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Cirurgia de Pequenos – Professor: Leonardo Müller – 03.08.2015 [Av1]

Afecções Cirúrgicas do Estômago

Depois que surgiu a endoscopia, diminuiu muito a incidência de tratamento cirúrgico no estomago,
principalmente na primeira indicação de retirada de corpos estranhos. Só que ainda tem poucas
pessoas que trabalham com esse tipo de exame por imagem.

Temos sempre que pensar no bem-estar do paciente, então se pudermos retirar o corpo estranho com o
mínimo de trauma possível é melhor.

GASTROPATIAS:
É indicado em casos de:
 Corpos estranhos: quando não conseguimos retirar por endoscopia.
 DVG: vulgarmente chamada de torção gástrica e que é caracterizada por um timpanismo. É
uma doença com alta taxa de mortalidade e tem uma incidência alta em cães de médio a
grande porte.
 Úlcera/erosão: geralmente são tratadas clinicamente, mas em alguns casos temos que intervir
cirurgicamente.
 Neoplasia: é raro, porém o mais comum é o adenocarcinoma primário.
 Obstrução benigna do escoamento gástrico.

A maioria dessas doenças cursam inicialmente com vomito, associado a anorexia e mesmo depois que
ele para de se alimentar, ele continua tendo o estimulo para o vomito. O problema é que esse vomito
não respondível ao tratamento clinico pode levar o paciente a uma esofagite (inflamação do esôfago) e
em casos mais graves podem levar a falsa via, levando a uma pneumonia aspirativa.

Se o paciente apresentar pneumonia antes da intervenção cirúrgica, é melhor tratar com antibiótico
pelo menos 1 dia antes ou algumas horas antes do procedimento cirúrgico, para evitar piora do quadro
clinico.

 Dilatação vólvulo gástrica (DVG):

É uma doença com alta taxa de mortalidade, gira em torno de 30%, então a cada 10 pacientes 3 vão
morrer independente do tratamento. Geralmente eles morrem por demora no atendimento, porque
essa dilatação leva a um quadro clinico de choque por obstrução, principalmente das artérias gástricas
e artérias gastroepiplóicas no momento em que o estomago sofre a torção.

Hoje em dia a DVG é considerada também uma síndrome, porque ela pode se manifestar de várias
formas diferentes. Temos pacientes que apresentam só timpanismo, só a dilatação estomacal e
geralmente eles têm a sintomatologia mais branda e na grande maioria das vezes conseguimos salvar,
porque o estomago não torceu, só dilatou. Outro grupo de pacientes pode ter além da dilatação a
torção parcial do estomago, então eles vão ter uma sintomatologia mediana. Já um outro grupo pode
apresentar dilatação e torção total, que são os casos mais graves.

 Fatores predisponentes: Ocorre em cães de porte médio a gigante. É mais comum acontecer em
machos do que em fêmeas, mas pode acontecer nas fêmeas também. Além disso, cães que
apresentam tórax profundo tem uma maior incidência da doença, pois existe uma teoria que eles
possuem o ligamento gastrofrênico mais frouxo, então facilita a torção do estomago. Porém, as
duas características mais fortes da doença é a alimentação uma vez ao dia, que para um cão de
médio a grande porte vai ser uma quantidade muito grande, então alimentando uma vez ao dia ele
permanece por um tempo muito prolongado em jejum, então quando ele vai se alimentar acaba
não mastigando direito gerando pedaços grandes no estomago, que tendem a fermentar e essa
fermentação produz gás que gera timpanismo. Além disso, o fato dele comer rápido gera
aerofagia, o que favorece o timpanismo.
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Alguns anos atrás essa doença era sempre associada a exercício pós-prandial, mas hoje em dia
muitos pacientes apresentam a DVG sem se exercitar, porém percebemos que pacientes que se
exercitam pós alimentação, são os pacientes que se classificam no grupo mais grave, com uma
torção total.

 Fisiopatologia: O estomago vai torcer no seu próprio eixo, no sentido horário. Essa sobrecarga
alimentar na região fúndica do estomago faz um peso no estomago e esse alimento não
corretamente mastigado, gera um quadro de fermentação, formação de gás e dilatação da câmara
gástrica. Já se foi comprovado que a torção acontece numa alavanca que o piloro faz no
estomago. Então o peso do alimento na região fúndica, associado a alavanca do piloro, geram o
quadro de torção. Tanto que o tratamento cirúrgico é a fixação do piloro, a gastropexia pilórica.

