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Copyright 2022 © Aline Pádua

2° edição – dezembro 2022

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos


os direitos reservados. Proibida qualquer forma de
reprodução total ou parcial da obra, sem autorização
prévia e expressa da autora.
Qualquer semelhança com a realidade é mera
coincidência.

EDIÇÃO: AAA Design

SUMÁRIO

NOTA

SINOPSE

PLAYLIST

PREFÁCIO

PRÓLOGO

Parte I

CAPÍTULO 01

CAPÍTULO 02

CAPÍTULO 03

CAPÍTULO 04

CAPÍTULO 05

CAPÍTULO 06

CAPÍTULO 07

CAPÍTULO 08

PARTE II

CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

EPÍLOGO

REDES SOCIAIS

OUTRAS OBRAS

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ

A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA


GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO

NOTA

Olá, minha gente!

Quem aí gosta de um clichê com cheirinho de Sessão da


Tarde e Taylor Swift na trilha sonora?

Primeiro de tudo, gostaria de dizer que esse livro é um


relançamento, que anteriormente levava o título “Agora
& Para Sempre Nós” (o qual foi lançado em dez/2019).
Este passou por nova edição, com novas diagramação e
ilustração.

Segundo que aqui estamos nós, em um dos livros que


posso dizer com toda certeza que foi um dos
antecessores do que viria a ser a Série Torres-Reis (que
talvez muitas de vocês conheçam, e caso não o faça,
eles estarão listados ao fim dessa obra).

Então com Madu e Samu temos um gostinho de comédia


romântica, uma pitadinha de “hot” que vocês tanto me
pedem (espero que gostem rs), um enemies to lovers
(trope de amigos para amantes) que tanto gostamos de
imaginar e claro, um final para deixar o coração
quentinho...

Espero que consiga passar cada sentimento desses para


você. Que Samu e Madu, seja seu primeiro ou segundo
encontro com eles, te teletransportem para um momento
único – apenas seu e do universo que apenas os livros
nos permitem ter.

Com amor,

Aline

SINOPSE

O que fazer quando você se apaixona pelo seu melhor


amigo e ele está apaixonado pela noiva do irmão?

Samuel Antunes é um cowboy moreno, com sorriso


cafajeste, alto, bonito, musculoso e com fama no interior.
Porém, para Maria Eduarda ele sempre significou muito
mais que isso - ele é o melhor amigo de infância que faz
seu coração bater mais forte.
Quando Samu lhe conta que está apaixonado pela noiva
do irmão, é como se esse mesmo coração se
despedaçasse.

E Madu sabe, que agora pode ser sua única e talvez


última chance para aprender a como conquistá-lo. Ou
talvez, perdê-lo para sempre.

PLAYLIST

2002 – Anne-Marie

Adore You – Harry Styles

Afterglow – Taylor Swift

Call It What You Want – Taylor Swift

Codinome – Maria

Contatinho – Léo Santana feat. Anitta

Cornelia Street – Taylor Swift

Cruel Summer – Taylor Swfit


Daylight – Taylor Swift

Death By a Thousand Cuts – Taylor Swift

Delicate – Taylor Swift

False god – Taylor Swift

I Think He Knows – Taylor Swift

i wish you were gay – Billie Eilish

If The World Was Ending – JP Saxe feat. Julia Michaels


Living Proof – Camila Cabello

Lover – Taylor Swift

Nightmare – Halsey

Onda Diferente – Anitta e Ludmilla feat. Snoop Dogg


Paper Rings – Taylor Swift

Priest – Julia Michaels

Say You Won’t Let Go – James Arthur

Te Assusta – Manu Gavassi

There’s No Way – Julia Michaels feat. Lauv

Wave – Meghan Trainor feat. Mike Sabath

You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go – Bob


Dylan
PREFÁCIO

“Eu odeio acidentes, exceto o de quando passamos de


amigos para isso”

Paper Rings – Taylor Swift

PRÓLOGO

“Nós tínhamos apenas onze anos

Mas agindo como adultos


Como se estivéssemos no presente

Bebendo de copos de plástico

Cantando o amor é para sempre e sempre

Bem, eu acho que isso era verdade?” [1]

Madu

— A gente não devia estar aqui. — Samuel reclamou a


minhas costas e levei a mão a boca, sufocando uma
gargalhada. — Tô falando sério, Madu!

