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Kamilly - M1

Resumão de Introdução ao Estudo do Direito


1° TEMA – CONCEITOS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS  TRASÍMACO e CÁLICLES identificam o direito com a lei
dos mais fortes, argumentando que o ordenamento
1° PONTO: O CONCEITO DE DIREITO
positivo seria apenas uma artimanha dos mais fracos
1.1 Estrutura e classificação do conceito e da definição do para assegurar uma previsibilidade a eles vantajosa.
direito  O senso comum de ARISTOTELES o leva ao
estabelecimento da equidade que é a justiça no caso
Segundo João Maurício Adeodato, o conceito é um esquema concreto, ajustada à realidade, sendo então a justiça em
de natureza ideal no qual se fixam as características de si, um dos conceitos jurídicos até hoje essenciais para o
determinado objeto, a definição, por seu turno, consiste na processo de integração do ordenamento positivo;
explicitação dos elementos do conceito, configurando, a
rigor, uma tautologia, pois se pretende estabelecer o 4. A inadequação ontológica do conceito em relação ao
significado de algo intrinsecamente dotado de significado. objeto a que se refere, já que o objeto jamais se conforma em
sua plenitude às estruturas mentais que o ser humano o
Os conceitos são dotados de compreensão e extensão. A maneja. Tais estruturas realizam uma opção, considerando
compreensão é a precisão dos elementos do conceito, o seu alguns aspectos e outros não.
rigor em confronto com o objeto. A extensão refere-se ao
agrupamento possível de objetos sob aquele mesmo 1ª DICOTOMIA: DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL
conceito. Compreensão e extensão conceitual relacionam-se
Tercio Sampaio – Introdução ao Estudo do Direito
de maneira inversamente proporcional: assim é que
quanto maior a compreensão, mais restrita a extensão. Capítulo 4.2.6- Direito Positivo e Natural: Uma dicotomia
enfraquecida;
A definição etimológica procura as raízes do sentido do
conceito na própria gênese do seu signo, o vocábulo. Diz-se, No sec. XVIII, o período do racionalismo jurídico, concebeu o
que o termo direito se origina do latim directum (já derivado saber jurídico como uma sistematização completa do direito
de rectum), particípio passado de dirigere, dirigir, guiar a partir de bases racionais, isto é, fundamentado em
retamente. Que tem relação evidente com regere, reger, princípios da razão. Nessa época, o direito natural, até então
governar. Essa base etimológica porém é controversa. uma disciplina moral, ganhou autonomia e transformou-se
numa disciplina jurídica  pressupunha-se uma espécie de
A definição semântica procura fixar os diversos significados
duplicação do sistema jurídico: por de trás das relações
do termo “direito”, a fim de tomar consciência do núcleo
jurídicas estabelecidas por normas postas, admitia-se o
essencial que permanece em tais mutações. A definição real,
conjunto dos direitos naturais.
finalmente, tem pretensões mais ou menos definitivas por se
referir à essência mesma do objeto jurídico.  Essa ideia permitiu uma separação entre direito e moral,
concebendo-se o primeiro, em oposição à segunda, pela
1.2 A noção de direito
noção de compulsão ou poder de compulsão
O primeiro problema da edificação de uma ciência do direito exteriorizada por normas enquanto comandos;
é elaborar um conceito de direito, o que é difícil por razões  Essa autonomia do direito natural e sua superioridade
como: sobre o direito positivo é marcante no início da filosofia
do direito como disciplina autônoma.
1. O caráter multívoco do vocábulo direito, que denomina
o conjunto de normas objetivamente consagradas pelo Na ciência dogmática do direito, essa dicotomia perdeu força;
ordenamento positivo, como na expressão: “o direito civil do sua importância se atém nas discussões sobre a política
Brasil”; significa também direito subjetivo, quando se diz jurídica, defesa dos direitos fundamentais dos homens e etc;
“todos têm direito a vida”; em sentido epistemológico, “eu
O enfraquecimento operacional da dicotomia pode ser
estudo direito”; direito como sinônimo de imposto;
localizado na promulgação constitucional dos direitos
2. A complexidade do objeto “direito”, cuja constituição fundamentais, pois, com esse estabelecimento, os direitos
multifacetada permite concepções que ora o veem como um passam a ser ´´positivados´´.
fato social, ora como realização de valores, ora como teoria
 Luhmann: uma coisa se torna trivial quando perdemos
da norma, e muitas outras teorias que combinam esses
a capacidade de diferenciá-la.
fatores, originando o que Miguel Reale chama de
tridimensionalismo explícito ou implícito. Assim, a distinção entre direito natural e direito positivo foi
esmaecida pela distinção entre direitos fundamentais
3. A falta de acordo sobre o que constitui o objeto da
constitucionais e demais direitos e, depois, com a
pesquisa dos juristas.
trivialização sobre o direito natural, confundindo-o com
 HERÁCLITO referências a uma “lei natural”, de cunho um conjunto de normas naturais-racionais.
tanto moral quanto jurídico, como elemento essencial do
logos universal.
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Após o século XIX, cada vez mais, direito estabelecido por natureza racional do homem, e a mostrar que tal ato é em
autoridade do Estado ou pela sociedade, e direito natural consequência disto vetado ou comandado por Deus.
define-se como o que não é posto.  Segundo Grócio, o Estado é apenas uma das 3 instituições
que podem pôr o direito voluntário;
 Direito natural: procura do permanente, universal e de
comum a todos os homens 4. Critérios de distinção entre direito natural e positivo
 Direito positivo: mutável, regional, circunstancial.
Podemos destacar seis critérios de distinção:
O problema do direito natural permanece no âmbito
dogmático, em que se busca substitutos para justificar a) universalidade/ particularidade: o DN vale em toda parte
princípios para-universais. e o positivo em alguns lugares;
b) imutabilidade/ particularidade: o DN é imutável no tempo,
Na sociedade modera, a afirmação da liberdade como
o positivo, muda (Aristóteles já não acreditava na
atributo do indivíduo, sujeito autônomo, fara com que os
imutabilidade do DN);
universais concretos percam sua função social. Assim, a
c) natura-potestas populus: refere-se à fonte do direito.
religião perde força.
d) ratio-voluntas: o DN é aquele que conhecemos através de
Noberto Bobbio- Positivismo Jurídico nossa razão, o DP é conhecido através de uma declaração de
vontade alheia (promulgação);
Introdução: Direito Natural e Direito Positivo no e) os comportamentos regulados pelo DN são bons ou mal
pensamento Clássico; por si mesmos, os pelos DP são por si mesmos indiferentes e
 A expressão ´´positivismo jurídico´´ deriva da locução assumem uma certa qualificação apenas porque foram
direito positivo contraposto aquela de direito natural. disciplinados de um certo modo pelo DP.
f) o DN estabelece aquilo que é bom, o DP estabelece aquilo
 Distinção daquilo que é por natureza (physis) e aquilo
que é útil.
que por convenção (thèsis);
Capítulo I
Aristóteles distingue direito natural e positivo com base nos
seguintes critérios: 5. Relações entre direito Natural e direito Positivo
 a) o D.N é aquele que tem em toda parte a mesma eficácia O positivismo jurídico é uma concepção do direito que nasce
enquanto que o D.P tem eficácia apenas nas comunidades quando o DP e o DN não são mais considerados direito no
politicas singulares em que é posto. mesmo sentido, as o DP passa a ser considerado como direito
 b) o D.N prescreve ações cujo valor não depende do juízo em sentido próprio. Ocorre a redução de todo o direito a
que sobre elas tenha o sujeito, o D.P estabelece ações que direito positivo, e o direito natural é excluído da categoria do
ates de serem reguladas, podem ser cumpridas direito.
indiferentemente de um modo ou de outro.
 O positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual
Direito Romano: não existe outro direito senão o positivo.
 jus gentium: não tem limites e é posto pela naturalis ratio.
 Jus civile: limita-se a um determinado povo e é posto pelo 6. O contexto histórico do positivismo jurídico
povo. Com a formação do Estado Moderno, a sociedade assume
O direito positivo prevaleceria sobre o natural sempre que uma estrutura monista, no sentido que o Estado concentra
surgisse um conflito; em si todos os poderes. Assiste-se assim o processo de
monopolização da produção jurídica por parte do Estado.
2. Direito Natural e Direito Positivo no pensamento
Medieval; Falamos de direito quando surgindo um conflito entre dois
sujeitos, intervém um terceiro que estabelece uma regra que
Segundo Abelardo, o direito positivo é posto pelos homens se tornara precedente. Se não há a participação de um
em contrates com o direito natural que não é posto por esse, terceiro, não se pode falar de direito, dir-se-á que aquela
mas por algo, que está além desses. sociedade vive segundo os costumes.
São Tomás distingue: ´´lex aeterna´´, a lex naturalis, a lex Com a formação do estado moderno, o DN e o DP não são mais
humana e a lex divina. considerados de mesmo nível, logo o DP é considerado o
verdadeiro direito, sendo esse apenas o utilizado pelos juízes.
3. Direito Natural e Direito Positivo no pensamento dos
jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII; J. M. Adeodado – Ética e Retórica
A mais celebre distinção é realizada por Grócio (pai do direito Capitulo IX- Do positivismo da Modernidade à crise de
internacional): Legitimação Pós-modernidade
 O direito natural é um ditame da justa razão destinado a 1. Objetivos e colocação metodológica
mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente
necessário segundo seja ou não conforme à própria Tomam-se aqui duas direções quanto aos pressupostos
filosóficos, tentando controlar a ambiguidade e a vagueza,
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quando se fala de um conceito de direito: redução do abismo  A eficácia social ou efetividade é um conceito
gnoseológico e do abismo axiológico. sociológico-jurídico, que quer expressar o fato de a
norma ser cumprida por um número razoável de
 Mantém-se aqui a tese de que é o direito um dos fatores destinatários, seja ou não válida.
fundamentais para transformação de mero agrupamento
 As maiores dificuldades aparecem quando o âmbito da
de seres humanos em uma sociedade, de que o termo
validade se defronta com o âmbito da efetividade ou
expressa uma forma de comunicação social que organiza
eficácia social, ou seja, quando normas válidas postas
minimamente os contornos indispensáveis à
pela autoridade não são obedecidas e/ou quando regem
constituição de uma sociedade
as relações sociais normas contrárias ao ordenamento
2. Primeiro pressuposto filosófico: o abismo válido.
gnoseológico e as imprecisões necessárias
2ª DICOTOMIA: DIREITO OBJETIVO E DIREITO
Uma teoria do direito precisa enfrentar, portanto, o abismo SUBJETIVO
gnoseológico, que dificulta o conhecimento do mundo, e o
Hans Kelsen – Teoria Geral do Direito e do Estado
abismo axiológico, que dificulta a avaliação do mundo.
Capítulo VI- O direito jurídico
Pode-se explicar o que aqui se compreende por abismo
gnoseológico como as incompatibilidades recíprocas entre a) Direito e dever
três elementos obtidos analiticamente a partir da
observação: a) evento real; b) ideia (ou “conceito”, O conceito de dever é habitualmente contrastado com o
“pensamento”); e c) expressão linguística (ou “simbólica”). conceito de direito. Aqui, estamos interessados apenas
São três unidades componentes das relações humanas com o naquilo que se compreende por “um direito jurídico”.
mundo real, dentro do qual está o direito, as quais não podem  O uso linguístico faz uma distinção entre um direito que
ser reduzidas uma à outra; diz respeito à conduta do próprio indivíduo e um direito
Capítulo XV- Positivismo e Direito Positivo – Um diálogo que diz respeito à conduta de outrem.
com Roberto Alexy sobre o conceito e a validade de  Dizemos também que alguém tem um direito sobre certa
Direito coisa  Daí ser feita a distinção entre jus in rem, ou seja,
um direito sobre uma coisa, e jus in personam, ou seja,
2. Direito e direito positivo: por uma maior precisão um direito de exigir que outrem se conduza de certa
conceitual maneira, o direito sobre a conduta de outrem;
Como todo adjetivo, a expressão “positivo” procura precisar Se o direito for um direito jurídico, ele é necessariamente um
mais o substantivo a que se aplica, qualificando-o, reduzindo direito sobre a conduta de outra pessoa. Um direito jurídico
sua ambiguidade. Compreensível, então, que “direito pressupõe um dever de outra pessoa.
positivo” pareça ser conceito melhor definido do que o
conceito geral de “direito”.  A minha liberdade jurídica é sempre a sujeição jurídica
de outra pessoa, o meu direito jurídico é sempre o dever
 Todo direito é positivo (positivismo em geral); todo jurídico de outrem.
direito é positivo e é estatal (Kelsen, Del Vecchio); e todo  Dizer que um indivíduo “exerce” ou “faz uso de seu
direito é positivo, é estatal e é exclusivamente legal direito”, dizer que ele “usufrui” de seu direito (Rechts-
(Escola da Exegese). Genuss), significa que ele manifesta a conduta que
corresponde à conduta à qual algum outro indivíduo está
O debate consiste, então, em saber se o direito é posto
obrigado.
quando emana de uma autoridade instituída competente,
seguindo um rito de elaboração prescrito pelo ordenamento, b) Permissão
ou se ele é posto quando efetivamente praticado pelos
grupos sociais, por seus destinatários. A lei é imperativa para um e, desse modo, permissiva para
outro. Ao obrigar um indivíduo a certa conduta para com
 Os que enfatizam a validade formal, assim, consideram outro indivíduo, a norma jurídica garante a este a conduta
que o direito é positivo quando as normas que o correspondente daquele.
expressam são elaboradas e postas de acordo com as
regras superiores do sistema. Essa concepção c) O Direito Jurídico em um Sentido Restrito
procedimental, racionalizada, vem em geral
1) O direito jurídico é, como o dever jurídico, a norma jurídica
acompanhada pela convicção de que o direito positivo é em relação a certo indivíduo determinado pela própria
estatal sempre.
norma.
 Necessário mencionar o caráter problemático do
conceito de validade. Em um de seus sentidos, axiológico 2) No entanto, o dualismo ainda é mantido, na medida em que
e não dogmático, relegado pelos positivistas, vale a o direito jurídico subjetivo é considerado, lógica e
norma que tem valor, aquela que intrinsecamente é temporalmente, anterior ao Direito objetivo. No começo,
“justa”, isto é, adequada às expectativas de seus existiam apenas direitos subjetivos e apenas num estágio
destinatários, tem ressonância social. Aqui há posterior o Direito objetivo como ordem do Estado foi
semelhança com a postura jus naturalista. acrescentado com o propósito de sancionar e proteger os
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direitos que, independentemente dessa ordem, haviam Maria Helena Diniz- Compêndio de Introdução à Ciência
passado a existir. do Direito

3) Enquanto um direito não foi “garantido” pela ordem Capítulo III- Conceitos Jurídicos Fundamentais
jurídica - usando a expressão de Dernburg - ele não é um
direito jurídico. Ele é tornado um direito jurídico 1. Direito Positivo
primeiramente pela garantia da ordem jurídica. Isso significa B) Direito Objetivo e Direito Subjetivo
que o Direito objetivo precede os direitos subjetivos ou é
concomitante a eles.  O direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que
regem o comportamento humano, prescrevendo uma
Direito subjetivo e representação sanção no caso de sua violação;
Se é direito do constituinte ou do tutelado que o agente ou  O direito subjetivo, para Goffredo Telles Jr., é a
tutor instaure um processo, então o sujeito do direito não é o permissão, dada por normas jurídicas válidas, para fazer
queixoso potencial, mas um indivíduo que se acha em uma ou não fazer alguma coisa, para ter ou não algo, ou, ainda,
relação específica, juridicamente determinada, com o a autorização para exigir, em caso de prejuízo o
queixoso potencial, em uma relação de representação cumprimento da norma infringida ou reparação do mal
consensual ou não-consensual. O sujeito do direito jurídico é, sofrido.
portanto, o queixoso potencial ou o indivíduo que o Tais permissões dadas por meio de normas jurídicas podem
representa juridicamente. ser:
O Direito Subjetivo como técnica jurídica específica  A) explícitas: se as normas explicitamente as concedem.
 B) implícitas: quando as normas não se referem a elas
Direito Civil: o processo que leva à execução da sanção é de modo expresso, mas regulam seu uso, por não proibi-
iniciado e levado a cabo apenas em consequência de uma lo, ou melhor, serão implícitas as permissões de fazer, de
declaração de vontade nesse sentido da parte de um não fazer, de ter ou não ter.
indivíduo particular, o queixoso.
Duas espécies de direito subjetivo:
Direito Criminal: Um processo criminal não pode, via de  A) comum da existência: permissão de fazer ou não fazer,
regra, ser iniciado pela pessoa cujos direitos foram mais de ter ou não ter sem violação de preceito normativo;
diretamente prejudicados pelo delito. Como a execução da  B) defender direitos: autorização de assegurar o uso do
sanção depende de uma ação por parte de um órgão direito subjetivo.
competente do Estado, pode-se falar de um “direito” do
Estado de que os membros da comunidade devam se abster O direito subjetivo é subjetivo porque as permissões, com
de crimes. Neste campo, em que interesses especialmente base na norma jurídica e em face dos demais membros da
vitais da comunidade têm de ser protegidos, o legislador sociedade, são próprias das pessoas que as possuem,
coloca o interesse coletivo acima do interesse privado. podendo ser ou não usadas por elas.

Direitos absolutos e relativos  O direito subjetivo é a permissão para o uso das


faculdades humanas (facultas agendi);
Na medida em que o direito de um indivíduo é possível
apenas em relação ao dever de outro, todos os direitos são Teorias sobre a natureza do direito objetivo:
direitos relativos. Os termos “absoluto” e “relativo” são,
1) Teoria da Vontade (Savigny e Windscheid)
contudo, compreendidos em outro sentido quando se
distingue entre deveres e direitos absolutos e relativos.  O direito subjetivo seria o poder da vontade reconhecida
Deveres relativos são os que se têm em relação a um pela ordem jurídica.
indivíduo determinado, ao passo que deveres absolutos são  Críticas: existem direitos que não existem uma vontade
os que se têm em relação a um número indeterminado de real do seu titular, há casos que há uma vontade real,
indivíduos ou em relação a todos os outros indivíduos. porém, o ordenamento jurídico não protege a vontade do
Um direito relativo, neste sentido mais restrito, é um direito titular, mas sim o seu direito e o DS não dependem da
ao qual corresponde um dever de apenas um determinado vontade do titular.
indivíduo, ao passo que um direito absoluto acarreta 2) Teoria do Interesse (Ihering)
deveres para um número indeterminado de indivíduos.  O DS é o interesse juridicamente protegido por meio de
O direito subjetivo como participação na criação do uma ação judicial, abrangendo um elemento material,
direito objetivo que é o interesse, e um elemento formal, a proteção desse
interesse pelo direito.
Ter um direito é ter a capacidade jurídica de participar da  Críticas: há interesses protegidos pela lei que não são DS;
criação de uma norma individual, da norma individual pela há hipóteses de DS em que não existe interesse da parte
qual uma sanção é ordenada contra o indivíduo que - do titular;
segundo a declaração do tribunal - cometeu o delito, que  Hans Kelsen critica essa visão pois do ponto de vista de
violou o seu dever. Se um direito jurídico é um fenômeno do uma teoria que encare o direito como sistema de normas,
Direito, então essa norma individual também deve possuir o o DS não pode ser um interesse protegido pelo direito,
caráter de Direito mas apenas a proteção, existente do DO, desse interesse.
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Teoria Mista (Jellinek)  O titular do direito é também aquele que dispõe da
 Define o DS como o poder da vontade reconhecido e faculdade de fazer valer o seu direito;
protegido pela ordem jurídica, tendo por objeto um bem  É possível identificar a autonomia individual (privada);
ou interesse.
Situações atípicas: o titular do direito e da faculdade de
O direito objetivo é sempre um conjunto de normas impostas fazer valê-lo não coincidem. Às vezes, o sujeito não é nem
ao comportamento humano, autorizando o indivíduo a fazer uma pessoa.
ou a não fazer algo. O direito subjetivo é sempre a permissão
que tem o ser humano de agir conforme o direito objetivo. Direitos reais: são aqueles que autorizam o uso e o gozo
Um não pode existir sem o outro. imediato de uma coisa, garantindo ao titular a faculdade de
obter a entrega ou restituição do objeto.
Tercio Sampaio Ferraz Jr. – Introdução ao Estudo do  Direito sobre uma coisa erga omnes  em face de
Direito qualquer um ou perante todos indeterminadamente.
 Exemplo: direito de propriedade.
Capítulo IV- Dogmática Analítica ou a ciência do direito
como teoria da norma Direitos pessoais: entendidos como uma faculdade
atribuída ao titular em relação a uma pessoa, afim de que esta
4.2.5 Direito Objetivo e Direito Subjetivo- origens da
realize um ato ou uma omissão. Correspondem a uma
dicotomia
pretensão em face de uma pessoa.
O direito é um fenômeno objetivo, que não pertence a
Pelo exposto, percebemos que a expressão direito subjetivo,
ninguém socialmente, que é um dado cultural, composto de
em síntese, considerada a luz de sua função jurídica, aponta
normas, instituições, mas que, de outro lado, é também um
para a posição de u sujeito numa situação comunicativa, que
fenômeno subjetivo, visto que faz, dos sujeitos, titulares de
se vê dotado de faculdades jurídicas que o titular pode fazer
podres, obrigações, faculdades, estabelecendo entre eles
valer mediante procedimentos garantidos por norma.
relações.
1.5. TERCEIRA DICOTOMIA: DIREITO PÚBLICO E
 As origens dessa dicotomia são modernas.
DIREITO PRIVADO
É a liberdade como não-impedimento, constrói-se um
Tercio Sampaio Ferraz Jr. – Introdução ao Estudo do
conceito positivo de liberdade. É com essa liberdade, que
Direito
funciona como limite a atividade legiferante do Estado, que
irá configurar-se a noção de direito subjetivo em oposição ao Capítulo IV- Dogmática Analítica ou a ciência do direito
direito objetivo. como teoria da norma
4.2.5.1 Concepção dogmática de direito objetivo e 4.2.4 Direito público e direito privado: origens
subjetivo: Fundamentos
´´O direito público diz respeito ao estado da coisa romana, à
O direito objetivo, encarado como um conjunto de normas da polis ou civitas, o privado à utilidade dos particulares´´
mais variada espécie, constitui um dado objetivo. O direito
subjetivo constitui uma realidade por si: o direito objetivo Antiguidade:
apenas o reconhece e lhe dá as condições de exercício.  A esfera privada compreendia o reino da necessidade, a
atividade humana cujo objetivo compreendia o reino da
Teoria da Vontade (Windscheid) necessidade. Essas atividades remetem-se ao labor.
 O DS é o poder ou domínio da vontade livre do homem,  A vida política constituía a esfera pública. Se dava por
que o ordenamento protege e confere. meio do trabalho que era uma atividade que tinha início,
 Porém, a vontade livre é um dado existencial: pode ser desenvolvimento e termo.
constado, mas não demonstrado;
Era moderna:
Teoria do Interesse (Jhering)  A generalização do social como noção comum à esfera do
 O interesse juridicamente protegido constitui o direito governo e da família permitirá uma nova oposição que,
subjetivo. pouco a pouco, caracteriza o público e o privado.
 Essa concepção, entretanto, é demasiado privatista, isto Dicotomia entre social e individual.
é, vê o problema apenas do ângulo do direito privado em
que rege o princípio da autonomia da vontade. 4.2.4.1 Concepção dogmática de direito público e de
direito privado: princípios teóricos
4.2.5.2 Uso dogmático da expressão direito subjetivo:
situações típicas e atípicas, direitos reais e pessoais, O princípio máximo do direito público é o princípio da
estrutura do direito subjetivo e outras classificações. soberania. Corresponde à efetividade da força, pela qual as
determinações de autoridade são observadas e tornadas de
Situações típicas: são aquelas que correspondem ao uso observação incontrastável pelo uso de sanções.
padrão de direito subjetivo. Nelas é possível encontrar um
sujeito de interesse favorecido, que emerge de uma regulação No direito privado vige, supremamente, o princípio da
que restringe a liberdade de outrem, de onde provem a autonomia privada. Os entes privados gozam dessa
relação de direito e dever. capacidade de estabelecer normas conforme seus interesses.
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Maria Helena Diniz- Compêndio de Introdução à Ciência humano; 2. em caso de conflito com a ordem positiva, deve
do Direito prevalecer esta ordem “natural”.

