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22/11/2023, 08:43 Envio | Revista dos Tribunais

Pela manutenção do “julgamento estendido” no CPC/2015 (art. 942)

PELA MANUTENÇÃO DO “JULGAMENTO ESTENDIDO” NO CPC/2015 (ART. 942)


Reasons for the continuation of the “extended trial of the appeal” in the 2015 Brazilian Civil Procedure Code (article
942)
Revista de Processo | vol. 320/2021 | p. 239 - 251 | Out / 2021
DTR\2021\46116

Luiz Dellore
Doutor e Mestre em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP. Visiting scholar (pós-
doutorado) na Syracuse University e Cornell University (EUA). Professor de Direito Processual do Mackenzie e da
Escola Paulista do Direito. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e do CEAPRO (Centro de
Estudos Avançados de Processo). Advogado da Caixa Econômica Federal e consultor jurídico. dellore@dellore.com

Walter Piva Rodrigues


Doutor em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Tributário pela USP. Professor Doutor aposentado, no
regime Sênior, de Direito Processual da USP. Desembargador pela classe dos Advogados no Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo. w.piva@globo.com

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: Uma das inovações do CPC 2015 foi o fim do recurso de embargos infringentes, com a inclusão do
julgamento estendido, no art. 942. Pouco tempo após a vigência do Código, já há projeto de lei no sentido da
revogação desse dispositivo legal. Não nos parece a melhor solução.

Palavras-chave: Código de Processo Civil – Embargos infringentes – Apelação – Julgamento estendido –


Julgamento não unânime
Abstract: One of the innovations of the 2015 Brazilian Civil Procedure Code was the end of an appeal based on a
non-unanimous judgment held in a court of appeal, with the inclusion of the “extended trial of the appeal” (article 942).
Shortly after the Code entered into force, there is already a bill to repeal this legal provision. It does not seem to be the
best solution.

Keywords: Brazilian Civil Procedure Code – Appeal based on a non-unanimous judgment – Appeal – “Extended trial
of the appeal” – Non-unanimous judgment
Para citar este artigo: DELLORE, Luiz; RODRIGUES, Walter Piva. Pela manutenção do “julgamento estendido” no
CPC/2015 (art. 942). Revista de Processo. vol. 320. ano 46. p. 239-251. São Paulo: Ed. RT, outubro 2021. Disponivel
em: inserir link consultado. Acesso em: DD.MM.AAAA.
Sumário:

1. Introdução - 2. Os embargos infringentes no CPC/1973 - 3. O art. 942 do CPC/2015 - 4. Proposta legislativa de


extinção do julgamento estendido - 5. A necessidade de manutenção do julgamento estendido - 6. Conclusões

1. Introdução

No âmbito dos Tribunais intermediários (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais), usualmente1 o
julgamento será realizado de forma colegiada, com pelo menos três desembargadores votando: relator, 2º e
3º magistrados.
Ainda que a maioria das vezes o julgamento seja por unanimidade (v.u. – votação unânime), é certo que possível que
o julgamento se dê por 2 votos a 1 (m.v. – maioria de votos).
Nesses casos em que houver voto vencido, o que deve ocorrer? Deve haver a sequência dos debates no 2º grau de
jurisdição? Deve ser cabível mais um recurso? Ou simplesmente se encerra o julgamento sem qualquer distinção a
um caso em que houve julgamento por 3 votos a 0?
A resposta a essa pergunta é variável no tempo, sendo que (i) no CPC/1973 (LGL\1973\5) a resposta era o cabimento
de embargos infringentes; (ii) no CPC/2015 (LGL\2015\1656) a resposta é o chamado “julgamento estendido” e (iii) há
projeto de lei para que nada mais ocorra se houver voto vencido.
Neste artigo, analisaremos brevemente o tema no CPC/1973 (LGL\1973\5), no CPC/2015 (LGL\2015\1656) e
apresentaremos nossa opinião acerca do projeto de lei.
2. Os embargos infringentes no CPC/1973
No Código de Processo anterior, o voto vencido dava margem a um novo recurso, denominado “embargos
infringentes”2.

