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SUMÁRIO

1. Introdução...................................................................... 3
2. Bases anatômicas e fisiológicas do fígado....... 5
3. Fisiopatologia............................................................... 7
4. Quadro clínico............................................................... 9
5. Diagnóstico.................................................................12
6. Complicações.............................................................15
7. Prognóstico.................................................................20
Referências bibliográficas..........................................23
CIRROSE HEPÁTICA 3

1. INTRODUÇÃO são as principais causas de morte re-


lacionadas a cirrose hepática. Além
A cirrose hepática é definida histolo-
disso, basicamente o tratamento da
gicamente por fibrose hepática difu-
cirrose visa retirar o insulto base que
sa, com substituição da arquitetura
originou a cirrose e tratar os sintomas
normal do parênquima hepático por
decorrentes do quadro de hiperten-
nódulos regenerativos. Várias etiolo-
são portal. Esse tratamento pode ser
gias estão relacionadas com o sur-
clínico, envolvendo medicamentos ou
gimento da cirrose, como infecções
cirúrgico, como o trasplante hepático.
virais crônicas, esteato-hepatite al-
Para entendermos a fisiopatologia da
coólica e não alcoólica (NASH), to-
cirrose e seu tratamento, é necessário
xinas e doenças autoimunes sendo
termos uma pequena noção da estru-
que todas elas confluem para doen-
tura e funcionamento do fígado.
ça hepática crônica (DHC) (Quadro
1). Independente da causa, todas as
etiologias culminam com a mesma PRINCIPAIS ETIOLOGIAS DA CIRROSE
via final de lesão hepática e estímulo HEPÁTICA
a deposição de colágeno. Acredita-se
Alcoolismo
que a cirrose esteja entre as dez prin-
cipais causas de morte no mundo. Hepatites virais (B e C)

Estima-se que a cirrose seja respon- Esteatose hepática


sável por 1,1% das mortes no mun- Hepatite autoimune
do. No Brasil, a taxa de mortalidade
Lesão hepática induzida por drogas ou toxinas
específica por cirrose hepática é de
Síndrome de Budd-Chiari
4,6 por 100.000 habitantes. Estima-
-se que cerca de 40% dos pacientes Doença de Wilson
com cirrose são assintomáticos. Po- Hemocromatose
rém quando os sintomas aparecem Deficiência de alfa-1-antitripsina
ocorre piora significativa do prognós-
Insuficiência cardíaca direita crônica
tico da doença. A principal consequ-
ência da cirrose é o surgimento de Cirrose biliar primaria

insuficiência hepatocelular e hiper- Cirrose biliar secundária


tensão porta. Mesmo com a remo- Colangite esclerosante primária
ção do agente etiológico relacionado
Atresia de vias biliares
ao surgimento da cirrose, o processo
cirrótico pode continuar progredindo, Criptogênica

aumentando as complicações dessa Tabela 1. Etiologia da cirrose hepática.


Fonte: baseado em Sabiston, 20th ed., 2016.
doença. A insuficiência hepática e o
sangramento de varizes esofágicas,
CIRROSE HEPÁTICA 4

MAPA MENTAL DAS CAUSAS DA CIRROSE HEPÁTICA

Hepatite C

Hepatite B Cirrose biliar primária


Drogas e tóxinas

Hepatopatias Hepatites autoimunes


Hepatite B+D Vírus
autoimunes tipo 1 e 2

Cirrose
Hemocromatose Doenças metabólicas Cirrose criptogênica Colangiopatia autoimune
hepática

Colangite esclerosante
Doença de Wilson Álcool

Hepatopatias
Esteatose hepática
da infância
não alcoólica

Deficiência de alfa-1-
antitripsina Fibrose cística Atresia biliar Cisto de colédoco
CIRROSE HEPÁTICA 5

