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Urgência Sem Emergência
Urgência Sem Emergência
subva rsos
■PPP^A.:
G L Ó R IA M ARO N E P A U L A BORSOI (ORG.)
U R G Ê N C IA SEM EM E R G Ê N C IA ?
2a e d iç ã o
Rio de J a n e ir o
S u b v e rs o s
2012
C o p y rig h t © S u b v e rs o s e I n s titu to de C lín ic a P sic a n a lític a do R io
de J a n e iro
D ire ito s d e s ta e d iç ã o re s e rv a d o s à E d ito r a S u b v e rso s, 2012
P r e pa r a ç ã o t e x t u a l e r e v isã o
S u b v e rso s
C a p a e p r o je t o g r á f ic o
S u b v e rso s
SUBVERSOS L IV R A R IA E E D IT O R A
E n d e re ç o p a r a c o r re s p o n d ê n c ia :
R u a M a ria E u g ê n ia , 285 - c a s a l, a p to . 201
22261-080 - R io d e J a n e ir o , RJ
te l.: 21 9664 2506
s u b v e rs o s @ s u b v e rs o s .c o m .b r
h ttp ://w w w .s u b v e r s o s .c o m .b r
h ttp ://b lo g d a s u b v e rs o s .w o rd p re s s .c o m /
s u b v e rs o s e d ito ra @ g m a il.c o m
^M354u
2. ed.
D ir e t o r ia
Romildo do Règo B airos (D iretor Geral)
A nam aria da C osta L am bert
Fernando C outinho
M aria do Rosário C ollíer do Rêgo Barros
C onselho
A na Lucia Lutterbach H olck
Fernando C outinho
G loria M aron
H eloísa Caldas
M anoel Barros da M otta
M arcus A ndré V ieira
M aria do Rosário Collier do Rêgo Barros
Paula Borsoi
A n d a m e n t o - 2008 A n d a m e n t o - 2012
E d it o r E d it o r
M arcus A ndré Vieira Romildo do Rêgo Barros
E d it o r a s c o n v id a d a s
Glória M aron
Paula Borsoi
N o ta p a ra a s e g u n d a e d iç ã o
Marcus André Vieira 9
A p re s e n ta ç ã o
U rg ên cia, u m n o v o te m p o
Romildo do Rêgo Barros 11
I n tr o d u ç ã o
U rg ê n c ia sem e m e rg ê n c ia ?
Glória Maron 14
O C o ló q m o
A b e rtu ra
Paula Borsoi 31
P a r te í
1. A u rg ê n c ia g e n e ra liz a d a : to d a u rg ê n c ia é u rg ê n c ia
p siq u iá tric a ?
Fernando Sobhie Diaz 36
Marcelo Piquet 40
Edm ar Oliveira 42
C o m e n tário s:
Marcus André Vieira e Hailton Martinelli 49
D eb ate 57
2. A u rg ê n c ia su b jetiv a
Romildo do Rêgo Barros 65
C o m e n tário s:
Dimas Soares Gonçalves e Fernando Ramos 71
D eb ate 77
3. O lu g a r d a u rg ê n c ia n a re d e
Andréa da Luz Carvalho 89
A n a Cláudia Jordão 93
Ricardo Lugon 98
Comentários:
A nam aria Lambert e A driano Aguiar 101
D ebate 104
4. P a ra o n d e e n c a m in h a r: a p o sta n d o n a tra n s fe rê n c ia
K elly Batalha Siqueira 107
Maria do Rosário Collier do Rêgo Barros 110
Viviane Tinoco Martins 113
Comentários:
Rogério Rodrigues e Marcus José M artins 118
D ebate 121
Encerramento
Hugo Fagundes - 123
Anexo
O c o n tin e n te do p r e s e n te
Romildo do Rêgo Barros 127
Parte II
O C am p o F re u d ia n o e a u rg ê n c ia su b jetiv a:
u m a p ro p o s ta de tra b a lh o
P a u sa : u m a p o r ta p a r a a su b je tiv id a d e h o je
Ricardo Seldes 131
P a r a co n clu ir: A n d a m e n to d e u m e n c o n tro
Marcus A.ndré Vieira 136
Mm. ■
N o ta p a r a a s e g u n d a e d iç ã o
M a rc u s A n d r é V ieira
0
APRESENTAÇÃO
U r g ê n c ia , um novo t e m p o
R o m ild o d o R êgo B a rro s1
U r g ê n c ia sem e m e r g ê n c ia ?
G ló ria M a ro n 1
P s ic a n á l is e e s a ú d e m e n t a l
“U rgência sem em ergência?” é u m a questão que in
teressa não só à com unidade de an alistas com o a todos
os profissionais do cam po da saúde m en tal que direta ou
indiretam ente lidam com situações de u rgência.
Uma das características das situações de urgência é
não ter hora ou lu g ar p ara acontecer, podendo se precipitar
de m odo bastante imprevisível. É p o r incidir sobre o espaço
e tempo, tanto pela vertente das conseqüências do rom pi
m ento dessa articulação significante q u an to p ela vertente
dos dispositivos p a ra acolher as cham adas situações de u r
gência, que a questão da urgência tem m erecido destaque
nos Fóruns de discussão da rede pública de saúde3 e n a co
m unidade de analistas do Cam po Freudiano.
4. MILLER, J-A. “O real é sem lei”. In: O pção L acaniana - Revista brasi
leira in tern acio n al de psicanálise, n. 34. São Paulo: Edições Eólia, 2002.
5. BELAGA, G. “P resentación: la u rg ên cia generalizada, la práctica en
el h o sp ital”. In: BELAGA, G. (Org.). La urgência generalizada I. B uenos
Aires: Gram a, 2004, p. 13.
6. J-A. Miller, Éric L aurent, G uillerm o Belaga, en tre o utros, têm ab o r
dado os rem an ejam en to s produzidos n o O utro social. A m bos os volu
mes da publicação Urgência Generalizada trazem tex to s que co n tem
plam e sta questão.
7. LAURENT, E. “H ijos dei tra u m a ”. In: BELAGA, G. (Org.). La urgência
generalizada I. B uenos Aires: G ram a, 2004, p. 24.
pulsão, im pulso a agir, d e sta c a o que podem os iso lar como
a verten te de repetição d o sintom a, fora do sentido.
Supom os que a n ovidade apresentada e desenvolvida
n e sta publicação reside n o próprio estatuto atual da u r
gência abordada sob o â n g u lo da m udança na experiência
do tem po, na m aneira de v iv e r o passado, presente e fu tu
ro, assim como n a relação do sujeito com o Outro, m odifi
cações essas que tornam o lugar do sujeito no m undo mais
instável e precário.
A cidade, a polis, que se constituiu como lugar da so
ciabilidade pública, da civilização, abriga o seu avesso, a
desregulação, que se m anifesta sob diversas m odalidades.8
H á um vasto leque de situações unificadas como urgên
cias, que se m anifestam p e la via do ato ou do afeto. A gita
ções, irrupção de atos de violência que culm inam em auto
e/ou hetero-agressividade, alterações súbitas de h u m o r que
se expressam p ela exaltação ou estupor, atos derivados do
consum o excessivo de drogas lícitas ou ilícitas e crises de
pânico são algum as das m anifestações clínicas assimiladas
como urgências. Desse co njunto de fenômenos, u m ele
m ento com um é a irru p ção do imprevisto, incontrolável,
fora dos recursos com os quais cada sujeito responde aos
acontecim entos d a vida. E stas manifestações têm seus efei
tos desdobrados tanto na perspectiva do sujeito quanto do
ponto de vista das conseqüências da irrupção maciça destes
fenôm enos no campo social.
P s ic a n á l is e e u r g ê n c ia
Há um a rede de dispositivos especializados na rede
pública p a ra acolher as urgências. Ao m esm o tem p o , a psi
canálise é cada vez m a is convocada a in terv ir e m situações
2.
psicanálise in te rro g a a form ação, a tran sm issão e a au to ri
zação de seu ato. A ação do analista, sua intervenção, tem
algum a chance de ser elevada à a ltu ra de u m ato, do qual
se pode ju lg ar a eficácia graças a seus efeitos do discurso
no real e o alcance obtido sobre o so frim en to do sujeito a
p a rtir do uso das palavras.
Buscam os verificar o enlaçam ento da urgência,
tran sferên cia e em ergência a p a rtir de u m a inversão de
perspectiva. O u seja, n o lu g a r de restau rar, fazer em ergir
algo novo para o sujeito a p a rtir da urgência. Isso só pode
ser obtido caso ela n ã o seja abafada ou tra ta d a a p artir
de um tipo de resp o sta única e padronizada. H á algo na
urgência que pode p ro d u zir um a novidade.
P a r a c o n c l u ir
D estacam os, no d eco rrer d e sta apresentação, um
conjunto de questões e conceitos q u e serão desenvolvidos
no decorrer deste volum e. A urgência, as instituições e
dispositivos de acolhim ento e as in terv en çõ es foram in
terrogadas. À psicanálise foi colocada a questão acerca do
estatuto da urgência subjetiva e a ação que se espera do
psicanalista. Relatos e te x to s diversos trazem experiências
que retiram a urgência d e um a ab o rd ag em padronizada e
que exclui o sujeito.
O leitor tam bém p o d e rá verificar com o o questiona
m ento sobre a in terv en ção na u rg ê n c ia n o contexto do
Campo Freudiano c u lm in o u na criação de u m dispositivo,
cham ado Pausa, que é ap resen tad o aos leitores p or um de
seus fundadores, Ricardo Seldes, a p a rtir de u m relato ins-
tigante. A experiência d a Pausa o p era p a ra transform ar
a urgência em urgência subjetiva e p ro d u z ir efeitos te ra
pêuticos rápidos. A p o rta aberta da Pausa ao interrogar
i
I
Parte I
O C O L Ó Q U IO
Abertura1
P a u la B orsoi12
O C O L Ó Q T JIO
34
N a terceira m esa, “O lu g a r da u rg ên cia n a rede”, o
debate pode ser ap resen tad o p o r m eio da q u estão sobre o
tem po, trazida por A n a m a ria Lam bert e am plam ente p o n
tu a d a ao longo do evento, levando em conta q u e o m odo
com o se aborda a em erg ên c ia estará ligado à suspensão
de u m a resposta rápida. L am bert ressalta a im p o rtân cia
da suspensão de um a re s p o sta im ediata, que j á in tro d u
ziría n a urgência um tem po de em ergência em direção à
posição do sujeito d ian te do q u e se queixa. Esta su spensão
pode d ar lugar a invenção de um a resposta do sujeito p a ra
seu sofrim ento.7
N a últim a mesa, “Para onde encam inhar: ap o stan d o
na tran sferên cia”, o deb ate se inicia com u m a questão que
considero crucial: a c o n stru ç ã o da rede n a saúde m ental.
Com o se constrói um a rede levando em co n ta os pontos
de am arração inventados pelo sujeito psicótico, sem se
deixar levar por encam in h am en to s burocráticos? A fala
de K elly Siqueira é esclarecedora, um a vez que p rio riza a
responsabilidade clínica e, p o rta n to , ética, q u an d o aten d e
m os pacientes. Siqueira afirm a que “o tra ta m e n to de um
sujeito pode requerer d iferen tes dispositivos, o u pode não
ser feito por um só, n e m em u m só lu g ar”, com o a clínica
da psicose nos ensina. O desafio para cada u m de nós, diz
ela, “p assa a ser o de tra n s m itir p ara outros aquilo que nos
cabe quando tratam os de pacientes: trab alh ar p a ra fazer
existir um a rede que p o ssa sustentá-los, pelo m enos nos
m om entos m ais difíceis”.8
V am os à leitura. Faço v o to s de que as consequências
dessa sejam as m elhores.
A E M E R G Ê N C IA P S IQ U IÁ T R IC A
F ern ando S obh ie D ia z 1
U m l u g a r p a r a a u r g ê n c ia
A vançando n a segunda parte da discussão, coloca
mos a questão: será a em ergência em hospital geral o me
lhor local para a expressão de um a crise? U m a determ ina- 2
A CRISE N A CIDADE
U m a lem brança significativa do período em que
trabalhei em A n g ra dos Reis é o dia de visita dom iciliar.
