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DIREITO PROCESSUAL PENAL – 1º Bimestre

Material:

1) Anotações em aula;
2) Teoria Geral do Processo – Cintra, Ginover e Dinamarco;
3) Curso de Processo Penal – Fernando Capez;
4) Curso de Processo Penal – Mougenot.
5) Processo Penal – Julio Fabbrini Mirabete

1. ESTADO E PODER
A noção de Estado está intimamente ligada à noção de poder. Para alguns, o Estado é um
poder institucionalizado. Para outros, o Estado é titular de um poder, que deriva da
sociedade, motivo pelo qual esse poder deve ser exercido para o bem da coletividade.
(Sendo essa última corrente adotada pela nossa CF, no art. 1, §1º).
Independente da posição adotada, é certo que a presença do Estado enquanto entidade
interfere cotidianamente na vida da sociedade, visando garantir condições mínimas de
convivência entre os indivíduos, de modo a manter a ordem e a paz, oferecendo proteção aos
interesses considerados fundamentais para cada indivíduo ou categoria de indivíduos.
O poder estatal manifesta-se em inúmeros aspectos: na produção de normas que tornam
obrigatórias ou proibidas certas condutas; na execução forçada das condutas que essas
normas determinam; por meio da imposição de sanções aos infratores; na concessão de
autorização para que particulares prestem determinados serviços mais relevantes para a
sociedade, etc. O que há de comum em todas essas situações é a restrição à liberdade do
indivíduo, que sempre fica submetido à autoridade do Estado. [4]

1.1 O direito de punir


Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta do cidadão por meio de normas
objetivas sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível. São assim
estabelecidas regras para regulamentar a convivência entre as pessoas e as relações
destas com o próprio Estado, impondo aos seus destinatários determinados deveres,
genéricos e concretos, aos quais correspondem os respectivos direitos ou poderes das
demais pessoas ou do Estado. Esse conjunto de normas, denominado direito objetivo,
exterioriza a vontade do Estado quanto à regulamentação das relações sociais, entre
indivíduos, entre organismos do Estado ou entre uns e outros. Esses comportamentos,
ditos lícitos ou ilícitos pela norma, podem ou não ser respeitados, e a essa possibilidade,
faculdade ou poder que se outorga a um sujeito para a satisfação de seus interesses
denomina-se direito subjetivo. [5]
Em caso de infração a esses direitos, o Estado é o titular exclusivo do direito de punir.
Mesmo no caso da ação penal exclusivamente privada, o Estado somente delega ao
ofendido a legitimidade para dar inicio ao processo, isto é, confere-lhe o jus persequendi in
judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi. [3]

LETÍCIA GABRIELLA ALMEIDA – FORMANDOS 2015


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Esse direito de punir, entretanto, não é arbitrário, mas sim delimitado pelo princípio de
reserva legal, previsto na nossa CF no art. 5º, XXXIX:
“XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal;”

Inicialmente, tal poder é genérico e impessoal, ou seja, não se dirige especificamente a


uma pessoa ou outra, destinando-se à coletividade como um todo.
No momento em que é cometida uma infração, esse poder deixa de ser abstrato para
tornar-se uma pretensão individualizada, dirigida especificamente contra o transgressor.
Surge, então, um conflito de interesses: O Estado tem a
pretensão de punir o infrator, que oferecerá resistência
à essa pretensão.

Nesse ponto, entra o processo. A Jurisdição só pode atuar e resolver o conflito por meio
do processo, que funciona, assim, como garantia de sua legítima atuação (instrumento
imprescindível ao seu exercício). [3]

 O poder judiciário surge na visão política do processo como indispensável ao


desequilíbrio democrático, e o processo como instrumento apto de efetivá-lo, de
estabelecer essa garantia. [1]

1.2 O Direito como limite ao poder [4]

No Estado de Direito, entretanto, o exercício do poder estatal é limitado pela existência do


direito, que, através do conjunto de normas jurídicas, fica limitado em suas atividades, não
podendo afrontar a liberdade individual, a propriedade ou dignidade humana sem
respeitas uma série de restrições, ainda que sob pretexto do bem comum.

Durante algum tempo, discutiu-se


sobre determinada questão: Se o
Assim, o Poder Legislativo tem
próprio Estado é encarregado de criar
por função primordial a
suas normas, será sua atuação
ilimitada¿ elaboração de normas
Bem por isso, estudiosos como Locke e jurídicas, enquanto o
Montesquieu perceberam que o poder Executivo terá por função
funcionava de modo mais equilibrado principal o cumprimento, de
se a função de criar normas jurídicas ofício, de cumpri-las.
fosse exercida por órgão diverso
daquele que se incumbiria de cumpri-
las. Surge, então, a separação de
poderes.

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2. DA TEORIA GERAL DO PROCESSO
O estudo da história das civilizações tem demonstrado que a sociedade, em seus vários graus de
desenvolvimento, inclusive os mais primitivos, sempre esteve erigida segundo regras de convivência. O
ser humano possui uma vocação, que lhe é eminente, de viver em grupo, associado a outros seres da
mesma espécie.
É, portanto, predominante o entendimento de que não há sociedade sem direito: ubi societas ibi jus
(onde está a sociedade, está o direito). A sociedade e o direito nasceram e caminham lado a lado. Da
mesma forma que não há sociedade sem direito, a recíproca também é verdadeira, não há direito sem
sociedade: ubi jus ibi societas.
A razão dessa correlação entre a sociedade e o direito está na função ordenadora que este exerce
naquela, representando o canal de compatibilização entre os interesses que se manifestam na vida
social, de modo a traçar as diretrizes, visando prevenir e compor os conflitos que brotam entre seus
membros, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e
desgaste. [2]

Todavia, ainda que exista um direito regulador da cooperação entre pessoas e capaz da atribuição de
bens a elas, esse não é suficiente para eliminar os conflitos que podem surgir.
Esses conflitos emergem do seio social quando uma pessoa, pretendendo para si determinado bem,
não pode obtê-lo, seja porque:
(a) aquele que poderia satisfazer a pretensão reclamada não a faz, ou;
(b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão (p.ex. a pretensão punitiva estatal que
não pode ser satisfeita mediante um ato de submissão do indigitado criminoso).