Capítulo III- Conceitos Jurídicos Fundamentais Para efeito de clareza didática, pode-se ampliar o esquema
oferecido no quarto capítulo e distinguir quatro grandes
C- Direito Público e Privado correntes jusnaturalistas: teológica, antropológica,
Oriundo do Direito Romano, o D público era concernente ao democrática e de conteúdo variável.
estado dos negócios, o d privado, o que disciplinava o Sociedade Complexa: base na separação entre direito,
interesse dos particulares. Esse critério é falho pois não se religião, moral, política, economia, etiqueta etc., dentre
pode afirmar se o interesse protegido é o do Estado ou o dos outras diferenciações.
indivíduos. Sociedade primitiva: quando os diversos subsistemas
Outra teorização: o direito público seria o que assegurasse sociais interferem uns sobre os outros.
diretamente o interesse da sociedade e indiretamente o Fase da indiferenciação
particular e o direito privado visaria atender diretamente o
 Não há consciência de uma separação entre o direito que
que convém aos indivíduos. Porém, esse critério é
efetivamente acontece na comunidade e o direito criado
insatisfatório, pois os interesses estão tão interligados que
pela “natureza”, pela “física”, pela divindade.
impossível verificar, quem prepondera.
 Antígona, Sófocles.
Ihering propôs três espécies de propriedade: a individual, a
Jusnaturalismo cosmológico
do Estado e a coletiva. Porém o direito não se reduz ao direito
 1º passo em direção à diferenciação entre direito e
de propriedade.
fundamento.
O direito público seria aquele que regula as relações em que  Ideia de que há um logos ordenador, de uma razão
o Estado é parte, ou seja, reage a organização e atividade do universal: substância e princípio de toda realidade, algo
Estado considerado em si mesmo, em relação com outro passa a transcender.
Estado. O direito privado é o que disciplina as relações entre
Fase Irracionalista
particulares, nas quais predomina, o interesse da ordem
 O direito de Deus não se confunde com o direito dos
privada.
homens, não é dado a estes perceber os desígnios
O direito objetivo dividido entre público e privado é útil e superiores.
necessário tanto pelo prisma da ciência do direito como  Igreja cristã: herdeira da auctoritas do Estado romano e
também do ponto de vista didático. fonte de legitimidade do poder secular: paira acima dos
ordenamentos locais;
2° PONTO – EVOLUÇÃO DO JUSNATURALISMO  Contribuição de Agostinho: o Estado não se deve imiscuir
João Maurício Adeodato- Ética e Retórica nos assuntos religiosos, separando-se definitivamente a
“cidade dos homens” da “cidade de Deus”;
Capítulo VI- Preparando a modernidade: ética,
jusnaturalismo e positivismo Jusnaturalismo teológico
 Representado pela escolástica;
1. Conceito de ética  Visão de um direito imutável, inserido na harmonia
medieval, estabelecido por Deus.
Ética constitui, além da doutrina do bom e do correto, da
 A igreja agora é o elo entre o direito divino e natural e o
“melhor” conduta, a teoria do conhecimento e realização
direito empírico, real, efetivo. Ou seja, a hierarquia
desse desiderato.
eclesiástica determinava a interpretação genuína da
As diversas escolhas éticas dos diferentes grupos sociais vontade de Deus, fonte de todo direito.
enfrentam-se e a vencedora impõe-se como direito positivo.  Lex aeterna; permanece intangível para o mundo. Lex
Um dado importante é que a tese que prevalece sobre a outra naturalis: (direito divino por participação) é fonte
não a elimina; inspiradora do que hoje se chamaria direito positivo. Lex
humana: direito positivo captado pela fonte inspiradora.
 As diversas tentativas para separar o moral do jurídico  Críticas: argumenta-se que a Divindade não se revela
ou o religioso do político, na era moderna, isolando-os de empiricamente e, no fim das contas, seus intérpretes
suas bases éticas comuns, visam apoiar a emergente humanos decidem;
autonomia do Estado por meio de uma
instrumentalização do direito. Jusnaturalismo antropológico
 Passagem do direito natural teológico para o chamado
2. Hegemonia indiferenciada dos jusnaturalismos racional, secular, antropológico, não separa
Pode-se definir o jusnaturalismo, grosso modo, a partir de ontologicamente o jurídico do religioso, pois não nega a
dois postulados fundamentais: 1. há uma ordem jurídica fonte divina para o direito.
além da efetiva que é metaforicamente designada “natural”,  Trata-se da mesma ideia advogada por Lutero e o
entendendo-se “natureza” como algo não produzido pelo ser protestantismo: Deus fala diretamente ao coração de
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todos e de cada um dos homens, sem que seja necessário À distinção entre técnica e ética aliam-se várias outras, como
um porta-voz oficial. a diferenciação entre direito e religião, direito e moral,
 Grotius: “O direito natural é tão imutável que nem Deus direito e usos sociais, tudo cooperando para esse processo de
o pode modificar.´´ positivação do direito, que culmina em sua dogmatização,
 Críticas: fica difícil resolver o que é mais racional em um cujo aspecto ético principal é exatamente o esvaziamento de
conflito, se há ponderações diferentes; qualquer conteúdo axiológico como critério, já bem longe do
jusnaturalismo cristão.
A diferenciação entre moral e religião parece ser posterior.
Um filósofo rigidamente moralista, mas sem apelo à ideia de  No plano da teoria, o positivismo investe na tentativa de
divindade, só aparece na era moderna. apresentar o direito como uma ciência, privilegiando, na
sequência, seus aspectos técnicos. Está pronto o terreno
Jusnaturalismo democrático para a dogmática jurídica como “tecnologia de controle
 A imutabilidade do direito racional começa a ser social”.
questionada por Immanuel Kant e domina o  A diferença entre o jusnaturalismo democrático e o
pensamento do neokantiano Rudolf Stammler, para positivismo legalista está em que este apoia-se na
quem haveria um conteúdo empírico e variável no praticidade do princípio da maioria, sem apelar para
direito, tornando impossível uma ordem jurídica única instâncias não empíricas, de difícil manuseio político,
para todo tempo e lugar, ainda que fosse único o conceito tais como a “Vontade Geral”.
formal do direito.
 Críticas: já se esvaziou de conteúdos éticos quanto ao O grande problema do legalismo, e daí de todo positivismo,
poder constituinte originário, e a questão passa a ser passa a ser como lidar com as maiorias circunstanciais da
procedimental, isto é, como representar e contar votos. democracia e impedir um excesso de maleabilidade e de
disponibilidade de conteúdos éticos, pois, se a maioria tudo
Jusnaturalismo de conteúdo variável pode, a continuidade do direito, sua estrutura temporal, pode
 Prega que o direito justo nem sempre está de acordo com ver-se ameaçada.
a vontade da maioria.
 Corrente que defende a tese de que há uma ordem 3° PONTO – O PROBLEMA DA PREVALÊNCIA ENTRE
jurídica justa, que não se confunde com o direito aplicado DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO
pelo poder efetivamente obedecido, a qual brotaria
João Maurício Adeodato – A Retórica Constitucional
espontaneamente das características da comunidade,
por isso mesmo, variando no tempo e espaço. Capítulo V: Teoria dos direitos subjetivos e o problema
 Ele não se confunde com o positivismo pois o direito da positivação dos direitos humanos como fundamentos
posto em força pode desviar-se do caminho justo e da Constituição.
legitimo.
 Vontade Geral X Vontade da maioria. Introdução: o problema filosófico do conceito de direito
subjetivo;
 Críticas: a ambiguidade de um pretenso “sentimento
jurídico da comunidade” ou “natureza das coisas” salta Direito subjetivo: no sentido literal de direito do sujeito, a
aos olhos; facultas agendi do direito romano.
Deve-se relembrar a amplitude um tanto arbitrária dessa  Se a princípio os direitos subjetivos eram objetos de
dicotomia conceitual aqui adotada, tendo em vista que debate na área do direito privado, no século XIX
muitos autores não se considerariam nem positivistas estendem-se ao público, com a crescente
nem jusnaturalistas, sem falar nas teorias que constitucionalização e internacionalização do direito e
expressamente se situam em um meio termo entre o dos direitos humanos.
positivismo e o direito natural. Hobbes, por exemplo, é um
pensador, habitualmente tachado de jusnaturalista, cuja Na modernidade, a filosofia do direito divide-se em duas
filosofia se adapta ao conceito de positivismo adotado aqui. vertentes:

Esse jusnaturalismo democrático representa uma  Tradição jusnaturalista: o ser humano tem certos
passagem para o positivismo porque não tem, a rigor, direitos subjetivos pelo simples fato de ser humano,
conteúdo: o que a maioria decide é legítimo, pois cabendo ao ordenamento jurídico objetivo reconhece-
legitimidade é a igualdade de capacidade política dos los.
cidadãos. E o jusnaturalismo de conteúdo variável  Positivismo: o ser humano tem os direitos subjetivos
pretende ser empiricamente observável, mudando no tempo que o ordenamento jurídico objetivo concede.
e no espaço, permanecendo problemáticos os critérios dessa
mudança e como detectar o justo. A democracia e o princípio Diferentes formas de contratualismo:
da maioria, que é seu corolário, podem prestar-se tanto ao  Rosseau: Contrato estabelecido entre o cidadão e o
jusnaturalismo quanto ao juspositivismo. Estado. O cidadão conserva seus direitos subjetivos,
trazendo-os da vida natural para a social, limitando os
4. Vantagens e desvantagens de um conceito (positivista poderes do Estado.
ou naturalista) do direito  Hobbes: o contrato é entre os cidadãos e o Estado é o
resultado. O Estado não tem qualquer dever para com o
Kamilly Ayane - M1 2021.2
cidadão, já que seus direitos naturais são transferidos Complicador é o conceito de direitos humanos, se estariam
para o estado. acima, ontológica e axiologicamente dos direitos
 O dilema: de um lado, o direito subjetivo se basearia em fundamentais positivados.
uma instância transcendente, como a vontade geral e o
outro, o sujeito ficaria à mercê do Estado.  Quanto a concepção dos órgãos estatais, é patente a
Logo, em Rosseau tem-se a prevalência do direito subjetivo e vitória positivista. No mundo interconectado, a ênfase é
em Hobbes, do direito objetivo. sobre a dicotomia entre direitos fundamentais
positivados nacionalmente e direitos humanos
O problema da prevalência do direito subjetivo ou do direito superiores, acima das constituições dos Estados
objetivo é o primeiro reflexo jurídico da discussão filosófica nacionais.
sobre se há normas acima do direito positivo.
A dogmática constitucional divide-se em: 1) todos os direitos
Aparece, assim, o problema do paternalismo: quando um protegidos pela constituição são fundamentais ou 2) haveria
grupo social, pressiona o estado proteja certos indivíduos de direitos constitucionais fundamentais quanto ao conteúdo e
si mesmos e os impeça de tomar decisões especificas. no sentido formal.

1. O papel do novo conceito positivista de direitos Hans Kelsen: o governo da maioria deveria proteger as
subjetivos na modernidade minorias por meio dos direitos fundamentais.

Esse dilema continua e nascem as primeiras teorias  Diferencia e amplia o conceito de direitos humanos,
positivistas para a fundação dos direitos subjetivos. estendendo-o a outras formas de direitos, em sucessivas
gerações ou dimensões:
Teorias da Vontade (Friedrich Carl von Savigny)
 1º geração: a ideia inicial, cristã, traz a noção de direitos
 O direito subjetivo decorre da vontade do ser humano,
humanos como direito subjetivo inerente a condição
não da vontade do Estado, ou seja, ele apenas os
humana e estende essa realidade a todos os seres
reconhece.
humanos.
 Críticas: o DS pode existir mesmo sem vontade. O constitucionalismo liberal do século XVII é o primeiro
Teoria do Interesse (Rudolf von Jhering) movimento constitucionalista e o estado liberal é a
 Interesse como uma vontade que todo ser humano teria primeira forma de Estado de Direito do Ocidente, tendo
se abstratamente considerado (ética utilitarista); como pilares o individualismo, a legalidade exegética
 Críticas: existem interesses generalizados que não iluminista e a separação de poderes.
gerariam direitos;  2ª geração: Estado social, que protege os direitos
fundamentais sociais. As constituições passam a ser mais
Tratado de Pandectas (Regelsberger) amplas, detalhando em seus textos listas de direitos.
 Definição eclética: além de um interesse juridicamente  3ª geração: é a dos direitos chamados difusos. Aparecem
protegido, o direito subjetivo exercita-se mediante os direitos pertencentes a toda comunidade, são
manifestação de vontade e consiste em uma faculdade coletivos, transindividuais, pretendendo validade
individual. inclusive transnacional, pois seriam oponíveis entre os
Estados. O direito a integridade do meio ambiente é um
Direitos potestativos: seriam uma subespécie de direitos
exemplo.
subjetivos ou uma modalidade inteiramente diferente de
 4ª geração: incluem o direito a própria democracia, o
poder jurídico, unilateral e incondicionado.
direito a ter direitos, direito de informação e de
Teoria Monista (Kelsen) participação jurídica, e biodireitos.
 Nega tanto a prevalência do direito subjetivo quanto do
3. Paradigmas matérias: hermenêutica extensiva dos
objetivo, afirmando que se trata de uma falsa dicotomia,
direitos fundamentais positivados na constituição
na medida que um só tem sentido com o outro.
brasileira
 Só se pode falar em um direito do sujeito se há a proteção
do direito objetivo, este só tem sentido se incide sobre Os direitos fundamentais abrangem os direitos individuais,
alguma relação jurídica, se concede direitos subjetivos e coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos.
deveres correspondentes.
 Os direitos fundamentais individuais reconhecem a
Para outros autores, essa dicotomia (DN X DP) viu-se autonomia do indivíduo na sociedade, genericamente
enfraquecida no momento que passou-se a positivar os falando.
direitos fundamentais  Os direitos deixam de ser naturais  O direito à liberdade é o poder de escolher como agir.
quando positivados. Porém, pode ser muito ampliado, discute-se se o direito
de reunião seria individual de liberdade, individual de
2. Direitos humanos e direitos subjetivos constitucionais
exercício coletivo, liberdade de expressão coletivo ou
com sua positivação
direito coletivo propriamente dito.
Com a positivação e a constitucionalização do direito  No direito à privacidade, o legislador esforça-se para
moderno, a visão filosófica do positivismo prevaleceu. determinar distinções entre os conceitos intimidade e
vida privada.
Kamilly Ayane - M1 2021.2
 No direito à propriedade, encontra-se a necessidade do Direito subjetivo como norma e como fato
direito social.
Normativismo jurídico de Kelsen: o direito subjetivo não
 Os direitos sociais são apresentados como tutelares.
é senão uma expressão do dever jurídico, ou, por outras
Diferem-se dos direitos coletivos por destinarem-se a
palavras, um reflexo daquilo que é devido por alguém em
proteger os mais fracos, hipossuficientes.
virtude de uma regra de direito.
4. Paradigmas procedimentais: taxonomia das garantias  Direito objetivo e direito subjetivo, no pensamento
constitucionais; kelseniano, são apenas posições distintas do Direito,
que é um único sistema lógico-gradativo de normas.
Distinção necessária entre direitos e garantias fundamentais.  Com esse sentido evanescente de direito subjetivo, este
 Toda garantia visa assegurar um direito subjetivo e todo fica reduzido à mera atribuição de um dever ao
direito subjetivo precisa de garantias. destinatário da norma, o que equivale, praticamente, a
 As garantias seriam esses remédios, os recursos, as esvaziar o conceito de seu conteúdo essencial;
ações, os procedimentos, todos os meios de que  Tem razão Alf Ross quando adverte que toda forma de
constituição se vale com esse objetivo. monismo, quanto mais lógica, mais se afasta da
 Remédios constitucionais: garantias assim chamadas realidade...
porque visam corrigir distorções provocadas por Nossa compreensão do direito subjetivo
normas ou atos do poder público.
O direito subjetivo não pode ser concebido, como acentua
Miguel Reale- Lições preliminares ao Estudo do direito Kelsen, sem correspondência com o direito objetivo, com o
Capítulo XIX- Situações Subjetivas e Direito Subjetivo qual forma uma díade inseparável, mas como a norma é,
consoante expusemos, uma integração de fatos segundo
Direito e Vontade valores, ela se destina a alguém para que algo se realize.

Em que consiste essa possibilidade que têm as pessoas físicas  Não há dúvida que é impossível conceber-se o direito
e jurídicas de ser, de pretender, ou de agir com referência ao subjetivo antes ou independentemente da regra jurídica,
sistema de regras jurídicas em um determinado País: mas isto não significa que aquele se reduz a esta,
problema do direito subjetivo, ou, mais amplamente, das devendo ambos ser vistos como elementos
situações subjetivas. concomitantes e complementares.
 De conformidade com a teoria tridimensional, toda regra
O mérito do antigo ensinamento em termos de facultas
de direito é uma estrutura que consubstancia o sentido
agendi e norma agendi, apesar de suas reconhecidas
essencial de uma relação entre fatos e valores;
deficiências, consiste em apresentar o direito objetivo e o
subjetivo de maneira complementar, um impensável sem o Situação subjetiva: é a possibilidade de ser, pretender ou
outro  Faculdade, em sentido estrito, é, pois, uma forma de fazer algo, de maneira garantida, nos limites atributivos das
exercício do direito subjetivo. regras de direito.
Escola pandectistas (Windscheid) Direito subjetivo só existe quando a situação subjetiva
 O direito subjetivo é a vontade juridicamente protegida. implica a possibilidade de uma pretensão, unida à
 O homem, logo ao nascer, já é senhor ou titular de exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem.
"direitos naturais", inerentes à sua personalidade,
independentemente do fato de serem estes reconhecidos  Direito subjetivo é a possibilidade de exigir-se, de
ou não pelo Estado. maneira garantida, aquilo que as normas de direito
atribuem a alguém como próprio.
Direito e Interesse (Jhering)
 Direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido; 3° PONTO – LEGALISMO, NORMATIVISMO E REALISMO
 Enquanto que para aquele pandectista o direito subjetivo Noberto Bobbio- Lições de filosofia do direito
é um fenômeno da vontade, para Jhering o direito
subjetivo é algo de objetivo porque é o interesse que, por Capítulo III- A teoria das fontes do direito: A Lei como
seu caráter social, o Direito protege. única fonte de qualificação

A Solução Eclética e a De Del Vecchio 40. O significado técnico da expressão ´´fontes do


 O conceito de direito subjetivo implica a conjugação direito´´;
desses dois elementos: direito subjetivo é o interesse
Fontes do direito: aqueles fatos ou aqueles atos aos quais
protegido que dá a alguém a possibilidade de agir. É,
um determinado ordenamento jurídico atribui a
portanto, o interesse protegido enquanto atribui a
competência ou a capacidade de produzir normas jurídicas.
alguém um poder de querer.
 Giorgio Del Vecchio inclina-se para a segunda 41. Condições necessárias para que num ordenamento
formulação da teoria de Windscheid: O direito subjetivo jurídico exista uma fonte predominante;
não é o querer, mas a possibilidade de querer. Não é a
vontade, mas a potencialidade da vontade. A doutrina juspositivista é baseada no princípio da
prevalência de uma determinada fonte (lei) sobre as outras.
Kamilly Ayane - M1 2021.2
Para que isso ocorra, é necessário que no ordenamento consuetudinem, antes da consuentudo contra legem)  caso
existam várias fontes e que essas fontes não estejam no do ordenamento inglês antes da monarquia parlamentar;
mesmo plano. b) o costume e a lei estão em primeiro plano: admite-se que
o costume possa ab-rogar a lei sempre que for rationabilis e
a) é necessário que haja um ordenamento jurídico complexo. legitime praescripta  direito canônico.
b) o ordenamento deve ser hierarquicamente estruturado. c) o costume inferior a lei: é realizado a partir do Estado
Chama-se de paritário o ordenamento em que as fontes estão moderno e foi teorizado pelo positivismo jurídico.
em um mesmo plano e de hierárquico o que as fontes não
estão. João Maurício Adeodato – A Retórica Constitucional

42. Fontes de qualificação jurídica: fontes de Capítulo VII- Adeus à separação de poderes?
conhecimento jurídico (fontes reconhecidas e fontes
delegadas); Introdução: generalidade da lei, criação do direito pelo
judiciário e dissociação entre texto e norma
A doutrina juspositivista assume que a fonte que se encontra
no plano hierárquico superior é a lei visto que ela é a  Primeira das grandes escolas positivistas, a Exegese
manifestação direta do poder soberano do Estado e que os Francesa afirma ser a generalidade um elemento
outros fatos ou atos produtores de normas são apenas fontes essencial da norma jurídica, ficando ao juiz o papel de
subordinadas. boca de lei.