H avia u m a situação em que p acien tes em crise eram co n
vidados a visitar um d eterm in ad o u su ário que n ão saía
de sua com unidade. Iam to d o s à cachoeira, p assear pelo
local. E sta com unidade, b a sta n te resisten te à p e rm a n ê n
cia deste paciente em seu am biente, pelas diversas s itu
ações que criava, p arad o x alm en te lidava com os o u tro s
pacientes de form a acolhedora. A com panhar sujeitos em
crise nesse espaço p o ssib ilito u m udanças culturais. A
com preensão da com unidade de que u m sujeito em crise
m anifeste-a em espaços públicos é um sinal positivo de
desinstitucionalização d a doença, em oposição a seu sinal
negativo, a desassistência e o abandono de doentes m e n
tais, que tanto assusta e causa m al-estar aos cidadãos de
um a com unidade.
Sa ú d e M e n t a l : in t e r l o c u ç ã o d e s a b e r e s
M a rcelo P iq u et3
U m a e x p e r iê n c ia
Lem bro-m e de uma ex p eriên c ia m u ito interessante.
Logo depois de sair da faculdade, fu i trab alh ar no H ospital
Psiquiátrico de Jurujuba. O tra b a lh o costum ava ser feito
por alguns neurologistas e psiq u iatras antigos, com um a
I visão pouco aberta a m udanças. Logo que comecei, o a te n
} dim ento na em ergência e ra feito p o r dois médicos, sendo
que um deles era sempre u m dos m édicos mais antigos.
A equipe, no entanto, cresceu com a en trad a de alguns
psicanalistas.A s m udanças tra z id as pela psicanálise cau
saram u m im pacto enorm e. A recom endação era o u v ir o
paciente o tem po que se acred ita sse ser necessário, o que
provocava, algum as vezes, atendim en to s interm ináveis.
Sabemos hoje tratar-se de u m a indicação n o m ínim o in g ê
nua, m as na época ela p o ssibilitou m udanças, pois abalou
o m odo m édico então co n stru íd o p ara os atendim entos
psiquiátricos, fazendo com q u e tivéssem os que rep en sar
nossa p rá tic a e nos adaptar a form as pouco usuais à clí
I nica psiquiátrica da época. Foi polêm ico, m as a direção
do hosp ital su sten to u o desco n fo rto . A prendi, ali, a im
portância de p e rm itir ao p a c ie n te a construção de um a
narrativa.
41
um a orientação m ais ou m enos com um de trabalho. É im por
tante que cada equipe leve em conta o trabalho de responsa
bilização do sujeito e a apropriação que ele pode vir a fazer
de seu sintoma. M edicar é apenas um a parte do trabalho.
Nesse sentido, considero preciosa a fundam entação teórica
da psicanálise e a presença dos psicanalistas na emergência,
o que m e fez aceitar o convite para estar nessa m esa e pensar
em conjunto com todos aqui presentes a prática da saúde
m ental n a cidade do Rio de Janeiro hoje. Obrigado.
A E M E R G Ê N C IA . S U B M E R S A : U M A Q U E S T Ã O D E U R
G Ê N C IA 4
E d m a r O liv e ir a 5
4. N o ta a c re s c e n ta d a p elo a u to r e m se te m b ro de 2007
T alvez c a ib a a c re s c e n ta r que u m d esejo firm e m e n te co lo cad o a q u i
foi re a liz a d o d e p o is. H o je a m a io r e m e rg ê n c ia d a A m érica L atin a
n ã o e x is te m ais. N e s te s dois a n o s, d o is serv iço s, o de a te n ç ã o d iá ria
e a e m e rg ê n c ia , s a íra m do h o sp ita l. O s se rv iç o s são, h o je, CAPS em
c o m u n id a d e , a u m e n ta n d o o q u a n tita tiv o re c la m a d o à q u e la época.
A e m e rg ê n c ia e s tá fu n c io n a n d o d e n tro d a e m e rg ê n c ia do P o sto
de A te n d im e n to M éd ico R odolfo R occo, u n id a d e p ré -h o s p ita la r do
m u n ic íp io , n o b a irro d e D el C a stilh o . Isto re fo rç a o p ro je to té c n ic o
q u e a n o s s a d ire ç ã o tin h a p a r a a in s titu iç ã o , o que foi re s s a lta
do n a fa ia a q u i re g is tra d a . E, s u p e ra n d o n o ssa s e x p e c ta tiv a s m ais
o tim is ta s , a q u a n tid a d e de caso s, a n te s e m erg en ciais, foi re d u z id a
a m e n o s d e u m q u a r to do q u a n tita tiv o a n te rio r, e n q u a n to a q u a
lid a d e c lín ic a a u m e n to u de fo rm a e sp a n to sa . E ste salto p o d e se r
id e n tific a d o n o p rim e iro n ú m e ro d o s A rch ivo s C ontem porâneos do
E n genho de D entro, q u e circu la a p a r tir de o u tu b ro de 2007.
É b o m re v e r o p a s s a d o sab en d o q u e tín h a m o s u m a d ireção e c o n
se g u im o s v e r n a re a lid a d e o q u e a n te s e r a so n h o
5. D ir e to r do I n s titu to M u n ic ip a l N ise d a S ilv eira (IMAS).
42
que se encontra. Esta é a m aior urg ên cia que vivo! P o rtan
to, não teria tem po de p re p a ra r m in h a fala. Mas vim p a ra
contar alguns casos e conversar. N ão poderia recu sar a
oportunidade de d eb ater a questão da urgência n a cidade
do Rio de Janeiro.
T rabalhei em um serviço de aten ção diária que se
propôs a ser substitutivo. Sou d ireto r de um a in stitu ição
que tem a m aior em ergência p siq u iá tric a da A m érica La
tina. P retendo, se tiver tem p o e a p re fe itu ra deixar, acabar
com ela, p orque acho u m a form a de atenção das piores
que podem existir.
E m e r g ê n c ia e s p e c ia l iz a d a
O que seria um a em ergência p siquiátrica? Com o sa
bemos, não existe em ergência de d o r de barriga ou de e n
farto agudo. H á em ergência geral. E m ergência especiali
zada, só a psiquiátrica. É p a ra lá que são levadas as pessoas
consideradas pelas o u tra s em ergências com o excludentes.
C ostum a-se resp o n d er com a cam isa de força quím ica —
estou caricaturando — q u alq u er destas urgências que es
tão colocadas n a cidade e que não se caracterizam como
p erten cen tes às outras em ergências. Então, a em ergência
especializada é psiq u iátrica p o r exclusão.
Com o in te rv ir q u an d o chega u m bom beiro com u m
paciente am arrado? A conteceu algo, a n terio r à chegada
do p acien te à em ergência, que levou a essa am arração.
Uma briga familiar, um a confusão dom éstica? N ão sabe
mos. O u seja, há um a situação psiquiátrica, mas isso não
está em questão quando o paciente chega n a em ergência
contido pelo bom beiro.
O que se co stu m a fa z e r com a q u estão p siq u iátrica
em situações com o essa? D e sa m a rra r as cordas e a m ar
ra r com H aldol e F energan. E m um a discussão sobre dis
positivos su b stitu tiv o s, u m a das p rim eiras da luta anti-
m anicom ia! em Porto A legre, u m p a cie n te v iro u -se p ara
os p a rtic ip a n te s e disse: “Vocês discutem , discutem , mas
tudo acaba em H aldol”. B elo resum o d a ópera!
A em ergência reflete to d a essa situação e q u e m tr a
b a lh a nela sabe que se p ro c u ra su p rir aten d im en to s am -
bulatoriais, que estão em falta. A em ergência p siq u iátrica
p o r si só já está equivocada em sua concepção, n a m edida
em que serve para a ten d e r a outras dem andas que não são
suas.
O u t r a s respo sta s
Vou c o n ta r alguns casos que m o stram com o se pode
d im in u ir essa questão d a re sp o sta quím ica a q u alq u er
a to que esteja p e rtu rb a n d o o indivíduo. L em bro que o
H o sp ital da Piedade ligou certa vez querendo q ue fosse
in te rn a d o um paciente q u e esta v a am eaçando saltar do
q u a rto andar, um risco de suicídio im inente. P e rg u n te i se
ele tin h a passado p siq u iátrico , ao que m e re sp o n d era m
que não. N inguém sabia, no en tan to , lidar com a situação
e qu eriam que aceitássem os esse rap az em no sso serviço
de em ergência. N a ocasião, estávam os com eçando a fa
zer u m trab alh o de v isita dom iciliar que en v o lv ia casos
com o esse e, em vez de e sp e ra r que eles v iessem até nós,
p o d e ria m o s ir até eles. P a ra essa situação, escolhem os
u m profissional que e ra m édico, m as sabíam os que ele
n ão m edicaria im e d ia tam en te e em prim eiro lu g a r escu
ta ria o que aconteceu.
Esse m édico ch eg a ao H o sp ital da Piedade, con
v e rsa com o p aciente que com eça a c o n ta r su a h istó ria.
O p a cien te relata que foi in te rn a d o m otivado p o r um a
p n e u m o n ia , que v iro u u m a tuberculose, e era H IV p o si
tivo. D u ran te a in te rn a çã o , n in g u ém co n v erso u com ele
sobre isso, um a vez que o a ten d im en to estav a c irc u n sc ri
to ao diagnóstico e tam b ém à alta. M as sua p reo cu p ação
era a form a com que su a m u lh er iria reagir, p o is ela não
sab ia deste fato. D aí o desespero do cidadão. A ação do
m édico foi conversar com a equipe em vez de m edicá-lo.
A m u lh er estava c h eg an d o p a ra v isita e o no sso m édico,
ju n to com o m édico do H o sp ital da Piedade, falaram com
ela sobre o que estav a aco n tecen d o . O resu ltad o foi que
o p a cien te n ão foi para o h o s p ita l p siq u iátrico e h o je sua
m ulher faz tra tam en to em no sso am b u lató rio .6
O utra visita que se fez foi a u m a p acien te da m a te rn i
dade C arm ela D utra, que é p e rto do hospital. Uma m u lh er
tinha acabado de ter um n e n ém , e n tro u em crise de agi
tação p sico m o to ra e estava q u eb ran d o tudo na m a te rn i
dade. D a m esm a forma, se fosse direto p ara a em ergência
psiquiátrica, acabaria sendo in tern an d a. Em vez disso, pe
dimos que alguém fosse v ê -la n a m aternidade. Foi m uito
interessante esse caso, p o rq u e ao co n trário do outro, essa
senhora estava querendo fu g ir da m aternidade, v isto já
ter vendido o bebê escondido de sua mãe, ou seja, sem que
a avó do bebê soubesse. Q u e ria fu g ir p a ra realizar o que
estava p lan ejan d o e o m édico in terferiu , entendeu q u e o
caso era policial e que se c h am a sse a polícia; ou seja, não
era caso p a ra o psiquiatra resolver.
Se esses dois casos fossem ao hospital psiquiátrico,
certam ente term inariam em H aldol e Fenergan e estariam
nos autorizando a inaugurar um a carreira psiquiátrica p ara
esses pacientes, o que não ocorreu em função de uma form a
diferenciada de agir.
Dà r e s p o n s a b il id a d e d o s s e r v iç o s
U m a o u tra questão é a da responsabilidade dos ser
viços que tra ta m de seus p a cien tes q uando esses ap resen
tam um a situação de urgência. D igo a urgência do nível
da fala, quando o paciente q u e r c o n v ersar com alguém de
C r ia r t e m p o ; in v e n t a r e s p a ç o
O prim eiro paradoxo se en u n cia d a seguinte m a
neira: não é possível e n tra r no ritm o da u rg ên cia para
resolvê-la e, ao m esm o tem po, a u rg ên cia é exatam ente
quando o tem po falta. D ar tem po à crise seria u m a m ara
vilha, deixá-la falar, ouvi-la e etc., m as sabem os que isto
te m algo de um sonho, de um a situação ideal que m uito
raram en te existirá.