2.1 Conflito de Interesses

INTERESSE: Disposição de satisfazer uma necessidade.

PRETENSÃO: Exigência de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio. Existe quando


uma das partes afirma contra uma outra, que se compete em um conflito de interesses, a proteção do
direito.

CONFLITO DE INTERESSES: “Situação favorável à satisfação de uma necessidade que exclui situação
favorável de uma necessidade diversa” [5].
Ocorre sempre que houver incompatibilidade entre os interesses postos em uma relação.

RESISTÊNCIA À PRETENSÃO: Oposição de uma parte à pretensão de outra.

LIDE: Conflito de interesses + Resistência à pretensão.


Caracteriza-se pelo conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela
resistência do outro.

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Tentei colocar aqui tudo o que
ele falou na aula, então pode ter
[1]
ficado meio confuso.

Como as pessoas vivem em comunidade, se agregando e sendo da própria natureza humana, os


conflitos são inevitáveis, como inevitáveis são as normas sociais de regulação da convivência humana.
Na sociedade, assim, as normas de conduta crescem ou diminuem, se adaptam ou se modificam, mas
não desaparecem jamais.

A UNIDADE DO DIREITO, A VALOR DA NORMA E A SANÇÃO[1]

O Direito, como instrumento de regulação da sociedade, é indivisível. Aqui, não se pode


limitá-lo à legislação previamente consagrada. Sendo a sociedade um fenômeno em
movimento, nem sempre as normas de conduta são tão numerosas de modo a
compreender todas as formas de comportamento humano. Diante disso, o Direito, com
sua característica de unidade, indivisibilidade e totalidade deve compreender solução
para todas elas, recorrendo então a outras formas de solução de conflitos, outras fontes
indispensáveis à aplicação da Justiça.
Investigando o porquê da existência de normas jurídicas na sociedade, percebe-se que
por trás delas há um interesse a ser protegido, que se apresenta como útil ao homem, e
por isso mesmo merece sua proteção.

É aquela visão entre norma e valor que ela representa. O valor significa o conteúdo do
bem, seu significado, a expressão comunicativa daquele bem. Quando se investiga o
porquê, o conteúdo da norma jurídica enxerga-se o valor do bem, que se apresenta
como útil ou necessário à pessoa humana, e por isso merece proteção.
O conteúdo valorativo da norma é um valor que merece proteção em relação ao seu
descumprimento, à sua violação, por uma parte da norma que se denomina sanção. Na
técnica legislativa, a norma jurídica é imperativa (diferente da norma moral), ou seja, o
individuo não tem a liberdade de escolher cumpri-la ou não, pois ela é impositiva (o
comportamento realizado é pressuposto da aplicação da sanção). As sanções podem
ser:
• Específicas: quando o direito está preparado, ou tem possibilidade de restituir
aquele bem ou interesse que fora violado ao prejudicado.
• Compensatórias: quando não é possível recuperar esse bem/ restituí-lo. Então o
direito oferece uma compensação à vitima.
O mecanismo de proteção de bens e interesses por meio das normas jurídicas que
contem sanção existe e funciona, porque ao homem interessa a apropriação desses
bens na convivência humana. Significa, portanto, que nós temos um mecanismo que
atua por força da própria dinâmica social, pois a apropriação desse bem pelo homem é
também, em si mesmo, um valor, ou ao menos é humanamente inevitável (ninguém
pode viver em sociedade sem esse dado mecanismo).
Carnelutti vê na base da sociedade esse mecanismo de regulação das condutas
humanas. Diz-se que, quando se tem um interesse a ser satisfeito, esse interesse é
individual, portanto não há conflito. Entretanto, a satisfação de determinado interesse
pode contrapor-se a condição satisfação favorável a satisfação de interesse diverso; é
quando surge a pretensão resistida. O supracitado autor vê esses conflitos que exigem
limitação, para que haja convivência social pacifica (que já representa um valor, sendo
que é humanamente inevitável).

O conceito de lide como conflito de interesses nem sempre é verdadeiro, porque restringe
demasiadamente a atuação do direito, tornando inexplicáveis alguns institutos como da jurisdição
voluntária e do próprio processo penal. Nem sempre, em especial no processo penal, a jurisdição será

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necessária, independentemente do conflito concreto. É por isso que autores preferem tratar a lide no
processo penal como caso penal, visto que existem alguns procedimentos no CPC onde não há
propriamente lide (ex: inventario onde há bens de menores, a jurisdição será necessária, bem como
em um divorcio consensual que envolva um menor).

É importante ressaltar, também, que o Direito não leva em consideração só os interesses individuais,
mas também os interesses coletivos e, ainda, os interesses que transcendem as necessidades
individuais ou grupais e são focalizados como imposições da sociedade, consubstanciados no termo
"interesse público", ou como modernamente são chamados: "interesses ou direitos difusos". Esses
conflitos podem ser:

 Interesses Difusos: São aqueles indivisíveis, cujos titulares são pessoas indeterminadas.
 Interesses Coletivos: São aqueles de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contraria por uma relação jurídica.
 Interesses Individuais Homogêneos: São aqueles de natureza divisível, cujos titulares são pessoas
determinadas.

Então, o direito deve disciplinar todos esses interesses que contrapõem, se influenciam, se
completam, se interferem.

O vórtice desses interesses ademais, se incrementa em função da existência de mais de um interesse


num mesmo conflito, ou de diferentes categorias de interesses no mesmo conflito. Posso ocorrer que,
em um mesmo fato, existam diversos interesses individuais, um interesse coletivo e um interesse
público.
Exemplo: “Digamos que os pescadores do rio Paranapanema constituam uma associação. Três ou
quatro pescadores associados estão pescando no referido rio em período proibido ou com petrechos
proibidos e são, então, surpreendidos nessa condição. Então, num mesmo fato, temos mais de um
interesse individual, o interesse dos pescadores, o interesse coletivo, relacionado à associação, e o
interesse difuso, que é a preservação do meio ambiente, daquela espécie, daquele rio”.

