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O ESVAZIAMENTO DO PRINCIPIO DA PROTEÇÃO COM O DESCARTE DA

CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DO TRABALHADOR MODERNO

_____________________________________________________________

EMPTYING THE PRINCIPLE OF PROTECTION WITH THE DISPOSAL OF


THE STATUS OF MODERN WORKER'S HIPOSSFICIENCY

Haroldo Alves de Lima


Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Veiga de Almeida e UNIFACVEST.
Especialização em Direito do Trabalho pela Damásio Educacional.Especialização em
Administração de Pessoas pela Universidade Federal do Paraná.MBA Executivo em Gestão
Empresarial pela Universidade do Vale do Itajaí. Bacharel em Direito e em Administração de
Empresas.Advogado, Consultor e Palestrante.

RESUMO: O presente estudo consiste em analisar doutrinária e


jurisprudencialmente o esvaziamento do principio da proteção do trabalhador
moderno e suas consequências no mundo jurídico voltado à resolução de
conflitos trabalhistas. Serão demonstrados osdesequilíbriosque podem ocorrer,
atingindo-se de frente o critério subjetivo da hipossuficiência do trabalhador,
sobretudo os níveis de desigualdade que advém numa relação trabalhista pelo
descarte de um princípio tão basilar, em busca das soluções que poderiam
evitar ou reduzir o esvaziamento do princípio e dos direitos fundamentais do
trabalho.

PALAVRAS CHAVES: Princípio. Proteção. Esvaziamento. Hipossuficiência.


Trabalhador moderno.

ABSTRACT: The present study consists in analyzing doctrinally and


jurisprudentially the emptying of the principle of protection of the modern worker
and its consequences in the legal world focused on the resolution of labor
conflicts. It will be demonstrated the imbalances that can occur, meeting the
subjective criterion of worker hypo-sufficiency, especially the levels of inequality
that comes from a labor relationship by discarding such a basic principle, in
search of solutions that could prevent or reduce the emptying. principle and
fundamental labor rights.

KEY WORDS: Principle. Protection.Emptying hyposufficiency.Modern worker.

SUMÁRIO: Introdução; 1.O descarte da Hipossuficiência; 2. Problemas


emergentes; 3. Há meios para diminuir o esvaziamento do princípio da
proteção? Conclusão; Bibliografia.

Introdução

Este trabalho tem o escopo de trazer a lume, dentro da esfera do Direito


do Trabalho brasileiro, uma sintética reflexão sobre o esvaziamento do principio
da proteção, que cada vez mais se apresenta eminente, bem como a sua
correlação com a característica secular da hipossuficiência do trabalhador,
condição essa que sempre se revestiu como se uma blindagem fosse, uma
carapaça de forma intrinsecamente subjetiva em demandas judiciais e em
inquéritos civis comandados pelo Ministério Público do Trabalho, colocando-se
o trabalhador, independentemente de suas qualificações profissionais ou de
sua formação escolar, de forma a estar sempre protegido por situações de
subjugação que podem ocorrer durante seu contrato de trabalho.

Ao contrario senso nota-se atualmente a ocorrência de um esvaziamento


do principio da proteção, haja vista a marcha acelerada da globalização e a
grande disseminação de conhecimento e das informações, num mundo cada
vez mais capitalista e tecnológico. Tenta-se assim colocar tanto o trabalhador
como empregador, muitas vezes em posição de igualdade, objetivando-se a
horizontalização cada vez maior das suas capacidades de negociação e da
compreensão de seus direitos e deveres na busca da diminuiçãoda máxima de
que o trabalhador tudo aceita por necessidade de sobrevivência e o
empregador tudo pode porque detêm o poder que o capital lhe coloca.

ArionSayãoRomita em sua obra o Princípio da Proteção em Xeque


coloca-nos que,

O direito do trabalho, como ramo do direito que é, não pode


―proteger‖ o empregado. Deve sim – isto sim – regular a
relação de trabalho para realizar o ideal de justiça mediante a
previsão de garantias que compensem a inicial desigualdade
social e econômica entre os sujeitos da relação.1

Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento,

O direito do trabalho nasceu para criar uma ―blindagem‖ do


operário — na época da primeira questão social — diante do
seu envolvimento pelo processo produtivo da Revolução
Industrial do século XVIII. Esses princípios clássicos estão em
mutação na sociedade pós- -industrial e, embora permaneçam,
devem ser aperfeiçoados, e para a consecução desse fim há
um problema cultural: rever como parâmetros modificáveis o
conjunto normativo que retrata as transformações do processo
produtivo.2

São os fatos e os primeiros passos que levam a ocorrência do


esvaziamento do princípio da proteção, os quais serão estudados por seus
conflitos e consequência, e concomitantemente por suas relações no tempo.

