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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RELATOR DA 7ª

CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS.

Processo n.: 5603235-09.2023.8.09.0000


Agravante: Tribunal de Contas do Estado de Goiás
Agravado: Estado de Goiás

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE GOIÁS, órgão de


controle externo, de estatura constitucional autônomo, inscrito no CNPJ sob o nº
02.291.730/0001-14, com sede em Goiânia, Estado de Goiás, na Avenida Ubirajara
Berocan Leite, nº 640, Setor Jaó, CEP: 74.674-015, por meio do Diretor Jurídico in fine
assinado, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, nos termos do art. 20, IV, do
Regimento Interno do TJ-GO, interpor

AGRAVO INTERNO

em face da decisão proferida no evento 25 destes autos, que deferiu a


liminar pleiteada, para determinar a suspensão dos efeitos do Despacho nº 526/2023,
proferido pelo Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, Edson José Ferrari,
nos autos do processo administrativo n.º 202300047002207, pelas razões de fato e de
direito a seguir articuladas.

Goiânia, 07 de novembro de 2023.

BRUNO CARNEIRO LEÃO DE OLIVEIRA


Diretor Jurídico
OAB/GO 36837
Diretoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – juridico@tce.go.gov.br
Av. Ubirajara Berocan Leite, 640, St. Jaó Goiânia-GO - Cep 74.674-015 - (62) 3228-2000
RAZÕES DO AGRAVO INTERNO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS,


COLENDA CÂMARA CÍVEL,
NOBRES DESEMBARGADORES,

I. DA TEMPESTIVIDADE.

A decisão agravada foi prolatada em 27/10/2023, sendo que até o presente


momento ainda não houve a efetiva comunicação da decisão, a qual desde já se recorre,
pelo potencial danoso que pode causar a vigência de efeitos da liminar deferida.

II. DA LEGITIMIDADE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE


GOIÁS PARA INTEGRAR O POLO PASSIVO DO PROCESSO.

No que se refere à legitimidade passiva da presente ação, não se pode


olvidar que a decisão administrativa guerreada, conquanto de autoria monocrática do
nobre conselheiro Edson Ferrari, foi realizada no regular exercício do controle externo a
cargo do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, ex vi das competências que lhe são
atribuídas pela Constituição Federal.

Desse modo, considerando que o princípio da impessoalidade preconiza


que os atos e provimentos da Administração Pública são imputáveis não ao servidor que
os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome da qual agiu o servidor,
inafastável que o Tribunal de Contas do Estado de Goiás deve integrar o polo passivo da
demanda, na defesa do seu interesse e no resguardo de suas prerrogativas e competências
institucionais.

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Vale dizer, se a demanda visa suspender ato da Corte de Contas, a ação
deve ser voltada também em face do TCE-GO, sob pena de lhe serem suprimidos os
direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, inerentes ao processo judicial.

A propósito, é pacífica a jurisprudência no sentido de que os tribunais de


contas possuem personalidade judiciária para atuar em juízo na salvaguarda de suas
prerrogativas funcionais, sobretudo quando há litígio com outros órgãos ou Poderes do
Estado de cuja mesma estrutura integrem. Veja-se:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUNAL DE CONTAS. CAPACIDADE


JUDICIÁRIA. PRAZO EM DOBRO. RECONHECIMENTO. EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO. REQUISITOS. INOCORRÊNCIA.
1. Os Tribunais de Contas, no exercício da capacidade judiciária que lhes
confere poderes para estar em juízo na defesa de suas prerrogativas, bem como
para figurar como autoridade impetrada em mandado de segurança, detêm a
prerrogativa da dobra do prazo a que se refere o art. 183 do CPC/2015.
Rejeitada a preliminar de intempestividade dos embargos agitada em
contrarrazões.
2. Sanado vício na representação processual, a teor do disposto no art. 935,
parágrafo único, do CPC/2015.
3. Os embargos de declaração têm ensejo quando há obscuridade, contradição,
omissão ou erro material no julgado, a teor do disposto no art. 1.022 do
CPC/2015.
4. Hipótese em que não há no acórdão nenhuma situação que dê amparo ao
recurso integrativo.
5. Embargos de declaração rejeitados.
(Superior Tribunal de Justiça. EDcl no AgRg no AREsp n. 532.941/GO,
relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 18/10/2016, DJe
de 23/11/2016.)

[...]
8. O Tribunal de Conta do Distrito Federal é órgão constitucional a quem se
atribui, por exceção, personalidade judiciária para defesa de suas prerrogativas
e competências exatamente pela possibilidade de litígio com outros órgãos
igualmente elevados do Poder Público que pertençam à mesma pessoa
política. [...]
(Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.305.834/DF, relator Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, DJe de
30/11/2016.)

Nessa vertente, havendo nítido conflito de interesses entre o Estado de


Goiás – autor da ação, e o Tribunal de Contas que pertence a própria administração direta

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do Estado de Goiás, quanto ao resultado útil da demanda, importa que o TCE-GO seja
incluído no polo passivo do presente para que possa defender seu mister.

III. SÍNTESE DOS FATOS.

O Estado de Goiás, ora Agravado, impetrou o Mandado de Segurança, com


pedido liminar (autos n. 5603235-09.2023.8.09.0000), cujo objeto é a concessão da
segurança, para que seja declarada a nulidade do Despacho nº 526/2023, proferido nos
autos do TCE/GO nºs 202300047002207/309-09, pelo Conselheiro Edson Ferrari, que,
cautelarmente, determinou à Secretaria de Estado da Saúde que promovesse a sustação
dos procedimentos de chamamentos públicos instaurados por meio dos Editais de
Chamamentos Públicos nºs 01/2023-SES/GO, 02/2023-SES/GO, 03/2023-SES/GO e
04/2023-SES/GO, em face de irregularidades verificadas nos referidos instrumentos
convocatórios.

O pedido de liminar inicialmente FOI DENEGADO pela Juíza


Substituta em Segundo Grau, Dra. Sirlei Martins da Costa (Evento 4).

Ato sequencial, o Estado de Goiás apresentou pedido de reconsideração


(Evento 20), pugnando pela concessão da tutela provisória pleiteada na inicial,
consistente na imediata suspensão dos efeitos do ato coator (Despacho nº 526/2023, do
Tribunal de Contas do Estado de Goiás), até a incursão no mérito do mandamus.

O Desembargador Relator, sob a alegação de exercício de “juízo de


retratação”, deferiu o pedido liminar para determinar a imediata suspensão dos efeitos do
Despacho nº 526/2023, proferido pelo Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de
Goiás, Edson José Ferrari, nos autos do processo administrativo n.º 202300047002207,
até julgamento definitivo de mérito (movimentação nº 25).

