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Projeto

Pontes e Travessias

Curso de Aperfeiçoamento em Guia‐interpretação

Promovido por:

Grupo Brasil de Apoio a Pessoa com Surdocegueira e ao

Múltiplo Deficiente Sensorial

São Paulo ‐ Brasil

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Índice

1. Contextualização Histórica .................................................................................. 05

2. Histórico da Educação da Pessoa com Surdocegueira no Mundo e no Brasil .... 16

3. Aquisição de Uma Nova Forma de Comunicação para Pessoas com


Surdocegueira Adquirida ......................................................................................... 31

4. Guia-Intérprete, Função e Técnicas de Interpretação ......................................... 49

5. Ética e Guia-interpretação ................................................................................... 55

6. Aspectos Emocionais das Pessoas com surdocegueira pós-linguísticos ............ 59

7. Legislação ........................................................................................................... 77

8. Anexos ................................................................................................................ 87

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Elaboração da Apostila: Dalva Rosa Watanabe e Shirley Rodrigues Maia

1ª Revisão 2012

2ª Revisão 2020

Coordenação do Curso

 Claudia Sofia Indalécio Pereira

 Dalva Rosa Watanabe

 Shirley Rodrigues Maia

Equipe responsável pelo curso atual

Claudia Sofia Indalécio Pereira

Dalva Rosa Watanabe

Shirley Rodrigues Maia

Silvia Maria Estrela Lourenço

Fernanda Cristina Falkoski

Laura Lebre Monteiro Anccilotto

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“Não se desencoraje. Não tenha medo. Não se desespere. Há
ainda uma oportunidade para que você aproveite a vida, não
importando o quanto se sinta em posição desfavorável. Tenha
ânimo, pois aquilo que eu mesma realizei você poderá realizar,
desde que persista jamais desistindo. Agarre-se a sua fé, num
poder interior mais alto, que seja capaz de ajudá-lo a ajudar-se
a si mesmo”.
Helen Keller

1 - Contextualização Histórica

Denise Teperine Dias

A história é geralmente a melhor mestra, pensar historicamente nos ajuda a


compreender a gênese e o movimento dos processos estudados.

Ao longo dos séculos as pessoas com deficiência têm sido consideradas


como demônios, criaturas de Deus, seres amaldiçoados, videntes, quase animais,
pobres coitados, doentes. Muitos são os valores atribuídos à deficiência.

Contextualizar a deficiência nos permitirá entender o momento histórico e


seus meandros.

Podemos considerar que houve uma evolução na forma de se conceber a


deficiência e de se considerar as pessoas com deficiência.

O conceito de deficiência é resultado de séculos de construção teórica e é


baseado nos modelo médico e social. O modelo médico tem a ênfase na doença, na
patologia, objetiva a cura ou recuperação pelo dano sofrido. O modelo social tem a
ênfase nos prejuízos sociais, objetiva a modificação da sociedade para minorar as
desvantagens a que estão expostas as pessoas com deficiência.

O modelo atual visa uma interação entre modelo médico e social de


deficiência no qual o indivíduo esteja inserido no contexto social com qualidade de
vida, permitindo a participação ativa das pessoas portadoras de deficiência na
educação, trabalho e demais atividades.

A postura da sociedade diante da problemática que envolve a pessoa com


deficiência é resultado de uma evolução no decorrer dos tempos, desde a idade
média.

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Durante muito tempo, os cegos foram considerados como seres inúteis, como
uma espécie inferior, totalmente voltado à ignorância. A sociedade considerava-se
perfeita e media a competência do indivíduo pela sua perfeição anatômica. Caso
contrário tornava-se inviável a sobrevivência do indivíduo no grupo social ao qual
pertencia. Em Esparta, uma criança ao nascer era submetida a testes de resistência,
que lhe daria o direito à vida ou não.

A mentalidade hebraica interpretava a existência de defeitos físicos como


castigo divino, as famílias procuravam ocultar as pessoas com deficiências porque
as viam como uma espécie de maldição dos céus. Com o surgimento do
cristianismo, o amor ao próximo foi ressaltado e a sociedade iniciou um processo de
amparo e proteção aos incapacitados, porém a busca de informações acabava no
esquecimento.

Na Idade Contemporânea (a partir de 1789), com o advento da Revolução


Francesa foi promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que
lançou os princípios Igualdade, Liberdade e Fraternidade. A França foi a primeira a
prestar ajuda material aos cegos. De acordo com a lenda, o Rei Luiz IX e seu
exército teriam sido presos pelos turcos durante as Cruzadas. Como resgate, o
sultão na Turquia pediu uma fabulosa soma em dinheiro, sob a ameaça de que, por
dia que demorasse a entrega, vinte prisioneiros franceses seriam cegados. Durante
quinze dias o fato se sucedeu, até que foram libertados juntamente com o rei. O Rei
Luiz IX (depois S. Luiz) criou então em Paris, no ano de 1.265, o Quinze-Vingts (15 x
20) para servir de refugio a 300 cegos. Na realidade esta instituição foi criada para
dar assistência a 300 franceses que se cegaram nas Cruzadas. O Quinze-Vingts, de
então, era um asilo, e não uma escola. Posteriormente, vários mosteiros, hospitais
cristãos, refúgios, asilos ou retiros foram criados na Síria, Jerusalém, Itália e
Alemanha. Devido a uma descrença na reabilitação do indivíduo deu-se mais ênfase
ao trabalho das instituições do que na capacidade dos indivíduos.

A má distribuição de renda, ou seja, uma pequena parcela da sociedade


concentra as riquezas em suas mãos e a maioria vive num estado de pobreza cada
vez mais agravada pelo desemprego. Esse fato manteve a situação de
marginalidade social ainda maior para as pessoas com deficiência. Segundo os

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empresários esta clientela não conseguiria produzir no mesmo nível dos demais, o
que tornaria sua contratação inviável.

No século XX surgem movimentos que tendem a aceitar pessoas com


deficiências na sociedade, e especificamente no mercado de trabalho. Ainda hoje,
apesar dos avanços científicos das concepções comportamentais, muitas
instituições tendem a oferecer apenas abrigo assistencial às pessoas com
deficiência.

A sociedade começou a dar à pessoa com deficiência condição mínima de


sobrevivência; contudo, ainda a mantinha isolada, segregada, por vê-la como um
indivíduo digno de piedade sem a menor potencialidade.

Áries, relatando a história social da criança e da família, nos faz conhecer que no
século XII que a infância não era reconhecida ou não tinha espaço definido.

A primeira metade do século XX caracterizou-se pela proliferação no Brasil de


instituições asilares e de escolas especiais, de natureza privada e assistencialista.
Que ofereciam apenas abrigo assistencial às pessoas com deficiência.

ANACHE (1994) relata que a primeira manifestação oficial brasileira a


respeito da educação de pessoas com deficiência que se tem conhecimento foi
apresentada em Projeto de Lei à Assembleia por Cornélio Ferreira França, Deputado
Federal em 1835, sendo logo arquivado.

Como marco fundamental da Educação Especial brasileira cita-se o Imperial


Instituto dos Meninos Cegos (hoje Instituto Benjamin Constant) e do Instituto dos
Surdos-mudos (hoje, Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES), ambos na
cidade do Rio de Janeiro.

O Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi criado por interferência de José
Alvarez de Azevedo que era cego e do Médico Dr. Xavier Sigaud que também tinha
uma filha cega. Estes homens uniram-se e reivindicaram junto ao imperador D.
Pedro II a criação de programas para pessoas cegas. Em 12 de setembro de 1854,
foi então oficialmente inaugurada a escola que motivou em 1856 o atendimento aos
surdos denominado Instituto dos Surdos-mudos.

Após esta iniciativa, seis instituições de atendimento foram criadas no


decorrer dos trinta anos seguintes. Estas ofertavam instrução elementar (ensino de
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1ª a 4ª séries) e cursos profissionalizantes de breve duração. No entanto estes
programas sofreram um processo deterioração por depender de uma política que via
o atendimento às pessoas com deficiência como “favor” tanto da administração
escolar, como dos professores, já que a Constituição de 1824 não contemplava um
atendimento educacional para os "deficientes". “Estes incluíam a instrução elementar
e a iniciação técnica e só continuaram pela boa vontade de diretores e professores.
(RIBEIRO, 1988 p.59)”.

Do final do império ao advento da República, eram as pessoas com


deficiências visuais que mais recebiam apoio do Estado. A partir de 1900, também
receberam apoio, as pessoas com deficiências intelectuais, que até então eram tidos
como doentes, internadas em sanatórios psiquiátricos ou forçadas a assumir
trabalhos braçais no campo.

Em relação às pessoas com deficiências visuais sugiram três entidades, a


União dos Cegos do Brasil em 1924 no Rio de Janeiro e em 1929 o Instituto Padre
Chico em São Paulo e Sodalício da Sacra Família no Rio de Janeiro.

Durante a década de 20, com o movimento escola novista e sob a influência


de educadores como Montessori, Decroly, Dewey, Antipoff entre outros, incorporou
novos princípios, adotou instrumentos para tirar e identificar crianças com
“deficiências mentais”. Nesta ocasião, valorizaram-se estudos de psicologia
experimental e a escola juntamente com médicos e educadores, começou a centrar-
se nos interesses da criança, quando também adotou métodos ativos no processo
ensino aprendizagem.

Em 1930 ao lado de Simon e Binet, a educadora Helena Antipoff, adepta de


escola novista, sugeriu a separação de alunos por sala de aula onde na classe A
deveriam agrupar no 1º ano, crianças com até 7 anos e 9 meses. Os repetentes
entrariam em 3 classes sendo: a classe B para alfabetizados, classe C para crianças
de inteligência tardia e classes D para crianças com deficiência, que poderíamos
chamar de classes especiais”.

A primeira experiência educacional sistematizada de atendimento foi criada


no ano de 1932 no estado de Minas Gerais com a fundação da Sociedade
Pestalozzi, por iniciativa de educadora Helena Antipoff, que atendia pessoas com

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deficiência intelectual e tinha como objetivo principal adaptação do “excepcional” à
sociedade.

Por ocasião da 2ª Guerra Mundial, o problema do recrutamento de operários


abriu novo espaço à mão-de-obra da pessoa com deficiência. A sociedade se viu na
obrigação de utilizar a mão-de-obra de pessoas até então marginalizadas. No pós-
guerra, foram criados programas de atendimentos que possibilitaram aos mutilados
de guerra e civis exercerem atividades normais, com a finalidade de compensar o
déficit causado à previdência social. Com isso, a educação e a reabilitação voltaram-
se para os indivíduos portadores de deficiências congênitas. Foram criados centros
de reabilitação. Somente em 1948 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, decretando, indicando e orientando que todos os homens são iguais
perante a lei, buscando instaurar a igualdade de direitos.

A política então vigente tinha o objetivo de cuidar e ajudar a família a


enfrentar a situação. Faremos aqui uma breve incursão pelos paradigmas que
configuram as mudanças no decorrer da História.

Em 1952 surgiu, na cidade do Rio de Janeiro, o primeiro movimento para a


criação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE que buscava
defender os direitos das pessoas com deficiência, mais especificamente das
pessoas com deficiências intelectuais e oferecer-lhes uma educação especial. O
movimento exerceu influência na escola pública brasileira que embora não tenha
assumido a educação de excepcionais, deu seu apoio à criação de instituições
especializadas que contribuíram para a implantação da educação gratuita às
pessoas com deficiência. Apesar da força dos movimentos destas organizações, as
ofertas de atendimento eram muito tímidas, apenas grandes centros ofertavam
serviços especializados.

Deve-se às escolas especiais a iniciativa de propagar a utilização de materiais


e metodologias específicas, bem como a criação de cursos de habilitação para
professores que atuavam no ensino especial. As campanhas nacionais de educação
ganharam força a partir de 1975, para as áreas auditiva, visual e mental. Estas
tinham como objetivo a ampliação de atendimento, fornecimento de subsídios
técnicos e financeiros, incentivo à promoção de cursos e a fundação de entidades
educacionais.

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O primeiro paradigma formal identificado no país foi o da Institucionalização,
caracterizado pela retirada das pessoas com deficiências de suas comunidades de
origem e por sua manutenção em instituições residenciais, segregadas.

As estimativas do OMS (Organização Mundial de Saúde) preveem de um


modo geral, para um País em vias de crescimento, um índice médio de dez por
cento de pessoas com deficiência sobre a população total. Acrescente-se que a alta
incidência se dava, sobretudo, às consequências de subdesenvolvimento econômico
em seus múltiplos aspectos, destacando-se a subnutrição materno-infantil e doenças
decorrentes, o traumatismo de vários tipos e a falta ou precariedade de assistência
médica, pré, peri ou pós-natal que afetam expressivas camadas da população.
Avultavam ainda problemas correlatos como verminose infantil, doenças hereditárias
e transmissíveis, falta de higiene e de educação, nível inferior de instrução e de
preparo profissional de grande número de pais, sobretudo em classes sociais menos
favorecidas em grandes áreas geoeconômicas reconhecidamente pobres.

Destaca-se no Brasil como matéria de avanço resultante destas campanhas


as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4024/61 e 5692/71 que
sistematizaram o ensino público. Estas conquistas são significativas para a
educação pública por inserir legalmente a pessoa com deficiência dentro do contexto
escolar brasileiro. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases n. º 4024/61
ficava garantida à pessoa com deficiência o direito de integração no ensino regular.
No entanto esta lei não passou de uma conquista apenas legal, pois pela falta de
uma ação direta do Estado, a educação dessa clientela continuou o encargo das
instituições especializadas.

O ano de 1971 constitui-se num marco importante na história da educação


especial do Brasil, quando esta foi contemplada pela primeira vez, na legislação
educacional com alguns artigos da lei 4.024/61 que estabelecia as diretrizes e Bases
da Educação Especial. Uma década após, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases
n. º 5692/72 com o intuito de corrigir inadequações do ensino médio. A nova Lei de
Diretrizes e Bases propôs a reformulação do ensino superior e ajustes econômicos
para a educação vigente, também promulgava alterações que beneficiaram mais o
ensino especial. “Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que
encontram com atraso considerável quanto à idade regular de matrícula a os

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superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas
fixadas pelos competentes Conselhos de Educação”. (BRASIL – LEI 5692/71 art. 9º,
In BRASIL (1994)).

Nos anos 70, surgiu uma nova concepção sobre a deficiência, em que não só
a pessoa com deficiência, mas o ambiente geral que a cerca, deveria criar condições
para sua integração na sociedade. Dentro dessa nova visão, a Organização das
Nações Unidas adotou nessa década duas declarações pioneiras quanto a essa
questão. A Declaração dos Direitos do Deficiente Mental e a Declaração dos Direitos
das Pessoas Deficientes. Em 1.973, através do Decreto número 72.425 de
03.07.1973, foi criado no Ministério da Educação e Cultura, o Centro Nacional de
Educação Especial (Cenesp), Órgão Central de Direção Superior, com a finalidade
de promover em todo território nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos
excepcionais. O Cenesp veio para proporcionar oportunidade e educação, propondo
e implementando estratégias decorrentes dos princípios doutrinários e políticos para
orientar a Educação Especial no período pré-escolar, nos ensinos de primeiros e
segundo graus, superior e supletivo, para pessoas com deficiência de visão,
audição, intelectuais, físicos, educandos com problemas de conduta, para os que
possuem deficiências múltiplas e os superdotados, visando sua participação
progressiva na comunidade.

O Cenesp já era um órgão cogitado anteriormente. Em 1963, quando se


reuniram na cidade de Brasília especialista na área, para um Simpósio de Educação
Especial, ressaltou-se a necessidade de um órgão deste vulto. Neste evento, outros
pontos foram salientados, com o incentivo à pesquisa e a realização de campanhas
de esclarecimentos na escola e na sociedade. Mais uma vez se tocou na
necessidade da educação em classes comuns. No ano de 1.978 trouxe a emenda
Tales Ramalho à nossa Carta Magna. A partir de 17/8 estava assegurado
legalmente à assistência, reabilitação e reinserção dos deficientes na vida
econômica e social do país. Ficava proibida, a discriminação e aberta a possibilidade
de admissão ao serviço público. Entretanto, não serão as leis ou a falta dela, as
responsáveis pelos problemas das pessoas com deficiência. O Brasil continuava a
caminhar vagarosamente no sentido de reconhecer as pessoas com deficiência.
Assim foi que a partir da década de 70 se intensificaram as discussões em prol de
nova mudança e, a partir da década de 80, se iniciaram vários experimentos mais
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sistematizados com o objetivo de integrar essas pessoas com deficiência ao sistema
da escola regular. Tendo por princípio básico a igualdade de direitos e o acesso aos
meios de desenvolvimento de suas habilidades. Conquanto as críticas à
institucionalização fossem provenientes principalmente de pensadores europeus e
norte-americanos o Brasil também foi influenciado pelo objetivo da diminuição do
custo social motivando fortemente contra o uso da institucionalização.

