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Orthod Fr 2012;83:267–273 c Disponível on-line em: artigo original

©
EDP Ciências, SFODF, 2012 DOI: www.orthodfr.org
10.1051/orthodfr/2012025

Interceptação de sobremordida
Julien PHILIPPE*
6, rue Chanzy, 28000 Chartres, França

(Recebido em 23 de novembro de 2010, aceito em 24 de março de 2011)

PALAVRAS-CHAVE: ABSTRATO– A sobremordida aparece quando a extrusão natural dos incisivos não é
Classe II, Divisão 2 / interrompida nem pela interposição de tecidos moles, nem pelo confronto término-
Egressão dos Incisivos / terminal dos incisivos, durante sua evolução. Nas más oclusões Classe II, Divisão 2,
Lateroclusão / durante os movimentos de protrusão e oclusão lateral, a inclinação incisal é evitada
Propulsão / por interferências oclusais relacionadas a esse tipo de má oclusão ou por
Sobremordida manobras ortodônticas inoportunas. A interceptação é assegurada, durante a
erupção dos incisivos, por um simples dispositivo que transmite a força oclusal aos
incisivos quando seu confronto não ocorre devido à má oclusão.

PALAVRAS-CHAVE: ABSTRATO–Interceptação de sobremordida.A sobremordida aparece quando nem a interposição

Classe II, divisão 2 / de tecido mole nem a oclusão término-terminal dos dentes anteriores conseguem interromper a
Erupção contínua erupção contínua natural dos dentes incisivos. Nas más oclusões de Classe II, divisão 2, durante os
de incisivos / movimentos de propulsão e de oclusão lateral, as relações incisais término-terminais são
Mordida lateral / bloqueadas por interferência oclusal, talvez de caninos temporários ou molares permanentes, ou
Propulsão / por manobras ortodônticas inadequadas. Os ortodontistas podem evitar que isso aconteça fazendo
Sobremordida com que os pacientes usem uma placa de mordida simples para conter a força eruptiva dos
incisivos inferiores.

1. Introdução
A interceptação de uma dismorfose é a parada
trazida ao seu desenvolvimento. Quanto mais cedo esta
parada, melhor a interceptação.
A sobremordida de incisivos é um sintoma
encontrado em diversos tipos de dismorfismos.
Pode ser considerado de vários ângulos. Para o
anatomista, há sobremordida quando os incisivos
superiores recobrem o mandibular em mais de 3 a 4
mm, ou quando a cobertura do incisivo superior sobre
o mandibular ultrapassa o terço oclusal de sua
superfície palatina.
Aos olhos do fisiologista, há sobremordida
quando os incisivos estão ponta a ponta, o
espaço interoclusal posterior excede o
necessário para a propulsão sem interferência,
ou seja, excede 1 ou 2 mm1,5].
Aqueles que estudam sua patogênese veem a sobremordida
como um excesso de egressão dos incisivos. Se
* Autor para correspondência: julien.philippe28@wanadoo.fr
Clinica e varia
a dimensão vertical é pequena, o menor excesso
de extrusão revelará uma sobremordida; se for
significativo, exigirá uma extrusão mais marcada
para que ocorra.
É esta última definição que será escolhida aqui,
para tratar da interceptação da sobremordida dos
incisivos permanentes. Nosso estudo não diz
respeito à interceptação da sobremordida nas más
oclusões classe III.
2. Egresso dos incisivos
A regra geral é:qualquer dente egressa, durante
toda a sua vida, desde que não receba uma força
oposta à sua egressão. É com incisivos como molares,
eles sempre mantêm uma aptidão para a extrusão.
As forças que se opõem à extrusão dos
incisivos vêm de:
– quer a interposição de tecidos moles (dedo,
língua, lábios) entre os incisivos superiores e