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Porém, considerando uma série de dificuldades práticas, o recurso era objeto de críticas na doutrina3 e chegou a
passar por alteração no próprio sistema anterior.
A redação original do CPC/1973 (LGL\1973\5), art. 530, era a seguinte: “Art. 530. Cabem embargos infringentes
quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os
embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.
Por sua vez, com a L. 10.352/2001, a redação foi alterada:
“Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a
sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão
restritos à matéria objeto da divergência”.
A premissa era simples: existindo voto vencido, a parte sucumbente poderia ingressar com novo recurso, para que o
próprio Tribunal de 2º grau apreciasse novamente a questão, com mais dois desembargadores.
O problema era que (i) existiam diversas dúvidas quanto ao cabimento do recurso e (ii) se o recurso fosse usado
quando não cabível, haveria o trânsito em julgado do acórdão, sem possibilidade de se chegar a Tribunais Superiores;
pelo outro lado, se não fosse usado quando cabível, não seria possível utilizar o REsp ou RE, pois não teria havido o
esgotamento das vias ordinárias.
Assim, a reforma de 2001 buscou deixar mais claro o cabimento do recurso; com a necessidade de que cabíveis os
infringentes somente quando houvesse a reforma da sentença, e não a manutenção da sentença4.
Mas, ainda assim, de fato existiam diversas discussões na doutrina e jurisprudência, trazendo insegurança aos que
militavam no foro.
Relembremos, aqui, brevemente, alguns dos debates, apenas para ilustrar as dificuldades então existentes.
1) Seria cabível o recurso de embargos infringentes somente no julgamento de apelação e rescisória?
Pela letra do art. 530, sim. Porém, pela jurisprudência, não necessariamente.

Havia súmula apontando o cabimento de infringentes no caso de julgamento por maioria do agravo retido5 – recurso
que, vale lembrar, também foi extinto no CPC/2015 (LGL\2015\1656).
Além disso, entendia o STJ que cabível infringentes quando se julgasse agravo de instrumento, por exemplo quando o
objeto fosse a liquidação de sentença, tendo em vista o “conteúdo da matéria decidida”6.
Ou seja, isso trazia insegurança à advocacia, quanto ao exato cabimento do recurso.
2) Seriam cabíveis infringentes somente quando se tratasse de decisão de mérito?
Uma vez mais, à luz da redação do art. 530, a resposta seria que só para decisões de mérito admissível o uso dos
embargos infringentes.
Porém, novamente, a jurisprudência alargava esses limites.
Por exemplo, no caso de análise das condições da ação (matéria processual, pelo CPC (LGL\2015\1656)), acaso a
hipótese fosse de aplicação da teoria da asserção, então os infringentes seriam cabíveis e deveriam ser utilizados7.
3) Havia necessidade de que o voto vencido fosse igual à sentença, para que cabível o recurso de embargos
infringentes?
Com a reforma de 2001, os infringentes somente seriam cabíveis se houvesse a “reforma”. Mas, qual o grau de
reforma para que se abrisse a possibilidade de utilização desse recurso? Deveria haver total ou parcial identidade
entre sentença e acórdão?
A questão era tormentosa. O STJ chegou a decidir que o cabimento dos infringentes dependia do provimento da
apelação, “com a necessária modificação do mérito da sentença, independentemente da fundamentação adotada no
voto vencido”8.

Mas, a doutrina majoritária dizia que se o fundamento do voto fosse distinto, já eram cabíveis os infringentes9. Ou
seja, uma situação de bastante insegurança para o jurisdicionado.
E em todos esses casos de dúvida, reitere-se, poderia haver um grande prejuízo à parte: (a) se opostos os
infringentes indevidamente, esse recurso não seria conhecido e então haveria o trânsito em julgado do acórdão; ou (b)
não utilizados os infringentes quando cabíveis, não haveria o esgotamento das vias ordinárias10.
Em qualquer desses casos, não se chegaria ao Tribunal Superior, em uma situação na qual o voto vencido seria um
bom indicativo de que a questão decidida pelo acórdão era tormentosa.
Assim, de fato, a nova legislação processual deveria trazer uma distinta formatação para o tema, pois o modelo dos
infringentes (seja o original ou o da reforma de 2001), não estavam funcionando de forma adequada.

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Vejamos, na sequência, qual foi a opção do legislador.
3. O art. 942 do CPC/2015
Na primeira versão do projeto de Código, os infringentes eram simplesmente extintos, sem que nada fosse colocado
em seu lugar.

