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PSICOLOGIA DO

DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
Desenvolvimento
cognitivo na
terceira infância
Renata Carolina Rêgo Pinto de Oliveira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Caracterizar o desenvolvimento cognitivo na terceira infância.


> Descrever os elementos fundamentais das abordagens do desenvolvimento
cognitivo na terceira infância.
> Apontar fatores que interferem no processo de desenvolvimento cognitivo
na terceira infância.

Introdução
O importante teórico Jean Piaget (1896–1980) fundamentou que o desenvolvimento
cognitivo é uma construção contínua em direção a um equilíbrio progressivo, ao
passo que a inteligência é uma adaptação (POZAS, 2020). Essa teoria, assim como
a de outros pensadores, nos ensina que a ampliação da capacidade humana de
processar informações e transformá-las em conhecimento, que caracteriza o
desenvolvimento cognitivo, envolve habilidades de percepção, aperfeiçoamento
da linguagem, obtenção de recursos conceituais e outros aspectos relacionados
ao amadurecimento cerebral.
Na terceira infância, vivida entre os 6 e os 12 anos de idade, o desenvolvimento
humano é crucial para a aquisição de novas habilidades, para a maturação de
funções cognitivas e para a ocorrência de transformações físicas, psicológicas e
sociais. Esse período envolve o desenvolvimento de importantes funções cogniti-
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vas, como a aprendizagem, a atenção, a memória, o pensamento, a linguagem, entre


outras funções que, segundo a neurociência, são possibilitadas pela plasticidade
cerebral, que está diretamente relacionada ao aprendizado.
Neste capítulo, você vai conhecer as contribuições das principais abordagens
do desenvolvimento cognitivo infantil, com ênfase na terceira infância. Também
serão apresentadas as principais características desse desenvolvimento, as
capacidades cognitivas adquiridas e/ou desenvolvidas na terceira infância e a
influência de alguns fatores sobre esse processo.

Capacidades cognitivas na terceira infância


No período da terceira infância, o desenvolvimento cognitivo se associa ao
aperfeiçoamento das habilidades de linguagem, com a expansão da lingua-
gem e a complexificação do vocabulário. As variações no desenvolvimento
desse vocabulário são influenciadas por experiências ambientais, como o
acesso a diálogos e as interações verbais que a criança terá ao longo do seu
desenvolvimento (SARGIANI; MALUF, 2018).
A capacidade cognitiva de causa e efeito começa a ser desenvolvida nos
primeiros anos de vida, mas é na terceira infância que ela é aperfeiçoada.
Crianças nessa fase de desenvolvimento já conseguem relacionar a causa de
um evento específico a seus efeitos/consequências. Um exemplo é quando
a criança percebe que a relação entre objetos diferentes em cada lado de
uma balança afeta o resultado. Ou seja, a criança consegue perceber que os
atributos físicos do objeto (especificamente o peso) vão influenciar o resultado
na balança. A noção de causa e efeito/consequência pode ser observada
em outros diversos contextos e exemplos diários. A criança entende, por
exemplo, que a rua está molhada (efeito) porque choveu (causa), que o colega
caiu (efeito) porque tentou subir em um armário alto (causa), que o cachorro
bravo mordeu o ladrão (efeito) porque este invadiu a casa do vizinho (causa),
etc. (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Portanto, é na terceira infância que a criança já tem a capacidade de racio-
cínio indutivo e dedutivo, bem como já consegue entender que as conclusões
dedutivas são mais corretas do que as indutivas. O raciocínio indutivo é aquele
que parte de algumas determinadas premissas particulares, e, portanto,
a conclusão a que se chega por meio dele pode não ser necessariamente
verdadeira — p. ex.: “Pluto é um cachorro. Cachorros são animais. Logo, Pluto
é um animal”. Já o raciocínio dedutivo é aquele que parte de uma premissa
geral e verdadeira, e, portanto, sua conclusão é verdadeira — p. ex.: “Todo ser
humano é mortal. Paulo é humano. Então, Paulo é mortal”. Vale ressaltar que,
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para Piaget, as crianças no estágio operatório-concreto usam o raciocínio