É bem v erd ad e que m uitas vezes a p sican álise ofere
ce à crise um te m p o e que esse tem p o às vezes ajuda, m as
qu ero in serir m in h a a rg u m e n taç ã o no_ ex trem o oposto
dessa visão. N ão acho que esta é a m aio r co n trib u ição da
p sicanálise — aliás, não acho que isso seja u m a grande
contribuição. N ão p o d em o s nos c o n te n ta r em oferecer
tem po, um a e sc u ta sem p ressa, p o rq u e a crise é rebelde às
nossas ofertas. A lguém se d esesp era e x ata m e n te quando
n ão se h á m ais a possibilidade de esp era, de cren ça em
u m a re sp o sta ou solução que estaria p o r vir. A lém disso,
se é preciso e lim in ar a crise p ara tra tá -la , não estarem os
pro p o n d o u m destin o p a ra a crise, u m a m u d a n ç a a p a rtir
dela, e sim sua erradicação, o que é c o n tra d itó rio com a
idéia de u rg ê n c ia subjetiva.
O segundo paradoxo diz respeito ao espaço. A crise
supõe um deslocam ento no espaço, u m espaço diferente
daquele em que ela se engendrou. C oloquem os com o p ro
posição: não h á u rg ê n c ia sem rem oção. N ão quero dizer
que é preciso n ecessariam en te criar u m espaço separado
p a ra o atendim ento das urgências, m as que é preciso sub
tra ir o sujeito de seu lu g a r p a ra tra ta r a urgência. A crise
supõe que o lugar de o rig em não está servindo mais. É
com o se um a casa, em p len o cam po aberto, tivesse r u í
do em m eio a um a te m p e sta d e cheia de relâm pagos. N ão
se pode sim plesm ente e sp e ra r p assar a ventania e não se
pode ficar esperando q u e a casa se reconstrua. É preciso
p ro cu rar o u tro abrigo. U m certo deslocam ento n o espa
ço sim bólico parece im prescindível. O paradoxo ressurge.
Como p ro m o v er um a m u d a n ç a de lu g ar para alguém que
está sem lugar?
Estes dois paradoxos n o s evitam a idéia sim plista de
um a intervenção “zen”, q u e supusesse o problem a em um a
carência de tem po e espaço. N ão é carência o que está em
questão, é o apagam ento da própria possibilidade de re s
pirar e/ou de deslocar-se. É o que assinala a angústia, até
mesm o em sua etim ologia, que rem ete ao estrangulam ento
e à sufocação. H á algo na em ergência que nos obriga a criar
tem po e g an h ar espaço. N este sentido, é preciso sem pre
introduzir algum a coisa. A lgo tem que ser feito p a ra que
se possa m udar a conform ação da crise e eventualm ente
interrom pê-la.
Parece-m e que vai n e ste sentido a proposta de pen
sarm os esse tem po a ser g a n h o n a crise com o a introdução
de um a pausa. É preciso c ria r um tem po que não temos
como dar, não só porque n ã o dispom os dele (dadas as cir
cunstâncias de dem anda g ig an tesca de nossos serviços),
m as p o rq u e a crise não deixa. É preciso arran car este tem
po da p ró p ria crise. É preciso ig u alm en te criar um espaço
subjetivo de respiração, e sta b iliz a r algum as posições e fa
las que situem , em meio a o caos de possibilidades co n tra
ditórias e posições in su sten táv eis e efêm eras que caracte
rizam a angústia, um intervalo.
N ã o h á u r g ê n c ia sem r e s p o s t a
Por isso tudo, um terceiro ponto é essencial na urgên
cia: a resposta. A resposta daquele que se vê diante de uma
urgência subjetiva; pode ser o médico, o analista, quem ali
estiver. Esta resposta é necessária. Tão decisiva que pode
mos, inclusive, inverter e usá-la para caracterizar a urgência.
Não h á em ergência sem resposta. Se não é preciso agir, se a
situação não nos solicita ao ato, se nos perm ite esperar ou
encaminhar, não é urgência.
O que p ro p o r? O prim eiro encam inham ento, a m eu
ver, seria o de não opor sujeito e sin to m a, não p a rtir da
idéia de que existe u m sujeito oculto em todas as situações
e que estaria, aqui, especialm ente sufocado. Não ad ian ta
fornecer calm a e cuidados, pois o sujeito terá que ser p ro
duzido e não libertado.
O universal da resposta não abafa o sujeito, apenas
não consegue produzi-lo. O u n iv ersal n ão é em si o vilão.
Não se tra ta de d u a s ordens distintas, o universal e o p a r
ticular, pois não h á sujeito fora do coletivo. É im portante
que isso seja assinalado, porque h á u m a certa tendência de
se ler a psicanálise como a d efen so ra d essa idéia p reco n
cebida, desse preconceito m en talista de que haveria um
indivíduo fu n d am en tal prim ário.
É como se achássem os que p a ra cada sujeito que nos
chega na u rg ên cia haveria sem pre um desejo m ais p ro
fundo a ser descoberto e que esta ria sufocado pela cruel
opressão do vilão cultural. H á sem pre algum a coisa, estou
de acordo, m as não chega a ser u m desej o formulável. H á
algo ali que pode ser trazido, pode ser valorizado, tra n s
form ado em o u tra coisa, m as não podem os dizer que é
possível co n tar c o m aquilo com o algo a se descobrir em
sua form a prim ária.
SlNGULARIZAR O SINTOMA
Se abrim os m ão dessa posição, podem os en co n trar
coisas in teressan tes em Lacan, especialm ente no que ele
trabalha m ais ao final de seu ensino, em que valorizou,
sobretudo, o sintom a. M elhor ex p lo rar o sintom a como
um m eio de p ro d u z ir sujeito do que opor sujeito e sintom a
como se o prim eiro fosse o reino do sin g u lar e o seg u n
do o do coletivo/objetivo. O sujeito nos chega como um
sintom a, nem que seja de an g ú stia. É preciso agir sobre
essa an g ú stia para que n ela se produza um sujeito. É p re
ciso um a intervenção, alg u m a resposta. No lu g ar de opor
indivíduo/coletivo, sujeito/sintom a, prop o n h o a idéia de
singularizar o sintoma.
H á algo de singular n o sintom a. N enhum deprimido
é igual a outro. Cada um te m um modo p ró p rio de estar
na depressão. É preciso o b te r a singularização dessa de
pressão. Isso passa por u m a apropriação do sintom a pelo
sujeito. V ê-se o quanto é im p o rtan te se desfazer da oposi
ção anterior. Se dizemos q u e o sintom a é o oposto do su
jeito, com o ele vai se ap ro p ria r do sintom a? A o contrário,
m inha p ro p o sta seria a de q u e o sujeito está n o sintoma.
D ois exemplos. P rim e ira m en te , a situação de crise
trazida p o r Fernando. A p a c ie n te está em casa quando
chegam o s bom beiros. A p rin c íp io , ela e sta ria agitada,
resistindo com violência à violência dos bom beiros —
que, p o r s u a vez, tra d u z iría m a violência d a fam ília. En
tão, teríam o s a violência do individual c o n tra a ten tativ a
de co n ten ção do social. O q u e ela faz? Põe ág u a no fogo.
A gua p a ra jogar nos b om beiros. É quase com o se ela dis
sesse: “o bom beiro está c h eg an d o com esse fogo todo,
vou jo g a r água n ele”. C erto, m inha form ulação está m u i
to m irabolante, m as p o r q u e não p ro cu rar n este gesto
algum a co isa que é dela? P o r que água e n ão fogo? Por
que água e não o u tra coisa? Isso é diferente de dizer que
precisam os descobrir o sim bolism o profundo e subjetivo
da água p a ra ela. N ada disso. Devem os to m á-la ao pé
da letra, p o is a p a rtir daí será possível localizar algu
m a coisa. Talvez, a p a rtir d a água, fosse possível intervir,
seja no p lan o do discurso, in te rro g a n d o esta resp o sta do
sujeito, a água, seja se co lo can d o do lado dos que lidam
com a á g u a e não com o fogo.
A ssistim os a um a dem o n stração deste tip o de in te r
venção h á pouco, quando u m a paciente in terro m p eu a
fala do Edm ar. Eu estava q u a se m e levantando p ara tirá-la
daqui. Q uando ela disse, de m odo meio gratuito: “Estou
esperando h á ta n to tem po, vou e sp e ra r”. E dm ar retom a
apenas a fala dela e diz: “Então esp era lá fora” e ela vai.
Tom ar ao pé da le tra o que está sendo dito não significa
que é preciso se en ten d e r o que “e sp e ra r” significa p ara
ela, é estabelecer algo que eu cham aria de um co n trato em
ato. Isso m uitas vezes funciona e é o que estou en ten d en
do como singularizar o sujeito.
O an alista não é um especialista disso. A experiência
da psicanálise talvez possa, porém , ilu m in ar um pouco a
coisa, esse tip o de faro clínico, essa possibilidade de ga
n h a r lugar p a ra o paciente em 30 segundos. Isso não é um
saber específico, especializado do analista. Talvez o espe
cífico seja a m a n eira como ele o teoriza.
C o n tra to em ato
Lacan fala da psicanálise como u m a espécie de p a ra
nóia dirigida, conferindo, de certa form a, u m lu g a r de cri
se à psicanálise. A psicanálise não é u m espaço zen, pelo
m enos do p o n to de vista de Làcan, ela é lu g ar de acelera
ção e arte.
Encerro a m inha participação neste m om ento re
tom ando a p ro p o sta de um a m udança de foco que passa
por um a redefinição da escuta. Temos que p en sar a escuta
como escuta ativa, que produz fala ou peg a um a fala pouco
subjetiva e exige que ela se torne m ais subjetivada.
O indivíduo é social, se faz no social, isso sem deixar
de lado algo que é próprio. Difícil p eg ar esse tal de sujeito!
O perigo não é a ênfase colocada no social, m as a m assi
ficação cega, o autom atism o das decisões, o ato perdido
diante de u m a m edicina de evidências que é apenas “só
faça o que for consenso”. M anter o fogo d a singularidade
aceso nestas condições é m uito difícil. Os m elhores te n
dem a ir p ara o nível m acro, p a ra o cam po da política p ara
assegurar um lu g a r p ara o singular. A penas ficamos sem
gente no nível m icro, que não se opõe ao m acro. Um p re
cisa do outro. É preciso um fazer que aju d e a in terro m p er
a série de dem andas de m assa em u m a vida.
A idéia de produzir sujeito, to m ar ao pé da letra o
que está sendo dito, não p ro c u ra r o profundo, é estabele
cer u m contrato em ato. Isso é o que estas três falas tra
zem. C ontrato em ato, m u ita s vezes fu n cio n a e é isso que
estou entendendo como sin g u larizar o sujeito. Q ueria ver
o que vocês acham e o q u e a gente pode en cam in h ar a p a r
tir daí, abrindo a jo rn ad a c o m três falas tão im portantes.
Debate
M a r c e lo P i q u e t
Sobre a questão da ênfase no tem po, posso dizer que
a tolerância que tem os reiativiza as urgências. A capacida
de de ser to le ra n te faz toda diferença.
F e r n a n d o S o fo h ie D ia z
C o n co rd o que m eu tex to p riv ile g io u a q u estão do
espaço. T ra b a lh o n a ló gica do te rritó rio . A e m erg ên c ia
tem que g a r a n tir a criação de esp aço , espaço de e x p re s
são, c ria r e sp aço s novos n a co m u n id ad e. D e slo c a m en
to é um a q u e stã o m ais c u ltu ra l. Será que a situ ação de
crise é v a lo riz a d a im a g in a ria m e n te ? A a p o sta é que se
esvazie u m p o u c o isso, p a ra q u e a fam ília ou a c o m u
nid ad e a c e ite a crise com m en o s te rro r. Se a crise é u m
m o m e n to de ru p tu ra , tem os q u e a ss e g u ra r o m ínim o de
co n tin u id a d e.
