dação em função do cumprimento
transmite-se ou entrega-se certo bem, não para imediata extinção da obrigação, mas para ser
alienado ou exercido o valor da nova prestação, a obrigação só se extingue na medida do
produto da satisfação obtida por intermédio do Nos termos do art.523.º do CC, a satisfação do
direito do credor pode ocorrer por dação em cumprimento, extinguindo-se a obrigação, em
relação a todos os devedores.

Nas relações internas, o que se sucede é que nasce na esfera de B um direito de regresso
contra cada um dos condevedores, de acordo com o art.524.º do CC.

No nosso caso, o que se sucede é que B entregou um automóvel avaliado em 120000€, então
pode exigir de cada um dos condevedores 40000€ em vez de 30000€?

Não pode nenhuns dos devedores agravar por ato unilateral a situação dos outros, pelo que
não será lícito ao autor da dação, exigir dos seus condevedores que não tenham dado o seu
acordo ao ato uma quota de valor superior à que lhes competia.

b) E se o automóvel valesse € 75.000?

No caso de o automóvel valer os 75000€ e mesmo D consentir na prestação devida, temos


mais uma vez a satisfação do direito do credor em dação em cumprimento, extinguindo-se a
obrigação perante os demais devedores (art.523.º do CC).

Nasce na esfera jurídica de B um direito de regresso face aos outros condevedores, mas
quanto pode exigir de cada um dos condevedores.

Assim, neste caso, nas relações internas nasce na esfera de B um direito de regresso contra os
seus condevedores, sendo que existem diferentes entendimentos na doutrina:

● Antunes Varela defende que os condevedores podem exigir que a sua quota seja
calculada com base na prestação que foi efetivamente efetuada se for de valor inferior
à prestação devida, para que o autor da dação não se enriqueça justamente à custa
deles, logo B só poderá exigir os 25000€, em via de regresso de cada um dos seus
condevedores solidários.
● Ribeiro de Faria entende que será necessário atender à intenção do credor, pelo que
temos de tentar perceber a razão de ser de o credor ter admitido uma prestação de
valor inferior à que lhe é devida e caso concluamos que o credor pretendeu apenas
beneficiar o B, as quotas-partes de A e C mantém-se nos 30000€, sem que isso
represente um locupletamento injusto, porque há uma causa, que é a intenção de
liberalidade manifestada pelo credor, em relação apenas a B. Se o credor tentou
beneficiar de todos os titulares passivos da obrigação, o B apenas poderá na via de

46
regresso exigir a cada um dos condevedores 25000€, sendo que se exigisse mais
estaria no âmbito do enriquecimento sem causa.

4) Suponha que Daniel morre, sucedendo-lhe António, seu irmão e único parente
sobrevivo. Nesta hipótese, quid iuris se César se tornasse insolvente?

António é devedor de Daniel, o D morre e A sucede-lhe como herdeiro, porque sucede a D o


crédito o A passa a ser credor, ou seja, congregam-se na mesma pessoa, em virtude do
fenómeno de transmissão mortis causa, a titularidade ativa e passiva de uma obrigação.

Neste caso estamos perante uma situação de confusão, em que segundo o art.868.º e ss do
CC, ocorre quando se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor,
extinguindo-se o crédito e a dívida.

Sendo a obrigação solidária temos de ter em atenção o disposto no art.869.º/1 do CC, em que
o legislador trata em específico o regime das obrigações solidárias, pelo que não libera os
demais devedores na totalidade da obrigação, mas apenas na parte relativa ao devedor
diretamente atingido por ela. Assim sendo, o B e C continuam devedores solidários perante a
A que sucedeu a D, mas deduzindo à prestação integral a quota correspondente ao antigo
devedor.

Se C se tornasse insolvente, o prejuízo daí resultante recairá não apenas sobre B, mas também
sobre António, novo credor, ex condevedor, ou seja, a nova quota- parte de C, que era de
30000€ é repartida entre B e A, sendo que isto não decorre diretamente da lei, porque o
art.526.º/1 do CC refere-se apenas à hipótese em que o devedor tenha sido exonerado pelo
credor não aos casos em que a sua exoneração resulte da lei, como é o caso da confusão, no
entanto a nossa doutrina tem entendido aplicar a solução do art.526.º nº1 do CC à confusão.

5) Suponha agora que César é titular de um contra-crédito face a Daniel, no valor de €


90.000. Tendo Daniel exigido o cumprimento a Bruno, pode este recusar-se a pagar
invocando esse contra-crédito e declarando extinta a obrigação por compensação?

A compensação é outra causa de extinção das obrigações e está prevista nos art.847.º e ss do
CC, sendo o meio de o devedor se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito
equivalente de que disponha sobre o seu credor.

Para que possa haver compensação têm de estar verificados os requisitos do art.847.º do CC.
A compensação, segundo o art.848.º/1 do CC, torna-se efetiva mediante declaração de uma
das partes à outra.

Pode o B invocar a compensação como meio de defesa?

47
O devedor pode invocar os meios comuns de defesa e os meios que pessoalmente lhe digam
respeito, pelo que neste caso, B não pode opor a compensação como meio de defesa, porque
o a compensação é o meio de defesa pessoal de C que é quem tem o contra- crédito de
90000€, mas se C terá de invocar a compensação, nos termos do art.848.º/1 do CC, mediante
declaração dirigida a D, a dívida extingue-se me relação a todos os devedores solidários,
segundo o disposto o art.523.º do CC.

C compensando, nasce nas relações internas, um direito de regresso face aos restantes
condevedores.

6) Suponha, agora, que Daniel interpela António, no dia 1 de março de 2024, para que
ele cumpra a obrigação. De imediato, este entrega-lhe € 90.000 em dinheiro e parte de
férias para a Austrália, sem informar Bruno e César do pagamento efetuado. No dia 21
de março de 2024, Bruno, preocupado, envia a Daniel um cheque de € 90.000, que este
desconta. Quando Bruno exige a António os € 30.000, este diz-lhe que já havia pagado.

a) Quid iuris?

Quanto ao tempo do vencimento, as obrigações podem ser classificadas como:

● Obrigações puras: são obrigações que por falta de estipulação ou disposição em


contrário se vencem logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu
cumprimento ou pretenda realizar a prestação devida.
● Obrigações a prazo: o cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte
antes de decorrido certo período ou chegada certa data.

Em regra, as obrigações são puras, sendo a solução que supletivamente resulta do art.777.º/1
do CC.

Na falta de indicação em contrário, parece que estaremos perante uma obrigação pura, o que
significa que D pode a todo o tempo exigir de qualquer um dos devedores solidários a
realização da prestação integral. D optou por interpelar o A, que quando interpelado deve
cumprir sob pena de ficar constituído em mora, como alude o art.805.º do CC.

O cumprimento da obrigação pelo A libera todos os condevedores face ao credor comum,


segundo ao art.512.º/1 do CC e art.523.º do CC, extinguindo a dívida.

B preocupado envia o cheque a D para cumprir uma obrigação que já se encontrava extinta,
logo B pode exigir de D a repetição do indevido, nos termos do art.476.º/1 do CC.

Quer A, condevedor de B e D, credor comum, desrespeitaram deveres acessórios de conduta,


emergentes do princípio da boa-fé na execução dos contratos que está plasmada no art.762.º/2
do CC.

48
A e B estão unidos entre si por uma relação interna, da qual emergem comportamentos de
boa-fé, devendo A informar B dos comportamentos efetuados e D tendo já visto o seu crédito
satisfeito, não devia ter descontado o cheque de B, logo ambos tinham a obrigação de
informar o B que a obrigação já tinha sido cumprida.