 Fontes de reconhecimento: quando existe um fato A crescente complexidade social amplia a imprecisão do
social precedente ao Estado, independentemente deste, discurso a ponto de tornar altamente instável como será que
que produz regras de conduta a que o Estado reconhece. aquela instancia decisória (executiva, legislativa e judiciaria)
vai dizer o direito. E depois, se e como o texto positivado vai
 Fontes delegadas: o Estado atribui a um órgão diverso
interferir na decisão concreta futura. Acordos retóricos
daquele portador de soberania o poder de estabelecer
flutuantes, circunstanciais, autopoiéticos.
normas jurídicas para certas matérias.
1. Teorias da única decisão correta
Exemplo indiscutível de fonte reconhecida: costume 
O conceito de norma jurídica é identificado com o de lei.
regras produzidas externamente que o Estado acolhe como
Assim, interpretar consiste apenas em ampliar a lei ao fato e
normas jurídicas.
só há diferença entre aplicação e interpretação quando a lei é
 Normas negociais: normas estabelecidas pelos malfeita.
cidadãos para regular os seus interesses privados por  Dessa forma, os aplicadores do direito nunca criam
meio dos contratos e dos negócios jurídicos em geral. direito, apenas o reconhecem.
 Não há consciência da distinção entre significante (lei) e
Exemplo de fonte delegada: regulamentos  normas significado (norma), logo, as decisões administrativas e
emanadas do poder executivo para reduzir a ato as normas as sentenças não são normas jurídicas, mas meras
contidas numa lei, com base na autorização do próprio poder aplicações da lei.
legislativo.
 O legislativo cria o direito e o judiciário o aplica, de forma
As fontes subordinadas são ditas fontes de conhecimento autônoma e independente.
jurídico e as superiores fontes de qualificação jurídica. Críticas: a lei não é a única fonte do direito e a generalidade
não constitui caráter permanente da norma jurídica.
43. O costume como fonte de direito na história do
pensamento jurídico e na história das instituições 2. Teorias da Moldura (Normativismo)
positivas. A norma, entendida como texto positivado, forma uma
moldura em relação às decisões adequadas. A moldura
1) As doutrinas do costume como fonte de direito: doutrina recorta as decisões correta dentre as possíveis, aí entra o
romano-canônica: reduz o costume à lei, já que posiciona o poder discriminatório do decididor: aplicadas as regras
fundamento da juricidade do costume no próprio fato que formais, não se chega a um só resultado, mas qualquer
funda a juricidade da lei: a vontade do povo. A doutrina resultado é justo.
moderna situa o fundamento das normas consuetudinárias  A separação de poderes é atingida por esse
no poder do juiz que acolhe tais normas para resolver uma reconhecimento, por parte dos normativistas, de que o
controvérsia. Doutrina da escola histórica: o costume tem juiz cria direito.
caráter jurídico independentemente do legislador, do Assim, a generalidade deixa de ser considerada um caráter
judiciário e do cientista do direito, pois sua validade se funda essencial da norma jurídica e a sentença é reconhecida como
na convicção jurídica popular. forma de expressão e criação do direito positivo.
 Prevalece a tendência a negar ao costume o caráter
de fonte autônoma de direito. 3. Teorias Realistas
O conhecimento se daria na intersubjetividade, depende de
2) As relações históricas entre lei e o costume: um controle público da linguagem, o que também envolve
a) O costume superior à lei: é negada à lei força ab-rogativa fatores de poder.
quanto ao costume (isto é, nega-se a lex contra
Kamilly Ayane - M1 2021.2
A interpretação do direito é vista como um processo racionalidade e apresentam-se como impessoais, gerais,
indutivo, o julgador primeiro decide e depois vai procurar adequados.
no sistema o fundamento textual de sua decisão.
Na sociedade mais avançada, haveria uma legitimação do tipo
 Assim, toda interpretação jurídica é individual, a lei é
legal-racional, enquanto que em uma mais primitiva, haveria
apenas um texto, um dado de entrada para a construção
as formas carismáticas e tradicionais.
da norma diante do caso concreto.
Dessa forma, há a diminuição de importância na atividade do Essa forma mais sofisticada de legitimação pode ser
legislador e a exacerbação da função judicial. O legislador não relacionada ao fenômeno da positivação do direito:
cria norma, cria textos, só o aplicador cria a norma. possibilidade de o direito ser estabelecido mediante
Realismo norte-americano: a norma adquire caráter decisões, transformando-se em instrumento de controle e
jurídico somente após a interpretação e aplicação pelos modificação social e de fazer com que a ordem social
juízes. Dessa forma, o direito passa a existir após a sentença dependa de normas jurídicas emanadas em larga escala
(todo direito efetivo é criado pelo judiciário); daqueles centros decisórios.
Realismo escandinavo: possuem uma concepção empírica
do direito. Existe uma vigência normativa: efetividade social  A positivação toma dois rumos: a supremacia das fontes
da norma; estatais do direito e a pretensão de monopólio por parte
do estado na produção das normas.
4° PONTO – VALIDADE COMO TÉCNICA JURÍDICA
COMPLEXIDADE SOCIAL E PROCEDIMENTALIZAÇÃO DO Os subsistemas dessas sociedades não diferenciadas são
DIREITO incapazes de promover sua autopoiese, ou seja, criar
condições de independência em relação à própria sociedade
João Maurício Adeodato – Ética e Retórica
e aos demais subsistemas sociais, todos postos como mundo
Capítulo III- Uma teoria (emancipatória) da legitimação circundante.
para países subdesenvolvidos
Sistemas jurídicos alopoiéticos, ou seja, que não funcionam
1. Colocação do problema em termos de autorreferência e necessitam da interferência
de outros subsistemas sociais, desenvolvem suas próprias
Um dos problemas importantes para a teoria jurídico-política estratégias de legitimação.
contemporânea, gira em torno da legitimação do poder, como
se impõem decisões discursivamente, sem violência Capítulo VIII- Modernidade e Direito
constantemente explícita.
1. Modernidade e complexidade
É improvável que modelos teóricos baseados em sociedades
Pode afirmar-se que quanto mais complexas as relações
de países centrais, do assim chamado Primeiro Mundo, sejam
jurídicas, na definição de complexidade aqui apontada, mais
rigorosamente adequados à descrição de sistemas jurídicos
moderno o direito.
ou políticos em regiões periféricas, subdesenvolvidas.
Critérios diferenciadores: interioridade e exterioridade – ao
 Daí a concentração sobre o Brasil como ponto de partida
Estado estariam afeitas as condutas externas dos indivíduos
para a descrição de alguns aspectos comuns no direito e
enquanto à religião, as condutas internas.
nos processos políticos do assim chamado capitalismo
periférico; 2. Pressupostos sociais para a modernização do direito
Fatores sociais mais importantes que devem estar presentes
O direito não mais é visto como uma humanização da ordem
para que uma sociedade seja chamada de juridicamente
cósmica e sim aparece como um jogo, uma luta, um meio, isto
moderna, esteja apta para modernizar o seu direito:
é, um instrumento terreno para obtenção de fins
 O primeiro desses pressupostos é a pretensão de
determinados;
monopólio por parte do Estado na produção das
 O direito e a religião, o direito e a moral não precisam normas jurídicas;
necessariamente coincidir e podem, inclusive, entrar em  A segunda característica é a crescente importância das
conflito. fontes estatais em detrimento das fontes espontâneas e
extraestatais do direito.
Max Weber, já no começo do século XX, colocara o problema  A terceira e mais importante das características que
da legitimidade em termos de crença. fazem uma sociedade capaz de dogmatizar seu direito é
 1. A legitimação tradicional funciona ao longo da o que se pode denominar relativa emancipação da
continuidade histórica da dominação; A comunidade se ordem jurídica frente às outras ordens normativas, a
submete por estar assim organizada desde tempos autorreferência do sistema jurídico, a seguir exposta
imemoriais. sucintamente.
 2. A dominação carismática fundamenta-se em Não se deve pensar que um sistema alopoiético não se
características especiais que os destinatários das normas legitima, mas apenas que sua legitimação não é “moderna” do
creem presentes em seu chefe; ponto de vista da autopoiese, processando-se por outras
 3. Na legitimação legal-racional, os comandos vias.
emanados dos detentores do poder têm a pretensão de
Kamilly Ayane - M1 2021.2
4ª DICOTOMIA: VALIDADE TÉCNICA E EFETIVIDADE Validade formal ou vigência é uma propriedade que diz
SOCIAL DO DIREITO respeito à competência dos órgãos e aos processos de
produção e reconhecimento do Direito no plano normativo.
Miguel Reale- Lições preliminares de direito A eficácia, ao contrário, tem um caráter experimental,
Capítulo X- Da validade da norma jurídica porquanto se refere ao cumprimento efetivo do Direito por
parte de uma sociedade, ao “reconhecimento” do Direito pela
Da validade formal ou vigência comunidade;
A validade de uma norma de direito pode ser vista sob três O problema do fundamento
aspectos: o da validade formal ou técnicojurídica (vigência),
o da validade social (eficácia ou efetividade) e o da validade Toda regra jurídica, além de eficácia e validade, deve ter um
ética (fundamento); fundamento. O fundamento é o valor ou fim objetivado pela
regra de direito.
Requisitos que deve satisfazer a regra jurídica para ser
obrigatória:  Impossível conceber-se uma regra jurídica desvinculada
da finalidade que legitima sua vigência e eficácia.
 A norma deve ser elaborada por um órgão competente.
A regra jurídica deve, normalmente, reunir os três seguintes
A legitimidade do órgão tem que ser observada segundo dois requisitos de validade:
pontos de vista: 1 – legitimidade subjetiva, no que diz a) fundamento de ordem axiológica;
respeito ao órgão em si; 2 – legitimidade quanto à matéria b) eficácia social, em virtude de sua correspondência ao
sobre que a legislação versa. querer coletivo;
c) validade formal ou vigência, por ser emanada do poder
Podemos afirmar que sem órgão competente e legítimo não
competente, com obediência aos trâmites legais.
existe regra jurídica válida, capaz de abrigar
compulsoriamente os cidadãos de um país. Tercio Sampaio- Introdução ao Estudo do direito
Três requisitos essenciais Capítulo 4- Dogmática analítica ou ciência do direito
como teoria da norma
Quando uma regra de direito obedece, em sua gênese, a esses
três requisitos, dizemos que ela tem condições de vigência. 4.1 A identificação do direito como norma

 a) quanto à legitimidade do órgão; b) quanto à A dogmática prepara a decisão, cria para ela condições
competência ratione materiae; c) quanto à legitimidade razoáveis, de tal modo que ela não apareça como puro
do procedimento. arbítrio, mas decorra dos argumentos plausíveis.
Da eficácia ou efetividade 4.3.1.3 Teorias zetéticas da validade

Há leis que entram em choque com a tradição de um povo e O conceito de validade, de uma perspectiva zetéticas,
que não correspondem aos seus valores primordiais. Isto, relaciona-se com a noção de valor, cuja origem é econômica,
não obstante, valem, isto é, vigem. não filosófica. Na filosofia, ela entra por meio da chamada
filosofia dos valores, para a qual estes são entidades
 Há casos de normas legais, que, por contrariarem as diferentes dos objetos reais, dos quais se dizem que são, ao
tendências e inclinações dominantes no seio da passo que os valores valem.
coletividade, só logram ser cumpridas de maneira
compulsória, possuindo, desse modo, validade formal, Ross entende que a validade das normas jurídicas está
mas não eficácia espontânea; relacionada com o comportamento da autoridade
aplicadora. Validade seria um conceito relacional que
A eficácia se refere, pois, à aplicação ou execução da norma manifesta a experiência social de uma conduta como
jurídica, ou a regra jurídica enquanto momento da conduta obrigatória: dizer que uma norma vale é dizer que ela é
humana. aplicada pelos tribunais com a consciência de sua
 O certo é que não há norma jurídica sem um mínimo de obrigatoriedade.
eficácia, de execução ou aplicação no seio do grupo; Kelsen faz uma objeção a essa concepção: se a validade só
 A regra de direito deve ser formalmente válida e pode ser verificada pelo confronto de seu enunciado com a
socialmente eficaz. experiência de sua aplicação, então só poderíamos saber se
A regra jurídica costumeira é algo de socialmente eficaz, e uma norma vale depois de ocorrida a experiência.
como tal reconhecida, para depois adquirir validade formal;  Estabilização contrafática de expectativas significa
Quando uma lei é revogada, ou perde vigência, nem por isso estabilização sobre o não evidente.
ficam privados de eficácia os atos praticados anteriormente Explicação Kelsiana de validade: uma norma vale em
à revogação. Por outro lado, a lei nova, isto é a vigência de relação a outra norma, que a antecede hierarquicamente.
uma nova lei não retroage, não tem eficácia pretérita; Identificar a validade de uma norma significa verificar sua
relação de subordinação em face de outra norma.
Kamilly Ayane - M1 2021.2
 Dessa forma, não é possível, tomando-se isoladamente a aplicabilidade das normas como uma aptidão mais ou
uma norma, dizer se ela é ou não válida. menos extensa para produzir efeitos. Para aferir o grau de
eficácia, é preciso verificar quais as funções da eficácia no
4.3.2 Conceptualização dogmática do ordenamento: plano de realização normativa.
validade, vigência, eficácia e força
 Função de bloqueio: bloqueio de condutas indesejáveis.
O problema dogmático da validade é, assim, a questão de
 Função de programa: visam à realização de objetivo,
saber quando uma norma é reconhecida como válida, a partir
tem o sentido de programa a ser concretizado.
de que momento, quando deixa de valer, quais efeitos produz
 Função de resguardo: tem o sentido de assegurar uma
e até quando os produz.
conduta desejada.
Para a dogmática jurídica, para reconhecermos a validade de Nem sempre todas as normas exercem a mesma função com
uma norma, precisamos em princípio e de início, que a norma o mesmo grau de intensidade.
esteja integrada no ordenamento. Sendo cumprido o
processo de formação ou produção normativa, em Quando a concretização da função eficacial é imediata, sem
conformidade com os requisitos do próprio ordenamento, necessidade de outra norma, não podendo ser restringida,
tem-se uma norma válida. Sancionada a norma legal, para dizemos que a eficácia é plena. Quando, para a realização da
que se inicie se tempo de validade. função, há necessidade de outras normas, diz-se que a
eficácia é limitada. Quando pode ser restringida, enquanto
Vigência: termo com o qual se demarca o tempo de sua não sobrevier a restrição, dizemos que a eficácia é contida.
validade, ela deve ser publicada. Publicada a norma, diz-se
que ela é vigente. Vigente é a norma válida cuja autoridade já Por último, tem-se o vigor. Em geral a doutrina toma vigor
pode ser considerada imunizada, sendo exigíveis os por vigência e vice-versa. O vigor de uma norma tem a ver
comportamentos prescritos. Em geral, começa com a com sua imperatividade, com sua força vinculante.
publicação, mas pode ser postergada (vacatio legis); 
Resumindo:
durante esses 45 dias, a norma é válida, mas não é vigente.
1. VALIDADE é uma qualidade da norma que designa sua
Dessa forma, validade e vigência não se confundem, uma
pertinência ao ordenamento, por terem sido obedecidas as
norma pode ser válida sem ser vigente, embora a norma
condições formais e materiais de sua produção e
vigente sempre seja válida.
consequente integração no sistema;
A observância das normas de competência, de
determinação do momento, constitui a validade formal. A 2. VIGÊNCIA é uma qualidade da norma que diz respeito ao
observância da matéria, validade material. tempo de validade, ao período que vai do momento em que
ela entra em vigor (passa a ter força vinculante) até o
 Uma norma válida pode já ser vigente e não ter
momento em que é revogada, ou que se esgota o prazo
eficácia.
prescrito para sua duração;
A capacidade de produzir efeitos depende de certos
3. EFICÁCIA: é uma qualidade da norma que se refere a
requisitos. Alguns são de natureza fática (a norma é efetiva
possibilidade de produção concreta de efeitos, porque estão
ou socialmente eficaz) e outros de natureza técnico-
presentes as condições fáticas exigíveis para a sua
normativa.
observância, espontânea ou imposta, ou para a satisfação dos
Uma norma se diz socialmente eficaz quando encontra na objetivos visados (efetividade ou eficácia social), ou porque
realidade condições adequadas para produzir seus efeitos. estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis
Assim, se uma norma prescreve a obrigatoriedade do uso de para a sua aplicação (eficácia técnica);
determinado aparelho para o trabalho, mas esse aparelho
não existe no mercado, a norma será ineficaz nesse sentido 5º PONTO- REGRAS E NORMAS COMO DECISÕES SOBRE
 a ausência desses fatos não afetam a validade de norma, COMPORTAMENTOS
mas sim a sua produção de efeitos. Norberto Bobbio- Teoria da Norma Jurídica
 Kelsen diz que uma norma, sem um mínimo de eficácia, Capítulo I- o direito como regra de conduta
perde a validade.
 Não reduzido à obediência, a efetividade ou eficácia 1. Um mundo de normas
social tem antes o sentido de sucesso normativo, o qual
O melhor modo para aproximar-se da experiência jurídica e
pode ou não exigir obediência.
apreender seus traços característicos é considerar o direito
 Existem normas que nunca chegam a ser obedecidas,
como um conjunto de normas, ou regras de conduta. Logo:
mas não deixam de ser consideradas eficazes. Sua
a experiência jurídica é uma experiência normativa.
eficácia está na produção de satisfação ideológica.
 Percebe-se que a efetividade das normas é variável e  Um dos primeiros resultados do estudo do direito é o de
pode ser graduada. nos tornar conscientes da importância do "normativo"
na nossa existência individual e social.
Uma norma também se diz eficaz quando estão presentes
certos requisitos técnicos. A eficácia técnica tem a ver com
Kamilly Ayane - M1 2021.2
Há um ponto de vista normativo no estudo e na compreensão finalidade de manter a ordem entre os seus membros, é
da história humana: as civilizações são caracterizadas pelos um ordenamento jurídico (não só aquele emanado do
ordenamentos de regras nas quais as ações dos homens Estado);
que as criaram estão contidas.
A teoria estatalista do direito é produto histórico da
 Estudar uma civilização do ponto de vista normativo formação dos grandes Estados modernos, erigidos sobre a
significa descobrir a direção ou as direções fundamentais dissolução da sociedade medieval.
em que se conduzia a vida de cada indivíduo.
O Estado moderno foi formado através da eliminação ou
2. Variedade e multiplicidade das normas absorção dos ordenamentos jurídicos superiores e inferiores
As normas jurídicas não passam de uma parte da pela sociedade nacional, por meio da monopolização da
experiência normativa. Além das normas jurídicas, existem produção jurídica.
preceitos religiosos, regras morais, sociais, costumeiras, 5. Observações críticas
regras daquela ética menor que é a etiqueta, regras da boa
educação, etc. O problema sobre o qual se insiste na polêmica entre
pluralistas e monistas, se o direito é apenas aquele produzido
Todo indivíduo pertence a diversos grupos sociais. Cada pelo Estado ou também aquele produzido por grupos sociais
uma destas associações se constitui e se desenvolve através diversos do Estado, é uma questão fundamentalmente de
de um conjunto ordenado de regras de conduta. palavras.
 São regras de conduta tanto os dez mandamentos quanto Quem afirma que direito é apenas o direito estatal, usa a palavra
as prescrições do médico; "direito" em sentido restrito. Quem sustenta, seguindo os
institucionalistas, que direito é também aquele de uma associação
3. O direito é instituição? de delinquentes, usa o termo "direito" em sentido mais amplo.

O elemento característico da experiência jurídica é o Antes de tudo, a teoria da instituição, acreditando combater
fenômeno da normalização. Porém, existem teorias a teoria normativa ao demolir a teoria estatalista do direito,
diversas da normativa, que consideram como elementos aponta para um alvo falso. Não há nenhuma razão para se
característicos da experiência jurídica fatos diversos das considerar a teoria normativa em si, menos ampla do que a
regras de conduta; teoria institucional. Não é verdadeiro que a organização
venha antes das normas, mas sim o oposto, que as normas
 A teoria do direito como instituição foi elaborada por
venham antes da organização.
Santi Romano, e ele se contrapõe a teoria normativa;
6. O direito é relação intersubjetiva?
Ubi societas ibi ius: onde está o homem, há sociedade; onde
há sociedade, há direito. Segundo os defensores do institucionalismo, uma pura e
simples relação entre dois sujeitos não pode constituir
Para Romano, os elementos constitutivos do conceito de
direito; para que surja o direito, é necessário que esta
direito são três: a sociedade, como base de fato sobre a qual
relação esteja inserida em uma série mais vasta e complexa
o direito ganha existência; a ordem, como fim a que tende o
de relações constituintes, ou seja, a instituição.
direito; e a organização, como meio para realizar a ordem.
Este nascerá apenas quando esta regulamentação se tornar
Para Romano existe direito quando há uma organização de
de um certo modo estável, e originar uma organização
uma sociedade ordenada ou, uma sociedade ordenada
permanente da atividade dos dois indivíduos.
através de uma organização, ou uma ordem social
organizada. Esta sociedade ordenada e organizada é aquilo Kant afirma que esta relação entre dois sujeitos, para ser uma
que Romano chama de instituição. relação jurídica, deve se dar entre dois arbítrios, e não entre
o arbítrio de um e o simples desejo do outro  a relação de
O direito nasce no momento em que um grupo social passa
um sujeito que tem direitos e deveres com outro que tem
de uma fase inorgânica para uma fase orgânica, da fase de
direitos e deveres (o homem);
grupo inorgânico ou não organizado para a fase de grupo
organizado. 7. Exame de uma teoria
 O fenômeno da passagem da fase inorgânica para a fase Questiona-se se o que constitui a relação como relação
orgânica se chama institucionalização. jurídica não é porventura a norma que a regula e, neste caso,
a teoria da relação jurídica também acabaria por
Entretanto, pode-se muito bem admitir que o direito
desembocar, assim como a teoria da instituição, na teoria
pressuponha a sociedade, ou que seja o produto da vida
normativa.
social, mas não se pode admitir que toda sociedade seja
jurídica. 8. Observações críticas
4. O pluralismo jurídico Em essência, o direito não passa do reflexo subjetivo de uma
norma permissiva, o dever não é senão o reflexo subjetivo
Para a teoria institucionalista, até uma associação de de uma norma imperativa (positiva ou negativa);
delinquentes, desde que seja organizada com a
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 A relação jurídica, enquanto direito dever remete entre partes que se comunicam. Nesse caso, a norma é vista
sempre a duas regras de conduta, dentre as quais a como comunicação.
primeira atribui um poder, a outra atribui um dever;
4.1.2 Concepção dos fenômenos sociais como situações
Não se pode determinar se uma relação é jurídica com base normadas, expectativas cognitivas e normativas
nos interesses em jogo; pode-se determiná-la apenas com
Atitudes normativas são expectativas cuja durabilidade é
base no fato de ser ou não regulada por uma norma jurídica;
garantida por uma generalização não adaptativa, isto é
Relação jurídica é aquela que, qualquer que seja o seu admitem-se as desilusões como um fato, mas estas são
conteúdo, é tomada em consideração por uma norma consideradas como irrelevantes.
jurídica, é subsumida por um ordenamento jurídico, é
As expectativas normativas se expressam por meio de
qualificada por uma ou mais normas pertencentes a um
normas.
ordenamento jurídico.
O objetivo do conhecimento dogmático-analítico não são
As três teorias não se excluem entre si, e assim é estéril toda
propriamente as pessoas concretas, fisicamente
batalha doutrinal para fazer triunfar uma ou outra. Diria até
identificáveis, mas papéis tipificados por normas que
mesmo que estas três teorias se integram utilmente.
configuram responsabilidades, deveres, faculdades, poderes
Tércio Ferraz- Introdução ao Estudo do Direito e etc.

Capítulo IV- Dogmática analítica ou ciência do direito 4.1.3 Caráter jurídico das normas: instituições e núcleos
como teoria da norma significativos

4.1.1 Conceito de norma: uma abordagem preliminar O princípio da inegabilidade dos pontos de partida exige a
postulação de normas preponderantes que, em caso de
Kelsen afirma que os comportamentos humanos só são conflitos, devem prevalecer. A teoria dogmática do direito
reconhecidos enquanto regulados pela norma, por exemplo. pressupõe que essas normas preponderantes são as
O significado objetivo geral das normas é obtido por normas consideradas jurídicas.
jurídicas. São elas o objetivo e o princípio delimitador das Do ponto de vista zetético, observa-se que a identificação de
ocupações teóricas do jurista. normas como jurídicas, realizada pelos juristas, se dá
 A função da ciência jurídica é descobrir, descrever o conforme critérios variáveis no espaço e no tempo. Um dos
significado objetivo que a norma confere ao exemplos, é que o caráter da jurisdicidade das normas está
comportamento. Para Kelsen, o direito é um imenso no grau de institucionalização da relação entre o emissor e o
conjunto de normas, cujo significado sistemático cabe á receptor da mensagem normativa.
ciência jurídica determinar; Norberto Bobbio- Teoria do Ordenamento Jurídico
Von Jhering: O direito é o conjunto de normas coativas válidas Capítulo III- A coerência do ordenamento jurídico
num Estado. Os dois fatores que se inclui são o da norma o da
realização por meio da coação. 1. O ordenamento jurídico como sistema

Jhering traça os caracteres distintivos da norma jurídica. Quando se pergunta se um ordenamento jurídico constitui
Primeiramente, observa que a norma tem o caráter de um sistema, pergunta-se se as normas que o compõem estão
orientação, especificamente a ação humana. Acrescenta-se o num relacionamento de coerência entre si, e em que
caráter imperativo, sua impositividade contra qualquer condições é possível essa relação.
resistência.
Análise do conceito de sistema feita por Kelsen:
Os juristas veem a norma, primeiramente, como proposição.
Sistema estático é aquele no qual as normas estão
Trata-se de uma proposição que diz como deve ser o
relacionadas umas às outras como as proposições de um
comportamento. Promulgada a norma, ela passa a ter vida
sistema dedutivo, ou seja, pelo fato de que derivam uma das
própria, conforme o sistema de normas no qual está inserida.
outras partindo de uma ou mais norma originarias de
Dessa forma, a norma seria uma qualificação para o
caráter geral, que tem a mesma função dos postulados num
comportamento que o tipifica e o direciona.
sistema cientifico. Matéria material.
Os juristas concebem, também, as normas como prescrições,  Num sistema assim, as normas estão relacionadas entre
isto é, como atos de uma vontade impositiva que estabelece si no que se refere ao seu conteúdo.
disciplina para a conduta, abstração feita de qualquer  Exemplo: Pax est quaerenda;
resistência. A norma como prescrição expressa-se pelo
dever-ser, que significa então impositivo ou impositivo da Sistema dinâmico é aquele as normas que o compõem
vontade. derivam umas das outras através de sucessivas delegações de
poder, isto é, não através do seu conteúdo, mas através da
Há também a possibilidade de considerar a norma como um autoridade que as colocou. Matéria formal.
fenômeno complexo que envolve não só a vontade de seu  Exemplo: ´´é preciso obedecer à vontade de Deus´´;
comando, mas também diferentes situações estabelecidas
Kamilly Ayane - M1 2021.2
Quando precisa-se encontrar a justificação de uma ordem, que uma ordem jurídica mais primitiva se organiza de forma
pode-se justifica-la deduzindo-a a uma ordem de indiferenciada.
abrangência mais geral ou de atribuí-la a uma autoridade
indiscutível. 2. Pressupostos sociais para modernização do direito

Feita a distinção, Kelsen sustenta que os ordenamentos Fatores sociais importantes que devem estar presentes para
jurídicos são sistemas dinâmicos. Os sistemas estáticos que uma sociedade seja chamada de juridicamente moderna:
seriam os ordenamentos morais. É possível, como Niklas Luhmann, utilizar a expressão
positivar o seu direito ou, torná-lo dogmático.
2. Três significados de sistema
O primeiro desses pressupostos é a pretensão de monopólio
Chama-se interpretação sistemática aquela forma de por parte do Estado na produção das normas jurídicas  Isso
interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de não significa qu,e o Estado moderno produza todas as
que as normas de um ordenamento constituam uma normas jurídicas, mas sim que é direito aquilo que ele produz
totalidade ordenada e, portanto, seja licito esclarecer uma ou tolera seja produzido por outras fontes.
norma obscura ou diretamente integrar uma norma
deficiente recorrendo ao chamado ´´espírito do sistema´´.  Um Estado moderno diferencia-se de outros Estados por:
arvorar-se o monopólio na produção do direito.
1. Sistema na expressão ´´sistema dedutivo´´. Um dado
ordenamento é um sistema enquanto todas as normas A segunda característica ressaltada de uma sociedade que
jurídicas daquele ordenamento são deriváveis de alguns pretende modernizar o seu direito é a crescente importância
princípios gerais, considerados da mesma maneira que os das fontes estatais em detrimento das fontes espontâneas e
postulados de um sistema científico. extraestatais do direito.