A Exposição de Motivos do CPC (LGL\2015\1656) (que acompanhou o anteprojeto enviado ao Senado11), no seu item
3, assim destacou:
“Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito,
doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa
extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão,
inclusive para fins de prequestionamento”.

De fato, parte da doutrina defendia a extinção do recurso12; porém, não se tratava de posição uníssona. Por exemplo,
um dos coautores deste artigo, Walter Piva Rodrigues, fez a defesa pública, durante os debates do projeto de Código,
de que o voto vencido deveria ser levado em consideração quando de sua existência13.
Assim, atendendo a essa parte da doutrina, durante a tramitação do Código, não prevaleceu a ideia inicial do projeto
de lei. Porém, não houve a manutenção do recurso de embargos infringentes.
No final da tramitação do Código, houve a inclusão do art. 942 do CPC (LGL\2015\1656), com uma solução
intermediária, uma terceira via. Nem a manutenção do recurso, nem sua simples extinção, mas sua transformação,
para uma técnica de julgamento.
A redação do dispositivo que trata do tema é a seguinte:
“Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser
designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no
regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às
partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.”
Uma pertinente interpretação do dispositivo e feita por Zulmar Duarte, que destaca se tratar de uma “alteração do rito
procedimental”, quando houver o voto vencido14:
“De fato, o voto vencido deixou de justificar a abertura de uma via recursal autônoma (embargos infringentes), para
derivar em uma alteração do rito procedimental, um novo artifício para formação de maioria qualificada. (...)
Diversamente, temos um só recurso ou ação (apelação, rescisória e agravo, nas hipóteses respectivas), cujo
julgamento é iniciado e obstado pela presença de dissidência no órgão julgador, reiniciando em tal julgador
revitalizado em seu tônus conjuntivo (aumento dos membros julgadores). É continuidade de julgamento e não novo
julgamento sobre o já julgado pelo tribunal.”
Ainda que bem mais simples que o sistema dos infringentes existente no Código anterior, o art. 942 também traz
situações de dúvidas. Algumas dessas dúvidas, inclusive, já começam a ser definidas pelo STJ.
Vejamos algumas das polêmicas decorrentes do novo sistema:
1) O julgamento estendido abarca apenas a parte em que houve voto vencido, ou todo o julgamento?
O Código não responde expressamente a essa indagação. Mas a doutrina vem se manifestando no sentido de que,
considerando a renovação do julgamento, ser possível, novamente, todo o debate: seja de admissibilidade, seja de
mérito, sendo possível inclusive a revisão dos votos daqueles que já julgaram15.
Inclusive, portanto, caso um tema não tenha sido apreciado no julgamento original, seria possível sua análise quando
do julgamento estendido.
2) Se o voto vencido surgir apenas nos embargos de declaração, haveria o julgamento estendido?
Imaginando que, no julgamento da apelação, a votação foi unânime, mas, diante da oposição de declaratórios, surja
um voto vencido. Nesse caso, haveria o julgamento estendido?
O Código não enfrenta o assunto, existindo divergência jurisprudencial acerca do tema. A jurisprudência do STJ
começa a indicar que se tem o julgamento estendido também nesse caso16.
3) A distinção do julgamento estendido entre apelação (caput do art. 942, qualquer voto vencido) e agravo de
instrumento (§ 3º, II do art. 942, somente admitido no de “reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito”), é
justificável?
Ou seja, há um tratamento não isonômico quando se tem o julgamento do mérito na apelação e o julgamento do
mérito no agravo de instrumento.
Nessa linha, há julgados e autores entendendo pela aplicação do julgamento estendido, somente se houver reforma
da decisão, mesmo no caso de apelação17, o que indubitavelmente nos relembra das polêmicas vistas em relação aos