2. BASES ANATÔMICAS E em dois lobos pela cisura principal,


FISIOLÓGICAS DO FÍGADO também conhecida como linha de
Cantlie. Cada lobo é dividido por uma
O fígado é o único órgão em que há
cisura secundária em dois setores:
aporte sanguíneo (chegada para irri-
paramediano e lateral. O primeiro em
gação) de uma veia e uma artéria: veia
contato com a cisura principal, e o se-
porta e artéria hepática. A veia porta é
gundo com a cisura secundária. Cada
formada pela junção da veia mesen-
um destes setores divide-se em dois
térica superior e veia esplênica. Clas-
segmentos, um anterior e outro pos-
sicamente é dividido em lobos direito,
terior. Cada um dos segmentos re-
esquerdo, caudado e quadrado (Figu-
cebe uma numeração de I a VIII, no
ra 1). No entanto, do ponto de vista
sentido horário. Portanto, o fígado do
funcional, pode ser dividido de acordo
ponto de vista anatomofuncional, fica
com a segmentação hepática de Cou-
dividido em oito segmentos (Figura 2).
inaud. Nesse caso, o fígado é dividido

Figura 1. Divisão clássica do fígado. Fonte: Sabiston, 20th ed., 2016.


CIRROSE HEPÁTICA 6

Figura 2. Segmentação hepática. Fonte: Sabiston, 20th ed., 2016.

Figura 3. Lóbulo hepático - Unidade funcional do fígado. Fonte: Sabiston, 20th ed., 2016.
CIRROSE HEPÁTICA 7

O fígado tem o papel de manter ho- No fígado normal, só existe matriz ex-
meostase metabólica do corpo que tracelular (MEC) na capsula hepática
inclui a síntese de proteínas e desto- e ao redor das veias centrais. Na pre-
xificação e excreção de produtos de sença de fatores infamatórios, como
eliminação. Esse órgão possui grande espécies reativas de oxigênio, fatores
reserva funcional, e possui a capaci- de crescimento e citocinas, as célu-
dade de se regenerar. Devido a esse las estreladas podem ser ativadas e
poder de regeneração e a grande re- transformadas em miofibroblastos
serva funcional, muitas vezes o real que produzem MEC, sobretudo com
impacto de uma doença que acomete colágenos tipos I e III. Acredita-se que
o fígado não é evidenciado clinica- são as células de Kupffer ativadas
mente. A unidade funcional do fíga- (tipo de macrófago fígado), hepató-
do são os lóbulos hepáticos, por onde citos lesionados e células endoteliais
passa o sangue proveniente da circu- sinusoidais que produzem esses fato-
lação porta e sistêmica (Figura 3). Em res ativadores das células estreladas.
cada lóbulo há uma tríade portal com- Além disso, células estreladas pos-
posta por ramos da artéria hepática, suem a capacidade de se auto esti-
veia porta e ducto biliar. Os ramos da mular através de citocinas e quimioci-
artéria hepática terminam em sinu- nas produzidas por ela mesma, como
soides hepáticos que são capilares o fator de transformação do cresci-
altamente fenestrados e desprovidos mento b (TGF-b). Com a deposição de
de membrana o que facilita a saída de colágeno no espaço de Disse, ocorre
moléculas do vaso. Além disso, essa a perda de fenestrações dos sinusoi-
unidade funcional possui um espaço des, levando ao espessamento da
que fica entre o sinusoide e o hepa- membrana basal e ao surgimento de
tócito, chamado de Espaço de Disse. alta pressão sinudoidal, além de re-
Nesse local fica as células estreladas duzir a troca natural de solutos por
ou células de Ito que no fígado normal esses espaços. Com o aumento da
tem a função de armazenar vitamina pressão intra-sinusoidal, ocorre o de-
A, mas diante de lesões, são impor- senvolvimento de shunts vasculares
tantes na fisiopatologia da cirrose entre veia porta-veia hepática e arté-
hepática. ria hepática-veia porta. Isso gera uma
pressão anormal dentro do fígado e
3. FISIOPATOLOGIA contribui para a disfunção hepática e
a hipertensão portal. No decorrer da
Como dito anteriormente, existem vá- lesão hepática, ocorre síntese, depo-
rias causas que levam a lesão dos he- sição e reabsorção de componentes
patócitos, como álcool, vírus e toxinas. da MEC e com isso, é possível até a
CIRROSE HEPÁTICA 8