N a fo rm ação m édica, a em erg ên cia p siq u iátrica e stá
separada da em erg ên cia geral e da em erg ên cia em h o s
pital geral, esse é u m grande desafio p a ra todos nós. A
época em que tive m ais tra n q ü ilid a d e p a ra tra b a lh ar foi
quando ch eg o u u m p a cien te confuso, com queixa de d o r
de cabeça. Pedi um a to m o g rafia que confirm ou a h ip ó
tese de a n eu rism a . Eu consegui falar a linguagem deles
e m eus colegas m édicos p a ssa ra m a m e aceitar m elh o r
na equipe e a ce ita ra m m elh o r a e n tra d a destes p acien tes
psiq u iátrico s. G rande p a rte de n o sso desafio é in te re s
sar as p e sso a s que tra b a lh am em h o sp itais gerais pelo
sofrim ento p síq u ico e não ap en as p e la lin g u ag em m é d i
ca p a ra abordá-lo. N esse caso, a equipe p erceb eu que h á
sofrim entos que devem s e r acolhidos e não ab o rd ad o s
com o um a coisa à parte q u e não cabe a eles.
Edmar Oliveira
H á um a história in te re ssa n te que gostaria de contar
a vocês. Sou de um a cidade do in terio r do Piauí. Até os
m eus 18 anos, a loucura n ã o era u m a questão m édica. O
sargento doido que foi o louco na m in h a in fân cia anda
va pela rua com a gente, u m a coisa lúdica, o tem p o todo.
N unca ninguém propôs in te rn a r o sargento. P assei a in
fância jogando pedra no sarg en to e ele co rren d o atrás de
m im . N unca acertei um a p e d ra e ele n u n c a m e pegou. Era
u m a questão de relações d e n tro da cidade, da fo rm a como
a com unidade se relacio n av a com o seu louco e com o su
p o rtav a fazer isso.
No entanto, a cidade v a i crescendo e ficando m ais in
tolerante. Passa a ser necessário criar u m ap arato que p ro
duza um a resposta im ediata, coisas sobre as quais H ailton
ap o n ta com propriedade a o abordar o fato de q u e a p si
quiatria está sendo elab o rad a no laboratório: o indivíduo
tem um sintom a “x ” e h á u m rem édio “x ” especialm ente
produzido para aquilo.
Q uanto ao que M arcus A ndré falou sobre a questão
da água da m oça citada p e lo Fernando, lem brei-m e que se
fazia isso nos castelos m edievais, ou seja, quando o in im i
go chegava, o invadido b o ta v a a água p a ra ferver. Jogava-
se água na invasão. N a verdade, você está invadindo a p ri
vacidade de um a pessoa p a r a pegá-la à força. N os castelos
m edievais era assim. É a ssim que vam os lid ar com isso?
Lembro-me de um a situação. U m a p acien te do Lula
W anderley que não estava querendo to m ar a m edicação
e estava com um neném recém -nascido. Situação com
plicada. Nela aprendi com Lula — e agradeço a ele p o r
esse ensinam ento — a in v e rte r o dilem a psiq u iátrico que
era assim: você m edica p ra fazer relação. Lula dizia: “Não,
você faz relação e depois m e d ic a ”. Fom os à casa da pacien
te. A prim eira coisa que ela falou após eu p e rg u n ta r se não
estava feliz p o r seu m édico estar em sua casa foi: “Visita
é boa quando se convida”. É verdade. Estávam os lá com
o u tro interesse, não estávam os como visita.
Então, é preciso que peguem os algo em cim a do que
disse essa m oça. Ela não aceitava to m ar o rem édio de fo r
m a algum a. Lula não q u e ria interná-la. Eu, em ap ren d i
zado com Lula, percebi algo com o m eu nariz, que é bom.
Percebi que o garoto tin h a feito cocô. Disse p a ra ela:
“A cho que você precisa to m a r rem édio”. Ela questionou:
“P or quê?”. R espondi que ela não estava cuidando do filho.
“C om o não estou? E stou cuidando sim ”. Eu disse: “Está
não, p resta atenção, pois o garoto está cagado”. Sua res
p o sta foi: “Pode deixar o rem éd io ”.
U m a situação que não precisou cham ar bom beiro,
nem a m a rra r a paciente. É totalm en te diferente a atuação
de crise en tre duas pessoas que se conhecem e en tre dois
desconhecidos. Por isso digo que a em ergência p siq u iá tri
ca é m uito com plicada qu an d o a situação se dá en tre dois
desconhecidos, tanto p a ra quem está chegando quanto
p ara quem e stá atendendo.
Edmar Oliveira
A em ergência do Nise da Silveira é cham ada Faixa de
Gaza, p a ra onde tu d o vai desem bocar. A questão é: com o é
tra ta d a a em ergência no R io? Joga-se n a em ergência tu d o
o que não se quer. No q u e d ep en d er de mim, esse lugar
vai acabar.
Vou falar dos pólos. C o n stru ím o s coisas em nossas
vidas. A ntes da década de 80, todo posto de saúde d av a
em issão de autorização de in tern ação hospitalar (AIH).
Q uando organizam os os pólos, a p a rtir de um a data só
eles poderíam em itir AIH e no dia seguinte, 40% da d e
m anda desapareceu. Do d ia p a ra a noite reduziu a d em an
da em 40% e, p o r outro lado, criam os um m onstro: tu d o
vai p a ra o pólo.
Trabalhei em um serviço de atenção diária que ra ra
m ente usava a em ergência psiquiátrica. A com panhei u m
caso com risco de suicídio, depressão grave, o que em g e
ral é levado p a ra a em ergência psiquiátrica. Mas este p a
ciente nu n ca tin h a passado p o r um pronto-socorro, a p e
sar de ter um q uadro grave. Digo p a ra vocês que a gente
tinha m edo da reação dele n o pronto-socorro. D ecidim os
deixar o sujeito n o Espaço A berto ao Tem po (EAT) com
outro paciente tom ando c o n ta, um p acien te que é m a n ía
co, que não deixou o cara sossegar, m as tam bém não d e i
xou o cara se m atar.
Som os responsáveis p e lo s nossos pacientes. Jo g ar
para a em ergência, que já fa z coisa dem ais, até nos o rg a
nizarm os, n ão dá mais. Se q u ise re m conhecer um a em er
gência funcionando, estão convidados a ir ao E ngenho
de D entro. São 200 aten d im en to s por dia e não h á tem po
p a ra grandes coisas a p esa r do esforço das pessoas. Em
um a discussão com o essa, tem o s que adm itir que não há
m ais lugar p ara esta u rg ên cia centralizada, p a ra u m a ten
dim ento especializado.
O .S U J E I T O T E M U R G Ê N C I A ?
R o m ild o do R êgo B a rro s
A URGÊNCIA N A PSICANÁLISE
U rgência sem pre existiu. Sem pre h á um m om en to
em que as coisas se p recip itam , o que faz com q ue um s u
jeito precise de um aten d im en to im ediato. Às vezes, como
no caso de um a am eaça d e suicídio, é u m a questão de vida
ou m orte. A lgum a coisa precisa ser feita e não pode ser
deixada para am anhã. S e rá que existe, igualm ente, algum a
coisa que precisa ser d ita e que não p o d e ser d eix ad a p ara
am anhã?
Os psicanalistas, d esd e sem pre, trab alh am n o cam
po da saúde m ental. S em pre houve psicanalistas às voltas
com instituições m édicas, psiquiátricas, educativas etc.
G ostaria de v e r com v o cês se h á algum a novidade nesta
nossa discussão de h o je, n a qual estam os te n ta n d o for-
Um a t o r ç ã o n a n o ç ã o d e s in t o m a
O que é que nos perm ite p re te n d e r um a abordagem
da urgência subjetiva com os recu rso s da psicanálise?
Essa abordagem som ente é possív el se existe u m a torção
na noção de sintom a. Se só se p e n s a no sintom a com o so
lução, o psicanalista não tem n a d a a ver com as urgências
subjetivas. Ele teria apenas, com o se fazia antigam ente —
ou, pelo m enos, como p e n sa m o s atualm ente que se fazia
—, que esperar no consultório q u e esse problem a se to rn e
crônico, quando, então, um a an álise se to rn aria possível.
Para dizer ou pensar que há alg u m a coisa p ara ouvir no
próprio tem po agudo do p ro b le m a da urgência, é preciso
pensar que houve um alarg am en to , u m a modificação n a
noção de sintom a. Essa seria, n o m eu entender, a m aneira
de se pensar um a abordagem p ro p riam e n te psicanalítica
no plano das urgências.
C o m e n tá rio s
A c r e d it a r n o s u j e it o
A angústia que sem pre me aco m p an h o u foi a de es
ta r em um a posição em que falo pela vida de alguém . Ao
contrário da em ergência m édica geral, n a psiquiátrica, na
estúpida m aioria das vezes, o paciente n ão quer ser a ten
dido. Q uem quer é o bom beiro, a polícia, a sociedade. E
nós somos cham ados a q u e re r com eles.
D izem os que feriado é FQI (fam ília querendo inter
nar), pois os aten d im en to s dobram ou triplicam . E fico me
p erg u n tan d o acerca da m in h a posição. A tu alm en te tem os
in stru m en to s n a em ergência p a ra aco m p an h ar esse dado,
com as notificações de internação v o lu n tária e in v o lu n tá
ria. As involuntárias têm que ser notificadas ao M inistério
Público. A m aioria, 90% ou 95%, é involuntária. Q uem de
cide, neste caso, é a sociedade.
Um p o d er que é dado ao médico, a saber, o de dizer
p o r meio de u m diagnóstico: “Você não é, neste m om ento,
sujeito da sua vida, n o sentido jurídico. E a m im foi outor
gado oficialm ente o direito de falar p o r você, de dizer o
que você p recisa”.
T rata-se de u m a e te rn a ang ú stia p ra m im e a p e r
g u n ta que m e faço é: como é escutar esse sujeito que está
sendo assujeitado pela m in h a prática? U m a das soluções
p a ra isso é a p o n tu a çã o feita por A driano em cim a da fala
do M arcus A ndré. N ão a ch a r que vam os re tira r tudo para
achar um sujeito e pod erm o s escutar. T enho que acreditar
no sujeito, m esm o que contido, m edicado.
Fernando Ramos4
A credito que nosso p o n to de partida, conhecendo a
organização do evento, é d ia le tiza r três pontos: a in s ti
tuição, a psicanálise e as p ossíveis questões que fo rm am
esse triângulo. Talvez a fo rm a de en trad a m ais in te re s
sante p a ra p e n sa r a questão d a em erg ên cia e da u rg ên cia
seria p en sá-la como uma q u e stã o clínica p o r excelência. E
a clínica com o fio condutor q u e p o d e nos fazer dialetizar
esses três elem entos.
C om eçando pela questão institucional, podem os d ei
xar, em um prim eiro m om ento, p siq u ia tria e psicanálise
no cam po da clínica e e stu d a r um pouco da tensão e n tre
elas e o cam po institucional. Isso porque a questão que
se coloca inicialm ente é p a ra onde devem os en cam in h ar
as em ergências e as urgências em u m prim eiro m om ento.
O SUJEITO E A PSIQUIATRIA
E ntrando n a dim ensão clínica em si, pensando com o
se localizariam a p siquiatria e a psicanálise nessa d im e n
são, devem os p ensar que n ã o se tra ta de um a relação de
oposição lógica, no sentido da incom patibilidade en tre os
dois cam pos. Trata-se de u m a dialética, tanto no sentido
conceituai q uanto no histórico.
A psicanálise surge h is to ric a m e n te em um contexto
de debate no qual a p siq u ia tria já se encontrava. A cred i
to que seja im p o rtan te le m b ra r que a psiquiatria, em seu
prim eiro m om ento, com o p ro je to alienista das p rim eiras
décadas do século XIX, foi u m p rojeto de construção da
quilo que os p róprios alienistas da época denom inavam de
m edicina especial.