Cumpre informar que o ora Agravado manejou Pedido de Suspensão de


Liminar ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, autuado nos autos

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5606588-57.2023.8.09.0000, com fundamento no art. 4º, §7º, da Lei nº 8.437/92,
requerendo, ao final, o seguinte:

i) em atenção à plausibilidade do direito invocado e à urgência qualificada na


concessão da contracautela (art. 4º, §7º, da Lei nº 8.437/92), a concessão de
efeito suspensivo liminar – i.e., em caráter inaudita altera pars – em face da
decisão monocrática proferida nos autos do Mandado de Segurança nº
5603235-09.2023.8.09.0000, pela Juíza Substituta em 2º Grau Sirlei Martins
Costa, sendo determinado, em caráter de efeito suspensivo ativo, a imediata
suspensão dos efeitos do ato coator objeto do referido writ (Despacho nº
526/2023, de lavra do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Goiás
Edson José Ferrari;

(ii) ao final, a procedência do presente pedido de suspensão de liminar, com a


confirmação da contracautela vindicada.

O Presidente do TJGO, Des. Carlos Alberto França, decidiu nos seguintes


termos:

Ao teor do exposto, nos termos do art. 4º, § 7º, da Lei n. 8.437/1992, defiro a
liminar pleiteada para determinar a suspensão dos efeitos da decisão
proferida nos autos do mandado de segurança de protocolo n. 5603235-
09.2023.8.09.0000, até o julgamento do mérito do presente processo,
restando suspensos os efeitos da decisão cautelar proferida pelo Conselheiro
Edson José Ferrari, do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, que determinou
a suspensão do procedimento desencadeado pelo pelo Edital de Chamamento
Público nº 01/2023-SES/GO. Por consequência, fica liberado o normal
prosseguimento do procedimento do referido Chamamento Público.
Ouça-se a parte requerida e a douta Procuradoria-Geral da Justiça, no prazo
de 72 (setenta e duas) horas. (grifo no original).

O Conselheiro Edson José Ferrari, após ter sido intimado para manifestar-
se em 72 horas, apresentou sua Manifestação no Evento 16 daqueles autos.

Por oportuno, será demonstrado o desacerto na Decisão do Excelentíssimo


Senhor Desembargador Relator, a qual merece reforma, no sentido de que seja suspensa
a liminar concedida e, por consequência, mantida vigente a cautelar expedida pelo
Conselheiro do Tribunal de Contas.

IV. DO CABIMENTO DO AGRAVO INTERNO.

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O Agravo Interno é uma espécie recursal que visa impugnar as decisões
monocráticas proferidas, em regra, pelo relator de processos em Tribunal, como no caso
dos autos, em que o Desembargador relator concedeu a liminar, requerida no pedido de
reconsideração.

Nesse sentido, o recurso de Agravo Interno é previsto no Regimento


Interno do TJGO, art. 20, inciso IV:

Art. 20. Compete às Câmaras Cíveis: [...]


IV - os agravos internos interpostos das decisões do Presidente ou de relatores
em processos de sua competência; (grifo nosso).

Portanto, em se tratando de decisão monocrática de Relator para concessão


de liminar, é cabível o presente Agravo Interno, cuja competência para processar e julgar
é da 7ª Câmara Cível deste egrégio Tribunal de Justiça.

V. DAS RAZÕES DA REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA.

V.1. DA UTILIZAÇÃO DO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO COMO


SUCEDÂNEO DO RECURSO DE AGRAVO. IMPOSSIBILIDADE.
NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO.

Denota-se da decisão agravada que houve o exercício de juízo de


retratação com fundamento no artigo 1.021, § 2º, do Código de Processo Civil. Prevê a
referida norma:

Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o
respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras
do regimento interno do tribunal. (...)
§ 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para
manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual,
não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado,
com inclusão em pauta.

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O Agravado manejou pedido de reconsideração, expediente esse que
carece de fundamentação legal, em face da decisão da Juíza Substituta em Segundo Grau,
Dra. Sirlei Martins da Costa que, ressalte-se, DENEGOU a liminar pleiteada em sede de
Mandado de Segurança.

O Relator do processo, competente, em tese, para julgar o pedido, por meio


de Decisão Preliminar, evocou a legislação referente ao agravo interno para exercer
suposto juízo de retratação.

Ocorre que o pedido efetuado pela parte nunca teve a pretensão de se


convolar em agravo interno. E ainda que o fosse, conforme o próprio dispositivo citado
pelo Relator, deveria ter ocorrido a prévia manifestação deste Tribunal de Contas.

Mister destacar que a lei deve ser utilizada conforme as finalidades para a
qual se destina. Se a intenção do legislador não almeja aquela finalidade, não pode o
destinatário da norma transverter o seu objetivo, sob pena de torná-la muito aberta e até
mesmo de aplicá-la de forma ilegal.

Desse modo é incabível a invocação das normas referentes ao agravo


interno para conceder efeito liminar a um simples pedido de reconsideração protocolado
pela parte adversa.

Dessa forma, haja vista que o remédio utilizado pelo Estado de Goiás para
se insurgir contra a decisão que INDEFERIU a liminar pleiteada em ação mandamental,
não é o adequado (caberia o agravo endereçado ao órgão competente) deve ser julgado
extinto. Até mesmo porque não cabe a aplicação, no caso, do princípio da fungibilidade
recursal, considerando que se trata, propriamente, de erro grosseiro, já que não há dúvida
sobre qual recurso seria o correto a ser utilizado.

Logo, resta claro que o Agravado usou do artifício do pedido de


reconsideração como sucedâneo recursal do Agravo, recurso cabível contra decisão do
Relator, em Mandado de Segurança, que denega a concessão de liminar.

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Não se pode olvidar que, para que seja aplicado o princípio da
fungibilidade recursal, os requisitos do recurso que deveria ter sido interposto devem estar
presentes no recurso interposto erroneamente e que será recebido como se o correto fosse.
No caso dos autos, contra a decisão que denegou a concessão de liminar caberia,
indubitavelmente, o recurso de Agravo Interno. Há previsão expressa tanto no Código
de Processo Civil (art. 1.021), quanto na Lei do Mandado de Segurança (art. 16,
parágrafo único), assim como no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado
de Goiás (art. 20, IV).

Assim, claramente, o meio utilizado pelo Estado de Goiás para combater


tal decisão, qual seja, “pedido de reconsideração”, trata-se de ERRO GROSSEIRO, que
enseja a reforma da decisão que concedeu a liminar por meio de instrumento inadequado
e, portanto, ilegal.

Nesse sentido é a jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO


DE SENTENÇA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. APELAÇÃO.
ERRO GROSSEIRO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE.
INVIABILIDADE. 1. O Tribunal de origem decidiu em dissonância
com a jurisprudência desta Corte Superior, que entende que "a decisão
que resolve Impugnação ao Cumprimento de Sentença e extingue a
execução deve ser combatida por meio de Apelação, enquanto aquela
que julga o mesmo incidente, mas sem extinguir a fase executiva, por
meio de Agravo de Instrumento" ( REsp 1.803.176/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJe 21/05/2019)" 2.
Hipótese em que o recurso cabível seria o agravo de instrumento,
de modo que a interposição de apelação contra decisão que não
extingue a execução configura erro grosseiro e inviabiliza a
aplicação do princípio da fungibilidade. 3. Agravo interno
desprovido.