Assim, ambos respondem pelos danos que o B tenha eventualmente sofrido por não ter sido
informado dos danos do cumprimento.

b) Considerando que Daniel tinha demandado António e que este não cumprira, podia
Daniel exigir a Bruno o pagamento do capital e dos juros de mora?

Sendo a obrigação pura, esta vence-se com a interpelação do devedor, incorrendo o devedor
se não cumprir em mora, dos art.805.º/1 do CC.

Uma das consequências que a lei associa à mora do devedor é, segundo o art.804.º/1 do CC, a
obrigação de indemnizar os danos que o atraso da prestação causa ao credor.

Nas obrigações pecuniárias são obrigações que tendo por objeto dinheiro visam proporcionar
ao credor o valor que as respetivas espécies possuam como tais. A indemnização, nas
obrigações pecuniárias, corresponde aos juros a pagar que começam a contar do dia da
constituição em mora, de acordo com o art.806.º/1 do CC.

Nota importante: Os juros moratórios só se aplicam quando esteja em causa uma obrigação
pecuniária.

Assim, o Daniel pode exigir de B o pagamento dos juros de mora, resultantes do não
pagamento de A?

A lei não trata esta questão expressamente, mas consideramos que A como deu causa à mora
deverá pagar os juros moratórios e não o B, por aplicação analógica do art.520.º do CC.

Em homenagem ao princípio que é relativo a que cada um dos devedores solidários não deve
beneficiar nem prejudicar os demais, o legislador no art.520.º do CC estabelece que a
indemnização devida pelos danos que a impossibilidade do cumprimento tenha causado ao
credor cabe apenas ao devedor solidário que deu causa à impossibilidade.

A mora de um dos devedores solidários merece o mesmo tratamento, pelo que se sustenta a
solução do art.520.º do CC às situações de mora.

49
CASO PRÁTICO N.º 12: Modalidades das obrigações quanto ao objeto

No dia 1 de março, André dirigiu-se ao stand de automóveis de Bruno, onde adquiriu


um Toyota Yaris. As partes acordaram que Bruno prepararia o automóvel e faria a
entrega, no dia 10 do mesmo mês, no domicílio de André. Porém, no dia 5 de março, e
sem que se possa atribuir culpa a Bruno, deflagra um incêndio no stand que destrói
todos os automóveis que aí se encontravam.

a) Quid iuris, se Bruno já tivesse escolhido o automóvel de André, já o estivesse a


preparar – integrando os acessórios adicionais devidos – e, inclusivamente, já tivesse
comunicado esse facto ao comprador? Momento da concentração

Entre o A e B foi celebrado um contrato de compra e venda de um automóvel Toyota Yaris,


emergindo para a obrigação de pagar o preço que é uma obrigação pecuniária e para B nasce
uma obrigação de entrega da coisa vendida.

B obriga-se a entregar um veículo Toyota Yaris, sendo esta uma obrigação genérica.

O que caracteriza as obrigações genéricas é que vêm reguladas no art.539.º e ss do CC, cujo
objeto mediato está apenas determinado pelo seu género, mediante a indicação de
características que se distinguem pela sua quantidade, ou seja, o objeto imediato da obrigação
é a prestação e o objeto mediato é o objeto da prestação debitória (Toyota Yaris).

O género pode ser mais ou menos extenso, variando quanto mais forem as notas definidoras
do género, mais reduzido é o género. O género não pode ser extenso ou vago ao ponto de
ficar prejudicada a determinabilidade da prestação, requisito de validade da prestação, nos
termos do art.540.º do CC.

O facto de a obrigação ser genérica implica que tenha de haver um processo de


individualização dos espécimes dentro do género, sendo a chamada escolha. Segundo o
art.539.º do CC, a sua escolha compete ao devedor que, neste caso, era B.

A escolha deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não forem escolhidos,
logo o devedor deve entregar coisas que caibam dentro do género, não podendo prestar as
piores coisas dentro do género, nem o credor pode exigir que preste as melhores, estando
num grau intermédio.

Nas obrigações genéricas temos de perceber se houve concentração, porque é no momento da


concentração da obrigação que se dá a transferência do direito real de propriedade, o que
releva para efeitos de risco, na medida em que a regra entre nós é que o risco de perecimento
da coisa recai sobre o proprietário.

50
No plano das relações internas, o devedor que satisfaz o direito do credor, além da parte que
lhe compete do débito comum vê nascer um direito de regresso na sua esfera, por parte dos
outros condevedores, de acordo com os art.516.º e 524.º do CC.

A obrigação de Bruno é uma obrigação genérica, que se caracterizam, de acordo com o


art.539.º e ss do CC, cujo objeto é determinado pelo seu género e quantidade.

A obrigação é genérica porque o objeto é composto por uma prestação debitaria que está
definido por referência a um género e a 1 quantidade.

A escolha é do devedor, em regra, segundo o art.539.° do CC, sendo esta a regra supletiva.

Teríamos de averiguar qual o momento capital na vida das obrigações genéricas?

É o momento da concentração da obrigação. A concentração da obrigação genérica é o


momento em que está se converte em obrigação específica, pelo que o devedor passa a dever
a coisa determinada dentro do género e já não qualquer outra do mesmo género.

No momento da concentração dá-se a transferência do direito real de propriedade, o que


releva para efeitos do risco, na medida em que a regra entre nós é que o risco de perecimento
da coisa corre por conta do seu proprietário (“res perit domino”), de acordo com o art.796.°/1
do CC.

Assim sendo, nos contratos de compra e venda específica e determinada a transferência do


direito real dá-se por mero efeito do contrato, como alude o art.408.°/1 do CC. Todavia,
quando a transferência da propriedade se refere a coisas indeterminadas aplica-se a norma do
nº2, ou seja, o direito de propriedade transfere-se, em regra, quando a coisa é determinada ou
há conhecimento das partes. Mas reparar-se que no art.408.°/2 do CC se ressalva a doutrina
especial das obrigações genéricas, isto é, a transferência da propriedade sobre as coisas só se
dá com a concentração, o que significa que se a obrigação tiver por objeto mediato uma coisa
indeterminada, mas se for uma obrigação genérica, a transferência do direito de propriedade
não segue o regime do art.408.°/2, mas sim o do art.539.° e ss do CC.

Temos de perceber olhando para o regime das obrigações genéricas quando se dá a


concentração.

A concentração dá-se, de acordo com o art.541.° do CC, antes do cumprimento, mas não se
verificando nenhuma das causas do art.541.° do CC, então a concentração dá-se com o
cumprimento.

Quando no art.541.° do CC se diz “quando o género se extinguir a ponto de restar apenas


uma das coisas nele compreendidas”, temos de entender em termos hábeis, pelo que não é
necessário que o género se extinga ao ponto de restar 1 unidade, mas basta que reste uma
quantidade igual ou inferior há que é devida.

51
Seguramente, é importante referir se já houve concentração ou não, por que a escolha já
sabemos que ocorreu e, via de regra, não releva, então temos de verificar se ocorreu alguma
das causas antes do cumprimento do art.541.° do CC, o que não se verifica.

Neste caso, o cumprimento dá-se com a entrega do automóvel no dia 10 de março no


domicílio do André, contudo com o incêndio os automóveis que o Bruno tinha no armazém
destrói todos os automóveis que ele tem em armazém, incluindo o da obrigação, tem lugar
quando a obrigação ainda não tenha ocorrido, logo a propriedade e o risco que a acompanham
ainda não se tinha transferido para o credor André.

Assim, o risco corre por conta do Bruno que, segundo o art.540.° do CC, enquanto houver
coisas dentro do género fixado, continua adstrito ao vínculo obrigacional, mesmo que as
coisas perecidas sejam aquelas com que pensava cumprir ou que havia já escolhido.