1. O descarte da hipossuficiência

Tratar-se-á a palavra descarte em seu sentido lato, ou seja, abandonar,


reduzir, rejeitar, renunciar, negativar, dentre tantos outros que poderíamos
utilizar, mas mantendo-se a ideia central, onde hodiernamente as mudanças
estruturais e a legislação vigente cerceiam numa relação contratual o critério

1
ROMITA, ArionSayão. O princípio da proteção em xeque. São Paulo: Ltr, 2003. p. 24.
2
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011. p.
300.
3
subjetivo do trabalhador ser considerado como a parte mais fraca
empurrando-o para uma isonomia fictícia, ou seja, uma tentativa de colocá-lo
de igual para igual com o seu empregador flexibilizando as relações
trabalhistas ou possibilitando-se a realização de acordos coletivos ou
individuais onde o trabalhador pode renunciar a certos direitos que, de certa
maneira, afastam a cobertura dada pelo princípio da proteção, criando-se,
também, uma impressão errada ao trabalhador que ele está no comando dos
seus direitos, mas na realidade está contribuindo para o esvaziamento do
princípio da proteção.

A própria conjectura da economia também coloca o trabalhador entre a


cruz e a espada, considerando-se que a manutenção de seu emprego é mais
importante que os direitos que o contrato lhe assegura, ainda mais numa
economia de milhões de desempregados, cenário atual do Brasil, relevando-se
o princípio da proteção a um segundo ou até terceiro plano.

O autor uruguaio Américo Plá Rodrigues4 nos ensina que o principio da


proteção, o qual foi ganhando força ao longo dos anos e sendo resultante de
lutas operárias em face da busca por melhores condições de trabalho e
diminuição da exploração capitalista. Aqui, abrindo-se parênteses do que seria
justo, ou seja, um necessário equilíbrio entre as partes (empregador –
trabalhador) garantindo-se a melhor satisfação para ambas às partes
envolvidas. Assim, poderá ser concretizada em três ideias que explicitam e se
vinculam ao caráter de hipossuficiência do trabalhador, já que são direcionadas
ao mesmo e não ao seu contratante, que, até em então, em mínimas
hipóteses, poderia utilizar tal princípio a seu favor:

3
―A ideologia da proteção desempenha uma função. Quem fala em proteção admite com
antecedência a existência de dois atores sociais: o protetor e o protegido. Se o trabalhador –
sujeito mais fraco na relação – é o protegido, sua posição de submissão se perpetua com a
consequente exaltação da posição social do protetor. Talvez por isto se decante, no Brasil, a
proteção proporcionada (na realidade dos fatos, autêntico mito) ao trabalhador brasileiro:
perpetuada a posição social de submissão em que se encontra o protegido, resguarda-se a
posição social do protetor. Afinal, a ―proteção‖, no caso em estudo, interessa não ao protegido,
mas sim ao protetor. Ao protegido só interessa – em ínfima parcela – a proteção quando ela
fundamenta (quase sempre de forma não explicita) a decisão judicial pela procedência do
pedido formulado pelo trabalhador. Triste consolo, triste participação nas migalhas caídas da
mesa do banquete!‖ (ROMITA, ArionSayão. Op. cit. p. 25).
4
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2000.
a) in dúbio pro operário;

b) regra da aplicação da norma mais favorável; e

c) regra da condição mais benéfica;

Conforme ainda o mestre uruguaio 5 sem o principio da proteção, não


teríamos direito do trabalho e as relações entre trabalhador e empregado,
poderiam hoje estar totalmente desequilibradas, com o fiel da balança
totalmente pendido para a parte mais forte da relação. Neste sentido, ainda
afirma que,

O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que


orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se
num propósito de igualdade, responde ao objetivo de
estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o
trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante
preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os
contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central
parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de,
mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade
substancial e verdadeira entre as partes.6

