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NOÇÃO DE CONTRATO / FONTES DE DIREITO

uc Direito dos Contratos (2023/2024)

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NOÇÃO DE CONTRATO

“Diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou


mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado;
aceitação, do outro), contrapropostas mas perfeitamente
harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição
unitária de interesses. […] O seu elemento fundamental é o
mútuo consenso” (Varela, 1996, p. 223 e 227).
NOÇÃO DE CONTRATO

“Contrato é o negócio jurídico bilateral ou plurilateral, isto é,


integrado por duas ou mais declarações negociais exprimindo
vontades convergentes no sentido da realização de um objetivo
comum que justifica a tutela do direito. É, pois, a convenção pela
qual duas ou mais pessoas constituem, regulam, modificam ou
extinguem relações jurídicas, regulando assim juridicamente os
seus interesses.

O contrato é o instrumento que a ordem jurídica faculta aos


sujeitos para, por acordo, realizarem as operações económicas e
sociais que lhes convêm, atribuindo a esses acordos carácter
jurídico, isto é, vinculativo” (Prata, 2008, p. 370).
NOÇÃO DE CONTRATO

O contrato é “… o negócio jurídico (um ato de criação),


gerado/formado por vontade das partes, sujeitando-as à
observância de determinadas condutas (o objeto ou conteúdo),
naturalmente adequadas às satisfação dos interesses em jogo (a
sua finalidade)” (Machado, p. 11).

“Em regra, existem duas ou mais declarações de vontade, de


conteúdo tendencialmente oposto, mas convergente,
ajustando-se na sua comum pretensão de produzir
determinados efeitos com um alcance e um significado próprios
para cada parte. Sem o ajustamento ou a convergência de
vontades, falta o mútuo consentimento, logo, não há contrato”
(Machado, p. 11).
FUNÇÃO ECONÓMICO-SOCIAL

“... todo o contrato, com maior ou menor grau, desempenha


uma função económica e social, que emerge da sua causa ou
ratio” (Machado, p. 13).

O contrato apresenta-se no direito civil, sob o ponto de vista da


sua inserção sistemática, como a primeira (e principal) fonte das
obrigações. Basta pensar que o Livro II, dedicado ao Direito das
Obrigações incide, na esmagadora maioria, sobre o contratos.

É possível extrair uma série de aspetos importantes das


formulações apresentadas anteriormente. Senão vejamos:
CONTRATO COMO
ACORDO COM EFEITOS JURÍDICOS

“… não são apenas os acordos com eficácia obrigacional, como


também os acordos que transmitem ou extinguem créditos e
obrigações e os que criam, modificam ou extinguem situações
jurídicas de outra natureza (pessoais, familiares, sucessórias,
reais e relativas à propriedade intelectual)” (Almeida, p. 29).

“Os contratos no direito português não se confinam sequer ao


direito civil” (Almeida, 29). Pense-se, p. ex., nos contratos de direito
comercial, como sejam os contratos constitutivos de sociedades comerciais; nos
contratos na área do direito laboral, nomeadamente os contratos coletivos de
trabalho; os contratos de direito público, incluindo os contratos administrativos, os
contratos económicos, as parcerias público-privadas, os contratos financeiros (em
especial, os contratos de empréstimo público), os contratos processuais e os contratos
internacionais.
CONTRATO COMO
ACORDO COM EFEITOS JURÍDICOS
“Há todavia acordos que não são contratos, porque não
produzem efeitos jurídicos… [Falta-lhes] um enquadramento
jurídico e a consequente possibilidade de exequibilidade
(enforcement) por uma instituição jurídica, designadamente por
um tribunal” (Almeida, p. 31). P. ex., os acordos de cortesia e os acordos de
honra (gentlemen’s agreements), bem como os acordos estipulados no domínio de
relações de amizade e em contexto familiar, político, profissional ou desportivo.

Embora a falta de contrapartida não seja fundamento bastante


para excluir a natureza contratual, na maior parte dos casos,
estes acordos são gratuitos. Na dúvida, o critério-base deve ser
objetivo: “o acordo será um contrato se, segundo a conceção
social dominante, como tal for considerado, i.e., se a
comunidade de referência lhe reconhecer eficácia jurídica”
(Almeida, p. 31).
CONTRATO COMO
NEGÓCIO JURÍDICO PLURILATERAL

Sendo acordo com efeitos jurídicos, o contrato é qualificado


como negócio jurídico plurilateral (ou somente bilateral), porque
nele intervêm duas ou mais partes que entre si estabelecem um
acordo (art. 232.º) formado por duas ou mais declarações de
vontade (arts. 217.º ss.).