2. A jurisprudência se elevou ao nível de ciência tornando-se A terceira e mais importante das características que fazem
´´sistemática´´. O termo sistema é usado para indicar um uma sociedade capaz de dogmatizar seu direito é a relativa
ordenamento da matéria, realizado através do processo emancipação da ordem jurídica frente às outras ordens
indutivo, isto é, partindo do conteúdo das simples normas normativas, a autorreferência do sistema jurídico.
com a finalidade de construir conceitos sempre mais gerais.  O direito de uma sociedade será tão mais complexo
3. Um ordenamento jurídico constitui um sistema porque não quanto mais nitidamente separado dos subsistemas,
podem coexistir nele normas incompatíveis. Sistema quanto mais esteja ele imunizado contra as
equivale à validade do princípio que exclui a interferências deles.
incompatibilidade das normas. Nesse sentido, nem todas as  Um exemplo real de alopoiese no Brasil parece ser o
normas válidas, mas somente aquelas compatíveis com as subsistema jurídicopenal carcerário. Quanto ao
outras. subsistema de boas relações, basta lembrar o dito “aos
amigos tudo, aos inimigos a lei”. Isso pode gerar
3. As antinomias problemas graves de legitimação, os quais, em sistemas
menos complexos, são tratados e contornados por outras
Situação de normas incompatíveis entre si. O fato de o direito
estratégias extrajurídica.
roamano, considerado por longos séculos o direito por
excelência, não existir antinomias foi regra constante para os 3. Modernidade jurídica: um entre vários conceitos
interpretes. possíveis

Três ressalvas epistemológicas devem ser feitas:

A primeira é que nosso conceito é qualitativo, e não


temporal. As sociedades assim estruturadas podem ser ditas
modernas porque sua forma de organização obedece ao
padrão aqui escolhido para definir “modernidade”.

Uma segunda ressalva é que não se pretende ligar o conceito


de modernidade a qualquer juízo de valor, afirmando que os
6° PONTO – DIFERENCIAÇÃO E AUTONOMIA DOS tipos ideais de “modernidade” descritos sejam melhores ou
SISTEMAS NORMATIVOS piores para as sociedades e as pessoas.
João Maurício Adeodato - Ética e retórica A terceira ressalva é que os parâmetros de organização do
direito definidos como modernos não constituem
Capítulo VIII- Modernidade e Direito
necessariamente um caminho pelo qual evoluirão todos os
1. Modernidade e complexidade povos e a sociedade globalizada dos neoliberais, nada parece
indicar que o mundo esteja caminhando na direção desse tipo
De acordo com esse corte didático e epistemológico, pode de complexificação social.
afirmar-se que quanto mais complexas as relações jurídicas,
mais moderno o direito. Pode-se, então, começar admitindo
Kamilly Ayane - M1 2021.2
Denominam-se modernos os sistemas jurídicos Kelsen entende como redundante a expressão “direito
emancipados e autorreferentes do Primeiro Mundo positivo estatal”, pois todo direito é positivo e todo
basicamente por dois motivos: direito é posto pelo Estado;
 O primeiro é seu caráter inusitado, sem precedentes na 5. Ética e positivismo jurídico
história do direito. O direito dogmático, autopoiético, é
uma grande novidade da modernidade. O jurista dogmático tem a tarefa difícil de transformar
 O segundo motivo é a tendência dos países demandas sociais efetivas em demandas jurídicas. O direito
contemporâneos de dogmatizar o seu direito, com os moderno não é mau por ser assim organizado, da mesma
Estados arvorando-se progressivamente o monopólio da maneira que a ligação ontológica pré-moderna entre direito
jurisdição, fixando agrupamentos de normas positivas, e moral não constitui um bem em si mesma.
pretensamente omnicompreensivas e inequívocas, além
 O direito natural parte do princípio antidemocrático de
de eficazes, com corpo de funcionários específico para
que há um conteúdo de justiça apriorístico em relação ao
decidir o direito etc.
direito positivo, o qual precisa curvar-se a esses
(algo pode ser intrinsecamente imoral e ao mesmo tempo de princípios e deve ser imposto a todos os desviantes e
acordo com o direito); recalcitrantes.

A afirmativa, por exemplo, de que não é justo (e assim não é Norberto Bobbio- O Positivismo Jurídico
jurídico) um sistema que proíba a liberdade de imprensa ou Capítulo V- A teoria do ordenamento jurídico
consagre a desigualdade entre homens e mulheres é
preponderantemente antipositivista, antidogmática, 50. A teoria do ordenamento jurídico como contribuição
jusnaturalista, até, neste amplo sentido dado aqui. Isso original do positivismo jurídico à teoria geral do
porque parte do princípio de que há normas superiores e ordenamento
anteriores à fixação das regras positivas de direito e que
Essa teoria foi ´´inventada´´, introduzida ex novo pelo próprio
essas normas superiores valem por si mesmas, qualquer que
positivismo. Antes do seu desenvolvimento faltava no
seja seu fundamento (aqui já se trataria de uma discussão
pensamento jurídico o estudo do direito considerado não
entre os antipositivistas), servindo como critério para aferir
a legitimidade do direito posto. como norma singular ou como um acervo de normas
singulares, mas como entidade unitária constituída pelo
Há uma tendência no Estado dogmático de permissividade conjunto sistemático de todas as normas.
em relação a comportamentos que não seguem a ortodoxia
 A teoria do ordenamento jurídico encontra a sua mais
moral, religiosa, de etiqueta ou mesmo “racional”, desde que
coerente expressão no pensamento de Kelsen.
de acordo com o subsistema jurídico.
 Essa teoria surge entre o fim do século XVIII, da exigência
Em uma sociedade autopoieticamente organizada, o de dar unidade a um conjunto de normas jurídicas
subsistema jurídico procura resguardar-se, como dito, das fragmentárias, que constituíam um risco permanente de
influências dos demais subsistemas. incerteza e de arbítrio.

4. O direito dogmático moderno A teoria se baseia nesses três caracteres: a unidade, a


coerência e a completude; essas características fazem como
Uma vez que a sociedade apresente esses pré-requisitos que o direito no seu conjunto seja um ordenamento, uma
mencionados, ela está apta a dogmatizar o seu direito. entidade nova, distinta das normas singulares que o
Características do direito dogmático: constituem.

 Inegabilidade dos pontos de partida. Um argumento é 51. A unidade do ordenamento jurídico. A teoria
juridicamente aceitável se à medida que toma por base kelsiniana da norma fundamental.
uma norma jurídica do sistema, pois é exatamente a  Pode-se objetar que esta não é uma concepção
norma que constitui o dogma desse tipo de direito. exclusivamente positivista, visto que os jusnaturalistas
O argumento não vai valer por ser racional, por ser também pensam o direito como um sistema unitário.
empírica ou cientificamente demonstrável. É por isso Porém, enquanto o Jusnaturalismo trata de uma unidade
que a atividade dogmática nada tem de científica, substancial ou material, relativa ao conteúdo, o
podendo, quando muito, ser objeto da ciência do direito. juspositivismo trata-se de uma unidade formal, relativa
Do outro lado, há Kelsen, afirmando que a dogmática é a ao modo pelo qual as normas são postas.
única ciência puramente jurídica, vez que as normas
preponderam sobre os fatos; Kelsen exprime essa diferença falando do ordenamento
 Obrigatoriedade de decidir. Só com o moderno Leviatã, estático e o dinâmico.
o Estado passa a decidir tudo o que é juridicamente
Ordenamento estático (jusnaturalistas): as normas podem
relevante, pretendendo o monopólio da violência
ser deduzidas por um procedimento logico uma da outra até
legítima e do dizer o direito, em última instância.
que se chegue a uma norma totalmente geral, que é a base de
Kamilly Ayane - M1 2021.2
todo o sistema e que constitui um postulado moral auto qualquer. Afirmas que o ordenamento jurídico é completo
evidente. significa negar a existência de lacunas na lei.

Ordenamento dinâmico (juspositivista): o direito constitui 1) Teoria do espaço jurídico vazio: dado um fato qualquer,
uma unidade porque as suas normas são todas postas pela ou existe uma norma que o regule ou não existe nenhuma
mesma autoridade, podendo assim, todas serem norma que o regule, sendo juridicamente irrelevante.
reconduzidas à mesma fonte originária constituída pelo
poder legitimado para criar o direito. 2) Teoria da norma geral exclusiva: não existem fatos
juridicamente irrelevantes e não existem lacunas, porque
 As fontes são hierarquicamente subordinadas e existe cada norma jurídica particular que submete a uma dada
uma única fonte de qualificação, uma única autoridade regulamentação certos atos é sempre acompanhada de uma
que atribui direta ou indiretamente caráter jurídico a segunda norma implicitamente, a qual exclui da
todo o conjunto de normas. regulamentação da norma particular todos os atos não
previstos por esta última.
Problema: quem ou o que vincula a produção de normas a
tal ato ou a tal fato?; Hans Kelsen- Teoria Geral do direito e do Estado

Norma fundamental: norma que cria a suprema fonte do Capítulo X- A ordem jurídica
direito, isto é, a que autoriza ou legitima o supremo poder
A. A unidade de uma ordem normativa
existente num dado ordenamento a produzir normas
jurídicas. Esta norma não é positivamente verificável, visto a. O fundamento de validade: a norma fundamental
que não é posta por um outro poder superior qualquer, mas
sim suposta pelo jurista para poder compreender o O fundamento para a validade de uma norma é sempre uma
ordenamento: trata-se de uma hipótese ou um postulado do norma, não um fato. A procura do fundamento de validade
qual se parte no estudo do direito. de uma norma reporta-se, não à realidade, mas a outra norma
da qual a primeira é derivável, num sentido que será
* o cidadão é obrigado a ressarcir o dano por um ato ilícito investigado posteriormente.
porque o juiz assim estabeleceu  porque foi autorizado pela
lei  que foi posta pelo parlamento  que foi autorizado Chamamos de norma “fundamental” a norma cuja validade
pela constituição  estabelecida pelo poder constituinte. não pode ser derivada de uma norma superior. Todas as
normas cuja validade podem ter sua origem remontada a
Dessa forma, considera-se o poder constituinte como uma mesma norma fundamental formam um sistema de
autorizado por uma norma fundamental. normas, uma ordem.
52. Relações entre coerência e completitude do b. O sistema estático de normas
ordenamento jurídico
As normas possuem esta qualidade porque são deriváveis de
O caráter da coerência e o da completitude estão ligados uma norma fundamental específica, do mesmo modo que o
estreitamente entre si, mesmo que tal conexão não seja particular é derivável do geral. A força de obrigatoriedade da
sempre evidente. norma fundamental é, ela própria, auto-evidente.
Carnelutti exprime a relação entre coerência e completitude c. O sistema dinâmico de normas
do ordenamento, afirmando que o direito pode apresentar
dois vícios: um por excesso, quando há mais normas do que As normas de um sistema dinâmico têm de ser criadas
deveria haver e um vício por falta, quando há uma norma a através de atos de vontade pelos indivíduos que foram
menos, no caso de lacuna. No primeiro caso, o trabalho do autorizados a criar normas por alguma norma superior. Essa
jurista consiste na purgação do ordenamento jurídico, no autorização é uma delegação.
segundo na integração do próprio ordenamento.
7° PONTO - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CARACTERES
53. A coerência do ordenamento jurídico. Os critérios DIFERENCIADORES DAS NORMAS JURÍDICAS
para eliminar as antinomias.
João Maurício Adeodato - Ética e retórica
O princípio da coerência do ordenamento jurídico consiste
Capítulo V- Positividade e Conceito de direito
em negar que nele possa haver antinomias. Tal princípio é
garantido por uma norma segundo a qual duas normas 1. A noção de direito
incompatíveis não podem ser ambas validas.
O direito é uma ordenação da conduta humana. As
54. A completitude do ordenamento jurídico. O investigações de Nicolai Hartmann mostram como todo
problema das lacunas da lei problema que o sujeito cognoscente se propõe envolve
necessariamente uma intuição sobre a constituição do
Esse princípio apresenta-se necessário para conciliar entre si
objeto problematizado.
dois outros temas juspositivista fundamentais: aquele a qual
o juiz não pode criar direito e aquele segundo o qual o juiz Problemas da fixação do conceito de direito:
não pode jamais recusar-se a resolver uma controvérsia
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1) caráter multívoco: o vocábulo direito pode denominar normativa é processada fora do sujeito; em sua acepção
um conjunto de normas jurídicas, pode estar em sentido restrita, tal critério assemelha-se à coercitividade.
subjetivo, sentido epistemológico, como sinônimo de
imposto e etc; 3) Alteridade diz respeito ao fato de o direito levar sempre
2) Complexidade do objeto direito cuja constituição em consideração a pessoa do outro, ao contrário das normas
multifacetada possibilita concepções infinitas. dotadas de identidade, as quais buscam o aperfeiçoamento
3) Falta de acordo entre os próprios juristas sobre o que se do próprio indivíduo. O direito preocupa-se com as relações
constitui. entre os sujeitos; a moral e a religião, com os sujeitos.
4) Inadequação ontológica já que o objeto jamais se 4) Coercitividade é a possibilidade que o direito tem de se
conforma plenamente às estruturas mentais com que o ser fazer valer, primeiramente por meio da incidência de uma
humano o maneja. espécie particular de sanção pelo descumprimento da norma
2. Estrutura e classificação do conceito e da definição do jurídica ou pela possibilidade de coagir o sujeito a cumpri-lo.
direito É a possibilidade da violência legítima.

Os conceitos são dotados de compreensão e extensão. A 5) Bilateralidade consiste no fato de o direito situar sempre
compreensão é a precisão dos elementos do conceito, o seu o indivíduo perante outro, estabelecendo a relação jurídica,
rigor em confronto com o objeto. A extensão refere-se ao numa união necessária de direitos e obrigações. Dois
agrupamento possível de objetos sob aquele mesmo vínculos jurídicos, em que um polo tem o dever e outro, a
conceito. faculdade de exigir sua satisfação.

 quanto maior a compreensão, mais restrita a extensão; 6. Conclusão: o direito como direito posto

Voltando à estrutura da definição, pode-se classificá-la em Três aporias básicas são reveladas pela observação do
etimológica ou nominal, semântica e real. fenômeno “direito” e das doutrinas que o erigem em seu
objeto.
 A definição etimológica procura as raízes do sentido do 1. A primeira refere-se à positividade do direito;
conceito na própria gênese de seu signo, o vocábulo; 2. A segunda diz respeito a se o direito retira seu fundamento
 A definição semântica fixa os diversos significados do de validade de uma norma ou de um fato palpável.
termo “direito”, a fim de tomar consciência do núcleo 3. Se o conceito de direito tem necessariamente de partir de
essencial que permanece em tais mutações; um único fenômeno ou se é um conceito único a partir de
 A definição real tem pretensões mais ou menos manifestações diversas, nas quais se possa eventualmente
definitivas por se referir à essência mesma do objeto detectar uma “essência universal” da juridicidade.
jurídico;
Miguel Reale – Filosofia do direito
3. Evolução histórica de perspectivas sobre o direito
Capítulo XLII- Exterioridade, Coercibilidade e
Hans Kelsen identifica o conceito de direito com o de norma Heteronomia
jurídica, sua categoria de pensamento, conferindo-lhe
Thomasius e seus objetivos jurídicos-políticos
também o caráter de objeto ontológico da epistemologia
jurídica, mas recusa a teoria imperativista de Jhering. Contra Critério da exterioridade: A ação humana é distinta por
Kant, mas tomando-o por base, sustenta o caráter hipotético Thomasius em duas fases: uma interna, que se passa na vida
do direito. Concorda com Jhering, contudo, na interior ou no plano da consciência, e outra externa, que se
preponderância do aspecto imperativo e coercitivo (norma projeta para fora, relacionando-se com outros membros da
primária) da norma jurídica. Seu trabalho concentra-se em sociedade. Quando a ação se exterioriza e provoca o enlace
aspectos gnoseológicos e afasta-se de qualquer ontologia com outros indivíduos, surge a possibilidade de verificação e
sobre a natureza do objeto jurídico. de tutela por parte da autoridade superior, incumbida de
harmonizar o agir de um com o agir dos demais.
5. Especificidade do objeto jurídico
Critério da coercibilidade: O Direito apresenta-se como
Os esforços da doutrina jurídica concentram-se na tentativa
algo de coercível, ou seja, de suscetível de execução pela força
de separar o direito das demais ordens normativas.
física. A coação sobrevém quando falha o cumprimento
1) Exterioridade da conduta humana (acentuada por espontâneo; o recurso à força é uma segunda instância, um
Aristóteles): A moral estaria no foro interno, assim como a elemento extrínseco ou exterior à regra jurídica, e não um de
religião, enquanto o direito estaria no âmbito externo. Tal seus ingredientes essenciais.
critério não basta para a separação do direito em relação aos
Teoria da autonomia e Heteronomia: Na doutrina de Kant,
meros usos sociais, como as regras de etiqueta, que também
autonomia indica a exigência suprema que existe no plano
possuem exterioridade.
moral de uma adequação ou de uma conformidade absoluta
2) Heteronomia do objeto jurídico. O direito é heterônomo entre a regra e a vontade pura do sujeito obrigado.
por serem suas normas fixadas independentemente do
Direito é heterônomo: autonomia como regras postas pelo
sujeito em questão. Sua acepção ampla, constitui-se numa
indivíduo, ou reconhecidas espontaneamente por ele; a
especificação do critério da exterioridade, já que a gênese
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heteronomia indica as circunstâncias de ser o homem São elas o objetivo e o princípio delimitador das ocupações
necessariamente obrigado a obedecer a regras postas por teóricas do jurista.
outrem, pela vontade anônima dos costumes ou a vontade
institucionalizada dos órgãos do Estado. Para Kelsen, o direito é um imenso conjunto de normas, cujo
significado sistemático cabe à ciência jurídica determinar; o
Capítulo XLIII- Análise do problema da exterioridade do jurista deve caminhar de norma em norma, até chegar a
direito última, a norma fundamental, fechando o circuito;

A exterioridade à luz da experiência jurídica  A teoria de Kelsen aplica-se o conceito de fenômeno de


positivação, num contexto dominado pelo direito posto
A respeito da interpretação dos contratos, por exemplo,
por atos humanos, que mudam pressionados pela
destacam-se duas teorias — uma subjetiva e outra objetiva.
celeridade das alterações sociais provocadas pelas
Pela teoria subjetiva, os contratos devem ser interpretados
mudanças que exigem novas disciplinas.
segundo a intenção das partes. Há a que declara que o
contrato, sendo lei entre as partes, deve ser interpretado em Jhering condiciona a norma numa relação de vontades, sendo
sua expressão objetiva, reputando-se problemática e pejada imperativo visto que manifesta o poder de uma vontade mais
de riscos a pesquisa de uma presumida intenção inicial dos forte, capaz de impor orientações de comportamento para
contratantes. vontades mais fracas.

Capítulo XLIV- Coercitividade e coercibilidade Os juristas, de modo geral, vêem a norma como proposição.
Trata-se de uma proposição que diz como deve ser o
Coação social, coação psicológica e coação jurídica
comportamento, isto é, uma proposição de dever-ser.
Quando nos referimos à teoria da coação ou da Promulgada a norma, ela passa a ter vida própria conforme o
coercitividade, deve ser entendida apenas a doutrina que sistema de normas no qual está inserida.
não compreende possa haver Direito desacompanhado de
 Normas são imperativos ou comandos de uma vontade
coação, por ser esta da essência mesma da juridicidade:
institucionalizada, apta para comandar.
norma e coação seriam ingredientes inseparáveis de todo
fenômeno jurídico. Há a possibilidade de considerar a norma como um fenômeno
complexo que envolve situações estabelecidas entre partes
Sanção e coação são duas noções distintas que estão uma
que se comunicam. Nesse caso, a norma é vista como
para a outra, de certa forma, como o gênero está para a
comunicação.
espécie.
4.1.2 Concepções dos fenômenos sociais como situações
 São múltiplas as sanções, ou seja, as medidas tendentes a
normadas, expectativas cognitivas e normativas
assegurar a execução das regras de direito, desde a
declaração de nulidade de um contrato ao protesto de A comunicação humana ocorre em dois níveis: nível
uma letra de câmbio; cometimento e o nível relato.

8º PONTO- CONCEITO E FUNÇÃO DA NORMA JURÍDICA O cometimento corresponde à mensagem que emana de nós,
na qual se determinam as relações. A seletividade é a segunda
Tércio Ferraz - Introdução ao Estudo do Direito
característica do comportamento. Contingência é a terceira.
Capítulo IV- Dogmática Analítica ou Ciência do direito
Quando nos comportamos, na troca de mensagens, está
como Teoria da Norma
presente, de parte a parte dos agentes, uma expectativa
4.1 A identificação do direito como norma mútua de comportamento. As situações comunicativas são
caracterizadas pela complexidade, ou seja, um número de
A dogmática prepara a decisão, cria condições razoáveis de possibilidades de ação maior que o as possibilidades
tal modo que ela não apareça como puro arbítrio, mas atualizáveis. A possibilidade da desilusão mostra-nos que a
decorra de argumentos plausíveis. Aplica-se o direito por um interação humana é sempre contingente, podendo ocorrer ou
procedimento, à realidade social. não.
4.1.1 Conceito de norma: uma abordagem preliminar  Expectativas duráveis são obtidas pelo desenvolvimento
de dois mecanismos estruturais: atitudes cognitivas e
Em sua obra Teoria Pura do Direito, Kelsen afirma que os
normativas.
comportamentos humanos só são conhecidos mediatamente
pelo cientista do direito, isto é, quando regulados por Atitudes cognitivas são atitudes adaptativas manifestadas
normas. Os comportamentos humanos são fenômenos em regras igualmente adaptativas. Exemplo: leis cientificas.
empíricos dotados de significado subjetivo e objetivo, por
exemplo: levantar a mão em uma assembleia. Atitudes normativas são expectativas cuja durabilidade é
garantida por uma generalização não adaptativa, ou seja,
As normas também podem manifestar objetividade admitem-se as desilusões como um fato, mas estas são
relativa, uma vez o que é norma para um pode não ser para consideradas irrelevantes para à expectativa generalizada.
o outro. O significado geral é obtido por normas jurídicas. As expectativas normativas se manifestam através de
Kamilly Ayane - M1 2021.2
normas. Elas não referem regularidades do comportamento, O direito, como conjunto de normas, adquire o acabamento
mas prescrevem sua normatividade. racional de um programa formal de ação: se está na
constituição ou foi estabelecido por lei, é um conjunto
 A diferença entre uma lei cientifica e uma jurídica estaria jurídico.
em que a primeira descreve a normalidade, e a segunda
prescreve a normalidade do comportamento.  As mensagens ocorrem em dois níveis: o da relação ou
cometimento e o do conteúdo ou relato.
As estruturas sociais são constituídas por uma combinatória
de expectativas cognitivas e normativas, de modo a conferir O cometimento normativo expressa-se verbalmente por
durabilidade às relações sociais dinamicamente em meio de operadores linguísticos. O relato normativo é
transformação. Para conferir durabilidade, em caso de constituído por descrições de ações, de suas condições e suas
conflito entre elas, deve-se reconhecer que, em última consequências.
instancia, o comportamento se estabiliza
preponderantemente pelas normativas. Vamos entender por ação a interferência do homem no curso
da natureza. A interferência positiva chama-se ato, a
A dogmática analítica dá preferência à compreensão do negativa chama-se omissão.
comportamento em termos normativos, estabelecendo
relações de imputação: dada a conduta x, imputa-se a ela a A expressão norma jurídica para a zetética é tomada como
consequência. algo que seja comum a uma classe de normas postas em
vários âmbitos (o direito brasileiro, português). Para a
4.1.2 Caráter jurídico das normas: instituições e núcleos dogmática, o problema está em identificar norma jurídica
significativos dentro de um âmbito que jurista recebe como um dado.

As estruturas sociais, em gral, manifestam mis normas que a 4.2.1 Conceito dogmático de norma jurídica
sociedade pode suportar. A expectativa normativa de A pode
contrapor-se a expectativa normativa de B. Surgem, assim, Norma jurídica é uma espécie de imperativo
conflitos das projeções normativas que resultam da despsicologizado, um comando no qual não se identifica o
superprodução de normas. comandante nem o comandado, pois a figura do legislador
parece perder sua importância depois de posta a norma e os
O princípio da inegabilidade dos pontos de partida exige destinatários da norma não se identificam, posto que as
a postulação de normas preponderantes que, em caso de normas jurídicas são comandos genéricos e universais.
conflitos, devem prevalecer. A teoria dogmática pressupõe
que essas normas são as jurídicas. Então, como identifica-las?  Um imperativo despsicologizado significa que a norma
não se identifica com comandos linguísticos na forma
 Pufendorf: distinguia as normas jurídicas (direito imperativa, mas com formulas gerais.
natural) das normas morais por se referirem as
primeiras ao sentido e a finalidade das ações desta vida, Quando se fala em atos jurídicos, entende a dogmática tratar-
enquanto as segundas eram referentes às ações da outra se da interferência voluntaria no curso da natureza. Fala-se
vida, tomando a distinção das ações internas e externas. assim, em atos lícitos e ilícitos.