restauração da função hepática. No os hepatócitos e ter seus componen-


entanto, quando ocorre um remode- tes metabolizados de forma eficiente.
lamento significativo e progressivo Macroscopicamente o fígado cirrótico
fígado perde sua capacidade regene- possui um aspecto nodular e endure-
rativa, levando a um quadro irreversí- cido e em casos avançados, encon-
vel. Com isso, os hepatócitos normais, tra-se atrófico. Com isso, podemos
são substituídos por nódulos paren- resumir que a cirrose hepática é um
quimatosos derivados de hepatócitos processo resultante da deposição de
sobreviventes e de novos hepatócitos matriz extracelular, morte dos hepa-
gerados, além de septos fibrosos ao tócitos e reorganização vascular e
redor dos nódulos (Figura 3). O san- hepatocitária.
gue que circula dentro dos sinusoides
não consegue entrar em contato com

Figura 4. Quadro clínico da cirrose hepática no contexto de hipertensão portal.


Fonte: Patologia Básica Robbins, 9° ed, 2013.
CIRROSE HEPÁTICA 9

FLUXOGRAMA DA FISIOPATOLOGIA DA CIRROSE HEPÁTICA

Causas da
Ativação das Produção de fatores
cirrose Lesão hepática
células de Ito estimulantes
hepática

Deposição de matriz
extracelular

Perda da fenestração
Nódulos
dos sinusoides Septos fibrosos
parenquimatosos
hepáticos

Irreversibilidade das
ASCITE
alterações

4. QUADRO CLÍNICO 4). Como dito, alguns sintomas podem


ser específicos da síndrome clínica
Como dito anteriormente, a cirrose he-
consequente da cirrose hepática. Por
pática pode ser assintomática. Quan-
exemplo, diante do desenvolvimento
do apresentam sintomas, estes podem
de hipertensão portal, sinais e sinto-
ser inespecíficos. De um modo geral,
mas como ascite, edema, hiperesple-
geralmente os sintomas da cirrose he-
nismo, hemorroida e varizes esofá-
pática estão relacionados as compli-
gicas podem surgir. Além disso, em
cações associadas como hipertensão
estágios mais avançados da cirrose,
portal, insuficiência hepática e a causa
quando ocorre insuficiência hepática,
de base que originou a cirrose. Desse
o paciente pode desenvolver icterícia,
modo, podem surgir anorexia, perda
encefalopatia hepática, coagulopatia,
de peso, fraqueza, icterícia, ascite, cir-
hipoalbuminemia, desnutrição e até
culação colateral, edema de membros
Síndromes hepatorrenal e hepatopul-
inferiores, diminuição da pressão ar-
monar. Enquanto isso, diante do eti-
terial, teleangiectasias, ginecomastia
lismo, podemos observar neuropatias
e atrofia testicular nos homens, eri-
periféricas, contraturas de Dupuytren
tema palmar, baqueteamento digital,
(atrofia da fáscia palmar), Quando
osteoartropatia hipertrófica, distrofia
a causa da cirrose é por Doença de
ungueal, flapping, entre outras (Figura
CIRROSE HEPÁTICA 10

Wilson, pode-se observar distúrbios Além disso, a cirrose pode ser clas-
neurológicos por envolvimento dos sificada em compensada ou descom-
gânglios da base, como distúrbios de pensada, de acordo com sua mani-
movimento, tremores, rigidez e coreia festação clínica.
e o achado mais característico dessa
• Compensada: ocorre na fase ini-
doença que são os Anéis de Kayser-
cial da doença. Geralmente o pa-
-Fleisher que ocorre por deposição de
ciente encontra-se assintomático
cobre na membrana de Descemet do
ou apresenta sintomas inespecí-
olho. Na hemocromatose pode ocor-
ficos como fadiga, perda de peso,
rer pigmentação das áreas da pele ex-
fraqueza e anorexia.
postas ao sol, adquirindo uma colora-
ção cinza metálica, além de artropatia • Descompensada: paciente pode
das pequenas articulações das mãos. apresentar icterícia, prurido, as-
cite (manifestação mais comum
de descompensação), edema de
membros inferiores, diarreia, san-
gramento gastrointestinal (hema-
têmese, hematoquezia, melena),
confusão mental, entre outros.