“[S]erá então o facto humano, voluntário e lícito, formado por


duas ou mais declarações concordantes que produzem efeitos
jurídicos conformes à intenção manifestada” (Almeida, p. 33).
CONTRATO COMO
ACORDO PERFORMATIVO

“… o acordo produz efeitos jurídicos no sentido de que altera as


situações jurídicas pré-existentes e altera-as em conformidade
com os termos desse acordo… Contrato será assim o acordo
formado por duas ou mais declarações que produzem efeitos
jurídicos conformes ao significado do acordo obtido” (Almeida,
p. 35).

Por acordo performativo entende-se aquele que, pela simples


enunciação das partes, é apto a produzir efeitos. P. ex., num simples
contrato de compra e venda, quando “declaramos” comprar estamos a vincular-nos ao
efeito jurídico de ficar obrigados ao pagamento do preço do bem adquirido.
CONTRATO COMO
ACORDO REFLEXIVO

“… o acordo por que se forma [o contrato] reflete-se sempre nas


pessoas que nele são parte. O contrato é um acordo reflexivo”
(Almeida, p. 39).
EM SÍNTESE…

“Enquanto ato, o contrato qualifica-se como negócio jurídico


plurilateral. Enquanto acordo, o contrato caracteriza-se pela
natureza dos efeitos que produz – jurídicos, performativos e
reflexivos.

Contrato define-se assim como o acordo formado por duas ou


mais declarações que produzem para as partes efeitos jurídicos
conformes ao significado do acordo obtido” (Almeida, p, 39).
FONTES DE DIREITO

 Lei

 Direito da União Europeia

 Costume e usos

 Normas corporativas

 Jurisprudência

 Doutrina
FONTES DE DIREITO

 Lei

“Os contratos são regulados na lei portuguesa através de uma


teia muito complexa de normas que, em esquema, se podem
considerar distribuídas por três níveis” (Almeida, p. 41):

(i)Normas cujo domínio de aplicação se circunscreve a cada tipo


(ou subtipo) legal de contrato. P. ex., no CCiv., os contratos em especial; no
CSC, as disposições que regulam o contrato de sociedade comercial em geral (art. 7º e
ss.) e cada um dos seus subtipos.
FONTES DE DIREITO

 Lei

(ii) Normas cujo domínio de aplicação corresponde a categorias


mais amplas do que o tipo, formadas por contratos dotados de
uma característica comum. As principais categorias contratuais são: os
contratos comerciais, os contratos de trabalho, os contratos de consumo, os contratos
de intermediação sobre valores mobiliários e os contratos de adesão.

(iii) Normas aplicáveis aos contratos em geral, incluídas no CCiv.


FONTES DE DIREITO

 Lei

O CCiv. não ocupa o topo da hierarquia das fontes legais


aplicáveis aos contratos. No conjunto das fontes internas, esse
lugar pertence à CRP, cujas normas e princípios não podem ser
infringidos por normas de direito ordinário (arts. 204º e 277º),
incluindo as anteriores à Constituição (art. 290º/2).
FONTES DE DIREITO

 Constituição da República Portuguesa

Embora a CRP não preveja expressamente um direito à


autonomia contratual, essa autonomia é reconhecida a partir da
consagração constitucional do mercado, da concorrência, da
propriedade e da iniciativa privadas (pela necessária autonomia
contratual inerente)

Outrossim, o art. 405º CCiv., cuja constitucionalidade não é


questionada, prevê precisamente o princípio da liberdade
contratual (liberdade de celebração, de forma e estipulação).
FONTES DE DIREITO

A CRP releva a três níveis:

(i) Garante a conformação constitucional das leis ordinárias


(ii) Quando os tribunais sejam chamados a interpretar, fazem-
no em conformidade com a Constituição. P. ex., necessidade de
preenchimento de conceitos indeterminados para a aplicação de cláusulas gerais
(v.g., fim económico e social no âmbito do abuso de direito); necessidade de
concretização de princípios constitucionais (como o da não-discriminação e o da
igualdade)
(iii) Certos tipos de contratos estão diretamente abrangidos por
preceitos constitucionais, que se refletem na legislação
ordinária. P. ex., quando se pretende proteger um dos contraentes em sede
de contratos de consumo (arts. 60º e 99º, e)), de trabalho (arts. 53º a 59º) e de
arrendamento (art. 165º, h)).
FONTES DE DIREITO

Direito da União Europeia

“Não há um direito comunitário dos contratos, mas há no direito


comunitário (ou direito da União Europeia) múltiplas regras sobre
contratos ou com influência no direito dos contratos e no direito
privado de cada um dos Estados-membros” (Almeida, p. 54).