O princípio da normalização que se originou na década de 70 teve como definição o


modelo médico de deficiência que expõe que o deficiente deveria ser moldado, isto
é, o indivíduo deveria ser adaptado para fazer parte da sociedade do modo que ela
é, sem maiores modificações e satisfazer os padrões do meio social. De certa forma
os princípios da normalização valorizavam a inclusão social visto que as instituições
buscavam o ambiente de socialização dentro da própria instituição. O Ano
Internacional das Pessoas Deficientes (1.980) trouxe à tona toda a problemática.
Muito se pretendeu, mas pouco se alcançou. O país inteiro esteve
mobilizado 365 dias com promessas para uma década. Especialistas de todas
as áreas se reuniram com o objetivo único de estabelecerem diretrizes e traçar
procedimentos para uma ação conjunta. Mais cinco anos decorreu, quando em
04.11.1985, novamente um Presidente, preocupado com a elevada estimativa de
pessoas com deficiência no país institui, sob a presidência do Ministro de Estado da
Educação, um comitê para traçar política e ação conjunta "visando ao
aprimoramento” da educação especial e à integração das pessoas com deficiência.
Os artigos 58 e 59 nos dizem que a Educação Especial, para efeitos desta Lei, é
uma modalidade de educação escolar oferecida “preferencialmente" na rede regular
de ensino, a partir da educação infantil (de zero a seis anos de idade), apoiando-as
no sentido de criar condições de integração e conscientização das necessidades
escolares dessas crianças. Caso não seja possível a sua integração nas classes
comuns de ensino regular, seus atendimentos educacionais serão feitos somente em
classes, escolas ou serviços especializados. O art. 60, afirma que os sistemas de
ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: currículos,
métodos, técnicas, recursos educativos e organizações específicas para atender as
suas necessidades no que diz respeito ao apoio técnico e financeiro dado pelo
Poder Público com a aplicação dos atendimentos na própria rede pública regular.

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Assim a década de 80 foi marcada por um período de desinstitucionalização
chamado de Maisntreaming, cujo objetivo era de desenvolver o relacionamento de
maneira mais participativa dentro do organismo social, a pessoa com deficiência era
inserida no âmbito social comum, sem que houvesse modificação deste ambiente.

Vemos que os conceitos de integração advogavam o direito e a necessidade


das pessoas com deficiência serem tratadas de forma a encaminhar, o mais
aproximadamente possível, para os níveis da normalidade estética e funcional, ou
seja, que os diferentes se assemelhassem à maioria.

Fundamentado nos princípios da normalização e da integração desenvolveu-


se o segundo paradigma denominado Paradigma de Serviços cujo objetivo principal
era ajudar pessoas com deficiências a obter uma existência mais próxima do normal.
O que ficava por detrás era a ideia de que para ter o direito à convivência social ele
teria que se ajustar no sentido de vir a parecer e funcionar do modo mais
semelhante possível ao dos demais membros da sociedade.

O modelo atual denominado Inclusão diz que todos têm direito à educação e
ao acesso aos bens culturais. Há uma legislação para a educação das pessoas com
deficiência, cujo nome é Educação Especial, fundamentada nos princípios de acesso
e permanência. Os artigos 4º e 5º são claros quanto à obrigatoriedade e gratuidade
de ensino fundamental. “Acesso ao ensino fundamental é direito público, subjetivo,
podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização
sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda o Ministério
Público, acionar o Poder Público para exigi-lo como consta no Caput 5º” (ART. 4º
inciso II da Lei 9394/96).

Observa-se, portanto na legislação vigente uma preocupação em assegurar o


ingresso no sistema escolar estando dentro ou fora da faixa etária sugerida, No
entanto, sabe-se que apesar das garantias do ingresso e permanência do aluno na
escola, há ainda de se rever por parte do sistema educacional a elaboração de um
projeto político audacioso, voltado à integração dos alunos com deficiência, no
contexto físico do ensino regular público.

A educação especial, em suas diversas áreas, apesar do notável crescimento


das últimas décadas, ainda é desconhecida, mal interpretada, e questionada pelos

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órgãos que a defendem, principalmente no que se refere às políticas educacionais
atendimento.

Segundo dados da Seesp/MEC (1994) atualmente apenas 1% da população


recebe atendimento especializado dos 10% estimado pela ONU de pessoas com
deficiência. O primeiro trabalho na área de surdocegueira no Brasil existe há 30 anos
por idealismo de uma pedagoga de São Paulo chamada Nice Tonhozi Saraiva. Ela
conseguiu uma bolsa para estudar na escola Perkins School após a visita no Brasil
em 1953 de Helen Keller, a primeira pessoa com surdocegueira reconhecida
internacionalmente e homenageada como cidadã do mundo pelo trabalho, inclusão,
coragem e força. Nice com apoio da professora Neusa Bassetto outra idealizadora
da educação de pessoas com surdocegueira no Brasil conseguiu construir na cidade
de São Caetano do Sul a primeira escola do Brasil e América Latina para pessoas
com surdocegueira.

Elas treinaram outras pedagogas que continuaram esta luta contando sempre
com o apoio das famílias das pessoas com surdocegueira.

A partir dos anos 90 com apoio de instituições internacionais como Programa


Hilton Perkins para América Latina dos Estados Unidos, Sense Internacional da
Inglaterra, Shia da Suécia e a Once da Espanha, foram promovidos cursos de
capacitação para pais, profissionais e encontros para pessoas com surdocegueira,
implantados novos serviços pelo Brasil e ocorreu ainda o incentivo para criação da
Associação de Pais e de pessoas com surdocegueira em nível nacional.

Quando surgiram discussões sobre as dificuldades de conseguir apoio


isoladamente, os profissionais e instituições envolvidas na educação de pessoas
com surdocegueira resolveram após o curso de formação continuada, realizado pela
Sense em 1996 e 1997 em Curitiba levantar todas as dificuldades das instituições
que trabalhavam com pessoas com surdocegueira e também quais eram as metas a
serem alcançadas. Desse momento então surgiu a ideia de criar o Grupo Brasil de
Apoio ao Pessoa com surdocegueira e ao Múltiplo deficiente Sensorial, procurando
assim difundir a surdocegueira no Brasil, informando, conscientizando, capacitando
e implantando serviços.

Por meio do Grupo Brasil foi realizado os primeiros encontros Regionais,


Nacionais, as primeiras publicações sobre surdocegueira e a conquista de ser
incluído nos Parâmetros Nacionais de Educação, nas Leis de Diretrizes e Bases e a
criação da Lei Municipal reconhecendo a surdocegueira com deficiência Única na
cidade de São Paulo, bem como nas ações da Secretaria Nacional de Educação

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Especial na criação dos setores de surdocegueira nos CAP’s Centro de Apoio
Pedagógico ao Deficiente Visual e ao CAS - Centro de Apoio ao Surdo. O
reconhecimento das profissões professor de pessoa com surdocegueira e guia-
intérprete através da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) do Ministério do
Trabalho. A privação cultural tem se destacado como uma das causas de um pobre
rendimento intelectual das pessoas com deficiência no qual a ausência de fatores de
estimulação no meio ambiente resultam em dificuldades no desenvolvimento das
habilidades cognitivas, motora e principalmente verbal.

Não obstante as conquistas legislativas que asseguram os direitos das


pessoas com deficiência há de se buscar uma participação efetiva dos órgãos
públicos, comunitários, entidades, enfim, da sociedade em geral por meio de um
exercício sério e continuado de suas funções.

Hoje temos a Convenção da ONU que foi ratificada pelo Brasil em 2006 e
assim ela tem a legalização como nossa constituição, temos também a Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência nº 13.146/2015.

Compete ao Estado garantir a aplicação das leis que favoreçam o ensino às


pessoas com deficiências e ao sistema educacional prover meios e lutar para que
estas pessoas recebam a educação que lhes é direito como ser humano e cidadãos
socialmente constituídos. Mas, compete também à sociedade como um todo atender
as pessoas com deficiência, reconhecendo-as como seres produtivos e capazes de
assumir sua cidadania sem ideias assistencialistas que são apenas paliativas para
estas pessoas.

Referências

Anache, A.A. Educação e Deficiência – Estudos sobre a educação da pessoa com


“deficiência” visual. Campo Grande: CECITEC/UFMS,1994.

Jannuzzi, G. De M. Políticas Públicas de Inclusão Escolar da pessoa portadora de


deficiência (1985), reflexões Revista GIS Rio de Janeiro outubro de 2004.

Ribeiro, M.L.S. História da Educação Brasileira - Organização Escolares, editora


Autores Associados p.59 17º edição de 2001.

15
“Tarefa árdua, e ao mesmo tempo empolgante, é a de enfrentar o desafio de
iniciar um novo trabalho de campo da educação especializada”.

Saraiva, N. (1977 p. 137).

2 - Histórico da Educação da Pessoa com Surdocegueira no Mundo e no


Brasil1

Shirley Rodrigues Maia

A história da educação da pessoa com surdocegueira se inicia conforme


Camacho (2002) com Victoria Morriseau (1789-1832) como a primeira pessoa
surdocega de quem se tem dados de ter uma atenção educativa em uma instituição
de surdos no final dos anos de 1700 na França. Em princípios do século, ano de
1800 registrou-se na Escócia o caso de James Mitchel (nascido em 1795), o qual
teve um atendimento individualizado nos seus primeiros anos de vida. Amaral (2002)
relata que nos Estados Unidos a educação da pessoa com surdocegueira iniciou-se
no começo do século XIX, quando Julia Brice, uma jovem que ficou surda e cega ao
mesmo tempo aos quatro anos e meio de idade, entrou no asilo para surdos e
deficientes mentais de Hartford em 1825, e aprendeu sua comunicação com sinais.

Em 1830 Dr. Samuel Gridley Howe abriu a escola Perkins para Cegos nos
Estados Unidos, interessou-se pela pessoa com surdocegueira quando entrou em
contato com Laura Bridgman, uma jovem que era surdocega desde os dezoito
meses de idade, ela foi admitida na Perkins e o próprio Dr. Howe a ensinou. Em
1860 a França foi o primeiro país da Europa a efetivar a educação de crianças
surdocegas quando uma menina, Germanine Cambom, que era surdocega, foi
aceita na escola de meninas surdas em Larney, perto de Poitiers.

Essas informações, arroladas a seguir, trazem a real dimensão e a


importância das atuais iniciativas

 Os avanços alcançados em saúde e educação;

 O envolvimento da família e da sociedade em geral colaborando com os


profissionais;

1
Texto integrante da dissertação de mestrado de Shirley Rodrigues Maia - Educação de Pessoa com
surdocegueiras - Diretrizes Básicas para pessoas não especializadas-2004 - Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
16
 A reflexão constante sobre o quanto e o que falta para se atingir os
objetivos propostos a uma atenção integral à pessoa surdocega.

Segundo Monteiro (1996) hoje conseguimos obter alguns relatos das


primeiras pessoas com surdocegueira, numa valorização do passado e das ações já
realizadas na área da surdocegueira. Dados registrados sobre pessoas com
surdocegueira:

Fora do Brasil

RAGNILD KAATA – norueguês pessoa com surdocegueira que aprendeu a falar


pela vibração dos sons da fala (sem registro de data).

JAMES MITCHELL – escocês nascido em 1795. Desenvolveu com a família um


sistema de sinais para se comunicar. Em 1813 foi avaliado “por eminente filósofo
escocês Dr. Stervart” com enfoque mais filosófico que educacional.

JULIA BRICE – americana (1807-1884) atendida em um asilo para surdos em


Hartford - Estados Unidos

LAURA BRIGDMAN – americana nascida em 1829. A primeira surdocega educada


na Perkins School for the Blind dos USA, por Samuel Gridley Howe, a partir de 1837.
Aprendeu as palavras através de letras em relevo; seu professor pendurava em
todos os objetos, cartões escritos com os respectivos nomes. Só mais tarde
aprendeu o alfabeto manual que foi seu meio de comunicação. Nunca saiu da
Perkins.

HELEN HELLER – americana nascida em 1880. A primeira surdocega que adquiriu


reconhecimento internacional em razão de suas conquistas. Foi educada por Anne
Sullivan, sua famosa professora, após ter vivido com a família no campo, em total
liberdade até 7 anos de idade sem uma educação formal. A partir de 1887, Anne sua
professora em tempo integral ensinou-a comunicar-se por meio do alfabeto manual,
e mais tarde aprendeu a fala (comunicação oral) com Sara Fuller, professora de uma
escola de surdos, por meio do tato (método conhecido como TADOMA2). Mais tarde
Anne Sullivan foi sua guia-intérprete.

2
TADOMA “Este Método de comunicação consiste na percepção tátil da língua oral emitida,mediante
uso de uma ou das duas mãos da pessoa surdocega. A recepção das mensagens orais ocorre,
geralmente mediante o posicionamento suave do dedo polegar da pessoa surdocega , sobre os
lábios do interlocutor. Os demais dedos se mantêm sobre a bochecha, a mandíbula e a garganta do
17
Helen Keller formou-se pelo Colégio Cambridge para Moças, frequentou a Escola
Perkins e formou-se em filosofia em 1904. Dominou várias línguas. Destacou-se por
sua brilhante inteligência, marcante personalidade, culta e sensível. Helen Keller fez
conferências pelo mundo todo demonstrando como havia vencido as barreiras
impostas pela surdocegueira, dando um exemplo de vida a todos. Foi poetisa,
escritora (escreveu vários livros inclusive sua biografia), mas sua maior glória foi ser
considerada cidadã do mundo devido ao alcance de sua atuação e sua
grandiosidade como pessoa que se revela em frases como essa: “Desejo aprender
quatro coisas na vida: pensar com clareza e serenidade, amar a todos sinceramente,
proceder sempre com nobreza e colocar toda confiança em Deus”.

OLGA SKOROHODOVA – russa, começou em 1944 sua educação com Ivan


Sokoliansky em Harkov. Ela ficou famosa por ele ter escrito dois livros sobre a vida
dela. Após a morte dele Olga junto com Galina Vasina continuou o trabalho com
pessoa com surdocegueira na Rússia.

No Brasil

MARIA FRANCISCA DA SILVA – mineira nascida em 1943, primeira pessoa com


surdocegueira alfabetizada no Brasil, atualmente é presidente de honra da
Associação Brasileira de Pessoa com surdocegueira (ABRASC)- Participou de
diversas conferências internacionais como na Arábia Saudita em Bahaim em 1983,
representando a pessoa com surdocegueira do Brasil e na Colômbia em Paipa, em
1997, em conjunto com Claudia Sofia, para organizar o programa de estruturação e
fundação da Associação de Pessoa com Surdocegueira do Brasil.

CLAUDIA SOFIA INDALÉCIO PEREIRA – mineira nascida em 1969, ficou


surdocega desde os dezenove anos, usuária do sistema TADOMA, é a presidente
do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Pessoa com Surdocegueira -
ABRASC e coordenadora das oficinas do projeto de profissionalização para pessoa
com surdocegueira no Day Center “Yolanda de Rodriguez” do Grupo Brasil de Apoio
ao Pessoa com surdocegueira e ao Múltiplo Deficiente Sensorial em parceria com a
SENSE - Internacional Latino América, representante das pessoas com
surdocegueira no Conselho Estadual de São Paulo da Pessoa com Deficiência.

interlocutor. Essa posição viabiliza ao acesso á pessoa surdocega á produção da fala pelos seus
interlocutores” (Maia e Nascimento,2002).

18
ALEX GARCIA – gaúcho nascido em 1976, pessoa com surdocegueira parcial, o
primeiro a cursar nível superior no Brasil, especialista em Educação Especial pela
Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul, atualmente é presidente
da Agapasm- Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Pessoa com
surdocegueiras.

ROMUALDO SOUZA – paulista nascido em 1954, a primeira pessoa com


surdocegueira em 1975 a ser integrado na rede pública de ensino em São Caetano
do Sul e posteriormente incluído no mercado de trabalho na empresa NAKATA.
Casado e está aposentado, vivendo com sua família.

CARLOS JORGE W. RODRIGUES – carioca nascido em 1960, a primeira pessoa


com surdocegueira a se formar em mergulho adaptado no Brasil e o segundo do
mundo, hoje é instrutor de mergulho adaptado para deficientes na Sociedade
Brasileira de Mergulho Adaptado - SOBAM.

MANOEL OSORIO PINTO – paulistano nascido em 1930, devido vários acidentes


na idade infanto juvenil ficou surdo tendo atrofia do nervo auditivo, trabalhou em
marcenaria, vendas de carros e estudou até o primeiro grau. Em 1978 sofreu um
acidente de carro, fez várias cirurgias e transplante de córnea e com sessenta anos
ficou cego total, comunicava-se com uma placa feita por ele com os pontos em
braille e as letras do alfabeto correspondente oferecendo a oportunidade às pessoas
videntes para se comunicarem com ele.

CARLOS ROBERTO NUNES – paulistano nascido em 1949, engenheiro químico,


ficou pessoa com surdocegueira aos quarenta anos. É uma pessoa que trabalhou
em uma indústria e agora auxilia na educação de jovens pessoas com
surdocegueira. Casado vivendo com esposa e filho.

CRISTIAN ELVES FERNANDES – paulistano nascido em 1976, Pedagogo formado


na Universidade Sagrado Coração em Bauru, pessoa com síndrome de Usher.

EULALIA ALVES CORDEIRO – paulistana, membro do Conselho Municipal de São


Paulo das Pessoas com Deficiência, pessoa com Síndrome de Usher.

