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DROGADIÇÃO E

DEPENDÊNCIA QUÍMICA

CURSO DE FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL


POLÍCIA PENAL – MG

Conteudista associada: Amanda de Alencar Mariano Lopes

MINAS GERAIS
2023

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Representação dos tipos de opioides ....................................................... 11


Figura 2 - Exemplos de estimulantes psicomotores .................................................. 12
Figura 3 - Efeitos do uso da nicotina e potencial de abuso ....................................... 13
Figura 4 - Efeito da cocaína nos neurotransmissores norepinefrina, serotonina e
dopamina................................................................................................................... 14
Figura 5 - Efeito do alucinógeno MDMA no neurônio, afetando a resposta sináptica17
Figura 6 - Redes de atenção à população que possuem atuação no manejo e
combate do abuso de substâncias ............................................................................ 19
Figura 7 - Centros de Atenção Psicossocial e seus tipos .......................................... 20

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SUMÁRIO

1 Conceitos básicos sobre o uso abusivo de substâncias .......................................... 4


1.1 Classificação das Substâncias ........................................................................... 4
1.2 Bases Neurofisiológicas da Dependência .......................................................... 4
2 Manifestações clínicas do uso abusivo de drogas ................................................... 5
2.1 Padrões de Consumo ........................................................................................ 5
2.2 Indicativos de Dependência Química ................................................................. 5
2.3 Como Identificar a Dependência Química .......................................................... 6
2.4. Transtornos Mentais pelo Abuso de Substâncias ............................................. 7
3 Drogas Depressoras do Sistema Nervoso Central (SNC) ........................................ 8
3.1 Álcool Etílico: Etanol .......................................................................................... 8
3.2 Inalantes ............................................................................................................ 9
3.3 Opioides ........................................................................................................... 10
3.4 Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos............................................................... 11
4 Drogas Estimulantes do Sistema Nervoso Central (SNC) ...................................... 12
4.1 Tabaco ............................................................................................................. 12
4.2 Cocaína e Estimulantes ................................................................................... 13
5 Drogas Perturbadoras do Sistema Nervoso Central (SNC).................................... 15
5.1 Cannabis .......................................................................................................... 15
5.2 Alucinógenos.................................................................................................... 16
5.3 Club Drugs ....................................................................................................... 16
6 Intervenções e Redes de Atendimento para o Dependente Químico ..................... 17
Referências ............................................................................................................... 22

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1 CONCEITOS BÁSICOS SOBRE O USO ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS

A drogadição, também conhecida como dependência química, está entre os


principais problemas de saúde mundiais. De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS), o termo ‘droga’ faz referência a “qualquer entidade química ou mistura
de entidades que altere a função biológica e possivelmente a estrutura do organismo”
e o termo ‘droga psicoativa’ se refere a “substância que age no Sistema Nervoso
Central (SNC) gerando alterações de humor, comportamento, percepção e
consciência e que gera dependência”. Com os conceitos iniciais estabelecidos,
entende-se a classificação das substâncias.

1.1 Classificação das Substâncias

- Drogas depressoras do Sistema Nervoso Central (SNC): etanol, inalantes ou


solventes, ansiolíticos ou tranquilizantes, calmantes e sedativos, opiáceos e opioides;
- Drogas estimulantes do Sistema Nervoso Central (SNC): anfetaminas,
cocaína, tabaco;
- Drogas perturbadoras do Sistema Nervoso Central (SNC): maconha,
cogumelos e plantas alucinógenas, perturbadores sintéticos, êxtase (MDMA),
anticolinérgicos;
- Outros: esteroides anabolizantes.