Em regra, o género nunca perece ("genus nunquam perit”), pelo que Bruno continua
vinculado a entregar um veículo do mesmo género, marca e modelo, incorrendo, se não o
fizer, em incumprimento. Não tendo mais automóveis em armazém teria de adquirir a um
fornecedor para cumprir a obrigação.

b) Qual seria a solução se - mantendo todos os demais elementos da alínea anterior –


André tivesse adquirido um Toyota Yaris azul daqueles que Bruno tinha em stock?

Quantas mais notas acrescentarmos ao género, mais ele se reduz, pelo que no início era um
Toyota Yaris, mas acrescenta-se a cor azul.

Assim, o foco nesta questão é que continuamos a ter uma obrigação genérica de género
limitado, que é o automóvel Toyota Yaris azul existente em stock.

Quando o incêndio se deu, a concentração ainda não tinha ocorrido, e com isso não se operou
a transferência da propriedade e do risco, sendo o Bruno o proprietário da coisa e responsável
pelo risco, por coisa fortuita ou de causa maior.

Agora, neste caso, temos extinção do género, porque como o género está limitado aos
automóveis Toyota Yaris azul em stock há extinção do género, o incêndio destrói todos os
automóveis deste género.

Deste modo, extinguindo-se todo o género limitado, o devedor fica exonerado de cumprir, de
acordo com o art.540.° do CC.

Assim, temos uma impossibilidade objetiva do cumprimento por causa não imputável ao
devedor, o que de acordo com o art.790.° do CC, leva à extinção da obrigação.

Tratando-se de um contrato bilateral sinalagmático aplica-se o art.795.°/1 do CC, nos termos


do qual fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito de exigir a restituição
das prestações que já tenha realizado, o que significa que o André fica desonerado da

52
obrigação de pagar o preço e caso já tenha pago o preço pode exigir a sua restituição, nos
termos fixados pelo enriquecimento sem causa, porque estamos perante uma causa não
imputável ao devedor, então não se aplica a restituição ao abrigo do incumprimento.

c) A resposta seria diversa, se António tivesse adquirido o Toyota Yaris cinzento que se
encontrava em exposição no stand?

A resposta seria diversa, porque teríamos uma obrigação específica, cujo objeto mediato é
individual e fixado. Bruno encontra-se adstrito a uma coisa específica e determinada, que se
encontrava em exposição no stand.

Por via de regra, nos termos do art.408.°/1 do CC, a transferência do direito real dá-se por
mero efeito do contrato, logo a propriedade do automóvel transfere-se para a esfera jurídica
do André, no momento de celebração do contrato, sendo que se transfere o risco, de acordo
com o art.796.°/1 do CC.

Por causa não imputável ao devedor, a prestação tornou-se impossível, o que nos termos do
art.790.° do CC determina a extinção da obrigação.

Como a propriedade sobre a coisa já se tinha transferido para o André, logo aquando da
celebração do contrato, o risco do vínculo do perecimento da coisa, devido ao incêndio, o
André não goza do direito conferido pelo art.795.°/1 do CC, tendo de entregar o preço devido
ou podendo o Bruno retê-lo se o preço já tiver sido entregue.

d)

1) Suponha que não se tinha verificado qualquer incêndio e que as partes contratuais
acordavam que o Toyota Yaris seria enviado a André por comboio. Quid iuris, se o
comboio em que o automóvel era transportado sofresse um descarrilamento e todas as
mercadorias que nele se encontravam ficassem totalmente destruídas?

Neste caso, estamos perante uma promessa de envio, consagrada no art.797.° do CC.

Assim, o Bruno apenas se obriga a enviar a coisa para determinado local, mas não se obriga a
entregá-la nesse local, ou seja, o transporte ferroviário não será efetuado pelo devedor ou
auxiliar do devedor, pelo que a concentração da obrigação se dá com a entrega do automóvel
ao transportador, de acordo com o art.541.° do CC, antes da chegada da coisa ao destino.

Com a concentração dá-se a transferência do direito real de propriedade e do risco que o


acompanha, sendo o automóvel da propriedade de André, o risco do transporte corre por sua
conta, logo não poderá exigir a restituição do preço, caso já tenha pagado e terá de pagar, se
ainda não o tiver feito.

53
2) Suponha agora que se tinha acordado que o cumprimento se realizaria no domicílio
de André. Bruno opta por enviar o Toyota Yaris por comboio. Quid iuris se o comboio
descarrilasse?

Aqui já não estamos no âmbito de aplicação do art.797.° do CC, em que o devedor se


compromete a colocar a coisa no meio de transporte, mas assim o devedor compromete-se a
entregar no domicílio do credor.

A transferência da propriedade e do risco só se dá com o cumprimento, isto é, com a entrega


da coisa, pelo que tendo a coisa perecido antes da concentração a propriedade ainda não se
havia transferido, correndo o risco por conta do Bruno e não tendo o género se extinguido, o
devedor continua adstrito a cumprir, entregando outro automóvel, embora não responda por
mora (danos provenientes do atraso do incumprimento), uma vez que o descarrilamento não
lhe é imputável, de acordo com o art.792.° do CC.

CASO PRÁTICO N.º 13: Modalidades das obrigações quanto ao objeto

A vende a B um dos seus dois cavalos lusitanos, o cavalo X ou o cavalo Y,


combinando-se que a entrega do animal se faria no primeiro dia da Feira do Cavalo a
realizar em Santarém. Quando C, empregado de A, transporta os cavalos para a
referida feira, despista-se, numa curva fechada, devido à velocidade excessiva em que
conduzia. Deste acidente resulta a morte do cavalo Y. Quando B sabe o que ocorrera,
recusa-se a aceitar o cavalo X e a pagar o preço.

a) Quid iuris?

Estamos perante uma obrigação alternativa.

As obrigações alternativas são aquelas que compreendem 2 ou mais prestações, mas em que o
devedor se libera mediante a realização de 1 só, ou seja, daquela que vier a ser determinada
por escolha.

As obrigações alternativas vêm reguladas no art.543.° e ss do CC. O vínculo obrigacional


abrange várias prestações, mas o cumprimento fixa-se apenas numa delas.

A obrigação de A é alternativa, porque está adstrito a uma das duas prestações, consoante a
escolha que será efetuada.

O momento decisivo da obrigação alternativa é a escolha; que é o ato de seleção, pelo qual se
opera a concentração da obrigação a uma das prestações em alternativo a que o devedor se
acha adstrito e em consequência, do direito real e de risco.

54
A escolha pode ser atribuída ao credor, devedor ou a um terceiro.

A atribuição do poder de escolha ressente-se nos efeitos da possibilidade de escolha de alguns


dos efeitos em alternativa. Em falta de determinação em contrário, a escolha compete ao
devedor, de acordo com o art.543.°/2 do CC.

Nada tendo sido determinado em contrário, cabe a A escolher qual dos cavalos entregará a B,
se o cavalo X ou o cavalo Y. Durante o transporte, um dos cavalos morre, logo ganha aqui
relevo o regime da impossibilidade. Temos uma situação de impossibilidade superveniente,
porque uma das prestações em alternativa torna-se impossível em momento posterior à
constituição da obrigação.

Esta impossibilidade é de causa imputável a A, que é o devedor, porque o despiste ficou-se a


dever à velocidade em que conduzia C, que é um auxiliar de A no cumprimento.

Assim, A responde pelos atos de C, como se fossem praticados por ele próprio, de acordo
com o art.800.° do CC. A presunção de culpa (art.799.° do CC) seria difícil de ilidir, porque o
acidente deveu-se a excesso de velocidade de um auxiliar seu.