O cão não consegue eructar e isso dificulta a saída do gás, então ele tem timpanismo e a
tendência é aquilo fermentar cada vez mais e ter mais timpanismmo. Então começa um ciclo
vicioso, esse timpanismo começa a aumentar, porque as bactérias produtoras de gás começam a
produzir mais gás e começamos a ter obliteração do cárdia e do piloro, pois os esfíncteres tendem
a contrair. Então vamos ter dificuldade no escoamento, então esse estomago pode torcer, além de
ter a dilatação. Uma vez que ele torce, os principais vasos (artérias gástricas, artérias
gastroepiplóicas e artéria gastroesplênica) que fazem a irrigação do estomago obliteram, então
temos um paciente evoluindo para um quadro clinico de choque. Essa torção do estomago, pela
intima relação que o estomago tem com o baço, muitas vezes faz com que o baço torça junto com
ele. Então é comum em qualquer exame de imagem encontrar o baço fora da topografia normal
dele, ao invés de estar do lado esquerdo ele pode estar no centro ou do lado direito.

 Sinais clínicos: A característica da doença é a dilatação abdominal progressiva, se fizermos a


percussão vamos ter um som timpânico (gás), principalmente nos pacientes que sofrem a torção
além da dilatação. Ele tem um esforço para vomitar, mas é improdutivo, ele não consegue
vomitar.
No início da doença o paciente fica bastante inquieto, ele não tem posição para deitar. Quando
ele sofre a torção, começa a ter sinais clínicos de choque pela congestão, então ele começa a
apresentar prostração ao invés de inquietação.

A produção de saliva é abundante, ele vai ter bastante sialorréia. A maioria dos pacientes chegam
em decúbito, poucos pacientes vão chegar andando na clínica, porque é uma doença que evolui
muito rápido.

Como a alimentação geralmente é feita a noite, o animal apresenta os primeiros sintomas de


madrugada e muitas vezes a sintomatologia só vai ser vista pela manhã e ai pode ser tarde para
socorrer o animal.

- Sinais de choque: taquicardia, pulso fraco ou ausente, TPC aumentado. Geralmente eles são
taquipneicos, porque o estomago comprime o diafragma e ele fica com dificuldade respiratória.

 Tratamento clínico X Exame radiográfico: No momento em que vamos atender esse paciente,
nós temos que pensar que o nosso atendimento vai ser de suma importância na sobrevida dele.
Poucas doenças vão gerar quadros de abdômen timpânico grave, prostração. Então nem sempre o
exame radiográfico ou a ultrassonografia se fazem necessário no primeiro momento do
atendimento. Se o animal chega num quadro de choque, primeiro temos que reverter o quadro
para depois chegar num diagnostico, porque se colocamos um paciente desse para o exame
radiográfico, podemos perder ele na mesa de exame.

Então para estabilizar o paciente nós devemos dar uma fonte de oxigênio a 100%, porque o
choque gera baixa perfusão tecidual. Nesse mesmo momento devemos pegar um acesso venoso,
pois precisamos repor a volemia, sendo que o acesso periférico é mais dificultoso, porque ele está
com baixa volemia, então preferencialmente pegar o acesso na jugular e colocar um cateter
calibroso.
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Durante a fase inicial podemos ser bem agressivos na fluidoterapia, podendo chegar até
90ml/kg/h, não por muito tempo, senão ele pode apresentar edema, mas primeiro temos que
retirar esse animal do quadro de choque. O Ringer lactato é uma boa opção nesse caso.

O mais importante nesse momento ao mesmo tempo, é fazer a passagem de uma sonda
orogástrica que é mais calibrosa e tem como objetivo retirar gás e se possível retirar conteúdo
macerado. Se não conseguirmos passar a sonda orogástrica devemos bater o trocater
externamente ao estomago, atrás da 13° costela do lado esquerdo, para retirar ar, mas não vamos
conseguir retirar conteúdo. Então vamos ter uma melhora clínica do paciente por algumas horas,
mas depois ele começa a ter nova dilatação e piora novamente. Quando conseguimos retirar
conteúdo pela sonda a melhora é bem mais significativa. Os animais mais prostrados geralmente
não precisamos sedar para fazer a passagem da sonda, mas nos animais que não aceitam a sonda
ou que não estão tão prostrados devemos fazer uma sedação, mas devemos ter cuidado na
escolha da droga. Geralmente usamos um benzodiazepínico associado a um opióide, como
midazolam com tramadol, em animais mais agressivos pode fazer uma baixa dose de cetamina
associada ao benzodiazepínico e ao tramadol.

Se for possível antes da sedação ou depois da sedação, devemos fazer a intubação orotraqueal,
leva esse animal para perto de uma fonte de agua e na sonda orogástrica lavaria o estomago,
porque vamos conseguir retirar o conteúdo. Porém, para lavar o estomago tem que intubar, senão
faz falsa via, mas a maioria dos pacientes não conseguimos fazer dessa forma.