BRUNO FONTES – carioca nascido em 1984 na cidade de Angra dos Reis,


Estudante de Ciências da Computação

19
JANINNE PIRES FARIAS- baiana nascida em 1992, na cidade de Guanambi,
Estudante de Pedagogia.

YURI – brasiliense nascido em 1994, formado em Letras-Libras.

CAMILA INDALECIO PEREIRA - mineira nascida em 1986, representante em


conselhos Estaduais e Municipais de Direitos das Pessoas com Deficiência Fórum
Municipal de Educação e Conselho Municipal da Saúde.

2.2. A História da Educação da pessoa com Surdocegueira no Brasil

O trabalho com a pessoa com surdocegueira no Brasil surgiu na década de


60, por empenho de Dona Nice Tonhosi Saraiva que, após visita de Helen Keller a
São Paulo, em 1953, estabeleceu o objetivo de iniciar a educação da pessoa com
surdocegueira Saraiva (1977, p. 137) disse “Tarefa árdua, e ao mesmo tempo
empolgante, é a de enfrentar o desafio de iniciar um novo trabalho de campo da
educação especializada” Através de uma bolsa conquistada foi para escola Perkins,
na qual era a segunda professora latina americana a participar do curso de
especialização na educação de pessoa com surdocegueira. No seu retorno, fez
várias tentativas de implantação do atendimento a pessoa com surdocegueira,
conseguindo conforme seu relato em 1977 após a realização da Campanha
Nacional de Educação de Cegos, uma verba para criação do setor de Educação de
Deficientes Audiovisuais. Assim surgiu no Instituto Padre Chico a primeira classe
especial para pessoa com surdocegueira, a qual funcionou durante um ano e meio
com duas alunas, ambas com 10 anos. O treinamento das primeiras professoras do
Brasil começou após a palestra na Fundação para o livro do Cego, com as
professoras de cego, Thereza Adelino Barros Tavares e Dana Zoegan Badra,
agregou–se logo após uma professora da classe comum, Sra. Nelly de Paula.
Quando a classe foi extinta, por falta de recursos, as professoras Nice e Tereza, que
seguiam com esse trabalho não mediram esforços para sua continuidade e com
apoio da Fundação para o Livro do Cego criaram em 1963 o Setor de Educação de
Deficientes Audiovisuais - SEDAV, com os objetivos de: Orientação à escola ou
classe especial, Pesquisa para localização de casos, Encaminhamentos de casos
localizados, Alfabetização e Comunicação para adultos, Treinamento de
professores, Divulgação e Palestra de esclarecimentos para comunidade. As duas
20
meninas foram encaminhadas para instituições no interior do Estado de São Paulo,
Lar Nosso Ninho, de Araraquara e outro lar em Atibaia. Após algum tempo de
funcionamento do Setor de Educação de Deficientes Audiovisuais - SEDAV, foi
transferido para área do Estado. Consolidando as iniciativas de cunho pessoal,
criou-se o setor de Educação de Assistência aos Deficientes Audiovisuais, através
da portaria nº 75, de 21 de Maio de 1964, subordinado ao Serviço de Educação de
Surdos. O trabalho começou com atendimento de: dois adultos na capital, uma
criança em São Caetano do Sul e uma de Santo André, na modalidade domiciliar
uma moça de Belo Horizonte por meio de correspondência. Mas um processo
encaminhando pela Assembléia Legislativa para parecer técnico mudou a história da
Educação da pessoa com surdocegueira. O deputado Osvaldo Massei, de São
Caetano do Sul, havia encaminhando um projeto de lei para criação de uma escola
de excepcionais para o Município, que agregaria crianças de todas as deficiências.
As professoras Nice e Tereza deram parecer contrário a essa solicitação,
justificando que cada deficiência requer especialização adequada e materiais que
assistam as necessidades específicas. Elas decidiram apresentar o projeto para
criação da escola para deficientes audiovisuais.

Em 09 de Agosto de 1968 foi assinada a Lei municipal, pelo prefeito Hermógenes


Valter Braido, criando a primeira Escola Residencial para Deficientes Audiovisuais
(ERDAV) da América Latina. A escola nunca funcionou como residencial, devido à
problemas administrativos do município e políticas públicas estaduais. Foi fechada
várias vezes e foi assumida definitivamente pelo governo municipal de São Caetano
do Sul, em 1977, recebendo o nome de “Escola de Educação Especial Anne
Sullivan”, mantida pela Fundação Municipal Anne Sullivan. Nessa época D. Nice
contou com auxílio e empenho de Neusa Bassetto, que estava atuando com
pessoa com surdocegueira desde 1970 sendo a segunda profissional do Brasil a
estudar na Escola Perkins e mais tarde na Escola de Surdos da Holanda. Ela treinou
a professora Dalvanise de Farias Duarte, que atuou até 2011 na área, prestando
seus serviços na Ahimsa Associação Educacional para Múltipla Deficiência. Outra
contribuição importante foi a do psicólogo Sr. Geraldo Sandoval, idealista e
dedicado à educação de deficientes visuais, representante do Serviço Nacional da
Indústria - SENAI, em Análise Ocupacional do Deficiente Visual presidente da
Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais - ABEDEV, quando
21
organizaram em 1977 o I Seminário Brasileiro de Educação do Deficiente Audio-
Visual - SEDAV em São Paulo, com participação de palestrantes da Alemanha,
Estados Unidos, Holanda e Inglaterra.

Com o passar dos anos foram surgindo novas instituições com o mesmo objetivo
educacional que a Escola Municipal Anne Sullivan, entre elas encontram-se:

ADEFAV – Centro de Recursos nas áreas de Surdocegueira, Deficiência Múltipla e


Deficiência Visual em São Paulo – criada em Outubro de 1983, por profissionais.

"AHIMSA" Associação Educacional para Múltipla Deficiência – São Paulo criada em


Março de 1991, por profissionais e pais.

Centro de Treinamento e Reabilitação da Audição CENTRAU - Setor de


Atendimento ao Pessoa com surdocegueira – Curitiba – Paraná criada em 1991 por
pais e profissionais

A partir de 1992 vários trabalhos começaram a emergir por todo o Brasil. No Estado
de São Paulo, em São José dos Campos. No estado de Santa Catarina, em São
José, Brusque e Santo Amaro. No estado do Ceará em Fortaleza. No Estado da
Bahia em Barreiras, Alagoinhas e Salvador. No Estado do Rio Grande do Norte em
Natal. No Estado de Minas Gerais em Juiz de Fora, Belo Horizonte e Prata. No
Estado do Rio Grande do Sul em Cruz Alta, Santa Maria e Caxias do Sul. No Estado
de Rondônia em Ji-Paraná. No Estado do Paraná em Umuarama, Maringá e Pato
Branco. No Distrito Federal em Brasília, no Estado do Rio de Janeiro em Angra dos
Reis e Rio de Janeiro. No Estado de Mato Grosso do Sul, em Dourados e Campo
Grande, No estado de Mato Grosso na cidade de Cuiabá, No Paraná nas cidades de
Francisco Beltrão, Maringá, Londrina e Cascavel.

Na área de saúde temos em São Paulo, o Setor de Baixa Visão do Departamento de


Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia, que passou a atender em Intervenção
Precoce e Adaptações Ópticas, pessoas com surdocegueira e deficiência múltipla
sensoriail3

3
São consideradas pessoas múltiplas deficientes sensoriais, pessoas surdas ou deficientes visuais que
apresentam outros comprometimentos ou deficiências (motora e/ ou mental) associadas

22
Apesar da Educação da pessoa com Surdocegueira no Brasil existir há quarenta e
quatro anos,4 somente a partir dos anos 90 conseguiu um avanço profissional
significativo, que caracterizou-se pelo intercâmbio com instituições internacionais.

Foi quando o PROGRAMA HILTON PERKINS para a América latina apoiou os


trabalhos dedicados à área da surdocegueira, ministrando cursos de capacitação de
três anos para professores, como também a SENSE INTERNATIONAL da Inglaterra,
contando com o apoio financeiro da Organização Nacional de Cegos da Espanha-
ONCE e a União Latino Americana de Cegos - ULAC.

Em 1997, a pessoa com surdocegueira adulta foi contemplada pelo Programa de


Apoio a Organizações de Pessoas Surdocegas da América Latina - POSCAL, pela
Organização Nacional Sueca - SHIA, pela Federação Sueca de Pessoa com
surdocegueira, e pela Federação Nacional de Surdos Colombianos - FENASCOL,
criando a Associação Brasileira de Pessoa com Surdocegueira- ABRASC. Os pais
com apoio do PROGRAMA HILTON PERKINS, foram incentivados e receberam
cursos para a organização da Associação Brasileira de Pais e Amigos dos Pessoa
com Surdocegueira e Múltiplos Deficientes Sensoriais - ABRAPASCEM.

Outros importantes acontecimentos contribuíram e enriqueceram a área, conforme


relatam Petersen et ali (1999). Em Maio de 1997 – Ocorreu a Fundação do Grupo
Brasil de Apoio ao Pessoa com surdocegueira e Múltiplo Deficiente Sensorial, criado
pelas instituições que atendem a pessoa com surdocegueira, Associação de Pais e
Associação de Pessoa com Surdocegueira, que tem por missão: “A conscientização,
informação, ampliação de serviços e políticas públicas de atendimento nas áreas de
saúde, educação, trabalho, esporte e lazer em todo território nacional”

O Grupo Brasil realizou, ou acompanhou, desde sua criação, diversos


acontecimentos como:

Encontros

1997

I Encontro Nacional de Pessoa com Surdocegueira em São Paulo no Instituto Santa


Teresinha - São Paulo, participação de 66 pessoas.

4
Fonte: Grupo Brasil de Apoio ao Pessoa com surdocegueira e ao Múltiplo Deficiente Sensorial,apostila em
mimeo, 2004.
23
I Encontro da região Sul- no Centro de Reabilitação da Audição – CENTRAU- em
Curitiba - Paraná, participação de 80 pessoas.

1998

II Encontro da Região Sul na Fundação Catarinense de Educação Especial- FCEE-


São José –Santa Catarina, participação de 100 pessoas.

I Encontro Nacional de Instituições e Famílias e II de Pessoa com surdocegueira, na


Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais- APAE em São Paulo, com a
participação de 160 pessoas.

1999

III Encontro da Região Sul - na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais -


APAE – Instituto Santa Inês - Brusque - Santa Catarina, com a participação de 100
pessoas.

Encontro de Pais do Vale do Paraíba - na Associação para Deficientes da Visão -


Pró-Visão em São José dos Campos, com participação de 80 pessoas.

2000

IV- Encontro da Região Sul na Universidade Federal de Santa Maria - Santa Maria -
Rio Grande do Sul, com participação de 150 pessoas.

Encontro em Umuarama - na Associação de Surdos de Umuarama - Assumu, para


pais, pessoa com surdocegueira, profissionais e comunidade, com participação de
100 pessoas.

Encontro na Fundação Catarinense de Educação Especial, para pais, profissionais e


pessoa com surdocegueira, com participação de 40 pessoas.

2001

II Encontro Nacional de Família e Instituições e o IV de Pessoa com surdocegueira


com apoio do Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Especial,
com participação de 240 pessoas.

I Encontro de Surdocegueira para Pais, Profissionais e Pessoa com surdocegueira


de Minas Gerais no Instituto São Rafael para Cegos, com a participação de 180
pessoas.

24
2002

I Encontro Estadual da Bahia , com a participação de 350 pessoas.

I Encontro Ibero Latino Americano - Surdocegueira Atravessando Fronteiras


Construindo Conhecimentos – na Universidade Presbiteriana Mackenzie,
participação de 220 pessoas.

2003

Grupo de Usher- na Fundação Catarinense de Educação Especial.

Criação

1998

Associação Brasileira de Pessoa com surdocegueira - ABRASC.

1999

Associação Brasileira de Pais e Amigos de Pessoa com surdocegueira e Múltiplo


Sensorial- ABRAPASCEM.

2001

Centro de Integração e Famílias Vitor Eduardo - CIVE em São Caetano do Sul – SP.

Grupo de Estudos da Síndrome de Usher.

2002

Grupo de Estudo em Parceria com a Universidade Presbiteriana Mackenzie.

2003

Day Center “Yolanda de Rodríguez” - Para Oficinas Profissionalizantes, Geração de


Rendas e Culturais para pessoas surdocegas, múltiplas deficientes sensoriais e
famílias

Lançamentos

1998

Folhetos sobre a comunicação da pessoa com surdocegueira pré e pós-lingüístico,


parceria com a APABB - Associação do Banco do Brasil.

25
1999

Semana Nacional Maria Francisca da Silva comemorada na terceira semana de


Novembro em homenagem ao aniversário de D. Nice Tonhosi de Saraiva e a própria
Maria Francisca que é a primeira surdocega alfabetizada no Brasil.

Jornal – “TOQUE MÃOS QUE FALAM” distribuição Nacional gratuita.

2001

Cartilhas: Síndrome de Usher e Famílias, da Série Surdocegueira e Múltipla


Deficiência Sensorial - no Instituto Nacional de Surdos - INES Rio de Janeiro

2002

Campanha Toque-me sobre detecção da Síndrome de Usher, com parceria da


Escola Paulista de Medicina e Grupo Retina Brasil.

2003

Cartilha Pessoa com surdocegueira Pós-Lingüístico em parceria com o Conselho


Estadual para Assuntos da Pessoa Portadora de Deficiência.

Manual para Pais e Profissionais – Educação da Criança Surdocega de Ximena


Serpa

Livreto – Projeto sobre Jovens e Adultos Pessoas com Surdocegueira no Brasil e


suas Opiniões.

Livreto – O que pensamos das pessoas surdocegas e o que elas fazem para viver.

Parcerias e Intercâmbios

2000

Intercâmbio para Criação do I Curso Latu Senso na Universidade Presbiteriana


Mackenzie: Formação de Educadores para Pessoas Portadoras de Deficiências
Sensoriais e Múltiplas Deficiências

2002

Elaboração das Adaptações dos Parâmetros Nacionais Curriculares - PCN de 0 a 6


anos, para o Ministério da Educação - Secretaria Nacional de Educação Especial

26
2003

Universidade Federal de Medicina - Escola Paulista de Medicina - UNIFESP para


oficializar a avaliação e diagnóstico e acompanhamento de pessoas surdocegas e
múltiplas deficientes sensoriais no setor de Retina.

Elaboração

2002

Comitê da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT – CB-O3 Normas de


acessibilidade em comunicação.

Elaboração e Validação junto a Universidade de Campinas - UNICAMP e Ministério


do Trabalho para o Cadastro de Ocupações Brasileiras - área educação especial -
Cargo - Professor de pessoa com surdocegueira.

Regulamentação das Leis 10.098 e 10.048 - para profissão de Guia-intérprete e


Acessibilidade em Comunicação.

Fóruns

2000

Direitos Humanos da Pessoa com surdocegueira com a participação de Pessoa com


Surdocegueira Latinos Americanos, na Universidade Presbiteriana Mackenzie em
São Paulo.

2004

Mulher Deficiente Sensorial - Suas Conquistas

Simpósios

2001

I Simpósio Internacional sobre a Síndrome de Usher – no Instituto Nacional de


Surdos - INES Rio de Janeiro.

Apresentação em Conferências e Congressos

1999

XII Conferência Mundial da Deafblind International-DbI – Estoril Portugal

27
Fórum Nacional sobre Surdez, no Instituto Nacional de Surdos sobre Surdocegueira

Seminário Nacional sobre surdez, com o tema: A Educação do Pessoa com


surdocegueira.

2001

No VIII seminário Nacional do Instituto Nacional de Surdos - Tema Socialização e


Escolarização do indivíduo Pessoa com surdocegueira

2003

I Congresso de Educação Especial e de Pesquisadores em Educação Especial -


São Carlos - Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR.

XIII Conferência Mundial da Deafblind International – Mississauga - Canadá.

2004

Congresso de Educação Especial de Maringá - Universidade Federal de Maringá.

Cursos de Capacitação

2000

No Instituto Nacional de Educação de Surdos - Rio de Janeiro, com a participação


de 60 profissionais.

Na Fundação Catarinense de Educação Especial - Santa Catarina, com a


participação de 32 profissionais

2001

Módulo II, no Instituto Nacional de Surdos - participação de 40 profissionais.

Curso informativo no CEAD, no Instituto Nacional de Surdos - participação de 30


profissionais.

2002

Na Universidade de Foz de Iguaçu – Paraná., módulo de latu senso em Educação


Especial, com participação de 35 pessoas.

Na escola ECAI Alagoinhas comunidade TAIZÉ, participação de 10 pessoas.

Comunicação, Mobília adaptada em Papelão e Intervenção Precoce - Alagoinhas,


participação de 120 pessoas.
28
2003

Capacitação de Guia-Intérprete em parceria com a Associação de Pais e Amigos


dos Excepcionais - APAE – Maio - São Paulo, participação de 27 pessoas.

Capacitação de Guia-Intérprete em parceria som a Secretaria Municipal de


Educação de São Paulo- curso validado - Outubro/Novembro - São Paulo,
participação de 32 pessoas.