Figura 5. Quadro clínico da cirrose hepática no con-


texto de hipertensão portal. Fonte: Patologia Básica
Robbins, 9° ed, 2013.
CIRROSE HEPÁTICA 11

MAPA MENTAL CLÍNICA

Ictericia

Encefalopatia hepática

Síndrome CHC
hepatopulmonar Flapping

Síndrome hepatorrenal
Ascite Insuficiência hepática Coagulopatia
CIRROSE
HEPÁTICA
Varizes de esôfago,
Hipertensão portal Ginecomastia Hipoalbuminemia
estômago ou ectópicas

Anasarca
Circulação colateral
Telangectasias Eritema palmar
Desnutrição
Esplenomegalia
congestiva

Anemia

Leucopenia

Trombocitopenia
CIRROSE HEPÁTICA 12

5. DIAGNÓSTICO Quanto aos exames laboratoriais,


podemos solicitar testes de função
hepática, testes de coagulação, he-
SE LIGA! O diagnóstico de certeza da
mograma e testes sorológicos, como
cirrose hepática só pode ser dado histo-
logicamente. No entanto, pode ser sus- hepatites B e C. As possíveis altera-
peitado com a combinação da anamne- ções desses exames estão descritas
se, exame físico, exames laboratoriais no quadro 3 a seguir.
e de imagem. No caso da anamnese,
alguns fatores de risco para doenças
que levam a cirrose hepática podem ser
questionados (Quadro 2). EXAMES LABORATORIAIS

Podem estar elevadas com a


ALT e AST
atividade da doença
FATORES DE RISCO PARA CIRROSE HEPÁTICA
Geralmente estão normais, a não ser
História familiar (hemocromatose, FA e GGT
que haja obstrução biliar
Doença de Wilson, Fibrose cística)

Normais, mas pode se elevar com a


Etilismo (hepatite alcoólica) Bilirrubinas
progressão da doença
Hiperlipidemia, diabetes e obesidade
Pode estar alargado com a progres-
(Esteatose hepática) TP
são para insuficiência hepática
Transfusão sanguínea (Hepatite B e C)
Globulina Geralmente estão aumentadas
Doenças autoimunes (Hepatite autoimune,
cirrose biliar primaria)
Encontra-se reduzida na insuficiên-
Medicações e toxinas Albumina
cia hepática ou desnutrição
(Hepatite induzida por drogas)
Tabela 2. Fatores de risco para cirrose hepática. Pode apresentar anemia, leucopenia,
Fonte: baseado em Sabiston, 20th ed., 2016. Hemograma
trombocitopenia ou pancitopenia

Tabela 3. Exames laboratoriais na cirrose hepática.


Fonte: baseado em Manual de cuidados intensivos em
Já no exame físico é possível encon- hepatologia, 2. ed., 2017.
trar os mais diversos sinais que já fo-
ram descritos no tópico acima. Por-
tanto, se suspeita do diagnóstico de Nos exames de imagem podemos
cirrose diante de um paciente com encontrar alterações morfológicas,
hemorragia digestiva, ascite, hepato além de identificar hipertensão portal
e/ou esplenomegalia, sinais de insu- e Carcinoma hepatocelular (CHC). Os
ficiência hepática ou mesmo pacien- exames mais utilizados são a Ultras-
tes assintomáticos, mas com eviden- sonografia de abdome (USG), USG
cia de alterações laboratoriais ou de com Doppler, tomografia computa-
imagem. dorizada ou ressonância magnética.
CIRROSE HEPÁTICA 13

Nesses exames podem ser identifi-


cado nódulos hepáticos, heteroge-
neidade do parênquima hepático,
redução do fígado ou sinais de hiper-
tensão portal.