(STJ - AgInt no AREsp: 1742103 SP 2020/0206477-4, Relator:


Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 14/03/2022, T1
- PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/03/2022) (grifo
nosso).

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AGRAVO INTERNO NA PETIÇÃO. PROCESSUAL CIVIL.
PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL EM VEZ DE AGRAVO INTERNO. PRINCÍPIO DA
FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos
termos do artigo 1.021 do Código de Processo Civil de 2015, o
recurso cabível para impugnar a decisão proferida pelo relator é
o agravo interno, dirigido ao respectivo órgão colegiado, e não o
agravo previsto no artigo 1.042 do referido diploma processual. 2.
A aplicação do princípio da fungibilidade depende que o recurso
equivocadamente interposto atenda a todos os pressupostos recursais
daquele que teria cabimento, o que não ocorreu na hipótese. 3.
Ademais, a interposição equivocada de recurso diverso daquele
expressamente previsto em lei, quando ausente dúvida objetiva,
constitui manifesto erro grosseiro, que inviabiliza a aplicação do
princípio da fungibilidade. 4. Agravo interno não conhecido.

(STJ - AgInt na Pet: 13567 SP 2020/0175709-8, Relator: Ministro


RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento:
07/12/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe
17/12/2020) (grifo nosso).

Diante da flagrante violação à Lei, especialmente pelo uso do Pedido de


Reconsideração como sucedâneo recursal, este Agravante desde já requer a reforma da
decisão no sentido de suspender a liminar indevidamente concedida por meio processual
inadequado e ilegítimo.

V.2. DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS QUE AUTORIZAM A CONCESSÃO


DE LIMINAR. DO PERICULUM IN MORA REVERSO.

Com a devida vênia ao nobre Desembargador Relator, a solução adotada


pela magistrada a quo foi a mais prudente, naquele momento, a fim de se aguardar a
análise do mérito da demanda, para, com mais tempo e por meio de uma análise
aprofundada, adotar uma posição firme sobre a questão, até mesmo porque a maioria das
decisões de controle (sejam elas de ordem administrativa – TC’s, ou judicial), são
contundentes ao considerar ilegais chamamentos públicos de pessoas jurídicas, sem fins
lucrativos, para o gerenciamento, a operacionalização e a execução de ações e serviços

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de saúde em unidades hospitalares públicas, com base na Lei n.º 13.019/2014, que
estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as
organizações da sociedade civil.

Trata-se do periculum in mora inverso, sobre o qual GALENO


LACERDA 1, ao tratar do poder cautelar geral e afirmando a prudência com que deverá
agir o juiz, assim se manifesta:

[...] as exigências contrastantes das partes com o interesse da administração


da justiça, sempre ínsito nas providências cautelares", devem ser sempre
observadas bilateralmente, eis que se encontra diretamente em jogo "o bom
nome e até a seriedade da justiça.

A doutrina 2 também ensina que "há certas liminares que trazem resultados
piores que aqueles que visavam evitar".

No caso específico, a decisão cautelar proferida pelo Conselheiro – haja


vista a ilegalidade prestes a se consumar – buscou atender, precipuamente, ao interesse
público, considerando a fragilidade dos requisitos previstos na lei n.º 13.019/2014 para a
seleção de OSC para gerir unidades de saúde públicas, considerando, ademais, que o
prejuízo para os serviços de saúde podem ser bem maiores que os benefícios que a
Administração Pública pretende auferir com a entrega dos referidos serviços a tal
entidade privada.

A lei, que deve ser seguida e aplicada adequadamente e de ofício pelo


gestor público, impõe limitações para a sua atuação, para o fim de impedir que gestores,
com o argumento de melhor aplicá-la para atender os anseios da sociedade, a transvertam
e, assim, andem à sua margem.

O argumento adotado pelo Agravado bem como utilizado como razão de


decidir não há de prosperar, pois, não há que se falar em prejuízos para a população goiana

1
LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1998.
2
ARAGÃO, Egas Moniz de. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.
42, 1990.
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acaso não deflagrados os procedimentos de chamamentos públicos em discussão, uma
vez que existe a possibilidade de prorrogação normal do contrato de gestão atualmente
em vigor, acaso ainda não tenha se atingido o interregno máximo de 12 (doze) anos,
conforme prevê o §2º do art. 6-F, da Lei estadual n.º 15.503/2005.

E, também, há a possibilidade de se realizar a prorrogação excepcional do


contrato de gestão, por até 12 meses, prazo suficiente para a escolha de nova entidade
para gerir a unidade de saúde, com base na lei adequada (Lei n.º 21.740, de 29/12/2022 -
Lei das OSS). Assim, ressalte-se, não há que se falar em prejuízos para a população
goiana, pois os contratos em vigor podem ser prorrogados até que se proceda a
regularização, no tocante à legislação correta a ser aplicada, nos editais de chamamentos
públicos que foram suspensos.

Portanto, o argumento da grave lesão à ordem e à saúde públicas não se


sustenta, na medida em que a própria legislação, ao prever situações excepcionais que
podem impactar na execução dos contratos entabulados pela Administração Pública,
prevê a possibilidade de prorrogá-los até o advento do prazo máximo ou, até mesmo,
diante de uma excepcionalidade, elastecê-los por mais 12 (meses), tempo este suficiente
para a instauração e contratação de uma nova entidade gestora de hospitais públicos, na
forma do contrato de gestão, conforme determina a lei.

As alegações no sentido de que “(i) o indevido tolhimento da


discricionariedade administrativa do gestor no sentido de adotar o design convenial que
melhor atenda ao interesse público, havendo a substituição dessa public choice por uma
instância de controle (Corte de Contas), o que fora chancelada pela decisão que ora se
busca suspender; e (ii) a perda de competitividade no chamamento público, a causar
maior risco de corrupção, além de desincentivo qualitativo à prestação de serviços”, não
podem servir de mote para que o gestor não cumpra as prescrições legais, pois isso é
vedado ao administrador público, que somente pode atuar em conformidade com a lei
(art. 37, caput, CF/88).

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No caso, conforme será demonstrado, devido à natureza complementar dos
serviços de saúde a serem repassados à iniciativa privada, determina a lei que deve ser
celebrado contratos de gestão, sendo inaplicável, portanto, a Lei n.º 13.019/2014.

Destarte, não evidenciada a GRAVE LESÃO À ORDEM E À SAÚDE


PÚBLICAS, deve a decisão objurgada neste momento, ser reformada para o fim de
suspender a liminar concedida, restabelecendo, assim, os efeitos da decisão que indeferiu
o pleito liminar.

V.3 – DA DECISÃO ADOTADA NO PROCESSO DE CONTROLE, A CARGO DO


TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE GOIÁS.