1.2 Bases Neurofisiológicas da Dependência

Essas substâncias, de modo geral, atingem a ativação do sistema de


recompensa do cérebro, mediado principalmente pelos neurotransmissores dopamina
e glutamato, de forma mais intensa que outras atividades prazerosas para o indivíduo,
o que favorece a procura por essa fonte de prazer. O uso de drogas aumenta a
liberação desses neurotransmissores em até 10 vezes mais que o habitual, levando o
cérebro a aprender a prática como uma forma eufórica de prazer. O indivíduo então
repete o uso das substâncias como forma de diminuir algum desconforto, alcançar
prazer ou até mesmo evitar angústias e abstinência.
Além disso, o uso de substâncias psicoativas é milenar e está interligado ao

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estado do indivíduo, ao de sua comunidade ou à cultura de seu povo. Assim, é
necessário entender como o habitat e o momento de vida estão relacionados ao uso
dessas substâncias. Apesar da mesma finalidade, os mecanismos pelos quais cada
classe de drogas produz recompensa são diferentes e serão discutidos nos próximos
itens.

2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO USO ABUSIVO DE DROGAS

Para entender as manifestações clínicas apresentadas a partir do uso abusivo


de substâncias, deve-se refletir sobre os padrões de consumo delas.

2.1 Padrões de Consumo

Uso experimental: Uso inicial e esporádico da substância, sem interferência


nas atividades básicas, nas relações sociais e nas práticas do indivíduo.
Uso recreativo: Uso da substância em situações sociais que possibilitem o uso
recreativo ou de relaxamento, sem consequências prejudiciais para o indivíduo.
Uso frequente: Uso regular da substância, mas sem a característica de
compulsão e que não gera prejuízo perceptível funcional.
Abuso: Uso frequente da substância, que desvia dos padrões anteriores,
provocando prejuízos legais, físicos ou mentais.
Dependência: Uso continuado da substância, caracterizado por tolerância,
abstinência, compulsão e intensificação do prejuízo funcional no organismo.
Uso indevido: Uso de fármacos receitados por profissionais de saúde, mas de
forma errônea, causando prejuízo funcional e desviando do padrão de consumo
indicado pelo profissional prescritor.

2.2 Indicativos de Dependência Química

Além de entender os conceitos dos padrões de consumo, é importante também


frisar os padrões de comportamento e de resposta do organismo que indicam a
presença de uma dependência química. São eles:
Tolerância: Fenômeno desencadeado após longos períodos de adicção e uso

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repetido da substância, que leva o organismo a se adaptar às doses usadas
anteriormente. Assim, o indivíduo necessita de doses progressivamente maiores para
que alcance o efeito desejado.
Tolerância cruzada: Capacidade de o organismo interpretar outra substância
como aquela a que o indivíduo possui a adicção, de maneira que uma possa ser
substituída por outra e produza os mesmos efeitos.
Codependência: Também chamada de coadicção. Faz parte de padrões
comportamentais de familiares ou pessoas próximas afetadas pelo abuso de
substância de um membro da família ou conhecido.
Facilitação: Padrão de comportamento que também pode ser realizado por
parentes ou pessoas próximas do adicto, facilitando o uso da substância por negação
do abuso, fornecimento da substância ou de meios para que ela seja adquirida.
Com os conceitos firmados, pode-se entender que a definição de dependência
química não se limita à frequência do uso ou à quantidade utilizada da substância,
mas compreende todo o adicto, levando em consideração o comprometimento das
capacidades fisiológicas do indivíduo, o desejo de consumir a droga e como ele lida
com esses efeitos em seu organismo.

2.3 Como Identificar a Dependência Química

Quando se considera que o abuso de substâncias é um quadro progressivo e


até insidioso para quem leva mais tempo para adquiri-lo, compreende-se por que não
é fácil identificar o indivíduo que é dependente químico. O adicto toma decisões e
atitudes que indivíduos saudáveis não praticam, até que seu organismo obtenha a
recompensa desejada e se sinta satisfeito. Assim, os sintomas físicos e psíquicos da
própria adicção permitem que façam parte de um ciclo vicioso e que se intensifiquem
cada vez mais.
O que se torna mais perceptível, na maioria das vezes, é a mudança de
comportamento, como, por exemplo, quando o indivíduo troca seu ciclo de amizades
por um grupo novo, assume mais comportamentos de risco na busca pela substância,
passa a mentir sobre os seus padrões de consumo e abandona interesses pessoais,
antes muito valorizados, e agora substituídos pela drogadição.
Quando se tem o efeito tóxico no sistema nervoso, os efeitos fisiológicos da

