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TERAPIA NARRATIVA

História totalitária

A história totalitária, também chamada de saturada, problemática ou


dominante, contribui para o desenvolvimento de narrativas problemáticas,
nas quais um problema domina a totalidade da identidade de uma pessoa
(White, 1994). As narrativas problemáticas perdem a flexibilidade e a
capacidade de adaptação a novos contextos, o que implica a possibilidade
de se estruturarem de forma disfuncional O predomínio da história
dominante, marcada por narrativas problemáticas, pode gerar inúmeros
problemas para uma pessoa. É objetivo da psicoterapia operar na
desconstrução dessas narrativas e elaborar com a pessoa que procura ajuda
terapêutica narrativas mais adaptativas e flexíveis, que lhe permitam a
realização de seus objetivos (Gonçalves & Henriques, 2002). Narrativas
mais adaptativas possibilitam a construção de uma história alternativa que
se distancia da história saturada.

História Alternativa

Nesse contexto, é importante evidenciar que, assim como a história


saturada e as narrativas disfuncionais podem apoiar e sustentar os
problemas apresentados pelo indivíduo, histórias alternativas e narrativas
adaptativas, quando desenvolvidas, têm o poder de reduzir a influência dos
problemas e criar novas possibilidades de vida (Morgan, 2007).
Narrativas mais funcionais influenciam o processo de significação,
facilitam a identificação de aspectos ou eventos das novas experiências que
contrariem a história problemática e favorecem a construção de narrativas
que permitam ao indivíduo experimentar a riqueza de possibilidades da
vida, a ambiguidade e a contradição presentes nas novas experiências. A
mudança clínica na terapia narrativa de re-autoria se processa via
elaboração de histórias alternativas, as quais somente serão possíveis com o
desenvolvimento de novas narrativas que sejam contrárias às narrativas
problemáticas ou saturadas (White & Epston, 1990). Esse percurso
terapêutico permitirá que o cliente entre em contato com outros aspectos de
sua experiência, antes encobertos pelos efeitos das histórias problemáticas.