Sempre que se trata de uma impossibilidade por causa imputável ao devedor temos de
remeter para o art.546.° do CC, sendo que neste caso, a escolha compete ao devedor, logo
aplicarmos o art.546.°/1ª parte do CC, em que a obrigação se reduz à prestação possível,
concentrando-se numa delas quando 1 só seja a prestação possível.

Não se concede ao devedor, como sanção contra a sua culpa, a faculdade de escolher a
prestação que se tornou impossível entregando ao credor o valor respetivo. Por outro lado,
esta solução não apresenta nenhuma violência para o credor, porque ele estava sujeito antes
da impossibilidade a que o devedor optasse por qualquer uma das prestações.

B não tem razão para recusar a prestação e para pagar o preço, pelo que o devedor A tanto
podia entregar o cavalo X ou o Y, logo o credor entra em mora, porque recusa a prestação
sem motivo justificado, como alude o art.813.° do CC.

O preço deve ser pago, na falta de convenção em contrário, deve ser pago no momento e no
lugar da entrega da coisa vendida, de acordo com o art.885.° do CC, o que não sucedeu, pelo
que B entra em mora, enquanto devedor.

A obrigação sendo pecuniária, indemnização corresponde aos juros moratórios, de acordo


com o art. 806.°/1 do CC.

b)

1) E se tivesse sido acordado que a escolha do cavalo caberia a B?

55
Assim, mantém-se a impossibilidade superveniente que é imputável ao devedor, mas com a
diferença que a escolha compete ao credor da obrigação alternativa que era B.

B poderia optar por qualquer um dos cavalos. Quando assim seja, não seria justo que a
impossibilidade limitasse o poder de escolha do credor, impedindo nomeadamente de optar
pela prestação que o devedor culposa ou dolosamente tornou inviável, sensível a esta
consideração, o legislador no art.546.°/2ª parte do CC tem 3 opções:

1) Exigir uma das prestações possíveis- neste caso, seria B poder exigir a entrega do
cavalo X, pagando o devido preço;

2) Indemnização pelos danos provenientes de não ter sido efetuado a prestação que
se tornou impossível- mantém o contrato e continua por isso vinculado à
realização da sua contra prestação, ou seja, B exige uma indemnização pelos
danos resultantes de não lhe ser entregue o cavalo Y e paga o preço ;

3) Resolver o contrato- B resolvendo fica desvinculado da sua contraprestação ou


tendo direito à sua restituição caso já a tenha realizado. Embora a lei não o diga de
forma expressa, decorre do regime geral para o qual a lei remete, que é a hipótese
de o credor ser indemnizado. Há uma querela doutrinal que incide sobre a questão
de saber como se calcula esta indemnização que é cumulável com a resolução do
contrato:

· só se pode cumular uma indemnização pelo interesse contratual negativo


(Antunes Varela)- coloca-se o credor na situação que estaria se não tivesse
celebrado o contrato;

· Doutrina mais recente (Batista Machado, Ribeiro de Faria): com a resolução


do contrato é cumulável uma indemnização pelo interesse contratual positivo.

Nesta hipótese B resolve o contrato ficando desvinculado à obrigação de pagamento do preço


ou sendo restituído pelo que pagou, sendo a indemnização por interesse positivo ou negativo,
consoante a posição que se adote.

2) E, nessa hipótese, quid iuris se a morte do cavalo ocorresse por abatimento


tornado imprescindível devido a várias fraturas sofridas pelo animal causadas
pelo descuido de B quando testava as capacidades daquele?

O direito de escolha continua a caber ao credor, mas a impossibilidade é imputável ao credor


e não ao devedor; como acontecia nas hipóteses anteriores.

Assim, aplicamos o regime do art.547.° do CC que considera cumprida a obrigação, como se


o credor culpado tivesse escolhido a prestação, cuja obrigação seria impossível.

56
Esta solução não afeta os interesses do devedor, constituindo uma sanção que se impõe ao
credor que culposamente tornou inviável uma das prestações em alternativa.

c) Suponha que se tinha acordado que A entregaria o cavalo X, embora se


reservasse o direito de ele prestar o cavalo Y, em vez daquele. Quid iuris se o
primeiro animal fosse morto pelo condutor de um veículo automóvel que se pôs
em fuga?

A obrigação de A é uma obrigação com faculdade alternativa à parte debitoris.

A obrigação tem por objeto uma só prestação, mas desonera-se através de outra sem ter de ter
o consentimento do credor- faculdade de substituição. O que caracteriza é que a obrigação
tem por objeto uma só prestação, mas o devedor tem a factualidade de se desonerar, sem
necessidade de acordo posterior do credor. O credor não pode exigir a prestação alternativa,
mas terá de a aceitar se o devedor escolher facultá-la, sob pena de incorrer em mora.

Aqui deixou de haver lugar a uma escolha, pois passa a ser a única prestação possível. As
obrigações alternativas compreendem duas ou mais prestações.

Assim, haverá implicações como o facto de nascendo a obrigação de um contrato que importa
a transferência de um direito real, o direito transfere-se por mero efeito de contrato, de acordo
com o art.408º/1 do CC, em que a partir daí passa a correr por conta de B o risco, como alude
o art.796.º do CC.

Deste modo, propriedade sobre o cavalo X vai-se transferir para o B, que passa a correr o
risco do perecimento da coisa.

Sendo o cavalo X morto temos uma situação de impossibilidade superveniente e objetiva do


cumprimento, mas coloca-se a questão de se essa impossibilidade é imputável ao devedor?

A resposta será não, pelo que a consequência é a extinção da obrigação, nos termos do
art.790.º/1 do CC, dado que como a propriedade já pertencia ao B, é o B quem suporta o risco
do seu perecimento.

Em suma, B não vai poder exigir a restituição do preço ou terá de pagar, se ainda não o tiver
feito, o preço devido pelo cavalo X, acrescendo ao direito de indemnização que nasce contra
o condutor.

CASO PRÁTICO N.º 14: Obrigações de juros

No dia 1 de novembro de 2023, a empresa Y, sediada em Lisboa, vende à empresa X,


sediada no Porto, 15.000 computadores da marca 000, modelo 123, por 20.000 euros.

57
1. Acorda-se que os computadores deveriam ser enviados pela empresa Y, por
transporte rodoviário, a ser efetuado no dia 5 de janeiro e o pagamento do preço
deveria ser efetuado 5 dias depois. Os computadores são entregues ao
transportador Z. No percurso de Lisboa para o Porto, o camião em que os
computadores são transportados é atingido por um raio, incendeia-se e toda a
mercadoria é destruída. A empresa X não quer pagar o preço enquanto a
empresa Y não enviar outros 15.000 computadores da marca 000, modelo 123.
Quid iuris?

Estas duas empresas celebraram um contrato de compra e venda, do qual emergem


obrigações para ambas as partes, para a Y a obrigação de entrega de 15 000 computadores
daquela marca e modelo, sendo uma obrigação genérica (aquelas em que o objeto mediato
da obrigação está determinado apenas pelo seu género- computadores marca 000, modelo
123- e quantidade- 15 000), para a empresa X nasce a obrigação de pagar o preço,
20.000€, sendo uma obrigação pecuniária.

Na falta de determinação em contrário a escolha do género da coisa cabe ao devedor, neste


caso Y, como consta do art.539.º do CC.

As partes acordaram que os computadores deviam ser enviados pela empresa Y por
transporte rodoviário, tendo uma dívida de envio, nos termos do art.797.º do CC, dando-se a
concentração da obrigação com a entrega pela empresa Y dos 15 000 computadores ao
transportador Z (art.541.º do CC), operando-se, nesse momento, a transferência da
propriedade e do risco (art.408º/2 do CC+ art.796.º/1 do CC).