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substância conseguem produzir quadros clinicamente perceptíveis, que podem durar
horas ou dias, mas não permanecem após um mês sem o uso da substância. São
caracterizados por quadros psicopatológicos como transtornos de humor, entrando em
período de mania ou depressão, quadros ansiosos, delirium, transtornos
neurocognitivos e até mesmo psicoses. Além disso, os principais sintomas clínicos da
dependência química podem ser:
• Adicção: Uso frequente e repetido de uma substância, cuja privação causa
sofrimento mental e físico, além de compulsão.
• Intoxicação: Síndrome que afeta funções mentais, causada por uma
substância específica, que pode ocorrer após longos períodos de uso ou
durante um uso mais agudo, ocorrendo em maior quantidade da substância.
A síndrome é reversível e, para cada substância, a conduta será diferente e
individualizada. Pode ocorrer prejuízo do nível de consciência, como
embriaguez, sedação, torpor, perturbação do pensamento, alteração da
atenção, da capacidade de julgamento, agressividade e humor instável.
• Abstinência: Síndrome de desenvolvimento de alteração comportamental
problemática, causada pela interrupção ou redução do uso intenso de uma
substância específica, o que leva a sintomas físicos e psíquicos,
principalmente pela sensação da privação do sistema de recompensa
cerebral.
• Fissura/craving: Consiste no desejo intenso pelo uso da substância,
chegando a descontrolar o indivíduo pela vontade, com a perda da
percepção de suas atitudes e padrões de comportamento. A possibilidade
de ocorrer a fissura é diretamente proporcional ao tempo de uso e à
quantidade utilizada.

2.4. Transtornos Mentais pelo Abuso de Substâncias

Além dos transtornos funcionais produzidos pela drogadição, tem-se também


os transtornos mentais induzidos por substâncias, que são potencialmente graves e
podem cursar com síndromes que persistem por um longo período no SNC.
Independentemente da substância que induziu o transtorno, as características serão
comuns:

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- O transtorno representa uma apresentação somática, com características
significativas na percepção clínica do indivíduo, de um transtorno mental pertinente.
- Há evidências de que o transtorno se desenvolve durante o uso ou até um
mês após intoxicação ou abstinência da substância ou administração de algum
medicamento e que a substância é capaz de produzir o transtorno mental
farmacologicamente. Não há outra explicação melhor para o transtorno.
- O transtorno não ocorre exclusivamente durante o curso de um delirium.
- O transtorno causa sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento
social, profissional ou em outras áreas importantes na vida do indivíduo.
Se o indivíduo apresentar essas quatro características, é provável que a
dependência química seja tão intensa e prejudicial que já esteja causando o transtorno
mental nesse usuário.

3 DROGAS DEPRESSORAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)

São as drogas que produzem efeito inibitório no cérebro, diminuem a atividade


e deprimem o seu funcionamento. O usuário, ao utilizar essas substâncias, apresenta
redução da atenção, dos reflexos, alterações comportamentais e psíquicas. São
substâncias representares dessa classe: Etanol; solventes ou inalantes;
tranquilizantes ou ansiolíticos; calmantes e sedativos; opiáceos e opioides. A seguir,
serão discutidos brevemente o mecanismo de ação de cada uma delas.

3.1 Álcool Etílico: Etanol

O álcool, como já reportado anteriormente, é uma substância depressora da


atividade do SNC. Por definição, o transtorno relacionado ao uso abusivo de álcool é
a sensação de forte necessidade ou compulsão para o uso dele, ao ponto de o
indivíduo desenvolver a incapacidade de controlar o seu consumo. Além do transtorno
pelo uso, existem os transtornos induzidos, representados por intoxicação e
abstinência.
Vale ressaltar a necessidade de se entender o uso abusivo do álcool como uma
dependência química, por ser uma substância psicotrópica que tem o consumo
permitido pela sociedade e uma aceitação em ambientes sociais onde se faz uso. A

