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Registro: 2016.

0000161038

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n.º 9085585-


86.2008.8.26.0000, da Comarca de Campinas, em que são apelantes PAULO
CONSTANTINO, PEDRO CONSTANTINO, RICARDO CONSTANTINO e
CONSTANTINO DE OLIVEIRA JUNIOR e EXEC. NÃO EMBARG. VIAÇÃO
SANTA CATARINA S/A, é apelado VIVIANE DE FATIMA GONZAGA
(JUSTIÇA GRATUITA),

ACORDAM, em 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de


São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento à apelação, por
votação unânime.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO


PESSOA DE MELLO BELLI (Presidente) e MARIO DE OLIVEIRA.

São Paulo, 7 de março de 2016.

João Camillo de Almeida Prado Costa


RELATOR
Assinatura Eletrônica
VOTO N. 27616
APELAÇÃO N. 9085585-86.2008.8.26.0000
COMARCA: CAMPINAS
JUIZ DE 1ª INSTÂNCIA: MAURÍCIO SIMÕES DE ALMEIDA BOTELHO
SILVA
APELANTES: PAULO CONSTANTINO e OUTROS
APELADA: VIVIANE DE FÁTIMA GONZAGA

EMBARGOS DO DEVEDOR. Recebimento como


impugnação ao cumprimento de sentença por aplicação do
princípio da fungibilidade. Reiteração da alegação de
ilegitimidade passiva ad causam dos impugnantes.
Hipótese em que a pretensão ao reconhecimento da
inexistência de responsabilidade dos sócios que se
retiraram do quadro societário da empresa executada
consubstancia mera repetição da objeção de
preexecutividade anteriormente rejeitada por decisão
definitiva prolatada nos autos da execução. Propósito de
revolvimento de questão já resolvida no processo
executivo. Consideração de que, conquanto se trate de
matéria de ordem pública, já houve, em momento
precedente, o reconhecimento da responsabilidade dos
sócios retirantes, pelo cumprimento da condenação em
cotejo, por decisão não impugnada no momento oportuno.
Preclusão verificada. Precedentes do Superior Tribunal de
Justiça neste sentido. Embargos (recebidos como
impugnação) rejeitados. Recurso improvido.

PENHORA. Desconsideração da personalidade jurídica.


Existência de sérios indícios de insolvência da empresa
executada ante a transferência de seu patrimônio durante o
trâmite da ação. Inexistência de bens. Alteração do quadro
societário após a propositura da ação. Indício de fraude.
Evidências de abuso da personalidade jurídica da empresa
devedora. Hipótese em que os bens particulares dos antigos
sócios, que integravam o quadro societário da empresa
executada à época da propositura da ação, devem mesmo
responder pela dívida como alternativa única de evitar a
consumação de fraude. Embargos (recebidos como
impugnação) rejeitados. Recurso improvido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença


de fls. 81/84, que, em embargos à execução por título judicial, julgou extinto o
processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, III, do Código de
Processo Civil.
Sustentam os recorrentes, em síntese, que não há se falar em
ilegitimidade de parte dos recorrentes para opor embargos à execução, haja vista
que, com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, foram
os recorrentes incluídos no pólo passivo da relação processual, a evidenciar seu
interesse em opor os embargos do devedor. Enfatizam que não podem responder
pela obrigação exequenda, na medida em que a desconstituição da personalidade
jurídica da empresa executada deve atingir apenas os sócios que agiram com
excesso de mandato, violação de contrato ou da lei e que dissiparam o patrimônio da
pessoa jurídica, nunca aqueles que um dia apenas integraram o seu quadro
societário. Acrescentam que, na data do início da execução, já não mais pertenciam
ao quadro societário da empresa executada, salientando, por fim, que, quando
integravam a sociedade, a empresa atuava regularmente no serviço de transportes
públicos de Campinas e possuía bens suficientes à garantia da execução.

O recurso é tempestivo, foi preparado e respondido.

É o relatório.

