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DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
Desenvolvimento
cognitivo na
terceira infância
Renata Carolina Rêgo Pinto de Oliveira
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
O importante teórico Jean Piaget (1896–1980) fundamentou que o desenvolvimento
cognitivo é uma construção contínua em direção a um equilíbrio progressivo, ao
passo que a inteligência é uma adaptação (POZAS, 2020). Essa teoria, assim como
a de outros pensadores, nos ensina que a ampliação da capacidade humana de
processar informações e transformá-las em conhecimento, que caracteriza o
desenvolvimento cognitivo, envolve habilidades de percepção, aperfeiçoamento
da linguagem, obtenção de recursos conceituais e outros aspectos relacionados
ao amadurecimento cerebral.
Na terceira infância, vivida entre os 6 e os 12 anos de idade, o desenvolvimento
humano é crucial para a aquisição de novas habilidades, para a maturação de
funções cognitivas e para a ocorrência de transformações físicas, psicológicas e
sociais. Esse período envolve o desenvolvimento de importantes funções cogniti-
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Figura 1. Ábaco.
Fonte: Mikhail Nilov/Pexels.com.
Abordagem piagetiana
Uma das teorias de desenvolvimento cognitivo utilizada como referência
para os estudos sobre a infância foi sistematizada em meados da década
de 1970 por Jean Piaget (1896–1980) e se constituiu ao longo do tempo como
um importante e essencial paradigma sobre o desenvolvimento cognitivo
(SANTANA; ROAZZI; DIAS, 2006). Nessa perspectiva, é enfatizado o aspecto
evolutivo da inteligência. Isso significa dizer que a criança atinge de forma
gradual estruturas cognitivas cada vez mais eficientes. A criança nesse pro-
cesso tem papel ativo, ou seja, não é vista como um recipiente passivo que
simplesmente recebe o conhecimento, mas como alguém que interage com
o ambiente (PIAGET, 1999; BIAGGIO, 1994).
A partir desse paradigma piagetiano, entende-se que o raciocínio moral
da criança ocorre em três estágios, em que a criança passa de forma gradual
de um para o outro, em idades variáveis. A criança na terceira infância passa
pelo segundo e pelo terceiro estágio. O segundo é caracterizado por crescente
flexibilidade, ou seja, as crianças conseguem analisar os diferentes aspectos
de uma situação, fazer julgamentos morais mais sutis, desenvolvendo seu
próprio senso de justiça (diferentemente do primeiro estágio, em que a
criança ainda não conseguia distinguir os casos de transgressões e suas
intenções; apenas obedecia às regras sem entender os motivos e achava
que toda transgressão deveria ser punida). Já no terceiro estágio, a criança
desenvolve o ideal de equidade, é capaz de considerar as circunstâncias
6 Desenvolvimento cognitivo na terceira infância
Abordagem psicométrica
A abordagem psicométrica, que tem como autor e idealizador Charles Spear-
man (1863–1945), busca medir os aspectos cognitivos atrelados à inteligência
por meio de testes psicométricos, que podem ser aplicados tanto individual-
mente quanto em grupos. Trata-se de uma abordagem quantitativa e objetiva
que faz uso de testes de inteligência padronizados, válidos e confiáveis. As
avaliações e pontuações em testes de QI (quociente de inteligência) obtidas
durante a terceira infância permitem prever o futuro desempenho escolar da
criança. No entanto, essa abordagem conta com críticos, que alegam a mera
objetividade dos testes. Eles afirmam que os testes subestimam a inteligência
das crianças em más condições de saúde ou que, por outras razões, não
obtêm resultados positivos. Assim, eles desconfiam da exatidão do método
para avaliar e mensurar a inteligência (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Alguns dos testes mais conhecidos são a Escala de Inteligência Wechsler
para Crianças (WISC-IV) e o Teste de Habilidade Escolar de Otis-Lennon (OL-
SAT8). A WISC-IV é um teste de inteligência voltado para crianças em idade
escolar, que produz pontuações verbais e de desempenho, bem como uma
pontuação combinada. Já o OLSAT8 é um teste de inteligência coletivo, vol-
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tado para crianças desde o jardim de infância até o ensino médio (PAPALIA;
FELDMAN, 2013; BÜTTOW; FIGUEIREDO, 2019).
Gardner (1993) defende a existência de múltiplas inteligências, sendo
elas a inteligência linguística, a lógico-matemática, a espacial, a musical, a
corporal-cinestésica, a interpessoal, a intrapessoal e a naturalista. Assim,
uma criança pode ser inteligente no mesmo nível que a outra, mesmo apre-
sentando habilidades diferentes. Imagine, por exemplo, duas crianças de
mesma idade, sendo uma delas muito boa em analisar parágrafos e fazer
analogias, ao passo que a outra toca violino muito bem e é capaz de lançar
uma bola curva no momento certo. A primeira criança não é mais inteligente
que a segunda, e esta não é mais inteligente que a primeira; elas apenas têm
inteligências diferentes. Para esse autor, portanto, a forma de avaliação de
inteligência deve se dar de maneira distinta da forma tradicional e objetiva
dos testes de QI. Ele defende que as avaliações não devem comparar os
indivíduos, mas revelar pontos fortes e fracos, com a finalidade de ajudar
as crianças a desenvolver os pontos fortes.
Os críticos da abordagem psicométrica enfatizam o viés cultural, por
exemplo, sobre o QI, afirmando que os testes têm a tendência de incluir itens
que exigem conhecimentos ou habilidades mais familiares ou significativas
para alguns grupos culturais do que para outros. Assim, desenvolveram-se
os testes livres de aspectos culturais, ou seja, sem conteúdo cultural; e os
testes culturalmente justos, que apresentam aspectos comuns às pessoas
de qualquer cultura e de regiões diferentes (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Casos como esse não são raros. Durante a prática de profissionais da saúde
e da educação e/ou no contato direto com crianças em fase de desenvolvi-
mento, podemos perceber a interferência de transtornos de aprendizagem no
desenvolvimento cognitivo infantil. Ressalta-se a importância da avaliação
e do acompanhamento com profissional capacitado para obter evoluções
e bom prognóstico, bem como proporcionar o desenvolvimento saudável e
adequado à criança. Essa e outras interferências não são incapacitantes, e,
dessa forma, a criança pode se desenvolver normalmente com a ajuda e o
tratamento necessários.
Nesta seção, você conheceu fatores que interferem no desenvolvimento
cognitivo, especialmente na terceira infância, como questões relacionadas
à saúde da criança, à sua exposição a determinadas situações ambientais
(pobreza, violência, estilos de parentalidade, etc.) ou às vivências na
condição de pessoa com deficiências cognitivas. A partir disso, pudemos
compreender a complexidade dos processos cognitivos e a transversa-
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Referências
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Leituras recomendadas
MARTORELL, G. O desenvolvimento da criança: do nascimento à adolescência. Porto
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RODRIGUES, C. G.; RIOS-NETO, E. L. G.; PINTO, C. C. X. Diferenças intertemporais na média
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Acesso em: 24 maio 2022.