indutivo. A presença do raciocínio dedutivo nessa fase do desenvolvimento
foi observada por outros autores contemporâneos, que mostraram que, di-
ferentemente do que Piaget afirmava, esse tipo de raciocínio pode aparecer
mais cedo (PIAGET, 1999; PAPALIA; FELDMAN, 2013; BEE; BOYD, 2011).
Também é nessa fase que a criança desenvolve o pensamento espacial,
que proporciona a noção de distância e de quanto tempo é necessário para
percorrê-la. A criança é capaz de aprender caminhos de determinado lugar
para outro, bem como associar seus pontos de referência. Uma criança que
aprende o caminho de casa para a escola, de casa para a igreja, etc. tem noção
de distância e de quanto tempo leva para percorrê-la, sendo um exemplo
típico do desenvolvimento das relações espaciais/do pensamento espacial
(PAPALIA; MARTORELL, 2022).
Outra habilidade desenvolvida nessa fase é a habilidade de classificação,
que se torna mais complexa. A criança passa a ser capaz de compreender a
classificação múltipla, ou seja, ela desenvolve a capacidade de entender que
um determinado objeto pode pertencer a mais de uma categoria simultane-
amente, como, por exemplo, o poodle pertence tanto à categoria “animais”
quanto à categoria “cachorros” (BEE; BOYD, 2011).
Além disso, a criança também se torna capaz de categorizar por meio das
habilidades de seriação e inferência transitiva. A seriação é a capacidade de
organizar um conjunto de objetos baseando-se em sua cor, seu peso ou seu
tamanho. A criança consegue, por exemplo, organizar um grupo de varetas
ou bonecos na sequência do menor para o maior; as cores, das claras para
as mais escuras; e objetos, dos mais leves para os mais pesados. Com a
inferência transitiva, ela consegue relacionar características de dois objetos
com um terceiro. Por exemplo, sabendo que a vareta amarela é maior que a
vareta verde, e que a verde é maior que a azul, ela é capaz de concluir que a
vareta amarela é maior que a azul (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Ainda, outra habilidade importante desenvolvida pela criança na terceira
infância é a conservação. Uma criança que está nessa fase de desenvolvimento
e que é colocada diante de dois frascos de tamanhos e formas diferentes,
mas com a mesma quantidade de água, conseguirá entender que, apesar de
parecerem visualmente diferentes, eles ainda contêm as mesmas quantidades
de água (PIAGET, 1999). Convém ressaltar que essa capacidade de conservação
depende, em grande parte, da familiaridade que a criança tem com os objetos
que estão sendo manipulados, uma vez que as crianças tendem a pensar mais
logicamente sobre as coisas que elas conhecem.
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Por fim, outra importante capacidade cognitiva desenvolvida nessa fase


diz respeito à capacidade de utilizar números e resolver problemas matemá-
ticos simples. Na terceira infância, a criança já é capaz de resolver problemas
simples, sempre sobre algo concreto (TOURRETTE; GUIDETTI, 2009; PAPALIA;
MARTORELL, 2022).

O ensino de matemática para crianças na terceira infância requer


exemplos do cotidiano e aplicações concretas. Uma criança pode,
por exemplo, entender que 180 menos 30 é 150 se acompanhar uma situação
de compra e venda em que o cliente tenha em mãos notas que somam R$ 180,
pague por um produto que custa R$ 150 e receba de troco R$ 30. Essa é uma
maneira de ela experenciar concretamente uma operação matemática.
Sendo assim, nessa fase podem ser usados mecanismos, técnicas e ferra-
mentas que facilitem o aprendizado das crianças, como é o caso, por exemplo,
do ábaco (Figura 1), um antigo instrumento usado para realizar operações ma-
temáticas que é visual, manual, concreto.

Figura 1. Ábaco.
Fonte: Mikhail Nilov/Pexels.com.