Depois disso podemos fazer os exames complementares, porque o paciente já vai estar
estabilizado. Além disso, devemos fazer antibioticoterapia antes da intervenção cirúrgica, porque
esse paciente tem uma grande propensão a infecção no pós-operatório

É muito difícil durante um exame radiográfico dar um diagnóstico diferencial entre uma torção
parcial e uma total. Isso se faz muito pela localização do piloro, mas precisa de um bom
radiologista para conseguir esse diagnóstico, pela ultrassonografia essa identificação fica muito
mais fácil. Se o piloro estiver próximo da posição anatômica dele geralmente é só timpanismo, se
tiver próximo a linha alba é uma torção parcial e se tiver completamente do lado esquerdo temos
o paciente evoluindo para uma torção total.

 Tratamento cirúrgico: Quando o paciente já estiver estabilizado, sem taquicardia, com TPC
próximo do normal, PA próximo do normal e com pulso cheio, podemos induzir a anestesia
geral, porque agora ele está apto para receber a droga anestésica.

Uma vez induzida a anestesia podemos fazer a laparotomia, que é protocolada, vamos fazer
seguindo as mesmas etapas, então nunca vamos nos perder. A última coisa a fazer é a fixação do
estomago e a primeira coisa que vamos fazer é avaliar o estomago e o baço. Devemos avaliar o
grau de necrose que eles apresentam ou não e isso vai ser uma análise macroscópica das lesões,
vamos avaliar se o órgão está aumentado, se apresenta pontos de necrose. Tem alguns pacientes
que durante a rotação do estomago e consequente rotação esplênica, podem ter uma ruptura
esplênica, então vai ter hemoperitônio, que é mais grave.

Na periferia do estomago a serosa fica mais clara, mais próxima do normal e aonde tem as
artérias ela fica bem mais enegrecida. Nesse momento devemos tracionar o estomago para fora
da cavidade e decidir se vamos fazer esplenectomia ou não. Hoje em dia optamos pela
esplenectomia antes do reposicionamento do estomago, porque quando o baço está grande,
congesto, ao reposicionarmos o estomago vamos devolver o fluxo de sangue para o baço e
consequentemente o retorno do baço. Então temos muitos casos de arritmia por conta de radicais
livres que ficam concentrados no baço e caem na corrente sanguínea. Então se avaliarmos que o
baço apresenta necrose, devemos fazer esplenectomia antes de reposicionar o estomago. Porém,
se o baço não tiver com necrose mantém ele.

Devemos avaliar também se o estomago tem necrose ou não, se tiver necrose nós temos que fazer
a gastrectomia. A porção da grande curvatura pode ser quase toda retirada, mas vamos estar
tirando o omento também que se insere ali. Já na pequena curvatura vamos ter mais dificuldade
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em fazer a gastrectomia, porque a artéria celíaca passa próximo, então temos que tirar as áreas de
necrose com cuidado, temos que usar o bom-senso. Pacientes que apresentam necrose estomacal
no momento em que fazemos a laparotomia, ele tem 11 vezes mais chances de vir a óbito do que
um paciente que não apresenta necrose.

Na cirurgia existem marcadores de prognostico, então aquela alteração vai gerar um prognostico
bom ou ruim e na DVG a necrose é um marcador de prognóstico desfavorável. Então toda vez
que tivermos necrose gástrica, sabemos que esse paciente tem uma grande probabilidade de vir a
óbito, mesmo fazendo a gastrectomia. Para gerar uma necrose gástrica, o estomago tem que estar
com baixa perfusão tecidual por um tempo muito prolongado. A necrose esplênica é mais
comum, porque o principal vaso para o baço será obliterado na torção.

Então se o baço estiver com necrose devemos retirar ele, se não tiver devemos manter. Vamos
avaliar o estomago e ver se tem áreas de necrose ou não. Se tiver sido possível a passagem da
sonda orogástrica, esse estomago vai ter pouco conteúdo e se tiver sido feita a lavagem não vai
ter conteúdo. Se não tiver feito a passagem da sonda e tiver batido só o trocater, vamos ter
bastante conteúdo, porque só tirou o ar. Então em pacientes que apresentam conteúdo,
obrigatoriamente vamos ter que fazer uma gastrotomia para retirar esse conteúdo e aqui que
ocorre a grande probabilidade de infecção, porque esse conteúdo está bem contaminado.