Como o risco já incorria por sua conta, X teria de pagar o preço, não tendo motivo
justificativo para não o fazer. Assim sendo, não pagando o preço na data acordada, 10 de
janeiro, sem motivo justificativo para tal, a empresa X ficará constituída em mora, de acordo
com o disposto art.805.º/2/a) do CC.

A mora do devedor tem a consequência a indeminização dos juros a contar do dia da


constituição em mora, por ser uma obrigação pecuniária (art.806.º do CC).

Em suma, não pagando o preço na data convencionada a empresa X entra em mora, ficando
obrigado a pagar juros moratórios.

Na falta de estipulação em contrário, os juros devidos são os juros legais (art.806.º/2 do CC),
juros esses que são fixados por portaria ministerial e variam consoante sejam:

● créditos civis (aplicação o art.559.º do CC, neste momento está a uma taxa de 4%,
como alude a Portaria nº291/2003);
● créditos comerciais (são devidos juros comerciais e aplica-se o art.102.º Código
Comercial- a lei comercial distingue quando estejamos perante uma transação
comercial sujeita ao Decreto-Lei nº62/2013 de 10 de maio e as taxas de juro variam
em função disso).

58
Aqui parece que estaremos perante juros comerciais, a taxa de juro comercial supletiva atual
é de 12,5%, de acordo com a Portaria nº277/2013, de 26 de agosto e aviso 1850/2024 que
venceriam a contar a partir da mora de X, os 20.000€ a taxa de 12,5%.

2. Suponha que, em janeiro de 2023, W empresta 100.000 euros à empresa X, pelo


prazo de 2 anos, fixando-se juros de 5% ao ano, com vencimento anual. Pode W,
decorrido um ano, não pagando X os 5.000 euros de juros, juntá-los ao capital?

Estamos perante um contrato mútuo, pelo qual W emprestou a X 100.000, ficando X


obrigado a restituir o capital mutuado findo os dois anos. Temos um mútuo oneroso, porque
as partes convencionaram o pagamento de juros como retribuição de mútuo.

Os juros são os frutos civis constituídos por coisas fungíveis que representam o rendimento
de obrigação de capital, correspondendo à contrapartida pela disponibilidade de capital em
determinado período de tempo.

O seu montante varia em função de 3 fatores:

● valor do capital cedido;


● tempo da cedência;
● taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes, de acordo com o
art.559.º e ss do CC, complementado por um conjunto amplo de regimes específicos
aplicados a créditos comerciais- art.102.º do CSC- e créditos as instituições de crédito
e sociedades financeiras.

Coloca-se a questão de saber se W podia, decorrido um ano e não pagando a empresa X os


5.000 € de juros, podia juntá-los ao capital (capitalização de juros ou anatocismo).

O que acontece na capitalização de juros é vencendo-se a obrigação de juros ela extingue-se e


a quantia de juros é junta ao capital com o seu correspondente aumento nesse valor e sobre o
novo montante passam a incidir juros.

No fundo, W está a perguntar se pode pegar nos 5000 € devidos a título de juros, juntá-los
aos 100000 € e se aos 105000€ passam a incidir juros de 5%. O anatocismo é permitido com
limites, consagrados no art.560.º do CC, em que a nossa lei só permite o anatocismo desde
que haja convenção posterior ao vencimento dos juros ou notificação judicial ao devedor para
capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização, de
acordo com o nº1 do art.560.º do CC, em qualquer dos casos, só pode abranger os juros
correspondentes ao período mínimo de 1 ano (nº 2).

Esta imposição de limites explica-se com a dificuldade de o devedor poder cautelar o


montante da extensão futura da sua divida, que poderá atingir valores inesperados, podendo
levar a um aumento grande do valor em dívida sem que ele se aperceba. No domínio do

59
direito bancário vigora um regime específico do anatocismo, sendo um regime mais
permissivo.

Em suma, concluímos que a capitalização de juros é permitida desde que respeitados os


limites do art.560.º do CC.

3. Suponha agora que, no dia 1 de novembro de 2023, a empresa Y,


norte-americana, vende à empresa X, portuguesa, 15.000 computadores. É
acordado o preço de 35.000 dólares a ser pago, no dia 1 de fevereiro de 2024, na
filial da empresa Y, situada em Lisboa. Pode a empresa X, na data de
vencimento, compensar o crédito da empresa Y com um contra-crédito que tem
sobre a última, já vencido, no valor de 30.000 euros?

O contrato em causa é um contrato de compra e venda e da celebração de contrato emerge


para a empresa X o pagamento do preço (35000 dólares) e esta obrigação é pecuniária
valutária (obrigações pecuniárias cujo montante está fixado com curso legal apenas no
estrangeiro), a questão que se coloca é se a empresa X pode compensar o crédito da empresa
Y em dólares com um contra crédito seu em euros.

A nossa lei consagra, nos art.847.º e ss do CC, como forma de extinção de obrigações a
compensação que é o meio pelo qual o devedor se pode livrar da obrigação por extinção
simultânea do crédito equivalente de que disponha o seu credor, tornando-se efetiva mediante
declaração de uma das partes à outra.

Para isso têm de estar verificados os requisitos do art.847.º do CC e assinala a alínea b) que
as duas obrigações têm de ter por objeto coisas fungíveis, da mesma espécie e qualidade. Por
isso a questão sobre a compensação de crédito dependerá do tipo de obrigação valutária que
aqui tenhamos.

Esta tem 3 modalidades de obrigações valutárias:

● próprias ou puras: quando o cumprimento da obrigação só pode ser realizado em


moeda com curso legal em estrangeiro, não podendo o credor exigir pagamento na
moeda nacional, nem o devedor entregar moeda nacional;
● impuras ou impróprias: a moeda com curso legal no estrangeiro funciona como
moeda de cálculo do montante de dívida, tendo de ser realizado em moeda nacional);
● mistas: obrigação com faculdade alternativa na parte debitoris, em que só pode exigir
moeda com curso legal no estrangeiro, mas o devedor pode pagar em moeda nacional.

Neste caso, as partes apenas fixaram o preço em dólares, por aplicação do art.558.º/1 do CC,
pelo que temos uma obrigação valutária mista, logo a empresa X poderia optar por cumprir a
obrigação em euros, segundo o câmbio do dia e lugar do cumprimento (dia 1 de fevereiro de
2024, em Lisboa), compensado o crédito da empresa Y com o contra crédito que dispunha
sobre ela.

60
4. Suponha, por fim, que X devia a Y 20.000 euros, e que o prazo prescricional
já havia decorrido. Imagine que X, depois de declarar a Y que a dívida já
tinha prescrito, paga-lhe. Entretanto, arrepende-se do seu comportamento.
Quid iuris?

A dívida prescrita é uma obrigação natural, logo o credor não pode exigir coativamente o
cumprimento da obrigação natural, mas verificando-se o cumprimento pelo devedor, pode
reter a prestação a título de pagamento, de acordo com o art.304.º do CC.

X podia recusar o cumprimento da obrigação, como alude o art.304º, e Y não podia exigir
judicialmente a dívida, executando o património de X, por força do art.817.º do CC.

Deste modo, X teria de cumprir a dívida prescrita espontaneamente e, tendo capacidade de


efetuar a prestação, Y tem o direito de reter a prestação, podendo opor-se à repetição do
indevido, de acordo com o art.304º/2).

CASO PRÁTICO N.º 15: Cumprimento das obrigações

No início de setembro de 2023, António vende a Bernardo um determinado terreno por


45.000 euros. Convencionam que o preço deveria ser pago 6 meses depois. Tendo
decorrido esse tempo, Bernardo não paga.

a) Poderá Cristiano, primo de Bernardo e seu fiador, realizar o pagamento, tendo


em conta que Bernardo se opõe a esse ato?