Artigo publicado pela EDP Ciências

 268Orthod Fr 2012;83:267–273
figura 1
Para a maioria dos pacientes, os incisivos não estão em
contato em oclusão máxima de intercuspidação (segundo
Kraus, Jordan e Abrams [3]).
mandibular. Seu efeito é muitas vezes excessivo e
causa uma infraoclusão;
– seja pela ação muscular específica desses
Clinica e varia
tecidos, muitas vezes é insuficiente, como
veremos na má oclusão de classe II, divisão
1;
– ou a força oclusal expressa pelo arco oposto, de
acordo com as três modalidades de confronto
dos arcos dentários.
2.1. Em posição de máxima intercuspidação
Não há contato entre os incisivos superiores e
inferiores. Kraus, Jordan e Abrams estabeleceram
que:Os incisivos inferiores geralmente não
possuem contato incisal que contribuirá para o
suporte da dimensão vertical oclusal na posição
intercuspal» [3] (FIG.1). Ou seja, nenhuma força se
opõe à extrusão do incisivo.
2.2. Durante movimentos funcionais de baixa
amplitude
Os contatos aparecem entre os incisivos
superiores e inferiores. Eles exercem sobre
Figura 2
Contatos funcionais de baixa amplitude não liberam forças
opostas à extrusão dos incisivos (de acordo com Dawson [2]).
incisivos superiores das forças que tendem a vesti-
los como mostrado no diagrama de Dawson [2]
(FIG.2). Essas forças não impedem a extrusão dos
incisivos.
2.3. Durante movimentos de grande amplitude
(propulsão e lateroclusão)
Os incisivos atingem a posição de ponta a
ponta. É então que surgem as forças oclusais
opostas à extrusão dos incisivos,e só então[5]
(FIG.3).
Esses movimentos de grande amplitude são
constantes em crianças muito pequenas porque sua
anatomia os facilita (sem dentes e ATM não muito
restritiva). Além disso, o movimento de propulsão é a
base dos atos de preensão e incisão, que eram muito
comuns no passado. Esses movimentos de propulsão e
lateroclusão permanecem muito mais frequentes do que
se imagina. Três observações tendem a provar isso:
– O desaparecimento da “flor de lis”. Para bicos feitos
de esmalte muito duro para serem desgastados, é
necessário um contato frequente e forte com o
bumbum. Desgastam o esmalte e, ao mesmo tempo,
exercem sobre os incisivos uma pressão contrária à
sua egressão.
– A adaptação recíproca das bordas incisais
mandibular e maxilar que pode ser observada em
75% dos arcos adultos colocados na posição incisal
término-terminal.4].