A partir do exposto, percebe-se que o desenvolvimento cognitivo de


crianças na terceira infância inclui habilidades relacionadas à linguagem; à
capacidade cognitiva de causa e efeito; à capacidade de raciocínio indutivo e
dedutivo; ao pensamento espacial; à classificação; à seriação e à inferência
transitiva; à conservação; e ao uso de números e à resolução de problemas
matemáticos simples. Importa destacar que o desenvolvimento cognitivo na
terceira infância não se resume ao desenvolvimento somente dessas capaci-
dades. É também relevante compreender que tais habilidades são descritas
de diferentes formas a partir das abordagens teóricas de referência. Assim,
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torna-se necessário voltar o olhar para as diferentes abordagens sobre o


desenvolvimento nessa fase, de modo a compreender peculiaridades que
auxiliarão no entendimento e na construção da melhor forma de ensino, su-
porte, apoio e intervenção. Na próxima seção, serão descritas as três principais
abordagens que se destacam no campo acadêmico e teórico sobre o assunto.

Abordagens do desenvolvimento cognitivo


na terceira infância
Nesta seção, você vai conhecer as características das principais abordagens
do desenvolvimento cognitivo na terceira infância: a abordagem da evolução
da inteligência, a abordagem do processamento da informação e a abordagem
psicométrica.

Abordagem piagetiana
Uma das teorias de desenvolvimento cognitivo utilizada como referência
para os estudos sobre a infância foi sistematizada em meados da década
de 1970 por Jean Piaget (1896–1980) e se constituiu ao longo do tempo como
um importante e essencial paradigma sobre o desenvolvimento cognitivo
(SANTANA; ROAZZI; DIAS, 2006). Nessa perspectiva, é enfatizado o aspecto
evolutivo da inteligência. Isso significa dizer que a criança atinge de forma
gradual estruturas cognitivas cada vez mais eficientes. A criança nesse pro-
cesso tem papel ativo, ou seja, não é vista como um recipiente passivo que
simplesmente recebe o conhecimento, mas como alguém que interage com
o ambiente (PIAGET, 1999; BIAGGIO, 1994).
A partir desse paradigma piagetiano, entende-se que o raciocínio moral
da criança ocorre em três estágios, em que a criança passa de forma gradual
de um para o outro, em idades variáveis. A criança na terceira infância passa
pelo segundo e pelo terceiro estágio. O segundo é caracterizado por crescente
flexibilidade, ou seja, as crianças conseguem analisar os diferentes aspectos
de uma situação, fazer julgamentos morais mais sutis, desenvolvendo seu
próprio senso de justiça (diferentemente do primeiro estágio, em que a
criança ainda não conseguia distinguir os casos de transgressões e suas
intenções; apenas obedecia às regras sem entender os motivos e achava
que toda transgressão deveria ser punida). Já no terceiro estágio, a criança
desenvolve o ideal de equidade, é capaz de considerar as circunstâncias
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específicas. Para Piaget, os julgamentos morais imaturos são baseados no


grau da transgressão, ao passo que os julgamentos maduros se baseiam na
intenção (PAPALIA; FELDMAN, 2013; PIAGET, 1999).
Dessa maneira, a abordagem piagetiana traz importantes contribuições
sobre o desenvolvimento das habilidades cognitivas da criança, que podem
ser úteis nos mais diversos contextos, seja no ambiente escolar, seja em
casa, seja nos acompanhamentos profissionais. Para proporcionar um bom
desenvolvimento à criança, torna-se imprescindível que os pais, os professo-
res e os terapeutas tenham conhecimento das especificidades relacionadas
ao estágio de desenvolvimento no qual a criança se encontra e realizem
intervenções adequadas a cada fase.