Conforme preleciona Mauricio Godinho Delgado,

A noção de tutela obreira e de retificação jurídica da


reconhecida desigualdade socioeconômica e de poder entre os
sujeitos da relação de emprego (ideia inerente ao princípio
protetor) não se desdobra apenas nas três citadas dimensões.
Ela abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os
princípios especiais do Direito Individual do Trabalho.7

Ainda para o autor o ―principio tutelar não se desdobraria em apenas três


outros, mas seria inspirador amplo de todo o complexo de regras, princípios e

5
―Todo o Direito do Trabalho nasceu sob o impulso de um propósito de proteção. Se este não
tivesse existido, o Direito do Trabalho não teria surgido. Surgiu com o preciso objetivo de
equilibrar, com uma desigualdade jurídica favorável, a desigualdade econômica e social que
havia nos fatos” (RODRIGUEZ, Américo Plá. Op. cit. p. 33).
6
RODRIGUEZ, Américo Plá. Op. cit. p. 37
7
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2003. p. 197.
institutos que compões esse ramo jurídico especializado‖8. No mesmo sentido,
em palestra conferida pela ministra do Tribunal Superior do Trabalho Delaíde
Alves Miranda abordando o tema ―a magistratura trabalhista e a vedação ao
retrocesso social‖, veio a lume o esvaziamento do principio da proteção nos
moldes que vem ocorrendo depois da reforma trabalhista, trazendo
significativas mudanças na CLT, instrumentalizada pela Lei n.º 13.467/2017:

Na esteira de uma onda neoliberal que assola o mundo, a


Reforma Trabalhista brasileira causou o esvaziamento do
princípio da proteção e a precarização das condições de
trabalho. Mesmo diante das perversas consequências das
reformas trabalhistas implementadas em países como
Espanha, Portugal e México, que colheram os frutos do
crescimento da pobreza, do desemprego e do adoecimento
entre os trabalhadores, as alterações propostas pela
Lei 13.467/2017 demonstram, um ano após o início da
vigência, que o parco resgate do emprego no país tem se
dado, preponderantemente, sob a forma de contratações
precárias. O cenário de crise econômica se aprofundou nos
últimos dois anos, há aproximadamente 13 milhões de
trabalhadores desempregados e a mortalidade infantil voltou a
subir 4,19%, após 15 anos de queda. Um a cada quatro
contratos de trabalho novos, atualmente, é intermitente,
ampliam-se os fenômenos da pejotização e da uberização, ao
lado de outras formas de contratação atípicas, desprovidas de
quaisquer garantias ou medidas compensatórias. A
interpretação da Lei 13.467/2017 conforme a Constituição, ao
lado do ordenamento jurídico infraconstitucional, dos Tratados
e Convenções da OIT e de Direito Humanos, pode ser um
caminho para a garantia da dignidade do trabalhador diante
da voracidade das reformas implantadas para atender aos
interesses do mercado. A onda conservadora que se abateu
sobre a sociedade ameaça a democracia e coloca em xeque
valores constitucionais como a igualdade, a liberdade de
pensamento e a não discriminação. Há urgência na defesa
da Constituição, das instituições democráticas e da Justiça do

8
―Como excluir essa noção do principio da imperatividade das normas trabalhistas? Ou do
principio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas? Ou do princípio da inalterabilidade
contratual lesiva? Ou da proposição relativa à continuidade da relação de emprego? Ou da
noção genérica de despersonalização da figura do empregador (e suas inúmeras
consequências protetivas ao obreiro)? Ou do principio da irretroaçãodas nulidade? E assim
sucessivamente. Todos esses outros princípios especiais também criam, no âmbito de sua
abrangência, uma proteção especial aos interesses contratuais obreiros, buscando retificar,
juridicamente, uma diferença prática de poder e de influência econômica e social apreendida
entre os sujeitos da relação empregatícia‖ (DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit. p. 197-198).
Trabalho, como imperativo para a construção de uma
9
sociedade livre, justa e solidária.