Olhei-o de supetão e ele pareceu genuinamente


assustado.

Estávamos escondidos no armário da cozinha de seus


avós, no qual geralmente, não se guardava nada, para
que os cachorros não conseguissem mexer e acabassem
comendo o que não devia. O fato era que os armários de
baixo eram enormes, e mesmo assim, comportavam de
forma apertada Samuel com seus um metro e oitenta
alcançados após a puberdade, e os meus um metro e
sessenta que fora um milagre conquistado na mesma
fase. Meus pais não passavam de um metro e meio, e
dez centímetros a mais, era motivo para ser chamada de
gigante dentro de casa.

Tínhamos dezesseis anos, e em vez de estarmos na festa


de carnaval que rolava do lado de fora da casa,
resolvemos distrair as crianças, para que poupassem os
adultos por alguns instantes. Éramos como babás
imediatistas, e fora eu a culpada de nos colocar naquele
lugar. As crianças optaram por esconde-esconde, e era
praticamente impossível vencerem de mim. O que elas
não faziam ideia era que realmente levava a sério.
Samuel sabia e por aquilo, tentou ao máximo fugir. A
questão era que quando lhe mostrava um beicinho, digno
de ganhadora do Oscar, ele cedia. Era o ponto fraco de
Samuel. Talvez por aquilo seus pais me chamavam de
seu calcanhar de Aquiles.

Poderia ser um exagero, contudo, vendo-o emburrado e


com medo de que os avós nos pegassem ali dentro,
porque com certeza poderíamos danificar o móvel aos
nos esconder, sabia que ele faria qualquer coisa por
mim. Talvez por coisas como aquelas éramos melhores
amigos. Éramos malucos no mesmo nível, de fazer o que
podíamos pelo outro.

— Para de ser medroso. — Reclamei, e ele revirou os


olhos.

Conseguia enxergá-lo pela baixa iluminação da tela


inicial do celular. Uma mensagem chegou e sorri ao notar
que era uma das primas de Samuel, que com certeza,
gostaria de tirar uma casquinha dele durante o carnaval.
Ele era um cara bonito, tinha que admitir. Demorei um
bom tempo para ter tal certeza, talvez por sempre
enxergá-lo apenas como o amigo de infância que preferia
comer frutas do que lanches de presunto e queijo.
Sempre pensei que Samuel precisava ser estudado.

— Ela te quer. — Pontuei, sorrindo baixinho.

Ele revirou os olhos mais uma vez, e passou a mão pelo


cabelo preto ralo pelo corte militar. Deu-me a língua que
emoldurava um piercing e tentei pegá-la com o dedo,
sem qualquer sucesso.

— Não vamos começar uma lutinha aqui. — Determinou


e sorri levemente de lado. — Madu...
Ataquei seu pescoço, sabendo que era seu ponto fraco
para cosquinha. Ele gargalhou alto, o que com certeza
entregava nossa localização para as crianças. Contudo,
sequer me importei em ganhar. Era o poder de Samuel
sobre mim. Quando éramos apenas eu e ele, aquilo
bastava. Ouvi um estrondo, e no segundo seguinte, senti
meu corpo caindo sobre algo macio. Meus olhos
encontraram o castanho dos dele, e notei seu olhar
mudar por completo. Uma sombra se fez sobre nós, e
sabia que estávamos encrencados. Olhei levemente para
o armário com uma porta capenga e acabei gargalhando
alto.

Samuel me empurrou, fazendo-me cair, e atacou minha


barriga.

Ele conhecia meus pontos fracos.