A m edicina especial — que e ra um term o m ais u tili
zado que “m edicina m ental” — v in h a exatam ente colocar
a diferença que existia n e ssa p ro p o sta em relação à p ro
posta de um a m edicina so m á tic a ou u m a m edicina geral
ou ordinária, que era o o u tro te rm o que se usava. O que
havia de especial nesse tipo de m edicina é que algo e m e r
gia quando se lidava com a q u e stã o da loucura, algo que a
m edicina som ática não dava conta.
Então a questão do su je ito coloca-se no próprio su r
gim ento da psiquiatria, m as p a re ce que passa a receber
um tra ta m e n to m uito mais específico com a psicanálise.
A ten são que se coloca n e ssa clínica especial — que su r
ge com o alienism o e que recebe, sem dúvida, um salto
qualitativo com a psicanálise — v em a ser a posição que
o clínico se coloca em relação ao que vem a ser seu o b je
to clinico. N a psiquiatria c lássica do século XIX — que se
m antém com o tradição até h o je, em bora reconhecendo a
em ergência de algo que e sc a p a ao corpo —, essa relação
não é tem atizada como u m a fe rra m e n ta clínica, com o a
psicanálise vem fazer de m a n e ira m uito clara.
A posição do clínico é de assim etria, de não recip ro
cidade com seu paciente. Penso que o que a psicanálise
coloca como aquisição decisiva é ver a relação com o a
ferram en ta fundam ental da prática clínica especial. É na
relação e com ela que se pode trab alh ar clinicam ente. Não
se tra ta apenas da aquisição de instru m en to s técnicos ou
de conhecim entos teóricos na clínica. U m a clínica se faz
tam bém com as ações dos próprios sujeitos que se colo
cam no papel de clínicos.
A credito que isso re p re se n ta um a diferença enorm e,
pois coloca em questão o u tro aspecto que julgo m uitas
vezes ser descuidado e p o uco discutido, que é o aspecto
da form ação profissional. Q uais são os elem entos n eces
sários p ara se form ar u m clínico com as credenciais p a ra
tra b a lh ar essa lógica com plexa prop o sta p ela refo rm a psi
q uiátrica no cenário atual? A cho que a psicanálise indica,
exatam ente p o r ser o único cam po que claram ente coloca
o p o n to de que não se tra ta de ficar aprendendo coisas,
que se trata de colocarm o-nos em questão e n q u an to sujei
tos, diante de um outro.
U r g ê n c ia d e q u e m ?
Sem me esten d er m uito, gostaria de in tro d u zir o u
tra questão sobre a ótica da urgência. Penso que h á algo
m uito específico das situações de em ergência e u rg ên cia
no nosso campo: a u rg ên cia é algo que sem pre su rg e no
espaço intersubjetivo.
A prim eira coisa que nos perguntam os q u an d o esta
m os diante de um a u rgência psiquiátrica é: a u rg ên cia é
de quem ? É do paciente que está sendo trazido? D aquela
fam ília? É m inha, já que e sto u sendo colocado em xeque
diante daquela situação? D e todos nós, de algum a m an ei
ra? T rata-se de um a situação que, de m aneira im ediata,
coloca em questão todos os sujeitos envolvidos. É u m dife
rencial em relação à urg ên cia médica, m ais típica, no qual
se pode localizar m uito m ais a em ergência, onde se pode
circunscrevê-la m ais claram ente.
Penso que, exatam ente n o caso da urgência e e m e r
gência psiquiátrica, um a das características dessa situação
é ela não ser passível de ser c irc u n sc rita em u m espaço
exclusivam ente individual. E la não é passível de ser c o n
tida aí, e sem pre escapa p ara u m espaço relacionai o n d e
pelo m enos dois sujeitos estão em questão. Essa era m in h a
contribuição. Espero que p o ssam o s seg u ir em debate.
D e b a te
79
Pergunta da platéia Celina Guimarães
Algo da questão sobre o tem po surgiu com a idéia
de que o psicanalista ficaria m uito tem po escutando e isso
não p o d e ria ser feito no g ru p o de recepção, teria que ser
feito n o am bulatório. A idéia é que o psicanalista é aq u e
le que escuta m uito? Isso é u m engodo, pois não é com
um tem po exagerado que o analista vai conseguir ex trair
o sujeito. P or vezes, para ex trair o sujeito, o tem po tem
que ser m uito curto. Mas é preciso estarm os aten to s p a ra
não alegar tem po curto apenas p o r co n ta da pressa, p or
term os que aten d er m uita gente. Precisam os lidar com o
tem po possível, com o tem po que se tem, pois é com ele
que tem os que extrair o sujeito.
Fernando Ramos
G ostaria ap en as de fazer um b rev e com entário.
Falou-se m uito em dem anda, que é um term o que p o s
sui m uitos sentidos. Falou-se da dem an d a com o m assa de
atendim ento, e acredito que essa não seja um a questão
apenas da em ergência e urgência, p a ra se p en sar clinica
mente, m as um a questão do cam po organizacional.
Tem havido um im pedim ento p a ra tratar dessa
questão como ela deveria ser tratada. Q u an d o falo que
não concordo com a p siq u iatria e a psicanálise colocadas
como pólos, é p o rq u e acredito que isso é u m a ilusão de
um m om ento m u ito atual. A p a rtir da d écada de 80, a p si
quiatria se co nstitui explicitam ente com o u m a oposição à
psicanálise, um a p siq u iatria sem sujeito. Essa é a proposta
dom inante, m as n ão exclusiva e, felizm ente, já com eça a
ser criticada de u m a m aneira m ais séria, inclusive nos Es
tados Unidos, seu lugar de origem.
Eu queria re sg a ta r o projeto fu n d a d o r d a psiquiatria,
que é o projeto de u m a m edicina especial. D esde seu p ro
jeto inaugural, o que diferenciava a m e d icin a especial da
m edicina ordinária não era exatam ente a q u estão do sujei
to, mas a questão de que há u m a dim ensão h u m a n a que a
m edicina ordinária n ão dá conta. Essa dim ensão hum ana,
que cham am os de sujeito, n e ce ssita ser abordada com um a
m etodologia diferente, um e n ten d im en to diferente da re
alidade e com um a tecnologia te ra p ê u tic a d istin ta. O bvia
m ente, à de hoje não era a d a q u ela época, m as a co n serv a
m os como projeto. P enso que a psicanálise faz disso o seu
projeto, recriando-o e trazendo d e volta p a ra o seio da p si
quiatria n o início do século XX algo que tin h a ficado p ara
trás. Se pensarm os n a p siq u ia tria em seus diversos m o
m entos fortes, onde retom a o s e u projeto, ela volta a ser
um a m edicina especial. Se p e n sa rm o s a p siq u iatria como
um cam po de intervenção am p lo sobre o psicopatológico,
e não de m odo restrito, como especialidade, acredito que
podem os incluir a psicanálise n esse campo.
Dínias Soares
Só p a ra po n tu ar algum as coisas. Celina, espero que
você te n h a entendido o con trário . Eu não acho que o psi
canalista seja aquele que precisa de m uito tem p o para fi
car escutando. Pelo contrário, coloqu ei isso ap en as como
um a caricatura da psicanálise. P ara mim, q u em escuta
m uito tem po é biógrafo, que p re c isa fazer biografias.
Existe o espaço p ara a p o siçã o psican alítica — não
usarei o term o escuta — na em erg ên cia rápida. E o inver
so. Não gosto de u sar o term o escu ta ju stam en te porque
ele vem sendo m uito m al usado. Começa a v ira r piada. Se
ria m uito fácil ser psicanalista: b a sta ria deixar alguém fa
lar m uito tem po e dizer “Fale m a is sobre isso”. Ou, então,
repetir o finalzinho da frase. E ssas piadas ap o n tam p ara
um a caricatura. Nesse ponto, re ite ro as falas de D eborah
e de G eorgiana.
D iscordo fu n d am en talm en te de quem fala sobre a
im possibilidade de u m trab alh o psicanalítico n a em er
gência. N unca trabalhei em CAPS, sempre n a em erg ên
cia, porque acredito nisso, e n ã o no contrário. Tanto no
sentido da psicanálise quanto n o sentido da R eform a Psi-
quiátrica, acredito q u e onde quero estar é neste lugar, na
em ergência.
Sobre o que H ailto n coloca a respeito da p siquiatria
desaparecer, acredito que seja um a questão de g rande re
levância. Com o F ernando a p o n to u m uito bem , a psiquia
tria tem um a histó ria especial n a m edicina e trata-se de
um m odo de p e n sa r o sofrim ento hum ano. A psiquiatria
era a única especialidade que pensava isso n a época. Hoje
a psicanálise pensa, o serviço social pensa, mas, n a m edi
cina, na época dos m édicos e dos barbeiros (que eram os
que faziam as cirurgias), poucos p en sav am o sofrim ento
hum ano. Então, p e n sa r em algo além do su b strato aná-
tom o-patológico é algum a coisa que não se p o d e perder.
A cho m uito triste a p siq u ia tria desaparecer.
Para term inar, p en so que Romildo foi de u m a felici
dade ím par ao colocar a u rgência com o u m a c e rta m anei
ra de lidar com o tem po. Ele citou um h isto ria d o r fran
cês, François H artog, que fala sobre o etern o p resente, e
lem brei-m e de um livro de Jam eson, que li h á pouco. A
sociedade do tem po p re sen te é um a sociedade que não
gera história. As pessoas n ã o têm história, as instituições
n ão têm história. E não te r histó ria é p ro d u z ir u m sin
to m a com plicadíssim o. C om o Romildo colocou, produz
o sujeito que n ão p o d e esperar. E, m ais que isso, produz
u m sujeito que não te m história. Vemos isso n a clínica: as
pessoas não têm h istó ria p a ra contar. É o p acien te que, no
m áxim o, conta o que aconteceu d u ran te a sem ana. M esmo
assim ele fala: “Eu acho im p o rtan te duas co n su ltas p o r se
m an a porque já não m e lem bro o que aco n teceu n o início
da sem ana...”.
Isso é um fator extrem am ente com plicado, porque,
se algum a coisa co nstitui o sujeito, p ara m im , é u m a his-
toricidade. Em cim a disso, a fala da A na C ristin a é m uito
interessante: a dialética do problem a e da solução. Só acho
que não podem os esq u ecer que, m esm o onde querem os
fazer nascer o problem a, ouvir o problem a, esse caldei
rão de sujeitos, m uitas vezes nossa p resen ça ali é a de al
guém que traça um a solução. E , m esm o em u m lugar hard,
com plicado, que parece p re c isa r de u m a solução im ediata,
como a contenção, por exem plo, n ã o podem os esquecer a
existência de um a réstia de sujeito . É dessa réstia que va
mos seg u rar e te n ta r traçar u rn a h istó ria que vai co n stitu ir
o que cham am os de projeto tera p êu tico .
-fê
.
3. O l u g a r d a u r g ê n c i a n a r e d e
F ó r x jn s de Sa ú d e M e n t a l
A n d ré a d a L u z C a rv a lh o 1
R e f l e t ir s o b r e o s p e d id o s e s o b r e a s p a r c e r ia s
N otam os que h á um a c e rta te n d ên c ia em o c u p ar
um lu g a r pedagógico ao se p en sar, p or exem plo, que
é preciso e u rg e n te “e n sin a r os p ro fesso res a lid arem
com os a lu n o s-p ro b le m a ”. N a a ssistên cia social, o u tro
exem plo, p arece u rg e n te que en sin em o s a lidar com
os p rob lem as dos psicóticos que estão n o s abrigos.
Parece que algo de um lu g a r ped ag ó g ico in siste em
nos convocar.