2004

Em Minas Gerais - Belo Horizonte- Escola São Rafael

Implantação

1997

São José dos Campos - na Associação para Deficientes da Visão - Pró - Visão

Bahia – Barreiras - Associação Baiana para Deficientes - ABID

2000

Rio de Janeiro - no Instituto Nacional de Surdos - INES

Curso de Pós-Graduação Formação de Educadores para Educação de Pessoas com


Múltiplas Deficiências e Surdocegueira Universidade Presbiteriana Mackenzie em
parceria com o Programa Hilton Perkins Program – USA, com o total de 28 alunas
inscritas.

2002

Bahia - Na escola ECAI - Comunidade Taizé

Minas Gerais - Juiz de Fora- Instituto Bruno Vianna

Minas Gerais - Belo Horizonte - Instituto São Rafael

Rio de Janeiro - Angra dos Reis - na Secretaria Municipal de Educação

Santa Catarina - São José – Reimplantação de serviços na Fundação Catarinense


de Educação Especial

2003

São Paulo - Jacareí- Secretaria Municipal de Educação

São Paulo -Taubaté- Colégio Madre Cecília


29
São Paulo –Campinas - Centro de Apoio ao Pessoa com surdocegueira

Rondônia – Ji-Paraná - Associação dos Amigos dos Excepcionais

Mato Grosso do Sul - Dourados e Campo Grande- Secretaria Estadual da Educação.

Estruturação do Day Center “Yolanda de Rodríguez” - Rua Baltazar Lisboa, 332 -


Vila Mariana.

2004

São Paulo – Itatiba - Instituto Phala

2004 a 2011 Fóruns Internacional sobre Surdocegueira e Deficiência Múltipla


Sensorial nas cidades de: São Paulo, Aracajú, Salvador.

2006 - Formação do Grupo de Estudos sobre Comunicação do Pessoa com


surdocegueira Adquirido

2007 a 2011 - Curso de Formação de Guia-Intérprete - Projeto Pontes e Travessias.

2008 a 2011 - Curso de Formação de Instrutores Mediadores - Projeto Girassol

2009 - Formação do Grupo de Estudo de Charge

2011- XV Conferência Mundial da Deafblind Internacional em São Paulo.

2015 - Grupo de Estudos com parceria com USP- com professora Karina Soledad
Maldonado Molina.

2016 - Parceria com rede Deafblind Internacional para organização da Rede


Internacional Latino Americana de Profissionais

2019 - Criação do Canal Desvendando o Universo da Surdocegueira no youtube

30
Entre o guia-intérprete e a pessoa com surdocegueira
deve haver uma interdependência, e o mais importante é
criar um vínculo de confiança e sabermos que o nosso
intérprete será o nosso elo de ligação com o mundo.
Daniel Alvarez
Líder pessoa com surdocegueira da ONCE

3 - Aquisição de uma nova forma de comunicação para pessoas com


surdocegueira adquirida
Dalva Rosa Watanabe e Silvia Maria Estrela Lourenço

Segundo Plazas (1999), quando uma pessoa apresenta perdas da visão e da


audição, dizemos que se trata de uma pessoa com surdocegueira, se já era usuária
de uma língua oral como a língua portuguesa ou de sinais como a língua brasileira
de sinais (Libras), antes de se tornar surdocega, dizemos é uma pessoa com
surdocegueira adquirida.

Todos que se relacionam com a pessoa com surdocegueira precisam


conhecer as possibilidades de comunicação e locomoção que essa pessoa poderá
utilizar e que viabilizará sua inclusão social, educacional e profissional. Caso
contrário, ela poderá ser excluída e perder as possibilidades de contato com as
demais pessoas, passando a viver isolada, mesmo estando em ambientes
conhecidos como a sua casa ou escola.
Pessoas de boa vontade podem estabelecer, por tentativa e erro, formas de contato
com a pessoa com surdocegueira. Nessas situações improvisadas, é possível que
surjam dificuldades na transmissão e recepção de mensagens e consequentemente
desgastes nas relações sociais, mas essa comunicação pode ser facilitada se as
pessoas envolvidas obtiverem informações sobre como isso pode ser feito.

Conforme Rosa et al (2005), frente à nova realidade que as pessoas que


adquiram a surdocegueira enfrentam, elas precisarão se reorganizar considerando o
referencial tátil, reaprendendo a se comunicar, a se locomover e a conviver com as
demais pessoas utilizando outras formas de comunicação.

Toda essa reorganização ocorre também com profissionais e familiares, que a


partir desse novo desafio, precisarão encontrar caminhos que possibilitem a
comunicação e interação com as pessoas com surdocegueira.

31
Existem diversas formas de comunicação tátil, é necessário conhecer as
especificidades de cada uma, para saber qual será a mais indicada para
determinada pessoa que se tornou surdocega recentemente. Num segundo
momento, a pessoa com surdocegueira poderá aprender outras formas de
comunicação, isso a ajudará a melhorar a qualidade e a quantidade de interação
com as demais pessoas, com surdocegueira ou não. Ocorre, ainda, dessas pessoas,
eventualmente, apresentarem perdas progressivas de visão e audição e no decorrer
da vida terem a necessidade de aprender novas formas de comunicação, que se
apóiem mais no tato e não tanto nos resíduos visuais e auditivos (VIÑAS e REY,
2004).

Como a forma de comunicação utilizada pelas pessoas com surdocegueira


está diretamente ligada à sua história de vida anterior a esta deficiência, é
importante conhecermos os pré-requisitos necessários conforme cada forma de
comunicação.

Para escolher a forma de comunicação a ser adotada, também precisamos


considerar aspectos como o nível de escolaridade da pessoa com surdocegueira,
pois algumas das formas de comunicação dependem da possibilidade de uso da
língua portuguesa escrita. Outro aspecto importante refere-se às condições de
saúde da pessoa com surdocegueira, pois dependem de resíduos visuais, auditivos,
possibilidades táteis como toques frequentes nas mãos, capacidades cognitivas de
memorização e/ou compreensão de informações. E ainda precisamos considerar o
aspecto emocional, pois algumas formas de comunicação exigem bastante contato
corporal entre a pessoa com surdocegueira e seus interlocutores e podem existir
dificuldades de aceitação desse contato (PLAZAS, 1999). Uma das formas de
comunicação que exige bastante contato e chama a atenção é o tadoma, que
depende de habilidades muito especiais e sutis e que muitas pessoas com
surdocegueira, por mais que se esforcem, não conseguem realizá-la.

32
Em seguida apresentamos um quadro com os pré-requisitos relacionados às formas
de comunicação:

PRÉ-REQUISITOS RESÍDUO RESÍDUO DOMÍNIO DA DOMÍNIO DA DOMÍNIO DOMÍNIO DOMÍNIO PERCEPÇÃO


VISUAL AUDITIVO LÍNGUA LÍNGUA DA DO DO TÁTIL
FORMAS DE PORTUGUESA PORTUGUESA LIBRAS ALFABETO BRAILLE
COMUNICAÇÃO ESCRITA FALADA MANUAL

ALFABETO DAS X X X
DUAS MÃOS
ALFABETO X X X
MANUAL TÁTIL
BRAILLE TÁTIL X X X
ESCRITA X X
AMPLIADA

ESCRITA NA X X
PALMA DA MÃO
FALA X X
AMPLIADA
LIBRAS EM X X X
CAMPO
REDUZIDO
LIBRAS TÁTIL X X X
MEIOS
TÉCNICOS COM
SAÍDA EM X X X
BRAILLE
PLACAS X X X
ALFABÉTICAS
COM O
ALFABETO EM
BRAILLE
PLACAS X X
ALFABÉTICAS
COM O
ALFABETO EM
RELEVO
TADOMA X X
USO DO DEDO X X
COMO LÁPIS
Elaborado por: Dalva Rosa Watanabe (2009 curso Surdez/Deficiência Auditiva – Libras na
Universidade Gama Filho).

As formas de comunicação são a possibilidade de interação entre a pessoa


com surdocegueira e as demais, pois servem para troca de informação e apoio,
principalmente com outras pessoas com surdocegueira. Geralmente elas são usadas
como comunicação receptiva, pois, no mais das vezes, a pessoa com surdocegueira
continua usando sua forma de comunicação expressiva anterior à surdocegueira.

33
Alfabeto das Duas Mãos

Essa forma de comunicação permite que se utilize o alfabeto manual das


pessoas surdas para as consoantes, porém, em pontos diferentes da palma da
mão da pessoa com surdocegueira, facilitando o reconhecimento da letra. O uso
de toques nas pontas dos dedos para as vogais, além de facilitar a percepção
pelas pessoas com surdocegueira, agiliza a comunicação e preserva a saúde do
guia-interprete, diminuindo a quantidade de movimentos.

 As vogais são marcadas por toques nas pontas dos dedos.


 As consoantes são marcadas em diferentes pontos da mão e pulso.
 Os acentos ( ` ´ ~ ^ ) são traçados na parte superior da palma da mão.
 Os pontos (! ?) são traçados na palma da mão.
 As letras são feitas uma de cada vez.
 Antes de escrever números, deve-se tocar com o indicador no meio da
palma da mão, como se fizesse um ponto, e em seguida escrever o
número.
 Marcar o espaço entre as palavras deslizando uma vez a palma da sua
mão sobre a palma da mão da pessoa com surdocegueira.
 Em caso de erro, apagar, passando duas vezes a palma da mão sobre a
palma da mão da pessoa com surdocegueira.

34
Fonte: Grupo de Estudos de Comunicação - 2008

35
Alfabeto Manual Tátil

Corresponde ao alfabeto manual usado pelas pessoas com surdez, porém, feito
sobre a palma da mão da pessoa com surdocegueira.

Fonte: arquivo Ahimsa 2007

Fonte: arquivo Ahimsa 1998

36
Braille Tátil

O guia-intérprete por meio de toques em determinadas falanges dos dedos da


pessoa com surdocegueira transmite a mensagem como se estivesse escrevendo
em Braille.

Essa forma de comunicação permite diversas possibilidades, como por exemplo,


quando o guia-intérprete posiciona seus dedos sobre os da pessoa com
surdocegueira e pressiona-os levemente como se estivesse escrevendo na máquina
de escrever em braille. O guia-intérprete pode ficar de frente ou ao lado da pessoa
com surdocegueira, conforme Plazas (1999).

Guia-intérprete posicionado em frente à pessoa com surdocegueira.

Fonte: arquivo Ahimsa 2009

37
Guia-intérprete posicionado ao lado da pessoa com surdocegueira.

Fonte: arquivo Ahimsa 2009

Guia-intérprete posicionado em frente à pessoa com surdocegueira

Fonte:http://www.yomiuri.co.jp/dy/national/20080611TDY02307.htm

38
Temos ainda, a possibilidade da pessoa com surdocegueira oferecer os dedos
indicador e médio e o guia-intérprete tocar as falanges como se estivesse
escrevendo na cela Braille.

Fonte: arquivo Ahimsa/2009

Fonte: Viñas e Rey (2004, p. 218), adaptado por Dalva Rosa Watanabe, 2010.

39
Escrita Ampliada

O guia-intérprete escreve a mensagem usando letras, geralmente em tipos


ampliados e de cores contrastantes com o fundo, conforme a necessidade da
pessoa com surdocegueira.

Fonte: arquivo Ahimsa 2006

Escrita na Palma da Mão

O guia-intérprete escreve a mensagem, com o seu dedo indicador, no centro da


palma da mão da pessoa com surdocegueira, geralmente usando letra maiúscula de
imprensa.

Fonte: arquivo Ahimsa 2005

40
Fonte: Viñas e Rey (2004, p. 212), página 212

41
Fala Ampliada

O guia-intérprete repete a fala do interlocutor com ou sem aparelho de amplificação


sonora, conforme as possibilidades oferecidas.

O guia-intérprete se posiciona perto do melhor ouvido da pessoa com surdocegueira


e repete a fala do interlocutor.

Fonte: arquivo Grupo Brasil 2003

O guia-intérprete usa o Loops (aparelho de amplificação sonora com fones e


microfone), para repetir a fala do interlocutor.

Fonte: arquivo grupo Brasil 2003

42
Libras em Campo Reduzido

O guia-intérprete utiliza a língua de sinais em um campo espacial menor e a uma


distância maior, conforme a necessidade e orientação da pessoa com
surdocegueira, para que os sinais sejam feitos em seu campo visual reduzido.

Fonte: arquivo Ahimsa 2007

Libras Tátil

Corresponde à Libras, mas adaptada ao tato, ou seja, a pessoa com surdocegueira


mantém uma de suas mãos ou ambas sobre as mãos do guia-intérprete, de maneira
que a informação possa ser compreendida pelo tato.

Fonte: arquivo Ahimsa 2009

43
Meios Técnicos com saída em Braille

O guia-intérprete escreve a mensagem num teclado de computador ou de uma


máquina de escrever para ser retransmitida à pessoa com surdocegueira através de
uma saída em Braille.

Fonte: Encontro Helen Keller Colômbia-1997

Fonte: www.portal de acessibilidade.rs.gov.br

Fonte: arquivo Ahimsa - 2008

44
Placas Alfabéticas com Letras

O guia-intérprete utiliza uma placa com letras e números em relevo e de cores


contrastantes com o fundo, sobre as quais toca o dedo indicador da pessoa com
surdocegueira, de modo que, ela perceba pelo tato, cada uma das letras ou números
que formam a mensagem.

Fonte: arquivo Ahimsa 2009

Placas Alfabéticas em Braille

O guia-intérprete utiliza uma placa com letras e números em braille, sobre os quais
toca o dedo indicador da pessoa com surdocegueira, de modo que ela perceba pelo
tato os pontos de cada uma das letras ou números que formam a mensagem.

Fonte: Viñas e Rey (2004, página 245) Fonte: arquivo Ahimsa - 2009

45
Tadoma

O guia-intérprete repete a fala do interlocutor, enquanto a pessoa com


surdocegueira, pode colocar uma ou ambas as mãos levemente sobre os lábios,
bochecha, mandíbula ou a boca do guia-intérprete ou da maneira que achar melhor
para fazer leitura labial pelo tato.

Fonte: arquivo Ahimsa 2006

Uso do Dedo Como Lápis

O guia-intérprete escreve a mensagem, com o dedo indicador da pessoa com


surdocegueira, no centro da palma da sua mão ou sobre uma superfície lisa,
geralmente usando letra maiúscula de imprensa.

Fonte: Viñas e Rey (2004, p. 214)

46
Fonte: Encontro Helen Keller Colômbia (1997)

Se uma pessoa adquire a surdocegueira, a nova forma de comunicação servirá


como comunicação receptiva, pois, se anteriormente à surdocegueira, ela era
usuária de uma língua oral como a língua portuguesa, provavelmente isso se
manterá e ela responderá com a voz, ou seja, sua comunicação expressiva
continuará sendo através da língua portuguesa oral. Enquanto que a pessoa que,
anteriormente à surdocegueira, era usuária da LIBRAS, e devido à surdocegueira,
terá uma nova forma de comunicação receptiva, na comunicação expressiva
continuará a utilizar a LIBRAS.

Eventualmente, ocorre do guia-interprete precisar trabalhar com uma pessoa que se


tornou surdocega, que era usuária da língua portuguesa falada e não da Libras e
nem alfabetizada. Nessas situações, o uso de objetos como forma de comunicação,
pode ser uma solução emergencial. A pessoa com surdocegueira poderá ter a sua
disposição uma caixa com objetos, miniaturas ou um álbum de cartões com partes
de objetos coladas ou desenhos do contorno desses objetos, que serão usados
como comunicação receptiva e expressiva para antecipar atividades, por exemplo,
uma caneca para significar que lhe será oferecida uma bebida. A pessoa com
surdocegueira receberia essa caneca em suas mãos antecipando a ação de beber,
da mesma forma a pessoa com surdocegueira poderia apresentar a caneca para
informar que quer beber. Depois de estabelecida a comunicação, ainda que
precária, seria oportuno fazer uma análise e iniciar a aprendizagem de uma forma de
comunicação mais sistematizada.

47
Caneca Miniatura da Caneca

Parte da caneca Contorno da Caneca

Referências:

DIAS, D. T.; GIACOMINI, L.; PETERSEN, M. I.; ALVAREZ, M.M. R.L.; MONTEIRO, M. A.;
CAMBRUZZI, R.C.S.; JESUS, R. M.; MAIA, S.R. Síndrome de Usher. Série Surdocegueira e Múltipla
Deficiência Sensorial. Grupo Brasil de Apoio ao Pessoa com surdocegueira e ao Múltiplo Deficiente
Sensorial, São Paulo, 2001.

ESTOCOLMO (1989). Declaración de las necesidades básicas de las personas sordociegas,


adaptada por la Cuarta Conferencia Mundial Helen Keller.

MASINI, E. F. S. (Org.) Do Sentido Pelos Sentidos Para os Sentidos. São Paulo, Vetor, 2002

PLAZAS, M. M. R. Programa de capacitación a guías-intérpretes empíricos para personas


sordociegas. Bogotá, abril, 1999.

ROSA, Dalva. O pessoa com surdocegueira pós-lingüístico. Monografia (especialização)


Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2002.

