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Thais Alves Fagundes

DISFAGIA
PROCESSO DE DEGLUTIÇÃO
Saliva ajuda na digestão (ptialina, amilase) e formação do bolo alimentar (mucina). No esôfago, quando o bolo
alimentar o toca, o esfíncter esofágico superior (músculo cricofaríngeo) (EES) se abre com a elevação da laringe e
concomitante fechamento glótico. Por movimentos peristálticos primários (continuação das ondas peristálticas
geradas na laringe) e secundários (gerados pela distensão do esôfago) o bolo é encaminhado até o esfíncter
esofágico inferior (Cárdia) (EEI).

 Fase antecipatória: voluntaria, é a vontade de se alimentar.


 Fase preparatória: voluntária, trituração, incisão, mastigação do alimento. Forma o bolo alimentar.
 Fase oral: voluntária, encaminha o bolo alimentar para a faringe.
 Fase faríngea: involuntária, encaminha o bolo da faringe para o esôfago.
 Fase esofágica: involuntária, inicia-se enquanto a fase laríngea esta em curso, encaminha o bolo da boca até
o estômago.

DISFAGIA (Dis = dificuldade / Fagos = comer)


Percepção de que há impossibilidade de passagem normal do material deglutido. Estes pacientes podem apresentar
um sintoma especial intermitente: impactação alimentar.

Pode ser descrita como:

 Dificuldade de iniciar a deglutição (disfagia orofaríngea).


 Sensação de que alimentos sólidos e/ou líquidos estão retidos na transição da boca para o estômago
(disfagia esofágica).

Apesar da frequente ocorrência simultânea, é importante excluir:

 Odionofagia: deglutição dolorosa. Distinguida da pirose e outras dores torácicas por ocorrer durante a
deglutição. Referida como dor urente, ou apunhalada, ou constritiva ou espasmódica.
 Globus faríngeo: sensação de uma obstrução na garganta, que não interfere com a deglutição e usualmente
desaparece com ela.
 Fagofobia: medo de deglutir. Podem ocorrer em casos de histeria, tétano, raiva e paralisia. Desencadeado
por medo de aspirar conteúdo.
Thais Alves Fagundes

ETIOLOGIA

DISFAGIA OROFARÍNGEA
Causas mecânicas e obstrutivas: processos inflamatórios da boca e da faringe (infecções), divertículo faríngeo
(Zenker), estenoses, esofagite eosinófila, neoplasias.

Distúrbios musculares: miastenia grave, distrofia muscular, mixedema.

Distúrbios do sistema nervoso central: acidentes cerebrovasculares, doença de Parkinson, demência – causas
frequentes de disfagia em idosos.

Distúrbio psicogênico: transtorno de ansiedade, globo histérico.

Distúrbio funcional: incoordenação faringoesofagica, relaxamento incompleto do EES.

DISFAGIA ESOFÁGICA
Causas mecânicas e obstrutivas:

 Causas intraluminais: corpos estranhos (disfagia aguda).


 Doenças mediastinais, com obstrução do esôfago por invasão direta, compressão, ou por linfadenomegalias:
tumores (pulmão, linfoma), infecções (tuberculose).
 Doenças da mucosa, com estreitamento da luz esofágica devido à inflamação, fibrose ou neoplasias:
estenose associada à doença por refluxo gastroesofágico, anéis e teias esofágicas – principal causa de
disfagia em jovens –, tumores esofágicos, esofagite química (corrosiva), esofagite infecciosa (hérpes,
cândida), esofagite eosinofílica.

Distúrbios neuromusculares: esofagopatia chagásica, acalasia idiopática, distrofia muscular.

 Afetam a musculatura lisa do esôfago e sua inervação, interrompendo a peristalse e/ou o relaxamento do
esfíncter esofágico inferior.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO
História clínica: localização, tipos de alimentos e/ou líquidos, progressivo ou intermitente e duração dos sintomas.

Diagnóstico diferencial:

 Disfagia para sólidos: indica obstáculo mecânico.


 Disfagia para sólidos e líquidos: indica alteração da motilidade esofágica.

DISFAGIA OROFARÍNGEA
 Dificuldade de iniciar a deglutição.
 Pacientes indicam a área cervical como a origem do problema.

Sintomas frequentemente associados:

 Regurgitação nasal.
 Tosse.
 Engasgos.
 Pneumonias recorrentes.

