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Notas essenciais e apontamentos práticos sobre o direito a férias1

1. Regras gerais

A compreensão do direito a férias supõe a identificação, na sua estrutura, de quatro


momentos distintos: 1) aquisição; 2) formação; 3) vencimento; 4) gozo.

A aquisição do direito a férias ocorre com a celebração do contrato. Entra na esfera


jurídica do trabalhador, passando a marcar o seu estatuto jurídico-contratual. Porém, nesse
momento em que é adquirido, o direito a férias pode dizer-se um direito vazio, não implicando
qualquer benefício prático para o trabalhador.

A formação, o vencimento e o gozo devem compreender-se em estreita interconexão e


de acordo com o designado princípio da anualidade, pois o fenómeno tridimensional que
representam repete-se a cada ano civil que o contrato dure.

A formação equivale ao “preenchimento” do direito, que se adquire vazio.


Metaforicamente, poder-se-ia falar num copo, que se adquire vazio e que só cumpre a sua
função (permitir o consumo do seu conteúdo) quando está cheio.

Esse “preenchimento” processa-se à medida que o contrato é executado, mas, segundo a


estrutura legal do direito a férias, de acordo com o princípio da anualidade, isto é, ao longo de
um ano civil. Dessa forma, podemos representar graficamente esse processo nos seguintes
termos:

___(1/12)___(2/12)___(3/12)___(4/12)___(5/12)___(6/12)___(7/12)___(8/12)___(9/12)___(10/
12)___(11/12)___(12/12)

Ou seja:

-no final de Janeiro, está formado 1/12 do direito a férias;

-no final de Fevereiro, 2/12;

-etc;

1
Este documento não cuida de todos os aspectos do regime jurídico do direito a férias, pretendendo-se
somente uma síntese dos pontos mais relevantes e/ou que suscitam maiores dúvidas.
-no final de Dezembro, está formada a totalidade, um direito a férias inteiro, uma
unidade (representada pela fracção 12/12).

Aplicando-se a lei, um direito a férias equivale a:

-22 dias úteis de férias, nos termos do artigo 238.º, n.º 1, que podem ser mais,
nomeadamente por previsão de IRCT ou contrato individual;

-uma retribuição equivalente à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço


efectivo (isto é, o trabalhador é retribuído, enquanto goza férias, como o seria se estivesse a
prestar trabalho), nos termos do artigo 264.º, n.º 1;

-um subsídio de férias que incorpora a retribuição base e todas as prestações salariais
que sejam contrapartida do modo específico de realização do trabalho (caberá nessa prestação,
por exemplo, um subsídio de risco, mas, aparentemente, não, por exemplo, as diuturnidades2),
de acordo com o n.º 2 do artigo 264.º.

O momento do vencimento equivale ao momento imediatamente subsequente àquele em


que se completa o processo de formação do direito a férias: ele acaba de se “preencher” e vence-
se, ou seja, está apto a traduzir-se em efeitos práticos na esfera jurídica do seu credor; noutras
palavras, está pronto para ser gozado. O momento do vencimento ocorre, segundo o artigo
237.º, n.º 1, no dia 1 de Janeiro de cada ano.

Segundo o n.º 2 do mesmo preceito e de acordo com a conclusão que se extrairia do


esquema acima representado, o vencimento respeita ao direito a férias formado no ano anterior,
portanto, à execução do contrato ocorrida no ano anterior. Assim, as férias que se vençam a 1 de
Janeiro de 2012 referem-se à execução do contrato durante o ano de 2011.

O gozo corresponde ao momento em que, exercendo o seu direito a férias, o trabalhador


paralisa a sua prestação em ordem a beneficiar do período de repouso em que aquele direito se
traduz. Nessa altura, deve receber a retribuição, nos termos do artigo 264.º, n.º1, mas deve ainda
receber o subsídio de férias. Tem, pois, um crédito remuneratório duplo. O gozo ocorre no ano
do vencimento (artigo 240.º), em momento a marcar ou por acordo entre trabalhador e
empregador, ou pelo empregador, unilateralmente, caso em que deve observar um conjunto de
regras legais (artigo 241.º).

Atendendo ao que vem de ser dito, pode responder-se a uma elementar questão prática,
que se coloca nos seguintes termos: se o contrato de certo trabalhador, iniciado, por exemplo, há
2
Cfr. art. 262.º, n.º 2, b), do CT.
cinco anos atrás (importa que não se tenha iniciado no próprio ano em que cessa, nem no ano
imediatamente anterior, pois, então, aplicar-se-ão regras distintas), terminar no dia 31 de Março
de 2012, que direitos poderá o trabalhador, nessa altura, reclamar ao seu empregador, a título de
férias, sabendo que, no ano da extinção do contrato, não gozara ainda qualquer dia de férias nem
recebera qualquer montante atinente a esse direito?