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infringentes, conforme tratado no tópico anterior.
4) Se a ação rescisória fora apenas parcial, e não totalmente procedente, haveria o julgamento estendido?
Novamente, considerando que o Código não foi absolutamente expresso acerca do tema no § 3º, I, se uma rescisória
for parcialmente procedente (por exemplo, somente em relação a um dos capítulos da decisão rescindenda), ainda
assim haveria o julgamento estendido?
Nova polêmica, esta enfrentada pelo Enunciado 63/CJF: “A técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC
(LGL\2015\1656) aplica-se à hipótese de rescisão parcial do julgado”.
De fato, todas essas dúvidas (dentre outras) existem e demandam debate, reflexão e solução. E até sua efetiva
pacificação pelo STJ, haverá discussão, divergência e mais morosidade quando houver algum voto vencido e essas
situações de dúvida.
Mas, isso seria o suficiente para se revogar o artigo? Ou melhor seria alguma correção legislativa, mas com a
manutenção do julgamento do estendido?
Vejamos a seguir o movimento legislativo que hoje está em trâmite no Congresso.
4. Proposta legislativa de extinção do julgamento estendido

Em junho de 2020 foi apresentado na Câmara dos Deputados o PL 3055/202018, que busca acabar com o julgamento
estendido.
O projeto, de autoria do deputado Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR), tem apenas dois artigos, com a seguinte
redação:
“Art. 1º Fica revogado o art. 942 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (LGL\2015\1656) – Código de Processo
Civil.
Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.
Na própria justificação do projeto há menção a pontos positivos e negativos quanto ao instituto do julgamento
estendido.
Em relação aos positivos, colhe-se o seguinte:
“A referida técnica por objetivos (1) evitar o isolamento de determinada posição no órgão colegiado, permitindo que
prevaleça o voto minoritário; (2) buscar maior uniformidade no referido órgão, o que proporcionaria maior segurança
jurídica; (3) contribuir para exaurir ou mitigar a divergência entre julgadores”.
Dentre os negativos – para o autor do projeto, por certo em maior número – são apresentados quatro argumentos, a
saber:
1) “(...) embora supra lacuna deixada pelos embargos infringentes, não é recurso. O julgamento, portanto, só se
conclui após a ampliação do colegiado, o que traz à baila, por exemplo, a questão de saber se é possível aos
magistrados que já tenham se pronunciado, a modificação de seus votos (como autoriza o § 2º do art. 942) em relação
à matéria sobre a qual não houve divergência (o que, em princípio seria permitido, a teor do § 1º do art. 941).”
2) “(...) não sendo possível prosseguir no julgamento na mesma sessão, a matéria deve ser reincluída em pauta,
respeitando-se a antecedência mínima de cinco dias (CPC (LGL\2015\1656), art. 935).”
3) “(...) há distinção da amplitude da matéria que enseja a ampliação do colegiado: na apelação, basta a divergência,
que pode abranger inclusive as preliminares ao mérito; no agravo de instrumento, as divergências sobre
admissibilidade, o desprovimento ou a anulação por maioria, em tese, não justificam o emprego da técnica. Na ação
rescisória, a matéria é remetida “a órgão de maior composição”, o que dá a impressão de que, exclusivamente nesta
hipótese, será realizado novo julgamento, uma espécie de remessa necessária.”
4) “(...) o caráter impositivo da norma vai de encontro ao princípio da celeridade processual, diuturnamente
proclamado como linha mestra a ser seguida tanto pelos órgãos de prestação jurisdicional quanto pelo legislador, ao
apresentar proposições relacionadas a matéria processual.”

Diante disso, lastreado no magistério de Alexandre Freitas Câmara19, assim se conclui na justificativa20:
“a ampliação do colegiado suscita as mais acesas controvérsias, sendo comum a afirmação de que, a despeito das
possíveis vantagens que pretendera trazer ao processo civil brasileiro, são tantos os problemas a ele carreados que
melhor seria se o legislador não a houvesse introduzido no código.”
Em nosso entender, com a devida vênia às vozes em contrário, não se mostra adequada a pura e simples revogação
do art. 942. Eventualmente, adequações, mas não sua exclusão. Exporemos nossos motivos na sequência.
5. A necessidade de manutenção do julgamento estendido
Conforme exposto anteriormente, está pendente no Congresso Nacional projeto de lei que revoga o disposto no artigo
942 do CPC/2015 (LGL\2015\1656).