O Tribunal de Contas do Estado de Goiás, órgão de extração


constitucional, tem suas competências definidas no art. 71, da Magna Carta de 1988, que,
em suma, envolvem o controle externo da gestão administrativa e dos gastos públicos.

Tais atribuições estão, também, definidas no art. 26, da Constituição


Estadual, repetindo a norma federal.

A matéria objeto da demanda está afeta às atribuições do Tribunal de


Contas do Estado, conforme previsão contida no art. 26, da CE, in verbis:

“Art. 26 - Ao Tribunal de Contas do Estado compete: (...)

V - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado,


mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, à
União, a outros Estados, ao Distrito Federal ou a Municípios;”

Já o art. 1º, inc. VII, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de


Goiás (Lei n.º 16.168/2007), prevê, mais especificamente, a competência do Tribunal
para fiscalizar demais tipos de ajustes, verbis:

Art. 1o Ao Tribunal de Contas do Estado de Goiás, órgão de controle externo,


nos termos das Constituições Federal e Estadual e na forma estabelecida nesta
Lei, compete: (...)

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VII – fiscalizar os procedimentos licitatórios, contratos, incluindo os de
gestão, parceria público-privada, termos de parceria ou instrumentos
congêneres, convênios, ajustes ou termos, envolvendo concessões, cessões,
doações, autorizações e permissões de qualquer natureza, a título oneroso ou
gratuito, de responsabilidade do Estado, por qualquer de seus órgãos ou
entidades da administração direta ou indireta;

A fiscalização e a consequente decisão monocrática do Conselheiro,


enquanto membro do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, encontra guarida legal,
portanto, legítima. Isso porque a matéria objurgada encontra-se afetada às atribuições da
Corte de Contas, cujo mérito não pode ser adentrado por órgão do Poder Judiciário.
Apenas vícios de ordem formal, segundo a jurisprudência, podem ser levados à discussão
judicial, sob pena de invasão de competência.

Não há que se falar em substituição do administrador público a decisão


decorrente de procedimento de fiscalização legitimamente instaurado. O Tribunal de
Contas não tem a intenção de substituir o gestor, mas de orientá-lo a executar suas ações
conforme determina a legislação. Ora, se a irregularidade é latente, deve o Tribunal de
Contas atuar para afastá-la, evitando prejuízo para o erário público.

Assim, se o Tribunal de Contas se depara com indícios de ilegalidade na


ação administrativa, tem o dever de atuar para estancá-la. E, nos termos da função
atribuída ao Tribunal de Contas, tem ele o dever de orientar a atuação do administrador
(funções pedagógicas e orientativas). Logo, não pode merecer destaque a fala do
Agravado, de que o Tribunal de Contas estaria substituindo o gestor na sua public choise
(escolha), ao determinar a retificação dos editais de chamamentos públicos nos moldes
da Lei estadual n.º 21.740, de 29/12/2022 (Lei das OSS).

A atuação do tribunal respeitou o devido processo legal (atuação de ofício,


análise técnica, contraditório, decisão cautelar, intimação), não havendo se falar em vícios
de ordem procedimental, passíveis de controle judicial. O mérito do processo é que foi
levado à discussão no Poder Judiciário, matéria esta afeta ao controle a cargo do Tribunal
de Contas, conforme delimitou a Constituição Federal de 1988.

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É certo que, como bem ressaltado, a atuação do Tribunal de Contas, como
defensor da estabilidade das regras, dos contratos e da eficiência, não pode omitir-se, pois
tem a obrigação, o poder-dever de realizar o complexo de atribuições previstas no artigo
71 da CR/88. E assim agiu o Tribunal de Contas do Estado ao expedir a cautelar para
suspender os chamamentos públicos da SES, eivados de vícios de legalidade.

Trata-se a matéria submetida ao controle externo de atividade da


competência constitucional dos tribunais de contas, cujo mérito é insindicável, portanto,
ao Poder Judiciário.

Cumpre registrar, por oportuno, que o Tribunal de Contas atuou no seu


REGULAR EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO. A medida de cunho
acautelatório adotada pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás, seja de ordem
monocrática ou colegiada, foi no estrito cumprimento de sua missão constitucional de
exercer o controle externo, fiscalizando os atos e as contratações públicas sob o prisma
da legalidade, economicidade e eficiência.

Ressalte-se que esta Corte de Contas possui em seus quadros profissionais


de alta capacidade técnica, extremamente especializados e preparados para o exercício de
seu mister, de modo que todas as decisões tomadas pela corte, seja em caráter cautelar ou
definitivo, são respaldadas por instruções e pareceres de suas unidades técnicas, que
levam em consideração as especificidades técnicas de cada caso.

A atividade de controle externo é atribuída constitucionalmente ao


Tribunal de Contas. A jurisprudência é uníssona no sentido de não ser cabível a
intervenção do Poder Judiciário em assuntos afetos ao Tribunal de Contas, em questões
que dizem respeito ao mérito administrativo de atuação da Corte de Contas. Nesse
sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


INTERPOSIÇÃO EM 23.04.2020. ADMINISTRATIVO. EX-PREFEITO.
PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESCUMPRIMENTO. PENALIDADE
PECUNIÁRIA IMPOSTA. NEGATIVA DE REGISTRO DE

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APOSENTADORIAS DE SERVIDORES PÚBLICOS. CONTROLE
EXTERNO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. DISCUSSÃO SOBRE A
LEGALIDADE DO ATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. REVISÃO PELO
PODER JUDICIÁRIO. ART. 5º, XXXV, DA CF. IMPOSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. REEXAME DE
FATOS E PROVAS E DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
OFENSA REFLEXA. SÚMULA 279 DO STF. [...] 2. A atuação do Poder
Judiciário no controle do ato administrativo só é permitida quanto tal ato for
ilegal ou abusivo, sendo-lhe defeso qualquer incursão no mérito
administrativo. Precedentes. 3. Não cabe, no âmbito do recurso extraordinário,
corrigir eventual injustiça da decisão dos Tribunais de Contas. [...] (STF - AgR
RE: 1222222 RS - RIO GRANDE DO SUL 0065356-68.2019.8.21.7000,
Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 29/06/2020, Segunda
Turma, Data de Publicação: DJe-172 08-07-2020).

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro 3:

[...] não se pode colocar a decisão proferida pelo Tribunal de Contas no mesmo
nível que uma decisão proferida por órgão integrado à Administração Pública.
Não teria sentido que os atos controlados tivessem a mesma força dos atos de
controle. Pode-se afirmar que a decisão do Tribunal de Contas, se não se
iguala à decisão jurisdicional, porque está também sujeita a controle pelo
Poder Judiciário, também não se identifica com a função puramente
administrativa. Ela se coloca a meio caminho entre uma e outra. Ela tem
fundamento constitucional e se sobrepõe à decisão das autoridades
administrativas qualquer que seja o nível em que se insiram na hierarquia da
Administração Pública, mesmo no nível máximo da Chefia do Poder
Executivo.