Figura 3
Quando os incisivos estão encostados, a pressão oclusal
exerce forças opostas à egressão dos incisivos superiores e
inferiores.
– A posição do incisivo lateral, mantida mais
alta que a central pela passagem do canino
inferior durante a propulsão.
Como explicar esses fenômenos senão pela
freqüência dos movimentos de grande
amplitude indo até a posição de ponta a ponta?
3. A formação da sobremordida [6]
A sobremordida, portanto, aparece quando duas
condições são atendidas:
– tecidos moles que não se opõem ou não se opõem
efetivamente à extrusão dos incisivos;
– raros ou ausentes contatos de ponta a ponta dos
incisivos.
Essas duas condições são atendidas em três
circunstâncias, que são aquelas em que uma
sobremordida é observada.
Philippe J. A interceptação da sobremordida269
3.1. Grandes discrepâncias anteroposteriores do
tipo classe II, divisão 1
A distância entre as bordas incisais mandibular
e maxilar é muito grande para que a mandíbula
alcance ponta a ponta. O desvio anteroposterior
não permite o confronto dos incisivos.
A extrusão dos incisivos, portanto, só pode ser
interrompida pelos tecidos moles; a dos incisivos
inferiores será pela língua se ela geralmente
repousar sobre as bordas incisais, caso contrário
esses incisivos emigrarão até a fibromucosa
palatina. A extrusão dos incisivos superiores só
será limitada pela ação da cinta formada pela
junção dos dois lábios, junção que aparece durante
a deglutição e durante certas posturas cada vez
mais adotadas com o avançar da idade. Mas a
importância da sobremordida residual mostra a
baixa eficiência dessa ação muscular.
3.2. Emaranhados de cúspides profundos
(Classe II, Divisão 2 e alguns casos de
Classe I)
Em oclusões normais, os movimentos de
propulsão e lateralidade naturalmente levam a
contatos de ponta a ponta nos incisivos assim
que eles avançam o suficiente para permitir.
Clinica e varia
Por outro lado, nos casos de classe II, divisão
2, na dentição decídua, a distoclusão do canino
inferior temporário e o excesso de cobertura do
canino superior causam, durante a proclusão e
lateroclusão, interferências que abrem a oclusão
anterior e impedem contato de ponta a ponta
dos incisivos em erupção (Fig.4tem e4b, Fig.5tem
e5b). Segue-se que nos casos de Classe II,
Divisão 2, os incisivos só recebemNenhum
momento de sua evolução das forças opostas ao
seu egresso. Isso continuará, portanto,
livremente e a sobremordida se formará.
Esse arranjo oclusal leva à seguinte
observação:nas más oclusões classe II, divisão 2,
a distoclusão do canino temporário inferior e sua
cobertura excessiva pelo canino superior resulta
na sobremordida dos incisivos permanentes.
Os caninos temporários são os mais frequentemente
responsáveis por essa desoclusão anterior, mas nem
sempre. A interferência pode ser de outras cúspides
igualmente profundamente entrelaçadas. Durante a
propulsão, pode ser devido ao molar permanente
 270Orthod Fr 2012;83:267–273
tem
b
Figura 4
(a) Diagrama de uma oclusão classe II, divisão 2, durante a
erupção dos incisivos, em máxima intercuspidação. (b)
Esquema de uma oclusão Classe II, Divisão 2 durante a
erupção dos incisivos, em propulsão. Observe a ausência de
contatos incisais de ponta a ponta.
maxila, sua crista mesial é erodida por distoversão.
Durante a lateroclusão, essa desoclusão anterior
pode ser causada pela cúspide palatina se ela for
Clinica e varia
rebaixada por uma versão vestíbulo do dente. Essa
disto-versão e essa vestibuloversão podem ser
resultado de manobras ortodônticas que se
revelam bastante intempestivas.
Há uma sobremordida porque não há contatos
incisais de ponta a ponta, então não há mais contatos
de ponta a ponta porque há uma sobremordida.
3.3. A mobilidade mandibular é reduzida
Às vezes, a ausência de contatos término-terminais
não vem de uma disposição esquelética, nem de
interferências oclusais, mas sim do sistema nervoso
central. Nesses indivíduos, a mobilidade mandibular é
reduzida, os movimentos de propulsão e lateralidade
são raros, o ciclo mastigatório é vertical e eles falam
com a boca fechada. Essa falta de mobilidade leva
necessariamente a uma sobremordida, pois esses
sujeitos não chegam de ponta a ponta. E, após um
tratamento ortodôntico bem-sucedido, esses sujeitos
sempre se repetirão, e sempre pelo mesmo motivo, a
ausência da ponta do incisivo.
tem
b
Figura 5
(a) Diagrama de uma oclusão classe II, divisão 2, durante a
erupção dos incisivos, em máxima intercuspidação. (b)
Diagrama de uma oclusão classe II, divisão 2, durante a
erupção dos incisivos, em lateroclusão. Observe a ausência
de contatos incisais de ponta a ponta.
4. Interceptação de sobremordida
As três circunstâncias descritas acima são
onde uma sobremordida é geralmente
encontrada porque os contatos de ponta a ponta
dos incisivos não aparecem, por uma razão ou
outra, durante a evolução dos incisivos.
A interceptação consiste no restabelecimento precoce
da confrontação dos incisivos pelo jogo de um artifício,
mas para não ser ilusória, a interceptação deve ser
seguida de uma função mandibular normal, rica em
contatos término-terminais.
4.1. Em casos de grandes discrepâncias
anteroposteriores de Classe II, Divisão 1
A interceptação da sobremordida é fútil, pois
não será seguida por uma extremidade incisivo
que as condições anatômicas impossibilitam. O que
é útil é restabelecer as relações normais entre os
arcos o mais rápido possível, se possível por um
processo envolvendo os incisivos, para permitir seu
confronto fisiológico. Mas isso é para o tratamento
precoce da má oclusão de Classe II, Divisão 1 e não
para interceptação da sobremordida.
 Philippe J. A interceptação da sobremordida271

tem b vs

d e f

Clinica e varia
g h EU

EU

Figura 6
(a) e (b) Sobremordida na dentição temporária. Um tratamento de interceptação é decidido. (c) Perda de incisivos centrais.
Pegada. (d) Placa cobrindo a região incisal. (e) Observe o contato com os incisivos inferiores. (f) Um ano depois. A placa é
excluída. (gj) Dois, três, quatro e sete anos depois. Não há recorrência e as gengivas são saudáveis.

4.2. Em casos de Classe II, Divisão 2 onde os incisivos permanentes aparecerão,

O diagnóstico deve ser precoce (isto é, estabelecido
em dentes temporários) para que se possa decidir um
tratamento interceptivo. É muito simples. Assim que os
incisivos centrais superiores temporários caem, é
colocada uma placa removível, que cobre a área
evitando assim sua erupção. Os incisivos inferiores
entram em contato com esta placa. É usado por
cerca de um ano. Não é necessário nenhum ajuste,
ou possivelmente a extensão da placa nos locais
onde aparecem os incisivos laterais (Fig.6tem-6j, e
Figs.7tem-7f).
272Orthod Fr 2012;83:267–273

tem b vs

d e f
Imagem 7

(a) Sobremordida na dentição temporária. Um tratamento de interceptação é decidido. (b) Perda de incisivos centrais. Pegada. (c)
Observe o contato com os incisivos inferiores. (df) Um, dois e onze anos depois. Não há recorrência e as gengivas são saudáveis.

não é um choque natural (Fig.8tem e8b). Também

é possível que facilite a extrusão dos dentes
posteriores.