ROSA, Dalva et al. Pessoa com surdocegueira pós-lingüístico. Série Surdocegueira e Múltipla
Deficiência Sensorial. Grupo Brasil de Apoio ao Pessoa com surdocegueira e ao Múltiplo Deficiente
Sensorial, São Paulo. 2005.

VINÃS, P. G.; REY, E. R., La surdocegueira. un análisis multidisciplinar. ONCE. Madrid, 2004.

48
...A principio necessitaremos de um período para difícil
adaptação psicológica com objetivo de aceitar a realidade e
recuperar auto confiança. Esta aceitação nos levará a mudar
a idéia de que “o mundo se acaba na ponta dos dedos” por
outra nova “o mundo começa de novo nas pontas dos dedos”.
Daniel Alvarez
Líder pessoa com surdocegueira da ONCE

4. Guia-Intérprete, Função e Técnicas de Interpretação.

Dalva Rosa Watanabe, Elisabeth A. A. Silva Figueira e Silvia M. Estrela Lourenço.

O guia-intérprete é o profissional que domina diversas formas de


comunicação utilizadas pelas pessoas com surdocegueira.

A formação específica do guia-intérprete lhe permite transmitir a


mensagem, contextualizar e guiar a pessoa com surdocegueira.

Na transmissão da mensagem, o guia-intérprete pode realizar um


trabalho de transliteração ou interpretação. No caso da transliteração, o guia-
intérprete recebe a mensagem em determinada língua e transmite à pessoa com
surdocegueira na mesma língua, porém usando a forma de comunicação acessível a
essa pessoa, por exemplo, o guia-intérprete ouve a mensagem em língua
portuguesa e a transmite em braille tátil. Diferentemente da situação de
interpretação, quando o guia-intérprete recebe a mensagem em uma língua e deve
transmiti-la em outra língua, por exemplo, o guia-intérprete ouve a mensagem em
língua portuguesa e a transmite em libras tátil.

Na contextualização, o guia-intérprete descreve o que ocorre no


ambiente, as pessoas e os fatos. Isso inclui toda a informação que seja relevante
para a compreensão da situação em que a pessoa com surdocegueira está inserida,
como por exemplo, quem está presente, sua localização, inclusive expressões
faciais, corporais e flexões de voz, pois apenas a transmissão da mensagem falada
não é suficiente para atender as necessidades comunicativas da pessoa com
surdocegueira para que ela possa compreender e participar integralmente da
situação comunicativa.

Conforme Maria Margarita Rodriguez, 2009, “El guía-intérprete


además de ser um facilitador linguístico y cultural entre usuários de diferentes
lenguas o sistemas comunicativos, ayuda a conectar a la persona con sordoceguera

49
con su entorno, actuando como sus ojos y sus oidos. De esta manera él promueve la
integración y participación independiente de la persona sordociega en su entorno.”

A função de guia proporciona que as pessoas com surdocegueira se


locomovam com segurança nas mais diversas situações, como, por exemplo, andar,
subir escadas, caminhar em espaços estreitos, entrar e sair de carros ou transportes
coletivos, usar portas e outros. Isso é feito utilizando as técnicas de orientação e
mobilidade do guia vidente, que no caso de pessoas com surdocegueira, passam
por algumas adaptações.

O guia-intérprete utiliza essas habilidades em locais variados


intermediando o contato entre a pessoa com surdocegueira, outras pessoas e o
ambiente.

Conforme a gravidade das perdas auditivas e visuais de cada pessoa


com surdocegueira, ela terá a necessidade ao acesso do serviço de guia-
interpretação em maior ou menor número de ocasiões, que podem incluir: reuniões,
palestras, consultas, compras, viagens, alimentação, atividades em ambientes de
trabalho e escola e outras. Se o guia-intérprete for eficiente, a pessoa com
surdocegueira terá acesso a muitos ambientes, atividades e pessoas.

Uma das funções do guia-intérprete, que é muito importante, é a


contextualização. Ela serve para informar à pessoa com surdocegueira sobre as
pessoas e as condições do ambiente para que, a partir disso ela possa tomar
decisões sobre como se portar dentro desse ambiente.

Na contextualização refere-se à descrição visual, que pode ser empregada


para objetos, ambientes e pessoas. O guia-intérprete deve fazer a descrição visual
atento a fatores como a finalidade dessa descrição e o tempo de que dispõe, sempre
informando o todo e depois as partes, ou seja, avançar dando primeiro a informação
geral e só depois, especificar os detalhes. Por exemplo, se precisar descrever uma
árvore, deve-se dizer primeiro que se trata de uma árvore e se houver tempo,
necessidade e interesse da pessoa com surdocegueira, pode dar detalhes como a
espessura do tronco, tamanho, tipo de folhas, se têm flores, etc.

50
Os pontos de referência são dados com relação à pessoa com surdocegueira,
o guia-intérprete deve usar palavras como: à sua direita, à sua esquerda, à frente,
atrás, a tantos metros, não usar aqui, lá, ali ou outras informações vagas ou que
dependam de pontos de referência não acessíveis à pessoa com surdocegueira.

É muito importante responder às perguntas da pessoa com surdocegueira,


pois essas perguntas demonstram seus interesses e ressaltam quais informações
ela está necessitando e assim o guia-intérprete pode melhorar seu trabalho.

Na contextualização também é necessário informar quem está no ambiente e


qual a localização dessas pessoas, se precisar e for conveniente, podemos apontar
com o braço da pessoa com surdocegueira mostrando a direção de cada pessoa
descrita.

Para que a pessoa com surdocegueira tenha clareza e segurança em saber


como está o ambiente, precisamos informar alterações como, quem chegou, quem
saiu, a existência de barulhos como telefone, chuva, vozes ou outros que estão fora
do ambiente, mas que as pessoas ouvintes que estão presentes podem escutar,
então, a pessoa com surdocegueira deverá ter acesso a essa informação através do
guia-intérprete. Isso se estende a quaisquer outros motivos de interrupções ou
alterações no ambiente.

O guia-intérprete também informa as emoções expressas pelas pessoas e


suas ações, porém sem juízo de valor, por exemplo: “Fulano olhou para você, está
sorrindo e caminhando em sua direção”.

Na descrição, principalmente de pessoas, deve-se tomar cuidado para não


expressar preconceitos ou opiniões próprias sobre quem está sendo descrito,
buscando ser o mais fiel possível, falando apenas do que se vê. Por exemplo, se o
guia-intérprete for descrever as roupas de uma pessoa, não deve dizer: “Fulano está
mal vestido”, pois isso expressa opinião, o mais acertado seria dizer: “Fulano veste
uma calça de brim azul rasgada no joelho esquerdo”. O detalhe da calça estar
rasgada pode ser devido à moda, e não cabe ao guia-intérprete dizer se a pessoa
em questão está bem ou mal vestida e sim descrever sua roupa.

Para apresentar objetos à pessoa com surdocegueira, o guia-intérprete deve


primeiro descrevê-los e se ela quiser tocar esse objeto deve posicionar a própria
mão sob a mão da pessoa com surdocegueira e tocar no objeto, aguardar algum
51
tempo até que a pessoa com surdocegueira sinta-se segura para começar a explorar
com os seus próprios dedos o objeto e, então, o guia-intérprete pode, lentamente ir
afastando seus dedos e finalmente tirar a mão do objeto para que a pessoa com
surdocegueira possa explorá-lo livremente.

Para que a comunicação seja eficiente, a pessoa com surdocegueira precisa


saber, antes de tudo, quem está interagindo com ela, portanto, a identificação ou
sinal pessoal do guia-intérprete é muito importante. Esse é o seu nome, ou seja,
como ele é conhecido na comunidade surdocega. Esse sinal deve ser combinado
com as pessoas com surdocegueira e para não ser agressivo ou assustador, pode
ser um toque com movimentos suaves no ombro, braço ou mão da pessoa com
surdocegueira.

Quando alguém quer ser apresentado à pessoa com surdocegueira, deve


solicitar ao guia-intérprete que avise isso a ela. Se a pessoa souber a forma de
comunicação da pessoa com surdocegueira poderá lhe falar diretamente, caso
contrário, o guia-intérprete fará a intermediação. Geralmente, também é necessário
que o guia-intérprete direcione a mão da pessoa surdocega para cumprimentar a
pessoa que está sendo apresentada.

Na convivência com a pessoa com surdocegueira, podemos combinar sinais


que agilizem e facilitem a interpretação de situações previsíveis, por exemplo, um
toque para indicar pare de falar, dois toques para indicar continue a falar, sinais para
palmas ou risadas ou ainda para quando o guia-intérprete precisa se afastar, etc.
Lembrando-se sempre de avisar quando sair de perto da pessoa com surdocegueira
e de deixá-la em contato com algo imóvel ou em companhia de alguém que ele
conheça, certificando-se das condições de segurança desse ambiente e também
com relação à pessoa que ficou acompanhando a pessoa com surdocegueira.

O guia-intérprete não deve fazer movimentos desnecessários com o corpo, a


cabeça ou as mãos durante a interpretação, isso pode confundir a pessoa com
surdocegueira e atrapalhar a transmissão da mensagem. Também é necessário
deixar claro, de forma tátil, os cinco parâmetros da Libras, ou seja, a configuração de
mãos, o ponto de articulação, o movimento, a orientação e as expressões faciais e
corporais de determinado sinal, ou seja, a posição da mão durante o sinal, o local
do corpo onde o sinal é iniciado, quais os movimentos utilizados e em quais

52
direções e ainda, as expressões faciais e corporais que acompanham o sinal e que
geralmente, são indicadas pelo grau de tensão empregado no movimento. O guia-
intérprete deve sempre se lembrar que os surdos compreendem os sinais inclusive
observando as expressões de rosto e de corpo do intérprete, possibilidade que,
geralmente a pessoa com surdocegueira não tem, mas que necessita para
compreender a mensagem, restando ao guia-intérprete, geralmente, apenas a pista
tátil para passar as informações.

Outro aspecto importante é que o guia-intérprete deve respeitar a autonomia


da pessoa com surdocegueira. No caso de correspondências da pessoa surdocega,
o guia-intérprete só pode abri-las com autorização do destinatário.

O guia-intérprete acompanha a pessoa com surdocegueira durante intervalos


e refeições, devendo primeiro acomodar a pessoa com surdocegueira, depois
verificar o que há para comer, informá-la para que ela faça a escolha e em seguida
servi-la. Perguntar se quer ajuda, por exemplo, para cortar um bife. Explicar onde
estão os alimentos comparando sua localização no prato com o mostrador de um
relógio, por exemplo, o arroz está às 3h, o feijão às 6h, a salada às 9h e o bife às
12h.

Quando a pessoa com surdocegueira tem resíduo auditivo e usa alfabeto


manual, o guia-intérprete deve digitar exatamente o que está sendo dito, ou seja,
respeitar a estrutura das frases e utilizar as mesmas palavras para não criar dois
tipos de informação e, assim, confundir a pessoa com surdocegueira, o mesmo
ocorre com o Tadoma. Quando a pessoa com surdocegueira só recebe informação
tátil, devido à perda total auditiva, o guia-intérprete já não terá essa preocupação.

Durante o trabalho de interpretação, o guia-intérprete nunca deve sinalizar


para terceiros sem, antes, avisar a pessoa com surdocegueira, isso desconcentra o
guia-intérprete e confunde a pessoa com surdocegueira.

Quando um familiar estiver atuando como guia-intérprete, precisa estar ciente


de que existem fatores afetivos e emocionais envolvidos na situação e ter cuidado
redobrado para não alterar o conteúdo da mensagem, o que comprometeria a sua
neutralidade durante a transmissão.

Algumas pessoas podem ter “defesa tátil”, isso significa que elas apresentam
algumas restrições, não se sentindo bem ao serem tocadas por pessoas com as
53
quais têm pouca convivência ou mesmo por familiares. A defesa tátil pode ser
vencida ou diminuída com paciência e perseverança, tanto por parte da pessoa com
surdocegueira como pelas demais pessoas.

O trabalho do guia-intérprete junto à pessoa com surdocegueira permite que


ela tenha acesso aos objetos, ambientes, pessoas, trabalho, lazer, interação, tome
decisões de forma autônoma e, assim, viva plenamente a sua cidadania.

Referências Consultadas

PLAZAS, M.M.R. Curso de guia-intérprete empírico. Programa de capacitación e


guias-intérpretes empírico para personas sordocegas. Santafé de Bogotá, abril,
1999. Assistido pelo Programa Hilton Perkins da Perkins School for the blind,
Watertown, Mass, USA. Realizado pelo Grupo Brasil de Apoio ao Pessoa com
surdocegueira e ao Múltiplo Deficiente Sensorial e Associação Brasileira de Pessoa
com surdocegueiras (ABRASC). São Paulo:maio, 2003.

QUADROS, Ronice Muller. O Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais e


Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio
à Educação de Surdos – Brasília: MEC; SEESP, 2004.

PLAZAS, M.M.R. Papel del guía – intérprete, VI Congreso Nacional de la Situación


del Sordo en Colombia “Pasado, Presente, Futuro”, I Encuentro Latinoamericano de
Intérpretes de Lengua de Señas, 7,8,9 y 10 de Julio de 2009 – Bogotá – Colombia.

54
“Quando se recupera a autoconfiança e a segurança sente que
seu mundo habitual (isolamento) se torna pequeno, então
começa sentir a necessidade de sair para o mundo exterior e
se construir novamente dentro dele.”
Daniel Alvarez
Líder pessoa com surdocegueira da ONCE.

5. Ética e Guia-interpretação

Dalva Rosa Watanabe e Regina Maria de Jesus Flöter

Segundo Rosa (2003) podemos dizer que:

“O guia-intérprete é um profissional que domina diversas formas de


comunicação utilizadas pelas pessoas Surdocegas. Ele utiliza essa
habilidade em locais variados intermediando o contato entre o Pessoa com
surdocegueira, outras pessoas e o ambiente”.
O trabalho do guia-intérprete consiste na transliteração ou interpretação,
descrição visual e funções de guia.
A transliteração ou interpretação refere-se a fazer chegar a mensagem ao
Pessoa com surdocegueira, seja ela falada ou sinalizada, utilizando uma
forma de comunicação acessível a esta pessoa.
Na descrição visual, o guia-intérprete tem como função descrever o que
ocorre no ambiente tanto com objetos como com pessoas. E como guia,
deverá facilitar a mobilidade do Pessoa com surdocegueira, utilizando
técnicas geralmente empregadas com pessoas cegas.
O guia-intérprete pode ser comparado a um telefone que passa as
informações sem interferir no seu conteúdo e mantém sigilo dessas
informações conforme manda a ética profissional.
Se o guia-intérprete for competente no seu trabalho, o Pessoa com
surdocegueira terá acesso a muitos ambientes, atividades e pessoas.
Conforme a gravidade das perdas auditivas e visuais de cada pessoa com
surdocegueira será a necessidade de ter um guia-intérprete em maior ou
menor número de ocasiões. Essas ocasiões podem incluir: reuniões,
palestras, consultas, compras, atividades em ambientes de trabalho e
escola.”

A função de Guia-intérprete começou a ser difundida no Brasil a partir de


1999, após o curso oferecido pela POSCAL (Programa para Criação de Organização
de Pessoas Surdocegas na América Latina) fundada pela SHIA (Associação para
Cooperação Internacional de Organizações Suecas de Deficiente) e a FSDB
(Associação Nacional de Pessoa com Surdocegueira da Suécia).

Essa formação ressaltou que um aspecto de extrema importância no trabalho


do guia-intérprete refere-se à ética.

55
A ética está presente em todas as profissões, mas aparece de maneira mais
contundente nas que prestam um serviço direto aos seres humanos. Nesse sentido
as ações não limitam seus efeitos à própria pessoa, mas também sobre o outro com
quem se está trabalhando.

No caso do guia-intérprete, o outro é a pessoa com surdocegueira. O guia-


intérprete deve respeitar as dimensões afetiva, intelectual e a vontade dela. Essas
dimensões permitem que cada indivíduo adulto tenha o direito de estabelecer sua
maneira particular de se relacionar com as normas do contexto social, a partir de sua
capacidade de autocrítica. (Grupo Brasil 2005).

Muitas pessoas que atuam como guias-intérpretes são familiares ou amigos


de pessoas com surdocegueira e não tem a formação oficial oferecida pela ABRASC
(Associação Brasileira de Pessoa com Surdocegueira).

Devido à similaridade das profissões, muitos intérpretes se tornaram guias-


intérpretes. Na cidade de São Paulo, em dezembro de 2004, foi fundada a
Associação dos Profissionais Intérpretes e Guias-Intérpretes da Língua de Sinais
Brasileira do Estado de São Paulo (APILSBESP), em cujo estatuto consta o Código
de Ética, que citamos abaixo:

DO OBJETIVO

Artigo 1º O presente Código de Ética rege a ética profissional dos Intérpretes e


Guias Intérpretes da Língua de Sinais Brasileira (ou também conhecida por
LIBRAS), filiados à Associação dos Intérpretes e Guias- Intérpretes da Língua de
Sinais Brasileira do Estado de São Paulo APILSBESP.

Parágrafo único: As normas do presente Código de Ética são aplicáveis aos sócios
em qualquer cargo ou função, independentemente do estabelecimento ou instituição
a que estejam prestando serviço.