Ano de 2011:

___(1/12)___(2/12)___(3/12)___(4/12)___(5/12)___(6/12)___(7/12)___(8/12)___(9/12)___(10/
12)___(11/12)___(12/12)

Ano de 2012:

___(1/12)___(2/12)___(3/12)______________________________

Nota: num exercício como este, teremos de ter em conta não apenas o ano da extinção
do contrato, mas igualmente o anterior, pois as férias vencidas no ano da extinção referem-se
às formadas ao longo do ano anterior. Os anos anteriores a esses podem ser desconsiderados,
não sendo fornecido mais nenhum dado, por se supor que, então, estão liquidados todos os
créditos por férias devidos por esses anos de execução contratual.

Ao longo de 2011, formou-se um direito a férias. Formou-se plenamente e, por


conseguinte, deveria originar o gozo de, pelo menos, 22 dias úteis de férias, a percepção de uma
retribuição e ainda de um subsídio de férias. Estes direitos consolidam-se na esfera jurídica do
trabalhador após o vencimento do direito em causa, que ocorre a 1 de Janeiro de 2012. Cessando
o contrato no final de Março desse ano, isso significa que, não tendo o trabalhador gozado os
dias de férias (total ou parcialmente) até então, já não os gozará, pois não se concebe,
logicamente, o gozo de dias de férias após o contrato ter terminado (coisa diferente é ser
previsível a cessação do contrato e o gozo das férias vencidas no início desse ano ter lugar no
período final de execução do contrato, nos termos do artigo 241.º, n.º 5). Mas não se explicaria
que não conservasse o direito aos dois créditos referidos. E note-se que ele há-de recebê-los por
inteiro, pois que estamos a falar de um direito a férias plenamente formado, ao longo do ano
civil de 2011.

A um período total de férias, equivale uma retribuição e um subsídio. Se o trabalhador


auferisse o salário mensal de 1200 euros, sendo essa a sua retribuição base, sem qualquer
parcela correspondente a complementos retributivos, receberia, pelas férias formadas em 2011 e
vencidas a 1 de Janeiro de 2012, 1200 euros de retribuição de férias (artigo 264.º, n.º 1) e 1200
euros de subsídio (artigo 264.º, n.º 2). Este direito é-lhe conferido pelo artigo 245.º, n.º 1, alínea
a).

Observe-se, porém, que o trabalhador ainda laborou nos primeiros três meses do ano de
2012. Portanto, durante esses três meses, formaram-se férias. Formou-se uma proporção de
3/12. Se o contrato se executasse até ao fim do ano, nessa altura estariam formados 12/12, ou
seja, um direito completo, que seria gozado em 2013, após o seu vencimento a 1 de Janeiro de
2013. Como cessou no final de Março, formou-se a proporção de 3/12. O vencimento antecipa-
se para o momento da extinção do contrato e vence-se somente a parte formada até então. Uma
vez que o contrato se extingue, não importa considerar os dias de férias que, potencialmente, se
gozariam. Eles não serão gozados, pela elementar razão de que o contrato termina. Mas nem por
isso o trabalhador deixará de ter direito à parte proporcional dos créditos pecuniários devidos
por essas férias.

A 12 meses de contrato equivalem 1200 euros (porque é esse o valor da retribuição


mensal do trabalhador); a 3 meses de execução do contrato equivalem x:

12__________1200

3___________x

X = 3 x 1200 ÷12 =3600 ÷ 12 = 300 euros.

Deve operar-se este raciocínio para a retribuição e também para o subsídio de férias.

Este direito à parte proporcional da retribuição e do subsídio de férias é reconhecido


pela alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º.

2. Algumas regras especiais


2.1. Contratos de duração inferior a seis meses

Os números 4 e 5 do artigo 239.º referem-se a um caso especial, a que não se aplicam as


regras mencionadas, mas as contempladas nessas normas. Estão em causa os contratos com
duração inferior a seis meses. Nesse caso, as férias têm a duração de 2 dias por cada mês
completo de execução do contrato: apurando-se uma execução contratual de 5 meses, o
trabalhador tem direito a 10 dias úteis de férias. A última fase do contrato será a fase de gozo
desse período de férias.

Importa observar que este regime se aplica independentemente de o contrato ser


celebrado a termo ou por tempo indeterminado.
Importa ainda notar que é indiferente que o período de execução do contrato se processe
dentro do mesmo ano, ou em dois anos civis distintos.

Por último, cabe referir que o disposto no n.º 5 só se compreende quando seja previsível
que o contrato cessará antes de se perfazer a duração de seis meses. Não o sendo, não se
concebe que se inicie, na última fase do contrato, o gozo de férias. Assim, quando o contrato
cessar, não haverá lugar ao gozo de férias, mas deverão se pagos os correspondentes créditos.