Videofluoroscopia da deglutição ou “deglutograma de bário modificado”: considerado o padrão ouro para avaliar a
disfagia orofaríngea. Durante a fluoroscopia a deglutição é registrada em vídeo.
Thais Alves Fagundes

DISFAGIA ESOFÁGICA
 Disfagia para sólidos e líquidos geralmente reflete dismotilidade esofágica (acalasia).
 Disfagia somente para sólidos sugere a possibilidade de obstrução mecânica, com estenose luminal.
 Disfagia progressiva sugere hipótese de estenose péptica (pirose e regurgitação, sem perda de peso) ou
carcinoma (pacientes mais velhos, do sexo masculino, com emagrecimento acentuado).
 Disfagia intermitente com impactação alimentar, especialmente em homens jovens, deve-se suspeitar
esofagite eosinofílica.

ACALASIA IDIOPÁTICA E ACALASIA CHAGÁSICA (MEGAESÔFAGO)

INTRODUÇÃO
Distúrbios motores do esôfago (DME) podem ser divididos em:

 Distúrbios da musculatura estriada: alterações da faringe e/ou esfíncter esofágico superior.


 Distúrbios da musculatura lisa: acometimento no corpo esofágico e/ou no esfíncter esofágico inferior (EEI).

DME podem ser:

 Primários: quando a alteração motora esofágica é a própria manifestação da doença (acalasia)


 Secundários: quando a doença é sistêmica e o comprometimento esofágico é apenas uma de suas
manifestações (doença de chagas – megaesôfago)

CONCEITO DE ACALASIA E MEGAESÔFAGO


Acalasia: ausência de relaxamento (a= ausência / calasia = relaxamento).

 Falta de relaxamento do EEI à deglutição.


 Ausência de peristaltismo no corpo do esôfago.
 Pode ser idiopática e de natureza chagásica, nos países onde a doença de Chagas é endêmica, como o Brasil.

Megaesôfago: termo megaesôfago é usado como sinônimo de acalasia de origem chagásica. Embora megaesôfagoo
signifique a dilatação do órgão, que nem sempre está presente, em especial nas fases iniciais da doença.

EPIDEMIOLOGIA, INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA


 AC idiopática:
o Relativamente incomum (8 a 14% das causas de disfagia).
o Distribuição quanto ao sexo masculino ou feminino é praticamente igual.
o Pode ser encontrada em qualquer idade.
 AC chagásica:
o Maior incidência onde a doença de Chagas é endêmica (Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Venezuela).
o Predomínio do sexo masculino sobre o feminino.
o Encontrada em todas as faixas etárias, com maior predominância entre os 20 e 40 anos.
o Predomínio no Brasil da acalasia chagásica, devido à endemicidade da doença, principalmente nos
estados de Goiás, São Paulo, Bahia e Minas Gerais.

ETIOPATOGENIA

ACALASIA IDIOPÁTICA
 Como o nome indica, AC idiopática não tem etiologia conhecida. Vários fatores apontados na etiopatogenia.
Thais Alves Fagundes

AC CHAGÁSICA
 Correlação entre a doença de Chagas e o megaesôfago, identificando o T. cruzi na musculatura do esôfago
de pacientes com esta alteração.
 Desnervação com redução do número de células nervosas do plexo mioentérico, que repercute na fisiologia
motora do esôfago e cólon.
 Associação de megacólon ou cardiopatia chagásica com megaesôfago é frequente.

Teorias que tentam explicar a destruição dos plexos mioentéricos pela atuação dos parasitos:

 Neurotóxica: substâncias neurolíticas liberadas pelo T. cruzi destruiriam o neurônio.


 Autoimune: antígenos liberados pelo T. cruzi sensibilizam células neuronais. E ocorre resposta imunológica
com liberação de autoanticorpos contra as células sensibilizadas, com sua consequente destruição
(encontrados anticorpos antineurônio e antimíocárdio em portadores de doença de Chagas).

FISIOPATOLOGIA
 Mecanismo fisiopatológico da AC, chagásica ou idiopática, é a desnervação esofágica:
o Destruição do plexo mioentérico do esôfago.
o EEl: relaxamento é ausente ou incompleto, com perda dos neurônios inibitórios do plexo
mioentérico que contém os neurotransmissores óxido nítrico (ON) e peptídio intestinal vasoativo.
 Observa-se aumento da pressão basal do EEI:
o Pois a via excitatória colinérgica está preservada e os mecanismos inibidores estão ausentes.
 Perda de peristalse no corpo do esôfago: ausência de contrações ou contrações simultâneas.
 Megaesôfago: esôfago vai se dilatando, alteração anatômica consequente ao distúrbio funcional.