SE LIGA! A cirrose em estágios iniciais


pode ter exames de imagem normais.
Por isso, os exames só nos ajudam em
estágios mais avançados e/ou diante
da suspeita clínica. Outro exame muito
utilizado para nos orientar no diagnós-
tico de cirrose hepática é a elastografia
hepática transitória, também, conhecido
Figura 5. Fibroscan. Método não invasivo de avaliação
como Fibroscan. Esse é um método não
da cirrose hepática e seu prognóstico. Fonte: Fibroscan
invasivo para a medição da fibrose he- for Fatty Liver Cirrhosis and Fibrosis. In: https://www.
pática (Figura 5). Nesse caso, coloca-se medindia.net
um aparelho sobre a pele do paciente na
topografia do fígado. O aparelho trans-
mite ondas sonoras através da pele e os
dados transitórios de elastografia são
coletados para estimar o grau de rigidez
do fígado. A rigidez hepática se corre-
laciona com a quantidade de fibrose ou
cicatrização do fígado. Como dito acima,
a biópsia hepática, apesar de ser o pa-
drão ouro, não deve ser realizada de ro-
tina. Esse procedimento, acarreta alguns
riscos de morbimortalidade ao paciente,
inclusive de sangramento. Por isso, só
deve ser realizada quando o diagnóstico
não for estabelecido após avaliação clí-
nica, laboratorial e imagiológica e quan-
do há discordância entre a clínica e re-
sultados de métodos não invasivos.
CIRROSE HEPÁTICA 14

MAPA MENTAL DIAGNÓSTICO

Obesidade,
Alcoolismo Doença autoimunes História familiar Drogas e toxinas
hiperlipidemia, diabetes

Fatores de risco

Anamnese

Diagnóstico de certeza
Diagnóstico
Exame físico da Cirrose Biópsia hepática

Padrão ouro

Exames de imagem Exames laboratoriais

USG abdominal

Tomografia computadorizada

Fibroscan

Ressonância magnética
CIRROSE HEPÁTICA 15

6. COMPLICAÇÕES maior predisposição a infecções


decorrentes da redução dos he-
As principais complicações da cirrose
patócitos funcionantes, com con-
estão relacionadas com a redução da
sequente redução na síntese de
função hepática, hipertensão portal e
proteínas plasmáticas; distúrbio no
aumento do risco de desenvolvimen-
metabolismo de carboidratos e li-
to de carcinoma hepatocelular, além
pídios; alterações no catabolismo e
de outras complicações resultantes.
biotransformação de aminoácidos,
• Hipertensão portal: Essa compli- hormônios, drogas e xenobióticos
cação ocorre devido a formação de e redução na neutralização e des-
fibrose, nódulos e capilarização dos truição de micro-organismos. Além
sinusoides, pela cirrose, resultando disso, pode ocorrer encefalopatia
no aumento da resistência vascu- hepática, decorrentes da ação no
lar. Além disso, outros fatores como sistema nervoso central de toxinas
alterações da função renal, altera- não adequadamente metaboliza-
ções de sistemas neuro-humorais das pelo fígado.
e anormalidades da microcircula-
• Encefalopatia hepática: A ence-
ção hepática estão associados. A
falopatia hepática é uma compli-
Hipertensão portal é responsável
cação neurológica que ocorre em
pela maioria das suas complica-
pacientes portadores de disfunção
ções da cirrose, podendo levar a
hepática grave, Esta relacionada à
formação de varizes no esôfago,
falha de detoxificação de metabó-
ascite e outras sintomatologias.
litos, principalmente a amônia, pro-
• Insuficiência hepática: Com o venientes do intestino, atribuídos à
evoluir da cirrose e da perda de presença de insuficiência hepática
hepatócitos funcionantes, algu- e de shunts portossistêmicos. É
mas funções do fígado podem fi- mais frequentemente desencade-
car comprometidas, gerando re- ada por hemorragia digestiva alta,
dução na formação de algumas infecções agudas, distúrbios hidro-
proteínas, neutralização de toxi- eletrolíticos, grande ingestão de
nas e a destruição de bactérias e proteínas, deterioração da função
produtos bacterianos provenien- hepática e após derivações cirúr-
tes dos intestinos. Com isso, pode gicas portossistêmicas. Sua inten-
surgir eritema palmar, telangiec- sidade varia da forma clinicamen-
tasias, ginecomastia, atrofia tes- te inaparente ou leve, até a forma
ticular, desnutrição com perda de aparente e clinicamente evidente.
massa muscular, coagulopatia e
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• Peritonite bacteriana espontâ-