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Portanto, a novel regra de julgamento estendido no caso de voto vencido, poucos anos após sua vigência, já é objeto
de projeto para sua revogação.
Como se sabe, o princípio da colegialidade é regra que mantém a imparcialidade da magistratura que convém ser
mantida a qualquer custo, ressalvadas as devidas exceções, nítida e claramente definidas em lei.
Resta, portanto, sair em defesa da manutenção do dispositivo que se extrai da lei processual vigente.
Mais ainda.
Superou-se, com acerto no CPC (LGL\2015\1656) 2015, aquela ideia, data maxima venia, extravagante que consiste
em eliminar o maior número dos recursos que compõem o sistema de recorribilidade diante de decisões judiciais,
sobretudo, em atenção ao princípio que impõe a celeridade dos julgamentos.

Em momento anterior, um dos coautores deste texto assim se manifestou21:


“Os cidadãos não podem ser privados da exata extensão do princípio do duplo grau de jurisdição se não for
observado o julgamento do Colegiado em sua composição estendida quando não houver unanimidade no plano do
direito, mas sobretudo em relação às questões controvertidas sobre fatos. O esgotamento do Colegiado exige nessas
circunstâncias o ‘ajuntamento’ de todos que compõem a Câmara (cinco membros)”.
Isso se explica pela necessidade da “liturgia dos Tribunais Superiores” em erigir o prequestionamento e a discussão
de matéria fática como impeditivos de acesso dos cidadãos à instancia soberana.
Ou seja, considerando que os Tribunais Superiores apenas discutem tese jurídica, a última oportunidade de debater
fatos e provas é no âmbito do Tribunal de 2º grau. E, muitas vezes, a divergência que acarreta um voto vencido
decorre exatamente da análise dos fatos e provas – que, portanto, não será analisada pelo tribunal superior.
Para ilustrar a afirmação, basta exemplificar com uma situação concreta, inclusive mencionada na exposição pública
mencionada na rota de rodapé 13: narrou-se no referido evento uma situação de erro médico, em que o coautor deste
trabalho, atuando como terceiro magistrado e considerando não se convencer quanto às conclusões do laudo pericial,
votou de forma minoritária (2 x 1, portanto). Existindo à época embargos infringentes, o recurso foi provido e a
conclusão foi no sentido inverso, sendo que os dois novos julgadores acompanharam a então minoria, principalmente
à luz da análise das provas.
Ora, não existindo a possibilidade de julgamento estendido, para receber novos julgadores que poderão se manifestar
sobre a prova, é certo que o recurso especial interposto desse acórdão por maioria de dois votos a um não traria nova
reflexão acerca da prova dos autos (considerando a Súmula 7/STJ), o que não nos parece a solução mais adequada
para o sistema.
Ademais, a proposta de alteração legislativa vem desacompanhada de estatísticas para que se identifique quantos
casos se tem o voto vencido.
Nesse sentido, fundamental, para a legitimidade de alterações como a proposta, que viesse acompanhada de uma
estatística convincente tendo como fonte a Magistratura, o Ministério Público, os Defensores Públicos, os Advogados
e os Servidores da Justiça. Chega de alterar a lei procedimental sem consultas prévias a entidades representativas
desses profissionais!
Firme nessas premissas, não nos parece que a proposta, tal como lançada, seja conveniente. Muito mais adequado,
em nosso sentir, seria o aprimoramento do dispositivo legal, para enfrentar as polêmicas e dificuldades decorrentes de
sua aplicação, a partir de algumas situações indicadas no tópico 2.
6. Conclusões
Pelo que se expôs, é possível concluir o quanto segue:
(i) Considerando as diversas dúvidas decorrentes de sua aplicação, de fato necessária uma revisão em relação ao
recurso de embargos infringentes.
(ii) Ainda que inicialmente o projeto de novo Código simplesmente extinguisse o recurso de embargos infringentes,
houve a inserção da técnica de julgamento (art. 942) no CPC/2015 (LGL\2015\1656): assim, havendo voto vencido,
haverá ampliação do quórum de julgamento.
(iii) Persistem dúvidas quanto à aplicação da técnica de julgamento estendido – ainda que em menor número e com
consequências menos graves que no sistema anterior.
(iv) É relevante que haja atenção ao voto vencido, que inclusive se verifica com uma frequência bastante reduzida nos
Tribunais. Nesse contexto, conveniente que haja nova manifestação, no âmbito do próprio Tribunal intermediário,
acerca do voto vencido.
(v) Portanto, ainda que sejam possíveis (e recomendáveis) aprimoramentos ao art. 942 do CPC/2015
(LGL\2015\1656), não nos parece conveniente sua pura e simples revogação, como consta de projeto de lei em
trâmite na Câmara dos Deputados.