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dependência química por álcool pode ser percebida quando o indivíduo desenvolve
tolerância às quantidades ingeridas anteriormente, consequentemente ingerindo
quantidades progressivamente maiores, apresenta intoxicação ou abstinência após
período de consumo crônico.
A intoxicação alcoólica é relativamente comum e suas manifestações clínicas
variam de acordo com o nível de álcool presente no organismo. Os usuários podem
apresentar sintomas de fala arrastada, comprometimento da memória e atenção,
podem adotar comportamento agressivo, hiper sexualizado ou inadequado, alterações
na marcha e incoordenação de movimentos. Evidências que comprovam o uso do
álcool podem estar presentes, como hálito cetônico, material respiratório, sanguíneo
ou urinário para análise toxicológica ou até mesmo relatos de terceiros, como
observadores do uso.
Na abstinência, tem-se um quadro que se desenvolve de 4 a 12 horas após a
interrupção ou redução da quantidade ingerida. Os usuários podem apresentar
sudorese, náuseas ou vômitos, alucinações visuais, comportamento agitado,
frequência cardíaca aumentada ou tremores nas mãos.

3.2 Inalantes

Classe que é composta por solventes para colas, diluentes, combustíveis e


propelentes. O efeito do uso dessas substâncias tende a ser bastante rápido, de
segundos a minutos, e da mesma forma desaparecem rapidamente. O usuário faz
diversos ciclos de uso para que as sensações de prazer permaneçam por mais tempo.
Dentre os efeitos proporcionados por essa classe, podem estar presentes:
náuseas ou vômitos, euforia, instabilidade do humor, zumbido, alteração na marcha
do indivíduo, arritmias e comportamento desinibido. Os efeitos flutuam entre
estimulação no período inicial até a depressão, o que pode acarretar o aparecimento
de alucinações.
A síndrome da abstinência com essas substâncias é rara, mas, se ocorrer, os
sintomas incluem cefaleia, tremores, alucinações, insônia e irritabilidade. A tolerância
pode se instalar com um a dois meses de uso, dependendo da pessoa, do tipo de
solvente/inalante e da quantidade utilizada.
Sintomas de uso crônico incluem a destruição dos neurônios, processo

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irreversível de dano ao SNC, como neuropatias periféricas, que afetam sensibilidade
e ato motor dos membros, atrofia do parênquima cerebral e cerebelar, prejuízo na
memória e alteração da percepção da realidade. Outros acometimentos no organismo
podem ser lesões na pele como dermatite, isquemia do miocárdio, enfisema pulmonar
e lesões hepática e renal.

3.3 Opioides

O ópio pode originar diversas substâncias, dentre elas a codeína (um opioide
bastante conhecido e utilizado no território brasileiro) e a morfina, representando os
opiáceos naturais, ou seja, que não sofreram nenhuma alteração. Existem também os
opiáceos semissintéticos, resultantes de modificações parciais nas substâncias
naturais. A heroína, por exemplo, necessita apenas de uma pequena modificação
estrutural na fórmula química da morfina para sua obtenção.
Os usuários dessa classe que fazem uso indevido de substâncias com
indicação médica ou mesmo sem indicação buscam o seu efeito depressor do SNC.
Assim, conseguem apresentar os sintomas de torpor, inibição das sensações que
normalmente apresentariam em resposta à realidade, perda de consciência,
depressão respiratória e cardíaca.
O quadro de intoxicação é marcado por apatia, retardo psicomotor, fala
arrastada, analgesia, redução das frequências cardíaca e respiratória, hipotensão,
torpor e coma. A intoxicação pode se apresentar com intensidades diferentes,
variando em função do opioide consumido, quantidade e via de administração.
A abstinência dessas substâncias é marcada pelo seu início de 8 a 24 horas
para opioides de curta duração e de 12 a 48 horas para opioides de longa duração.
Apresenta duração variada de 10 a 20 dias. O quadro se apresenta de maneira intensa
e desconfortável, com irritabilidade, agitação psicomotora, vômitos, diarreia, dores
musculares e ósseas, taquicardia, sono, formigamento e inquietação. Entre indivíduos
variados, com diversos contextos diferentes, a abstinência de opioides ocorre em 60%
das pessoas que utilizam heroína pelo menos uma vez nos últimos 12 meses.