N a a t e n ç ã o b á s ic a
A n a C lá u d ia J o rd ã o 3
U r g ê n c ia g e n e r a l iz a d a
N o m undo globalizado, capitalizado, onde tudo
é acelerado, é quase im possível e n c o n tra r lugar para
o que não é urgente. Tudo d ev e ser m uito rápido e o
quanto antes: a velocidade d a conexão n a in ternet, os
prim eiros passos, a aquisição d a linguagem , o processo
de alfabetização, a puberdade, a aquisição de bens, a
tom ada de decisões e etc. N ão é de se estranhar, então,
que a urgência encontre lu g a r privilegiado para se ex
p ressar quando se tra ta de liv rar-se de u m sofrim ento:
é u rg en te o pedido de um rem édio, de um diagnóstico,
o alívio da dor, da angústia, d o m edo, da ansiedade, o
controle da agressividade, da agitação, a rem issão dos
sintom as que trazem tanta infelicidade p a ra o sujeito e
para aqueles que com ele vivem .
Sendo assim, a urgência a tra v essa todos os dispo
sitivos de saúde m ental, sejam eles h o sp itais psiquiátri
cos, hospitais gerais, hospitais-dia, cen tro s de atenção
psicossocial, am bulatórios, e — p o r que não ? — consul
tórios particulares. Afinal, a d e m a n d a não “co-respon-
N a form ação
R ic a rd o L u gon 4
C o s t u r a r e t r a n s it a r
O utra colocação que a A na M arta tra z é sobre
a coisa freu d ia n a a que podem os fazer referên cia na
form ação do tra b a lh a d o r de saúde m e n ta l qu an d o está
em causa a sua resp o n sab ilid ad e com o clínico. A van
çam os m ais: a psican álise é nossa p a rc eira n a defesa
da cidadania do louco e no q u e stio n am e n to de sua
exclusão. N a c a m in h ad a do resid en te de p siq u ia tria
com o re sid en te de saúde m ental n a co n d u ção de ca
sos graves, sob su p erv isão , a coisa fre u d ia n a fornece
u m eixo ético.
H á tam bém a questão da supervisão, que é um a
retag u ard a com a orientação psicanalítica m uito enri-
quecedora no processo de tom ada de responsabilidade
pelo residente. H á que costurar a condução desses ca
sos graves com os CAPS, com o p lan to n ista de em er
gência, no am bulatório. C osturas vão sendo aprendi
das nessa experiência e tem os chance de co n stru ir um a
rede mais eficaz.
H á u m a ú ltim a colocação da A n a M arta que eu
gostaria de trazer. Ela diz o seguinte:
C o m e n tá rio s
Anamaria Lambert67
G ostaria de falar rápido para debaterm os. Levanto,
então, duas questões. A p rim eira referente a u m comen
tário im portante trazido p o r A na Cláudia, que é poder
mos discutir a diferença e n tre os casos mais graves e
os casos de urgência. Às vezes, há m uita diferença. Um
paciente pode ficar quieto e m um grupo de recepção e
Adriano Aguiar8
G ostaria de agradecer ao convite que m e foi feito
p o r G lória M aron. Verei o que ficou como fio p ara a rti
cular as três falas.
A ndréa com eça relatando sobre a experiência dos
Fóruns de Saúde M ental, onde tem os que lid ar com o
lí
rio. P ara quem lida com epilepsia, retardo, dem ência,
tudo isso o que foi listado p o r A na Cláudia, não dá p ara
ir p a ra a instituição com o divã na cabeça. Tem que se
virar, saber o que fazer com isso, com os conceitos, em
um contexto que é abso lu tam en te estranho. Espaço de
laboratório mesmo.
E aí vem a questão do tem po. É preciso tem po, tem
po do sujeito. Precisam os saber mais sobre essa questão
do tem po, porque se p a ra fazer psicanálise é preciso
m uito tempo, então, chegarem os à conclusão de que não
é possível. Talvez esse tem po se alongue m uito quando
ficamos impedidos de in terv ir ou não. Se ficam os inibi
dos, com dificuldade de intervir, caímos novam ente n a
questão do orelhão. É im p o rtan te saber acolher, mas tão
im portante quanto é saber m andar embora.
D eb ate
A d r ia n o A g u ia r
Há, m uitas vezes, um desconforto p o r p a rte dos
p ratican tes que iniciam seu trabalh o na rede, com as
p ráticas que diferem do trabalho standard dos consul
tórios particulares. Já o c o rre u de alguns an alistas in i
ciantes passarem pelas oficinas de trabalho, p resen tes
em alguns serviços da rede, e ficarem ex trem am en te
incom odados, por co n sid erarem que estão ali im pedi
dos de intervir, um a vez que esperam sen tar com o p a
ciente cara a cara, no m odelo do consultório particular.
É nesse sentido que afirm o ser preciso “d eix ar o divã
104
no consultório”. C ertam ente que p ara p o d er su sten tar
o trabalho de experim entar m a n e ja r a psicanálise nos
laboratórios, a que me re fe ri anterio rm en te, nos espa
ços que nos fazem lidar co m a prática fora do m ode
lo m ais conhecido do con su ltó rio particular, é preciso
deitar no divã.
So b r e o e n c a m in h a m e n t o
K e lly B a ta lh a S iq u e ira 1
T ra ba lh a r n a rede
Isso coloca um a ta re fa particu larm en te árdua
p a ra aqueles que trab alh am em u m a em ergência. Pri
m eiro, p o r causa de sua p ró p ria função: in te rv ir em
m om entos específicos, p o r um tem po lim itado, geral
m ente sem que a continuidade possa ser garan tid a pelo
m esm o profissional e, algum as vezes, com elem entos
m uitos parciais sobre o caso.
Segundo, os p acientes já referidos a um tra ta m e n
to geralm ente são rem etidos ao m esm o; os dem ais, que
tiverem indicação p a ra in iciar um, precisarão fazê-lo
em o u tro lugar, o que significa que dificilm ente o p ro
fissional da em ergência assu m irá o p ap el p rin cip al na
condução de u m caso por m u ito tem po.
É em função disso que, a m eu ver, a questão de
au to rizar o outro se coloca ali m ais do que em q u a l
quer lugar. Boa p arte do tra b a lh o é co nseguir su ste n
tar essa autorização, tanto p a ra o paciente quanto p a ra
o p ró p rio profissional. Em últim a instância, significa
conduzir o trabalho de m odo a criar condições p a ra
reconduzir o sujeito ao seu lu g ar de tratam ento. N ão
é incom um ouvir em um a em ergência que “tan to foi
feito p o r determ inado caso e n a d a deu certo!”.
A experiência m o stra que o trabalho consis
te, quase sem pre, em conseguir abster-se de algum as
coisas p a ra poder ocupar-se de outras. Por exem plo: é
preciso abster-se de p ro lo n g a r os reto rn o s p ara a te n
dim ento n a crise quando é possível im plicar a equipe
de assistência nessa tarefa; ou, ainda, abster-se de al
terar prescrições m edicam entosas quando não há, de
fato, risco grave p a ra o p acien te e, quando se m o stra
inevitável fazê-lo, é preciso e n tão que o médico assis
tente saiba das razões p a ra que po ssa d a r consequência
a elas.
T am bém não se deve precipitar, em nom e de al
gum a reviravolta na direção do tratam en to , nem o re -
encam inham ento do p a cien te p a ra o u tro dispositivo,
nem a p ro p o sta de algum a nova m odalidade de a te n
dim ento, tam pouco a to m a d a de decisões que p artam
de um a h ipótese diagnostica com p letam en te diferente,
sem que oco rra antes um a interlocu ção m ínim a com os
responsáveis p elo tratam ento. Inclusive porque tal in
terlocução pode te r efeitos retificadores para am bas as
equipes. É certo que isso a p a re n te m e n te dá m ais trab a
lho, mas, p a ra funcionar, n ã o depende necessariam ente
de u m consenso entre os profissio n ais o u de um a filia
ção teórica com um . Não se tra ta disso.
É certo tam bém que o s serviços p odem se org an i
zai' de m odo a favorecer, m a is o u m en o s, a ocorrência
de um a d eterm inada transm issão. Em u m a em ergência
psiquiátrica não é diferente. Sabem os do im pacto que
têm, p o r exem plo, as reuniões de equipe diárias, o re
gistro das decisões e dos p ro ced im en to s para orientar
o plantão seguinte, a facilidade de acesso aos p ro n tu
ários dos p acien tes que re to m a m , a clareza dos técni
cos a respeito dos recursos da rede de saúde m ental, a
possibilidade de interlocução com os profissionais que
acom panham o paciente e etc.
E n c a m in h a m e n t o so b t r a n s f e r ê n c ia
M a r ia do R o sá rio C o llie r do Rêgo B arros2
C o n s t r u ir u m c a m in h o
E ncam inhar não pode ser confundido com d e s
pachar, resolver o problem a tran sferin d o -o . O encam i
n h a m en to deve ser resgatado em sua função de ab rir
cam inho p a ra a constituição de um sujeito que p o d e
rá assum ir o cam inhar. Logo, o encam in h am en to não
pode dispensar de convocar e acolher o que tem ch an
ce de se dizer quando algo se to rn a insu p o rtáv el e pede
alívio.
Q uando esse pedido de alívio é dirigido ao saber
médico, o profissional que responde p o r esse saber de
verá evitar cair n a arm adilha de fazer acred itar que ele
poderá controlar e/o u dom inar os sintom as p e rtu rb a
dores. Ele tem, no entanto, um a função fu n d am en tal
p a ra aquele paciente, quando ele consegue co n sen tir
com o limite de seu saber, pois é nessa b recha que ele
autoriza o sujeito a se dizer, a dar crédito ao seu sin to
ma. Com isso ele faz acreditar que é preciso in terro g ar
p a ra poder c o n stru ir u m cam inho. N en h u m cam inho
está dado de antem ão, é preciso construí-lo a cada vez,
p a ra cada um.
A presença da psicanálise em u m a in stituição é
um instrum ento que perm ite, aos diversos profissio
nais de um a equipe, lidar com o lim ite d o .sab er não
como im potência ou desistência, m as com o m ola dos
laços de transferência, que servem de esteio ao tra b a
lho psieoterapêutico.
T r a n s f e r ê n c ia d e t r a b a l h o
N a psicose, esses laços se constroem quando o clí
nico dá crédito ao saber e às construções do paciente,
quando ele aprende a se regular pelas indicações dadas
pelo paciente e está sem pre alerta p a ra evitar que o
saber dê corpo a um O utro perseguidor e invasor.
N ossa experiência no COIJ e no NAICAP m ostra-
nos que o não-saber só se to m a u m in stru m en to de tra
balho de um a equipe quando h á um a disponibilidade
p ara a form ação p erm anente, ou seja, q uando h á um a
disposição p ara a elaboração do saber a p a rtir de cada
caso, seguindo as elaborações e as invenções que cada
sujeito constrói n a p arceria com cada clínico. P ara isso,
é preciso um tem po de reu n ião , onde são transm itidos
os detalhes do que se p a ss o u com cad a um, das difi
culdades experim entadas, das saídas encontradas. Esse
trabalho tem perm itido que se desenvolva um a tra n s
ferência de trabalho na equipe, o que te m alim entado a
busca dos instrum entos teó rico s e clínicos p ara ajudar
no trabalho de cada um.
Q uando um encontro p ro d u z efeito de sujeito, ele
deixa m arcas. É im portante su b lin h ar que essas m a r
cas não são propriedade do clínico, m as pertencem ao
sujeito e ele pode carregá-las consigo p ara u m novo
encontro. Saber disso p e rm ite que não se recue diante
do trabalho a ser feito ao re c e b e r um paciente, sob ale
gação de que ele n ão está n o serviço adequado. N ão se
deve perd er a chance de tir a r o sujeito do anonim ato
que prolifera a angústia. A saíd a do anonim ato perm ite
a criação de circuitos inéditos, onde o sujeito pode c ir
cular entre vários profissionais sem se perder, sem ser
deixado cair.