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1 .Salvo nas hipóteses de julgamento monocrático previstas no art. 932, III, IV e V do CPC/2015 (LGL\2015\1656).
Mas vale destacar que, em quantidade, os julgamentos monocráticos são mais frequentes que as decisões
colegiadas.

2 .Vale lembrar que os embargos infringentes passaram de simples pedido de reconsideração a recurso no direito
português, e foram acolhidos na maioria dos Códigos brasileiros (cf. DUARTE, Zulmar. Comentários ao CPC/2015:
execução e recursos. São Paulo: Método, 2018. p. 615).

3 .Conferir, por todos, BOTELHO, Paula Soares. Os novos problemas dos embargos infringentes. São Paulo: Quartier
Latin, 2008. passim.

4 .Nesse sentido, a doutrina costumava dizer que o recurso somente seria cabível se “houvesse empate na votação”,
ou seja “Digamos que esse é um critério futebolístico, porque: a) os embargos infringentes não se admitirão se houver
uma vitória por 3 x 1 (os dois vencedores e o prolator em 1o grau contra o voto vencido); b) eles serão admissíveis
quando o resultado final for um empate por 2 x 2 (o juiz inferior e o voto vencido na apelação, contra os dois votos
vencedores)” (DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma da reforma. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 198. nota
1).

5 .Súmula 255/STJ: “Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando
se tratar de matéria de mérito”.

6 .Processo Civil. Recurso especial. Embargos infringentes. Agravo de instrumento. Decisão de liquidação de
sentença. Cabimento. 1. É cabível a interposição de embargos infringentes em face de acórdão não unânime que, ao
julgar agravo de instrumento, reforma decisão proferida em liquidação de sentença quando decidida matéria de
mérito. Não é a natureza do recurso, mas o conteúdo da matéria decidida, que define o cabimento dos embargos
infringentes, conferindo-se interpretação extensiva ao art. 530 do CPC (LGL\2015\1656). 2. Recurso especial provido.
(REsp 1.298.081, rel. Min Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 03.08.2012).

7 .Nesse sentido, o seguinte julgado, bem analisou essa situação (Informativo 502/STJ – grifos nossos): “Embargos
infringentes. Matéria formalmente processual. Teoria da asserção. A Turma decidiu que cabem embargos infringentes
contra acórdão que, por maioria, acolhe preliminar de ilegitimidade passiva e reforma sentença para extinguir a ação
sem julgamento do mérito. Assim, em respeito ao devido processo legal, o art. 530 deve ser interpretado harmoniosa e
sistematicamente com o restante do CPC (LGL\2015\1656), admitindo-se embargos infringentes contra decisão que, a
despeito de ser formalmente processual, implicar análise de mérito. Para a Min. Relatora, adotando a teoria da
asserção, se, na análise das condições da ação, o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na
petição, depois de esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da controvérsia.
Na hipótese, o juiz de primeiro grau se pronunciou acerca da legitimidade passiva por ocasião da prolação da
sentença, portanto depois de toda a prova ter sido carreada aos autos. REsp 1.157.383-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 14/8/2012”.