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Figura 1 - Representação dos tipos de opioides

Fonte: WHALEN; FINKEL; PANAVELIL, 2016.

3.4 Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos

As substâncias que fazem parte dessa classe são conhecidas e muito utilizadas
no cotidiano da população geral, incluindo, por exemplo, benzodiazepínicos e
fármacos semelhantes (zolpidem), carbamatos (muito utilizados em plantações) e
barbitúricos (fenobarbital). Assim como o álcool e os inalantes, produzem efeitos
nocivos no organismo tanto pelo uso quanto pela predisposição a transtornos mentais
induzidos pelo uso abusivo.
Epidemiologicamente, tem-se que o abuso no uso dessas substâncias
normalmente envolve adolescentes ou jovens adultos, somado a transtornos por uso
de outras substâncias. Iniciam com a medicação em dosagens aceitas em seus meios
sociais e familiares até que esse uso se intensifica e eles passam a apresentar uma
tolerância já elevada. A partir desse momento, os usuários passam por alterações de
comportamento, que incluem dificuldade de interação social, perda da sua
funcionalidade e abstinência.
O quadro de intoxicação por essa classe engloba alterações de humor,
agressividade, prejuízo no julgamento e tomada de decisões, incoordenação,
alterações de marcha, fala arrastada, estupor ou coma. Além disso, ocorre prejuízo na
memória e no funcionamento global do organismo, como tentativa do adicto “desligar”
suas funções biológicas.
A abstinência é marcada por um quadro semelhante ao álcool, em que ocorre

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insônia, náuseas, sudorese, taquicardia, hipertensão arterial, ansiedade e agitação
psicomotora. Em casos mais acentuados, o adicto pode apresentar convulsão se a
abstinência não for tratada.

4 DROGAS ESTIMULANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)

As substâncias que integram o grupo de drogas estimulantes do SNC causam


excitação e euforia, aumentam a atividade motora, provocam alterações de humor e
alteração na formação e compreensão do pensamento. Normalmente, são
substâncias de uso via oral ou via intravenosa, com a exceção da metanfetamina que
possui uso por via nasal. Assim, decorrem de um padrão de uso crônico, necessitando
de doses e frequência de consumo cada vez maiores para se obter o efeito desejado.
São exemplificadas as substâncias da categoria na Figura 2 a seguir.

Figura 2 - Exemplos de estimulantes psicomotores

Fonte: WHALEN; FINKEL; PANAVELIL, 2016.

4.1 Tabaco

A nicotina, componente ativo do tabaco, é uma substância importante, pois


perde apenas para a cafeína como estimulante do SNC mais utilizado e para o álcool
como substância de abuso mais utilizada. O cigarro é o produto mais comum do
tabaco e representa a maioria do consumo de tabaco/nicotina. Como exemplificado
na Figura 3 a seguir, o consumo em doses baixas pode provocar despertamento e

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relaxamento, com redução da frequência cardíaca e hipotensão. Já em doses altas,
pode provocar paralisia respiratória, além de propiciar surgimento de outras doenças,
como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e Câncer de Pulmão. Apesar
disso, normalmente os usuários continuam utilizando o tabaco mesmo com o
aparecimento de doenças e recomendações da interrupção.
A intoxicação é menos comum, mas sintomas de irritabilidade, diarreia, dor
abdominal, tremores, taquicardia e hipertensão arterial podem ser encontrados.
O quadro de abstinência por privação da nicotina inclui irritabilidade, raiva,
queixa de ansiedade, dificuldade de concentração, alterações de humor e inquietação.
O adicto costuma apresentar dificuldade na interrupção do uso e flutua entre períodos
de abstinência e exacerbação do uso novamente, principalmente pelo fácil acesso da
obtenção da substância.

Figura 3 - Efeitos do uso da nicotina e potencial de abuso

Fonte: WHALEN; FINKEL; PANAVELIL, 2016.