O direito é que vai disciplinar esses interesses, fazendo prevalecer o interesse que for mais
importante. O critério de escolha decorre do valor que o direito quer ver preservado, aliás, não é
possível compreender-se o direito com a abstração de seus valores constitutivos, devendo-se, porém,
evitar duas posições extremadas e igualmente inadequadas, conforme será exemplificado abaixo.

 AS DIVERSAS FACES DO DIREITO E A JUSTIÇA

As atitudes valorativas do direito são muitas, tais como:


1) Ciência do Direito: analisa a realidade jurídica, isto é, o direito positivado, considerando o direito
como fato cultural.
2) Filosofia do Direito: Atitude Valorativa, considerando o direito como um valor da cultura.
3) Filosofia Religiosa do Direito: Atitude superadora de valores, que considera o direito de forma
transcendente.
4) Sociologia do direito: Atitude não valorativa, o estudo do direito como um fato social.

A atitude do direito é a primeira, da ciência do direito, encarando-o como ele é, e não como deve ser.
Os valores que o integram serão analisados como um elemento, junto com a norma e o fato, não se
abstraindo a realidade positiva. Mas o intérprete também não pode fugir da ideia do direito ideal, até
porque esta questão está diretamente relacionada com a posição sociológica e ética do homem em
sociedade.
Baseando-se no estudo da ciência jurídica, seu método de ensino é o técnico jurídico, e não o
experimental que ocorre nos métodos naturais. Seu objeto de estudo é a lei.
Essas observações preliminares são importantes, pois elas acabam por evitar ou recomendar que se
evitem duas tendências extremadas e que podem levar a distorções muito graves no direito:

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1) Os filósofos/ jus filósofos se posicionam no sentido de confundir POSITIVIDADE JURÍDICA e
JUSTIÇA. Afirmam que não existe Direito fora da lei, do Estado – Retira-se da realidade positiva toda
referencia axiológica, todo conteúdo do Direito.
2) Outros doutrinadores, em contraponto, vêem a JUSTIÇA independente de qualquer valor formal,
assim como a norma axiológica própria, projetando a ideia de justiça para fora do processo de
juridicidade positiva. Há um desprezo total da positividade jurídica.

Na realidade, ambas as posições são extremas. Não é possível afastar o Direito de todo o seu
conteúdo, apenas por ter sido legislado. Por outro lado, também, não é razoável a conclusão do direito
como positividade absoluta.
O risco dessas posições extremadas aumenta muito quando se trata de garantias fundamentais e
liberdades públicas, que interferem no primado da pessoa humana. Nesse caso, é importante a
concepção ética e moral do homem e da sociedade. Em dado espaço e momento histórico, são levadas
em consideração as condições temporais, espaciais, a concepção de que tem de homem e sociedade
fundamentalmente.
E como balanço dessa noção preliminar, o conteúdo valorativo do direito é importante, pois permite a
consideração do direito como natural. Ou seja, de uma categoria de direito que está acima do próprio
Estado, alias, que só existe para protegê-lo. Essa posição, do jusnaturalismo moderno, é combatida
tanto pelos positivistas, quanto por aqueles que concebem um conceito formal de direito. Pois para
eles não existe direito fora do estado ou da lei, não se aceita nenhuma categoria de valor relacionado
ao direito. Para os formalistas, o direito é o dado em determinado momento histórico, com
determinada formação social e não passa disso. Essas duas posições são, portanto, unilaterais,
extremadas e inaceitáveis, pois não aceitam nenhuma categoria de direito acima do estado.
O direito existe em função da realização de valores, no qual está no centro o da pessoa humana. O
valor da pessoa humana antecede, portanto, o direito positivo, condiciona-o e o dá razão de existir.
Essa visão suprapositiva e valorativa do direito permite a aceitação de uma categoria de direito que
está acima que qualquer conformação histórica ou social. Esse valor supremo sob o qual gravita todo
o ordenamento jurídico é o da pessoa humana. Daí se extrai o principio da dignidade humana como
núcleo ético de qualquer organização social. Por isso é clausula pétrea.

O direito tem por fim a realização da justiça. Porém, em determinado momento histórico pode a
realidade positiva deixar de atender ao valor de justiça que deve ser concretizado pela realidade
jurídica. A justiça também é um conceito histórico, que depende das circunstancias socioculturais e
nem sempre pode fugir, ou quase nunca foge, à perspectiva subjetiva do intérprete.
A ideia de justiça é uma ideia que nunca estará dissociada do Direito, pois este último existe para
garantir aquela que, aliás, o justifica.
Mas, afinal, o que é justiça?

Nesse primeiro momento da reflexão que estamos fazendo, ao menos no Direito Penal, justiça talvez
seja a característica possível, não necessária, numa dada ordem social. A ordem justa será aquela
capaz de regular os comportamentos humanos, a que todos alcancem sob ela a felicidade, a
realização enquanto pessoa humana. Justiça dá a sensação de realidade social. Mas se justiça é
felicidade, a pergunta inicial não está definitivamente respondida, pois surge outra pergunta não
respondida: o que é felicidade? Se justiça é felicidade, não será possível uma ordem social justa, se
cada um compreender o que é felicidade para si mesmo. O que é felicidade para um, pode entrar em
conflito o que é felicidade para outro, de modo que não conseguiríamos contentar a todos.
Suponhamos, diz Kelsen, que dois homens amem uma mesma mulher e que cada um compreenda que
a sua felicidade consista em tê-la para si, mas pela lei e por seus próprios sentimentos, poderá
pertencer somente a um deles. Por isso dizemos que é praticamente impossível entender o que é
justiça pelo conceito subjetivo do que é felicidade para si mesmo.