DA ÉTICA PROFISSIONAL

Artigo 2º - Guia-interprete obriga-se a restrita observância do segredo profissional,


não podendo divulgar a quem quer que seja qualquer informação obtida no decorrer
de sua atividade profissional salvo no caso de reunião aberta ao público em geral,
de implicação em delito previsto em lei, ou que possam gerar graves consequências
ilícitas para terceiros.
56
Artigo 3º - Guia-intérprete deve manter uma atitude neutra durante o transcurso da
sua interpretação, evitando quaisquer opiniões próprias, a menos que seja
solicitado.

Artigo 4º - Guia-intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor de sua


habilidade, sempre transmitindo o conteúdo, a intenção e o espírito do interlocutor,
utilizando-se de todos os recursos de expressões disponíveis.

Artigo 5º - Guia-intérprete deve reconhecer seu próprio limite e competência, sendo


prudente na aceitação de tarefas para as quais se julgar suficientemente qualificado
ou não.

Parágrafo único - Sua assinatura em um contrato vale como penhor da qualidade


profissional de seu trabalho, bem como, do desempenho profissional dos outros
Intérpretes e Guia-intérpretes da equipe contratada por seu intermédio, membros ou
não da APILSBESP.

Artigo 6º - O guia-intérprete deve ser discreto no uso de sua roupa, para uma
atuação. Deve sempre usar roupas lisas (de uma cor só) e que contrastem com sua
pele. Da mesma forma, evitar o uso de enfeites e ornatos pessoais (no cabelo,
brincos salientes, colares, anéis, relógios, etc.). Ainda, ele deve saber o seu lugar no
ambiente em que atuará – qual o melhor lugar para ele se posicionar, sendo
confortavelmente visível para o público surdo, sem atrapalhar as pessoas, que não
dependem dele. Estas normas gerais de bom senso e de padrão mundial valem
também ao Guia-intérprete, sendo que este tem maior liberdade quanto ao vestuário
e à posição de atuação.

Todo guia intérprete deve conhecer e utilizar o Código de Ética profissional.


Conforme a conclusão no capítulo IX do Código de Ética da APILSBESP (2004), a
função social da profissão é constituída pelo trabalho de cada intérprete e guia-
intérprete frente à realidade que encontra em seu cotidiano. Sempre que podemos
refletir juntos sobre esta prática, buscando novas maneiras de qualificá-la, ela é
transformada.

Este Código de Ética é destinado a direcionar as relações entre intérpretes, guias-


intérpretes e seus clientes surdos e pessoa com surdocegueira.

57
A intenção de tornar disponíveis informações básicas em um código, voltado
prioritariamente, para quem está iniciando o exercício profissional, mas também, aos
atuantes veteranos nesta área profissional, vai ao encontro desta preocupação num
contexto mais geral de facilitador para o dia a dia.

Inerente à ética visamos o direito à pesquisa, o pluralismo à tolerância, a autonomia


em relação aos poderes políticos, bem como o dever de promover o principio de
liberdade, das diferenças da justiça, da dignidade humana e da solidariedade.

Esperamos que a Comissão do Código de Ética possa estar presente não apenas
neste momento de sua vida profissional, mas que se torne um local de reflexão
conjunta com estratégias de construção do nosso cotidiano profissional, para que ele
seja um instrumento importante na transformação de paradigmas sociais e afim de
que rumemos para uma sociedade mais justa e solidária e mais independente.

Referências:

GRUPO BRASIL – Série Surdocegueira e Deficiência Múltipla Sensorial Pessoa com


surdocegueira Pós Lingüístico Grupo Brasil, São Paulo, 2005

APILSBESP (Associação dos Profissionais Intérpretes e Guias – Intérpretes da


Língua de Sinais Brasileira) – Estatuto - São Paulo, 2004

Rosa, Dalva - Apostila do Projeto Pontes e Travessias – Formação Continuada:


Guia- Intérprete Empírico – Grupo Brasil, São Paulo, 2007

58
“A educação do duplo deficiente sensorial surdocego é, não só
uma ciência, não só uma arte, mas antes de tudo um ato de
amor, de dedicação ante a sociedade, perante os homens e
perante Deus, merece o nosso carinho, nossa atenção e
dedicação constante. Isto se faz necessário para que o
portador dessas deficiências não seja, como tantas vezes tem
sido, marginalizado não só dentro da sociedade, mas dentro da
própria família, como ser inútil, e incapaz de receber e de se
beneficiar de cuidados especializados, os quais tem
demonstrado sua eficácia, com resultados altamente
apreciáveis”. (Bassetto, 1977,pg.142)

6. ASPECTOS EMOCIONAIS DAS PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA


ADQUIRIDA

Marcela M. R. M. Loschiavo Alvarez

A Surdocegueira é considerada uma deficiência única pelo fato de se diferenciar da


somatória das características de um indivíduo surdo com as de um indivíduo cego.

Segundo Anneke Balder, Presidente da Rede de Surdocegueira Adquirida da


Unidade de Surdocegueira da Fundação dos Países Baixos para a
Reabilitação:

As pessoas com surdocegueira podem nascer surdas ou têm alguma perda


auditiva e cegas ou com baixa visão. Quando falamos de surdocegueira
adquirida nos referimos a um conjunto de pessoas que adquiriram a
surdocegueira no transcurso de suas vidas. Temos três grupos:

1. Pessoas que nasceram com visão e audição normais.

2. Pessoas surdas ou com alguma perda auditiva congênita com problemas


visuais adquiridos.

3. Pessoas cegas ou com baixa visão congênita com problemas auditivos


adquiridos.

Segundo Giacomini et alli (2005):

“A pessoa com surdocegueira é o indivíduo que apresenta


perdas visual e auditiva combinadas. Algumas pessoas
surdocegas apresentam perdas totais desses sentidos, outras
não, podendo manter resíduos auditivos e/ou visuais.” (Ibid, p.
11)

59
Ainda segundo os autores as necessidades da pessoa com surdocegueira são:

“As pessoas surdocegas necessitam de formas específicas de


comunicação para terem acesso à educação, lazer, trabalho,
vida social etc. Além desta comunicação, faz necessário o
trabalho de um guia-intérprete que é um profissional
capacitado para ser o elo de ligação entre a pessoa com
surdocegueira e o meio em que vive. É este profissional que
vai lhe possibilitar que seja independente tanto para se
locomover como para se comunicar.” (Ibid, p. 11)

Segundo Amaral (2002), os problemas de desenvolvimento e educação dessa


população são muito variados e dizem principalmente respeito a dificuldades na
comunicação, problemas de percepção, distúrbios mentais e emocionais, enorme
privação com sérias consequências na motivação e aprendizado, inabilidade para
antecipar eventos e dificuldade extrema em interagir com as pessoas, o ambiente e
com outras pessoas. (p123)

Para a pessoa que adquire a surdocegueira ainda jovem ou adulto, os


comprometimentos emocionais apresentados por ela são inúmeros e diferem de
pessoa para pessoa. Na verdade, se para uma criança surdocega temos que
construir seu mundo desde o início, para o adulto que a adquire temos que
reconstruir este mundo.

O adulto traz uma valiosa experiência e compreensão do mundo, mas ao adquirir a


surdocegueira sofre mudanças radicais em sua estrutura psico sócioemocional.

Neste capítulo, abordaremos o impacto que esta nova identidade adquirida causa
em relação :

1. À própria pessoa

2. A seus familiares

3. E também a importância dos profissionais que lidam com a pessoa com


surdocegueira pós-linguístico.

60
1. O Impacto da segunda perda sensorial

1.1- Surdocegueira na Fase da Adolescência

Quando a segunda perda sensorial aparece na adolescência a situação de


isolamento é agravante, porque nesse período, o grupo é muito importante na vida
desses jovens. É ele que passa a definir sua identidade. O jovem vem se adaptando
ao grupo de surdos ou de cegos, e em determinado momento não consegue mais
fazer parte desse grupo. Em alguns casos é comum que tentem esconder sua nova
condição. O grupo não os entende porque ocorrem dificuldades de comunicação,
falta de entendimento aos diálogos, o grupo passa a rejeitar a pessoa com
surdocegueira, ignorando seus reais problemas.

Segundo Samaniego (2004): algumas situações que desencadeiam com maior


frequência a atitude de rejeição e isolamento do grupo são:

- as dificuldades comunicativas provocadas por suas perdas sensoriais;


- a responsabilidade que devem assumir os outros membros do grupo ao
estar o jovem com surdocegueira dependente comunicativa e fisicamente
deles;
- não poder participar das atividades tanto culturais como de lazer que o
grupo proporciona;
- a falta de independência que sua nova situação gera;
- o “cansaço” e os esforços que provoca nos outros jovens para utilizar
novas estratégias comunicativas para manter uma comunicação fluente.
(Ibid, p. 276)

Ainda para autora, esses jovens com surdocegueira têm algumas emoções,
pensamentos e sentimentos comuns nessa fase:

- sentimentos de solidão e isolamento, motivados principalmente por suas


dificuldades comunicativas;
- sensação de perda de controle de sua vida (educativa, profissional,
social,....)
- a angústia da dificuldade de comunicação provoca desconfiança das
pessoas do seu convívio;
- perda de autonomia, dependência de outros, e por consequência atraso
nos planos de vida independente;
- estados depressivos frequentes, motivados pelas mudanças
ocorridas em sua vida e pela rejeição que pode sofrer pelas pessoas de
seu convívio,
- atitude de rebeldia diante de qualquer proposta de orientação ou
intervenção encaminhadas para afrontar sua surdocegueira. (Ibid, p.279)

Então o que fazer para ajudar esses jovens a sair do isolamento? Em primeiro lugar
proporcionar encontros desses jovens com outras pessoas surdocegas, jovens ou
61
adultos que já passaram por essa situação de não aceitação da deficiência e
rejeição pelo grupo e agora estão ajustadas em seu novo grupo e sua nova vida.
Eles precisam acreditar que essa nova vida é possível, e que ela pode ser de
qualidade.

Partindo desse convívio com pessoas que tem a mesma condição, encaminhá-los
aos centros que tenham programas ajustados às suas necessidades, principalmente
no que se refere ao aprendizado de um sistema de comunicação alternativo, e de
treinamento de suas habilidades para desenvolver a maior independência possível
dentro de suas limitações sensoriais, e treinamento para melhor utilização de seus
resíduos, auditivos e/ou visuais.

Dentro dessas novas atividades, participar de eventos culturais e de lazer


proporcionado pelas associações que trabalham com pessoa com surdocegueira e
por novos grupos de amigos que vão se formando dentro dessas associações.

Não esquecer do apoio psicológico que é de suma importância nessa fase de


aceitação e mudança de vida, porque os ajustes emocionais que devem ser feitos
por esses jovens não são fáceis e eles necessitam dessa ajuda.

A família é outra parte importante dessa fase, ela também precisa de ajuda técnica
para entender as mudanças que estão ocorrendo com esse jovem e como ela pode
ajudar na independência dele, e precisa de ajuda psicológica para aceitar a nova
perda sensorial e os ajustes que essa família precisará fazer em sua rotina para
proporcionar melhor qualidade de vida a esse jovem.

1.2 - Surdocegueira na Fase Adulta

Samaniego (2004), afirma que: nesse momento de vida a pessoa já adquiriu muitos
dos aspectos primordiais que o permite desenvolver-se como um sujeito adulto
integrado em nossa sociedade, e dentre o mais relevante está:

- dispor de um sistema de comunicação válido e eficaz que tem permitido


estabelecer relações com as pessoas de seu convívio, desenvolver seu
potencial cognitivo e formar parte da engrenagem social;
- bagagem de conhecimentos adquiridos que lhe proporciona um nível
cognitivo e cultural. Esta consolidação de aprendizagem determina sua
formação;
- contato imediato com seu ambiente graças à suas capacidades
perceptivas, as quais lhe têm proporcionado experiências visuais e/ou
auditivas que lhe tem permitido relacionar-se com seu mundo e manter um
contato de forma imediata com o que acontece a seu redor;

62
- estar integrado em um grupo social. No transcurso de sua vida vai
consolidando suas relações e seu pertencimento a um grupo com o qual
compartilha características em comum;
- desempenhar ou buscar uma atividade de trabalho. Nesta etapa pode
estar já integrado no mundo do trabalho, o qual lhe proporciona autonomia e
independência pessoal e econômica;
- equilíbrio pessoal e maturidade. Etapa em geral que alcança maior
estabilidade graças à maturidade;
- estabelecimento de relações emocionais estáveis ou ter formado sua
própria família;
- se desenvolve em um ambiente conhecido e controlado que favorece a
formação de planos futuros, assim como a sensação de exercer certo
controle de domínio sobre os acontecimentos que possam surgir pelas
experiências que já se tem acumulado durante esse tempo.(Ibid, p. 285)

Como ocorre na fase de adolescência a segunda perda sensorial provoca uma série
de reações e sentimentos na pessoa que passa pela não aceitação da deficiência
levando-o a uma revolta de “porque comigo?”

Novamente o isolamento é a maior consequência da surdocegueira, a dificuldade de


comunicação faz com que essas pessoas tenham uma tendência a isolar-se e
podendo levar a depressão ou até ao suicídio.

Quanto maior o tempo que durar esse isolamento, mais complexo fica para os
profissionais trabalharem com a pessoa com surdocegueira, porque a dificuldade é
grande para voltar a integrar-se ao ambiente, aumentando o medo do grupo de
rejeitá-los.

A perda do sistema de comunicação utilizado antes da surdocegueira exige que a


pessoa aprenda um novo sistema de comunicação, mas para que seja eficiente é
necessário que a família e as pessoas de seu convívio também aprendam. Esse
novo sistema geralmente é baseado no tato, utilizando-se as mãos, o que o torna
mais lento se comparado à língua oral e de sinais. Nem sempre o intérprete ou a
pessoa que faz esse papel consegue ser totalmente eficaz na transmissão das
informações e isso causa desconfiança e insegurança na pessoa com
surdocegueira.

Pertencer a um grupo é muito importante para todas as pessoas, todos temos


grupos que nos dão referência de quem somos; nosso grupo social, grupo de
trabalho, e outros, a pessoa com surdocegueira perde essas referências, se antes
participava de grupos de surdos ou de cegos, agora não consegue mais participar
pela falta de comunicação, ele mesmo se isola do grupo ou o grupo o isola pela

63
dificuldade de comunicarem-se ou pela falta de paciência, pois o pessoa com
surdocegueira muitas vezes requer uma atenção especial (na locomoção, na
interpretação do que está acontecendo no ambiente), uma pessoa dentro do grupo
tem que ser seu intérprete. Essa situação nem sempre é aceita por ambas as partes,
para o pessoa com surdocegueira é pior porque se sente humilhado por depender
de outros para atividades que antes não dependia, mesmo que a pessoa que o
ajuda tenha a maior boa vontade e esteja disposta a ajudá-lo, nem sempre é fácil ser
dependente do outro.

O golpe psicológico da segunda perda sensorial geralmente é devastador, quando a


pessoa já aceitou e adaptou-se à surdez ou cegueira e aparecem os problemas de
audição ou visão, muitas vezes a pessoa com surdocegueira e a família passam por
uma peregrinação de médicos e tratamentos em busca da cura. Também como a fé
religiosa para o brasileiro é algo muito forte, a busca do milagre também é comum.
Esse período de luto é comum e esperado para essas famílias e indivíduos, o que
não pode acontecer é que esse período se estenda por muito tempo, ou que
passada essa peregrinação, a frustração se instale e haja o abandono da busca de
outras ajudas.

Segundo Kinney em Samaiego (2004), “como pessoa com surdocegueira, uma vez
passado esse tempo onde a gente mesmo aceita o porque do ocorrido, é
conveniente que se aceite a situação e que comece a resolver os problemas, a
buscar soluções para eles, sendo que é mais fácil enfrentar primeiro os menores e
com a experiência adquirida ir enfrentando os problemas maiores.” (Ibid, p. 289 )

Algumas pessoas que adquirem a surdocegueira apresentam algumas dificuldades


em aceitar esta nova condição de vida. Pode-se dizer que elas perdem sua
identidade. Com esta nova identidade elas terão que se adaptar a uma nova forma
de comunicação precisarão de novas técnicas para ampliar a sua independência e
segurança na locomoção de acordo com a necessidade individual. Isto abalará sua
autonomia e consequentemente afetará sua autoestima, levando-as ao isolamento.

Tudo se altera e nosso papel como profissionais é dar apoio a esta pessoa que
necessita reestruturar, replanejar seu modo de vida.

64
2. Familiares

Em alguns casos, outra barreira que a pessoa com surdocegueira encontra é a


própria família.

Uma pessoa com surdocegueira pode ter disponibilidade de fazer coisas, de


aprender, de superar desafios, mas estes objetivos podem ser tolhidos pelos
familiares que por medo ou superproteção e/ou desânimo de que nada pode ser
feito pela pessoa com surdocegueira, o deixam isolados em suas próprias
residências não buscando atendimentos específicos para eles.