Abordagem do processamento de informação


A abordagem do processamento de informação envolve o planejamento, a
atenção e a memória (HUNT, 1980; NEWELL; SIMON, 1972). Tendo como referência
a metáfora computacional, entende-se que a apreensão da informação se
faz a partir de uma conversão na mente de uma representação mental por
meio da atribuição de significados construídos na comparação com outras
informações (SANTANA; ROAZZI; DIAS, 2006). Essa abordagem assegura que,
durante a terceira infância, a criança progride nas capacidades de regular e
manter a atenção, processar e reter informação, bem como planejar e moni-
torar seus comportamentos. Isso corresponde à capacidade da criança de, à
medida que recebe informações, acumular representações sobre as coisas e
seguir compreendendo cada vez mais as relações entre estas. Tais habilidades
contribuem para a chamada função executiva, que é o controle consciente de
pensamentos, emoções e comportamentos. Além disso, a criança desenvolve
atenção seletiva e estratégias de memorização.
O desenvolvimento de habilidades executivas, isto é, a capacidade de pla-
nejamento e execução de suas próprias atividades diárias se faz importante.
No entanto, vale salientar que essa capacidade depende muito do ambiente
de casa e da delegação gradual das tarefas por parte dos pais aos filhos.
Essa função executiva também é influenciada pelo desenvolvimento cerebral,
particularmente pelo córtex pré-frontal, responsável pelas habilidades de
julgamento, planejamento e tomada de decisões. A atenção seletiva é outro
aspecto cognitivo presente nessa faixa etária. As crianças são capazes de se
concentrar em informações relevantes e filtrar as irrelevantes, isto é, afastar
as distrações (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
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A memória de trabalho aumenta consideravelmente durante a terceira


infância e está diretamente relacionada com o sucesso escolar, visto que essa
memória tem relação com a capacidade da criança de adquirir conhecimento
e novas habilidades (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
No que se refere à memória, seguindo a perspectiva dessa abordagem, é
possível listar quatro estratégias de memorização, descritas a seguir (PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

„ Auxiliares de memória externos: alguma coisa fora da pessoa que a


ajude a memorizar ou lembrar-se de algo, como, por exemplo, fazer
uma lista, anotar um número de telefone, programar um despertador
ou colocar um lembrete na geladeira.
„ Retenção: estratégia caracterizada pela repetição consciente, como
repetir várias vezes um número de telefone para não o esquecer.
„ Organização: forma de categorizar os materiais a serem lembrados,
como animais, mobília, veículos e roupas.
„ Elaboração: estratégia que utiliza associações mentais envolvendo a
coisa a ser lembrada.

Abordagem psicométrica
A abordagem psicométrica, que tem como autor e idealizador Charles Spear-
man (1863–1945), busca medir os aspectos cognitivos atrelados à inteligência
por meio de testes psicométricos, que podem ser aplicados tanto individual-
mente quanto em grupos. Trata-se de uma abordagem quantitativa e objetiva
que faz uso de testes de inteligência padronizados, válidos e confiáveis. As
avaliações e pontuações em testes de QI (quociente de inteligência) obtidas
durante a terceira infância permitem prever o futuro desempenho escolar da
criança. No entanto, essa abordagem conta com críticos, que alegam a mera
objetividade dos testes. Eles afirmam que os testes subestimam a inteligência
das crianças em más condições de saúde ou que, por outras razões, não
obtêm resultados positivos. Assim, eles desconfiam da exatidão do método
para avaliar e mensurar a inteligência (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Alguns dos testes mais conhecidos são a Escala de Inteligência Wechsler
para Crianças (WISC-IV) e o Teste de Habilidade Escolar de Otis-Lennon (OL-
SAT8). A WISC-IV é um teste de inteligência voltado para crianças em idade
escolar, que produz pontuações verbais e de desempenho, bem como uma
pontuação combinada. Já o OLSAT8 é um teste de inteligência coletivo, vol-
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tado para crianças desde o jardim de infância até o ensino médio (PAPALIA;
FELDMAN, 2013; BÜTTOW; FIGUEIREDO, 2019).
Gardner (1993) defende a existência de múltiplas inteligências, sendo
elas a inteligência linguística, a lógico-matemática, a espacial, a musical, a
corporal-cinestésica, a interpessoal, a intrapessoal e a naturalista. Assim,
uma criança pode ser inteligente no mesmo nível que a outra, mesmo apre-
sentando habilidades diferentes. Imagine, por exemplo, duas crianças de
mesma idade, sendo uma delas muito boa em analisar parágrafos e fazer
analogias, ao passo que a outra toca violino muito bem e é capaz de lançar
uma bola curva no momento certo. A primeira criança não é mais inteligente
que a segunda, e esta não é mais inteligente que a primeira; elas apenas têm
inteligências diferentes. Para esse autor, portanto, a forma de avaliação de
inteligência deve se dar de maneira distinta da forma tradicional e objetiva
dos testes de QI. Ele defende que as avaliações não devem comparar os
indivíduos, mas revelar pontos fortes e fracos, com a finalidade de ajudar
as crianças a desenvolver os pontos fortes.
Os críticos da abordagem psicométrica enfatizam o viés cultural, por
exemplo, sobre o QI, afirmando que os testes têm a tendência de incluir itens
que exigem conhecimentos ou habilidades mais familiares ou significativas
para alguns grupos culturais do que para outros. Assim, desenvolveram-se
os testes livres de aspectos culturais, ou seja, sem conteúdo cultural; e os
testes culturalmente justos, que apresentam aspectos comuns às pessoas
de qualquer cultura e de regiões diferentes (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Fatores que interferem no desenvolvimento