Levando em consideração, então, que a felicidade é subjetiva e, consequentemente, justiça


também, como resolver eventuais conflitos?

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Nenhuma ordem social será capaz de compensar todas as justiças e injustiças. Tem-se a
justiça como um conjunto de elementos emocionais que preponderam na resolução dos
conflitos. Geralmente entregamos ao legislador o poder de estabelecer quais são os valores
mais importantes. Determina-se a hierarquia dos juízos de valor, que são muitos, de acordo
com o Estado em que vivemos. O critério de escolha é de acordo com o valor que concebe
ser o mais importante, devendo-se evitar os critérios extremados, aqueles que buscam um
conceito de justiça livre de nota axiológica e outros que levam a justiça para fora do
conceito positivo. Não é possível um conceito puramente formal de justiça, nem justiça se
confunde com direito, Ele existe para a realização da justiça, e quando esta não se realiza, esta
deve ser alcançada pela realidade jurídica, pois o conceito de justiça é também histórico,
dependendo muitas vezes das perspectivas subjetivas do intérprete.

Alguns exemplos ilustram isso:


A vida humana, segundo uma determinada concepção ética, é o valor supremo, o maior valor.
Segundo ela, é absolutamente proibido matar o ser humano, em qualquer situação.
Segundo outra concepção ética o maior valor seria a honra da nação.
Sendo assim, por razões políticas, já se relativiza o valor vida. Baseando-se nessa outra concepção
ética, constitui dever moral e ético, matar o inimigo na guerra, se o interesse ou a honra da nação
assim o exigir. E segundo essa mesma concepção, não parece desapropriada de todo a pena de morte
a crimes nefastos.
Então, qual o valor que deve prevalecer? A vida ou o interesse social? O conflito não pode ser
resolvido de maneira puramente científica nesse ponto, ou seja, o valor entra em ação.

Outro exemplo: suponhamos que em determinada prisão, ou determinado campo de concentração,


onde seja absolutamente impossível a fuga, a liberdade, e o tratamento seja avultante ao escravo, ao
sujeito privado de sua liberdade, a pessoa pode se colocar diante do seguinte dilema: o suicídio é
admissível? Aqui, temos dois valores, a vida e a liberdade. Para alguns, a vida sem liberdade naquelas
condições não tem qualquer valor, então o suicídio poderia ser justificado, considerado até mesmo um
ato de coragem. Para outros, a vida é o maior valor, logo, o suicídio não se justifica.
Quando afirma-se que a madeira pesa menos do que a água, é um juízo de realidade que pode ser
comprovado através de experimentos. Diferente de quando pergunto se o que é mais importante:
segurança ou liberdade?
São conflitos para os quais a resposta será sempre subjetiva, da pessoa para quem se pergunta. Porém
não é porque juízo de valor individual seja legítimo, que cada um possa ter seu próprio juízo de valor.
O conjunto de juízo de valor de grupos de coletividade num determinado contexto histórico, numa
determinada geografia em que o interesse do direito está em saber qual o valor último. [1]

Após percorrer a norma, a sanção e a justiça, ficou evidente que os interesses divergem e
entram em choque constantemente, de acordo com diferenças de ideais, de opiniões e de
costumes.
Diante disso, faz-se necessária a solução desse conflito para continuidade da paz social e da
satisfação, ainda que parcial, dos indivíduos.
A eliminação de conflitos ocorrentes na vida em sociedade pode-se verificar por obra de um
ou de ambos os sujeitos dos interesses conflitantes, ou por ato de terceiro. Na primeira
hipótese, um dos sujeitos (ou cada um deles) consente no sacrifício total ou parcial do próprio
interesse (autocomposição) ou impõem o sacrifício do interesse alheio (autodefesa ou
autotutela). Na segunda hipótese, enquadram-se a defesa de terceiro, a mediação e o
processo.[3]
Entramos agora nos tipos de solução de litígio.

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2.2 DA AUTOTUTELA À JURISDIÇÃO
Modernamente, em ocorrendo a convergência de interesses antagônicos, ou um conflito de
interesses qualificado por uma pretensão resistida (caracterizando-se então a lide), em
princípio o direito impõe que, se se quiser pôr fim a essa disputa, seja provocado o Estado-
juiz, que tem como vocação constitucional a prerrogativa de dizer, no caso concreto, qual a
vontade do ordenamento jurídico (declaração) e, se for o caso, fazer com que as coisas se
disponham, na realidade prática, conforme essa vontade (execução).
Contudo, nem sempre foi assim. Nos primórdios da civilização, inexistia um Estado
suficientemente aparelhado para superar os desígnios individualistas dos homens e impor o
direito acima da vontade egoística dos particulares.
Diante disso, quem pretendesse alguma coisa a que outrem se opusesse, haveria de, com sua
própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua
pretensão [2], observa-se, nesse período da civilização, a:

a. Autotutela/Autodefesa [3]
A autotutela remonta aos princípios da civilização e caracteriza-se, basicamente, pelo
uso da força bruta para satisfação de interesses. A própria repressão dos atos
criminosos se fazia ora em regime de vingança ou de justiça privada, ora pelo Estado,
sem a interposição de órgãos imparciais.
Os dois traços característicos da Autotutela são:
 Ausência de juiz imparcial;
 Imposição da decisão por uma das partes à outra.

Atualmente, a autotutela existe no nosso ordenamento jurídico APENAS COMO


EXCEÇÃO. Ex: Prisão em flagrante – Art. 302 do CPP; Estado de Necessidade e Legítima
defesa – Art. 24 e 25 do CP.
O exercício da autotutela fora das hipóteses legalmente admitidas configura ilícito
penal, tipificado nos textos dos arts. 345 (quando praticado por particular) e 350
(quando por agente público), ambos do CP.

Além da autotutela ou autodefesa, outra solução possível, nos sistemas primitivos, era a:
b. Autocomposição [3]
Ocorre quando uma das partes integrantes do conflito abre mão do seu interesse em
favor da outra, ou quando ambas renuncia, à parcela de suas pretensões para
solucionar pacificamente suas divergências.