Em outras ocasiões não acreditam que a pessoa com surdocegueira será capaz de
aprender coisas novas e de adaptar-se a nova vida e ser independente novamente.
Nesses casos é de grande ajuda para essas famílias conhecerem familiares e outros
pessoa com surdocegueira que já estão adaptados à nova identidade e que seguem
com sua vida de forma independente (dentro de suas limitações) e que tem vida
social, trabalham e constituem suas próprias famílias.

O Brasil tem um território muito grande, e os centros de reabilitação e


profissionalização acabam ficando muito distantes das pessoas, isso gera uma
dificuldade de locomoção. A pessoa com surdocegueira tem que aprender uma nova
maneira de se locomover, utilizando-se de bengala, ou na maioria das vezes tem a
necessidade de um acompanhante que costuma ser um familiar, para a realização
de suas tarefas, ocorrendo assim, uma situação incomoda, pois este familiar nem
sempre está disponível. Desencadeando na pessoa com surdocegueira mais
sentimento de frustração e dependência.

3. A importância dos profissionais para a pessoa com surdocegueira

3.1. Comunicação e importância do guia-intérprete

A visão e audição são os sentidos mais importantes na vida de qualquer pessoa,


porque é por eles que chegam as informações, e essas são recebidas de maneira
global e imediata e que permite que a pessoa esteja integrada no ambiente, ou seja,
atuar de forma autônoma, estar informado para tomar decisões e atuar
independentemente na vida. (Dorado, 2004)

A comunicação é o aspecto fundamental na vida do ser humano, é “ela que permite


que a pessoa se defina a si mesma e compreenda quem é e como encara o mundo;
65
é necessária para a integração na comunidade, para aceitação da família e dos
iguais e o acesso aos serviços; sem ela a pessoa fica isolada”. (Duncan e Bagley,
em Dorado, 2004).

A comunicação está estritamente ligada à identidade, uma vez que o sistema de


comunicação que a pessoa com surdocegueira utiliza diz respeito a sua
individualidade, assim o define como pessoa e conduz a sua identidade.

Stig Ohlson, pessoa com surdocegueira da Suécia e Presidente da Federação


Mundial de Pessoa com surdocegueira, em Dorado diz que: “a surdocegueira é uma
deficiência da informação e da comunicação. Todos nossos problemas nascem daí”.
(Ibid, p. 610)

Como a sociedade em geral não conhece os sistemas alternativos de comunicação


o guia-intérprete se torna uma pessoa de extrema importância para a pessoa com
surdocegueira, para não dizer que, sem o guia-intérprete o pessoa com
surdocegueira fica incapacitado de locomover-se em ambientes desconhecidos e de
comunicar-se com outras pessoas. Como se reconheceu nas Conclusões da ll
Conferência Nacional de Pessoas Surdocegas da Espanha: “a comunicação com as
pessoas do nosso ambiente constitui a principal barreira que temos que superar. A
comunicação é, pois, a chave de nossa vida cotidiana e social”

O Intérprete transmite as informações para a pessoa com surdocegueira da maneira


mais fiel possível e assim permite que a pessoa com surdocegueira tenha autonomia
para decidir o que é melhor para ele e tomar as decisões conforme sua vontade e
recursos, mesmo que o guia-intérprete não concorde com a decisão tomada, tem
que respeitar.

Assim a relação profissional tem que ser respeitada, reciprocamente.

Da mesma maneira que o guia-intérprete tem que respeitar a pessoa com


surdocegueira, a pessoa com surdocegueira tem que respeitar o guia-intérprete. Dra.
Sonnia Margarita Villacrés Mejia (surdocega equatoriana) diz que a pessoa com
surdocegueira tem que ter:

- respeito e consideração: se nós pessoa com surdocegueira, desejamos


que uma pessoa nos ajude como guia-intérprete, devemos ter por ela o
mais profundo respeito e consideração. Como seres humanos, é uma
base primordial para as boas relações, entre nós e nossos colaboradores.

66
- respeitar os momentos livres: Todos na vida nos esgotamos, nos
cansamos, nos fadigamos... O guia-intérprete não é uma exceção. Pelo
contrário, o grau de fadiga de nossos colaboradores é muito alto, devido a
tensão muscular da postura e da concentração mental. É, portanto, nosso
dever e obrigação, dar-lhes seu devido descanso e permitir-lhes um
momento livre para seu relaxamento. Quando se termina uma sessão de
trabalho, o pessoa com surdocegueira deve permitir que o deixe em
companhia de outra pessoa ou em outra atividade, e oferecer-lhe o
descanso adequado a nossos guias.
- ser agradecido e recíproco: É necessário na vida ser agradecido com
aquelas pessoas que se oferecem a nós, ainda mais a nosso guia-
intérprete, profissional ou voluntário. Não interessa se remunerado ou não,
o que importa é saber que é importante que ele se sinta bem em nossa
companhia, sem diminuir-lhe o valor, nem menosprezá-lo, e muito menos
humilhá-lo. Dar-lhe o verdadeiro lugar importância que tem.
- bom-trato: Devemos tratar-lhe como um colaborador inestimável, como
um tesouro a quem se deve cuidar para não perder, como o maior de
nossos aliados, porque eles são nossos olhos e ouvidos. Devemos saber
contornar os momentos difíceis e logo expor nossa insatisfação ou nossa
preferência. Como se vê, não é nada difícil ser uma pessoa com
surdocegueira. Basta um pouco de controle de nossa parte e um grande
sentido de retidão. (Ibid, p. 3)

Segundo Alvarez (1993), na III conferencia Européia da IADEB, Postdam,


Alemanha, há entre o guia-intérprete e a pessoa com surdocegueira uma
interdependência. É necessário que o intérprete tenha habilidade e velocidade no
sistema de comunicação da pessoa com surdocegueira e que tenha uma
capacidade de síntese para selecionar a informação mais importante. Ele afirma
que é muito importante selecionar o intérprete que melhor se ajusta às
necessidades da pessoa com surdocegueira.

Como relatado anteriormente o pessoa com surdocegueira passa muito tempo


isolado, ou solitário. A comunicação necessita de um sistema específico e muitas
vezes nem os familiares a dominam. Quando a pessoa com surdocegueira tem
contato com pessoas que o entende, que usam esse sistema, é comum que ele
se apegue a essas pessoas.

O isolamento causa solidão e consequentemente carência afetiva, então outra


situação que pode ocorrer é a paixão, o pessoa com surdocegueira apaixonar-se
pelo guia-intérprete, não que esse sentimento não possa ser recíproco, mas a
relação é profissional e tem que ser vivida como tal. Quando o guia-intérprete
percebe que está acontecendo uma situação dessas, uma conversa honesta e
clara precisa acontecer, o guia-intérprete não pode ter pena ou achar que vai
magoar o pessoa com surdocegueira, porque pior é dar falsas esperanças, deixar
a paixão crescer e quando ficar insustentável o guia-intérprete simplesmente se
67
afastar do pessoa com surdocegueira. Esse afastamento repentino, com certeza
vai magoar muito mais o pessoa com surdocegueira, do que ele saber desde o
começo que não poderá levar a frente esse sentimento, e assim ter a chance
dele se afastar do guia-intérprete se achar necessário.

Depoimento da pessoa com surdocegueira de 31 anos:

“O que acontece com a gente, é que, não sei dos outros, mas vou falar de mim, é
que a gente sente muita solidão, porque poucas pessoas se aproximam da gente.
Então quando a pessoa é mais afetiva, mais atenciosa com a gente, aí a gente
também se apega a ela, e às vezes, a gente não vai com má intenção, mas as
outras pessoas que estão ao redor que levam isso com má intenção. No caso da
minha monitora, foi isso que aconteceu. Na Universidade, a coordenadora do curso
estava com ciúmes da atenção e do carinho que eu tinha com a monitora, e ela
comigo. Então ela estava falando que a gente queria namorar e não sei o que, mas
não era o real, era uma aproximação de irmãos de amizade, mas por causa disso,
porque a gente não tem contato com outras pessoas, então aquela pessoa que a
gente atrai mais, que cativa mais, que dá mais atenção pra gente, a gente caí por
ela, pelo lado da afetividade, né.”

“Eu acho que ela poderia ter falado alguma coisa, porque eu gosto muito da
sinceridade. O que eu sinto muito, o que acontece com a gente é que as pessoas
não vêem a gente como pessoa, só a surdocegueira, às vezes começam a tratar a
gente como criança, eles não vem pra gente falar diretamente o que está
acontecendo, eles ficam usando outras pessoas pra falar com a gente, então isso é
uma coisa muito ruim também.”

Como já foi dito, a pessoa com surdocegueira depende do guia-intérprete para


comunicar-se com o mundo, acontecendo situações em que o guia-intérprete precisa
participar de momentos íntimos junto a ele, como por exemplo, consulta médica ou
exames. São situações que podem ser constrangedoras para ambos, mas se forem
encaradas com respeito e profissionalismo acontece naturalmente. É assustador
para uma pessoa com surdocegueira quando deitada em uma maca, souber que
algo vai acontecer, mas não saber quando, nem como. O guia-intérprete é
necessário nesses momentos para interpretar as orientações do médico e deixar a
pessoa com surdocegueira calmo e seguro.

68
Depoimento de surdocega de 37 anos:

“Eu ficava frustrada com certas coisas como, por exemplo, se precisasse ir a um
médico como ginecologista como seria se não tivesse uma mulher, eu teria que
perguntar se o guia-intérprete teria a coragem de estar comigo e foi isso que fiz.
Antes de tudo eu perguntei a um guia-intérprete masculino se teria coragem. Ele me
respondeu que sim e claro que o médico ia mandar ele sair da sala na hora do
exame e depois parei para pensar se minha comunicação fosse outra como o
médico ia se comunicar comigo, não teria outro jeito o guia-intérprete teria que estar
presente se não tivesse outra alternativa.”

3.2. Profissionais da área da saúde dando atenção específica a pessoa com


surdocegueira

Profissionais da área da saúde, tanto psicólogos como psiquiatras podem auxiliar a


pessoa com surdocegueira a enfrentarem esta situação de luto pela perda de
identidade.

Esta deficiência pode acarretar problemas de saúde mental nas pessoas com
surdocegueira e as necessidades de apoio psicológicas e inclusive psiquiátricas são
vitais, apesar de encontrarmos poucos profissionais aptos a lidar com a pessoa com
surdocegueira, principalmente porque não apresentam condições para se
comunicarem com eles, mesmo contando com o guia-intérprete para auxiliá-lo, este
tipo de contato é muito intimo e fica comprometida a atuação do profissional.

Em alguns casos encontramos pessoas com profunda depressão e sem ânimo para
superar a segunda perda sensorial, a perda da independência e autonomia, um
médico psiquiatra poderia ajudá-lo ministrando medicação condizente para sua
necessidade.

Como diz Samaniego (2004): “Em muitas ocasiões se tem reconhecido a


surdocegueira como a deficiência que mais solidão e isolamento provoca no ser
humano. As consequências que gera podem ser devastadoras para a pessoa que
sofrem dessa deficiência, que em certas ocasiões provoca depressões e em
situações extremas suicídios, uns frustrados e outros consumados. Entre os
principais motivos que levam a dado momento planejar a acabar com sua vida estão
essa solidão que sentem, a desconexão tão grande que sofrem de tudo que
acontece, a dependência de outras pessoas para muitas atividades que antes
69
realizavam sozinhos, a falta de percepção de situações motivadoras em sua vida,
sendo esses, alguns dos elementos mais significativos que expressam.” (Ibid, p.
287)

4. Resiliência

Segundo Yunes (2007), o estudo do fenômeno da resiliência é relativamente


recente. Somente é pesquisado há cerca de 30 anos, mas nos últimos dez anos que
os encontros internacionais vêm trazendo esse tema para discussão.

Na Física e Engenharia, resiliência refere-se à capacidade de um material absorver


energia sem sofrer deformidade plástica e retornar a antiga forma.

No dicionário Michaelis, resiliência está descrita como 1- o ato de retorno de mola;


elasticidade, 2- Ato de recuar (arma de fogo), coice, 3- Poder de recuperação, 4-
trabalho necessário para deformar um corpo até seu limite elástico.

Rutter in Yunes, (1999) define resiliência como o “fenômeno de superação de


estresse e adversidades” e afirma “resiliência não constitui uma característica ou um
traço individual” (p.119).

Alguns estudos levam o fenômeno da resiliência para o âmbito familiar, mostrando


que o clima emocional em que vive a família é importante, sendo o carinho, o afeto,
o apoio emocional e a existência de uma estrutura de limites claros e razoáveis, os
aspectos relevantes da contribuição da família para a resiliência individual.

Indivíduos resilientes são pessoas capazes de continuar uma vida de qualidade,


sem autopunições, lamentações, renascendo dos escombros, garantindo sua
integridade.

Walsh (1998) e Yunes (2007) que organizam o fenômeno da resiliência em


Processos Chaves, e conforme essas leituras seguem quadro dos Processos
Chaves da Resiliência:

SISTEMA DE CRENÇAS

1- Extrair significado da adversidade:

- compartilhar desafios, valorizando as relações interpessoais, tendo um senso


de pertencimento.
70
- estresse como parte da vida familiar, e experiências prévias como facilitadoras
de resolução de problemas, usadas como modelos positivos.

- coerência nas crises, ver os desafios como administráveis.

2 - Ter perspectiva positiva:

- perseverança

- coragem individual e familiar

- sustentar esperança - é uma crença orientada para o futuro

- aceitar o que não pode ser mudado e confrontar o que é possível, não ter
ilusões.

3 - Transcendência e Espiritualidade:

- ter valores, propostas e objetivos de vida

- crenças de fé religiosas ou espirituais, dentro ou fora de uma religião


estruturada

- religião e espiritualidade oferecem conforto e significado, além de compreensão


da adversidade.

PADRÕES DE ORGANIZAÇÃO

4 - Flexibilidade:

- capacidade de mudar quando necessário: reformulação, reorganização e


adaptação.

- rituais e rotinas que mantém um senso de continuidade e estabilidade.

5 - Coesão:

- vínculo emocional dos membros da família, uns com os outros

- respeitar as diferenças, necessidades e limites individuais

- reuniões de reconciliação para casos de relacionamentos problemáticos

- forte liderança é essencial para proteger membros vulneráveis e crianças


especialmente em momentos de crise

6 – Recursos sociais e econômicos:

71
- a família extensa e rede social dão assistência trazendo informações, serviços
concretos, suporte, companheirismo e repouso.

- as famílias precisam ser fortes o suficiente para aceitar que está em crise a
receber essa ajuda externa, ou até mesmo procurar a ajuda e recursos da
comunidade e de serviços especializados.

PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO

7- Clareza:

- comunicação verbal e comportamento têm que ser compatíveis

- comunicação clara, específica e honesta

- clareza de regras é tão importante quanto as regras

- esclarecer informações ambíguas

8- Expressar emoções abertamente:

- sentimentos são compartilhados, tanto os positivos com alegria, amor,


esperança, gratidão, como os negativos como medo, tristeza, raiva,...

- ter tolerância das diferenças e dar suporte

- compartilhar bom humor, conversar em clima bem humorado facilita a


conversação, reduzindo tensões e ansiedade.

9- Solução colaborativa de problemas:

- primeiro identificar o problema

- colocar todos os membros da família para discutir o problema

- tomar decisões compartilhadas

- assumir compromissos e metas possíveis de se realizar

- aprender com o fracasso e usando essa experiência para prevenção de futuros


erros.

O conceito de resiliência é pertinente quando estamos falando de pessoa com


surdocegueira, o impacto da segunda perda sensorial sabemos que é
devastador, o luto deve ter seu processo, mas acabar e a partir daí a pessoa
começar a viver sua nova vida.

72
E porque algumas pessoas passam por essa experiência mais rápida e
conseguem recuperar-se logo, e partir para a nova vida, enquanto outros ficam
anos nesse luto, sem aceitar sua nova condição, por mais que familiares e
profissionais tentem ajudá-lo?

A resiliência pode explicar esse fenômeno, algumas pessoas têm mais recursos
internos para passar por experiências traumáticas e recuperar-se e outras não,
as pessoas resilientes, são capazes de continuar a vida, depois de um trauma e
viver essa vida de maneira natural, com qualidade, sem se lamentar pela nova
condição, sem assumir o papel de vítima, lutando por seus direitos e trabalhando
para melhorar suas condições de vida e de seus semelhantes.

Se tivermos a oportunidade de conhecer mais intimamente essas pessoas,


veremos que elas têm a maioria das chaves da resiliência acima descritas, e as
usam para superar sua adversidade e continuar a vida com qualidade. Elas
conseguem ver o lado positivo da surdocegueira. As pessoas com surdocegueira
que fazem parte das associações de pessoa com surdocegueira e familiares são
pessoas ativas, trabalham muito para lutar por seus direitos e
consequentemente, conhecem muitas pessoas ficam expostas na mídia,
participando de programas de televisão, dando palestras em congressos, em
faculdades, sempre com o objetivo de divulgar a surdocegueira e suas
implicações, como a necessidade do guia-intérprete.

Essas pessoas aceitam a surdocegueira como uma missão, como diz Ximena
Serpa, Diretora da Sense Internacional Latino América (2001), passam a ver o
lado positivo da surdocegueira, como por exemplo, Stig Ohlson e Yolanda de
Rodríguez, e cada uma das pessoas com surdocegueira líderes das associações
de seus países, que dedicam suas vidas para proporcionar aos outros uma
melhor qualidade de vida, tirando-os do isolamento.