— Deus me ajude com dois adolescentes! — a voz de seu


avô percorreu todo o ambiente, e não conseguia parar de
rir por conta do ataque de cosquinhas. — Júlia, dá um
jeito no seu filho e na sua nora!

Minha risada morreu por meio segundo, e fora quando


parei para me colocar em tal lugar na vida de Samuel.
Nunca o fizera antes daquele momento. Quando o fiz,
percebi que ia pelo caminho errado. Revidei a cosquinha
e acabamos rolando pela cozinha, até o momento que
ficamos exaustos. Pelas traquinagens, pelas cosquinhas,
pelas risadas... Olhei-o e tive certeza que dele, nunca me
cansaria.
Parte I

“Talvez eu tenha medo demais, e isso chama-se


covardia. Fico me perdendo em páginas de diário, em
pensamentos e temores, e o tempo vai passando.
Covardia é uma palavra feia. Receio de enfrentar a vida
cara a cara.”

Caio Fernando Abreu

CAPÍTULO 01
“Lhe procurarei em Homolulu

San Francisco, Ashtabula

Você vai me deixar agora, eu sei

Mas te verei no céu acima

Na grama alta, naqueles que eu amo

Você vai me deixar solitário quando você for?” [2]

Anos depois...

Madu

— Brega Funk! — gritei no meio da pista, e ouvi Larissa


gargalhar ao meu lado.

Era dia de comemorarmos nossa solteirice, e aquilo era


como um pacto anual. A promessa era simples: apenas
namorar com o cara que te trate como uma rainha.
Poderia ser uma utopia, mas com tanto homem no
mundo, não aceitaria menos do que ser uma verdadeira
rainha para o meu. Já que faria o mesmo por ele. Por
isso, mais um ano, estávamos na balada de sempre,
descendo até o chão, comemorando o dia da nossa
solteirice. Se encontrássemos o cara certo, mudaríamos
o nome para o dia de rainha, e faríamos o mesmo ritual.

Fazíamos aquilo desde que nos conhecemos na


calourada da faculdade, e aos vinte e nove anos, apenas
dava mais combustível para não desistir do amor, e
mostrava que a vida sem um relacionamento amoroso
não era o fim do mundo. Olhei para minha amiga e me
virei, cantando junto com a música que fizera todo
mundo se soltar.
“Tá pensando que eu sou o quê?

Sempre que eu quero não tá disponível

Se eu abrir minha agenda pra tu ver

Eu tô com boy de A a Z

Eu gosto até desse doido

Mas tá brincando comigo

Sento, eu rebolo gostoso

Quem tá perdendo é você

Oi, te liguei

Deve tá ocupadinho

Tudo bem, tô com outro contatinho

Te liguei

Deve tá ocupadinho

Tudo bem, tô com outro contatinho

E quem mandou você brincar?

Eu tô sentando em outro lugar” [3]

Mostrei a língua para minha amiga e descemos até o


chão, rindo uma para a outra. Sorri, sentindo meu corpo
mais leve e sabendo que precisava mesmo daquela noite
fora e longe de minha rotina. Estava realmente exausta
de me esconder dos problemas e do mundo, geralmente,
era o tipo de pessoa que enfrentava tudo de frente. A
questão

era que não conseguia enfrentar o amor que sentia por


meu melhor amigo. Sentia-me uma piada pronta de um
romance clichê. Fechei os olhos e tentei esquecer aquilo,
e com certeza, não pensar o quanto sentia falta de
Samuel no meu dia a dia.

Senti uma mão na cintura e sorri, pensando em como


seria mais proveitoso estar com alguém para deixar
todos meus pensamentos sobre meu melhor amigo de
lado. Contudo, assim que me virei, ainda rebolando, meu
corpo paralisou. Olhos castanhos, a barba mais grande
do que costumava ser, os cabelos em um tom negro e a
pele branca em contraste com a camisa social cinza.