São três as formas de autocomposição:


 Desistência (renúncia à pretensão, voluntariamente, por uma das partes);
 Submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão);
 Transação (concessões recíprocas).

Ao contrário das formas de autotutela, a autocomposição é, em regra, considerada


legítimo meio alternativo de solução dos conflitos, estimulado pelo direito mediante
atividades consistentes na conciliação – Desde que não verse sobre direitos
indisponíveis.
Sendo assim, infrações de menor potencial ofensivo admitem, após a Lei 9.099/95, esta
forma alternativa de pacificação social.

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Aos poucos, foi-se percebendo que esses sistemas não atendiam plenamente as exigências do
justo e do equitativo, enfim, daquele sentido maior de justiça, de que cada um ficasse com o
que realmente era seu.
Os indivíduos dessas sociedades ainda primitivas começaram a preferir, ao invés de uma
solução parcial (que dependiam da vontade e da atividade de uma ou de ambas as partes
envolvidas), uma decisão amigável e imparcial através de árbitros, escolhidos entre pessoas
de confiança mútua em que as partes se louvavam para a solução das pendências. Essa tarefa,
em geral, era conferida aos sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções
acertadas e incontestáveis, de comum acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciões, que
conheciam os costumes do grupo social integrado pelos interessados. A decisão dos árbitros
pautava-se nos padrões escolhidos pela consciência coletiva, inclusive pelos costumes. Surge,
daí, historicamente, a figura do juiz antes do legislador. [2]

c. A intervenção de terceiros, a mediação e o processo [3]


A Intervenção de terceiros na solução do conflito surgiu, inicialmente, com a escolha
pelos próprios conflitantes de um árbitro imparcial. Essa escolha, como já dito
anteriormente, recaía em geral sobre sacerdotes ou anciãos.

Aos poucos, o Estado foi-se afirmando e conseguiu impor-se aos


particulares. Os cidadãos em litígio compareciam perante o pretor,
comprometendo-se a aceitar o que viesse a ser decidido, esse
compromisso era chamado de “LITISCONTESTATIO”. Escolhia-se então Arbitragem
um árbitro, que recebia do pretor o encargo de decidir a causa. Havia, facultativa.
portanto, dois estágios para solução do conflito:
 “In jure” - Perante o magistrado ou pretor (litiscontestatio);
 “Apud judicem” - Perante o árbitro.

Posteriormente, o Estado passou a ter o poder de indicar o árbitro, Arbitragem


independentemente da vontade das partes, sendo exclusivo do poder obrigatória.
Estatal essa escolha.

Superando essa fase individualista de solução de conflitos (ordo judiciorum privatorum), o


pretor passou a conhecer ele próprio do mérito dos litígios entre os particulares, proferindo
sentença, inclusive, ao invés de nomear ou de aceitar a indicação de um árbitro que o fizesse.
A Justiça passou, então, a ser distribuída pelo Poder Público, deixando de ser privada e
alcançando o status de pública.

O Estado, suficientemente fortalecido, sobrepunha-se à vontade dos particulares, e,


prescindindo-se da voluntária submissão destes, impingia-lhes autoritariamente a sua solução
para os conflitos de interesses. Surge, assim, a JURISDIÇÃO nome que se dá à atividade,
através da qual, os juízes estatais resolvem os conflitos de interesses, agindo em
substituição às partes envolvidas, que não podem mais fazer justiça com as próprias mãos
(vedada a autodefesa, como regra); às partes, que não podem agir, resta a possibilidade de
fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional. [2]

Obs: Cabe ressaltar que as formas de composição não se sucederam automaticamente umas
às outas ou foram extintas por completo para o surgimento das demais, mas representam
princípios de justiça que se digladiaram e ainda hoje se digladiam, ora prevalecendo um, ora
prevalecendo outro.
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PROCESSO:
O processo é o meio pelo qual o Estado procede à composição da lide, aplicando o direito ao
caso concreto e dirimindo os conflitos de interesse.
A jurisdição é, portanto, a função; o processo, instrumento de sua atuação. [3]
Direito e processo caminham juntos e um se justifica na dimensão do outro. Portanto, entre
Direito e processo há uma relação de recíproca dependência, o Direito não se efetiva sem o
processo, por outro lado, o processo não existe sem o direito. É no processo que o Direito se
torna vivo. [1]
- Sem o processo não há como solucionar o litígio (ressalvados os casos em que se admitem
formas alternativas de pacificação), razão por que é instrumento imprescindível para
resguardo da paz social. [3]

 É, portanto, válido dizer que, o processo surgiu verdadeiramente, quando o Estado,


proibindo a justiça privada, avocou para si a aplicação do direito como algo de
interesse público em si mesmo, e além disso, estruturando o sistema de direitos e
garantias individuais, interpôs os órgão jurisdicionais entre a administração e os
direitos do cidadão. O Poder Judiciário tornou-se um poder político, indispensável ao
equilíbrio social e democrático, e o processo um instrumento dotado de garantias para
assegurá-lo.
 O Processo busca solucionar a lide, ou seja, compõe o litígio, é o conjunto de
atividades e formas mediante as quais os órgãos competentes, assim
preestabelecidos em lei, promovem a aplicação do direito subjetivo ao caso
concreto. O processo é, sob esse aspecto formal, a coordenação de atos, visando o
julgamento da pretensão punitiva. Portanto, esse é o viés formal do processo.
 O processo não é, porém, só conjunto de atos, como pregava a doutrina monista.
Hoje, a moderna teoria do processo (dualista) encara-o também como a conjugação de
dois elementos distintos, que por um lado são inconfundíveis, por outro são
indissociáveis:
O procedimento e a relação jurídica processual. [4]
 Atos que representam sua forma extrínseca (objetivo/formal): Tem
como primeiro elemento constitutivo o procedimento, entendido como
cadeia de atos e fatos coordenados, juridicamente relevantes,
vinculados por uma finalidade comum, qual a de preparar o ato final, ou
seja, o provimento jurisdicional que, no processo de conhecimento, é a
sentença de mérito. [3]
 Relações que vinculam os sujeitos processuais (subjetivo): Surge aqui o
segundo elemento constitutivo do processo, que lhe dá vida e
dinamismo: a relação jurídica processual, autônoma, independente do
direito material. [3]