DIAGNÓSTICO

QUADRO CLÍNICO
Acalasia chagásica (AC):

 Disfagia é inicialmente intermitente e depois lentamente progressiva.


 Disfagia ocorre inicialmente para sólidos e progressivamente para líquidos.
 Localização:
o Região retrosternal ou ao nível da fúrcula esternal.
 Deve diferenciar de disfagia orofaríngea (após a deglutição e não acompanha engasgos).
 Associações:
o Regurgitação (80%):
 Paciente regurgita alimentos, principalmente à noite, provocando tosse, engasgos, sensação
de sufocação e despertar noturno.
 Acordar com o travesseiro manchado de líquidos ou secreção contendo restos alimentares.
o Pneumonias de repetição: devido à broncoaspiração.
o Perda de peso (70 a 80%): em idosos e com rápido emagrecimento, impõe-se o diagnóstico
diferencial com o câncer de esôfago e de fundo gástrico.
o Pirose (27-48%): muitas vezes, relatada no início da doença.
o Tosse noturna (20%): não raramente é acompanhada de infecção respiratória.
o Sialose: aumento da salivação, surgindo durante a alimentação. Podendo acompanhar em pacientes
com doença de Chagas hipertrofia das glândulas salivares, especialmente parótidas.
o Constipação intestinal: atribuída à alimentação inadequada, pobre em fibras devido à disfagia.
 Na AC chagásica, pode ser devida à associação com megacólon.
Thais Alves Fagundes

EXAMES COMPLEMENTARES
 Suspeitado pela história clínica e pelo estudo radiológico do esôfago (esofagografia).
 Comprovado pela esofagomanometria, considerada o padrão-ouro.
 Endoscopia digestiva alta exclui a possibilidade de lesão orgânica.

DEFINIÇÃO DE ETIOLOGIA
 Etiologia da AC deve ser confirmada por reações sorológicas, a negatividade aponta para forma idiopática.
 Para diagnóstico, necessita de dois testes positivos.
 Pacientes com história epidemiológica positiva devem ser submetidos a mais de um teste de técnica
diferente, em caso do primeiro negativo.
 Indivíduos naturais ou residentes de áreas endêmicas e/ou casa de pau a pique são possivelmente
portadores da forma chagásica.

Reação de imunofluorescência indireta: sensibilidade de até 100%.

Reação de hemaglutinação indireta: grande sensibilidade e especificidade, comparável às anteriores, com


simplicidade de execução.

Ensaio imunoenzimátioo (ELISA): pouco dispendioso, é de execução simples, podendo ser automatizado para
grande número de amostras.

Xenodiagnóstico –É: pesquisa do parasito no conteúdo intestinal e nas fezes dos vetores, algumas semanas após
alimentá-los com sangue dos indivíduos possivelmente infectados.

Reação de fixação de complemento ou reação de Machado Guerreiro: não é sorológico, não é muito utilizado.
Possui elevada sensibilidade (90%). Possibilidade de reação cruzada com as leishmanioses, hanseníase e malária,
gerando falso-positivos.

AVALIAÇÃO ESOFÁGICA
Endoscopia digestiva alta (EDA):

 Inicia-se a avaliação de disfagia pelo método endoscópico.


 Em caso de normalidade, o paciente deve ser submetido à esofagomanometria ou estudo radiológico.
 Exclusão de alteração orgânica como causa da disfagia e diagnóstico de complicações da AC (esofagite).
o Mucosa em geral é normal.
o Achado de líquidos ou resíduos alimentares no interior do esôfago, apesar do jejum adequado, é
comum e sugere o diagnóstico.
o Nos estágios mais avançados, encontra-se dilatação e/ou tortuosidade esofágica.

Esofagografia:

 Achados são de alta especificidade, quando correlacionados com o estudo manométrico.