A questão que se coloca é se um terceiro fiador pode cumprir a obrigação de bernardo que
convoca o problema de quem tem legitimidade para cumprir.

Nos termos do art.767.º/1 do CC estabelece-se que a prestação pode ser feita pelo devedor ou
terceiro interessado ou não no cumprimento da obrigação.

O cumprimento poder ser efetuado pelo devedor ou terceiro, a menos que a prestação seja
natural ou convencionalmente infungível.

Tratando-se de uma obrigação pecuniária, a prestação é naturalmente fungível, o que


significa que ressalvada as hipóteses de convenção da infungibilidade, a prestação pode ser
realizada por terceiro.

Há uma oposição de B ao cumprimento de terceiro, pelo que nos termos do art.768.º/1 do CC


quando a prestação puder ser efetuada em terceiro o credor que recuse incorre em mora do
credor, de acordo com o art.813.º e ss do CC.

O credor pode, porém, recusar a prestação desde que o devedor se oponha ao cumprimento e
o terceiro não possa ficar sub-rogado nos termos do art.592.º do CC.

61
Para sabermos se o credor pode recusar a prestação temos de saber se o C pode ficar
sub-rogado, em caso afirmativo, o credor não pode recusar a prestação. Analisando o
art.592.º do CC, o C pode ficar sub-rogado, porque ele garante o cumprimento da dívida,
constitui-se fiador de B, nos termos do disposto art.627.º e ss do CC).

Em suma, mesmo tendo havido oposição de B, A não podia recusar, pelo que não há extinção
da dívida, porque o crédito transmite-se para C.

b) Suponha agora que Cristiano era fiador de outras obrigações assumidas pelo seu
primo, mas não da que para ele emergiu do contrato suprarreferido. Quid iuris, se
Cristiano tivesse pagado o valor em dívida por estar convencido de que tinha garantido
esta dívida?

Em princípio a prestação pode ser efetuada por terceiro, de acordo com o art.767.º/1) do CC,
só assim não será se for infungível, o que aqui não seria o caso.

O que sucede é que C cumpre a prestação de B, na convicção errónea de se ter constituído


fiador de B no cumprimento dessa obrigação. Esta situação é subsumível ao art.478.º do CC,
em que C apenas teria direito de repetição do indevido contra o A se este estivesse de má-fé.

O C já não poderia exigir a repetição do indevidamente prestado, extinguindo-se a obrigação


de B para com A e C apenas tem direito de exigir de B, devedor exonerado, aquilo com que
ele injustamente enriqueceu.

c) Se Bernardo não cumprir, pode um amigo seu, Nuno, pagar os 45.000 euros?
Nessa hipótese, como se regulam as relações entre Bernardo e Nuno?

A questão que se coloca diz respeito aos efeitos de cumprimento por terceiro e a este
propósito pode ter lugar uma multiplicidade de hipóteses:

Pode acontecer que, por via do cumprimento, o N venha assumir a posição do credor, A e,
assim, será se tiver havido sub-rogação que pode ser:

● Legal, consagrada no art.592.º do CC;


● Convencional e pode ser pelo credor, de acordo com o art.589.º do CC ou pelo
devedor, como alude o disposto no art.590.º do CC.

Neste caso, o cumprimento pelo N não vai extinguir a dívida, porque há uma transmissão do
crédito. O B continua adstrito à dívida, o que muda é o credor, passando a ser N, não sendo a
situação mais habitual.

Assim, a extinção da obrigação que o terceiro cumpre e o nascimento de crédito novo


resultante do facto do pagamento da dívida alheia são equacionáveis várias hipóteses:

62
● N tenha cumprido a obrigação atuando como gestor de negócios do B, caso
em que aprovada a sua gestão ou demonstrada a sua regularidade, terá direito a
ser restituído pelo dominus negotii das despesas feitas com a gestão, como
alude o disposto art.468.º do CC;
● N pode ter cumprido a obrigação em execução de contrato de mandato que
havia celebrado com B, nos termos do art.1161.º/a) do CC e, se assim for, nos
termos do art.1167.º do CC, o mandante é obrigado a reembolsar o mandatário
das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado dispensáveis.
● Pode ainda suceder que o cumprimento por N tenha carácter de doação
indireta, em vez de doar diretamente a B os meios necessários para que ele
salde a dívida, o N prefere pagar ele próprio a dívida ao credor, carecendo da
aceitação do donatário.

Note-se que se o N tivesse atuado como auxiliar de B, o cumprimento seria imputável ao B.

d) Suponha agora que António devia 45.000 euros a Joaquim em consequência da


compra de um automóvel.

1. Quid iuris se Bernardo entregasse o montante do preço do terreno ao Joaquim


e não ao António?

Está em causa a questão de saber quem tem legitimidade para receber a prestação.

O art.769.º do CC estatui que a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante,
pelo que o cumprimento a um terceiro não é liberatório.

A obrigação perante o credor mantém-se, pelo que se paga mal, paga duas vezes.

Só assim não será se se verificar alguma das situações previstas no art.770.º do CC, que
elenca um conjunto de casos excepcionais, em que o cumprimento feito a terceiro tem efeito
liberatório.

Deste modo, o B deveria cumprir perante o A, seu credor, sob pena de se o fizer a terceiro de
ter de cumprir novamente já que o cumprimento a terceiro não possui efeito liberatório.
Todavia, poder-se-ia considerar se o caso não seria subsumível à alínea d), porque A tira
proveito do cumprimento feito a terceiro, e não parece ter motivos fundados para não
considerar o cumprimento como feito a si próprio, logo parece-nos que esta situação caberia
aqui.

2. A resposta seria idêntica se António tivesse denunciado um defeito do


automóvel detetado depois da entrega e se tivesse recusado a pagar o preço a
Joaquim enquanto este não reparasse ou substituísse o veículo?

63
No contrato entre o António e o Joaquim parece haver por parte do Joaquim um cumprimento
defeituoso perante António.

O cumprimento defeituoso ocorre quando a prestação é realizada, mas não apresenta a


qualidade devida. O António está a lançar mão da exceção de não cumprimento do contrato
para constranger o J a reparar ou a substituir o veículo, nos termos do art.428.º/1 do CC.

Tem-se entendido ser lícita a invocação da exceção de não cumprimento quando o


cumprimento é defeituoso, desde que os defeitos não tenham escassa relevância.

e) Por fim, considere novamente que Cristiano era fiador de Bernardo. Aquele era
empresário do ramo da indústria têxtil. Em inícios de dezembro de 2023, arde a
fabrica de Cristiano, descobrindo-se que o seguro havia caducado por falta de
pagamento dos prémios. Quid iuris?

A fiança está prevista e regulada nos art.627.º e ss do CC.

O que sucede na fiança é que há um terceiro, o fiador, que assegura com o seu património, o
direito do credor. Em princípio, todo o património do fiador é responsável pela satisfação do
direito do credor, embora se possa convencionar a limitação da sua responsabilidade a alguns
dos seus bens.

Cristiano assegura com o seu património o direito de crédito de António sobre o Bernardo.

Em dezembro de 2023, a fábrica de Cristiano ardeu e o seguro já havia caducado, logo temos
uma diminuição da garantia do crédito.

Assim sendo, havia sido convencionado que o preço seria pago passado 6 meses da
celebração do contrato, ou seja, o contrato foi celebrado em setembro de 2023, mas a fiança
diminui acentuadamente em dezembro de 2023, logo em princípio o prazo é um benefício do
devedor, segundo o art.779.º do CC, o que significa que o devedor não pode ser compelido ao
cumprimento antes do termo do prazo que seria em março de 2024.