Com o advento da concepção dualista e sua absorção também pela doutrina do direito
processual penal, o acusado deixa de ser mero objeto inerte da investigação e do
procedimento, tornando-se parte do processo e, como tal, sujeito de direitos.
Finalmente, reconheceu-se o processo em sua inteireza, entendido em sua dúplice
natureza: ao mesmo tempo procedimento e relação jurídica. [4]

 Elementos identificadores da relação processual: [não abordado em sala] [3]


 Sujeitos processuais: Estado (na figura do juiz), autor e réu. Distingue-se da
relação material justamente pela condição do Estado de titular e de exercente
de manifestação do poder estatal.

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 Objeto da relação processual: O objeto que lhe é pculiar é o próprio
provimento jurisdicional pedido ao Estado, diferente do objeto da relação
jurídica material, que é o próprio bem da vida.
 Pressupostos processuais: Além dos elencados no art. 104, observou-se que o
direito processual também exigia, para a sua válida constituição, a observância
de certos requisitos peculiares, que formam os requisitos de admissibilidade
do julgamento do mérito. São eles:
o Subjetivos:
 Quanto ao juiz:
- Investidura;
- Competência;
A ausência desses
- Imparcialidade.
pressupostos, se  Quanto às partes:
não puder ser - Capacidade de ser parte;
suprida “a - Capacidade processual;
posteriori”, macula - Capacidade postulatória.
os atos judiciais de o Objetivos:
nulidade.  Extrínsecos:
- Inexistência de fatos impeditivos;
 Intrínsecos:
- Regularidade procedimental.

Duas são as teorias que disputam a preferência:


 Concepção teórica unitária:
Concebe o direito como nascendo do processo, isto é, o direito só se concretiza a partir da
ação individualizadora da sentença, dependendo da própria atividade do juiz, A sentença
judicial é a ponte entre a generalidade da norma e a particularidade do caso concreto
controvertido.

 Concepção dualista
Entende que o direito já existe antes da atuação do intérprete, que quando atua, encontra
uma norma concretizada, consumada, e ele apenas declara a vontade da lei no caso concreto,
permitindo sua atuação concreta. E mesmo que o intérprete recorra a fatores ou aspectos
sociológicos, axiológicos, teleológicos para aplicar o direito, na verdade ele nada mais faz do
que estar revelando naquele momento o que a lei efetivamente queria naquele caso concreto.
Separa, então, as atividades judiciárias e legislativa, de modo que, no plano legislativo são
produzidos preceitos que se aplicam imediatamente diante da ocorrência de um fato
juridicamente relevante, sendo que a função jurisdicional se limita a reconhecer essa vontade
concreta do ordenamento jurídico e propiciar sua atuação prática.

O fato, porém, e aqui se está a teoria dualista, é que o direito existe independentemente da atividade
do intérprete, do juiz, do particular, porque já se encontra uma norma concreta e consumada. A
atividade judicial, portanto, apenas reconhece o direito já concretizado, ainda que a decisão se baseie
em fatos sociológicos ou teleológicos, não houve mais do que o reconhecimento do que o direito já
preceituava concretamente daquela maneira.
Portanto, entende-se que a sentença libera a coação estatal, uma vez reconhecida a norma do caso
concreto; porém o direito, para existir, não depende da efetivação dessa coação, pois a característica
do direito é a coercibilidade (previsão da sanção, da coação como ameaça) e não a coercitividade, que
vincularia a própria formação do direito como a sua violação e imposição de força. O direito já é
pronto e acabado quando normativiza uma conduta em relação a qual se comina sanção, vigente e
eficaz, no momento em que ocorre o fato fundante da relação jurídica.
Conclui-se, portanto, que o juiz está vinculado ao sistema de garantias e à lei, de forma que não se
trata apenas de uma transposição de uma ditadura do rei para o Judiciário, mas da institucionalização

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de um sistema em que as garantias atuem contra todos, inclusive contra o juiz, que deverá manter-se
fiel a conduta que a lei exigir.
Um Poder Judiciário autônomo e eficiente é indispensável para uma vivência democrática, sendo
sua função manter a ordem jurídica, manter a legalidade e assegurar o estado de direito. Sua
atuação não é política, no sentido de participação em programas do governo, seu mister é a tutela da
liberdade no contexto do regramento jurídico, balizando a liberdade de uns em relação aos outros.

Sintetizando:
Costuma-se dividir as fases do sistema de efetivação de direitos em 3:
Autotutela, Autocomposição e Jurisdição.
Na primeira, por não existir um Estado forte o suficiente para superar as vontades individuais, os
litígios eram solucionados a partir da força, imperando a lei do mais forte. Na segunda, as partes
abririam mão de um interesse, ou de parte dele, de forma que, a partir de concessões recíprocas, seria
possível chegar à solução dos conflitos. Na terceira, própria de um estado de direito, o Estado
manteria órgãos independentes, livres e desvinculados das vontades das partes, que imparcialmente,
teriam o poder de decidir e constranger o indivíduo a cumprir o decidido.
Essas fases não existiram cronologicamente, e sim em princípios lógicos que coexistiram, ora um
prevalecendo mais que o outro, e até hoje se digladiam, prevalecendo ora um, ora outro.
A autocomposição nunca existiu como uma fase histórica, pois o homem nunca foi tão altruísta a ponto
de erigir como regra a renúncia, a abdicação, a transigência, não acontecendo nem nas sociedades
religiosas.
O que vemos é a existência de dois sistemas ou duas fases a respeito da efetivação do direito: um em
que não são previamente garantidos os direitos individuais, as sentenças decorrendo de força,
eventual bondade ou transigência do chefe; e outro onde o sistema é cercado de garantias
previamente estabelecidas, de forma que a aplicação de direito se faça de forma formalmente igual
para todos, prevalecendo o império da lei e não a vontade individual. A lei prevalece, ainda que contra
a vontade do detentor do poder, a qual ele também se submete.