So b r e o m a n e j o d a s u r g ê n c ia s s u b je t iv a s n a
CLÍNICA COM TOXICÔMANOS
V iv ia n e Tinoco M a r tin s 3
U r g ê n c ia e c o m p u l s ã o
M as de q u e u rg ê n c ia estam o s falan d o ? Q ue fe
n ô m en o s ap arecem associados a e sta d em an d a de
in tern ação ? A in sistên c ia desta d em an d a n a clínica
se coloca com o a tra v essad a p o r um im p o ssív el de su
p o rtar, de controlar. São sujeitos que se a p re se n ta m
subm etidos à com pulsão pela droga, a algo que os
acom ete desde fora. T rata-se de um a relação de e s tra
n h a m en to com a von tad e im p erativ a de u sar drogas.
Não é raro que tais sujeitos se refiram a esta situ ação
da seg u in te m an eira: “É m ais fo rte do que eu. N ão sou
eu que quero u s a r ”. A qui, cham a a aten ção o c a rá te r
de ex terio rid ad e que m arca o discurso d estes sujeitos.
A u rgência se m anifesta n a im possibilidade de
co n ter a repetição avassaladora. E, avassalados p ela
com pulsão, estes sujeitos se colocam em inúm eras si
tuações de risco que em alguns casos os fazem b eirar à
m orte, seja pela via de u m uso excessivo de drogas, seja
pelas am eaças do tráfico e etc.
Q uando associo a u rgência subjetiva com a m a n i
festação da com pulsão nas toxicom anias, p rocuro e n
fatizar seu c aráte r de exterioridade. P ara isso, utilizei
a indicação p recisa de Rom ildo do Rêgo Barros, que
distingue duas v e rte n te s da com pulsão: da e x terio ri
dade do sim bólico, que diz respeito ao inconsciente e
da exterioridade do real, que se m anifesta p o r m eio da
repetição au to m ática da dem anda pulsional, p resen te
nas toxicom anias e bulim ias.
A URGÊNCIA E SEU M ANEJO
Com o m anejar ta is situações de u rg ên cia sem
tira r o sujeito da cena e ratificar su a posição de ex-
terio rid ad e? É claro que as possibilidades de m anejo
n ão estão dadas a priori, m as é preciso que ten h am o s
u m a direção de trabalho que aponte p a ra um a a p o sta
n a transferência. D iante desse im possível de su p o rta r
que o sujeito enuncia em seu discurso, cabe ao a n a lista
se dispor a ocupar um lu g a r denom inado por R icardo
Seldes com o “d estin atário da urg ên cia”.4 Ao aco lh er
a urgência, o analista c r ia condições de possibilidade
p a ra que o sujeito possa atrib u ir significantes q u e ve
n h a m dar algum sentido a o seu sofrim ento e c o n stru ir
u m a dem anda de tra ta m e n to , um a p e rg u n ta a ce rc a da
su a im plicação naquilo q u e o acom ete.
A aposta na tran sferên cia perm ite in tro d u zir a di
m e n sã o de responsabilidade do sujeito frente à força
da repetição. Nas palav ras de B arros, “assim com o os
p a cie n te s de Freud tiv e ra m que se responsabilizar pelo
inconsciente, exterior a eles, os de hoje em dia terão
q u e resp o n d er pela rep etição acéfala da dem anda pul-
sional.”.5
S u sten tar essa a p o sta não constitui um a ta re fa fá
cil, u m a vez que lidamos com sujeitos que se p o sicio
n a m rechaçando o inconsciente e avessos à associação
livre. Eles já se a p resen tam p o r m eio de um a nom eação
fe c h ad a em si mesma: “s o u toxicôm ano”, “m eu caso é
de in te rn a çã o ”.
C o m e n tá rio s
Rogério Rodrigues7
Colocarei algum as q u estões com o debatedor. A n
tes, agradeço à G lória M aron e à P au la Borsói p e la co
rag em de terem m e convidado, pois não tenho fo rm a
ção psicanalítica. Vamos v e r no que isso vai dar.
118
Primeiro, algumas questões em relação à fala de
Kelly. A urgência pode acontecer e m qualquer lugar; não
necessariam ente em um a em ergência. O que nos faz pen
sar que é possível urgência sem emergências. Que respos
ta podería ser dada à urgência em term os de abordagem?
Encam inham entos são necessários? E a responsabilidade
do profissional? Não seria o lugar do tratam ento o ideal
p ara a abordagem da crise? Estou questionando a em er
gência psiquiátrica no m odelo manicomial.
Tem os pensado na possib ilid ad e dos CAPS terem
a u to n o m ia p ara em itir A u to rização de Internação H os
p ita la r (AIH), instru m en to n o rm a tiv o do SUS. O IMAS
N ise da Silveira tem um p ro je to — e é in teressan te co
locar isso p a ra que todos co m p reen d am — que n ão é
de tra n sfe rir sua em ergência p a ra o H ospital Salgado
Filho, m as sim acabar c o m a em erg ên cia psiquiátrica,
com este dispositivo que c o n sid e ro extrem am ente p e r
verso e equivocado.
C om relação ao que V iv ian e nos trouxe sobre os
pacientes acossados por a q u ilo que é im possível de su
portar, considero um p o n to delicado que exige cuidado,
pois situações que carregam esse im possível costum am
o b te r com o resposta im e d ia ta a in tern ação o u a m e-
dicalização, o que provoca u m atravessam ento. Aqui,
podem os fazer gancho com o que ap resen to u M aria do
Rosário: com o encam inhar sem tran sferir? A que a tra
vessam entos me refiro? D iria que à m edicalização e à
in tern ação . A em ergência p s iq u iá tric a produz isso. Ela
p ro d u z m edicalização e in te rn a çã o . É possível não dar
essas resp o stas de im ediato?
É possível um a u rg ê n c ia sem em ergência, m as
q u em está m ais capacitado p a ra avaliar a urgência? Eu
insisto, é o técnico de referên cia e não o profissional
da em ergência. M uitas vezes os técnicos, diante do que
se a p re se n ta como im possível, insuportável, sentem -se
p ressionados e não conseguem dar o u tra resposta além
de solicitar à em ergência u m a intern ação .
Marcus José Martins8
Boa tarde a todos. A gradeço ao convite de G ló
ria e Paula p o r m e darem a oportunid ad e de trab alh ar
com vocês essas questões, especialm ente porque vejo o
dispositivo do qual tratam o s aqui com o um desdobra
m ento de um a série de questões que estão colocadas n a
cena pública da assistência em saúde m ental da cidade
do Rio de Janeiro. Foram feitas várias referências aos
Fóruns de Saúde M ental n a m esa anterior, o que reflete
que esse encontro nos traz a possibilidade de criar algo
novo com o que trabalham os todos os dias.
H á um a tensão colocada entre a organização dos
serviços públicos da assistência em saúde m ental n a
cidade do Rio de Janeiro e os p rin c íp io s clínicos. P rin
cípios que m uitas vezes são tom ados inadequadam ente
p a ra determ inadas situações com as quais lidam os fre-
q üentem ente, como, p o r exem plo, centenas de pessoas
batendo em nossas portas.
Gostaria, então, de vo ltar à fala de A na Cláudia,
quando ela faz u m a distinção estrutural entre urgência e
em ergência. Trata-se de u m a conceituação que vai além
da conceituação médica, que faz um a diferença de escala
em função de um risco, ou seja, organiza a resposta no
tem po em função desse risco. Se tom arm os a distinção
estrutural entre urgência e em ergência como p e rtin e n
te no cam po da saúde m ental, com o eu considero que
seja, coloca-se um a questão. O quanto os lugares em que
aparecem prioritariam ente as urgências são lugares de
chance de trabalho, como nom eou Kelly? M esmo nesses
lugares, que ainda têm m uitos atravessam entos proble
m áticos em relação aos nossos princípios, dizemos q ue
neles ainda há chance de trabalho.
E nquanto eu p ensava no título dessa m esa, refle
tia sobre a palavra tran sferên cia e no uso com um dos
D e b a te
Hugo Fagundes9
Prim eiro gostaria de p a ra b en iz a r o Núcleo de p s i
cose e saúde m ental e ag rad ecer p ro fu n d am en te à G ló
ria e à Paula, que m e fizeram o convite. Lam ento m uito
não p o d e r ter acom panhado o desenvolvim ento dos
trabalhos. É m uito o p o rtu n o que possam os deixar fe r
m en tan d o no ar u m a série de questões surgidas nesse
evento.
O m ovim ento rep etid o do ânim o prescritivo do
m édico que sai com o um a agência carim badora de re
ceitas, distribuindo psicofárm acos p a ra a população,
fazendo com que algum as á re a s de n o ssa cidade batam
recordes de consum o de ansiolíticos e, mais recen te
m ente, de anti-depressivos, nos coloca um a série de
questões: a quem a ten d em o s e como organizam os nos
sa clientela? Aliás, os an ti-depressiv o s são um a nova
coqueluche p a ra os m édicos, inclusive fora do campo
psi, o que é um aspecto b a sta n te in teressan te p a ra pen
sarm os o furor em p re scre v e r m edicações psis tam bém
p re sen te em cardiologistas, ginecologistas, clínicos ge
rais.
H á quase cem anos, o c o rre u u m a coisa curiosa
no Rio de Janeiro. N a p rim e ira página de um im p o r
ta n te jo rn al da cidade, saiu um a m atéria dizendo que
um sujeito foi atropelado p o r u m a carroça na Rua do
Lavradio. Ele foi levado p a ra u m lu g ar preparado para
aten d er situações desse tip o p o r u m a viatura tam bém
p rep arad a para atender situ açõ es desse tipo. Estava
126
A nexo
O C O N T IN E N T E DO P R E S E N T E
R o m ild o d o R êgo B arros
J
I
.!
|Prt-
1
í
O C a m p o F r e u d i a n o e a u r g ê n c i a su b je tiv a :
u m a p r o p o s ta d e tra b a lh o
Pa u sa : u m a p o r t a p a r a a s u b je t iv id a d e h o je
R ic a rd o Seldes
U m a po rta aberta
C hegar à Pausa im p lic a p rim e ira m e n te en co n
tra r um a p o rta...
T e m p o s n a u r g ê n c ia
C onsideram os, em prim eiro lugar, a existência de
um a passagem que vai d a urgência p a ra a “urgência
subjetiva”. Tal transform ação não se produz sem um
analista. “E n q u an to p e rd u ra r u m vestígio do que in s
133
p re ta r de e n tra d a , p e rm ite dizer q u ais são as coorde
nadas do su je ito desde o m o m en to que chega, com
intervenções m u ito m ais d iretas e ativ as que as que
n orm alm ente faríam os. Isso ta m b ém p e rm itiu que
nos abríssem os p a ra um a dim ensão n a q u al a questão
dos ciclos p e d e u m sentido distin to , p o is sem a con
cepção do in c o n sc ie n te e da tra n sfe rê n c ia não seria
possível fe c h a r algo com um a reso lu ção rápida.
Uma vez pro d u zid a um a tran sfo rm ação mínima,
porém apreciável, o paciente da P ausa deve concluir.
A duração m áxim a de quatro m eses que fixam os não
indica explicitam ente um núm ero de sessões, já que
depende do estado de sua dem anda: u m a sessão diária,
várias sem anais. Pensam os que cada um pode chegar,
no tratam en to de sua urgência, a u m p o n to em que a
vida seja um pouco m ais possível.
Nosso dispositivo contem pla tam b ém a possibi
lidade do tra ta m e n to “entre v ários”, q uestão que tem
se com provado com o sendo de gran d e utilidade nos
casos de urgência, nos casos de psicose com conteúdo
paranóide evidente. A m últipla tran sferên cia perm ite
um a m argem de m ovim ento que acelera a intervenção
e reduz os fenôm enos.
E O N D E ESTÁ O S U JE IT O ?