8 .O debate foi o seguinte: se houve provimento do recurso para minorar indenização, com voto vencido para afastá-
la, os embargos infringentes seriam cabíveis? A questão, por maioria, foi assim decidida (Informativo 500/STJ, grifos
nossos) “embargos infringentes. Cabimento. O interesse do apelado em opor embargos infringentes depende do
provimento não unânime da apelação, com a necessária modificação do mérito da sentença, independentemente da
fundamentação adotada no voto vencido. No caso, trata-se de ação para reparação de danos morais e materiais
formulada pelas filhas de vítima de disparo de arma de fogo em shopping center. A sentença condenou a empresa ré
ao pagamento de indenização por dano moral e fixou pensão mensal em favor das autoras, além dos honorários
advocatícios. No julgamento das apelações, a sentença foi reformada para diminuir o valor da pensão (pedido
formulado pelo shopping center) e aumentar os honorários advocatícios (pedido das autoras). Após esse julgamento,
foram interpostos recursos especiais por ambas as partes. Em julgamento monocrático, o recurso especial das
autoras da ação não foi conhecido ao argumento de que a modificação do valor da pensão demandaria revolvimento
de matéria de fato, inviável na instância especial (enunciado da Súm. n. 7/STJ). Já o recurso da empresa ré não foi
conhecido por não ter exaurido a instância de origem (enunciado da Súm. n. 281/STF), pois não foram opostos
embargos infringentes. A empresa opôs embargos de declaração da decisão monocrática de não conhecimento do
recurso especial e estes foram recebidos pelo Min. Relator como agravo regimental, ao qual negava provimento. O
Min. Marco Buzzi inaugurou a divergência ao argumento de que, no caso, não seriam cabíveis os embargos
infringentes no tribunal de origem, pois o acórdão manteve a condenação fixada em primeiro grau, apesar de ter sido
em padrões diferentes dos da sentença. O Min. ponderou que o cabimento dos embargos infringentes segundo o
art. 530 do CPC (LGL\2015\1656), com a redação dada pela Lei n. 10.352/2001 (LGL\2001\332), depende de
julgamento colegiado que reforme o mérito da sentença. Asseverou, ainda, que o voto vencido não precisa ser
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idêntico à sentença, mas deve confirmar o seu resultado independentemente das razões utilizadas. Além desses
pontos, o Min. Marco Buzzi aduziu que o eventual interesse recursal na oposição dos embargos infringentes sempre
será do apelado, nunca do apelante, pois o manejo do referido recurso depende de provimento não unânime da
apelação, nos moldes já mencionados. Dessa forma, sendo apelante a empresa e considerando o conteúdo do
acórdão recorrido, não lhe seria exigível a oposição dos embargos infringentes antes da interposição do recurso
especial. Com esses e outros fundamentos, a Turma, por maioria, deu provimento ao agravo regimental para
desconstituir a decisão monocrática que não conheceu dos recursos especiais. Precedentes citados: REsp 1.284.035-
MS, julgado em 12/6/2012, e REsp 869.997-RS, DJe 17/11/2008. EDcl no REsp 1.087.717-SP, Rel. originário Min.
Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. Marco Buzzi, julgados em 19/6/2012.”

9 .Por exemplo, ARAKEN DE ASSIS assim afirmava: “É desnecessário que o voto dissidente seja oposto ao da
maioria. Basta que seja diferente. Por exemplo: ao apreciar o pedido de condenação do réu a indenizar o dano
extrapatrimonial sofrido pelo autor, a maioria dá provimento à apelação para fixar o montante indenizatório em cem
salários mínimos, enquanto o voto divergente estima adequado o valor de cinquenta salários mínimos. (...) O objetivo
dos embargos consiste em fazer prevalecer a orientação do voto vencido” (Aspectos polêmicos e atuais dos recursos
cíveis, v. 9. NERY JR., Nelson; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (Coord.). Embargos infringentes. São Paulo: Ed.
RT, 2006. p. 25). ALEXANDRE FREITAS CÂMARA defendia o seguinte: “Se (...) o voto vencido tivesse sido no sentido
de também reformar a sentença de mérito, mas para condenar o demandado a pagar ao demandante um valor
diferente daquele declarado nos votos vencedores, os embargos infringentes, também aqui limitados pelo voto
vencido, somente permitiriam a reforma da decisão para que – ainda uma vez buscando fazer prevalecer o voto
vencido – fosse modificado o valor da condenação para que prevalecesse aquele declarado no voto minoritário”
(Lições de Direito Processual Civil, V. II. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 117-118). E PAULA BOTELHO
SOARES, em monografia específica sobre o tema, assim se manifestou: “Questão polêmica que devemos enfrentar é
se, para o cabimento dos embargos infringentes, basta que o acórdão não-unânime da apelação não confirme a
sentença de mérito, ou se é necessário, ainda, que haja coincidência entre o voto dissidente – sobre o qual se apoiará
o recurso – e a sentença. (...) a interpretação que parece ser mais coerente quanto ao art. 530 do CPC
(LGL\2015\1656) é a de que, para o cabimento dos embargos infringentes, basta que o acórdão da apelação tenha
reformado a sentença de mérito, pouco importando se o voto divergente foi ou não no mesmo sentido da decisão
proferida pelo juízo de 1º grau. (...) Assim, entendemos que a divergência a que faz menção o art. 530 do CPC
(LGL\2015\1656), como condição ao cabimento dos embargos infringentes, é aquela entre os votos majoritários do
acórdão da apelação e o voto minoritário, pouco importando, dessa forma, para a configuração do desacordo, o
conteúdo da sentença, desde que esta tenha sido reformada, no mérito, pelo acórdão da apelação”. (Os novos
problemas dos embargos infringentes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 44-46).