Segundo Arion Sayão Romita aquela proteção proporcionada pela


legislação trabalhista brasileira ao trabalhador, na realidade dos fatos acaba
redundando em desproteção. Afirma o autor que, entretanto, o resultado dessa
desproteção também desempenhará ―uma função social: perpetuar a posição
subalterna e submissa em que se encontra o trabalhador e justificar a
necessidade de atuação dos protetores, protegendo (aqui sim, há proteção) a
posição social por eles ocupada‖.10

Estarmos diante de uma total derrocada do principio da proteção,


parecendo ser um caminho sem volta, pois a impressão que há é da tentativa
das partes interessadas em tirar proveito da menor proteção dada ao
trabalhador pela atual legislação trabalhista brasileira, e afirmada através da
nebulosa informação à população diretamente atingida, que não é algo
negativo, mas que de forma positiva, a menor proteção dada ao obreiro,
resultará em mais postos de trabalho, menor desemprego, melhores salários.

Do outro lado, os representantes dos trabalhadores, tanto de grupos


organizados quanto de sindicatos das mais diversas categorias, rechaçam
todas essas alegações, difundindo a ideia de que quanto menor a proteção
dada ao trabalhador, mais submisso o mesmo estará frente ao seu empregador
e diversos direitos conquistados ao longo de séculos de luta serão perdidos.
São fatos relevantes que a história contará.

2. Problemas emergentes

Com o esvaziamento do princípio da proteção e o descarte da condição


intrínseca de hipossuficiência que caracteriza a parte mais fraca numa relação

9
Disponível em: https://amatra-05.jusbrasil.com.br/noticias/638331338/ministra-do-tst-diz-que-
a-reforma-trabalhista-causou-o-esvaziamento-do-principio-da-protecao. Acesso em: 20 out.
2019.
10
ROMITA, ArionSayão. Op. cit. p 26.
de trabalho, in casu, o trabalhador, podemos verificar vários problemas vindo a
tona; problemas esses que se agravam cada vez mais diante de uma corrida
frenética pela redução de custos através da baixa dos salários, dos encargos e
benefícios trabalhistas, distanciando cada vez mais a possibilidade de
igualdade de negociação entre patrões e empregados.11 Do problemas pode-se
citar os seguintes exemplos:

 Flexibilização das relações trabalhistas sem o devido amparo


estatal, com negociações feitas à margem da legislação
trabalhistas, ferindo-se muitas vezes os direitos previstos no artigo
7.º da Constituição Federal de 1988, os quais são protegidos de
qualquer mudança por sua característica de cláusula pétrea;

 Lacunas existentes na legislação trabalhista que geram


insegurança jurídica e que ficam a mercê das mais diversas
interpretações pelo Judiciário;

 Excesso de judicialização, sendo necessário fomentar alternativas


para a solução de conflitos, ao exemplo das câmaras de
arbitragem, mediação e conciliação trabalhista;

 Ausência de motivação para que o trabalhador se engaje nas


tratativas dos acordos e convenções coletivas, pelo mesmo
acreditar que sua presença não fará a diferença;

11
(NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit. p.304.) Vem, a seguir, a avaliação do tipo de
trabalho objeto das suas normas, sabendo-se que no processo produtivo há diferentes formas
de atividade profissional. Nesse ponto prevalece, como tipo de trabalho profissional protegido,
o trabalho subordinado. Porém, não é unânime esse entendimento. Há concepções ampliativas
que incluem, no âmbito do direito do trabalho, todo tipo de trabalho economicamente
dependente prestado por um hipossuficiente, interpretação que abre um horizonte mais amplo.
Pode envolver o trabalho autônomo hipossuficiente, como o do ambulante que monta a sua
barraca de venda de produtos de baixo valor em ruas da cidade, de modo informal. Apesar das
importantes razões econômicas que levam à conveniência da proteção social a todo trabalho,
ainda é difícil, mas não é impossível, no Brasil, a construção de um conjunto de normas
transcendentes do trabalho subordinado, embora a Espanha, em 2007, já o tenha feito com o
Estatuto do Trabalho Autônomo. Mas não há dúvida quanto à integração, na rede de proteção
do direito do trabalho, do trabalho subordinado, que tipifica a relação de emprego, mas outras
também.
 Substituição do trabalhador com contrato com prazo indeterminado
por trabalhadores autônomos ou intermitentes;

 Demissão de profissionais de certas categorias e recontratação dos


mesmos como pessoa jurídica ou MEI – Microempreendor
Individual, simplesmente com a finalidade de redução dos salários
e encargos sociais;

 Possibilidade de exigir do trabalhador uma declaração anual de


que o empregador não possui qualquer divida trabalhista com o
mesmo, obrigando que o obreiro concorde com tal condição para
que se mantenha empregado; e,

 Desestruturação dos órgãos fiscalizadores, o que compromete


ainda mais a eficácia da fiscalização da relação de trabalho e
contribuem para a desproteção do trabalhador.