Nesse sentido, o caráter da juriscidade das normas está no Kelsen atribui à sanção uma função primordial: ela que
grau de institucionalização da relação entre o emissor e o caracteriza o preceito normativo. O comportamento é
receptor da mensagem normativa. prescrito à medida que se lhe atribui a sanção. O objeto
imediato é a sanção que se lhe imputa.
 O emissor se põe como autoridade perante o receptor,
que se enquadra como sujeito. A relação (cometimento)  Kelsen distingue normas autônomas e normas
que caracteriza qualquer norma é a relação autoridade/ dependentes: a primeira prescreve sanções, as segundas
sujeito. apenas estabelecem comportamentos.

A suposição bem-sucedida da confirmação de terceiros As normas de competência têm uma sanção: a nulidade.
significa que a autoridade está institucionalizada. A Muitas normas prescrevem comportamentos sob a pena de
institucionalização do emissor da norma em seu mais alto nulidade.
grau numa sociedade dada nos permite dizer que estamos Por fim, a tese de que a sanção é um elemento necessário da
diante de uma norma jurídica. norma pressupõe que a ordem jurídica seja uma ordem
4.1.4 Norma jurídica: um fenômeno complexo coativa, e isso implica uma noção restritiva de sanção, típica
das concepções do direito do século XIX, de fundo liberal. O
Falamos de expectativas contrafáticas que se expressam por estado contemporâneo, caracterizado por sua extensiva
meio de proposições de dever-ser, estabelecendo-se entre os intervenção no domínio econômico tornou a tese da
comunicadores sociais relações complementares essencialidade da sanção, no sentido de um ato de coação
institucionalizadas em alto grau, cujos conteúdos tem sentido enquanto um mal, demasiadamente estreita.
generalizável, conforma núcleos significativos mais ou
menos abstratos.  Normas jurídicas as coercitivas, não
necessariamente coativas.
Kamilly Ayane - M1 2021.2
A coercibilidade seria uma característica que diz respeito à sentido de que “se tais e tais condições forem satisfeitas,
suscetibilidade de aplicação da coação. A coercibilidade tem então deve-se proceder a tal e tal sanção”.
antes a ver com a relação de autoridade institucionalizada.
 As normas jurídicas decretadas pelas autoridades
A dogmática analítica contemporânea tende a excluir a legislativas são prescritas; as regras de Direito
sanção como elemento necessário da estrutura da norma. formuladas pela ciência jurídica são descritivas.

A noção de generalidade da norma não é clara: pois uma b. Regra de Direito e lei da natureza
norma pode ser geral ou porque prescreve conduta genérica,
A regra de Direito é um julgamento hipotético vinculando
ou porque se dirige indiscriminadamente a todos.
certas conseqüências a certas condições. A ciência da
Direito vinculante, coercivo, no sentido de institucionalizado, natureza descreve seu objeto em sentenças que têm o caráter
bilateral, que estatui uma hipótese normativa a qual imputa de julgamentos hipotéticos. E, como a regra de Direito, a lei
uma consequência jurídica e que funciona como critério para da natureza também relaciona dois fatos entre si como
tomada de decisão. condição e consequência.

4.2.2 Tipos de normas jurídicas  A diferença entre a regra de Direito e a lei da natureza
parece ser a de que a primeira se refere a coisas e suas
Quanto aos critérios sintáticos, podemos classificar as reações. A conduta humana, contudo, também pode ser
normas pela relevância, pela subordinação e pela estrutura. tema de leis naturais, na medida em que o
comportamento humano também pertence à natureza.
Relevância: normas primárias e secundárias. As primarias
tem por objeto a própria ação, as secundarias tem por objeto A diferença entre a regra de Direito e a lei da natureza parece
outra norma. ser a de que a primeira se refere a coisas e suas reações. A
conduta humana, contudo, também pode ser tema de leis
Subordinação: normas-origem  são as primeiras de uma naturais, na medida em que o comportamento humano
série. Normas-derivadas  as demais normas da série, que também pertence à natureza.
remontam à originária. Sua importância encontra-se na
resolução de problemas resultantes do conflito de normas, ao c. A norma jurídica como padrão de avaliação
podermos verificar que estão em posições hierárquicas
diferentes. A norma jurídica pode ser aplicada, não apenas no sentido de
ser executada pelo órgão ou obedecida pelo sujeito, mas
Estrutura: autônomas  tem por si um sentido completo. também no sentido de formar a base de um julgamento
Dependentes exigem a combinação com outras. específico de valor qualificando a conduta do órgão ou do
sujeito como lícita (legal, certa) ou ilícita (ilegal, errada.
Critério semântico: âmbito de validade das normas. Esse
âmbito reporta-se aos destinatários, à matéria, ao espaço e ao Os predicados de valor envolvidos nos julgamentos que
tempo. declaram certa conduta lícita ou ilícita serão designados aqui
como “valores de Direito”, ao passo que aqueles envolvidos
 Pelos destinatários: gerais e individuas. Uma norma nos julgamentos quanto à justiça ou injustiça de uma ordem
constitucional seria uma norma geral enquanto uma jurídica serão chamados “valores de justiça”.
sentença seria uma norma individual. Entretanto, uma
lei que discipline a conduta de uma entidade  As normas efetivamente usadas como padrões de justiça
individualizada, cria um privilégio. variam, como assinalamos, de indivíduo para indivíduo,
 A matéria da norma como critério semântico de e são, muitas vezes, mutuamente irreconciliáveis.
classificação corresponde à facti specie.
9° PONTO - COERCITIVIDADE E SANÇÃO DA NORMA
 Espaço: limite espacial de incidência da norma.
JURÍDICA
 Tempo: as normas vigem indefinitivamente a partir de
certo momento e outras tem prazo. Assim, fala-se de Miguel Reale- Lições preliminares do direito
validade permanente e provisória.
Capítulo V- Direito e Moral
Hans Kelsen- Teoria Geral do Direito
Teoria do mínimo ético: consiste em dizer que o Direito
Capítulo I- O conceito de direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório
para que a sociedade possa sobreviver.
D. A norma jurídica
Direito e coação
a. Norma jurídica e regra de direito num sentido
descritivo O cumprimento obrigatório da sentença satisfaz ao mundo
jurídico, mas continua alheio ao campo propriamente moral
As normas que formam uma ordem jurídica devem ser
 a Moral é incoercível e o Direito é coercível.
normas que estipulam um ato coercitivo, uma sanção. A
tarefa da ciência do Direito é descrever o Direito de uma O que distingue o Direito da Moral, portanto, é a
comunidade, o material produzido pela autoridade jurídica coercibilidade. Coercibilidade é uma expressão técnica que
no procedimento legislativo, na forma de enunciados no
Kamilly Ayane - M1 2021.2
serve para mostrar a plena compatibilidade que existe entre  Da proporção estabelecida deve resultar a atribuição
o Direito e a força. garantida de uma pretensão ou ação;

Posições diferentes em face da relação entre o Direito e a Capítulo VII sanção e coação - A organização da sanção e
força: o papel do Estado

 Teoria imbuída de eticismo absoluto, que sustenta Acepções da palavra ´´Coação´´


que o Direito nada tem a ver com a força.
 Há a teoria que vê no Direito uma efetiva expressão da  A Moral se distingue do Direito por vários elementos,
força. Para Jhering, o Direito se reduz a "norma + sendo um deles a coercibilidade.  coercibilidade:
coação", no que era seguido, com entusiasmo, por Tobias possibilidade lógica da interferência da força no
Barreto, ao defini-lo como "a organização da força". Ficou cumprimento de uma regra de direito.
famoso o seu temerário confronto do direito à "bucha do canhão", o que  O ato moral exige espontaneidade por parte do agente,
se deve atribuir aos ímpetos polêmicos que arrebatavam aquele grande sendo inconciliável com a coação.
espírito. Poderíamos definir o Direito como sendo a
ordenação coercitiva da conduta humana. Coação é um termo técnico, empregado pelos juristas, em
Críticas: há o cumprimento espontâneo do direito. duas acepções bastante diferentes:

A teoria da coercibilidade, segundo a qual o Direito é a 1. Coação significa apenas a violência física ou psíquica,
ordenação coercível da conduta humana. que pode ser feita contra uma pessoa ou um grupo de
pessoas. Nesta acepção genérica, a palavra coação é sinônimo
Para uns, a força está sempre presente no mundo jurídico, é de violência praticada contra alguém. Entre os casos de
imanente a ele, inseparável dele. Para outros, a coação no anulabilidade dos atos jurídicos, está a eventualidade de
Direito não é efetiva, mas potencial, representando como que violência ou de coação. O ato jurídico, praticado sob coação, é
uma segunda linha de garantia da execução da norma. anulável,
Direito e heteronomia Os atos jurídicos podem ser divididos em duas, ou então três
categorias:
Podemos criticar as leis, das quais dissentimos, mas devemos
agir de conformidade com elas, mesmo sem lhes dar a adesão  Atos inexistentes são aqueles que não chegam a se
de nosso espírito. Isto significa que elas valem objetivamente. completar, ou a se aperfeiçoar, nem mesmo do ponto de
vista formal ou extrínseco; são atos que abortaram antes
Essa validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas,
de chegar ao seu termo.
as quais se põem, acima das pretensões dos sujeitos de uma
 Os atos nulos de pleno direito revestem-se de todos os
relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível
requisitos formais, mas padecem de um vício substancial
ao querer dos destinatários, é o que se denomina
irreparável, que não só os impede de produzir efeitos
heteronomia.
válidos como também de ser convalidados por atos
 Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz essa nota posteriores.
diferenciadora, afirmando ser a Moral autônoma, e o
2. Não é o contraposto do Direito, mas é, ao contrário, o
Direito heterônomo.
próprio Direito enquanto se arma da força para garantir o
Bilateralidade atributiva seu cumprimento. A astúcia do Direito consiste em valer-se
do veneno da força para impedir que ela triunfe.
Depois de verem o Direito como coação efetiva, passaram a
apreciá-lo como possibilidade de coação, mas nunca Conceito de sanção
abandonaram o elemento coercitivo. Este permaneceu como
Não existe regra que não implique certa obediência, respeito.
critério último na determinação do Direito.
Sanção é todo e qualquer processo de garantia daquilo que se
 O Direito implica uma relação entre duas ou mais determina em uma regra.
pessoas, segundo certa ordem objetiva de exigibilidade.
As regras morais são cumpridas por motivação espontânea.
Há bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se Mas, quando as deixamos de cumprir, a desobediência
relacionam segundo uma proporção objetiva que as autoriza provoca determinadas conseqüências, que valem como
a pretender ou a fazer garantidamente algo. Quando um fato sanção. Em primeiro lugar, temos o remorso, o
social apresenta esse tipo de relacionamento dizemos que ele arrependimento, o amargo exame de consciência (foro
é jurídico. Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção íntimo). A sanção de natureza social tem força bem maior do
intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação que se supõe, também. Essas formas de sanção das regras
ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, morais não estão organizadas. De certa maneira, acham-se
garantidamente, algo. difusas no espaço social.

 O fenômeno jurídico representa uma forma de


 Só há direito numa relação que una duas ou mais
organização da sanção.
pessoas;
 Para que haja Direito é indispensável que a relação entre Na passagem da sanção difusa para a sanção
os sujeitos seja objetiva; predeterminadamente organizada, poderíamos ver a
Kamilly Ayane - M1 2021.2
passagem paulatina do mundo ético em geral para o mundo os direitos de cada um pressupõem iguais direitos dos
jurídico. demais, assegurando-se cada vez mais a plena realização
desse ideal ético.
 A sanção, portanto, é gênero de que a sanção jurídica é
espécie.

Alguns autores pretendem estabelecer um tipo de Moral sem


sanção, mas todas essas tentativas têm falhado,
reconhecendo-se, em geral, que a estrutura mesma de uma
regra, qualquer que seja o seu objetivo, já implica esta ou
aquela forma de sanção como um de seus elementos
constitutivos.

 Matar alguém é um ato que fere tanto um mandamento


ético-religioso como um dispositivo penal. A diferença
está em que, no plano jurídico, a sociedade se organiza
contra o homicida, através do aparelhamento policial e
do Poder Judiciário.

Ao lado das sanções penais, temos as sanções premiais que


oferecem um benefício ao destinatário, como, por exemplo,
um desconto ao contribuinte que paga o tributo antes da data
do vencimento.

O Estado como ordenação objetiva e unitária da sanção

O Estado é a organização da Nação em uma unidade de poder,


a fim de que a aplicação das sanções se verifique segundo
uma proporção objetiva e transpessoal. Para tal fim, ele
detém o monopólio da coação no que se refere à distribuição
da justiça. É por isto que alguns constitucionalistas definem
o Estado como a instituição detentora da coação
incondicionada.

 O Estado, como ordenação do poder, disciplina as formas


e os processos de execução coercitiva do Direito.

Coação pode ser a própria prisão, ou seja, a perda de


liberdade infligida ao infrator de uma lei penal. Coação pode
ser a perda da própria vida.

Estado é a entidade detentora por excelência da sanção


organizada e garantida, muito embora não faltem outros
entes, na órbita internacional, que aplicam sanções com
maior ou menor êxito, como é o caso da ONU.

As ordenações jurídicas não estatais

O Estado é o detentor da coação em última instância. Mas, na


realidade, existe Direito também em outros grupos, em
outras instituições. Existe, por exemplo, um Direito no seio
da Igreja.

 O Estado caracteriza-se por ser a instituição, cuja sanção


possui caráter de universalidade.

O Estado é, ao mesmo tempo e complementarmente, um


meio e um fim. É um meio na medida em que sua estrutura e
sua força originam-se historicamente, através de mil
vicissitudes, para possibilitar aos indivíduos uma vida
condigna no seio de uma comunidade fundada nos valores da
paz e do desenvolvimento. Por outro lado, o Estado se põe
como fim, enquanto representa, uma ordem jurídica e uma
ordem econômica, cujos valores devem ser respeitados por
todos como condição de coexistência social harmônica, onde
Kamilly Ayane - M1 2021.2
2ª UNIDADE acontecimento como exatamente igual a outro,
tampouco um objeto real.
10° PONTO: PERSPECTIVAS DOGMÁTICA E NÃO-
 Na experiência mental, o mundo das ideias não é
DOGMÁTICA (DIREITO E MODERNIDADE)
individualizado, seus componentes são gerais, mas sua
João Maurício Adeodato - Ética e retórica percepção pelo ser humano é só aquela, não se repete. Ou
seja: a experiência mental pode se dirigir a objetos
Capítulo IX- Do Positivismo da Modernidade à Crise de gerais, ideais, mas é sempre única, porque o próprio ser
Legitimação da Pós Modernidade (Pressupostos e humano é parte do mundo real e todo o real é único.
diferenças de um direito dogmaticamente organizado)  É a irracionalidade do individual de Hartmann
utilizada para explicar a inadequação entre a ideia e a
1. Objetivos e colocação metodológica
realidade e explicar o problema hermenêutico na decisão
Tomam-se aqui duas direções quanto aos pressupostos e aplicação do direito.
filosóficos, tentando controlar a ambiguidade e a vagueza,
Ideia: compreende-se o estímulo que se completa no sujeito
quando se fala de um conceito de direito: redução do
no ambiente de seu defrontar-se com os eventos, pois o ser
abismo gnoseológico (problema do conhecimento:
humano é experiência, existe no mundo real. A ideia é o
incompatibilidade recíproca entre ideia, fato e linguagem) e
resultado de um processo que tenta abstrair os aspectos
do abismo axiológico (problema da avaliação:
particulares dos eventos e detectar neles algo em comum,
incompatibilidade entre as avaliações).
que permita reuni-los em “classes”, em “setores” ou coisa que
 Este texto parte dessa colocação metodológica: o direito o valha, em suma, classificá-los.
é uma forma de organização inerente às sociedades
 Mesmo que a ideia seja sempre dotada de generalidade,
humanas (ubi societas ibi jus);
ela ainda é única em relação ao sujeito que a produz, pois
 Mantém-se aqui a tese de que é o direito um dos fatores
cada um seleciona certos significados e informações em
fundamentais para transformação de mero agrupamento
detrimento de outros, dentre os diversos que o evento
de seres humanos em uma sociedade, de que o termo
apresenta.
expressa uma forma de comunicação social que organiza
 As ideias são apenas parcialmente comuns, e a expressão
minimamente os contornos indispensáveis à
“pensamento” tem sido utilizada tanto para designar os
constituição de uma sociedade.
objetos ideais (a suposta essência mental da cadeira é um
 Mesmo havendo sociedade sem direito, não se afirma a
“pensamento”) quanto a percepção que cada ser humano
possibilidade de direito sem “sociedade”.
tem deles.
Uma teoria do direito precisa enfrentar, portanto, o abismo  O termo “conceito” é também ambiguamente
gnoseológico, que dificulta o conhecimento do mundo, e o empregado, a depender do filósofo, em três sentidos
abismo axiológico, que dificulta a avaliação do mundo. básicos: o que aqui se denomina a própria “ideia”, o que
está “por trás” da expressão linguística, o significado; ou
2. Primeiro pressuposto filosófico: o abismo essa mesma expressão linguística da ideia, o
gnoseológico e as imprecisões necessárias significante.
Pode-se explicar o que aqui se compreende por abismo Expressão simbólica: comunica (significa) a ideia,
gnoseológico como as incompatibilidades recíprocas reintroduzindo-a no mundo real, sempre de maneira
entre três elementos obtidos analiticamente a partir da incompleta e ainda mais generalizada do que a ideia original,
observação: pois esta é exclusiva em relação ao sujeito. Por isso tampouco
a) evento real; são inteiramente adequadas as ideias e as comunicações
b) ideia (ou “conceito”, “pensamento”); dessas ideias.
c) expressão linguística (ou “simbólica”);  Kant: como é possível que haja uma correspondência
São três unidades componentes das relações humanas com o entre fenômenos cerebrais, como cálculos matemáticos,
mundo real, dentro do qual está o direito, as quais não podem e o mundo real. Daí Hartmann ter deduzido que a esfera
ser reduzidas uma à outra. real se apoia na esfera ideal e obedece a suas
determinações, para usar seu jargão, por isso é possível
Evento real: ‘’acontecimento” ou “objeto” único e irrepetível calcular — ainda que não exatamente — trajetórias de
que, aparentemente de maneira independente do ser planetas na astronomia e resistência de materiais na
humano, coloca-se presente em sua experiência e engenharia.
simultaneamente em sua linguagem. Esta experiência é  A expressão linguística parece estar ainda mais distante
sensível, percebida pelos órgãos dos sentidos (visão, audição, da realidade individualizada, pois que busca representar
olfato, paladar, tato e outros que haja), mas também e comunicar a ideia, em outro nível de abstração.
intelectual, captada pela mente (pensamento, vontade,
julgamento). 3. Predicadores e indicadores linguísticos: vagueza,
ambiguidade e historicidade (porosidade)
 Na experiência sensível, é óbvio o caráter único do
mundo real: o ser humano nunca percebe um
Kamilly Ayane - M1 2021.2
 Predicadores (descrevem classes de objetos) e O abismo axiológico reflete-se também na dicotomia entre
indicadores (as denominações específicas de cada jusnaturalismo e juspositivismo colocada no alvorecer da
coisa); modernidade.

Predicadores: designam um conjunto de objetos que  A questão atual da universalidade dos chamados direitos
supostamente apresentam algo em comum, são as humanos é ilustrativa a respeito;
expressões linguísticas do objeto ideal, imagem, a abstração
dos elementos individualizadores dos objetos e sua inserção De um lado, pode-se afirmar a existência de direito ou
em um grupo ou gênero. Gramaticalmente podem ser direitos em si mesmos válidos, fora do sistema positivo,
substantivos (“computador”), adjetivos (“rápido”), verbos direitos que seriam inerentes à própria condição humana;
(“mover”) etc. essa ideologia encontra problemas ao se defrontar com a
grande diversidade cultural que vem caracterizando as
 O problema da passagem do abstrato ao concreto é uma comunidades humanas segundo seu desenvolvimento
consequência do abismo gnoseológico e traz a histórico no tempo e no espaço;
necessidade dos termos indicadores;
Do outro lado, ao afirmar a total subordinação das normas
Indicadores: se apresentam na gramática como pronomes jurídicas às contingências históricas e à luta pelo poder, a
pessoais, pronomes demonstrativos, advérbios de tempo e ideologia positivista vê-se diante do problema de admitir
lugar etc. Eles reduzem a complexidade individualizando o como jurídico todo e qualquer conteúdo normativo, tal como
objeto, sem a alta especificidade e a baixa maleabilidade dos negar direito à vida a segmentos humanos e assemelhados;
nomes próprios
O método weberiano imuniza contra a ingenuidade da
A comunicação torna-se mais complicada quando os concepção ontológica, “realista”, da língua e ajuda a reduzir
significados estão mais próximos (multívocos), causando pretensões de verdade e a enfrentar com mais segurança o
uma imprecisão de sentido que varia em larga escala diante abismo gnoseológico;
do caso concreto;
 É daí que, embora não seja possível encontrar uma
 Uma palavra será tanto mais vaga quanto mais sejam os sociedade completamente legitimada pela via legal-
objetos, quanto mais extensa seja a classe ou gênero sob racional weberiana, pode-se dizer que quanto mais
sua incidência; institucionalizada a legalidade, mais racional o
procedimento legitimador;
A ambiguidade refere-se a dúvidas sobre o significado do
termo linguístico, ou seja, é um problema de conotação, Procura-se privilegiar aqui uma sociologia compreensiva de
intensão, conteúdo, significação (ex: manga); perspectiva etnometodológica. Etnometodologia
entendida como uma perspectiva da sociologia do
Porosidade de um termo diz respeito às modificações em conhecimento a qual se interessa pelas obviedades que, por
seu uso cotidiano, as quais se dão no decorrer do tempo, isso mesmo, passam despercebidas, aquelas significações e
modificando suas próprias ambiguidade e vagueza (ex: pontos de acordo localizados que ficam subentendidos no
rapariga); relacionamento social.
4. Segundo pressuposto filosófico: o abismo axiológico e  Segundo essa perspectiva, a realidade deve ser
as imprecisões contingentes entendida sobretudo como realidade empírica, aquela
O abismo axiológico do conhecimento jurídico, normativo, que se dá no “mundo exterior” e é apreendida pelos
está sempre presente, mas é aqui chamado contingente por órgãos dos sentidos e demais portas da percepção.
assumir infinitas formas e não se prestar a ser isolado em O direito moderno parece ser o mais eficiente para a
elementos, diferentemente do abismo gnoseológico. sociedade que o produz, apenas isso, esta mesma sociedade
 Como diz respeito a expectativas de conduta e prescreve que perspectivas jusnaturalistas não conseguem explicar
comportamentos futuros, o problema axiológico é satisfatoriamente. Quando utilizada a expressão
imprevisível, irredutivelmente contingente. “modernidade”, então, não há qualquer conotação elogiosa
 Nas origens históricas da cultura ocidental, no que ou pejorativa;
concerne ao direito, o abismo axiológico tem sido 5. Pressupostos semânticos para um conceito
enfrentado com a noção de legitimidade; instrumental de modernidade
 Só na modernidade a prática e a teoria do direito passam
a reconhecer e afirmar a autodeterminação do direito Relacionando o conceito ao objeto que ele pretende designar,
positivo, evitando como extrajurídico o problema da assumem-se aqui dois pontos de partida para tentar definir a
legitimidade. modernidade:

O direito passa a ser identificado com aquilo que é produzido 1) o conceito de modernidade é qualitativo, relativo a um
de acordo com as regras do sistema, por autoridade estado inusitado que o direito apresenta como forma de
declarada competente para tanto e seguindo rito de organização social.
elaboração específico;
Kamilly Ayane - M1 2021.2
 Para ser “moderna”, não é suficiente uma sociedade Para tanto, surge a necessidade de um centro produtor de
pertencer aos séculos XIX, XX ou XXI; ela precisa normas: O Estado.
apresentar certas características específicas em sua
A teoria dogmática do direito ou teoria do direito dogmático,
estrutura organizacional.
que inclui uma hierarquização das fontes do direito, com o
 O direito dogmático é moderno, mas nem todo direito
privilégio das fontes estatais, a lei e a jurisprudência, e uma
contemporâneo é dogmático.
pretensão de monopólio da jurisdição  concepção de
2) o conceito de modernidade não é escatológico. mundo que subjaz a essas filosofia e teoria do direito é o
positivismo jurídico estatalista;
 Não se entende aqui que os parâmetros de organização
do direito definidos como modernos constituem um Uma sociedade só estará potencialmente apta a dogmatizar
caminho pelo qual evoluirão todos os povos e a seu direito se houver uma relativa emancipação do sistema
“sociedade mundial”. jurídico em relação às demais ordens normativas e aos
 Muitos dos sistemas jurídicos alopoiéticos demais subsistemas sociais, tais como a técnica, a religião, a
contemporâneos apresentam outras formas também moral, a etiqueta e os usos sociais, a magia, a posse de bens e
altamente complexas e estáveis, estrategicamente bem- riquezas, a amizade;
sucedidas, de positivação do direito.
 Uma sociedade fundamentalista, por mais indiferenciados que
Mais procedente parece conceber a história da humanidade estejam seus subsistemas religioso, moral, jurídico, é
autopoiética uma vez que se constitui a partir da evolução de
conforme ilustrada pelo mito grego de Sísifo.
um sentido consciente para um sentido comunicativo, pois se a
Por que estudar a modernidade jurídica: consciência é a base da autopoiese dos sistemas psíquicos, a
comunicação é a base da autopoiese dos subsistemas sociais;
a) os Estados que dogmatizaram seu direito parecem deter a
Uma sociedade como a brasileira, por seu turno, é autopoiética em
supremacia militar, ideológica e política do mundo atual;
relação ao ambiente circundante, “natural”, mas seu direito também
 A dogmatização do direito constituiu-se instrumento sofre distúrbios alopoiéticos, ou corrupção de códigos quando, por
exemplo, o subsistema econômico interfere no jurídico, colocando
importante para a eficiência do padrão europeu;
apenas pobres na prisão.
b) um número de Estados muito maior do que aqueles que
Tal fechamento operacional implique um isolamento do
realmente modernizaram seu direito apresentam-se como se
direito autopoieticamente organizado em relação aos
de fato o tivessem dogmatizado;
subsistemas morais ou religiosos ou outros circundantes,
 Um número de Estados muito maior do que aqueles que mas sim que os critérios para admissão das influências
realmente modernizaram seu direito apresentam-se desses outros subsistemas sociais são fixados pelo próprio
como se de fato o tivessem dogmatizado; direito positivo, mediante seus procedimentos de
 A mera aparência de dogmatização e sua adoção como modificação e adaptação, tais como novas legislações,
discurso parecem ser funcionais política e juridicamente. jurisdição constitucional e concretizações jurisprudenciais
em geral.
c) a globalização vem tendo como uma de suas vias a
imposição desses padrões de modernização jurídica a todos Acoplamento estrutural: Quando essa interação acontece
os Estados participantes, restando a marginalização da sem que haja a corrupção de códigos e a adaptação é
comunidade internacional àqueles que não o fizerem; funcionalmente bem-sucedida;

 O direito dogmático passa a ser um elemento importante  O acoplamento estrutural viabiliza a abertura cognitiva
de inclusão/exclusão no mundo globalizado, no padrão do sistema jurídico, mantendo-o permeável, sensível às
de aferição do grau de civilização de uma sociedade; influências de novas perspectivas religiosas ou morais;

A modernização dogmática do direito exige pré-requisitos de Fechamento normativo: permeabilidade efetivada segundo
toda ordem, como se procura analisar aqui. Este é um critérios e procedimentos controlados pelas próprias regras
problema para a “constelação pós-nacional” 28 e também um internas do sistema jurídico, tornando necessária uma
impasse, inclusive ético, para sociedades periféricas como a interiorização das novas perspectivas morais;
brasileira;
7. Diferenças de um direito dogmaticamente organizado
6. Pressupostos sociológicos para dogmatização do
direito na modernidade O direito dogmaticamente organizado apresenta as mais
diferentes facetas e seu alto grau de diversidade não permite
Não é correto dizer que uma sociedade que apresente tais falar de uma evolução homogênea em qualquer direção.
pressupostos necessariamente modernizará o seu direito,
mas sim que terá tal possibilidade; e que, sem sua realização Inobstante, entre suas inúmeras características, cinco serão
agora destacadas:
prévia, o direito não poderá modernizar-se.