O TRF-5 (Apelação n.º 0800612-18.2015.4.05.8401, Rel. Des. Cid


Marconi) também já se posicionou sobre essa questão, e entendeu pela impossibilidade
de o Judiciário adentrar nas matérias afetas ao controle externo, veja-se:

[...]
Por tal razão, é forçoso concluir pela impossibilidade de o Poder Judiciário
rever o mérito da decisão do Tribunal de Contas da União proferida no
exercício da competência prevista no art. 71, inciso II, da Constituição
Federal, sob pena de se esvaziá-la, frustrando o comando contido no
dispositivo constitucional citado.

Vale ressaltar que a regra do art. 5º, inciso XXXV, da CF/1988, segundo o
qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

3PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Coisa julgada – aplicabilidade a decisões do Tribunal de Contas da União. Revista
do TCU, nº 70, 1996.
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direito", é dirigida, claramente, ao legislador infraconstitucional, o que não
impede, portanto, que a própria Constituição, na distribuição das
competências, atribua a função jurisdicional a órgão não integrante do Poder
Judiciário, por meio de regra da mesma hierarquia da transcrita.

Conforme já exposto, as decisões dos Tribunais de Contas podem ser objeto


de controle judicial porque sobre elas não repousa o manto da coisa julgada e,
por se tratarem de título executivo extrajudicial, possuem presunção juris
tantum de veracidade, que poderá ser afastada caso haja a comprovação de
vício na formação do título ou manifesta ilegalidade.

Como bem ressaltou o Des. Relator, na supracitada decisão, apenas em


caso de vícios de natureza formal ou manifesta ilegalidade, pode haver o controle judicial
das decisões dos Tribunais de Contas.

Portanto, nobres Desembargadores, tendo o Tribunal de Contas agido em


conformidade com a Constituição, atuando em matérias de sua competência, onde não há
vício de forma detectado na decisão cautelar fustigada, nem manifesta ilegalidade, deve
ser revista a liminar concedida, para o fim de revogá-la, e, assim, retornar a situação ao
status quo, para manter vigente a cautelar expedida pelo Conselheiro do Tribunal de
Contas.

V.4 – DO PODER GERAL DE CAUTELA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

Cumpre salientar que compete ao Tribunal de Contas do Estado de Goiás,


nos termos do disposto no inciso VII do art. 1º da Lei estadual nº 16.168/2007 (LOTCE-
GO), fiscalizar os procedimentos licitatórios, contratos, incluindo os de gestão, parceria
público-privada e outros ajustes, de responsabilidade do Estado, por quaisquer de seus
órgãos ou entidades da administração direta ou indireta.

Compete-lhe, também, nos termos do disposto no inciso XXXII do mesmo


artigo, suspender, em sede de cautelar, a execução de atos e procedimentos, quando
preenchidos os requisitos legais.

O momento, as situações e os meios para que o Tribunal de Contas do


Estado de Goiás possa determinar medidas cautelares estão previstos no artigo 119 da Lei
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Orgânica e no art. 324, caput e parágrafos, do Regimento Interno, com redação idêntica,
conforme a seguir, ipsis verbis:

Art. 324. O Tribunal de Contas do Estado, sempre que houver risco de dano
irreparável ou de difícil reparação para o interesse público, de fundado receio
de grave lesão ao erário ou a direito alheio ou risco de ineficácia da decisão
de mérito, poderá, de ofício ou mediante provocação, motivadamente,
determinar medidas cautelares, nos termos estabelecidos neste Regimento,
determinando, entre outras providências, a suspensão do ato ou do
procedimento questionado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da
questão suscitada.

O §1º do supracitado artigo traz, ainda, a previsão de concessão da medida


sem a necessidade de prévia oitiva do fiscalizado ou dos interessados, senão vejamos:

§ 1° A medida cautelar de que trata o caput deste artigo poderá ser adotada
sem a oitiva do fiscalizado ou dos interessados, admitida inclusive a
determinação de afastamento temporário do responsável, se houver indícios
suficientes de que possa retardar ou embaraçar a realização de auditoria,
inspeção ou outro procedimento de fiscalização do Tribunal, provocar novos
danos ao Erário ou inviabilizar o ressarcimento.

O poder geral de cautela dos Tribunais de Contas, a despeito de estar


previsto tanto em suas respectivas Leis Orgânicas quanto em seus Regimentos Internos,
é também reconhecido pelo STF, conforme manifestou o Ministro Celso de Mello, ao
relatar o MS 24.510-7/2003, que reconheceu esse poder ao Tribunal de Contas da União,
aplicado aos demais Tribunais de Contas do Brasil, por comando do art. 75 da
Constituição Federal.

No âmbito do TCE-GO, o poder geral de cautela está previsto no inciso


VIII do art. 26 da Constituição do Estado de Goiás, na Lei nº 16.168/2007(LOTCE/GO)
e no Regimento Interno, nos dispositivos supracitados.

Em suas ações e procedimentos de fiscalização os Tribunais de Contas


devem atuar elaborando o seu juízo de valor levando em conta o aspecto da legalidade
(por exemplo: observância da Constituição, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei de
Licitações e Contratos, da lei que rege os contratos de gestão, da lei que rege os termos
de colaboração, das leis que regem outros ajustes, das Leis Orçamentárias, dos editais de
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concurso, dos editais de licitações e dos editais de chamamentos, das contratações diretas,
etc.) da legitimidade (observância do interesse público) e da economicidade (relação
custo-benefício e preços razoáveis).

Constatada a ilegalidade na prática do ato ou procedimento, o Tribunal de


Contas deverá adotar as medidas previstas na Constituição. No caso em análise, é o que
dispõe o inciso VIII do art. 26 e seus §§1º e 2º, da Constituição do Estado de Goiás.

Neste caso, o Tribunal de Contas deverá “assinar prazo para que o órgão
ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada
ilegalidade”; primeira parte, nos expressos termos do inciso VIII do art. 26 da
Constituição Estadual. Se não atendido, poderá sustar a execução do ato impugnado,
comunicando a decisão à Assembleia Legislativa; segunda parte do mesmo inciso e
artigo.

No caso específico, a cautelar foi adotada pelo Conselheiro Edson Ferrari,


em decisão monocrática, para o fim de impedir, temporariamente (até a análise do
mérito), a realização de chamamentos públicos instaurados pela Secretaria de Estado da
Saúde, destinados a seleção de Organização da Sociedade Civil (OSC) para o
gerenciamento, a operacionalização e a execução de ações e serviços de saúde em
unidades hospitalares públicas, com base na Lei n.º 13.019/2014. Isso diante de possível
ilegalidade na utilização da referida lei, haja vista sua inaplicabilidade para o caso.

Portanto, tem-se que a cautelar foi adotada em conformidade com as


previsões legais, não havendo se falar em ilegalidade.

V.5 - DO CASO FUSTIGADO – DA UTILIZAÇÃO DE LEI INADEQUADA PARA


A REALIZAÇÃO DE CHAMAMENTOS PÚBLICOS.