O v. acórdão de fls. 266/269 manteve a sentença que julgou


extinto o processo, sem resolução do mérito, mas por fundamentos jurídicos
diversos daqueles perfilhados no pronunciamento jurisdicional de primeiro grau,
considerado para tanto que estes embargos foram opostos pelos recorrentes no dia
14 de agosto de 2006 (fls. 02), momento em que já se encontrava em vigor a Lei n.
11.232/2005, escancarando, assim, a falta interesse processual, na modalidade de
adequação, para a propositura desta ação cognitiva incidental.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do


agravo em recurso especial número 1.185.390-SP, deu provimento ao recurso para o
fim de que o tribunal de origem analisasse o mérito do recurso de apelação (fls.
382/389).

Isto assentado, bem é de ver que se afigura inadmissível a


pretensão de submeter novamente à apreciação judicial, em embargos à execução,
ora recebidos como impugnação ao cumprimento de sentença, discussão acerca da
suposta ilegitimidade passiva ad causam dos embargantes, ora recorrentes, por ser
matéria absolutamente idêntica àquela anteriormente suscitada em objeção de pré-
executividade, nos autos da execução em apenso (fls. 541/551).
Deveras, deduziram os executados nestes embargos
[impugnação ao cumprimento de sentença] pretensão acobertada pela preclusão,
haja vista que a questão pertinente à alegada ilegitimidade passiva ad causam dos
recorrentes já foi analisada e resolvida, por decisão definitiva proferida no processo
executivo (fls. 589, dos autos em apenso) e que agora procura indevidamente
infringir por meio destes embargos do devedor.

Ora, a alegação de ilegitimidade passiva ad causam que é


objeto destes embargos do devedor, recebidos como impugnação ao cumprimento
de sentença em razão da aplicação do princípio da fungibilidade, é exatamente a
mesma que foi alvo da postulação formulada pelos recorrentes na objeção de
preexecutividade (fls. 541/551, dos autos em apenso), de sorte que se faz
inadmissível o revolvimento e a discussão das mesmas questões jurídicas, em
decorrência da materialização do fenômeno processual da preclusão, que produz o
efeito negativo consistente na proibição de se voltar a discutir ou decidir matéria já
resolvida, tendo em vista que os recorrentes compareceram ao processo para arguir a
sua suposta ilegitimidade passiva ad causam sob o fundamento de que já não faziam
parte do quadro societário da empresa executada, sendo naquele feito repelida sua
postulação, por decisão irrecorrida (fls. 589).

De fato, deixou o magistrado assentado com propriedade, o


seguinte: “Afasto a exceção de pré-executividade, uma vez que toda a matéria ali
alegada já foi objeto de apreciação nos autos. A ação foi proposta em 24 de
novembro de 1995, época em que os excipientes faziam parte do quadro societário
da empresa, razão pela qual, com a desconsideração da personalidade jurídica da
mesma, respondem eles pelo dano, arcando com seus bens particulares para
pagamento do débito em execução.” (fls. 589).
Deveras, “entendimento desta Corte no sentido de que apesar
das matérias de ordem pública não serem passíveis de preclusão, tal não ocorre na
hipótese em que há decisão a respeito dos referidos temas em anterior exceção de
preexecutividade, sem a interposição do recurso cabível pela parte interessada.
Precedentes: AgRg no Resp 1098487/ES, Rel. Min. Sidnei Beneti, terceira Turma,
DJe de 9.9.2011; AgRg no Ag 1395964/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, DJe de 16.8.2011. (...) 3. Recurso especial não conhecido (REsp
1267614/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, j. 18.10.2011).

Neste mesmo sentido, há também precedentes desta Corte:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE EXECUÇÃO
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE PRECLUSÃO
Reconhecimento de que a matéria de ordem pública é passível de arguição em
qualquer fase do processo, desde que não haja decisão anterior a respeito das
matérias arguidas Existência de decisões anteriores sem interposição de recurso
Preclusão mantida Recurso não provido.” (AI 2010165-24.2013.8.26.0000, Rel.
Des. Roberto Mac Cracken, j. 07-11-2013).