nea (PBE): A PBE é uma infec- SE LIGA! Pessoas com cirrose compen-
ção frequente em pacientes com sada sem varizes ou com varizes pe-
quenas que evoluem para cirrose des-
cirrose hepática. Acredita-se que
compensada deverão repetir EDA na
um paciente imunodebilitado, com descompensação.
alterações da motilidade gástri-
ca, associado ao supercrescimen-
to bacteriano intestinal, tem maior • Síndrome hepatorrenal: Essa do-
risco de translocação bacteriana, ença é definida como o surgimen-
que levam ao desenvolvimento da to de insuficiência renal em pa-
infecção peritoneal. cientes com doença hepática, sem
que haja evidências clínicas, labo-
• Hemorragia digestiva alta
ratoriais ou anatômicas de cau-
(HDA): A HDA é um sangramen-
sa conhecida que justifique o seu
to que se origina de um ponto lo-
desenvolvimento. Essa síndrome
calizado entre a boca e o ângulo
ocorre devido a uma constrição in-
de Treitz, podendo se manifestar
tensa da vasculatura cortical renal
como hematêmese, vômitos, me-
devido à alterações hemodinâmi-
lena e enterorragia. A HDA por
cas em pacientes com hipertensão
hipertensão portal pode ser decor-
portal, resultando em oligúria e re-
rente de sangramento por varizes
tenção de sódio. Pode ser de 2 ti-
esofágicas, gástricas e ectópicas e
pos, a síndrome hepatorrenal tipo 1
gastropatia da HP. A HDA está as-
que se caracteriza-se por rápida e
sociada à alta mortalidade e pode
progressiva insuficiência renal com
precipitar outras complicações da
concentração de creatinina 2 ve-
cirrose hepática, como encefalopa-
zes maior que a inicial em menos
tia hepática, infecções, lesão renal
de duas semanas. Já a tipo 2, tem
aguda (AKI) e síndrome hepatorre-
moderada insuficiência renal e seu
nal. Todos os doentes com cirrose
curso é lentamente progressivo.
hepática devem efetuar endosco-
pia digestiva alta (EDA) a cada 2 • Carcinoma hepatocelular (CHC):
anos se tiver cirrose compensada O CHC é o tumor maligno primário
e sem varizes e anualmente na cir- mais comum do fígado. E possui
rose compensada, mas com vari- associação com doenças hepáti-
zes pequenas. cas, como hepatite B e C e cirrose.
CIRROSE HEPÁTICA 17