Há certos casos, todavia, em que o devedor perde o benefício do prazo, verificando-se a


caducidade do prazo estabelecido, porque se verificam circunstâncias que abalam e afetam a
confiança do credor, ou seja, a credibilidade do devedor.

A expectativa do cumprimento sofre na sua probabilidade de realização, sendo assim desde


logo se o devedor cair numa situação de insolvência, ainda que não judicialmente declarada,
tal como se se verificar uma diminuição das garantias imputável ao devedor, como ilustra o
disposto art.780.º do CC.

Havendo diminuição das garantias do crédito, por culpa do devedor, o credor pode optar por:

● Exigir o cumprimento imediato da obrigação;

64
● Substituição do reforço das garantias.

No presente caso, a diminuição da garantia do crédito não é imputável ao devedor B, o que


significa que não vamos poder aplicar o art.780.º do CC que pressupõe que a diminuição da
garantia do crédito seja imputável ao devedor.

A solução está no regime da fiança, de acordo com os art.627.º e ss do CC.

No art.633.º/2/3 do CC resulta que a diminuição da garantia do crédito (fiança) por facto


estranho e alheio ao devedor Bernardo tem aplicação no disposto artigo referido, ou seja, o
credor tem de, em primeiro lugar, de solicitar o reforço da garantia e só na ausência do
comportamento satisfatório por parte do devedor é que poderá recorrer à exigência imediata
da dívida.

O legislador prescreve uma sequência de procedimentos que impõe ao credor.

A exigência imediata do cumprimento da obrigação pode ser muito violenta para o devedor,
pelo que a diminuição do crédito não lhe sendo imputável é demasiado violenta para o
devedor.

Para que se aplique o art.780.º do CC a diminuição do crédito tem de ser imputável ao


devedor e o credor tem a faculdade alternativa, mas no caso não lhe é imputável, nos termos
do art.633.º do CC, tendo o devedor de reforçar a garantia.

No art.633.º do CC não é qualquer redução da garantia que releva, mas é preciso que seja
uma diminuição qualificada, enquanto no art.780.º do CC basta que haja uma diminuição da
garantia.

CASO PRÁTICO N.º 16: Não cumprimento não imputável ao devedor.

A acorda com B, mecânico, a reparação do motor seu automóvel, tendo-se, desde logo,
fixado o preço (400 euros) e a duração do conserto (toda a manhã do dia 20 de maio). Na
noite anterior à data acordada, o automóvel de A fica com o motor gripado por este se
ter esquecido de mudar o óleo. No dia 20 de maio, B espera até 60 minutos após a hora
fixada, e depois trata de outros automóveis. Estas reparações rendem-lhe 250 euros.

a) Terá A que pagar o preço da reparação?

A e B celebrara, um contrato de prestação de serviços, mais concretamente um contrato de


empreitada, no qual o mecânico B se obrigou perante a A reparar o motor do seu automóvel,
mediante um preço.

O contrato de empreitada está previsto e regulado nos art.1207.º e ss do CC, de onde surgem
obrigações para ambas as partes unidas por um nexo de causalidade, em que para o mecânico
surge a obrigação de reparar o automóvel e para A surge a obrigação de pagar o crédito.

65
Na véspera da data acordada para a reparação do automóvel, o motor ficou gripado, por A se
ter esquecido de mudar o óleo, ou seja, o motor fica mesmo sem funcionar definitivamente.

A prestação a que B se encontrava adstrito torna-se impossível, sendo classificada como


superveniente, porque ocorre em momento posterior à constituição da obrigação, objetiva,
porque ninguém pode realizar a prestação, total, porque sustenta toda a prestação e absoluta,
porque não se traduz numa mera dificuldade em cumprir. Esta impossibilidade é por causa
não imputável ao devedor.

A nossa lei no CC estrutura o não cumprimento em função de 2 eixos fundamentais:

● Causa do não cumprimento:

o Imputável ao devedor;

o Não imputável ao devedor.

● Efeitos do não cumprimento:

o Não cumprimento definitivo;

o Temporário;

o Defeituoso.

Quanto ao critério da causa temos um não cumprimento que não é imputável ao devedor e
quanto aos efeitos este incumprimento é definitivo.

A principal consequência que a lei associa a uma impossibilidade com estas características é
a extinção da obrigação, com a consequente exoneração do devedor, por aplicação do
art.790.º/1 do CC.

Integrando a prestação, cuja realização se tornou impossível, um contrato bilateral coloca-se a


questão de saber qual o destino da contraprestação, ou seja, será A obrigado a realizar a
contraprestação e com isto B direito aos 400€?

Repare-se que no art.795.º/2 do CC cuja epígrafe é “contratos bilaterais”, a consequência


normal do sinalagma funcional pressupõe que a impossibilidade não seja imputável ao credor,
nos termos do nº1 do art.795.º do CC. O destino da contraprestação tem a sua aplicabilidade
no art.795.º/2 do CC, segundo o qual o credor deve pagar ao devedor o valor devido, logo
temos de verificar se B teve algum benefício com a reparação e no dia 20 de maio espera até
60 min após a hora fixada e repara outros automóveis, logo temos de descontar aos 400€
devidos por A abatido o lucro que B teve aproveitando o tempo que de outro modo gastaria
com a reparação acordada de 250€ que daria no total um valor de 150€ que A devia pagar a
B.

66
b) Quid iuris se o motor tivesse ardido sem culpa de A, e B já tivesse adquirido um
conjunto de produtos para aplicar no motor, cujo custo ascendeu a 120 euros?

A questão que surge neste âmbito é se estamos perante uma impossibilidade total da
prestação, que é uma questão que tem sido discutida, uma vez que o devedor está em
condições, de por si, realizar a prestação devida e a via que foi ensaiada pela doutrina passou
por um alargamento o conceito de prestação para nele incumbir o conceito do credor.

A via que foi avançada por alguma doutrina alemã passou pelo alargamento do conceito de
prestação para incluir não só o comportamento a que o devedor se encontra vinculado, mas
como o comportamento a que o credor, logo a impossibilidade abrangeria os casos em que a
conduta devida não fosse possível como os casos em que a conduta deveida fosse insuscetível
de permitir o interesse do credor.

O professor Vaz Serra integra o interesse do credor no direito do crédito, sendo diferente a
posição do professor Antunes Varela que considera que a prestação não engloba o interesse
do credor, que seria um elemento estranho à prestação debitória, então a prestação nem
sempre se limitava ao círculo da realidade que é dominado pela vontade do devedor.

Vaz Serra acrescente que há muitos casos em que se verificam elementos estranhos e
circunstâncias exteriores que condicionam a atuação do devedor, de tal modo que a sua falta
gera uma verdadeira impossibilidade da prestação, como ocorre com a reparação do motor
que o mecânico se obrigou a realizar que pressupõe a existência do motor, que se ardeu, então
a prestação a que o mecânico se encontrava adstrito extingue-se.

Estes casos constituem verdadeira e autêntica impossibilidade da prestação?

A obrigação de B extingue-se com a sua consequente liberação do dever de prestar, mas resta
saber se o credor se mantém obrigado à realização da contraprestação, ou seja, A tem de
pagar o preço acordado dos 400€ e B direito ao preço acordado pela reparação?

Há quem entenda que não tendo corredor a menor culpa na verificação da causa perturbadora
da relação obrigacional nenhuma razão há para o considerar vinculado á sua contraprestação
e para não se aplicar consequentemente o regime previsto no art.795.º/1 do CC, que prevê a
perda do direito à contraprestação, por parte do devedor exonerado. No entanto, há que ter em
conta que o regime do art.795.º/1 do CC está pensado para as situações em que o devedor
chega ao pé do credor de “mãos vazias” para obrigar a cumprir. Não é isto que aqui sucede,
porque temos um devedor que se dirige ao credor disposto ao cumprimento, mas ouve do
credor que em virtude uma mudança de condições, a sua prestação se tornou irrealizável.
Tendo isto presente, apesar de o credor não ter culpa, o facto de a causa dessa frustração do
fim da prestação se referir mais a ele do que à contraparte torna justo que o devedor não perca
o direito á contraprestação, sendo que o risco da frustração do fim da prestação correria assim
por conta do credor e não do devedor.