P erguntam o-nos, assim, onde e stá dim ensão sub
jetiva. E o que é o sujeito? Lacan o define novam ente
em 1966, na ocasião de sua viagem aos Estados U ni
dos, e o exem plifica c o m um a an ed o ta que ocorreu no
m esm o hotel onde form ulou que o in co n scien te é Bal-
tím ore ao am anhecer. Trata-se da in terv en ção que fez
a respeito da exposição de Lucien G o ldm ann.4 Lacan
P a r a c o n c lu ir
O CONTEXTO
No plano da rede de serviços do Rio de Janeiro a
tônica era a da desterritorialização da em ergência psi
quiátrica. O term o, aparentem ente complicado, diz algo
simples: se a loucura n ã o precisa ficar confinada, restrita
aos m uros do hospício, p o r quê, quando se trata de u r
gência, atribuir a ela u m nicho específico? Dito de outro
modo: p o r quê em ergências especificam ente psiquiátri
cas? É possível ir mais longe: se não h á razão p ara res
tringir o acolhim ento d o sofrimento de urgência a um
espaço fixo, se não há p o rq u e deixar o hospital geral fora
da crise, não há porque p e n sa r que a rede de CAPS, dos
serviços substitutivos p a ra o m anicôm io, não se pro p o
n h a ígualm ente a receber e intervir sobre ela.
N ada disso pode s e r estim ado caso se p erca de
vista o princípio que fu n d a a luta antim anicom ial: a
lo u cu ra não exige necessariam en te exclusão, ela pode,
ao m enos em tese, g o z ar de cid ad an ia em qualquer
parte. Como g o staríam os que isso fosse universalm en
te válido! E specialm ente p a ra nós m esm os, em nossas
cidades partidas por to n elad as de segregação social.
A lterar um regim e de exclusão não é tarefa fácil, ainda
m ais quando se tra ta da loucura, pois, ali, por insondá-
veis decisões do se r (parafraseando Lacan), alguém de
carne e osso só pôde localizar-se fora do laço social e
da cidadania, habitando se u avesso.
Talvez a m elhor m a n e ira de caracterizar o cam po
da atenção psicossocial se ja esse: o de u m tenso equilí
brio entre cidadania e loucura. C idadania, ali, não terá
v alo r universal. Afinal, p a ra alguns de seus integrantes,
aqueles que até h á pouco eram cham ados pacientes, ela
p o d e ser apenas u m a cam isa a mais, v estid a tão à força
q u an to àquelas que lhes im p u n h am os profissionais do
m anicôm io.
O M O M E N TO
A participação dos psicanalistas n o que se ch a
m o u em um a época “re fo rm a ” é um fato. É o m ínim o
que se poderia esperar deles, pois tra ta -se de um a luta
essencial que vai m uito a lé m da d errubada dos m uros
da segregação. M ais que “psiquiátrica”, ela é a reform a
de um a m entalidade com relação às ações sociais sobre
a loucura em nosso país.
Sustentar a cada vez que nem sem pre o bem u n i
versal é o m elhor p a ra alguém já justificaria, por si só,
a presença dos analistas neste cam po. N o Colóquio, p o
rém, tive a certeza de que havia ainda o u tra possibili
dade de p articipação da psicanálise n a reform a. A m bos
têm em seu centro a loucura, tan to em sua concepção
restrita, de patologia, quanto am pliada, de radical es
tranheza no in te rio r do hum ano. N isto reside a possibi
lidade de um enriquecim ento m útuo, p a ra além d a p re
sença dos psicanalistas no cam po da reform a. D esde
então, tendo trabalhado com o su p erv iso r de um CAPS,
no Rio, esta certeza só aum entou.
Para aqueles que o viveram , o C olóquio teve o v a
lor de um acontecim ento. Saím os dali com a im pressão
de que tin h a valido a p en a m arcar h o ra e lugar p ara
que, extraídos do quotidiano, nossas falas forjassem o
novo. Este tip o de prática, ao m enos no Rio de Janeiro,
faz parte do trab alh o dos que, inseridos n o cam po da
atenção psicossocial, participam dos Fóruns, atividades
regulares su stentadas pela C oordenação de saúde m e n
tal do m unicípio. N este caso porém , tratava-se de um
fórum p rom ovido p o r um a instituição psicanalítica, de
orientação lacaniana, o ICP-RJ, vinculado à Escola B ra
sileira de Psicanálise.
N isso, talvez, resida um a p a rte d a novidade. A
saúde m en tal é um cam po essencialm ente m últiplo,
feito das m ais variadas abordagens cujo p o n to com um
é um buraco negro: o saber definitivo sobre a loucura,
que n in g u ém detém . N este contexto, não h á e não pode
haver u m discurso hegem ônico. O cam po d a psicanáli
se, p o r sua vez, feito da aposta n a singularidade, ta m
pouco p o d eria ser presidido p o r u m u n iv ersal coletivo.
E n tretanto, nele é possível que um a m esm a referência
conceituai faça às vezes de unidade. É a que servem
os tex to s de Freud e Lacan, p o r exem plo. N o Colóquio
isso foi m ais longe, pois a referên cia com um tanto era
conceituai quanto in stitucional, reunida sob o term o
orientação lacaniana, que sin te tiza a leitura da obra de
Lacan em preendida h á m ais de 25 anos p o r Jacques-
A lain Miller.
Esta orientação foi aplicada a um objeto, o tem a
da urgência, e suas idéias colocadas à disposição de um
bom núm ero de a to re s do cam po da saúde m ental. Re- •
úno, a p a rtir de m in h a leitu ra a posteriori, p arte das
definições ali produzidas - delas tom ando a liberda
de de não citar n o m in alm en te seus autores (que estão
logo ali, nas páginas que nos precedem ). O leitor dirá
se elas são boas ferram en tas e se podem ser exportadas
a outros contextos.
Da u r g ê n c ia , o q u e f ic a ?
1. A urgência é a suspensão do tem po e a dis
solução do espaço. Seu m om ento é o de um
p resente eternizado, sem am anhã, nem passa
do. Seu lugar é o vazio e seu solo nenhum . Seus
co rresp o n d en tes afetivos se declinam como
angústia, stress e pânico.
2. Em term os lacanianos ela é a fusão do “instante
de v e r”, a b e rtu ra de um ho rizo n te novo, com
o “m om ento d e concluir”. O segundo deixa o
prim eiro para trá s sem que en tre os dois venha
se in sta u rar o “tem po p a ra com preender”, que
com eles com poria um a ação efetiva.
3. Q uando não h á tem po n em espaço, as coordena
das do que costum am os ch am ar de subjetividade
se esfumaçam. A pesar disso, urgências subjeti
vas existem, p o is a crise pod e ser produtiva. Ela
pode ser recuperada por aquele que estava antes
dela e que se v erá, por ela, modificado.
4. Não adianta, p o rém , querer em prestar tempo
para o “u rg en ciad o ”. A u rg ê n c ia não teria como
139
aceitar a dilatação do espaço ou a acalm ia do
relógio universal, porque ela é, p a ra alguém
particular, o fim do tem po e do espaço. A inda
m ais porque, dadas as exigências de dem anda
de nossos serviços, dizer “calm a!” é tarefa a
cada dia m ais difícil.
5. Isso não contra-indica a psicanálise para o
tratam en to da urgência, pois ela, ap esar do que
dela dizem, não é o fora do espaço p a ra se p e n
sar a vida, n e m o fora do tem p o p a ra se acalm ar
o que vai m u ito rápido (m esm o que se possa
utilizá-la p a ra isso).
6. Essa fachada de “espaço zen ” esconde a verda
deira essência da psicanálise que, nos term os
de Lacan, é um a lógica da ação. Ela só institui
um espaço v irtu al para re c ria r o m u n d o sub
jetivo. E isso, ainda segundo Lacan, não se faz
sem um a certa precipitação, donde o encurta
m ento e variação característico da sessão laca-
niana. Ela n ã o precisa n ecessariam en te do set-
ting clássico e se acom oda em b an q u in h o s de
parque, enferm arias, oficinas, CAPS etc.
7. É vital, d ian te do urgenciado, criar tem po e ar
ran jar espaço. A psicanálise, porém , propõe que
isso se faça “de d entro”. P ara com eçar é preciso
produzir o bom encam inham ento, que leve em
conta o contexto subjetivo de quem sofre e não
apenas um a solução já pronta.
8. Nesse encam inham ento o clínico deverá estar
incluído, não por sua an g ú stia ou p o r sua von
tade de fazer o bem , mas p o r seu desejo decidi
do de obter o que Lacan cham ou de “diferença
absoluta”. Senão, m esm o levando em conta o
contexto do urgenciado o encam inham ento
pode ser ap en as mais um a resp o sta universal
e adm inistrativa, p o r mais carin h o sa e h u m an a
que seja.
9. Todo hom em m erece escuta, aten ção e cuida
dos. O an alista p re c isa recusar-se ao papel de
defensor do “sujeito”, caso en ten d a-se por este
term o apenas um resg ate dos valores hum anos
e um sinônim o de subjetividade. É injusto p ara
com u m cam po tão p ro fu n d am en te hum ano
quanto o da reform a reserv ar o acolhim ento da
“subjetividade do su jeito ” a u m só profissional.
10. A psicanálise não é contraditória com cuida
dos e atenção, m as aposta, sobretudo naqueles
elem entos inacessíveis ao conhecim ento de si
de quem sofre. Com eles co n stru irá u m elo de
ligação com o social que d ará ao urgenciado
u m novo lu g a r no O utro.
11. D essa form a, além d o encam in h am en to é p o s
sível p e n sa r em u m a intervenção no contexto
próprio da urgência. N o entanto, com o a u rg ên
cia é o apagam ento d o contexto subjetivo, ela
não p o d erá co n tar com o “su jeito ”. Como o
sujeito, com o elem ento desconhecido que faz
enigm a, está fora do ar, vale m ais co n tar com
propostas e ditos do q u e com p e rg u n ta s e silên
cios.
12. A intervenção deverá estabelecer u m contexto
ad hoc, algo com o fu n d a r um “co n trato em ato ”
com o urgenciado. E ste contrato te rá com o base
pequenos detalhes da relação, os traços de sin
gularidade que p e rm itirão um a ação não u n i
versal. Isso se faz a p a rtir do que Lacan cham a
sintom a. B uscar o sin g u lar do sintom a, tom ado
não apenas com o patologia, m as com o m odo
de expressão subjetiva, pode p e rm itir que se
recrie o sujeito.
13. A fora isso, em term os m ais gerais, o Colóquio
deixou claro o quanto é preciso reto m ar as in
dicações da psicanálise dentro do contexto em
que elas se inserem hoje. O tem p o é cada vez
mais curto. Estam os em tem pos de urgência. A
cada dia m ais ela se com pacta n o pânico e se
dissem ina nas com pulsões.
142
/
preciso p ensar que n ã o se trata de m elh o rar o desem -
E penho de certas profissões, m as de saber se são dignas
de sobreviver em u m a época em que a tem poralidade
m udou. E um desafio p a ra a psiquiatria, p a ra psicanálise e
p a ra outras áreas. Se n ã o h á u m a com preensão d o que seria
um tem po plástico, m últiplo, não se consegue d a r conta da
form idável exigência que é feita à nossa geração. Se o psica
nalista não for capaz de d a r u m tratam en to a isso, a disciplina
dele não m erece sobreviver. E um a questão de saber se h á
chances ou não d a psicanálise en tra r n o século de m aneiro
efetiva.
O interesse do cam po freudiano p o r novas experiências
clínicas e institucionais que se dedicam ao estudo e ao acolhi
m en to das urgências subjetivas não se deve a u m m odism o ou
a u m a tentativa de estar “u p to d ate” , m as a u m a sensibili
d a d e p a ra as transform ações n a p ró p ria experiência do
tem po. A urgência é o sintom a principal dessas transform a
ções, que im põem u m a m u d a n ça nas m an eiras d e viver as di
m ensões do passado, do presente e do futuro.
A dim ensão tem poral hoje se m ostra diferente de um a
época em que se tin h a u m a certa ideia de que passado, pre
sente e futuro c o m p u n h a m u m tem po. E preciso q u e se tenha
u m a ideia, tanto n a teoria quanto n a p rática, em qualquer
nível de intervenção e de exigência do real, d e que isso se ar
ticula com u m a ten d ên cia geral d a época. T rata-se d e pensar
que h á dados novos n a cultura. A tem poralidade é com o um
papél que se am assou e n ão voltará mais a ser liso.
ISBN 978-85-62062-03-2
aN oam eN to