Inicialmente, a organização dogmática do direito pressupõe  Fixar textos normativos;


uma estrutura piramidal, as normas superiores  Dizer o que significam os termos que os compõem;
fundamentando as inferiores;  Argumentação com referências a eles;
Kamilly Ayane - M1 2021.2
 Decisão com base neles; outrora eficiente positivismo dogmático não apresenta
 Fundamentá-los; solução.

O direito dogmático é uma das formas que pode assumir o De toda forma, a dogmática, como procedimento jurídico de
direito positivo; direito dogmático é o direito posto pelo solução de conflitos, o positivismo, como perspectiva teórica
Estado moderno segundo tais e tais características. Mas o e filosófica, e a democracia, como regime político, parecem
direito pode ser posto por outras instâncias não estatais, estar umbilicalmente ligados na organização e compreensão
pode ser atual ou histórico, em suma, exibir múltiplas e do direito na modernidade, sem esquecer as formas pré-
diferentes características. modernas existentes hoje;

1) obrigatoriedade de estabelecer textos normativos, fixar 11° PONTO: CONCEITO DE ORDENAMENTO JURÍDICO
previamente os pontos de partida para as regras do jogo. Bobbio – O positivismo jurídico
 Daí a expressão dogmática jurídica, pois são Capítulo V- A teoria do ordenamento jurídico
precisamente esses textos os dogmas que procuram fixar
os limites que não devem ser explicitamente negados; 50. teoria do ordenamento jurídico como contribuição
 Nos sistemas jurídicos democráticos, tal função ficaria original do positivismo jurídico à teoria geral do direito
sobretudo a cargo do Poder Legislativo e, cada vez mais
Considera-se importante a teoria do ordenamento jurídico
no mundo moderno, mais ainda nos países
para efeito da caracterização do positivismo jurídico, pois
subdesenvolvidos, a cargo do Poder Executivo;
através dela chega-se ao coração dessa corrente jurídica.
2) a obrigatoriedade de dizer o que o texto da norma significa Antes do seu desenvolvimento faltava no pensamento
efetivamente, pois ele não é “portador” da norma, mas sim jurídico o estudo do direito considerado como entidade
um meio para interpretações diversas e concorrentes entre unitária constituída pelo conjunto sistemático de todas as
si; normas.

 Toda decisão diante do caso concreto provém de  A teoria do ordenamento jurídico encontra a sua mais
determinada interpretação; coerente expressão no pensamento de Kelsen;
 Muitas vezes os próprios juízes e demais agentes  Ela surge no fim do século XVIII, da exigência de dar
jurídico-dogmáticos são limitados intelectualmente para unidade a um conjunto de normas jurídicas
essa difícil tarefa concretizadora e prendem-se a um fragmentárias, que constituíam um risco permanente de
formalismo silogístico; incerteza e de arbítrio;

3) obrigatoriedade de só argumentar tomando por base e A teoria se baseia em três caracteres fundamentais: unidade,
alegando expressamente esses textos normativos pré- coerência e completitude;
fixados.
51. A unidade do ordenamento jurídico. A teoria
 Independência da verdade jurídica em relação à Kelsiana da norma fundamental
realidade;“o que não está nos autos não está no mundo”.
1) Unidade: poder-se-ia objetar que os jusnaturalistas
4) constrangimento a decidir todo e qualquer conflito pensam no direito como um sistema unitário de normas.
considerado juridicamente relevante pelo sistema, a também Porém a teoria do ordenamento jurídico é própria do
chamada proibição do non liquet; juspositivismo. Para os primeiros, a unidade se trata de uma
unidade substancial ou material, para o segundo, trata-se de
 O juiz moderno não deve poder dizer jus non liquet (“o uma unidade formal, relativa ao modo pelo qual as normas
direito não está claro”), não está entre suas são postas.
possibilidades dizer “não sei”.
 Uma das diferenças básicas entre os textos dogmáticos e Teoria da norma fundamental: poder-se-ia, assim, fechar o
os demais é precisamente essa necessidade de decidir sistema e assegurar a unidade formal do ordenamento; esta
todo e qualquer problema juridicamente relevante. norma-base não é positivamente verificável, vista que não é
posta por um poder superior qualquer, mas sim suposta pelo
5) o ordenamento jurídico-dogmático precisa fundamentar jurista para poder compreender o ordenamento: hipótese ou
suas decisões; um postulado ou um pressuposto do qual se parte no estudo
do direito.
 A obediência a normas inferiores fundamenta-se
progressivamente nas superiores, mas há situações- 52. Relações entre coerência e completude do
limite nas quais o sistema precisa explicitar mais ordenamento jurídico
crucialmente fundamentos axiológicos para suas
decisões Carnelutti exprime a relação existente entre coerência e
 O desafio da pós-modernidade, nos Estados completude afirmando que o direito pode apresentar dois
democráticos de direito, consiste justamente em fixar vícios: um por excesso (mais normas do que deveria haver)
limites ao poder constituinte originário. Para isso, o um por falta (lacunas); no primeiro caso, exige-se a purgação
do ordenamento, e no segundo, consiste na integração do
próprio ordenamento;
Kamilly Ayane - M1 2021.2
53. A coerência do ordenamento jurídico. Os critérios 54. A completitude do ordenamento jurídico. O
para eliminar as antinomias problema das lacunas da lei

O princípio sustentado pelo positivismo (coerência do A característica da completude é estreitamente ligada ao


ordenamento) consiste em negar que nele possa haver princípio da certeza do direito, que é a ideologia fundamental
antinomias. Tal princípio é garantido por uma norma deste movimento jurídico; tal ligação é evidenciada pela
implícita no ordenamento que prediz que duas normas escolada exegese, que propõe que: ao juiz não pode criar o
incompatíveis não podem ser ambas válidas. direito e o juiz não pode jamais recusar-se a resolver uma
controvérsia qualquer;
 Oa: obrigação de realizar a;
 O-a: obrigação de não realizar a (proibição de Afirmar que o ordenamento jurídico é completo significa,
realizar a); pois, negar a existência de lacunas na lei. A demonstração da
 -Oa: Não obrigação de realizar a (permissão de não inexistência diz respeito a duas teorias:
realizar a);
1) A teoria do espaço jurídico vazio (Bergbhom e Santi
 -O-a: Não obrigação de não realizar a (permissão de
Romano)
realizar a);
 Não faria sentido falar de lacunas do direito porque, dado
um fato qualquer, ou existe uma norma que o regule, ou
não existe nenhuma norma que o regule, sendo
juridicamente irrelevante (espaço jurídico vazio), logo,
não haveriam lacunas.
 Romano chama a esfera extrajurídica de esfera daquilo
que não é nem lícito nem ilícito.
 Tal fórmula é aceitável se for compreendida no sentido
de que os atos não regulados pelas normas jurídicas não
Destes seis pares, três representam relações de
pertencem à esfera do juridicamente irrelevante.
incompatibilidade e três de compatibilidade.
2) A teoria da norma geral (Zitelmann e Donati)
A doutrina formulou 3 critérios para a solução das
antinomias:  Não existem fatos juridicamente irrelevantes e não
existem lacunas, porque cada norma jurídica particular
a) Critério cronológico: a norma posterior prevalece sore a
que submete a uma dada regulamentação certos atos é
norma precedente (lex posterior derogat priori);
sempre acompanhada de uma segunda norma
b) Critério hierárquico: a norma de grau superior implicitamente nela contida, a qual exclui da
(estabelecida por uma fonte de grau superior) prevalece regulamentação da norma particular todos os atos não
sobre aquela de grau inferior (lex superior degorat inferior); previstos por esta última e os submete a uma
regulamentação jurídica antiética.
c) Critério de especialidade: a norma especial prevalece
sobre a geral (lex specialis degorat generali); Estrutura do ordenamento jurídico

Estes critérios não resolvem as antinomias nos seguintes O ordenamento é um sistema:


casos:
 Unitário: há uma norma fundamental como base para
1) conflito entre dois critérios: quando há um conflito entre todas as normas do ordenamento
os próprios critérios (a mesma antinomia pode-se aplicar  Coerente: exclui toda situação em que pertençam ao
dois critérios com resultados diferentes); sistema ambas as normas que se contradizem, ou seja,
uma norma que proíbe e permite um comportamento ao
 Conflito entre a cronologia e a hierarquia: a doutrina mesmo tempo
sustenta a prevalência da hierarquia.
 Completo: há uma norma para regular qualquer caso
 Conflito entre a especialidade a cronologia: a dentro o ordenamento;
especialidade prevalece;
 Conflito entre a hierarquia e a especialidade: uma norma Norberto Bobbio- Teoria do Ordenamento Jurídico
superior precedente geral sucessiva vence no confronto
com uma norma inferior especial precedente; Capítulo II- A unidade do ordenamento jurídico

2) inaplicabilidade dos três critérios: normas antinômicas 1. Fontes reconhecidas e fontes delegadas
contemporâneas, paritárias e gerais; A dificuldade de rastrear todas as normas que constituem um
 Prevalência da lex favorabilis (estabelece uma ordenamento depende do fato de geralmente essas normas
permissão) sobre a lex odiosa (estabelece um comando não derivarem de uma única fonte. Os ordenamentos
ou imperativo), visto que parte do pressuposto que a jurídicos são complexos.
situação normal do súdito é o status libertatis; O poder supremo, fornecedor das normas jurídicas na
sociedade, recorre a dois expedientes: 1) recepção de normas
Kamilly Ayane - M1 2021.2
já feitas e 2) delegação do poder de produzir normas a outros incompletude por deficiência, no caso das lacunas, donde os
poderes. dois remédios possíveis seriam: a purificação dos sistemas,
para eliminar as normas exuberantes e as deficiências.
2. Tipos de fontes e formação histórica do ordenamento
A completude seria uma condição necessária para o
A complexidade do ordenamento depende de duas razões: 1) ordenamento que seguem essas todas regras: 1) o juiz é
um ordenamento não nasce num deserto e 2) o poder obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentarem
originário cria ele mesmo, para satisfazer a necessidade de a seu exame e 2) deve julgá-las com base em uma norma
uma normatização sempre atualizada, novas centrais de pertencente ao sistema.
produção jurídica, atribuindo a órgãos executivos o poder de
estabelecer normas integradoras subordinadas às 2. O dogma da completude
legislativas.
A afirmação desse dogma caminha no mesmo passo que a
4. Construção escalonada do ordenamento monopolização do Estado, pois, para manter o próprio
monopólio, o direito do Estado deve servir para todo uso.
A complexidade do ordenamento não exclui sua unidade. Uma expressão macroscópica dessa vontade são as grandes
Não se pode falar de ordenamento jurídico se não o tivesse codificações. O código apresenta-se como um prontuário
como algo unitário. para o juiz.
Teoria da construção escalonada do ordenamento 3. A crítica da completude
jurídico (Kelsen): seu núcleo é que as normas não estão
todas no mesmo plano. Há normas superiores e inferiores. A Escola do direito livre: abole a crença de que o direito estatal
norma suprema seria a norma fundamental e cada é o mais completo. O direito constituído está cheio de lacunas
ordenamento teria uma. Essa norma seria o termo unificador e, para preenche-las, é necessário confiar principalmente no
das normas que compõem um ordenamento jurídico. poder criativo do juiz.

Capítulo III- A coerência do ordenamento jurídico Principais razoes para o surgimento desse movimento contra
o estadismo jurídico: 1) à medida que a codificação
1. O ordenamento jurídico como sistema envelhecia, descobriam-se mais insuficiências e 2) além do
Entende-se por sistema uma totalidade sistemática, ou seja, processo de envelhecimento do código, tem-se profundas e
uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os rápidas transformações da sociedade.
quais existe uma certa ordem. 4. O espaço jurídico vazio
Kelsen distingue os ordenamentos normativos em sistemas O direito livre representava aos olhos dos juristas
estáticos e dinâmicos, sendo o jurídico um sistema dinâmico. tradicionalistas uma nova encarnação do direito natural.
3. As antinomias Logo, eles lançaram o argumento do espaço jurídico vazio,
contrário a qualquer renascimento jusnaturalista.
Situação de normas incompatíveis entre si. A tese de que o
ordenamento jurídico constitui um sistema, pode-se Tércio Ferraz - Introdução ao Estudo do Direito
exprimir também que o direito não tolera antinomias. 4.3 Teoria do ordenamento ou dogmática das fontes de
Uma das finalidades da interpretação jurídica era a de direito
eliminar as antinomias, caso alguma tivesse aparecido, A validade da norma não é uma qualidade intrínseca, isto é,
recorrendo aos mais diversos meios hermenêuticos. normas não são válidas em si: dependem do contexto, da
A coerência não é condição de validade, mas é sempre relação da norma com as demais normas do contexto.
condição de justiça do ordenamento. É evidente que quando Tecnicamente, diz-se que a validade de uma norma depende
duas normas contraditórias são ambas validas, e pode haver do ordenamento no qual está inserida.
indiferentemente a aplicação de uma ou de outra, são 4.3.1 Norma e ordenamento
violadas duas exigências fundamentais: a da certeza e da
justiça. Um ordenamento, em relação ao qual a pertinência de uma
norma a ele é importante para identifica-la como norma
Capítulo IV- A completude do ordenamento jurídico válida, além de ser um conjunto de elementos normativos e
1. O problema das lacunas não-normativos, é também uma estrutura, isto é, um
conjunto de regras que determinam as relações entre os
Por completude, entende-se a propriedade pela qual um elementos.
ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer
caso. Dizemos que o sistema é incompleto quando não  O sistema é um complexo que se compõe de uma
existem nem a norma que proíbe nem a que permite tal estrutura e um repertorio. Nesse sentido, ordenamento é
comportamento. sistema.

Carnelutti propõe a teoria geral do direito: que trata da 4.3.1.2 Ideia de sistema normativo e aparecimento do
incompletude por exuberância, no caso das antinomias, e Estado Moderno
Kamilly Ayane - M1 2021.2
A concepção do ordenamento como sistema é  Lacunas intencionais: o legislador, por não se julgar em
contemporânea com o aparecimento do Estado Moderno o condições, atribui a outra pessoa a tarefa de encontrar a
desenvolvimento do capitalismo. regra especifica.
 Lacunas não-intencionais: o legislador não chegou a
 Max Weber identifica o aparecimento do Estado com o
perceber a problemática da questão de modo cabal, seja
desenvolvimento da burocracia ocidental, enquanto
porque não possuía as condições históricas ou seu exame
forma de dominação baseada na crença na legalidade, na
de consciência não foi cuidadoso.
organização racional de competências com base na lei.
3) Critério da ausência ou inespecificidade da norma
4.3.2.2. Consistência do sistema
 Lacuna patente: resultante da falta de uma norma que
Por consistência deve ser entendida a inocorrência ou a regule uma situação;
extirpação de antinomias, da presença simultânea de normas  Lacuna latente: nasce do caráter muito amplo da norma.
válidas que se excluem mutuamente.
4) Critério dinâmico-temporal:
4.3.2.3 Completude do sistema: lacunas
 Lacunas originarias: já existem no nascimento da lei;
A concepção do ordenamento como sistema dinâmico  Lacunas posteriores: aparecem posteriormente, em
(sistema em que as normas derivam umas das outras pelo virtude de uma modificação;
procedimento) envolve o problema de saber se este tem a
A lacuna ocorre quando se dá uma incongruência de natureza
propriedade peculiar de qualificar normativamente todos os
temporal que rompe certa harmonia isomórfica que preside
comportamentos possíveis ou se podem ocorrer condutas
a relação entre as estruturas dos diferentes subsistemas.
para as quais o ordenamento não oferece qualificação.
AUTORAL
Há autores que afirmam ser a plenitude lógica dos
ordenamentos uma ficção doutrinária de ordem prática, que Como resolver o problema das lacunas?
permite ao jurista enfrentar os problemas de decibilidade
com um máximo de segurança. Há outros que afirmam ser a Heterointegração : Busca a solução das lacunas em outros
incompletude uma ficção prática, que permite ao juiz criar ordenamentos e em diferentes fontes do direito além da
direito quando o ordenamento lhe parece insatisfatório no predominante, a lei
caso em questão; a) O costume jurídico (consuetudo prater legem)
b) Equidade (aplicação ou elaboração de uma norma que seja
A questão das lacunas tem dois aspectos: 1) refere-se a sua considerada justa em relação aos direitos individuais de uma
configuração sistemática, à discussão do cabimento das pessoa, considerando que todos os casos não são iguais por
lacunas no sistema (problema da completude) e 2) refere-se conta de suas peculiaridades, a equidade será a adaptação
a questão de, admitida a incompletude, dizer como devem ser dessa norma ao fato)
preenchidas as lacunas (problema da integração do direito
pelo juiz); Autointegração: Busca a solução das lacunas no mesmo
ordenamento, ou seja, no próprio direito no âmbito da fonte
O problema das lacunas é fruto da Era Moderna, da dominante
centralização e do monopólio da violência nas mãos do a) Analogia (quando há ausência de uma norma específica
Estado e do domínio sistemático da produção de normas. para o caso, aplica-se uma disposição legal que regula casos
semelhantes)
 Uma lacuna é uma incompletude insatisfatória dentro da
b) Interpretação extensiva (o conteúdo da lei é ampliado
totalidade jurídica (exprime-se uma falta, uma
quando a norma aborda menos do que deveria)
insuficiência que não devia ocorrer);
c) Princípios gerais do direito (são diretrizes básicas e gerais
 O princípio da ausência de lacunas foi interpretado como
que orientam o intérprete ao aplicar o Direito no caso de
uma ficção de política jurídica.
omissão do texto legal)
Espécies de lacuna:
Noberto Bobbio- Teoria do ordenamento jurídico
1) Critério de autenticidade:
Capítulo IV- A completude do ordenamento jurídico
 Lacunas autênticas: ocorre quando a lei não permite
uma resposta, a partir dela uma decisão não é possível, 1. O problema das lacunas
não pode ser encontrada;
 Lacuna não-autêntica: dá-se quando um fato tipo é Por completude, entende-se a propriedade pela qual um
previsto pela lei, mas a solução é considerada ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer
indesejável; caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente
A doutrina costuma aceitar como lacuna apenas a primeira, ‘‘lacuna’’.
sendo a segunda uma lacuna crítica ou de polícia jurídica; Dizemos ‘‘incoerente’’ um sistema no qual existem tanto a
2) Critério de vontade de quem elabora o plano do direito norma que proíbe um certo comportamento quanto aquela
vigente: que o permite; ‘‘incompleto’’, um sistema no qual não existem
nem a norma que proíbe nem aquela que permite.
Kamilly Ayane - M1 2021.2
A completude é uma condição necessária para os 12° PONTO: ANTINOMIAS E CONFLITO DE NORMAS
ordenamentos em que valem estas duas regras: 1) o juiz é JURÍDICAS
obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentarem
a seu exame; 2) deve julgá-las com base em uma norma Tércio Ferraz - Introdução ao Estudo do Direito
pertencente ao sistema; 4.3.2.2 Consistência do sistema
8. Heterointegração e Autointegração Por consistência deve ser entendida a inocorrência ou a
Heterointegração; Consiste na integração operada através extirpação de antinomias, isto é, da presença simultânea de
do recurso a ordenamentos diversos e a fontes diversas normas válidas que se excluem mutuamente. Deve-se
daquela que é dominante; analisar se do ponto de vista zetético, é possível discutir se a
consistência do ordenamento é ou não como uma qualidade
 Uma das funções do direito natural foi de preencher as essencial de seu sistema.
lacunas do direito positivo;
4.2.2.2.1 Antinomia Jurídica
 Pode recorrer: ordenamentos anteriores no tempo,
ordenamentos vigentes contemporâneos, costume e os Uma definição de antinomia exige as seguintes distinções:
juízos de equidade;
a) Antinomia lógico-matemática: Segundo Quine, uma
Auto-integração: consiste na integração cumprida através antinomia gera autocontradição por processos aceitos de
do mesmo ordenamento, da mesma fonte dominante. raciocínio. A antinomia lógico-matemática pode ser apontada num
famoso problema constitucional, referente a uma constituição
 Analogia, interpretação extensiva e princípios gerais do formal, que contém regras para sua própria reforma, e essas regras
direito; são consideradas como parte da constituição e, em consequência,
estão sujeitas ao mesmo procedimento de reforma que elas mesmas
Maria Helena Diniz- Compêndio de Introdução à Ciência
estabelecem.
do direito
b) Antinomia semântica: promana de algumas
Capítulo III- incoerências, ocultas na estrutura de níveis do pensamento e
da linguagem; ‘‘um homem que diz a respeito de si mesmo: eu
C. Integração e o problema das lacunas no direito estou mentindo’’.
c) Antinomia pragmática: aponta para uma situação
c.1. Localização sistemática do problema das lacunas
possível nas relações humanas, mas que leva uma das partes
jurídicas
a uma situação de indecidibilidade.
Por localização sistemática entendemos o levantamento das
questões relativas à lacuna dentro da ordenação jurídica,  Uma antinomia jurídica, em termos lógicos ou
verificando as concepções de ordenamento jurídico e a semânticos, equivale sempre a uma falácia ou a um sem-
possibilidade da emergência da lacuna. sentido.