Existem alguns estudos que investigam a capacidade de promover resiliência.

Segundo Monteiro et alli (2001): “desenvolver resiliência em um grupo, consiste


conhecer a sua história, procurar analisá-lo no contexto, para então intervir de
maneira apropriada, buscando as razões capazes de motivá-lo e fortificá-lo” (Ibid,
p. 11)

73
Vicente in Monteiro (2001) afirma que a resiliência pode ser promovida.
Determinando três fatores que promovem resiliência:

- o modelo do desafio: que tem como características centrais o


reconhecimento da verdadeira dimensão do problema; o reconhecimento
das possibilidades de enfrentamento, e o estabelecimento de metas para
sua resolução
- vínculos afetivos: aceitação incondicional do indivíduo enquanto pessoa,
principalmente pela família, assim como a presença de redes sociais de
apoio permitem o desenvolvimento de condutas resilientes
- sentido de propósito no futuro: sentimento de autonomia e confiança,
características como expectativas saudáveis, direcionamento de objetivos,
construção de metas para alcançar tais objetivos, motivação para o
sucesso e fé num futuro melhor. (Ibid, p. 11)

Se pudermos promover a resiliência, então esse é um recurso que deve ser


estudado pelos profissionais da saúde que trabalham com a população surdocega.

5. Conclusão

A primeira barreira que a pessoa com surdocegueira tem que enfrentar é ele mesmo,
ou seja, aceitar a nova perda e as implicações que ela traz para sua vida. Na maioria
dos casos a pessoa com surdocegueira demora a procurar ajuda específica para
suas novas necessidades:

- primeiro, porque tem dificuldade de aceitar a nova deficiência, quando tem um


resíduo visual ou auditivo, usa deles até o último recurso para protelar e aprender
novas técnicas.

- segundo, porque nem sempre tem conhecimento das instituições que podem dar
apoio técnico e psicológico para sua nova condição.

Seguem alguns recursos que para Samaniego (2004) podem ajudar a pessoa com
surdocegueira a realizar os ajustes necessários para sua nova vida:

- apoio de profissionais especializados em surdocegueira que podem


dar respostas às suas demandas: apoio psicossocial, formação em
comunicação e em conhecimentos que lhe proporcionem melhor
acesso a seu ambiente, reabilitação básica, Orientação e Mobilidade,
aprendizagem de tecnologia assistiva.
- contato com um novo grupo de referência e com pessoas de iguais
características, essencialmente comunicativas, para compartilhar com
eles, experiências, atividades culturais e lúdicas.
- apoio de seus familiares e amigos. Uma atitude receptiva e aberta
às novas mudanças que esta nova perda acarreta é um dos fatores
que mais favorecem o ajuste a surdocegueira.
- mediadores e guias-intérpretes como elos de comunicação entre as
pessoas surdocegas e seu ambiente social. (Ibid, p. 290)

74
O trabalho do guia-intérprete é muito importante e para ser eficiente é necessário
que seja encarado com total respeito e ética, sempre lembrando que a pessoa com
surdocegueira depende dele para se comunicar com o mundo e tem o direito de ser
informado de tudo o que está acontecendo.

Assim como, os familiares devem ser respeitados e auxiliados no momento em que


se deparam com um filho, irmão, pai ou mãe que adquiriu a surdocegueira e que às
vezes por falta de conhecimento da doença em si, não sabem como lidar com esta
nova pessoa que está no convívio desta família.

Profissionais da área devem auxiliar estes familiares proporcionando-lhes


informações e subsídios para superarem esta angústia e ajudarem a pessoa com
surdocegueira.

Referências Bibliográficas

ÁLVAREZ REYES, Daniel. La sordoceguera: uma discapacidade singular. In


Sordoceguera: um análisis multidisciplinar. (2004). ÁLVAREZ REYES, Daniel;
GÓMES VIÑAS, Pilar coord.; ROMERO REY, Eugenio coord. Madrid Organización
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75
GIACOMINI, Lilia; MAIA, Shirley R.;ROSA, Dalva; SERPA, Ximena. Pessoa com
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YUNES, M. A . M. Psicologia Positiva e Resiliência: o foco no individuo e na família.


http://www.scielo.br/pdf Acesso em 20 mar 2007

76
"Algo é só impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário”
Albert Einstein

7. Legislação

Lei da Acessibilidade – atenção para o artigo 18:

LEI 10.098 de 19.12.2000

Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das


pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras
providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e


eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO – I. DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida,
mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no
mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e
de comunicação.

Art. 2º Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:

I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com


segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das
edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa
portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a


liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas
em: a) barreiras arquitetônicas urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos
espaços de uso público; b) barreiras arquitetônicas na edificação: as existentes no
interior dos edifícios públicos e privados; c) barreiras arquitetônicas nos transportes:
as existentes nos meios de transportes; d) barreiras nas comunicações: qualquer

77
entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de
massa;

III – pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida: a que temporária


ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de
utilizá-lo;

IV – elemento da urbanização: qualquer componente das obras de urbanização, tais


como os referentes à pavimentação, saneamento, encanamentos para esgotos,
distribuição de energia elétrica, iluminação pública, abastecimento e distribuição de
água, paisagismo e os que materializam as indicações do planejamento urbanístico;

V – mobiliário urbano: o conjunto de objetos existentes nas vias e espaços públicos,


superpostos ou adicionados aos elementos da urbanização ou da edificação, de
forma que sua modificação ou traslado não provoque alterações substanciais nestes
elementos, tais como semáforos, postes de sinalização e similares, cabines
telefônicas, fontes públicas, lixeiras, toldos, marquises, quiosques e quaisquer outros
de natureza análoga;

VI – ajuda técnica: qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possibilite


o acesso e o uso de meio físico.

CAPÍTULO II - DOS ELEMENTOS DA URBANIZAÇÃO

Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais
espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los
acessíveis para as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Art. 4º As vias públicas, os parques e os demais espaços de uso público existente,


assim como as respectivas instalações de serviços e mobiliários urbanos deverão
ser adaptados, obedecendo-se ordem de prioridade que vise à maior eficiência das
modificações, no sentido de promover mais ampla acessibilidade às pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Art. 5º O projeto e o traçado dos elementos de urbanização públicos e privados de


uso comunitário, nestes compreendidos os itinerários e as passagens de pedestres,
os percursos de entrada e de saída de veículos, as escadas e rampas, deverão
78
observar os parâmetros estabelecidos pelas normas técnicas de acessibilidade da
Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.

Art. 6º Os banheiros de uso público existentes ou a construir em parques, praças,


jardins e espaços livres públicos deverão ser acessíveis e dispor, pelo menos, de um
sanitário e um lavatório que atendam às especificações das normas técnicas da
ABNT.

Art. 7º Em todas as áreas de estacionamento de veículos, localizadas em vias ou em


espaços públicos, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de
circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem
pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção.

Parágrafo único. As vagas a que se refere o caput deste artigo deverão ser em
número equivalente a dois por cento do total, garantida, no mínimo, uma vaga,
devidamente sinalizada e com as especificações técnicas de desenho e traçado de
acordo com as normas técnicas vigentes.

CAPÍTULO III - DO DESENHO E DA LOCALIZAÇÃO DO MOBILIÁRIO URBANO

Art. 8º Os sinais de tráfego, semáforos, postes de iluminação ou quaisquer outros


elementos verticais de sinalização que devam ser instalados em itinerário ou espaço
de acesso para pedestres deverão ser dispostos de forma a não dificultar ou impedir
a circulação, e de modo que possam ser utilizados com a máxima comodidade.

Art. 9º Os semáforos para pedestres instalados nas vias públicas deverão estar
equipados com mecanismo que emita sinal sonoro suave, intermitente e sem
estridência, ou com mecanismo alternativo, que sirva de guia ou orientação para a
travessia de pessoas portadoras de deficiência visual, se a intensidade do fluxo de
veículos e a periculosidade da via assim determinarem.

Art. 10. Os elementos do mobiliário urbano deverão ser projetados e instalados em


locais que permitam sejam eles utilizados pelas pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida.

79
CAPÍTULO IV - DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS PÚBLICOS OU DE USO
COLETIVO

Art. 11. A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados


destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se
tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida.

Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, na construção, ampliação ou


reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser
observados, pelo menos, os seguintes requisitos de acessibilidade:

I – nas áreas externas ou internas da edificação, destinadas a garagem e a


estacionamento de uso público, deverão ser reservadas vagas próximas dos
acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que
transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção
permanente;

II – pelo menos um dos acessos ao interior da edificação deverá estar livre de


barreiras arquitetônicas e de obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade
de pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

III – pelo menos um dos itinerários que comuniquem horizontal e verticalmente todas
as dependências e serviços do edifício, entre si e com o exterior, deverá cumprir os
requisitos de acessibilidade de que trata esta Lei; e

IV – os edifícios deverão dispor, pelo menos, de um banheiro acessível, distribuindo-


se seus equipamentos e acessórios de maneira que possam ser utilizados por
pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Art. 12. Os locais de espetáculos, conferências, aulas e outros de natureza similar


deverão dispor de espaços reservados para pessoas que utilizam cadeira de rodas,
e de lugares específicos para pessoas com deficiência auditiva e visual, inclusive
acompanhante, de acordo com a ABNT, de modo a facilitar-lhes as condições de
acesso, circulação e comunicação.

80
CAPÍTULO V - DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS DE USO PRIVADO

Art. 13. Os edifícios de uso privado em que seja obrigatória a instalação de


elevadores deverão ser construídos atendendo aos seguintes requisitos mínimos de
acessibilidade:

I – percurso acessível que una as unidades habitacionais com o exterior e com as


dependências de uso comum;

II – percurso acessível que una a edificação à via pública, às edificações e aos


serviços anexos de uso comum e aos edifícios vizinhos;

III – cabine do elevador e respectiva porta de entrada acessível para pessoas


portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Art. 14. Os edifícios a serem construídos com mais de um pavimento além do


pavimento de acesso, à exceção das habitações uni familiares, e que não estejam
obrigados à instalação de elevador, deverão dispor de especificações técnicas e de
projeto que facilitem a instalação de um elevador adaptado, devendo os demais
elementos de uso comum destes edifícios atender aos requisitos de acessibilidade.

Art. 15. Caberá ao órgão federal responsável pela coordenação da política


habitacional regulamentar a reserva de um percentual mínimo do total das
habitações, conforme a característica da população local, para o atendimento da
demanda de pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

CAPÍTULO VI - DA ACESSIBILIDADE NOS VEÍCULOS DE TRANSPORTE


COLETIVO

Art. 16. Os veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de


acessibilidade estabelecidos nas normas técnicas específicas.

CAPÍTULO VII - DA ACESSIBILIDADE NOS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO E


SINALIZAÇÃO

Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e


estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas
de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com
81
dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à
comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao
lazer.

Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes


de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar
qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência
sensorial e com dificuldade de comunicação.

Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de


medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra
subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras
de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento.

CAPÍTULO VIII - DISPOSIÇÕES SOBRE AJUDAS TÉCNICAS

Art. 20. O Poder Público promoverá a supressão de barreiras urbanísticas,


arquitetônicas, de transporte e de comunicação, mediante ajudas técnicas.

Art. 21. O Poder Público, por meio dos organismos de apoio à pesquisa e das
agências de financiamento, fomentará programas destinados:

I – à promoção de pesquisas científicas voltadas ao tratamento e prevenção de


deficiências;

II – ao desenvolvimento tecnológico orientado à produção de ajudas técnicas para


as pessoas portadoras de deficiência;

III – à especialização de recursos humanos em acessibilidade

CAPÍTULO IX - DAS MEDIDAS DE FOMENTO À ELIMINAÇÃO DE BARREIRAS

Art. 22. É instituído, no âmbito da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do


Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Acessibilidade, com dotação
orçamentária específica, cuja execução será disciplinada em regulamento.

CAPÍTULO X - DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 23 A Administração Pública federal direta e indireta destinará, anualmente,


dotação orçamentária para as adaptações, eliminações e supressões de barreiras
arquitetônicas existentes nos edifícios de uso público de sua propriedade e naqueles
que estejam sob sua administração ou uso. Parágrafo único. A implementação das
82
adaptações, eliminações e supressões de barreiras arquitetônicas referidas no caput
deste artigo deverão ser iniciadas a partir do primeiro ano de vigência desta Lei.

Art. 24. O Poder Público promoverá campanhas informativas e educativas dirigidas à


população em geral, com a finalidade de conscientizá-la e sensibilizá-la quanto à
acessibilidade e à integração social da pessoa portadora de deficiência ou com
mobilidade reduzida.

Art. 25. As disposições desta Lei aplicam-se aos edifícios ou imóveis declarados
bens de interesse cultural ou de valor histórico-artístico, desde que as modificações
necessárias observem as normas específicas reguladoras destes bens.

Art. 26. As organizações representativas de pessoas portadoras de deficiência terão


legitimidade para acompanhar o cumprimento dos requisitos de acessibilidade
estabelecidos nesta Lei.

Art. 27. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 19 de dezembro de 2000; 179o da Independência e 112º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

83
Classificação Brasileira de Ocupações – Ministério do Trabalho e Emprego

Títulos
2614-05 - Filólogo

Crítico textual, Filólogo dicionarista

2614-10 - Intérprete

Intérprete comercial, Intérprete de comunicação eletrônica, Intérprete de


conferência, Intérprete simultâneo, Tradutor simultâneo

2614-15 - Lingüista

Lexicógrafo, Lexicólogo, Lingüista dicionarista, Terminógrafo, Terminólogo,


Vocabularista

2614-20 - Tradutor

Tradutor de textos eletrônicos, Tradutor de textos escritos, Tradutor público


juramentado

2614-25 - Intérprete de língua de sinais

Guia-intérprete, Intérprete de libras, Intérprete educacional, Tradutor de libras,


Tradutor-intérprete de libras

Descrição Sumária
Traduzem, na forma escrita, textos de qualquer natureza, de um idioma para
outro, considerando as variáveis culturais, bem como os aspectos terminológicos
e estilísticos, tendo em vista um público-alvo específico. Interpretam oralmente
e/ou na língua de sinais, de forma simultânea ou consecutiva, de um idioma para
outro, discursos, debates, textos, formas de comunicação eletrônica, respeitando
o respectivo contexto e as características culturais das partes. Tratam das
características e do desenvolvimento de uma cultura, representados por sua
linguagem; fazem a crítica dos textos. Prestam assessoria a clientes.
Esta família não compreende
2346 - Professores nas áreas de língua e literatura do ensino superior
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Lei n°. 14.441 de 20 de Junho de 2007

Dispõe sobre a criação da Central de Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais e


Guias-intérpretes para Pessoa com Surdocegueira, no âmbito do município de São
Paulo.

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

84
Decreto n°. 6949 de 25 de agosto de 2009

Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência


e seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova York, em 30 de Março de 2007.

Artigo 24

Educação

1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à


educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de
oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em
todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes
objetivos:

a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e


autoestima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas
liberdades fundamentais e pela diversidade humana;

b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da


criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e
intelectuais;

c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.

2. Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que:

a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral


sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas
do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de
deficiência;

b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de


qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as
demais pessoas na comunidade em que vivem;

c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam


providenciadas;

d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema


educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;

e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que


maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de
inclusão plena.

3. Os Estados Partes assegurarão às pessoas com deficiência a possibilidade de


adquirir as competências práticas e sociais necessárias de modo a facilitar às
85
pessoas com deficiência sua plena e igual participação no sistema de ensino e na
vida em comunidade. Para tanto, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas,
incluindo:

a) Facilitação do aprendizado do braille, escrita alternativa, modos, meios e formatos


de comunicação aumentativa e alternativa, e habilidades de orientação e mobilidade,
além de facilitação do apoio e aconselhamento de pares;

b) Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade


linguística da comunidade surda;

c) Garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças cegas,


surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de
comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao
máximo seu desenvolvimento acadêmico e social.

4. A fim de contribuir para o exercício desse direito, os Estados Partes tomarão


medidas apropriadas para empregar professores, inclusive professores com
deficiência, habilitados para o ensino da língua de sinais e/ou do braille, e para
capacitar profissionais e equipes atuantes em todos os níveis de ensino. Essa
capacitação incorporará a conscientização da deficiência e a utilização de modos,
meios e formatos apropriados de comunicação aumentativa e alternativa, e técnicas
e materiais pedagógicos, como apoios para pessoas com deficiência.

5. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência possam ter


acesso ao ensino superior em geral, treinamento profissional de acordo com sua
vocação, educação para adultos e formação continuada, sem discriminação e em
igualdade de condições. Para tanto, os Estados Partes assegurarão a provisão de
adaptações razoáveis para pessoas com deficiência.

86
8. Anexos:

Malossi

Deafblind International Word Conference 2003 - Canada

87
Alfabeto Lorm

http://www.feneis.com.br/page/libras_alfabeto.asp#feneis

88
Fonte: http://escoladeinclusaouff.blogspot.com/2010/11/alfabeto-braille.html

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