67
O professor Antunes varela entendeu que repugnaria a solução do art.795.º do CC de obrigar
o credor a efetuar a contraprestação, mas por outro lado, também não seria justo que o
devedor houvesse de suportar o prejuízo sofrido sabendo-se que a causa da impossibilidade
se registou numa zona de riscos que é mais do credor do que o devedor, logo não seria justo
que devedor suportasse o risco sem nenhuma compensação.

Posto isto, a solução que deva valer nestes casos, de acordo com o Dr. Antunes Varela, é de
reconhecer ao devedor da prestação, que sem culpa sua se tornou impossível, o direito a ser
indemnizado quer das despesas que fez, quer do prejuízo que sofreu, por analogia com o
art.468.º do CC, pelo que na gestão de negócios, o gestor tem o direito a ser reembolsado nas
despesas que haja efetuado e no prejuízo que haja sofrido, tendo em vista o cumprimento da
obrigação.

O professor Batista Machado e o professor Ribeiro de Faria não defendem a aplicação do


art.795.º do CC, mas enquadram estes casos na 2ª parte do art.1227.º do CC com a solução de
que o devedor suporta a perda da sua renumeração, mas tem direito a ser indemnizado pelo
trabalho efetuado e pelas despesas realizadas.

No fundo, a solução apresentada por estes professores, se o contrato em causa for uma
empreitada aplica-se diretamente o art.1227.º do CC e quando não o for chega-se à mesma
solução, por via da aplicação analógica.

Neste caso, tínhamos um contrato de empreitada e, por isso, aplicava-se diretamente o


art.1227.º do CC.

Assim, B tinha direito a ser reembolsado pelas despesas que teve para cumprimento da
prestação que acabou por se extinguir (120€), mas não tinha direito ao pagamento da
prestação inicial para cumprimento da obrigação de reparação do motor do automóvel (400€).

Em suma, a solução mais adequada parece ser a que o devedor exonerado não tem direito à
contraprestação, mas tem direito a reembolso pelas despesas e prejuízos sofridos pelo
cumprimento da obrigação, logo não é suficiente a aplicação do art.795.º/1 e 2 do CC, mas
antes deve ser solucionada por aplicação analógica do art.468.º do CC ou pela aplicação do
regime do cotrato de empreitada, que pode ter aplicação direta quando esteja em causa um
contrato de empreitada ou por aplicação analógica quando não seja um contrato de
empreitada (art.1227.º do CC)

CASO PRÁTICO N.º 17: Não cumprimento das obrigações

A 1 de março de 2014, L vende a M, por € 11.500, os 23 volumes de uma enciclopédia


única muito antiga que havia adquirido, dez anos antes, num alfarrabista. O primeiro
obriga-se a entregar os tomos da referida obra, no domicílio do segundo, quinze dias
depois, momento em que já estariam instaladas as estantes que este havia encomendado
a O. Para proceder à entrega, L recorre aos serviços de N, transportador. Durante a

68
realização do transporte, a carrinha de N, quando estava parada num semáforo, é
atingida pelo automóvel de P que, conduzindo em excesso de velocidade, não conseguiu
travar atempadamente. Deste choque resultou a destruição de 13 volumes da referida
enciclopédia.

a) Poderá M, que já havia procedido ao pagamento da totalidade do preço, recusar a


entrega dos restantes 10 volumes que saíram incólumes do acidente e exigir a restituição
dos € 11.500 pagos? Qual seria a resposta, se L, livreiro, tivesse vendido os 23 volumes
da enciclopédia Saber Universal editada recentemente pela Editora Livros & Livros?

As partes celebraram um contrato de compra e venda de coisa específica, pois foi a concreta
enciclopédia que o L tinha adquirido 10 anos antes num alfarrabista, composta por 23
volumes.

Deste contrato nasce uma obrigação de pagar o preço (obrigação pecuniária) e para o L a
obrigação de entrega da coisa vendida, que é uma obrigação específica, porque o objeto
mediato da obrigação foi concreta e individualmente fixado.

O que sucede é que durante a realização do transporte a carrinha de N (auxiliar no


cumprimento), que é o transportador que L contrata, é atingida pelo automóvel de P que
conduzia em excesso de velocidade e não consegue travar atempadamente. Desse choque
resulta a destruição de 13 volumes da enciclopédia.

Coloca-se questão de saber se pode o N recusar a entrega dos restantes 10 volumes que saem
incólumes do acidente e se pode exigir a restituição do preço já pago?

Estamos perante o não cumprimento da obrigação do L que é quanto à causa é imputável ao


L, mas cabia o L mostrar que o cumprimento não lhe é imputável, por força da presunção de
culpa do art.799.º do CC, que podia ser afastada pelo facto de o acidente não proceder de
culpa de N que é auxiliar no cumprimento de L, sendo que neste caso L responderia no lugar
de N como se tratasse de factos praticados pelo próprio, logo concluímos que o não
cumprimento é não imputável ao L.

Quanto ao efeito do cumprimento na relação obrigacional podemos classificar como não


cumprimento definitivo, que provém de uma impossibilidade de realização da prestação que é
superveniente, objetiva, meramente parcial e não se estende a toda a prestação debitória, mas
apenas a uma parte da prestação, porque apenas 13 dos 23 volumes são destruídos.

O regime de não cumprimento parcial não imputável ao devedor encontra-se no art.793.º do


CC e em caso de impossibilidade parcial o devedor fica exonerado mediante prestação do que
for possível. Nos contratos onerosos, seria injusto que diminuindo a prestação se mantivesse
a contraprestação, tal como foi estipulada e, por isso, o art.793.º/1 do CC manda que haja
uma redução proporcional da prestação a que a outra parte esteja adstrita.

69
Ressalva-se que há situações em que o cumprimento parcial da prestação não ter interesse ao
credor e quando assim seja, o legislador permite que o credor, nos termos do nº2 do art.793.º
do CC, recuse o cumprimento parcial e resolva o negócio.

O regime que examinamos tem de ser conjugado com as regras que regulam o risco do
art.796.º do CC, sendo que este regime do art.793.º do CC pressupõe que o risco tenha
corrido por cinta do devedor.

Vimos que tínhamos um contrato de compra e venda de coisa determinada, o que significa
que se aplica o regime do art.408.º do CC, em que o direito real de propriedade da
enciclopédia se transfere imediatamente para a esfera do adquirente, logo o risco acompanha
a transferência da propriedade.

Se a coisa tiver continuado em poder do alienante, então o risco corre por conta do alienante,
de acordo com o art.796.º/2 do CC.

Todavia, aqui o termo não foi constituído em benefício do M, mas do L, logo o M não goza
dos benefícios conferidos pelo art.793.º do CC, logo o risco corre por sua conta e não pode
reaver o preço e resolver o contrato. Se não pagar incorre em mora do credor.

Nas relações entre L e M tudo se resolve da forma exposta, mas M proprietário da


enciclopédia parcialmente destruída teria um direito de indemnização por P, que conduzia em
excesso de velocidade e do qual resultou a destruição de parte dos tomos da enciclopédia, nos
termos do art.483.º e ss do CC.

ATUALIZADO ATÉ À SEMANA DE 29/4 A 3/5

70

Você também pode gostar