Outras Considerações: [1]


 Nas sociedades mais primitivas, devido à ausência de organização social, sempre existia
uma figura forte, um pai, um chefe. Essa figura passava a estabelecer sanções, castigos,
punições à aqueles que não obedeciam suas normas. A violação às normas baseava-se na:
Preponderância de interesses, repercussão social e a posição que tinha perante elas os
detentores do poder.
 Na fase primitiva do direito dos povos, os atos ilícitos não recebiam qualificação civil ou
penal e eram corrigidos ou reprimidos identicamente. No direito romano antigo, o termo
iniuria representava qualquer conduta contra o direito, sem preocupação de se separar a
violação civil da penal. O direito processual acompanhava essa indefinição, o processo era,
portanto, um só.
 A função de aplicar o direito confundia-se, antes, como uma função meramente
administrativa, aplicada conforme os interesses dominantes.
 O processo moderno só surge verdadeiramente quando se percebe que a solução do
conflito deveria ser feita de uma maneira imparcial, estabelecendo-se então um sistema
de garantias, de pesos e contrapesos, e assim, interpondo-se entre a administração, os
direitos e os órgãos jurisdicionais de modo que o poder Judiciário surge com a existência
do juiz, como um poder imprescindível ao equilíbrio democrático, bem como o processo
como um instrumento apto a efetuá-lo.
 O juiz não está, e nem nunca poderá estar a serviço de determinada classe social, pois ele
existe para o equilíbrio entre a administração e os direitos.
 O direito não existe somente para resolver conflitos, mas também para evitar que
ocorram, prevenindo-os. Pois são conflitos de interesses e não de pessoas. Portanto o
direito não depende do conflito para existir, mas existe exatamente para evitá-los.

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3. O PROCESSO PENAL
Superando, via de regra, a vingança privada (autodefesa) e a submissão de um dos titulares
de menor resistência (autocomposição), no Estado moderno a solução do conflito de
interesses, especialmente no campo penal, se exerce através da função jurisdicional do
Estado no que se denomina processo, e, em se tratando de lide penal, processo penal.[5]

3.1 A ATUAÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO PENAL


O Jus Puniendi, conforme exposto no item 1.1, existe primeiramente em abstrato,
tornando-se concreto no momento da infração, e surgindo para o Estado o dever de aplicar
a pena.
Como na infração penal há sempre uma lesão ao Estado, este, como Estado-Administração,
toma a iniciativa de garantir a observância da lei recorrendo ao Estado-Juiz para, no
processo penal, fazer valer a pretensão punitiva.
A lei penal não pode ser aplicada senão seguindo as formas processuais estabelecidas na
lei, ou em outras palavras: o direito penal material não pode ser realizado senão pela vida
do direito processual penal.
Diante disso, o Estado e o Direito estabelecem, assim, um sistema de órgão públicos
perfeitamente diferenciados em sua atividade, como a Polícia, o Ministério Público, os
Juízes e Tribunais penais, com a finalidade comum de prevenção e repressão das infrações
penais.
- A Polícia tem como função primordial impedir a prática dos ilícitos penais e descobrir a
ocorrência e autoria deles;
- O Ministério Público representa o interesse do Estado na imposição da sanção aos
delinquentes, procurando assegurar a imparcialidade do órgão jurisdicional.
- O Judiciário, por fim, tem função decisória. É responsável por decidir se culpado ou
inocente o infrator, impor a pena e executá-la. [5]

Fica assim visto que o direito de invocação da tutela jurisdicional não pode ser exercido
pelo próprio juiz. Por isso é necessário que exista outro órgão que o faça, que se denomina
persecutio criminis, que apresenta dois momentos distintos: o da investigação a cargo da
polícia judiciária, e o da aplicação penal. [1]

3.2 O DIREITO PROCESSUAL PENAL


3.2.1 CONCEITO
O direito processual penal é aquele ramo do ordenamento jurídico que rege o
exercício conjugado pela jurisdição do estado juiz, da ação pelo demandante e da
defesa pelo demandado. Conjunto de princípios e normas que disciplinam a
composição das lides penais por meio das ações penais do direito definitivo.
Então, as peculiaridades desse conceito, podem ser assim entendidas pela ótica de
que o processo penal é um instrumento que determina como será exercido o poder
do estado na averiguação da verdade para que seja inferida uma pena. Sob outra
ótica é uma garantia para o réu e para a sociedade em geral de que apenas haverá
punição caso reste demonstrada a culpa depois do pleno exercício da defesa.
Assim, o jus puniendi, que é um poder dever do estado, impõe inexoravelmente a
jus libertatis do acusado. É esse o binômio que conforma o direito penal e é por
isso que ele se apresenta como ramo do direito público que se aplica ou que se
ocupa da forma, do modo, da administração da justiça penal. Por que o direito de
punir é genérico e abstrato, não se pode ter uma regra individualizada. [1]

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Outros conceitos:
“É o ramo do Direito Público que tem por objeto determinar as formas pelas quais
se iniciam, desenvolvem e terminam os procedimentos punitivos, visando
restabelecer a ordem jurídica turbada pelos delitos”- Roberto Barcelos Magalhães.
“É um complexo de atos solenes preestabelecidos, pelos quais certas pessoas,
legitimamente autorizadas, conhecem dos delitos e dos delinqüentes, para justa
aplicação das penas”- Galdino Siqueira.
“É um conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do
direito penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e respectivos
auxiliares, bem como a persecução penal”- Frederico Marques.
“É uma seqüência de fatos, atos e negócios jurídicos que a lei impõe (normas
imperativas) ou dispõe (regras técnicas e normas puramente ordenatórias) para a
averiguação do crime e da autoria e para o julgamento de ilicitude e da
culpabilidade”- Hélio Tornaghi.