4.3. Em casos de mobilidade mandibular reduzida

tem
b evoluem, pela instalação de um retro-rolha-incisivo
Imagem 8
(a) e (b). A placa interincisal transmite a força oclusal nos
incisivos superiores e inferiores quando a anomalia impede
o confronto fisiológico fim-a-fim. Uma inoclusão molar é ou
não ajustada dependendo do diagnóstico (ver Fig.6e e7vs).
O tratamento etiológico baseia-se no aumento da
mobilidade por meio de exercícios educativos.
Infelizmente, falhas são comuns. Nestes casos, a placa
interincisiva apresenta excelentes resultados, mas
temporários se não forem retransmitidos por contatos
espontâneos término-terminais proporcionados por uma
reabilitação totalmente bem sucedida.
Caso não apareçam contatos frequentes
(frequência verificada pela formação de facetas de
abrasão nas bordas dos incisivos), o desgaste da placa
interincisiva deve ser seguido, assim que os incisivos
(Fig.9) cuja função é exatamente a mesma da placa
interincisiva: transmitir aos incisivos dos dois arcos a
força oclusal que interromperá sua extrusão, mesmo
que o sujeito exerça apenas alguns movimentos de
propulsão e lateroclusão.

5. Conclusões
Esta placa inter-incisivos destina-se a
transmitir a força oclusal nos incisivos superiores 1. Nas más oclusões de Classe II,
e inferiores quando a má oclusão não permite divisão 2, as interferências cúspides que

Figura 9
O bloco retroincisivo desempenha exatamente o mesmo papel
que a placa interincisivo, mas de forma permanente.
aparecem entre os caninos temporários, e algumas vezes
entre os molares permanentes, durante os movimentos
de propulsão e lateroclusão, durante a erupção dos
incisivos permanentes, são uma das principais causas da
formação da sobremordida dos incisivos, pois impedem o
contato da ponta dos incisivos acabados naquele
momento.
A formação da sobremordida pode ser interrompida
durante a erupção dos incisivos, por um dispositivo que
restabelece seu enfrentamento apesar dessas
interferências.
2. O ortodontista deve monitorar constantemente a
oclusão, intercuspidação máxima, relação
cêntrica, proclusão e lateroclusão.
Olhar apenas para a intercuspidação máxima e, mais
ainda, apenas para o lado vestibular, equivale a aderir à
concepção de Angle, estabelecida em 1899.
Philippe J. A interceptação da sobremordida273
Por outro lado, as considerações precedentes
exigem duas observações.
– Se as interferências dos caninos temporários
causarem a sobremordida dos incisivos, deve-se
temer que as interferências dos caninos permanentes
causem sua recorrência. No entanto, essas
interferências caninas são muito frequentes quando
os movimentos da mandíbula são guiados pelo
chamado sistema de “proteção canina”.
– A explicação da sobremordida pelas
interferências dos dentes decíduos, aqui
apresentada, não se opõe às explicações pelo
jogo muscular ou pela disposição esquelética.
Eles se complementam.
Esse jogo de bilhar dos caninos temporários que
remetem a má oclusão aos incisivos permanentes nos
pareceu bastante divertido para merecer ser contado.
Bibliografia
[1] Bazin A, Brunner F. Condições e fatores de estabilidade na
correção de sobremordida de incisivos. Orthod Fr
1958;39:651-744.
[2] Dawson PE. Orientação anterior. In: Os problemas da
oclusão, Paris: J. Prelat ed., 1977:128-145.
Clinica e varia
[3] Kraus BS, Jordan RE, Abrams L. Anatomia e oclusão
dentária. Baltimore. O Williams e Wilkins Cy, 1969.
[4] Martini C. Contribuição ao estudo da abrasão dos incisivos
durante os movimentos de propulsão da mandíbula. Tese
de doutorado Chir Dent Paris, 1979.
[5] Philippe J. Overbite e seus tratamentos. Paris: SID ed.,
1995:11,12, 84.
[6] Philippe J, Lejoyeux E. A sobremordida dos incisivos: sua
patogênese e a estabilidade de seu tratamento. Ortodontia
Bioprogressiva 2009; Dezembro: 9-16.