c.2. Questão da existência da lacuna Embora toda antinomia envolva contradição, nem toda
contradição constitui uma antinomia. Duas normas podem
c.2.1 Lacuna como problema inerente ao sistema jurídico contradizer-se, mas só temos uma antinomia quando essa
contradição está acompanhada de outros fatores.
Os autores se dividem em duas principais correntes
antiéticas: a que afirma a inexistência de lacunas,  1º fator: as normas que expressam ordens ao mesmo
sustentando que o sistema jurídico forma um todo orgânico sujeito emanem de autoridades competentes num
sempre bastante para disciplinar todos os comportamentos mesmo âmbito normativo;
humanos e a que sustenta a existência de lacunas no sistema,  2º fator: as instruções dadas ao comportamento do
que, por mais perfeito que seja, não pode prever todas as receptor se contradigam, pois, para obedecê-las, ele deve
situações de fato. também desobedecê-las;
 3º fator: o sujeito tem de ficar numa posição
O fenômeno da lacuna esta correlacionado com o modo de
insustentável, isto é, não terá qualquer recurso para
conceber o sistema: 1) sistema normativo como um todo
livrar-se dela;
ordenado, fechado e completo em que a ordem normativa
delimita o campo de experiência (Kelsen) e 2) sistema como Critérios para a solução de conflitos normativos:
aberto e incompleto, revelando o direito como uma realidade
complexa, com dimensões normativas, fáticas e axiológicas. a) lex superior derogat inferior (hierárquico);
b) lex specialis derogat generalis (especialidade);
Na tridimensionalidade jurídica de Miguel Reale c) lex posterior derogat prior (cronológico);
encontramos a noção de que o sistema do direito se compõe
de um subsistema de normas, de valores e de fatos, Antinomia jurídica: oposição que ocorre entre duas normas
isomórficos entre si, por haver correlação entre eles. Dessas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de
ideias, se deduz que os elementos são interdependentes, autoridades competentes num mesmo âmbito normativo,
logo, quando houver uma incongruência ou alteração entre que colocam o sujeito numa posição insustentável pela
eles, temos a lacuna.
Kamilly Ayane - M1 2021.2
ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe  Kelsen distingue os ordenamentos normativos entre
uma saída nos quadros de um ordenamento dado. dinâmicos (as normas derivam uma das outras através
de sucessivas delegações de poder) e estáticos (normas
Classificação das antinomias: relacionadas entre si como proposições de um sistema
1) Quanto ao critério de solução: dedutivo). Feita a distinção, sustenta que ordenamentos
jurídicos são sistemas do primeiro tipo.
 Antinomias reais: surge quando a posição do sujeito é
insustentável porque não há critérios para sua solução, 3. As antinomias
ou porque entre os critérios existentes há conflito; Ex: Situação de normas incompatíveis entre si; o fato de no
duas normas constitucionais (mesmo nível), igualmente gerais (mesma
extensão), promulgadas ao mesmo tempo (simultâneas);
direito romano, considerado por longos séculos o direito por
 Antinomias aparentes: são aquelas em que a posição do excelência, não existirem antinomias foi regra constante para
sujeito se torna mais sustentável devido a existência de os interpretes.
critérios para a solução dos conflitos; 4. Vários tipos de antinomias
2) Quanto ao conteúdo: Para que possa ocorrer antinomia são necessárias duas
condições:
 Antinomias próprias: aquelas que ocorrem por
motivos formais; Ex: uma norma permite o que outra obriga; 1) As duas normas devem pertencer ao mesmo
 Antinomias impróprias: as que se dão em virtude do ordenamento;
conteúdo material das normas; Ex: quando as normas de um 2) As duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade.
ordenamento protegem valores opostos, como liberdade e segurança ; Distinguem-se 4 âmbitos de validade: temporal, espacial,
pessoal e material.
3) Classificação quanto ao âmbito:
As antinomias podem ser distintas em três tipos diferentes:
 Antinomia de direito interno: ocorrem dentro de um
ordenamento estatal e podem ser dentro de um ramo do 1) Antinomia total-total: se as duas normas incompatíveis
direito ou entre normas de diferentes ramos; têm igual âmbito de validade. Ex: ‘’é proibido fumar das 5 às 7 na sala
 Antinomia de direito internacional: ocorrem entre de cinema’’ e ‘’é permitido fumar das 5 às 7 na sala de cinema’’ .
normas de direito internacional; 2) Parcial-parcial: Se as duas normas incompatíveis têm
 Antinomia de direito interno-internacional: conflitos âmbito de validade em parte igual e em parte diferente. Ex: ‘’é
de normas de direito interno com as de outro direito proibido fumar cachimbo e charuto das 5 às 7’’ e ‘’é permitido fumar charuto
interno ou entre normas de um direito interno e as de e cigarro das 5 às 7’’;
direito internacional. 3) Total-parcial: se, de duas normas incompatíveis, uma tem
um âmbito de validade igual ao da outra, porém mais restrito;
4) Classificação quanto à extensão da contradição Ex: ‘’é proibido fumar das 5 às 7’’ e ‘’é permitido fumar das 5 às 7, somente
cigarros’’;
 Antinomia total-total: quando uma das
normas não pode ser aplicada em 5. Critérios para a solução das antinomias
nenhuma circunstância, sem entrar em
conflito com outra; Regras fundamentais para a solução de antinomias:
 Antinomia total-parcial: quando uma das normas não a) critério cronológico: entre duas normas incompatíveis,
pode ser aplicada em nenhuma prevalece a norma posterior;
circunstância, sem entrar em conflito com b) critério hierárquico: entre duas normas incompatíveis,
outra, enquanto a outra tem um campo de prevalece a hierarquicamente superior.
aplicação que entra em conflito com a c) critério de especialidade: entre duas normas
anterior apenas em parte; incompatíveis, uma é geral e outra especial, prevalece a
 Antinomia parcial-parcial: quando segunda;
as duas normas têm um campo de
aplicação que em parte entra em Ma Helena Diz- Compêndio de introdução à ciência do
conflito com o da outra, em parte não direito
entra.
D. Correção do direito e antinomia jurídica
Noberto Bobbio- Teoria do ordenamento jurídico
d.1. Noção de antinomia jurídica
Capítulo III- A coerência do ordenamento jurídico
É o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma
1. O ordenamento jurídico como sistema norma e um princípio geral de direito em sua aplicação
prática a um caso particular. Para que se tenha uma
Para que se possa falar de uma ordem, é necessário que os antinomia são imprescindíveis três elementos:
entes que a constituem não estejam somente em incompatibilidade, indecidibilidade e necessidade de
relacionamento com o todo, mas também de coerência entre decisão.
si.
d.2. Classificação das antinomias
Kamilly Ayane - M1 2021.2
1) ao critério de solução: a) antinomia aparente e b) ou seja, a lei nova não será aplicada às situações constituídas
antinomia real; sobre a vigência da lei revogada ou modificada. A eficácia
2) ao conteúdo: a) antinomia própria e b) antinomia retroativa da lei nova, possível em tese, é inadmissível desde
imprópria; que a incidência da lei antiga tenha ocorrido plenamente.
3) ao âmbito: a) antinomia de direito interno, b) antinomia
de direito internacional e c) antinomia de direito interno- Princípio do direito adquirido quando a lei antiga contém
internacional; normas de competência que estabelecem as condições em
4) à extensão da contradição: a) antinomia total-total, b) que alguém é considerado titular de direitos subjetivos,
antinomia parcial-total e c) antinomia parcial-parcial; preenchidas estas condições, diz-se que o direito está
adquirido;
d.3. Critérios para solução das antinomias
 Protege a situação de titular já adquirida.
1) O hierárquico;  Entretanto, não protege o sujeito contra os efeitos
2) O cronológico; retroativos de uma lei no que diz respeito à
3) O de especialidade; incidência de novas normas de conduta.
Desses critérios, o mais sólido é o hierárquico, mas nem Princípio do ato jurídico perfeito: o preceito segundo o
sempre por ser mais potente, é o mais justo. Caso não seja qual o ato exercitado e consumado sob a norma de conduta
possível a remoção do conflito normativo, ante a da lei antiga não pode ser atingido pela lei posterior.
impossibilidade de se verificar qual é a norma mais forte,
surgira a antinomia real ou lacuna de colisão, que será  Protege o titular que exerceu seu direito conforme
solucionada por meio da correção. normas de conduta;

Tércio Ferraz - Introdução ao Estudo do Direito Em outras palavras, a situação de ser titular de um direito é
regulada por normas de competência. A situação de exercer
4.3.4. Doutrina da irretroatividade das leis: direito as faculdades correspondentes ao direito depende de normas
adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada de conduta.
Em princípio, a norma válida vige a partir de sua publicação.  Uma lei nova pode alterar as normas de conduta que
Isto é, integrada no sistema, seu tempo de validade começa a regulam o ato de vender, mas não o atingem se o ato
correr. Simultaneamente, ela está apta a produzir efeitos. Ela já foi consumado, sendo ato jurídico perfeito.
é tecnicamente eficaz. Norma válida, vigente e eficaz, ela
incide, isto é, configura situações. Validade, vigência e eficácia Princípio da coisa julgada: protege a relação controvertida
são, pois, condições da incidência. e decidida contra a incidência da lei nova. Alterando-se por
essa quer as condições de ser titular, quer de exercer os atos
Se a norma é inexistente – nunca teve validade –, não se fala correspondentes, o que foi fixado perante o tribunal não pode
de incidência. Se a norma é nula (entrou no sistema, mas seus ser mais atingido retroativamente.
efeitos são desconsiderados ex tunc), nula terá sido sua
incidência. Se a norma é anulável, sua incidência será levada A doutrina da irretroatividade serve ao valor da segurança
em consideração até o momento em que seja requerida a jurídica: o que sucedeu já sucedeu e não deve, a todo
anulação. momento, ser juridicamente questionado, sob pena de se
instaurarem intermináveis conflitos. Essa doutrina, portanto,
Devemos distinguir entre a incidência de normas de cumpre a função de possibilitar a solução de conflitos com o
competência e normas de conduta: mínimo de perturbação social. Seu fundamento é ideológico
e reporta-se à concepção liberal do direito e do Estado.
 Normas de competência: conferem poder para
estabelecer outras normas, qualificam certos atos como 13 ° PONTO: DOGMÁTICA JURÍDICA E FONTES DO
capazes de produzir certos efeitos; Assim, ter DIREITO
competência, capacidade, poder jurídico, ser sujeito de
direito subjetivo são situações que só têm existência Tércio Ferraz - Introdução ao Estudo do Direito
significativa no contexto normado.
4.3.3 Fontes do direito: uma teoria a serviço da
 Normas de conduta: estabelecem linhas de ação, às racionalização do Estado liberal
quais imputam consequências. Conferem sentido a atos
que subsistem independentemente delas em outros Se, num sistema, podem surgir conflitos normativos (lacunas
contextos. e antinomias), temos que admitir que as normas entram no
sistema a partir de diferentes canais, que, com relativa
Em princípio, as normas têm vigência e eficácia futura a independência, estabelecem suas prescrições  São essas
partir de certo momento. A eficácia da norma, porém, pode suposições que estão por detrás das discussões em torno das
ser retroativa. Embora destinada à vigência para o futuro, chamadas fontes do direito;
nada impede que, em tese, a norma possa produzir efeitos no
passado. A teoria das fontes: reporta-se à tomada de consciência de
que o direito não é essencialmente um dado, mas uma
Doutrina da irretroatividade das leis: A regra adotada pelo construção elaborada no interior da cultura humana. Com
ordenamento jurídico é de que a norma não poderá retroagir, isto se cria um problema teórico, pois o reconhecimento do
Kamilly Ayane - M1 2021.2
direito como uma construção não exclui seu aspecto como mesmo tempo, uma racionalização do fenômeno jurídico e
dado, posto que, afinal, se o direito é feito, é obra humana, a uma justificação de uma conjuntura histórica, cujo expoente
matéria-prima não se confunde com a própria obra. ideológico máximo é o liberalismo.

 O jurista francês François Geny passa a falar em dois  E a teoria das fontes é um dos instrumentos primordiais
tipos básicos de fontes, conforme se encare o direito em da ciência dogmática moderna pois, por meio dela, torna-
seu aspecto dado ou em seu aspecto construído. se possível regular o aparecimento contínuo e plural de
normas de comportamento sem perder de vista a
Fontes substanciais: são dados, como é o caso dos segurança e a certeza das relações.
elementos materiais (biológicos, psicológicos, fisiológicos)
que não são prescrições, mas que contribuem para a A dogmática propõe a classificações das fontes com base no
formação do direito, dos elementos históricos, ou dos grau maior ou menor de objetividade de que gozem as
elementos racionais e dos elementos ideais; normas em face de sua origem e modo de formação. Nesse
contexto:
Fontes formais: correspondem ao construído, significando a
elaboração técnica do material (fontes substanciais) por  As fontes estatais aparecem em primeiro lugar, por sua
meio de formas solenes que se expressam em leis, normas formalidade e formulação revestida de autoridade geral
consuetudinárias, decretos regulamentadores etc; e reconhecida institucionalmente.
 Em seguida, aparecem as fontes menos objetivas, de
A distinção entre fontes formais e materiais fez escola e é menor grau de certeza e segurança, como os costumes e
repetida até hoje. Ela traz para a teoria dogmática um critério a jurisprudência.
classificador dos centros produtores do direito, de forma a  Por fim, as fontes negociais, próprias da atividade
sistematizá-los coerentemente. Entretanto, a dicotomia traz privada, por natureza múltipla e particularizada como é
um problema técnico posto que fica difícil conceber o o caso também da própria doutrina, dos sentimentos de
ordenamento como uma unidade. justiça e equidade.
Assim, com o desenvolvimento das teorias do Direito Público 4.3.3.1 Legislação
no correr do século aparece uma concepção sistemática que
conduz a uma unidade teórica formalizante. O conceito-chave Na dogmática analítica contemporânea, tem relevância
é o de ato jurídico, enquanto condutas que positivam o direito especial, no que concerne às fontes, a noção de legislação.
e que são executadas por diferentes centros emanadores Isso ocorre sobretudo no direito de origem romanística,
dotados do poder jurídico de fazê-lo, como o Estado e seus como é o caso do direito europeu continental e dos países
órgãos, a própria sociedade, os indivíduos autonomamente latino-americanos de modo geral.
considerados etc. O direito, afirma-se, emana destes atos, que
 Legislação, lato sensu, é modo de formação de normas
passam a ser considerados teoricamente sua única fonte.
jurídicas por meio de atos competentes.
 A formulação mais acabada dessa concepção  A legislação é fonte de inúmeras normas que requerem
encontramos na pirâmide kelseniana, que vê no procedimentos regulados por outras normas que, por
ordenamento apenas normas hierarquizadas conforme sua vez, são também produto de atos competentes. Essa
seu fundamento de validade e postula que o direito só regressão tem um fim: a primeira competência
tem uma fonte – o próprio direito (tudo refluindo para
4.3.3.1.1 Constituição
sua norma fundamental).
 Na verdade, a expressão fonte do direito é uma metáfora Entende-se usualmente por Constituição a lei fundamental de
cheia de ambiguidades. Essas ambiguidades, porém, se um país, que contém normas respeitantes à organização
explicam. Afinal, a teoria das fontes relaciona-se, básica do Estado, ao reconhecimento e à garantia dos direitos
primordialmente, com o problema da identificação do fundamentais do ser humano e do cidadão, às formas, aos
que seja direito no contexto da sociedade moderna limites e às competências do exercício do Poder Público.
A teoria das fontes, por isso, está bastante relacionada com o  Possuem dois tipos de normas: as que determinam como
que Max Weber chama de dominação legal, isto é, a crença na outras serão feitas, em que limites e por meio de que
legitimidade do poder fundada na racionalidade e na processo, e as que repercutem imediatamente sobre a
eficiência da ordem. conduta.
 Quando a dominação tem por fundamento a crença na Surge uma teoria constitucional uma classificação proposta
tradição (dominação tradicional) ou no carisma (o por Kelsen:
prestígio da liderança), não se desenvolve uma teoria
das fontes do direito.  Constituição no sentido material é um conjunto de
normas que são constitucionais, por sua natureza:
Foi justamente quando, no continente europeu, o normas básicas para a elaboração de outras normas
desenvolvimento do capitalismo, o aparecimento do Estado gerais;
burocrático e as exigências de promulgação da maior parte  Constituição no sentido formal são as normas que já
das normas costumeiras impuseram-se, é que assistimos ao disciplinam certos comportamentos imediatamente.
aparecimento da moderna teoria das fontes. Ela é, ao
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Não há muito acordo entre os constitucionalistas sobre o O advento e o crescimento do Estado-gestor tornou muito
conteúdo dessa distinção. mais complexa a legislação como fonte do direito. Se no início
ela pôde-se restringir à produção de leis, hoje abarca um rol
Nesses termos, é importante distinguir entre um sentido enorme de atos que, em tese (liberal), deveriam estar
sociológico, político e jurídico de Constituição. subordinados às leis enquanto expressão da vontade do
 Enfoque sociológico: uma Constituição manifesta a povo, mas que, na prática, implodem a chamada estrutura
emergência das forças sociopolíticas, do poder ativo hierárquica das fontes.
dentro de uma sociedade. A questão da hierarquia coloca-se quando, dentro desse
 Enfoque político: a Constituição deve ser encarada mapa horizontalmente estendido, uma competência avança
como uma decisão política fundamental, não obstante nos limites da outra. É nesse momento que surge uma
suas referências sociológicas e jurídicos. Em termos de verticalização, em tese organizada por uma regra estrutural
teoria das fontes: essa decisão política fundamental seria do sistema: a lex superior. A ideia de que a norma superior
a fonte, da qual emana o direito constitucional. prevalece sobre a inferior, porém, pressupõe uma outra regra
 Enfoque jurídico: encara a Constituição como normas estrutural, fundada num velho lugar comum: quem pode o
básicas postas, independentemente de ser ela mais pode o menos (a maiore ad minus).
estabelecida por uma vontade, ou corresponder às
aspirações sociais, ou ser fachada para uma imposição 4.3.3.1.4 Códigos, consolidações e compilações
política.
Códigos: são conjuntos de normas estabelecidos por lei. O
4.3.3.1.2 Leis que caracteriza o código é a regulação unitária de um ramo
do direito, estabelecendo-se para ele uma disciplina
A noção de lei não é fácil de determinar. Antes de mais nada, fundamental, atendendo a critérios técnicos não
é preciso evitar a confusão entre lei e norma. necessariamente lógicos, mas tópicos.
 A norma é uma prescrição. Consolidações: como é exemplo a Consolidação das Leis do
 A lei é a forma de que se reveste a norma ou um conjunto Trabalho (CLT), que, estabelecida por decretos ou, no caso
de normas dentro do ordenamento. Nesse sentido, a lei é exemplificado, por decreto-lei, é uma espécie de compilação
fonte do direito, isto é, o revestimento estrutural (série de leis preexistentes, mas retirando-lhes as normas de seu
de procedimentos institucionalizados que culminam contexto, reformulando-as num todo.
numa promulgação solene e oficial) da norma que lhe dá
a condição de norma jurídica. Compilações: repertórios de normas que, em geral,
obedecem a critérios cronológicos, com divisões, às vezes,
Note, portanto, que a palavra lei parece ter uma espécie de por matéria, e que conhecemos sobretudo quanto às decisões
“condão mágico’’ de transformar a mera prescrição em jurisprudenciais.
direito. Todo ato de legislação, realizado pelo poder
competente e obedecidos os requisitos do ordenamento, é lei. 4.3.3.1.5 Tratados e convenções internacionais

A doutrina distingue, assim, entre lei no sentido material e no Os tratados são fontes cujo centro irradiador é o acordo entre
sentido formal: as vontades soberanas dos Estados. As convenções são
celebradas no âmbito dos organismos internacionais que,
 Lei formal: expressão que designa um modo de reconhecidos, veem seus atos normativos repercutirem no
produção de normas (caracterizadas pela forma, âmbito interno dos Estados.
conteúdos que adquirem o caráter de lei porque
obedecem a sua forma de produção); 4.3.3.2 Costume e jurisprudência
 Lei material: designa seu conteúdo (caracterizadas por  Faz parte de um segundo grupo de fontes, de
sua natureza, produção solene e institucionalizada de objetividade menor, posto que a formulação de suas
normas gerais); normas exige um procedimento difuso, que não se reduz
Por pressão ideológica, continuemos a dizer que, em a um ato básico, como é a promulgação.
princípio, leis contêm normas gerais, porém reconhece-se O costume é uma forma típica de fonte do direito nos
que isso nem sempre ocorre. Existem leis que, não obstante a quadros da chamada dominação tradicional no sentido de
utilização dos procedimentos prescritos pelo ordenamento, Weber. Baseia-se, nesses termos, na crença e na tradição, sob
têm por conteúdo não a edição de normas gerais, mas uma a qual está o argumento de que algo deve ser feito, e deve sê-
prescrição individualizada lo porque sempre o foi. A autoridade do costume repousa,
4.3.3.1.3 Hierarquia das fontes legais: leis, decretos, pois, nessa força conferida ao tempo e ao uso contínuo como
regulamentos e portarias reveladores de normas, as normas consuetudinárias.