Antecedendo os problemas que poderiam advir das mudanças na


legislação trabalhistas e o alargamento das distâncias já existentes entre os
atores do cenário trabalhistas, o autor Jorge Luiz Souto Maior apresenta, de
forma clara e objetiva, alusões ao aumento da desproteção que estaria por vir:

Ao contrário do que se tenta difundir, a legislação trabalhista


não parte do pressuposto de que o trabalhador é um coitado,
tanto que uma das características que mais sobressai da
legislação é a do seu caráter repressor, que atinge,
precisamente, os trabalhadores. A função da legislação do
trabalho, primariamente, é proteger o modelo capitalista de
produção. Assim, se pudesse ser acatado o argumento de que
a proteção jurídica só tem sentido se o protegido for tomado
como coitado, então se poderia dizer que o capitalismo é um
coitadinho em face do poder da classe trabalhadora, já que
depende da força coercitiva do Direito e do Estado para se
manter. 25 E por que, primariamente, a legislação do trabalho
protege o modelo capitalista de produção? Porque, para o
sistema funcionar é necessário que os trabalhadores se
submetam a vender o seu trabalho e para que isso aconteça é
preciso atrair os trabalhadores para o mercado de trabalho. O
direito exerce exatamente esse papel de conferir
compensações sociais aos trabalhadores pela venda da força
de trabalho. Nos países do capitalismo central, o advento de
uma legislação do trabalho, buscando superar os preceitos
jurídicos liberais, se deu como forma de tentar corrigir a intensa
tensão social que advinha das péssimas condições de trabalho
a que eram submetidos os trabalhadores e que provocava,
inclusive, uma quantidade enorme de acidentes do trabalho. A
submissão a esse estado de coisas, que a nenhum historiador
é permitido desconhecer, não se tratava de efeito de demência
mental dos trabalhadores, mas de uma consequência lógica
determinada pela luta por sobrevivência. Ora, se todos os
trabalhadores são livres para venderem a sua força de trabalho
pelo preço que bem entendem, no estágio extremo da
necessidade, haverá sempre quem aceite trabalhar mais, por
menos, o que puxa todos para baixo. Como os capitalistas,
também eles, estão submetidos à lógica do capital, que lhes
impõe concorrer com outros capitalistas igualmente na busca
de sobrevivência, se verão impulsionados a contratar os que
aceitem os menores salários.12

Já em 2011 Amauri Mascaro Nascimento 13 antecipava que haveria


redução dos níveis de proteção ao trabalhador e que uma determinada
corrente de pensamento admitia que fosse uma forma de diminuir o
desemprego, partindo da premissa de que os ―empregadores estariam mais
dispostos a admitir trabalhadores caso não tivessem de responder por altos
encargos trabalhistas ou não encontrassem dificuldades para a
descontratação‖.14 Para esse fim, estimulam maior espontaneidade das forças
de mercado para ajuste direto entre os seus interesses,

Diante desse quadro, o direito do trabalho contemporâneo,


embora conservando a sua característica inicial centralizada na
ideia de tutela do trabalhador, procura não obstruir o avanço da
tecnologia e os imperativos do desenvolvimento econômico
para modificar alguns institutos, e a principal meta dos
sindicatos passa a ser a defesa do emprego e não mais

12
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-6787-16-reforma-trabalhista/documentos/audiencias-
publicas/prof-jorge-luiz-souto-maior. Acesso em 20 out. 2019.
13
―É humanista o intervencionismo para a proteção jurídica e econômica do trabalhador por
meio de leis destinadas a estabelecer um regulamento mínimo sobre as suas condições de
trabalho, a serem respeitadas pelo patrão, e de medidas econômicas voltadas para a melhoria
da sua condição social‖ (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit. p. 54).
14
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit. p. 301.
aampliação de direitos trabalhistas. Cresceu o apoio político
das esquerdas ao modelo conhecido como Estado do Bem-
Estar Social (WelfareState) na mesma medida em que se
questiona o Estado neoliberal especialmente depois da crise de
2009 e a política de investimentos para o setor imobiliário dos
Estados Unidos que mostrou a fragilidade do sistema
financeiro. No Brasil os efeitos não foram tão fortes. Mas
existiram. Ocorreram dispensas coletivas em grandes
empresas. A legislação trabalhista já se vinha adequando aos
novos tempos. Assim, três marcos imprimiram novo quadro em
nosso país: as crises econômicas, a redução de custos como
meio de enfrentamento da competição empresarial e o avanço
tecnológico, que permite maior produção com menor número
de empregados.15