2.2. As férias referentes ao ano da admissão do trabalhador

O legislador previu um regime especial a aplicar às férias atinentes ao ano de admissão


do trabalhador, nomeadamente para evitar que, aplicando-se somente as regras gerais, este
permanecesse por períodos muito longos sem gozar quaisquer férias. Se o regime geral é o de as
férias durarem um mínimo de 22 dias úteis, vencendo-se a cada dia 1 de Janeiro, este regime
especial comporta desvios importantes a cada uma destas duas regras, a da duração e a do
momento do vencimento do direito a férias.

Relativamente à duração, as primeiras férias duram 2 dias por cada mês de execução do
contrato nesse ano de admissão. Segundo a posição que parece ser maioritária, devem
considerar-se todos os meses desse ano3. Assim, se o trabalhador for admitido a 1 de Março de
2011, conta-se o período de 1 de Março até 31 de Dezembro (meses do ano de admissão, a
contar desde o momento da admissão), o que perfaz 10 meses, os quais, à razão de dois dias por
cada um, dão origem a 20 dias úteis de férias. Se o trabalhador for admitido a 1 de Outubro,
serão 6 dias (3 meses x 2 dias).

Se esta multiplicação der mais do que 20 dias, reduz-se para 20, que é o limite legal
(artigo 239.º, n.º 1).

Quanto ao momento do vencimento, ele ocorre seis meses após o início de execução do
contrato. No caso da admissão a 1 de Março, o vencimento ocorre a 1 de Setembro. As férias
devem ser gozadas a partir desse dia e até ao final do ano. No caso da admissão a 1 de Outubro,
ocorre a 1 de Abril do ano seguinte. Nesse caso, as férias devem ser gozadas a partir desse dia e
até 30 de Junho (n.º 2 do artigo 239.º).

Nota: causa certa perplexidade que o vencimento ocorra num momento em que ainda
podem não ter decorrido todos os meses que são contemplados na contagem do tempo de

3
Admite-se, porém, que, sendo o contrato a prazo e ocorrendo o seu termo antes do termo do ano civil,
apenas se contemple o período compreendido desde o início da execução contratual até esse momento do termo.
execução do contrato no ano da admissão. Parece ser esse, porém, o regime legal, um regime
que pode conduzir a situações em que o período de férias aparente ser excessivo face à duração
do contrato. Mas, então, o artigo 245.º, n.º 3, permitirá corrigir esse desacerto.

Pese embora a aplicação ao ano de contratação do trabalhador deste regime, aplica-se


também, cumulativamente, o regime geral do direito a férias. Assim, o ano da contratação
opera, por um lado, como um ano especial, gerando a aplicação do regime do n.º 1 e do n.º 2 do
artigo 239.º, mas, simultaneamente, como (se fosse) um ano comum, aplicando-se-lhe também
as regras gerais. Vale por dizer que, no dia 1 de Janeiro seguinte ao início de execução do
contrato, vence-se um direito a férias, além das que devam vencer-se nos termos do regime
especial (se a aplicação deste regime especial se traduzir no vencimento das primeiras férias
após esse dia, como sucede num dos exemplos referidos, em que esse vencimento ocorria a 1 de
Abril, entende-se que também as férias que se vencem segundo a regra geral vão vencer-se
nesse dia; transporta-se, por assim dizer, o vencimento do dia 1 de Janeiro para o dia de
vencimento das férias segundo o regime especial das férias do ano da admissão constante dos
números 1 e 2 do artigo 239.º).

Desta forma, o trabalhador admitido a 1 de Outubro gozará, a partir de 1 de Abril e até


30 de Junho, 6 dias úteis de férias. Mas, durante o ano de 2012, também gozará, em momento a
determinar por acordo ou por decisão do empregador, mais 22 dias úteis, que se venceriam a 1
de Janeiro de 2012, mas cuja data de vencimento se tem considerado ser também o dia 1 de
Abril. Se essa soma (6 + 22, neste caso) perfizer mais do que 30 dias, reduz-se o resultado para
30, que é o máximo legal (n.º 3 do artigo 239.º)

O trabalhador admitido a 1 de Abril gozará 18 dias úteis de férias a partir de dia 1 de


Outubro, mas, em Janeiro seguinte, vencer-se-á, nos termos gerais, mais um direito a férias de
22 dias úteis.

As quantias de retribuição e subsídio a pagar devem ser as proporcionais aos dias de


férias a gozar.