2.4. Terapia e Mudança Narrativa


A compreensão do funcionamento dos sistemas enquanto processos
narrativos de complexidade considerável conduziu, nas terapias sistémicas
de enfoque narrativo, a mudanças significativas na forma de olhar para os
problemas e de conceber a mudança, com reflexo na forma de fazer a
terapia e de equacionar o do papel dos diferentes intervenientes.
Desenvolveu-se uma postura terapêutica assente numa filosofia de respeito,
curiosidade, colaboração e coconstrução de realidades terapêuticas entre os
participantes. A terapia passa a ser concebida como um processo
colaborativo e não hierárquico e a mudança como uma coevolução entre
clientes e terapeutas, onde todos se transformam. As abordagens
pósmodernas focalizam-se na construção de diálogos abertos com e na
família, não vendo a família como problemática mas como sistema
discursivo e relacional com recursos para gerar transformações narrativas
(Anderson & Goolisnhian, 1992; Fishbane, 2001; Freedman & Combs,
1996; Wthite 1995). O processo é recursivo: à medida que as conversas
sobre a experiência evoluem e mudam, os significados conferidos às
experiências também se transformam, num processo de “transformação da
transformação” ou de meta mudança narrativa que enquadra as dimensões
pragmáticas, interacionais, cognitivas NARRATIVA, MUDANÇA E
PROCESSO TERAPÊUTICO 24 e discursivas da narrativa interpessoal
(Anderson, 2007; Gergen, 1999; Hoffman, 1990; Shotter, 2000). A terapia
é concebida como um processo no qual as narrativas problemáticas são
(re)construídas de forma a tornarem-se mais coerentes, complexas e
inclusivas. Ao terapeuta cabe um papel de ouvinte do processo de
storytelling e de coeditor das novas narrativas (Anderson, 1997) que
resultam não apenas de um processo colaborativo entre clientes e
terapeutas, mas também entre clientes e audiências sociais e culturais
significativas. Na construção narrativa, a terapia pressupõe a participação
de audiências escolhidas em função das histórias, valorizando assim a ideia
de membership como ingrediente fundamental da construção e validação de
possibilidades discursivas alternativas. Esta perspetiva da terapia faz da
busca pela audiência certa algo tão importante como a procura da história
mais útil. Uma vez encetado o processo criativo, ele pode desenvolver-se
em qualquer direção e o efeito de transformação será alargado a todos os
elementos do processo terapêutico. O terapeuta deve colocar questões que
explorem a construção e emergência de versões que sensibilizem o cliente
para outras audiências e experiências, colaborando na construção de
histórias mais próximas das desejadas (Beels, 2009). A flexibilidade
narrativa (na forma, conteúdo e processo) deve ser o foco do trabalho
terapêutico (Avdi & Georgaca, 2007; Botellha, 2001; Josselson & Lieblich,
2001; Parry & Doan, 1994; Schaffer, 1992). A descoberta e validação das
narrativas subdominantes e a construção de narrativas alternativas valoriza
os discursos e vozes discordantes, enriquece, diversifica e complexifica o
quadro narrativo da família. Quando as pessoas procuram a terapia estão
frequentemente envolvidas numa história que está apoiada apenas em
algumas das suas múltiplas experiências e acontecimentos de vida,
frequentemente organizada em torno de um evento considerado problema.
Segundo Fredman e Combs (2008) a terapia pressupõe que essa história
seja ouvida e que nela se procurem outras vias de construção. Ouvir com a
atitude de procurar outras possibilidades permite pontuar referências
implícitas ou explícitas a outras versões dos mesmo eventos, ou a eventos
não referidos e que não fazem parte da estrutura da história problemática.
As pessoas são convidadas a reportar-se aos eventos e a contar, a si e aos
terapeutas, os significados, reflexões e novas possibilidades,
desenvolvendo histórias vividas e memoráveis que conduzem a múltiplas
storylines, que complexificam significados e NARRATIVA, MUDANÇA
E PROCESSO TERAPÊUTICO 25 geram novas possibilidades de vida. As
histórias problemáticas não desaparecem mas o seu significado transforma-
se quando elas são colocadas em perspetiva de uma narrativa multi-
histórica. Estas novas possibilidades e histórias encontram-se no próprio
discurso dos clientes; o terapeuta apenas se limita a dar-lhes possibilidade
de discussão e espaço na terapia, procurando arrastá-las para contextos
relacionais diversificados e mais abrangentes. No processo de validação
devem ser ampliados aspetos como a iniciativa ativa dos intervenientes a
capacidade meta-reflexiva, a consciência do processo narrativo e maior
abertura a alternativas. Na terapia de enfoque narrativo o principal objetivo
é a construção de novas histórias e narrativas mais ajustadas à facilitação
da evolução, bem estar e desenvolvimento dos sujeitos e famílias,
valorizando as suas ideias e preferências de vida. De uma forma geral, as
terapias narrativas assumem-se como contexto de construção de novas
direções de vida para os clientes. Desenvolvem-se através de múltiplas
estratégias, posturas e intervenções, tais como: 1. os clientes nomeiam o
que é problema e o que será o seu projeto futuro ou direções desejadas de
vida; 2. terapeutas e clientes ouvem as histórias sobre os problemas, as suas
consequências e implicações e identificam, conjuntamente, os discursos e
versões que suportam essas histórias; 3. os terapeutas exploram novas
versões, solicitando outros eventos não relatados e pontuam outras
possibilidades de ser, agir e contar que podem acontecer e/ou que já
aconteceram; 4. as pessoas são separadas/distinguidas (externalização) das
histórias sobre os problemas, discursos, comportamentos, relações e
consequências dos mesmos; 5. terapeutas e clientes tornam explícitas as
histórias, eventos e significados implícitos; 6. as histórias presentes são
equacionadas e expandidas para o futuro no sentido da amplificação da
mudança ocorrida e desejada e da aproximação ao projeto de vida dos
clientes; 7. os clientes são convidados a contar, recontar e ouvir as histórias
em construção, refletindo sobre o significado atribuído e as possibilidades
de vida que elas permitem; NARRATIVA, MUDANÇA E PROCESSO
TERAPÊUTICO 26 8. o que somos constrói-se nas histórias que contamos,
na relação com os outros, com a cultura e com as circunstâncias de vida
pelo que a mudança pode ocorrer quer nos clientes quer nos terapeutas.

A RELAÇÃO TERAPÊUTICA NA TERAPIA NARRATIVA DE


RE-AUTORIA

O objetivo primordial dessa psicoterapia é a construção de um vínculo


terapêutico que promova o desenvolvimento de uma conversa
diferenciada com o cliente, ajudando-o a produzir sentido diante de
tantas realidades de entendimentos sem sentido que o levaram a
procurar ajuda (Santos, 2008).

https://repositorio.ipsantarem.pt/bitstream/10400.15/838/1/Joana%20Sequeira_
%20TeseDoutoramento%20-%20Narrativa%20Mudan%C3%A7a%20e%20Processo
%20Terap%C3%AAutico.PDF

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