A classe operária, em momentos de crise, sofre as conseqüências de uma


economia estagnada, sem crescimento suficiente para a manutenção ou
criação de novos postos de trabalho, acabando por ser penalizada por
problemas que não gerou, panorama esse muito visto no Brasil, onde, crise em
cima de crise, foram responsáveis por motivar o fechamento de muitas
empresas e aumentar em demasia o batalhão gigantesco de desempregados
existentes. Da mesma forma, o aumento da mecanização e robotização,
fatores esses que contribuem para o aumento da produção e da qualidade dos
produtos e serviços, geram a conseqüência perversa de substituição humana
pela máquina, o que eleva ainda mais o desemprego e nisso tudo, cada vez
mais o trabalhador se vê desprotegido.

3. Há meios para diminuir o esvaziamento do princípio da proteção?

Propõem-se não tentar resolver uma questão tão complexa quanto essa,
que vem permeando de dúvidas os doutrinadores e estudiosos do Direito do
Trabalho, mas podemos colocar aqui alguns procedimentos que amenizam ou
tendem a reter ou diminuir o esvaziamento do principio da proteção.

15
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit. pp. 302-302
Para Américo Plá Rodrigues uma das formas seria o fortalecimento dos
acordos coletivos e das convenções coletivas do trabalho, buscando-se uma
maior efetividade dos trabalhadores nas negociações, e na atual vertente, onde
o negociado se sobrepõe ao legislado, diversos princípios que regem a relação
trabalhista poderiam ser preservados, principalmente o princípio da proteção.
Assim afirma o autor que,

A união dos trabalhadores se situa no início do fenômeno


trabalhista e constitui a resposta natural à injustiça e à
exploração dos empresários. A princípio, a união dos
trabalhadores atraiu a atenção pública para o fenômeno
laboral. Dessa atenção para o fenômeno laboral derivou a
legislação do trabalho. Essa legislação foi reconhecendo a
realidade social e sindical, o que significou suprimir entraves à
união e, num segundo momento, criar estímulos para a união
dos trabalhadores. Na medida em que se formaram
associações profissionais, surgiu uma nova forma de criação
do Direito do Trabalho: a de origem profissional e extraestatal,
que teve nas convenções coletivas sua expressão máxima.
Foram-se desenvolvendo paralelamente ambas as formas de
elaboração do direito. De um lado, o direito estatal, consagrado
na lei e nos regulamentos. De outro, o direito profissional ou
extraestatal, concretizado nas convenções coletivas e nas
normas emanadas dos órgãos tripartites ou paritários.
Porém, com o passar do tempo, o direito coletivo do trabalho
de origem extraestatal foi substituindo o de origem estatal, no
sentido de torná-lo desnecessário, inadequado ou impróprio.
De fato, a proteção obtida pelos próprios trabalhadores
associados, através de convenções coletivas, tornou inútil a
proteção outorgada pelo legislador.
Esse processo diz respeito à própria razão de ser do Direito do
Trabalho.
O Direito do Trabalho surge como consequência de uma
desigualdade: a decorrente da inferioridade econômica do
trabalhador. Essa é a origem da questão social e do Direito do
Trabalho.
As desigualdades somente se corrigem com desigualdades de
sentido oposto. Durante certo tempo, conseguiu-se a
desigualdade compensatória porque o Estado colocou a favor
do trabalhador o peso da lei. Surgiu, assim, a legislação do
trabalho. As desigualdades somente se corrigem com
desigualdades de sentido oposto. Durante certo tempo,
conseguiu-se a desigualdade compensatória porque o Estado
colocou a favor do trabalhador o peso da lei. Surgiu, assim, a
legislação do trabalho.16