Forcei um sorriso e parecia ser a primeira vez em que


simplesmente não me jogava sobre ele por sentir
saudade. Samuel Antunes – o dono de meus
pensamentos e coração. Era uma completa merda ser
apaixonada pelo cara que sempre fora meu mundo. Ele
ainda continuava sendo meu melhor amigo e
companheiro. O problema era que eu queria mais. Um
mais que ele não podia me dar.

Samuel não era avesso ao amor, mas com toda certeza,


não queria algo assim para a vida. Conhecia-o bem
demais para saber que não era o momento para
declarações e mal sabia quando o seria. Ele estava
focado em sua carreira como administrador da fazenda
que os avós deixaram. O

que o mantinha longe de mim. Ele vivia mais no interior


de Minas Gerais, e eu, enfurnada em meu apartamento
na capital.
— Parece triste em me ver. — falou perto de minha
orelha e sorri ainda mais, o que com certeza ele
entenderia como forçado. — Ei, vem cá!

Ele me puxou para si e me abraçou com força,


praticamente me tirando do chão. Era por aquilo que
evitava abraços pela saudade. Porque cada toque dele
em meu corpo, por mais inocente que fosse, fazia-me
querer olhar em seus olhos e puxar sua boca para minha.
Queria sentir o gosto de seus lábios, se eram tão firmes e
doces como em meus sonhos e imaginação.

Sentia-me uma idiota por ter sonhos eróticos com meu


melhor amigo e aquilo me matava por dentro.

— Vou ao banheiro. — Larissa quase gritou, parando ao


nosso lado, e Samuel me colocou de volta no chão.

Agradeci-a mentalmente e ela cumprimentou-o


rapidamente com um beijo no rosto.

— Vou com ela. — Avisei-o, sem sequer saber por que o


fazia.

Larissa praticamente me arrancou dali, e quando


chegamos aos corredores mais tranquilos em direção ao
banheiro, ela me parou,

encarando-me profundamente.

— Que foi? — tentei fazer-me de burra. — Lari...

— Nem vem! Moramos juntas há anos, acha mesmo que


não sei que se inspira no Samuel pra criar seus
mocinhos? — arregalei os olhos, completamente
surpresa. — Vi como está diferente de uns tempos pra
cá, e nem fica surpresa, porque não tocamos no assunto
porque você se fecha nos livros e não fala do que
realmente sente.

— Não posso, Lari. — falei com pesar. — Simplesmente


não posso.

— O cara é perfeito pra você e você pra ele! — bateu


uma palma no ar. — Não acredito que fica berrando à toa
Paper Rings[4] e não sonha nele como seu acidente
favorito?

Olhei para o lado e notei quase instantaneamente que


Samuel caminhava entre as pessoas, com certeza, em
nossa direção.

— A gente fala disso depois. — Soltei baixo e ela revirou


os olhos, indo em direção a porta do banheiro.

Encostei-me contra a parede e soltei o ar que mal sabia


que segurava. Era um inferno aquele sentimento
guardado. Completavam cerca de cinco anos que tivera
noção de como me sentia sobre ele e no último natal que
realmente me rendi aquilo, e mesmo assim, nunca abri a

boca sobre. Meu coração parecia aberto para o amor,


mas eu, não sabia como lidar. Ser renegada por Samuel
me destruiria, e destruiria a amizade mais real que tinha.
Ele era como meu porto seguro e não conseguia me
imaginar em um mundo em que ele não fosse o primeiro
a contar uma novidade.

— Dia da solteirice, acertei? — sorri baixo, sem levantar o


olhar, e acenei com a cabeça. — O que aconteceu,
Madu?

Tocou levemente em meu cabelo e olhei para cima,


encontrando o olhar castanho que me tinha por
completo. O que queria era poder responder a verdade:
Você, Samuel. Você aconteceu! Porém, apenas neguei
com a cabeça e me afastei de seu toque e falei alto:

— Trabalhando demais! — não era uma mentira


completa. —

Preciso de uma bebida forte, isso sim.