3.2.2. FINALIDADE
O Direito Processual é uma ciência do dever ser, normativa, em que o objeto é a lei,
o direito objetivo, portanto, seu método não é o experimental, mas o técnico-
jurídico. É também um direito instrumental, isto é, caracteriza-se por sua finalidade,
que é conseguir a realização da pretensão punitiva. Aqui posso dizer que a
finalidade do direito processual penal imediata, é a aplicação da pena ao autor do
crime, ou seja, é a aplicação do direito penal objetivo (observa-se, aqui, um
caráter instrumental). Já a finalidade mediata do direito processual penal é a paz
social. [1]

3.2.3 POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA/ NATUREZA JURÍDICA


A sua posição enciclopédica, isso é, a qual ramo ele pertence, é ser um ramo do
direito público. Ele estabelece relações entre o Estado e o particular. Dai o caráter
publicístico do direito processual penal. [1]

3.2.4 DIVISÃO
Sendo o processo uma forma de composição do conflito de interesses, conclui-se
que, conceitualmente, é ele uno, ou seja, refere-se às lides civil e penal. Entretanto,
o Direito Processual divide-se em dois grandes ramos: o Direito Processual Civil e o
Direito Processual Penal. Tal divisão é estabelecida de acordo com o conteúdo do
processo sobre a qual, via de regra, surge uma controvérsia a ser dirimida pelo juiz.
Ora, quando se trata de uma pretensão de natureza extra-penal, a regulamentação
normativa é de Processo Civil. Porém, se trata de uma causa penal, de uma
pretensão punitiva ou correlata, a regulamentação é feita pelo Direito Processual
Penal. Assim, embora a doutrina predominante se concentre numa concepção
unitária do processo, o conteúdo do processo penal, que é a pretensão punitiva,
individualiza o denominado Direito Processual Penal. [5]

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3.2.5 A RELAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL COM OUTRAS ÁREAS DO
DIREITO
O Direito Processual Penal, como uma das partes que compõem o sistema jurídico de um
país, não só está subordinado ao Direito Constitucional, como mantém íntima correlação
com os demais ramos das ciências jurídicas. Além disso, beneficia-se de ciências extra-
jurídicas (medicina legal, psiquiatria forense, criminalística), que colaboram com os atos de
investigação e do processo, a fim de que a composição do litígio penal se faça da forma
mais adequada, inspirada sempre no ideal de Justiça. [5]

DIREITO CONSTITUCIONAL
O processo constitui atualidade das garantias constitucionais. Subordina-se ao
direito constitucional diante do princípio da supremacia hierárquica da
constituição. Tanto há um elenco de princípios constitucionais relacionados ao
processo, de modo que podemos falar em direito processual constitucional. [1]

DIREITO PENAL
É estreita a relação do Direito Processual Penal com o Direito Penal, já que, sem
este, aquele não existiria. É pelo processo que se realiza, se dá existência concreta,
se decide sobre a procedência e a aplicação do jus puniendi do Estado, em conflito
com o jus libertatis do acusado. Matérias comuns, aliás, são disciplinadas por ambos
os códigos (ação penal, sursis, livramento condicional) [5]. Apesar da autonomia
entre as duas matérias, não há subordinação entre eles, ambos são importantes e
se completam, não podendo um existir sem o outro. [1]

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Na verdade, os dois institutos processuais só se diferem em relação ao conteúdo do
processo, seja ele a pretensão punitiva (processo penal), seja ele a pretensão extra-
penal (processo civil). Também se influenciam reciprocamente nas ações e
sentenças penais e cíveis. Ex: Faz coisa julgada no cível a sentença penal em que se
reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa,
em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. [5]

DIREITO CIVIL
Há relação ainda com o direito civil, pois há conceitos como de posse de
propriedade, que são tomados do direito civil, impedimentos no casamento que
podem determinar a anulação e influir num crime de bigamia. [1]

DIREITO ADMINISTRATIVO
A lei penal é aplicada através do processo por agentes da Administração Pública
(Juiz, promotor, delegado). Além disso, a execução penal tem uma natureza jurídica
híbrida, interpenetrando-se as matérias penais, processuais e administrativas. Há,
inclusive, uma parte da atividade da execução que se refere especificamente a
providências administrativas e que fica a cargo das autoridades penitenciárias. [5]

DIREITO COMERCIAL
As ligações do Processo Penal com o Direito Comercial se encontram,
principalmente, na Lei de Falências, que, prevendo crimes falimentares, fixa normas
pertinentes à fase preparatória da ação penal, aos prazos, às consequências do
recebimento da denúncia, à prisão, à reabilitação etc. [5]

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
Com o direito internacional relaciona-se no tocante à crimes praticados no território
estrangeiro, à prevalência de tratados, convenções e regras de direito internacional
sobre a lei processual, bem como às relações jurisdicionais com autoridades
estrangeiras – cartas rogatórias e homologação de sentenças penais estrangeiras.
[5]

CIÊNCIAS AUXILIARES
Através da Medicina Legal aplicam-se os conhecimentos médicos para o
andamento do processo, como lesões, toxicologia, estupro. O CPP disciplina a
ocasião e a forma de realização dos exames de corpo de delito nessas hipóteses.
A Psiquiatria Forense tem importância decisiva na verificação de hipóteses de
inimputabilidade, apurada em exame realizado no incidente de insanidade mental
do acusado, bem como a verificação da cessação de periculosidade.
Também é de real importância a Psicologia Judiciária, que ao examinar a
personalidade dos criminosos possibilita a individualização da pena.
A Criminalística colabora em todo o procedimento de investigação criminal –
descoberta de crimes, identificação de autores, etc. [5]

(Resumo sem matéria dada no dia 05/04)

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