Inicialmente não se sentiu a necessidade de uma regulamentação


específica no âmbito dos contratos, por se entender que os direitos
nacionais se articulavam de forma suficientemente eficaz. Essa é a
razão da existência de apenas algumas normas esparsas nesta
época – com exceção do direito da concorrência, que desde cedo
mereceu as maiores atenções da União.
FONTES DE DIREITO

O mais antigo preceito comunitário aplicável a contratos fazia


mesmo parte do Tratado de Roma que instituiu a Comunidade
Económica Europeia, cujo art. 85º (atual art. 101º)/2 TFUE,
comina com a sanção civil de nulidade os acordos
anticoncorrenciais ilícitos.

A tendência inicial foi-se alterando ao longo dos anos – e hoje,


como mencionado, já existem múltiplas regras sobre contratos
ou com influência no direito dos contratos e no direito privado
de cada um dos Estados-membros, que não formando, ainda,
um corpo coeso, têm contribuído para uma maior harmonização,
com especial incidência em matéria de contratos de consumo,
evolução tecnológica e contratos de transporte.
FONTES DE DIREITO
Costume e usos

No que diz respeito aos costumes, apesar de constituírem uma


fonte de direito, não têm grande relevância em matéria de
contratos. P. ex., costume de estabelecer a prioridade cronológica na celebração de
certos contratos em função da ordenação da fila de espera. Na verdade, quando nos
encontramos numa situação deste género, todos partilhamos da convicção da
prioridade em celebrar dos que estão à nossa frente.

Relativamente aos usos, importa não esquecer o disposto no art.


3º/1: tem de haver remissão legal. Mesmo assim, não é difícil
encontrar alusões a usos no âmbito do direito dos contratos. Eis
alguns exemplos: art. 763º/1 (realização parcial da prestação); art. 885º/2 (pagamento
diferido); art. 921º/1 (garantia de bom funcionamento da coisa vendida); art. 937º
(documentos que devem ser entregues pelo vendedor); art. 1039º/1 (tempo e lugar
do pagamento do aluguer) (Almeida, p. 73).
FONTES DE DIREITO
Normas corporativas

“… são normas aprovadas e publicadas por organizações


profissionais, geralmente associações, que têm como destinatários
os membros da respetiva classe. A sua natureza é híbrida. Tal
como as leis, são criadas por um entidade dotada de competência
específica, que as elabora segundo um processo pré-estabelecido,
constam de documento escrito e vigoram a partir de um momento
determinado. Mas têm características que as aproximam do
costume: correspondência tendencial entre a norma e a prática
dos destinatários; proximidade (orgânica e de interesses) entre
quem cria a norma e quem lhe fica sujeito. A lei é… regulação
heterónoma; as normas corporativas podem considerar-se como
regulação autónoma ou autorregulação” (Almeida, p. 75).
FONTES DE DIREITO

A projeção contratual das normas corporativas é:

(i)Direta, quando o seu conteúdo se reporta ao sentido de


cláusulas contratuais ou ao conteúdo e efeitos de certos
contratos, influenciando, portanto, sentido e conteúdo dos
contratos. A este grupo pertencem os incoterms (regras oficiais da Câmara de
Comércio Internacional para a interpretação de termos comerciais utilizados nos
contratos sobre transações internacionais) e outras regras da CCI.
https://www.tnt.com/express/pt_pt/site/how-to/understand-incoterms.html

(ii) Indireta, quando influenciam comportamentos que podem


estar ligados a prestações ou deveres acessórios de natureza
contratual. É o caso das normas deontológicas.
FONTES DE DIREITO

Jurisprudência

É o conjunto das decisões das autoridades jurisdicionais (os


tribunais) relativamente a casos concretos.

“Ainda que as decisões dos tribunais tenham valor apenas como


precedente persuasivo, é inegável que o seu conjunto… constitui
elemento imprescindível na descoberta de regras jurídicas e para
a determinação de qual é o sentido de tais regras” (Almeida, p.
80).
FONTES DE DIREITO
Doutrina

É, no essencial, o resultado dos pareceres, opiniões e posições


dos jurisconsultos, relativamente a determinadas matérias.

“A doutrina, com base nos dados das restantes fontes e


empregando o seu próprio método, descobre, delimita,
interpreta, explica, compara e sistematiza regras de direito,
constrói princípios, relaciona as normas jurídicas com os factos
subjacentes e sugere soluções para casos-padrão. Por vezes,
aventura-se pelos domínios da política legislativa e da reflexão
sobre as normas jurídicas. A doutrina é sempre meta-discurso
que tem as outras fontes como objeto, travando com elas um
diálogo de influências mútuas” (Almeida, p. 81).
BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Contratos I. Conceitos, Fontes,


Formação, Almedina, 2022 (7.ª ed., reimpr. 2023), p. 27-83.

MACHADO, José Gonçalves, Introdução ao Direito dos Contratos


Civis em Especial, ML Books, 2024, p. 10-15.

OLIVEIRA, Luís Pedroso de Lima Cabral de, Direito dos Contratos:


sumários desenvolvidos, policopiado, 2021, p. 3-32.

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