“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL IPTU - Exercício de


2000 - Município de Caraguatatuba Extinção da execução fiscal ante o
reconhecimento da prescrição - Ilegitimidade passiva e prescrição anteriormente
afastadas em decisão proferida em sede de exceção de pré-executividade, transitada
em julgado - Embargos incabíveis para discussão de matéria sobre a qual se operou
a preclusão consumativa - Artigos 471 e 473 do CPC - Embargos que não devem ser
conhecidos - Precedentes do E. STJ Sentença reformada - Sucumbência invertida
Apelo provido.” (Apel. 0007893-72.2011.8.26.0126, Rel. Des. Silva Russo, j.
12.02.2015).

“Agravo de instrumento. Fase de cumprimento de sentença.


Possibilidade de conhecimento diante da noticia da interposição transmitida ao Juízo
pelo próprio Tribunal. Ausência de prejuízo à parte adversa. Réus condenados pelo
reconhecimento da revelia. Fase de execução de sentença. Alegação de ilegitimidade
de parte. Artigo 475-L, IV, do CPC. Inocorrência na hipótese. Impossibilidade de
reabrir-se a discussão de condição da ação na oportunidade da execução. Questão
que, ou já foi expressamente examinada na fase de conhecimento, de oficio ou por
alegação específica da parte, ou se tornou indiscutível, em razão da eficácia
preclusiva da coisa julgada. Agravo de instrumento improvido, prejudicado o exame
dos embargos de declaração interpostos.” (AI 1.215.817-1/0, Rel. Des. Ruy
Coppola, j. 15.01.09).
Sobre o tema, preleciona Marcus Vinicius Rios Gonçalves
que “o processo é uma sequência coerente e regular de atos que, encadeados,
buscam chegar a uma determinada finalidade. Para que isso ocorra, é preciso que as
fases e situações processuais ultrapassadas tornem-se estáveis, sem perigo de
retrocessos. As partes têm o ônus de realizar as atividades processuais nos prazos,
sob pena de não poderem mais fazê-los posteriormente. Também não podem
praticar atos que sejam incompatíveis com outros realizados anteriormente. Sem
isso, o processo correria o risco de retroceder a todo momento. Esse sistema de
estabilização deve obrigar tanto as partes quanto o próprio juiz. Por isso, o
fenômeno da preclusão não diz respeito apenas aos atos processuais daquelas, mas
também aos atos judiciais (preclusão pro judicato). A preclusão para as partes
consiste na perda de uma faculdade processual, que pode ser atribuída: a)-ao fato de
ela não ter sido exercida no prazo apropriado; b)- à incompatibilidade com um ato
anteriormente praticado; c)- ao fato de que o direito à prática daquele ato já ter sido
exercido anteriormente.” (Novo Curso de Direito Processual Civil, Teoria Geral e
Processo de Conhecimento, Editora Saraiva, 7ª edição, fls. 228/229).

E, no mais, especialmente no que tange à alegação de


assunção das obrigações da empresa de transportes executada (Viação Santa
Catarina Ltda.) por terceiro, admissível o pronto deslinde da causa, uma vez
reunidos os pressupostos legais, consoante autoriza o § 3º, do artigo 515, do Código
de Processo Civil, porquanto versa a causa sobre questão predominantemente de
direito, estando o feito em condições de imediato julgamento.

Porém, não tem fomento jurídico a alegação dos embargantes


no sentido de que, por força da cessão das quotas sociais da Viação Santa Catarina
Ltda. (fls. 38/39), estaria sumariamente afastada sua responsabilidade pelo
cumprimento da condenação estabelecida nesta ação indenizatória, mesmo porque
ocorreu a regular desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada,
recaindo a constrição judicial sobre os bens dos sócios que integravam o quadro
societário da devedora à época do ajuizamento da ação condenatória, incumbindo
aos recorrentes ajuizar ação regressiva, se assim julgarem conveniente, contra os
cessionários.

E isto porque, como é sabido, pela teoria da desconsideração


da pessoa jurídica [que tem por finalidade estabelecer a responsabilidade dos sócios
que a integram ou que dela se retiraram e que dela se utilizaram abusiva e
fraudulentamente], admissível é a substituição processual da sociedade pelos sócios,
no processo de execução, especialmente quando constatados sérios indícios de
transferência do patrimônio da empresa executada que se desfez de seus bens
durante o trâmite da ação condenatória, respondendo então os antigos sócios, que à
época da propositura da ação integravam o quadro social da empresa executada,
com seus bens particulares pela dívida.
De fato, afloram dos autos sérios indícios de dilapidação dos
bens da empresa executada Viação Santa Catarina Ltda. [houve a venda de toda a
sua frota para a empresa VBTU e para a empresa Viação Morumbi, as quais
passaram a operar as linhas inicialmente exploradas pela empresa executada (fls.
489-513 autos da execução em apenso)].