4.2 Cocaína e Estimulantes

A cocaína consegue inibir a recaptação de norepinefrina nos neurônios,


aumentando a quantidade de catecolaminas disponíveis na transmissão dos impulsos
nervosos, tanto sensitivos quanto motores, de pensamento e julgamento. Além da

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ação sobre a norepinefrina, tanto a cocaína quanto as anfetaminas afetam a produção
e a disponibilidade de serotonina, tendo ação excitatória no SNC. A Figura 5
demonstra a ação dessa classe nos neurônios e o mecanismo de estimulação
neuronal.

Figura 4 - Efeito da cocaína nos neurotransmissores norepinefrina, serotonina


e dopamina

Fonte: WHALEN; FINKEL; PANAVELIL, 2016.

O quadro de intoxicação aguda inclui manifestações clínicas de agitação


psicomotora, alteração na prática dos movimentos, alucinações, arritmias, tremores,
sudorese, autoconfiança e sensação de bem-estar prolongado. Os efeitos das
anfetaminas são semelhantes aos efeitos da cocaína, mas em casos de intoxicação
podem estar prolongados, associados a uma maior intensidade dos sintomas, com
mais estimulação.
Durante a abstinência, o usuário pode apresentar irritabilidade, agitação
psicomotora, cefaleia, sudorese intensa, cãibras, alterações do apetite e letargia.
Normalmente ocorre em um período após 24h sem o uso da substância e pode durar

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de dias a semanas.

5 DROGAS PERTURBADORAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)

Os efeitos do uso dessas substâncias variam de acordo com o tempo de uso,


tipo de substância utilizada e resposta do organismo àquele insulto. Os efeitos mais
usuais são comuns à classe, incluindo hiperemia ocular, boca seca e taquicardia. A
resposta à substância depende, também, do indivíduo adicto, variando de sensação
de bem-estar a angústia, tremores e sudorese, além de prejuízo da atenção,
motricidade voluntária e memória. A seguir será apresentado o mecanismo de ação
de cada substância, assim como suas síndromes de intoxicação e abstinência.

5.1 Cannabis

A cannabis, conhecida popularmente como maconha, haxixe e skank, possui


diversas formulações e concentrações, assim como outras substâncias ilícitas, já que
não apresenta regulação da produção. Assim, os sintomas e a dependência podem
variar de acordo com a quantidade de droga ingerida por utilização, frequência e
coutilização com outras substâncias das demais classes.
A composição da cannabis varia de acordo com a proporção entre canabinoides
(substâncias que são popularmente utilizadas com fins medicinais) e delta-9-THC
(substância psicoativa e com potencial de causar dependência). No cérebro, existem
receptores específicos para essa substância, chamado de CB, que, quando ativados,
produzem relaxamento físico, aumento do apetite, taquicardia, alteração da
coordenação motora e atenção. Em alguns casos, seu consumo pode provocar
sonolência e relaxamento.
A partir do uso recorrente, os receptores CB ficam dessensibilizados,
respondendo a doses progressivamente maiores e com uma sensação de mal-estar
quando não estão sobre efeitos da droga. Além disso, há alteração no hipocampo, o
que provoca prejuízo na memória de curta duração e em atividade mental, situação
que é mais pronunciada em usuários adolescentes e jovens adultos.
O quadro de intoxicação normalmente só é percebido pelo usuário quando
provoca sintomas ansiosos e psicóticos, que incluem euforia, alteração na percepção

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de sensações, sons, cores, texturas e paladar. A intoxicação aguda pode desencadear
hipervigilância, paranoia, crise de pânico, despersonalização e alucinações.

5.2 Alucinógenos

Na classe dos alucinógenos, o LSD (dietilamida do ácido lisérgico) é a droga


mais conhecida. Ele atua nos receptores de serotonina, provocando o efeito
psicodélico conhecido. A droga é responsável por produzir alucinações, alterações de
humor, alterações do sono e ansiedade. Além do LSD, também são exemplos de
alucinógenos fenciclidina, mescalina, cetamina e Ayahuasca.
A intoxicação por essas substâncias ocorre normalmente uma hora após a
ingestão, com duração de cinco-seis horas. Os efeitos são semelhantes aos efeitos
do próprio uso, com alucinações, alterações das emoções, taquicardia, sudorese,
palpitação, tremores e incapacidade de realizar movimentos.
O quadro de abstinência não é comum com essa classe, mas há relatos de
sintomas como fadiga, irritabilidade, alteração de humor e anedonia.