2.3. O direito a férias em caso de suspensão do contrato de trabalho por impedimento


prolongado do trabalhador (artigo 239.º, n.º 6)

Quid juris se, estando em processo de formação um certo direito a férias, o trabalhador,
entretanto, se vir afastado da empresa, em razão de um impedimento para o trabalho (v. g.
doença)?
O n.º 6 do artigo 239.º reporta-se à solução relativa a esse direito a férias em formação à
data da ocorrência do impedimento (que não ao direito a férias já vencido a 1 de Janeiro desse
mesmo ano do impedimento!).

Observe-se que a norma apenas se refere a impedimentos:

-prolongados: julga-se que com duração superior a um mês, considerando o elemento


histórico da interpretação (na versão anterior da norma, isso era claro, porquanto o CT falava
em suspensão e a suspensão do contrato por impedimento da esfera do trabalhador só ocorre
caso o impedimento se prolongue por mais de um mês – artigo 296.º, n.º 1), e, bem assim, o
sistemático (se o impedimento tem de ser prolongado, tem de ter uma certa duração; por
coerência com o artigo 296.º, n.º 1, do CT, crê-se que essa duração seja a referida: mais de um
mês);

-que se iniciem e terminem em anos distintos, o que significa que, na hipótese de o


impedimento começar e acabar no mesmo ano civil, nenhuma repercussão terá sobre o direito a
férias do trabalhador – o que, aliás, é consonante com o princípio segundo o qual o direito a
férias não está condicionado à efectividade de serviço (artigo 237.º, n.º 2).

O artigo 239.º, n.º 6, determina que, regressando o trabalhador, terá direito a férias nos
termos em que o tem um trabalhador contratado nesse ano: um direito que se vence 6 meses
após o regresso e na medida de 2 dias por cada mês de execução do contrato nesse ano.

Se o trabalhador não chegar a regressar: artigo 245.º, n.º 4.

2.4. O n.º 3 do artigo 245.º

Esta norma constitui uma regra especial quanto a duas categorias de contratos: 1)
contratos com duração que não ultrapasse 12 meses; 2) contratos que, mesmo ultrapassando 12
meses, terminam no ano civil imediatamente subsequente ao do seu início (contrato iniciado em
Fevereiro de 2010 e extinto em Novembro de 2011, por exemplo).
Obs.: Não se integram aqui os contratos com duração inferior a 6 meses, pois desses
curam os números 4 e 5 do artigo 239.º.
O preceito integra-se no artigo 245.º, que diz respeito aos efeitos da cessação do
contrato sobre o direito a férias, permitindo, designadamente, calcular os montantes pecuniários
a receber a título de férias por ocasião da extinção do vínculo. Efectivamente, aquele n.º 3
relaciona-se com esta matéria, mas o regime que dele consta tem de se conjugar com as regras
gerais sobre o direito a férias e com aquelas que respeitam às primeiras férias, podendo levar à
sua desaplicação, ou à correcção dos resultados a que elas levariam.
A estatuição daquela norma é a seguinte: estando em causa uma daquelas categorias de
contratos, o trabalhador deve beneficiar de um direito a férias apenas limitado ao que seria
proporcional à duração do vínculo. Suponha-se aquele contrato iniciado a 1 de Fevereiro de
2010 e terminado a 30 de Novembro de 2011. A sua duração é de 22 meses. As férias
proporcionais a este período calculam-se com base no pressuposto de que a 12 meses de
execução contratual equivalem 22 dias úteis de férias, bem como uma retribuição e um subsídio.
Desta forma:
12 meses ____________22 dias
22 meses ___________ x
e
12 meses ___________ 1200 euros
22 meses ___________x

Na totalidade, isto é, consideradas todas as férias a gozar e a dar lugar ao pagamento de


créditos, durante a vigência do contrato, o trabalhador não deveria gozar ou ter gozado mais do
que 40 dias de férias nem deveria ter receber ou ter recebido mais do que 2200 euros a título de
retribuição por férias, mais 2200 euros a título de subsídio de férias.
Suponhamos que ele tinha gozado, em 2010, a partir do dia 1 de Agosto (data do
vencimento das primeiras férias), 20 dias de férias (11 meses x 2 dias daria 22, mas o máximo
legal é 20), e que em 2011 tinha gozado mais 5 dias, dos 22 vencidos a 1 de Janeiro. Ao todo
tinha gozado 27 e podemos admitir que tenha auferido as quantias pecuniárias correspondentes.
Findo o contrato, apenas podia reclamar os montantes equivalentes aos restantes 13 dias (40-
27), ou seja:
22 dias úteis _____________ 1200 euros
13 dias úteis _____________ x
X = 709 euros a título de retribuição e outro tanto a título de subsídio

Sobre o direito a férias:


MILENA ROUXINOL, O direito a férias do trabalhador (comentário aos artigos 237.º a
247.º e 264.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009), colecção Cadernos do
IDET (n.º 8), Almedina Coimbra, 2014

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