O processo de controle externo, a cargo do Tribunal de Contas do Estado


de Goiás (autos n.º 202300047002207), foi instaurado com fundamento no art. 26, inc.
V, da Constituição do Estado de Goiás que dispõe que:
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“Art. 26 - Ao Tribunal de Contas do Estado compete: (...)
V - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado,
mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, à
União, a outros Estados, ao Distrito Federal ou a Municípios;”

Não se pretende esgotar o mérito nessa estreita via, na medida em que a


discussão meritória será realizada no bojo do mandado de segurança, após a notificação
para prestar informações. Contudo, mostra-se importante tecer algumas considerações
sobre a questão travada no âmbito do Tribunal de Contas, objeto da ação mandamental e
do pedido de suspensão de liminar.

No caso, a partir de informações midiáticas de que o Governo do Estado


de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Saúde, teria publicado o Edital de
Chamamento Público nº 01/2023, para selecionar Organização da Sociedade Civil (OSC),
com contrato a ser firmado no valor mensal estimado de R$ 21.322.433,06, sendo de R$
255.869.196,72 para um contrato de 12 (doze) meses, e estimado global de R$
767.607.590,16, para um período de 36 (trinta e seis) meses de vigência da parceria, o
Conselheiro entendeu por bem fiscalizar o procedimento, haja vista os indícios de
ilegalidade que circundavam o ato.

A justificativa para a solicitação do Edital de Chamamento Público foi no


sentido de que, conforme dispõe o §2º do art. 263 do Regimento Interno do Tribunal de
Contas do Estado de Goiás, para os fins das ações de controle externo de sua competência,
com o objetivo de priorizar e individualizar os objetos a serem fiscalizados, o contrato a
ser firmado em decorrência do Edital de Chamamento Público nº 01/2023 enquadrar-se-
ia nos critérios de oportunidade (pertinência de se realizar a ação de controle),
materialidade (volume de recursos que o objeto de controle envolve) e relevância (o
objeto de controle envolve questões de interesse da sociedade, que estão em debate
público e são valorizadas).

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Chegando as informações e os documentos no Tribunal de Contas, foram
encaminhados à Unidade Técnica especializada em assuntos da saúde (Serviço de
Fiscalização da Saúde), para analisar e propor as medidas adequadas.

Referida Unidade Técnica especializada, por sua vez, se debruçou sobre o


caso e realizou um estudo aprofundado e minucioso da matéria, devido a sua extrema
importância para a sociedade (não que outras da competência do Tribunal de Contas não
são), e, ao elaborar a Instrução Técnica Conclusiva n.º 16/2023 – SERVFISC-SAÚDE
(cópia em anexo), chegou à única conclusão possível, no sentido de que os ajustes
firmados com a iniciativa privada para gerenciamento, operacionalização e/ou execução
de ações e serviços de assistência à saúde em unidades públicas, tal qual o que pretende
firmar a SES/GO para gerenciamento do HUGO, configuram a participação
complementar no Sistema Único de Saúde, o que afasta a aplicabilidade da Lei nº
13.019/2014, nos termos do seu art. 3º, IV.

Também, no mesmo relatório técnico, a Unidade competente sugeriu que


fosse adotada medida cautelar inaudita altera parte, visando suspender a realização do
Chamamento Público nº 01/2023-SES/GO, bem como de outros que se enquadrassem na
mesma situação (Chamamentos Públicos nº 02/2023-SES/GO e 03/2023-SES/GO), com
determinação para se observar os ditames da Lei estadual n.º 21.740/2022 (lei das
Organizações Sociais da Saúde – OSS), com vistas à celebração de contrato de gestão
com organização social devidamente qualificada.

E esse entendimento técnico (e não político), Doutos Julgadores, se baseou


na interpretação da legislação regente, na doutrina e na melhor jurisprudência (na
verdade, há mais decisões das Cortes de Contas e do Poder Judiciário contra a utilização
da Lei n.º 13.019/2014 para os ajustes decorrentes dos chamamentos públicos para
selecionar entidades para o gerenciamento, a operacionalização e a execução de ações e
serviços de saúde em unidades hospitalares públicas).
Com a devida prudência e sensibilidade com a gestão pública, o
Conselheiro– não atendendo a proposta da Unidade Técnica para conceder a cautelar sem

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a oitiva da parte contrária –, oportunizou a comunicação do fato ao órgão jurisdicionado,
com o fim de ouvi-lo a respeito.

Contudo, a documentação trazida aos autos após o contraditório, inclusive


após algumas reuniões realizadas no Gabinete do Conselheiro Edson Ferrari com o Sr.
Secretário de Saúde e o Procurador Setorial e, posteriormente, o Procurador-Geral do
Estado, não foi suficiente para alterar o entendimento técnico, razão pela qual a Unidade
competente manteve seu posicionamento, para expedir a cautelar necessária para
suspender os Chamamentos Públicos realizados com base na Lei n.º 13.019/2014.

Com base nesse entendimento de ordem técnica, firmado pelo setor


competente (Serviço de Fiscalização da Saúde), o Conselheiro decidiu, prudentemente,
ressalte-se, após a oitiva das autoridades envolvidas, adotar a cautelar para o fim de
suspender os atos considerados ilegais e ilegítimos, até a análise do mérito.

Releva colacionar o entendimento do Conselheiro, Relator da matéria no


âmbito do Tribunal de Contas do Estado, ao exarar a cautelar objeto da presente demanda
(Despacho n.º 526/2023 – GCEF), sob as seguintes premissas de ordem técnica:

[...]
Conclui-se, portanto, dentro do SUS, ainda que o conjunto de ações e serviços
de saúde seja prestado por órgãos e instituições públicas, toda a atuação da
iniciativa privada em atividade assistencial, qual seja, a promoção, proteção
e recuperação da saúde, é complementar.

Contudo, os instrumentos jurídicos estabelecidos pela Lei nº 13.019/2014,


por vontade expressa da Lei, não alcançam as contratualizações para fomentar
as ações de entidades filantrópicas e entidades privadas sem fins lucrativos
que atuam em complementariedade ao SUS. É o que se depreende do artigo a
seguir transcrito:

Art. 3º Não se aplicam as exigências desta Lei:


[...]
IV - aos convênios e contratos celebrados com entidades filantrópicas e sem
fins lucrativos nos termos do §1º do art. 199 da Constituição Federal.

Dessa forma, conclui-se que os ajustes firmados com a iniciativa privada para
gerenciamento, operacionalização e/ou execução de ações e serviços de
assistência à saúde em unidades públicas, tal qual o que pretende firmar a
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SES/GO para gerenciamento do HUGO, configuram a participação
complementar no Sistema Único de Saúde, o que afasta a aplicabilidade da
Lei nº 13.019/2014, nos termos do seu art. 3º, IV. (grifo nosso).