cognitivo
Na área da saúde pública, o Ministério da Saúde, por meio da Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Criança, apresenta fatores que interferem no
pleno desenvolvimento infantil. São considerados fatores de risco (BRASIL, 2018):

1. exposição a situações ambientais, como a pobreza;


2. fatores biológicos e psicossociais, como a desnutrição e a baixa esti-
mulação cognitiva e socioemocional;
3. vivência de maus-tratos;
4. depressão materna;
5. baixa escolaridade familiar;
6. condições de violência.
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Tendo como referência o campo da educação, especialmente na relação


com a família das crianças, os estilos de parentalidade se mostram fortes
influências nos processos cognitivos destas. Por exemplo, é possível observar
que os pais de crianças de alto desempenho escolar são aqueles que criam
um ambiente propício à aprendizagem, isto é, organizam um local para o
estudo; estabelecem os horários para as refeições, para o sono e para as
tarefas de casa; controlam o tempo de interação com dispositivos eletrônicos;
e demonstram interesse sobre a vida dos filhos, tendo o hábito de conversar
com eles sobre a escola e as atividades escolares. As crianças cujos pais se
envolvem mais em suas atividades escolares conseguem resultados melho-
res na escola, uma vez que esse estilo de parentalidade afeta diretamente
a motivação da criança e tem reflexo sobre o seu sucesso escolar. Os pais
democráticos, portanto, estão relacionados a um desempenho escolar melhor
dos filhos. Por outro lado, pais autoritários ou permissivos têm filhos que
apresentam baixos níveis de aproveitamento escolar (PAPALIA; FELDMAN,
2013; WEBER et al., 2004).
Ainda sobre fatores que interferem no desenvolvimento cognitivo em
relação aos processos de aprendizagem de crianças, é importante destacar
a discussão relacionadas às crianças com deficiência:

A sociedade tem dificuldade para conviver com as diferenças, isolando na maioria


das vezes a pessoa com deficiência, pois cada um de nós carrega ideias precon-
cebidas em relação às pessoas com deficiência, o que influenciará as atitudes e
a interação com elas. São muitas as ocorrências pelas quais a sociedade mostra
sua insensibilidade, falta de conhecimento, rejeição e preconceito em relação à
deficiência (VOIVODIC; STORER, 2002, documento on-line).