pressão portal e, por isso, diminuem o


SE LIGA! Apesar disso, a relação en- risco de desenvolvimento de varizes,
tre o CHC e a cirrose não é obrigatória, hemorragia varicosa e ascite. A pro-
ocorrendo CHC sem cirrose e cirrose
filaxia primária com betabloqueado-
sem CHC. Além disso, o carcinoma he-
patocelular pode ser identificado por res não seletivos deve ser oferecida a
exames de imagem. Por isso, a USG é pacientes com varizes de fino calibre,
utilizada no rastreamento semestral de mas que apresentam elevado risco de
CHC em pacientes sabidamente cirróti-
cos, juntamente com a dosagem sérica
sangramento e para varizes de médio
da alfafetoproteína. e grosso calibres, enquanto a liga-
dura elástica fica reservada àqueles
que apresentam intolerância ou con-
7. TRATAMENTO traindicação aos betabloqueadores.
O tratamento da cirrose hepática visa O betabloqueador mais utilizado é o
tratar ou suspender a causa base que propanolol 20mg, via oral, 2x/dia ou
originou a doença, realizar o manejo nadolol 20mg, via oral, 1x/dia. A dose
adequado das complicações, impe- do propranolol deve ser ajustada a
dir a descompensação da doença e cada três dias até que se obtenha re-
melhorar a qualidade de vida do pa- dução de 25% da frequência cardía-
ciente. Sendo assim, é fundamental o ca basal (até 55 bpm). Para prevenir
rastreamento de varizes (para evitar a PBE, pode-se lançar mão do uso de
hemorragia varicosa) e do carcinoma antibioticoterapia empírica com ce-
hepatocelular (para que o tratamen- fotaxima 2g, de 12/12 horas, via in-
to seja realizado no estágio inicial do travenosa ou ceftriaxona 1 a 2g, de
tumor). Dessa forma, mais recente- 24/24 horas, via intravenosa ou áci-
mente tem se usado e estudado me- do amoxicilina-clavulanato 1g, de 8/8
dicações que poderiam ser capazes horas, via intravenosa. Nos casos de
de parar ou reduzir o surgimento de ascite, além da paracentese de alivio
fibrose hepática. Um exemplo dessas quando há grande acumulo de líqui-
medicações é a colchicina. Esse me- do, podemos usar os diuréticos como
dicamento atua melhorando a bioquí- furosemida e/ou espironolactona nos
mica hepática. casos em que a perda de peso for
inadequada ou se houver desenvol-
Além dessas, outras drogas como
vimento de hipercalemia. Esses me-
propiltiouracil e interferon tem sido
dicamentos são usados na dose de
estudadas. Além disso, em relação as
100mg/dia, de espironolactona e 40 a
varizes pode-se fazer uso de Beta-
160mg/dia de furosemida. Para evitar
bloqueadores que atuam reduzindo a
a encefalopatia hepática, podemos
CIRROSE HEPÁTICA 18

utilizar a lactulose 15 a 30mL, via candidatos ao transplante hepático,


oral, 2x/dia, ajustada para obter duas pode-se realizar a anastomose por-
evacuações/dia. Ademais, pacientes tocava intra-hepática por via radioló-
cirróticos tendem a ser desnutridos, gica (TIPS). Esse procedimento, reduz
por isso é essencial uma abordagem a hipertensão portal e com isso dimi-
nutricional eficaz, assim como a cor- nui o risco de algumas complicações
reção de deficiência de vitaminas. da cirrose, como a ruptura de varizes
Como a cirrose é até então conside- esofágicas.
rada como uma doença irreversível,
o transplante hepático é o único tra- SE LIGA! O TIPS não é um tratamento
tamento definitivo para isso é neces- definitivo, é apenas uma “ponte” para re-
sário que o paciente preencham os alização do transplante hepático.
critérios para transplante. Em alguns
pacientes com hipertensão portal e
CIRROSE HEPÁTICA 19