No sentido amplo de legislação como fonte do direito devem A coincidência entre o costume e a lei permite-nos falar em
ser incluídos, além das citadas medidas provisórias, outros costume secundum legem. Há certos usos que, embora não
atos normativos do Poder Executivo. configurem costumes, a doutrina dogmática reconhece neles
um tipo de relevância que, sem torná-los fontes do direito, fá-
los servir como regra de orientação para a tomada de decisão.
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Costume jurisprudencial: a doutrina costuma negar à prevalência de alguma pode se dar apenas por razões
jurisprudência o caráter de fonte, ao contrário do que sucede circunstanciais sociais e históricas.
com a teoria do precedente no mundo anglo-saxônico. Apesar
disso, a jurisprudência, no sistema romanístico, é, sem Nesse sentido, cabe distinguir esses dois tipos de
dúvida, “fonte’’ interpretativa da lei, mas não chega a ser ordenamento jurídico: tradição romanística e tradição anglo-
fonte do direito. americana. A primeira caracterizou-se pelo primado do
processo legislativo, com atribuição secundária às demais
4.3.3.3 Fontes negociais, razão jurídica (doutrina, fontes. Já na segunda, percebe-se que o direito se revela
princípios gerais do direito, equidade) muito mais pelos usos e costumes e pela jurisdição do que
pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos.
Discute-se aqui o papel normativo de atos de autonomia
privada, por exemplo, contratos, como fonte do direito. Há Temos, pois, dois grandes sistemas de Direito no mundo
casos de atos negociais praeter legem que, no vazio da lei, ocidental, correspondentes a duas experiências culturais
inovam e estabelecem como premissa verdadeiras regras distintas, resultantes de múltiplos fatores, sobretudo de
gerais com caráter de norma. ordem histórica. O confronto entre um e outro sistema tem
sido extremamente fecundo por demonstrar que o que
 No Direito Agrário, por exemplo, há casos desse tipo. prevalece, para explicar o primado desta ou daquela fonte de
Não obstante, sua força como fonte parece repousar antes no direito, não são razões abstratas de ordem lógica, mas apenas
costume, de que já falamos. É claro, porém, que os atos motivos de natureza social e histórica.
negociais são fonte de normas individuais vinculantes para Do costume ao primado da lei ou do precedente judicial
as partes. O ordenamento contém tanto normas gerais
quanto individuais. Se tomamos a expressão fontes do direito No ciclo do Direito Romano, os costumes, aos poucos, vão
nesse sentido de emanação de normas tanto gerais como cedendo lugar à jurisdição ou ao Direito jurisprudencial. Foi
individuais, também as fontes negociais seriam fontes do através da atividade dos juízes e dos pretores que os
direito como quaisquer outra. romanos, aos poucos, construíram o jus civile, primeiro,
privativo dos romanos, e o jus gentiun, de caráter mais
Miguel Reale- Lições preliminares do direito amplo.
Capítulo XII- Fontes do direito I Jamais, em Roma, a lei, como pura abstração racional,
Fonte do direito e poder representou papel decisivo no sistema geral do Direito. A
doutrina, como o demonstram os estudos dos romanistas
Preliminarmente, é necessário advertir que a antiga distinção contemporâneos, desempenhou, ao contrário, uma função
entre fonte formal e fonte material do direito tem sido fonte primordial, fornecendo aos pretores as diretivas teórico-
de grandes equívocos nos domínios da Ciência Jurídica, práticas essenciais à decisão dos litígios.
tornando-se indispensável empregarmos o termo fonte do
direito para indicar apenas os processos de produção de Muito embora, em nossos dias, não prevaleça mais a redução
normas jurídicas. do Direito à lei, isto é, a normas gerais escritas emanadas por
órgãos especialmente constituídos para tal fim, não devemos
Fonte material: é o estudo filosófico ou sociológico dos esquecer os benefícios que a Escola da Exegese trouxe para o
motivos éticos ou dos fatos econômicos que condicionam o Direito, do ponto de vista da clarificação dos conceitos, a
aparecimento e as transformações das regras de direito. disciplina dos institutos jurídicos e sua sistematização lógica.
Fontes do direito: processos ou meios em virtude dos quais Maria Helena Diniz- Compêndio de Introdução à Ciência
as regras jurídicas se positivam com legítima força do Direito
obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma
estrutura normativa. O problema das fontes do direito se Capítulo III- Conceitos jurídicos fundamentais
confunde com o das formas de produção de regras de direito
2. Fontes jurídicas
vigentes e eficazes, pois toda fonte de direito implica uma estrutura
normativa de poder, pois a gênese de qualquer regra de direito só A. Noção e classificação das fontes do direito
ocorre em virtude da interferência de um centro de poder, o qual,
diante de um complexo de fatos e valores, opta por dada solução Fonte jurídica é a origem primária do direito, confundindo-se
normativa com características de objetividade. com a gênese do direito. É a fonte real ou material do direito,
fatores reais que condicionam o aparecimento de norma
 À luz desse conceito, quatro são as fontes de direito,
jurídica.
porque quatro são as formas de poder: o processo
legislativo; a jurisdição; os usos e costumes jurídicos; e a Visão kelsiana: não considera esse vocábulo científico-
fonte negocial; jurídico pois ele agrega as representações influenciadoras do
direito, como: princípios morais, políticos, teorias jurídicas e
Direito romanístico e ‘‘common law’’
etc. Desta forma, as fontes do direito positivo seriam
 Inicialmente, cabe salientar que não existe a primazia juridicamente vinculantes, que assumiriam o caráter de uma
desta ou daquela fonte de produção de normas. A norma jurídica superior que determinariam a produção de
normas inferiores  nesse sentido, o termo ‘‘fonte do
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direito’’ estaria como equivalente ao fundamento de validade R. Limongi França: as fontes formais não são normas, são
da ordem jurídica. formas de expressão do direito positivo. As fontes formais
seriam os processos ou os meios pelos quais as normas
 A teoria kelsiana, por postular a pureza metódica da jurídicas se positivam com legitima força obrigatória.
ciência jurídica, libera-a da análise de aspectos
fáticos, teológicos, morais ou políticos que estejam B. Fontes Materiais
ligados ao direito. Portanto, só as normas são
Não são só fatores sociais, que abrangem os históricos,
suscetíveis de indagação teórico-científica.
religiosos, naturais, demográficos, higiênicos, políticos,
 O fundamento de validade de uma norma apenas
econômicos ou morais, mas também os valores de cada
pode ser a validez de uma outra, figurativamente
época, dos quais fluem as normas jurídico-positivas. São
denominada norma superior  logo, é fonte jurídica
elementos que emergem da própria realidade social e dos
a norma superior que regula a produção da norma
valores que inspiram o ordenamento jurídico  o conjunto
inferior.
desses fatores determinam a elaboração do direito através de
 Assim, a Constituição seria a fonte das normas gerais
atos legisladores.
e uma norma geral seria fonte para uma sentença
judicial, por exemplo.  Há um pluralismo das fontes reais direito, pois o direito
coexiste com a sociedade, tudo que pode influir sobre
Num sentido jurídico-positivo, fonte jurídica só pode ser
esta pode influir nele.
o direito, pelo fato de que ele regula a sua própria
 Tais fatores decorrem das convicções, ideologias,
criação, já que a norma inferior só será válida quando for
necessidades de cada povo em certa época, atuando
criada por órgão competente segundo certo
como fontes de produção do direito positivo, pois
procedimento previsto em norma superior  para essa
condicionam o aparecimento e as transformações das
concepção, entende-se por fonte jurídica a norma
normas jurídicas.
hipotética fundamental que confere o fundamento
ultimo de validade da ordem jurídica, por ser impossível Em suma, as fontes materiais consistem no conjunto de fatos
encontrar na ordenação jurídica o fundamento positivo sociais determinantes do conteúdo do direito e nos valores
para a Constituição. que o direito procura realizar fundamentalmente
sintetizados no amplo conceito de justiça.
Teoria egológica (Carlos Cossio): o jurista deve ater-se tanto
ás fontes materiais como às formais, preconizando a C. Fontes formais estatais
supressão da distinção, preferindo falar em fonte formal-
material, já que toda fonte formal contém, de modo implícito, c.1 Legislação como fonte do direito
uma valoração, que só pode ser compreendida como fonte do
c.1.1 Importância da legislação como fonte jurídico
direito no sentido de fonte material.
formal
 Fonte material: aponta a origem do direito,
A legislação nos países de direito escrito e de Constituição
configurando sua gênese, daí ser fonte de produção,
rígida, é a mais importante fonte formal estatal. Nos estados
aludindo a fatores éticos, sociológicos e históricos.
modernos, a formulação do direito é obra exclusiva do
 Fonte formal: dá forma, fazendo referência aos modos legislador.
de manifestação das normas jurídicas, demonstrando
quais os meios empregados pelo jurista para conhecer o Há no Estado moderno uma supremacia da lei ante a
direito, ao indicar os documentos que revelam o direito crescente tendência de codificar o direito para atender a uma
vigente, possibilitando sua aplicação a casos concretos, exigência de maior certeza e segurança para as relações
apresentando-se como fonte de cognição. jurídicas, devido a maior rapidez na elaboração e modificação
do direito legislado, permitindo sua adaptação às
As fontes formais podem ser estatais e não estatais:
necessidades da vida moderna  logo, o costume só será
 Estatais: subdividem-se em legislativas (leis, decretos e fonte jurídica se a lei assim o conhecer.
regulamentos) e jurisprudenciais (sentenças,
 A legislação é o processo pelo qual um ou vários órgãos
precedentes judiciais, súmulas).
estatais formulam e promulgam normas jurídicas de
 Não-estatais: abrangem o direito consuetudinário, o observância geral. Essa atividade é a fonte primacial do
direito científico e as convenções em geral ou negócios direito, a fonte jurídica por excelência.
jurídicos.
c.1.2. Lei como resultado da atividade legislativa
Essas normas jurídicas não são produtoras do direito, mas
consistem no próprio direito objetivo, que brota de Du Pasquier utiliza-se de uma metáfora para esclarecer essa
circunstâncias políticas, históricas, geográficas, econômicas e questão: assim como a fonte de um rio não é a água que brota
sociais. do manancial, mas é o próprio manancial, a lei não representa
a origem, porém o resultado da atividade legislativa.
García Máynez- ‘‘as fontes formais são os canais por onde se
manifestam as fontes materiais’’; Acepções do vocábulo lei:
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 1º- Amplíssima: lei é sinônimo de norma jurídica, A atividade jurisprudencial é uma fonte do direito
incluindo quaisquer normas escritas ou costumeiras. consuetudinário, pois a uniformização dá azo à positivação
 2º- Ampla: lei é entendido como oriundo de legere (ler); do costume judiciário.
designa todas as normas jurídicas escritas.
Geny apresenta cinco críticas à concepção de que a
 3º- Escrita ou técnica: lei indica a norma elaborada pelo
jurisprudência possa ser um costume: 1) essa doutrina não
poder legislativo por meio do processo adequado.
explica em que medidas essa fonte deve impor-se 2) essas
Entendendo-se a lei em sentido amplo, abrangendo todos os afirmações contrariam os princípios constitucionais
atos normativos contidos no processo legislativo, temos: a lei franceses 3) as decisões judiciais não encerram o uso por
constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, parte dos interessados 4) a jurisprudência é um costume sui
medidas provisórias, decreto legislativo, resoluções do generis 5) possui muitas variações e contradições.
Senado, decretos regulamentares, instruções ministeriais,
c.2.2 Influência da jurisprudência como fonte do direito
portarias e ordens de serviço.
Pode-se dizer que a jurisprudência é fonte porque influi na
c.1.3. Processo legislativo como fonte legal
produção de normas jurídicas individuais e participa no
A rigor, a fonte jurídica formal é o processo legislativo, que fenômeno de produção do direito normativo,
compreende a elaboração de todas as categorias normativas desempenhando relevante papel, apesar de sua
referidas na Constituição. O processo legislativo vem a ser um maleabilidade.
conjunto de fases constitucionalmente estabelecidas, pelas
A jurisprudência acaba impondo ao legislador uma nova
quais há de passar o projeto de lei, até sua transformação em
visão dos institutos jurídicos, alterando-os, as vezes
lei vigente.
integralmente, forçando a expedição de leis que consagrem a
 A obra legislativa compreende operações previstas sua orientação.
constitucionalmente e levadas a efeito pelo órgão
Logo, ela constitui uma importante fonte de normas e uma
competente.
fonte subsidiaria de informações, no sentido de que atualiza
Em regra, os três trâmites previstos são: iniciativa o entendimento da lei, dando-lhe uma interpretação atual
(desencadeia o P.L. surgindo com a apresentação de um que atenda aos reclamos das necessidades do momento do
projeto de lei propondo a adoção de direito novo), discussão julgamento e de preenchimento de lacunas.
(pronunciamento de comissões especializadas) e deliberação
 A importância da jurisprudência pode ser demonstrada
(votação para a aprovação ou rejeição);
pela ‘‘Súmula da jurisprudência predominante’’ do STF,
c.2 Produção Jurisprudencial que constitui uma forma de expressão jurídica, por dar
certeza a certa maneira de decidir.
c.2.1 Conceito de jurisprudência
c.2.3 Poder normativo do juiz
Conjunto de decisões uniformes e constantes dos tribunais,
resultantes da aplicação de normas a casos semelhantes, Como pondera Kelsen, as normas individuais são as
constituindo uma norma geral aplicável a todas as hipóteses determinantes da conduta de um indivíduo em uma situação
similares ou idênticas. e, portanto, são válidas apenas para um caso particular e
podem ser obedecidas e aplicadas somente uma vez. Tais
 São os recursos ordinários e extraordinários do STF que normas são jurídicas porque fazem parte do ordenamento
vão estabelecendo a possível uniformização das decisões jurídico total, no mesmo sentido em que aquelas normas
judiciais. gerais, que têm servido de base para a criação das
 Tais recursos são atos processuais pelos quais a decisão individuais;
de um juiz ou tribunal é submetida a outro tribunal
superior, no caso, o STF, procede com a uniformização  A norma individual é tão somente uma das normas
recursal que coordena e organiza a jurisprudência. individuais que podem ser produzidas dentro da
moldura da norma geral;
Miguel Reale: ‘‘jurisprudência é a forma de revelação do
direito que se processa através do exercício da jurisdição, em A função criadora do poder judiciário desenvolve-se pela
virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos interpretação, integração e correção, que são instrumentos
tribunais’’; dinâmicos na criação jurisprudencial, tendo por escopo
reavaliar a axiologia que informa a ordem jurídico-positiva.
Logo, percebe-se que a fonte formal é o processo ou a
atividade jurisdicional do Estado no exercício da função de D. Fontes formais não-estatais
aplicar o direito, que se expressa na jurisprudência. A obra
d.1 Prática consuetudinária
dos tribunais converte-se em fonte formal do direito, de
alcance geral, pois suas decisões se incorporam na vida d.1.1 Costume como fonte jurídica subsidiária
jurídica.
Dentre as mais antigas formas de expressão do direito, temos
o costume, decorrente da prática reiterada de certo ato com
a convicção de sua necessidade jurídica, forma que
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predominou até a lei escrita. Entretanto, ante a insuficiência A questão da doutrina como fonte jurídica só surgiu no século
legal, é mister o uso das fontes subsidiárias do direito quando XIX, com o advento do fenômeno da positivação do direito,
houver a omissão e impossibilidade da extensão analógica da que dá lugar à preponderância da lei como fonte, à concepção
lei. da ordem jurídica como sistema e ao controle da legalidade
das decisões judiciais.
 A legislação não nega a força do direito consuetudinário,
apenas reivindica para si a primazia hierárquica. d.2.2 Conceito de doutrina jurídica

d.1.2 Natureza jurídica do costume A doutrina decorre da atividade científico-jurídica, dos


estudos realizados pelos juristas, na análise e sistematização
Para Savigny, Puchta, Stobbe, há no costume dois elementos: das normas jurídicas.
um objetivo (o uso) e um subjetivo (a convicção jurídica).
Porém, apenas a convicção é essencial, sendo o uso apenas d.2.3 Doutrina como fonte de direito
mero acidente. Essa convicção seria fundamental para a
Há os que negam à doutrina o caráter de fonte, como Miguel
obrigatoriedade do costume, que se revelaria na
Reale, que afirma que ‘‘as fontes de direito produzem
conformidade de seu relacionamento com idôneo para
modelos jurídicos, estruturas normativas que, com caráter
regular comportamentos, justificando sua aplicação
obrigatório, disciplinam as distintas modalidades de relações
compulsória.
sociais, entretanto, a doutrina produz modelos dogmáticas,
 Há ainda os que afirmam que a constante repetição é que esquemas teóricos ’’.
dá origem à juridicidade dos costumes, colocando a
 Outros juristas como Abelardo Torré, vislumbram nela
convicção em segundo plano.
uma fonte material, quer para o juiz, quer para o
A grande maioria dos juristas, entre eles o Clóvis Beviláqua, legislador.
sustenta que o costume jurídico é formado por dois
Ademais, o critério básico para o predomínio de uma
elementos necessários: o uso e a convicção jurídica, que
doutrina consiste em seu caráter de maior razoabilidade ou
integram o processo da formação do direito consuetudinário.
de maior justiça para resolver uma questão jurídica;
d.1.3 Conceito e elementos do costume
d.2.4 Influência da doutrina na legislação e na decisão
O costume é uma norma que deriva da longa prática judicial
uniforma ou da geral e constante repetição de dado
Nítida é a influência da doutrina na legislação porque o
comportamento sob a convicção de que corresponde a uma
legislador, muitas vezes, vai buscar no ensinamento dos
necessidade jurídica.
doutores, os elementos para legiferar. Uma importante
 O uso deve ser uniforme, constante, público e geral. decisão judicial que recebeu influência da doutrina foi a
 Para Clóvis Beviláqua, a força obrigatória do costume instituição do habeas corpus.
está na conformidade reconhecida entre eles e as
Poder-se-á até mesmo dizer que tal influência da doutrina
necessidades sociais que regula.
jurídica nas decisões judiciais está, implicitamente,
d.1.4 Espécies de costume autorizada pelo direito positivo, ante a proibição do non
liquet.
 Secundum legem: costume que está previsto na lei, que
reconhece sua eficácia obrigatória. d.3 Poder negocial
 Praeter legem: costume que se reveste de caráter
Miguel Reale salienta a importância do poder negocial como
supletivo, suprimindo a lei nos casos omissos,
força geradora de normas jurídicas particulares e
preenchendo lacunas.
individualizadas que só vinculam os participantes da relação
 Contra legem: costume que se forma em sentido jurídica.
contrário a lei.
O negócio jurídico é o ato de autonomia privada com o qual
A grande maioria dos juristas tente a rejeitar o costume o particular regula por si os próprios interesses. O contrato é
contra legem por entende-lo incompatível com a tarefa o negócio jurídico típico.
legislativa do Estado.
 Semelhantemente ao contrato, que rege relações entre
d.2 Atividade científica-jurídica
particulares, tem-se o tratado, que disciplina as relações
d.2.1 Origem da doutrina entre os Estados, criando normas gerais, hipóteses em
que a contratação recebe a denominação de convenção
A doutrina é formada pela atividade dos juristas, pelos internacional, que, em certos casos, pode criar normas
ensinamentos dos professores, pelos pareceres dos jurídicas individuais.
jurisconsultos.

 Originária de Roma, o poder de responder a consultas


versando sobre problemas jurídicos.
Kamilly Ayane - M1 2021.2
porquanto, aos poucos, os juízes vão se ajustando aos
julgados dos órgãos superiores. Não há, porém,
obrigatoriedade de fazê-lo.

 Através de diferentes formas de prejulgados abre-se uma


clareira à uniformização da jurisprudência.

A doutrina e os modelos jurídicos dogmáticos

Existem muitos autores que excluem a doutrina como fonte


do Direito, alegando que, por maior que seja a dignidade de
um mestre e por mais alto que seja o prestígio intelectual de
um jurisconsulto, os seus ensinamentos jamais terão força
bastante para revelar a norma jurídica positiva que deva ser
cumprida pelos juízes ou pelas partes.

 Não há dúvida que assim é, mas não é por essa razão que
recusamos à doutrina a qualidade de fonte do direito. O
fato de não ser fonte de direito não priva a doutrina de
seu papel relevantíssimo no desenrolar da experiência
jurídica.

Enquanto que as fontes revelam modelos jurídicos que


vinculam os comportamentos, a doutrina produz modelos
dogmáticos, isto é, esquemas teóricos, cuja finalidade é
determinar: a) como as fontes podem produzir modelos
jurídicos válidos; b) que é que estes modelos significam; e c)
como eles se correlacionam entre si para compor figuras,
institutos e sistemas, ou seja, modelos de mais amplo
14º PONTO: PROBLEMA DA DOUTRINA COMO FONTE DO repertório.
DIREITO  A lei, que é a fonte mais geral do Direito, não pode atingir
Miguel Reale- Noções Preliminares do Direito a sua plenitude de significado sem ter, como antecedente
lógico e necessário, o trabalho científico dos juristas e
Capítulo XIV- Fontes do direito III muito menos atualizar-se sem a participação da
doutrina.
A jurisprudência
A doutrina, por conseguinte, não é fonte do Direito, mas nem
Pela palavra "jurisprudência" (stricto sensu) devemos
por isso deixa de ser uma das molas propulsoras, e a mais
entender a forma de revelação do direito que se processa
racional das forças diretoras, do ordenamento jurídico.
através do exercício da jurisdição, em virtude de uma
sucessão harmônica de decisões dos tribunais. A fonte negocial
A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, Essa espécie de normas resulta do fato de que, qualquer que
estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, seja o ordenamento jurídico vigente, será sempre necessário
mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de reconhecer, pela natureza mesma das coisas, que o homem é
dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao um ser capaz de direitos e obrigações e, notadamente, com o
contrário, mediante a separação de preceitos por largo poder de estipular negócios para a realização de fins lícitos,
tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, graças a um acordo de vontades.
para o caso concreto, uma norma que vem completar o
sistema objetivo do Direito. Autonomia da vontade: o poder que tem cada homem de
ser, de agir e de omitir-se nos limites das leis em vigor, tendo
 Se uma regra é, no fundo, a sua interpretação, isto é, por fim alcançar algo de seu interesse e que, situado no
aquilo que se diz ser o seu significado, não há como negar âmbito da relação jurídica, se denomina bem jurídico;
à Jurisprudência a categoria de fonte do Direito.
 O princípio de "legitimidade do poder", que é
Técnicas de unificação da jurisprudência pressuposto de todas as fontes de direito, estende-se a
todos os domínios da experiência jurídica.
Mediante julgamentos prévios, tomados de ofício ou a
requerimento das partes, os tribunais locais vão reduzindo 15° PONTO: O PROBLEMA DO COSTUME COMO
ou atenuando as hipóteses de contrastes inevitáveis no plano FONTE DO DIREITO
interpretativo.
16° PONTO: CONCEITO E GÊNESE DA LEI
Há uma diferença de grau entre as jurisprudências. A
jurisprudência do Supremo Tribunal tem mais força, Miguel Reale- Noções Preliminares do Direito
Kamilly Ayane - M1 2021.2
Capítulo XIII- Fontes do direito II especialmente na parte relativa ao Direito Civil, e ao Direito
Comercial, as regras não são puramente costumeiras, mas
A Lei e o costume- distinções básicas assumem também um caráter jurisprudencial se tornando
A distinção entre a lei e o costume pode ser feita segundo obrigatórias em virtude de reiteradas decisões.
vários critérios. Quanto a Compreensão do termo "lei" como fonte do direito
 Origem: a lei possui sua linha de atividade claramente Leis éticas: são as normas quando implicam uma diretiva de
marcada no espaço e no tempo. Já o direito costumeiro, comportamento, pautando objetivamente as formas de
não tem origem certa, nem se localiza ou é suscetível de conduta, abrangendo as normas morais, jurídicas e as de
localizar-se de maneira predeterminada. trato social.
 Forma de elaboração: a lei se origina de um órgão certo
e obedece a trâmites prefixados enquanto que o costume Leis técnicas: existe quando a norma escrita é constitutiva
aparece na sociedade de forma imprevista. de direito, quando introduz algo novo com caráter
 Extensão e eficácia: a lei é genérica, possui um elemento obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando
de universalidade, enquanto que a maioria dos costumes comportamentos individuais ou atividades públicas.
são particulares, atendendo a uma categoria de pessoas
Somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no
ou de atos (podendo acontecer o contrário também);
Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária,
 A forma: a lei é sempre escrita enquanto o direito
pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e
costumeiro não é versado.
deveres a que todos devemos respeito.
 Vigência: A vigência da lei é de natureza tal que ela
somente cessa nas condições e no tempo em que nela Herbert Hart- O Conceito de direito
mesmo se determinar, ou que venha a ser determinado
por nova lei. Quanto ao Direito costumeiro propriamente Capítulo IV- O soberano e o súdito
dito, não é possível a determinação do tempo de sua 1. O hábito de obediência e a continuidade do direito
duração, nem tampouco prever-se a forma pela qual vai
operar-se a sua extinção.  A ideia de obediência, aparentemente simples, não está
isenta de complexidades.
Vale pontuar que apenas observa-se um costume jurídico
quando a confluência de dois elementos: 1) repetição Qual a diferença entre um hábito e uma regra?
habitual de um comportamento durante certo período de
tempo e 2) consciência social da obrigatoriedade desse Inicialmente, vale pontuar que há uma semelhança entre
comportamento. regras sociais e hábitos, que é que em ambos os casos, o
comportamento em questão deve ser geral, ainda que não
 O primeiro desses elementos é dito objetivo. Porquanto necessariamente invariável, ou seja, repetido, sempre que a
diz respeito à repetição de um comportamento de ocasião ocorra, pela maior parte do grupo.
maneira habitual; o segundo elemento é chamado
Porém, essas são as principais três diferenças:
subjetivo, visto como está ligado à atitude espiritual dos
homens, considerando tal conduta como necessária ou 1. Para que o grupo tenha um hábito, basta que seu
conveniente ao interesse social. comportamento convirja de fato. O desvio de procedimento
não é necessariamente objeto de crítica. Entretanto, há uma
Observa-se que Direito costumeiro tem um sentido de
regra quando os desvios são vistos como lapsos ou faltas
espontaneidade, como que instintivo. O Direito legislado é
susceptíveis de crítica, e as ameaças de desvio são objeto de
um Direito racional, em que os elementos da obrigatoriedade
pressão e de crítica.
são expressos de maneira esquematizada, após uma
apreciação racionalmente feita da conduta humana. 2. Onde há regras, as críticas por causa do desvio são
encaradas como legítimas ou justificadas neste sentido, tal
Papel dos costumes nos distintos campos do direito
como sucede a exigência de observação do padrão.
A esse propósito vale a pena lembrar de Hans Kelsen. O
3. Um hábito é geral e esta generalidade constitui
mestre da Teoria pura do Direito fundara antes todo o
simplesmente um fato relativo ao comportamento
sistema do Direito em critérios puramente racionais, à luz do
observável do grupo, não se exige que nenhum dos membros
pressuposto lógico de que "o pactuado deve ser mantido"
do grupo pense sobre ou obrigue-se a si e aos outros a o
(pacta sunt servanda). A dolorosa experiência de guerras e
praticarem. Já uma regra social exige que alguns membros
revoluções levou Kelsen a retificar seu ponto de vista,
devem ver no comportamento em questão um padrão geral a
apresentando os costumes internacionais como fundamento
ser observado por todo o grupo. Uma regra social possui um
real do Direito Internacional.
‘‘aspecto interno’’, para além do externo que partilha com o
Partindo da distinção entre Direito Público e Direito Privado, hábito, que consiste no comportamento regular e uniforme
podemos dizer que no primeiro os costumes desempenham que qualquer observador pode registrar.
papel mais relevante. Em algumas Nações, o Direito Público
é, todo ele, no que tem de essencial, de natureza  É necessário que haja uma atitude crítica reflexiva em
consuetudinária. Já no plano do chamado Direito Privado, relação a certos tipos de comportamento enquanto
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padrões comuns e que ela própria se manifeste crítica,
em exigências de conformidade e no reconhecimento d
que tais críticas são justificadas.

Naturalmente, a aceitação de uma regra por uma sociedade


em determinado momento não garante a sua existência
continuada. Pode haver uma revolução, a sociedade pode
deixar de aceitar a regra.

 Os hábitos não são normativos, não podem conferir


direitos ou autoridade a quem quer que seja.

Para revelar as diferenças essenciais entre regras aceitas e


hábitos, considera-se uma forma muito simples de sociedade.

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