Assim como para todas as pessoas e idades, os processos de cognição


e de aprendizagem devem ser compreendidos a partir das singularidades.
Por exemplo, por muito tempo uma criança com síndrome de Down foi
vista e tratada como incapaz, e infelizmente esse estigma ainda se faz
presente na sociedade (VOIVODIC; STORER, 2002). Fato é que pessoas com
deficiência em geral, e especialmente intelectual, não são incapazes ou
destinadas ao fracasso. É altamente recomendado que essas crianças
sejam inseridas na escola e/ou em programas de intervenção para que
possam se desenvolver.
No que diz respeito aos transtornos de aprendizagem, estão entre os mais
comuns a dislexia e o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).
A dislexia é caracterizada pela dificuldade na leitura, em que a aquisição dessa
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habilidade se apresenta em nível mais baixo do nível considerado normal


para a idade. O TDAH, por sua vez, é caracterizado pelo déficit de atenção,
pela impulsividade e/ou pela hiperatividade. Para esses e outros problemas
de aprendizagem, recomendam-se programas e formas de acompanhamento
adequadas para cada necessidade específica, o que envolve a presença de
professores capacitados, acompanhamento por equipe multidisciplinar, etc.
(PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Vejamos a seguir um exemplo de TDAH interferindo no desenvolvimento
cognitivo de uma criança na terceira infância:

Mariana, 8 anos, tem mostrado baixo rendimento escolar. Sua


professora relata que a criança não consegue acompanhar o fluxo
da turma, apresentando bastante dificuldade na leitura e na memorização,
além de estar constantemente desatenta. Mariana não consegue focalizar
sua atenção na aula, o que dificulta seu aprendizado e causa dispersão no
restante da classe. Nos intervalos, a menina só se envolve em brincadeiras
de correr e pular. Não se envolve nas contações de histórias nem em jogos
que exigem concentração.
Após avaliação e acompanhamento psicológico, percebeu-se que Mariana
tem TDAH, o que tem interferido consideravelmente em seu desenvolvimento
cognitivo. A partir desse diagnóstico, pais e professores reuniram-se para
discutir formas de intervenção e estimulação adequadas, favorecendo, assim,
o desenvolvimento cognitivo de Mariana.

Casos como esse não são raros. Durante a prática de profissionais da saúde
e da educação e/ou no contato direto com crianças em fase de desenvolvi-
mento, podemos perceber a interferência de transtornos de aprendizagem no
desenvolvimento cognitivo infantil. Ressalta-se a importância da avaliação
e do acompanhamento com profissional capacitado para obter evoluções
e bom prognóstico, bem como proporcionar o desenvolvimento saudável e
adequado à criança. Essa e outras interferências não são incapacitantes, e,
dessa forma, a criança pode se desenvolver normalmente com a ajuda e o
tratamento necessários.
Nesta seção, você conheceu fatores que interferem no desenvolvimento
cognitivo, especialmente na terceira infância, como questões relacionadas
à saúde da criança, à sua exposição a determinadas situações ambientais
(pobreza, violência, estilos de parentalidade, etc.) ou às vivências na
condição de pessoa com deficiências cognitivas. A partir disso, pudemos
compreender a complexidade dos processos cognitivos e a transversa-
Desenvolvimento cognitivo na terceira infância 11

lidade dos elementos que constituem o desenvolvimento infantil como


um todo. Como vimos neste capítulo, para compreendermos a criança
e seu processo de desenvolvimento como um todo, devemos entender
o desenvolvimento cognitivo na terceira infância de forma sistêmica e
relacional — por exemplo, aos elementos do desenvolvimento psicomotor
e psicossociais.

Referências
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Leituras recomendadas
MARTORELL, G. O desenvolvimento da criança: do nascimento à adolescência. Porto
Alegre: AMGH, 2014.
RODRIGUES, C. G.; RIOS-NETO, E. L. G.; PINTO, C. C. X. Diferenças intertemporais na média
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a 2005. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 28, n. 1, p. 5-36, 2011. Disponível
em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/BdmJx8nZLDkTts58nSvyf9K/abstract/?lang=pt.
Acesso em: 24 maio 2022.

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