 Incomum paciente com AC com estudo radiológico inteiramente normal.
 Achados sugestivos da AC:
o Retardo do meio de contraste.
o Ausência de peristalse do órgão com ou sem contrações terciárias.
o JEG atilada conferindo o aspecto descrito como "rabo de rato" ou "bico de pássaro".
o Diferentes graus de dilatação esofágica.
 Classificação de megaesôfago (Ferreira-Santos / Rezende): definem o grau de avanço da doença pela
mensuração do diâmetro distal do esôfago, auxiliando na opção terapêutica e avaliação prognóstica.
Thais Alves Fagundes

Esofagomanometria (EM):

 Método padrão-ouro para o diagnóstico da AC.


 Confirma o diagnóstico, sugerido pela EDA e/ou esofagografia, após a exclusão de doenças orgânicas.
 Avalia a pressão basal, o relaxamento do esfíncter esofágico inferior (EEI) e as ondas peristálticas.
o Pressão basal aumentada.
o Falta de relaxamento ou relaxamento incompleto do EEI.
o Aperistalse do corpo esofágico

pHmetria esofágica prolongada (pHm):

 Não é um exame habitualmente solicitado para pacientes com AC virgens de tratamento.


 Diagnóstico diferencial de DRGE, quando há queixa de regurgitação e pirose.

TRATAMENTO
 Todas as opções terapêuticas, com exceção da esofagectomia, objetivam diminuir a pressão no esfíncter
esofágico inferior (PEEI).
o Desobstruir o trânsito alimentar, facilitando o esvaziamento esofágico.
o Alivia os sintomas.
o Previne o desenvolvimento de megaesôfago e suas complicações.

MEDICAMENTOS
Nitratos e antagonistas dos canais de cálcio:

 Medicamentos mais comumente empregados no tratamento clínico.


 Administrados por via sublingual.
 Mecanismo de ação:
o Diminuição da PEEI.
o Nitratos (dinitrato de isossorbida 5 a 10 mg/dia) aumentam a concentração de óxido nítrico nas
células musculares lisas, resultando em relaxamento, dentro de 15 min e esse efeito persiste por até
90 min.
o Antagonistas do canal de cálcio (nifedipino 10 a 30 mg/dia) inibem a musculatura lisa e agem 30 min
após sua administração.
 Efeitos colaterais: cefaleia, tonturas, edema de membros inferiores, taquifilaxia ao longo prazo.
Thais Alves Fagundes

Toxina botulínica A (BoTox):

 Administrado em injeções locais por via endoscópica no esfíncter esofágico inferior.


 Reduz pressão do EEI e diâmetro esofágico, por cerca de 6 meses (BoTox é potente inibidor da acetilcolina,
de ação excitatória no tônus do EEI), reduzindo sintomas.
 Recomendado para:
o Idosos com comorbidades.
o Pacientes com alto risco cirúrgico.
o Falha no tratamento cirúrgico.
o Falência na resposta a dilatações em pacientes com risco cirúrgico alto.

Dilatação pneumática da cárdia (DPC):

 Tratamento conservador definitivo mais frequentemente empregado para o tratamento da AC.


 Rompe as fibras musculares do EEI, reduzindo sua pressão e a obstrução do esôfago, melhorando o
esvaziamento esofágico e a disfagia.
 Procedimento:
o Pode ser feita sob controle radioscópico ou endoscópico dependendo do tipo de balão.
o Introdução no esôfago, de um balão.
o Balão posicionado na JEG e inflado até que ocorra a dilatação do EEI.
 Complicações no ato do procedimento: perfuração do esôfago, sangramento na região da dilatação, dor
torácica prolongada pós-procedimento, RGE.

TRATAMENTO CIRÚRGICO
Indicação:

 Refratariedade ao tratamento clínico.


 Historia previa de complicações.

Tratamento cirúrgico da AC pode ser feito por meio de técnicas conservadoras (esofagomiotomias) ou cirurgias
mais invasivas (esofagoplastias e esofagectomias).

 Cirurgia conservadora:
o Mais empregada é a esofagomiotomia de Heller que consiste na secção das camadas musculares do
esôfago distal e da cárdia, acompanhada de procedimento antirrefluxo (fundoplicatura - Fp).
o Via de escolha é a laparoscópica.
o Complicações da esofagomiotomia são raras, mas podem ocorrer perfuração esofágica, mediastinite
e RGE.
 Ressecções esofágicas (esofagectomias) ou esofagoplastias (Thal-Hatafuku e Serra Doria):
o Indicação:
 Casos de falha do tratamento cirúrgico inicial (em geral, resolvidos com nova miotomia).
 Como primeiro tratamento do megaesôfago muito avançado.

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