Se no centro cirúrgico tiver aspirador, sonda e pessoas para te ajudar, ao invés de fazer a
gastrotomia para retirar conteúdo, podemos passar a sonda orogástrica, porque ele já vai estar
intubado. Então vamos conectar o aspirador a sonda e vamos fazer a lavagem e a retirado do
conteúdo via sonda orogástrica. Devemos retirar o conteúdo, mas podemos escolher a melhor
forma para isso.

Depois devemos reposicionar o estomago e não devemos fazer a gastrectomia antes de


reposicionar, porque algumas áreas que apresentam alguma dúvida se estão em necrose ou não,
por exemplo, uma área que está entre o rosáceo que é o normal e o enegrecido que é necrose, é
uma área de intercessão, então quando devolvermos o estomago para a posição normal ele vai
reperfundir e o tecido volta a coloração normal. Então a gastrectomia deve ser feita depois que o
estomago está na posição normal, porque provavelmente vamos poder fazer uma intervenção
menor, porque algumas áreas de suspeitas vão ser normalizadas. Também podemos pegar soro
fisiológico morno e lavar o estomago para causar vasodilatação, porque assim algumas áreas
suspeitas provavelmente vão reperfundir e voltar ao normal.

Sempre é necessária a fixação do estomago, porque é muito comum um paciente que teve DVG
ter novamente. Então no final sempre fazer a gastropexia pilórica direita.

 Cuidados pós-operatórios: É o grande problema, geralmente o que acontece é que o paciente


fica no canil com um veterinário ou um enfermeiro observando ou muitas vezes fica sozinho.
Nós temos poucas clinicas com UTI e quando tem é bem caro a diária e esse paciente necessita
disso, porque é muito comum esses cães apresentarem arritmia pós-operatória, por conta da
liberação de radicais livres liberados no reposicionamento do baço e do estomago. Só que ela não
acontece no pós-operatório imediato, geralmente ela acontece entre 12 e 36hrs de pós-operatório
e nesse momento provavelmente o paciente vai estar sem nenhum cuidado intensivo. Caso seja
diagnosticado e só vai ser diagnosticado se o paciente estiver acoplado num monitor cardíaco, ela
é facilmente revertida com lidocaína.

Então muitas vezes a cirurgia é um sucesso e o animal acaba morrendo no pós-operatório por
causa da arritmia que ninguém diagnosticou. Por isso, devemos ter cuidado no pós-operatório.
Quando sabemos que o animal não vai ficar numa UTI, podemos fazer infusão continua de
lidocaína no pós-operatório, mesmo que ele não tenha a arritmia. Só que foi visto que a lidocaína
não atua muito bem quando temos um desbalanço entre sódio e potássio, e geralmente vamos ter
uma acidose metabólica nesse paciente. Então, teoricamente nós devemos primeiro corrigir esse
déficit para depois fazer a lidocaína. Uma outra droga que podemos usar é a procainamida.
Sempre devemos corrigir essa arritmia, porque ela vai evoluir para uma fibrilação.
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Além disso, se fizermos uma gastrectomia parcial, devemos ter cuidado com drogas pró-
cinéticas, que aumentam a motilidade, como ranitidina e metoclopramida. Então devemos trocar
a ranitidina pelo omeprazol e a metoclopramida pela ondansetrona, porque vamos controlar o
vomito sem alterar a motilidade.

Devemos manter o animal em jejum 12hrs no pós-operatório, depois vamos começar a introduzir
água e se não tiver vomito introduz o alimento, sempre em pequenas quantidades e várias vezes
ao dia. A melhor opção são as rações terapêuticas úmidas hipercalóricas, como A/D, Recovery,
etc. Fazer a alimentação 5 vezes ao dia, sempre em pequenas quantidades e depois de uns 10 dias
podemos introduz a ração seca aos poucos. O mais importante é fracionar a alimentação durante
o dia.

 Recomendações aos proprietários:


1. Alimentação dividida em duas ou três vezes ao dia, em pequenas quantidades.
2. Evitar estresse durante a refeição do paciente, caso necessário separar os cães.
3. Restringir os espaços para evitar exercícios antes e depois da alimentação.
4. Não utilizar comedouro elevado (aerofagia).
5. Não cruzar cães que tenham parente de primeiro grau com histórico de DVG.
6. Paciente de alto risco, considerar gastropexia profilática.
7. Procurar tratamento médico veterinário tão logo se observe sinais de timpanismo.
(Glickman et al., 1998)

 Prognóstico: A taxa de mortalidade é de 20 a 45%. A dilatação simples pode ser resolvida


clinicamente, descomprimindo o estomago. Quando tem necrose gástrica o paciente tem 11 vezes
mais probabilidade de vir a óbito. Se não fizermos a gastropexia, geralmente 80% dos pacientes
tem recidiva. Então não podemos esquecer de fixar o estomago.

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