16
RODRIGUEZ, Américo Plá. Op. cit. p. 27.
Em acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho17emerge o fato
de que os juízes trabalhistas são os principais agentes para desigualar as
partes na relação de trabalhos, já que estão diante dos fatos concretos e para
poderem produzir justiça devem colocar as partes em níveis de força iguais,
como dizia o saudoso Ruy Barbosa que,

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar


desigualmente aos desiguais, na medida em que se
desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais
com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade
real.18

Neste sentido leciona Aury Lopes Júnior que,

O poder judicial somente será legitimado enquanto amparado


por argumentos cognoscitivos seguros e válidos (não basta
apenas boa argumentação), submetidos ao contraditório e
refutáveis. A fundamentação das decisões é instrumento de
controle da racionalidade e do sentir do julgador, num
assumido anticartesianismo. Mas também serve para controlar
o poder, e nisso reside o núcleo da garantia.19

Assim verifica-se que o Poder Judiciário acaba por ser o grande


guardião do princípio da proteção, pois cabe a esse poder, julgar com equidade

17
―O processo do trabalho rege-se, dentre outros princípios, pelos da informalidade, da
transcendência, da oralidade, da concentração e da proteção processual. Dessa principiológica
peculiar ao processo do trabalho, extrai-se que as partes devem produzir suas provas em
audiência - que deve ser preferencialmente una, independente de determinação judicial para
tanto e que, havendo alegação de necessidade de dilação probatória por um dos litigantes,
deve haver, da tal demandante, a manifestação imediata do prejuízo à primeira vez que tiver de
falar em audiência ou nos autos, sob pena de preclusão. Especificamente do princípio da
proteção processual, extrai-se o dever de o magistrado trabalhista compensar a desigualdade
existente na realidade socioeconômica (entre trabalhador e tomador dos serviços) com uma
desigualdade jurídica em sentido oposto, de forma a restabelecer e manter a verdadeira
igualdade processual‖(TST. RR - 231-46.2017.5.11.0019.5ª Turma. RelatorDouglas Alencar
Rodrigues. Julgamento em 1/10/2019. Publicação em 18/10/2019).
18
OLIVEIRA, Rui Barbosa de. Disponível em:https://citacoes.in/citacoes/575373-ruy-barbosa-a-
regra-da-igualdade-nao-consiste-senao-em-quinhoa/. Acesso em 22 out. 2019.
19
LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução critica ao processo penal: fundamentos da
instrumentalidade garantista. Lúmen Júris. 2005. p. 256.
e igualdade, equilibrando forças entre as partes e celebrando um processo
justo.

Conclusão

O evidente declínio ou a erosão do princípio da proteção aqui tratado


como esvaziamento torna latente que as relações trabalhistas, ao invés de se
aperfeiçoarem, depois da reforma trabalhista acabaram por retroceder,
trazendo para os dias atuais, desigualdades e desequilíbrios que antes
existiam e que estão surgindo com uma força impressionante.

Pode-se atribuir como causa, de uma forma ampla, depois deste


sintético estudo, que o mercado de trabalho, ávido cada vez mais pelo maior
resultado em produção e pela diminuição de custos, acaba por colocar a
remuneração dos trabalhadores, os direitos e benefícios que a legislação lhes
dedicam, bem como, os encargos sociais correlacionados, como fator causal
da redução dos lucros das empresas, da existência de barreiras de
crescimento e como perda de poder de concorrência, ignorando ou deixando
ignorar outros fatores, tantos econômicos quanto estruturais, burocráticos,
administrativos, logísticos, dentre outros, que maior peso trazem a indústria, ao
comércio e à prestação de serviços, locomotiva principal neste momento de
queda advinda de uma crise generalizada.

Na tentativa de evitar que toda a carga de problemas encontrados pelos


empregadores seja atribuída à relação trabalhista, devem os obreiros
buscarem melhores acordos coletivos e convenções coletivas que garantam
que o negociado pode ser mais efetivo e protecionista do que o legislado, a fim
de obterem a proteção que a legislação e o sistema estão lhes negando. Ao
Poder Judiciário caberá atuar de uma forma cada vez mais ampla nas soluções
de conflitos, de forma a reduzir as desigualdades entre patrões e empregados,
com fins de obtenção da verdadeira justiça.
Bibliografia

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988. Brasília, DF. Presidência da República, [2019]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 20 out. 2019.
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