10 .Súmula 207/STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão
proferido no tribunal de origem”.

11 .Ainda que tenham ocorrido diversas alterações entre o projeto e o texto final, não houve atualização da exposição
de motivos; de qualquer forma, é um documento importante para contextualizar o Código, não devendo ser
desconsiderado.

12 .Por todos, cf. BARBOSA MOREIRA. (Novas vicissitudes dos embargos infringentes. Revista de Processo, São
Paulo, v. 28, n. 109, jul.-ago. 2004. p. 113).

13 .Nesse sentido, por exemplo, manifestação pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado de SP, por
indicação do então Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Desembargador José Bedran), para
que se manifestasse – na condição de Desembargador do TJSP e Professor de Direito Processual da USP. O evento
foi organizado pelo então relator do Código de Processo Civil na Câmara, Deputado Sérgio Barradas Carneiro.

14 .Comentários ao CPC/2015. Execução e recursos. 2. ed. São Paulo: Método, 2018. p. 651.

15 .Nesse sentido, LEONARDO GRECO (Instituições de Processo Civil: Recursos e Processos de Competência
Originária. Vol. 3, 2016. p. 188.

16 .Em decisão por maioria, vale conferir a seguinte ementa (ainda apenas de Turma e não de Seção ou da Corte
Especial – grifos nossos): “Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e morais. Técnica de
julgamento ampliado. Apelação provida por unanimidade. Embargos de declaração rejeitados por maioria. Voto
vencido que altera o resultado inicial da apelação para negar-lhe provimento. Necessidade de formação da maioria
qualificada. Efeito integrativo dos embargos de declaração. Recurso especial provido. 1. A controvérsia recursal cinge-
se a definir se a técnica de julgamento ampliado prevista no art. 942 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) aplica-se quando
os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o
condão de alterar o resultado inicial da apelação. 2. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação
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de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto
vencido de alterar a conclusão inicial. 3. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) aplica-se nos
embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for
suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios
(se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso. 4.
Recurso especial provido. (REsp 1.786.158/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/ Acórdão Ministro Marco Aurélio
Bellizze, 3ª T., j. 25.08.2020, DJe 01.09.2020)”.

17 .Nesse sentido, o TRF2 já decidiu que só cabe julgamento estendido no caso de reforma da sentença, na apelação
cível 0004041.89.2010.4.02.5101, tese que recebeu a adesão de José Roberto de Albuquerque Sampaio (Elogio ao
art. 942 do CPC (LGL\2015\1656). O uso saudável da técnica. Revista Emerj, v. 20, n. 79, p. 159-180, maio/ago.
2017).

18 .Disponível em: [www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2254254].

19 .“O exame das técnicas de ampliação do colegiado mostram, a meu ver muito claramente, que há tantas
dificuldades e problemas na sua implementação que, em verdade, seu emprego não se justifica. Eventuais vantagens
que essa técnica poderia, na prática, trazer para o resultado do processo são, certamente, canceladas por todas as
dúvidas e dificuldades operacionais que acarreta, especialmente nos tribunais de pequeno porte (onde convocar
magistrados pode ser uma tarefa inglória)” (A ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes. Revista dos
Tribunais, v. 251, p. 251-266, ago. 2018).

20 .Disponível em: [www.camara.leg.br/noticias/693806-proposta-revoga-artigo-do-cpc-que-preve-ampliacao-de-


colegiado-em-julgamento-de-apelacao/].

21 .RODRIGUES, Walter Piva. O princípio da colegialidade das decisões nos tribunais. Rev Dialetica de Direito
Processual, v. 1, p. 177-178.

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