5.3 Club Drugs

Essa classe de drogas apresenta popularidade crescente, sobretudo em


indivíduos jovens, ganhando a definição de “drogas de boate”. Estão inclusos nessa
denominação o êxtase, conhecido como MD ou MDMA, o GHB (gama-hidroxibutirato)
e o flunitrazepam. São drogas sintéticas que possuem um crescimento de uso
exponencial em todo o mundo, causando preocupação e necessidade de conhecê-las
para evitar possíveis consequências maléficas à sociedade.

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Figura 5 - Efeito do alucinógeno MDMA no neurônio, afetando a resposta
sináptica

Fonte: WHALEN; FINKEL; PANAVELIL, 2016.

Essas substâncias atuam nos receptores de serotonina, com efeito liberador da


mesma, o que provoca a sensação de euforia e intenso bem-estar, além de
estimulação da integratividade social, o que também é aproveitado por agressores
sexuais, pela sensação de prazer ocasionada pela estimulação tátil. Outro motivo para
a denominação de Club Drugs é a presença intensa dessa classe em festas e boates,
já que seu uso provoca desidratação e desregulação dos eletrólitos corporais e os
organizadores de eventos dessa natureza aproveitam esse fato para obter lucro com
a venda de água. Assim, tem-se intoxicação hídrica, hiponatremia ou até insuficiência
renal como consequências do uso dessa classe.
A abstinência é comumente relatada como fadiga, alteração de humor com
sintomas depressivos, redução do apetite e dificuldade de concentração quando há
interrupção do uso.

6 INTERVENÇÕES E REDES DE ATENDIMENTO PARA O DEPENDENTE


QUÍMICO

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Com a compreensão das ações de cada classe de substância, como é a ação
de cada uma delas e como é importante obter a cessação do uso, pode-se pensar em
alternativas para o acolhimento dos usuários e o sucesso no objetivo de reduzir os
danos nos indivíduos e na sociedade.
O NIDA (National Institute of Drug Abuse) determina alguns princípios
norteadores dos profissionais inseridos no manejo de pessoas que sofrem com a
dependência química, estabelecendo, principalmente, a necessidade da
compreensão de que a dependência é passível de tratamento, que as medidas devem
ser individualizadas com o mais benéfico para cada um, que a acessibilidade é
importante e deve ser prontamente disponibilizada para aqueles que desejem. A partir
do momento em que o indivíduo consegue ser acolhido e adota as medidas
necessárias, o tratamento deve ser constantemente revisto e modificado de acordo
com as necessidades e as queixas daquele momento específico.
Existem atualmente várias maneiras de acolhimento e tratamento da
dependência química, mas, na maioria das vezes, os programas incluem terapias e
serviços que se adequam à individualidade dos sujeitos. Inicialmente, há a
desintoxicação, seja para acompanhamento ou internações quando o paciente
representa risco para a sociedade e para si mesmo.
Dentre as opções de acolhimento e acompanhamento, podem-se listar grupos
de autoajuda por meio de trocas de experiências, formação de vínculos com pessoas
que possuem os mesmos objetivos; comunidades terapêuticas desde que sigam a
legislação; tratamentos farmacológicos específicos para cada substância, mas é
necessário ressaltar que a medicação não cura a dependência, pode apenas ajudar a
superar os sintomas da abstinência e a lidar melhor com a falta da droga.
Somado às alternativas supracitadas, há a necessidade de acompanhamento
do indivíduo em tratamentos psicossociais, seja com terapia de grupo e família, terapia
cognitivo-comportamental (TCC), aconselhamento ou intervenções breves. Essas
práticas estão disponíveis para toda a população por meio do Sistema Único de Saúde
(SUS) e sua Rede de Atenção, seja ao nível da Atenção Básica em Saúde, Atenção
Psicossocial Estratégica, Atenção de Urgência e Emergência, Atenção Residencial
Transitória e Atenção Hospitalar.