Com esses fundamentos, além de outras considerações relevantes


consignadas na Instrução Técnica Conclusiva nº 16/2023 - SERVFISC-SAÚDE, de 26
de junho de 2023 (cópia anexa), após concluir a análise do edital de Chamamento Público
nº 01/2023-SES/GO e da legislação aplicável à matéria, o Serviço de Fiscalização da
Saúde firmou entendimento de que o ajuste que a Secretaria de Estado da Saúde
(SES/GO) pretende firmar para gerenciamento, operacionalização e execução das ações
e serviços de saúde em regime de 24 horas/dia, do Hospital de Urgências de Goiás Dr.
Valdemiro Cruz (HUGO), tem caráter de participação complementar ao Sistema Único
de Saúde (SUS), o que afasta a aplicabilidade da Lei nº 13.019/2014, nos termos do inciso
IV do art. 3º.

Assim, o mesmo entendimento se aplicaria aos Chamamentos Públicos nº


02/2023-SES/GO, para a gestão do Hospital Estadual da Mulher Dr. Jurandir do
Nascimento – HEMU e nº 03/2023-SES/GO, para a gestão do Hospital Estadual de
Aparecida de Goiânia Caio Louzada – HEAPA, publicados em 16/06/2023, nos mesmos
termos do Chamamento Público nº 01/2023-SES/GO, cuja Lei utilizada como
fundamento para a seleção de entidade de direito privado, sem fins lucrativos, para gestão,
operacionalização e execução de serviços assistenciais de saúde em hospitais públicos
estaduais, é também a Lei nº 13.019/2014.

Concluiu a Unidade Técnica especializada, que os termos de colaboração


pretendidos pela Secretaria de Estado da Saúde de Goiás com os instrumentos
convocatórios analisados, amparados nos preceitos da Lei nº 13.019, de 2014, não podem
ser utilizados para formalizar os ajustes de parceria e fomento intencionados, os quais
devem ser regidos pela Lei Estadual nº 21.740, de 29 de dezembro de 2022, sendo o
Contrato de Gestão o instrumento adequado para tal finalidade.

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Assim, a decisão do Conselheiro Edson José Ferrari, que se transcreve
parcialmente, deu-se conforme o posicionamento da área técnica:

24. Nota-se, portanto, que o fator determinante para a aplicação da Lei nº


13.019/014 na área da saúde não é o local onde os serviços serão prestados,
se em unidades hospitalares próprias do Estado ou se nas instalações
particulares, nem a forma do ajuste nem, tampouco, a forma do cálculo da
remuneração.

25. O que determina a incidência da referida Lei é tão somente a natureza da


atividade a ser desempenhada. Se assistencial ela não se aplica, uma vez que
é dessa atividade que se trata o art. 199, § 1º da Constituição Federal e, pela
norma, afastada em seu art. 3º, inciso IV. Se a atividade é preventiva ela
poderá ser objeto de termos de colaboração, termo de fomento e acordos de
cooperação, na forma da Lei nº 13.019/2014.

Sobre a temática enfrentada, em reforço ao entendimento firmado pelo


Serviço de Fiscalização da Saúde do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, segue
entendimentos de outros tribunais de contas, bem como do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul.

Segundo o Tribunal de Contas da União, nos termos do enunciado,


extraído do Acórdão n.º 1.786/2022:

Acórdão nº 1.786/2022-Plenário (Representação, Relator Ministro Substituto


Weder de Oliveira)
Convênio. Organização social. Assistência à saúde. SUS. Legislação.
Contrato de gestão.
A Lei 9.637/1998, e não a Lei 13.019/2014, é a norma de regência a ser
aplicada aos ajustes cujo objeto envolva parceria e fomento à atuação do
setor privado sem fins lucrativos para a prestação de serviços de caráter
complementar no SUS, sendo o contrato de gestão a única forma de se
firmar a parceria entre as organizações sociais e o setor público. (grifo
nosso).

Em 2020, o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia


(TCMBA) também se manifestou sobre o assunto, em resposta à seguinte consulta (cópia
anexa):

A execução de projetos e/ou planos de trabalho, em razão de celebração de


Termos de Colaboração, para a oferta de serviços em saúde, em parceria
com a Secretaria Municipal de Saúde, nos diversos equipamentos que
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compõe a rede municipal, como Policlínicas, Unidades de Pronto
Atendimento, Unidades Básicas de Saúde, Centros de Acompanhamento
Psicossocial, dentre outros, é de fato possível e juridicamente permitida?
(grifo nosso).

Na oportunidade, o referido órgão de controle externo assim se posicionou:

Diante deste arcabouço legislativo, reafirma-se mais uma vez, que a Lei nº
13.019/2014 não se aplica aos ajustes firmados com OSC que prestam serviços
de internações e ambulatoriais, em complementaridade ao SUS. Veja-se que
a aplicabilidade do citado diploma legal depende essencialmente da
natureza e do objeto do ajuste, além do tipo de atuação que a OSC
desempenhará na parceria.

Com isto, se a OSC presta serviços assistenciais na área de saúde, como


internações e atendimentos ambulatoriais, cabem os convênios e contratos,
conforme já disposto acima, afastando-se o regime da Lei nº 13.019/2014,
já que, nestas circunstâncias, ela atue em complementação aos SUS.

Por outro lado, nas hipóteses em que a OSC não se configure como prestadora
de serviço, atuando em ações classificadas como promoção à saúde, aquelas
voltadas para redução de risco à saúde, tais como: prevenção ao câncer, ao
vírus da imunodeficiência humana (HIV), às hepatites virais, à tuberculose, à
hanseníase, à malária e à dengue; redução da morbimortalidade em
decorrência do uso abusivo de álcool e outras drogas; e, prevenção da
violência, a parceria firmada com o poder Público será regida pelas normas
delineadas na Lei n° 13.019/2014 (sem grifos no original).

E foi nesse mesmo sentido que, em agosto de 2022, o plenário do TCU se


manifestou:
38. [...] cumpre observar que a contratação de entidade civil sem fins
lucrativos para gestão compartilhada de saúde não pode ocorrer por
celebração de termo de colaboração, como traz o Termo de Referência. [...].

A Lei 13.019/2014 não pode ser aplicada aos ajustes cujo objeto envolva
parceria e fomento à atuação do setor privado sem fins lucrativos para a
prestação de serviços de caráter complementar no SUS, cuja norma de
regência é a Lei 9.637/1998, sendo o contrato de gestão a única forma de
se firmar a parceria entre organizações sociais e o setor público. (grifo
nosso).

Recentemente, o Tribunal de Contas da União se deparou com uma


representação do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCEPB), tratando de supostas
irregularidades incidentes no chamamento público realizado pelo município de
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Cabedelo/PB, para firmar parceria, por meio de Termo de Cooperação, com Organização
da Sociedade Civil (OSC), para a execução das atividades de saúde do Sistema Único de
Saúde (SUS), com fundamento na Lei n.º 13.019/2014.

Na ocasião, foi adotada medida cautelar pela Corte, para suspender a


execução do chamamento, que não teve continuidade após a concessão da medida.