Evitar a progressão
Tratar causa base
da doença

Fazer vacinação para COMPLICAÇÕES E Síndrome Tratamento


hepatite A e B Hepatopulmonar definitivo da cirrose
TRATAMENTO

Transplante hepático

Síndrome Hepatorrenal
Tratar complicações
MELD≥11

HDA Ascite Encefalopatia hepática PBE

EDA Diuréticos Lactulose Antibióticos

Betabloqueador Paracentese

Restrição de
Ligadura de varizes
sódio na dieta
CIRROSE HEPÁTICA 20

7. PROGNÓSTICO sendo que a somatória desses pontos


indica a gravidade da doença:
O prognóstico da cirrose hepática de-
pende de vários fatores, como a etio- • Grau A: Baixo risco (pontuação de
logia, a gravidade da doença, presen- 5 ou 6 pontos).
ça de comorbidades e complicações. • Grau B: Risco moderado (pontua-
Por exemplo, a taxa de sobrevida em ção de 7 a 9 pontos).
10 anos de pacientes com a doença
compensada é de aproximadamente • Grau C: Alto risco (pontuação de
90%, enquanto a taxa dos pacientes 10 a 15 pontos).
descompensados é de 50%. Para es- A sobrevida estimada em um ano com
timar o prognóstico de pacientes com base neste sistema é de aproximada-
cirrose, existem vários modelos que mente 100% para Child A, 80% para
podem ser empregados, sendo os Child B e 45% para Child C. Ao con-
mais utilizados a classificação de Chil- trário da CCP, que apresenta três ca-
d-Pugh (CCP) e de MELD. A classifi- tegorias de gravidade, o MELD varia
cação de CCP utiliza parâmetros clí- em uma escala contínua entre 6 e 40,
nicos e laboratoriais para estratificar a o que representa uma estimativa de
gravidade da doença, o risco cirúrgico sobrevida em 3 meses de 90 e 7%,
e o prognóstico geral (Quadros 4). Os respectivamente. O MELD é basea-
elementos utilizados são albumina, bi- do na avaliação dos níveis de bilirru-
lirrubina, tempo de protrombina, ascite binas, creatinina e INR (Internacional
e encefalopatia. Para cada um des- Normalized Ratio) e tem sido adotado
ses elementos existe uma pontuação, para alocação dos pacientes na fila de
transplante hepático.

SAIBA MAIS!
No Brasil, a inscrição de pacientes para transplante hepático ocorre em uma lista única regio-
nal, regulamentada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) de acordo com a Portaria
541, de 2006 e utiliza o sistema MELD para sua alocação.
CIRROSE HEPÁTICA 21

CLASSIFICAÇÃO DE CHILD-PUGH

PONTOS
1 2 3

Encefalopatia Ausente I e II III e IV


Discreta ou controlada
Ascite Ausente Moderada a acentuada
com medicamentos
Bilirrubinas (mg/dL) 1 a 1,9 2a3 >3
Albumina (mg/dL) > 3,5 2,8 a 3,5 <2,8
RNI <1,7 1,7 a 2,2 >2,2
Quadro 4: Classificação de Child-Pugh.
Fonte: baseado em Manual de cuidados intensivos em hepatologia, 2. ed., 2017.
CIRROSE HEPÁTICA 22

MAPA MENTAL GERAL

Encefalopatia HDA PBE

Complicações
Tratar causa base Exames de imagem

Evitar descompensação
Biopsia hepática
Cirrose
Tratamento Diagnóstico
hepática
Tratar complicações Exames laboratoriais

Anamnese +
Transplante hepático
exame físico
Quadro clínico CAUSAS

Circulação colateral Etilismo

Ascite Vírus hepatotropicos

Hipertensão portal Cirrose biliar primária

Insuficiência hepática Doenças metabólicas

Desnutrição Cirrose criptogênica

Medicamentos e toxinas

Doenças autoimunes
CIRROSE HEPÁTICA 23

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Townsend CM et al. Sabiston Textbook of Surgery. 20th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2016.
Manual de cuidados intensivos em hepatologia / editores Paulo Lisboa Bittencourt, Claudio
Celestino Zollinger, Edmundo Pessoa de Almeida Lopes. -- 2. ed. -- Barueri, SP : Manole,
2017.
KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins patologia básica. 9. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2013.
Barry C. Fibroscan for Fatty Liver Cirrhosis and Fibrosis. In: https://www.medindia.net/pa-
tients/patientinfo/fibroscan-for-fatty-liver-cirrhosis-and-fibrosis.htm. Acesso em março de
2020.
Civan JM. Cirrose. Manuais MSD. Disponível em: <https://www.msdmanuals.com/pt-br/pro-
fissional/distúrbios-hepáticos-e-biliares/fibrose-e-cirrose/cirrose>. Acesso em: março de
2020.
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