E se é certo que, em princípio, são os bens da sociedade que


respondem pelas dívidas assumidas pela pessoa jurídica, faz-se admissível a
incidência da penhora sobre bens particulares dos sócios da empresa executada, com
a desconsideração de sua personalidade jurídica, nos casos em que, consoante já
assinalado houve a transferência fraudulenta de bens a terceiros, tudo a indicar a
existência de infração à lei.

Com efeito, a incidência da penhora sobre bens particulares


dos sócios da empresa executada revela-se admissível na espécie em exame
porquanto patenteado os fundamentos autorizadores da desconsideração da
personalidade jurídica (CC, 50 e CPC, 596), tanto é que materializados nestes autos
sérios indícios de que os sócios [aqueles que se retiraram após a propositura da
ação] da executada estão se utilizando da sociedade, em benefício próprio, para
eximir-se de responsabilidade pelo cumprimento de suas obrigações, de molde a que
se repute constituir a penhora de seus bens pessoais alternativa única para se evitar a
consumação de fraude.

Há precedente desta Corte neste sentido, consoante se infere


do teor da ementa seguinte: “EXECUÇÃO CONTRA PESSOA JURÍDICA -
Desativação de empresa - Ausência de bens para a penhora - Determinação da
constrição em bens dos sócios pela aplicação da teoria da despersonalização da
pessoa jurídica - Cabimento - Agravo improvido” (AI 207.116-4/3, Rel. Des. Testa
Marchi, j. 09/08/01).

Neste sentido: “Com a omissão da lei, a efetivação da


responsabilidade na hipótese de desconsideração passou a ser uma questão
doutrinária. E simples é o seu equacionamento: aquela pessoa que perpetrou a
fraude ou o abuso de direito, através do mau uso da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica, será a responsável. Desta forma, a responsabilidade poderá ser
efetivada sobre o patrimônio do sócio, acionista, controlador, gerente, liquidante,
representante legal, superintendente ou qualquer outra pessoa que tenha praticado o
ilícito.” (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, Coordenação de
Juarez de Oliveira, Editora Saraiva, 1991, pág. 144)”
Bem por isso, havendo prova da prática pelos antigos sócios
de atos contrários à lei, justifica-se que respondam eles pessoalmente por dívida da
sociedade, operando-se a então a desconsideração de sua personalidade jurídica e
consequente autorização de incidência da penhora sobre os bens particulares dos
antigos sócios da empresa, que integravam o seu quadro social à época da
propositura da ação.

Em suma, não era dado aos recorrentes alegar novamente de


que ocorreu indevida desconsideração da personalidade jurídica da empresa
executada para a realização de constrição judicial sobre os ativos financeiros de sua
titularidade e sob o repetido fundamento de que já haviam se retirado do quadro
societário da empresa executada, o que evidencia que, na verdade, pretendem os
impugnantes revolver matéria já acobertada pelo manto da preclusão, considerado
para tanto que não se insurgiram no momento oportuno contra a decisão que rejeitou
a sua aludida exceção de pré-executividade (fls. 589), o que torna descabido o
revolvimento desta matéria nestes embargos à execução.

E, tendo sido correta a decretação da desconsideração da


personalidade jurídica da empresa executada, com a regular constrição judicial de
bens dos sócios integrantes de seu quadro societário à época do ajuizamento da
ação, de rigor é rejeitar os embargos e preservar a penhora on line que recaiu sobre
seus recursos financeiros.

Como remate, a consideração no sentido de que, por não


estarem reunidos os requisitos a que aludem os artigos 17/18 do Código de Processo
Civil, não prospera a pretensão da embargada/impugnada de se impor aos
recorrentes sanção por litigância de má-fé.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

JOÃO CAMILLO DE ALMEIDA PRADO COSTA


Desembargador Relator
(assinatura eletrônica)

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