Instada, a Unidade de Auditoria Especializada em Saúde (AudSaúde),


daquela Corte de Contas Federal, concluiu pela procedência da representação, no mérito,
quanto a irregularidade apontada no Chamamento Público 003/2019, visto que a
delegação proposta nos termos do referido certame não teria amparo no ordenamento
jurídico pátrio (artigo 3º, inciso IV, da Lei 13.019/2014, artigo 199, § 1º, da CF/88 e
artigos 24 e 25 da Lei 8.080/1990). Segue excerto do Acórdão n.º 1005/2023 – TCU, que
julgou procedente a representação:

[...]
1.1. Órgão/Entidade: Prefeitura Municipal de Cabedelo - PB.
1.2. Relator: Ministro Aroldo Cedraz.
1.3. Representante do Ministério Público: não atuou.
1.4. Unidade Técnica: Unidade de Auditoria Especializada em Saúde
(AudSaúde).
1.5. Representação legal: Andre Martins Pereira Neto (16180/OAB-PB),
Mayara Araujo dos Santos (16377/OAB-PB) e outros, representando
Prefeitura Municipal de Cabedelo - PB.

1.6. Determinações/Recomendações/Orientações:

1.6.1. informar à Secretaria Municipal de Saúde de Cabedelo/PB, com


fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução-TCU 315, de 2020, que o
Chamamento Público 003/2019, com previsão de delegação de serviços de
saúde de natureza complementar do SUS municipal mediante utilização de
instrumentos de parceria previstos na Lei 13.019/2014, não tem amparo no
ordenamento jurídico pátrio (artigo 3º, inciso IV, da Lei 13.019/2014, artigo
199, § 1º, da CF/88 e artigos 24 e 25 da Lei 8.080/1990), sendo o contrato de
gestão o instrumento jurídico adequado para promover parcerias entre o
poder público e a entidade privada sem fins lucrativos, em regime de
mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e
recíproco na área de saúde, desde que sejam observados os requisitos da Lei
9.637/1998 e o disposto na jurisprudência do TCU, a exemplo do Acórdão
2057/2016 – TCU – Plenário, da relatoria do Ministro Bruno Dantas;

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1.6.2. dar ciência desta deliberação à Secretaria Municipal de Saúde de
Cabedelo/PB e ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba;

1.6.3. arquivar os presentes autos, nos termos do art. 237, parágrafo único, c/c
o art. 250, inciso I, do Regimento Interno/TCU. [...] (grifo nosso).

Deve ser frisado, portanto, que os ajustes firmados com a iniciativa privada
para a gestão, operacionalização e execução dos serviços de assistência à saúde em
unidades públicas configuram a participação complementar (e não preventiva) no
Sistema Único de Saúde, o que afasta a aplicabilidade da Lei 13.019/2014, nos termos
do seu art. 3, inciso IV.

Ante o exposto, conclui-se que a decisão monocrática que, não fosse a


liminar judicial, posteriormente seria submetida a referendo no Plenário da Corte, se deu
sob os auspícios da lei e da balizada jurisprudência, e lastreada na instrução técnica
lavrada por corpo técnico competente, realizando, assim, o devido controle de legalidade
dos atos da administração pública. Não havendo, portanto, que se falar em manifesta
ilegalidade.

V.6 – DA DECISÃO ADOTADA PELO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DO


ESTADO DE GOIÁS – CES/GO.

Interessa registrar a informação de que o Conselho Estadual de Saúde do


Estado de Goiás – CES/GO, órgão colegiado, deliberativo e de controle social, que tem
como objetivo a fiscalização, o acompanhamento e o monitoramento das políticas
públicas de saúde no âmbito estadual, cujas obrigações encontram-se previstas na Lei
federal n.º 8.080/90 4, ainda na data de 01/08/2023, decidiu, em Plenário, por meio da
Resolução n.º 07, de 01 de agosto de 2023, recomendar, ao Secretário de Estado da
Saúde a suspensão dos chamamentos públicos n.º 01/2023, 02/2023 e 03/2023; assim
como a SUSPENSÃO de celebração de Termo de Colaboração, em caráter
emergencial, com qualquer organização da sociedade civil – OSC, nos termos da Lei
Federal n.º 13.019/2014.

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Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências.
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Conforme consta da Resolução n.º 07, de 01 de agosto de 2023 (cópia
anexa), em reunião ordinária realizada em julho de 2023, foram identificadas várias
irregularidades (preocupantes) na implementação da Lei n.º 13.019/2014, para a gestão
da saúde pública do Estado de Goiás, arroladas na referida resolução, tais quais os
problemas identificados pela Unidade Técnica desta Corte, que motivaram a decisão
monocrática cautelar, para suspender os editais de chamamentos públicos. Inclusive, uma
das preocupações apontadas pelo órgão, é no sentido de que o novo modelo de gestão por
“OS” impede a fiscalização pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás dos repasses
financeiros à “OSC” em razão de Termo de Colaboração.

Dessa forma, nobres Desembargadores, com a devida vênia, a decisão


concessiva de liminar deve ser revista, para o fim de ser restabelecida a cautelar deferida
pelo Conselheiro Edson Ferrari, por tratar-se de medida mais prudente e acauteladora,
ante os vícios e ilegalidades detectados nos Chamamentos Públicos em questão.

VI. DOS PEDIDOS.

Ante o exposto, o Agravante requer seja o presente Recurso de Agravo


conhecido e provido, a fim de que seja reformada a decisão do Desembargador Relator
(movimentação nº 25), para REVOGAR a liminar concedida, e, assim, retornar a situação
ao status quo, de modo a manter vigente a cautelar expedida pelo Conselheiro do Tribunal
de Contas.

Nestes termos, pede deferimento.

Goiânia, 07 de novembro de 2023.

BRUNO CARNEIRO LEÃO DE OLIVEIRA


Diretor Jurídico
OAB GO 36837

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ANEXOS DO AGRAVO:

• Instrução Técnica Conclusiva n.º 16/2023 – SERVFISC-SAÚDE;


• Despacho 383/2023 – GCEF, estabelece contraditório à SES/GO;
• Instrução Técnica Conclusiva n.º 21/2023 – SERVFISC-SAÚDE;
• Resolução n.º 07, de 01 de agosto de 2023, do Conselho Estadual de Saúde do
Estado de Goiás – CES/GO;
• Despacho n. 526/2023 – GCEF;
• Ofício nº 188/2023 CES/GO;
• Decisão denegatória da liminar, nos autos do Mandado de Segurança n.
5603235-09;
• Acórdão TCU – representação Município de Cabedelo - PB;
• Acórdão TCU – representação Município de Paracambi – RJ;
• TCE-RS – Informação n. 22/2019 -SRSM;
• TCM-RJ – Representação SMS – Edital OSC;
• TJ-RS – Acórdão 2018_1936683;
• TCM-BA – Consulta – MROSC.

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