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Figura 6 - Redes de atenção à população que possuem atuação no manejo e
combate do abuso de substâncias

Fonte: Ministério da Saúde,

O principal apoio do usuário adicto, além da Unidade Básica de Saúde de sua


região, deve ser o CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas), com
unidades especializadas em acompanhamento de transtornos causados pelo abuso
de substâncias, contando com equipes multiprofissionais. O CAPS-AD apresenta a
proposta de reinserção social do indivíduo, acolhimento familiar e entendimento do
adicto da necessidade de retorno à sociedade e às suas atividades habituais.

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Figura 7 - Centros de Atenção Psicossocial e seus tipos

Fonte: Ministério da Saúde

No âmbito penitenciário brasileiro, tem-se a promoção e prevenção em saúde


das pessoas privadas de liberdade como uma garantia básica, que apresenta como
adversidade a própria condição de confinamento. Apesar disso, a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), instituída
pela Portaria Interministerial nº 1, de 2 de janeiro de 2014, trouxe a unidade básica de
saúde prisional como um ponto de atenção da Rede de Atenção à Saúde.
Anteriormente, tinha-se o embasamento da necessidade da atenção ao
indivíduo privado de liberdade a partir do Plano Nacional de Saúde no Sistema
Penitenciário (PNSSP), instituído em 9 de setembro de 2003, por meio da Portaria
Interministerial nº 1.777. A partir desse plano, o primeiro específico para população
carcerária com abrangência em penitenciárias masculinas, femininas e psiquiátricas,
a saúde de indivíduos privados de liberdade baseava-se principalmente em:

- Prestação de assistência resolutiva, integral e de boa qualidade à população


carcerária, desde as doenças mais comuns até a saúde bucal e atividades
específicas da saúde da mulher;
- Controlar ou reduzir agravos mais frequentes nessa população (IST’s,

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HIV/SIDA, tuberculose, pneumatoses, transtornos mentais, hepatites,
hipertensão arterial, diabetes mellitus, diarreias infecciosas, traumas, entre
outros agravos);
- Fomentar o direito à saúde como princípio básico;
- Definir metas e posteriores planos e serviços com foco nessa população e nos
seus acometimentos mais comuns.
Especificamente em Minas Gerais, tem-se o Regulamento e Normas de
Procedimentos do Sistema Prisional de Minas Gerais (ReNP) de 2016, documento
disponibilizado pela Secretaria de Administração Prisional, que dispõe sobre a
proibição da entrada de bebidas alcóolicas e drogas ilícitas na penitenciária, no artigo
314. Além disso, garante o acesso ao acompanhamento médico e psicossocial de
caráter preventivo ou curativo, incluindo o trabalho referente à política sobre drogas,
no artigo 431.
Ademais, outro marco importante da saúde ao indivíduo privado de liberdade é
a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas (SISNAD). Com isso, a saúde obteve o conceito de droga como
substância causadora de dependência, estabeleceu a prevenção do uso indevido, a
necessidade de atenção e reinserção do usuário/dependente dessas substâncias,
além de normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas.
Assim, todas essas medidas possuem como objetivo garantir que os indivíduos
privados de liberdade não percam sua cidadania e continuem usufruindo do direito
básico à saúde. Com o cumprimento das propostas citadas acima, somado ao
conhecimento das substâncias mais comumente causadoras de dependência, o
sistema de saúde penitenciário conseguirá exercer o seu papel, sobretudo de
reinserção social e garantia da manutenção da saúde física e psicossocial dessa
população carente de cuidado.
Dessa forma, é possível alcançar a melhoria da qualidade de vida dos usuários
e a população como um todo evolui para uma melhor convivência e adaptação, com
a criação de redes de cuidado e proteção para esses indivíduos que carecem de
receptividade e tolerância comunitária. Com isso, levando-se em consideração o
aspecto biopsicossocial de cada um e o que levou a pessoa à adicção química, as
políticas públicas terão potencial para promover a reintegração dos indivíduos e o

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restabelecimento de suas funções em sociedade.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Secretaria Nacional Antidrogas. A prevenção do uso de drogas e a terapia
comunitária. Brasília, 2006.

BRASIL. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Disponível em:


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Disponível em:
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