Ele sorriu, aceitando minha resposta e agradeci aos céus


por ser boa em camuflar o que realmente sentia.

Alguns minutos se passaram, e enquanto ele voltava com


um copo de plástico, virei o que tinha dentro, sem me
importar em perguntar.

O gosto de vodca com algo doce explodiu em minha


boca, e poderia ter certeza de que a vodca sobressaía.

— Melhor? — indagou, com um sorriso sacana de lado, e


tentei não levar aquele movimento para meus
pensamentos nada amigáveis.

Dei um tapa em seu ombro e lhe entreguei o copo de


volta.

— Agora eu preciso é... — Outro funk explodiu no local e


lhe dei o meu sorriso mais inocente. — Descer até o
chão!

— Eu te acompanho, pequena. — Piscou, e enlaçou


minha cintura.

Segurei um suspiro e tentei não pensar muito sobre. A


realidade era que dançávamos juntos há muito tempo,
até mesmo quando ainda sequer sabia mexer as pernas
sem quase cair. Virei-me para ele e me afastei no
segundo seguinte, seguindo a música.

— Sai sai da minha frente! Hoje eu vou dar trabalho


numa onda diferente. — Praticamente gritei, para que ele
ouvisse, e ele sorriu, piscando um olho.

Dei-lhe as costas e rebolei, sem querer olhá-lo um pouco


mais. Se parasse para o fazer, com certeza, acabaria
trocando o pé pelas mãos. O

lado bom de morarmos longe um do outro, era o fato de


que não tinha tantas oportunidades de destruir a
amizade que construímos. Larissa apareceu a minha
frente, e pareceu entender meu olhar de súplica. Puxou-
me para ela e dançamos juntas, como era dito naquele
dia. Foi quando

comecei a me soltar de fato e tentar esquecer que o


motivo pelo qual nenhum outro homem parecia tão
interessante, estava há poucos passos de distância.

Quando finalmente olhei em sua direção, encontrei-o


basicamente parado, em meio a todas as pessoas que
dançavam loucamente. Ele me olhava, e por mais que
quisesse me enganar e acreditar que era de forma
diferente, que de alguma maneira me enxergava além de
sua melhor amiga, vi no sorriso leve em seu rosto, que
estava ali apenas para me esperar. Ele sempre me
esperava para passarmos um tempo juntos, assim como
eu o fazia.

Parei de dançar e soltei os ombros, segurando as


lágrimas que guardei. Queria não demonstrar o quanto o
amava, mas não tinha como fingir que não sentia sua
falta – amargamente. Dei alguns passos e logo parei a
sua frente.
— Vem cá! — consegui ler seus lábios, e ele me puxou
com força contra si.

Nos abraçamos ali, no meio da pista de dança, enquanto


outro funk começava. Sabia que nos braços dele me
sentia em casa. Samuel era como um lar para mim e
aquilo nunca mudara. Nem mesmo quando notei que
queria além da nossa amizade. Porém, se fosse para
sermos apenas aquilo, estava satisfeita. Aquilo
significava o mundo para mim.

— Senti muito a sua falta, pequena.

Sorri, sentindo o seu cheiro me embriagar, assim com os


braços que pareciam querer me proteger. Completava
praticamente um mês que não nos víamos, e era quase
como um recorde do tempo que ficávamos longe
fisicamente. Por mais que gostasse de parecer inabalável
e intocável, ele me conhecia bem. Sabia que se me
esperasse, eu cederia a ele, e com certeza, admitiria a
saudade.

O que mais me matava por dentro era o fato de que ele


sabia ler tudo o que se passava sobre mim, e assim,
tinha que guardar meu amor no âmago, quando ele
estava por perto. Guardava de forma que nem mesmo
ele pudesse lê-lo. Afastei-me e passei a mão pelo rosto,
tirando qualquer resquício de lágrima. Bati de leve em
seu peito, em um gesto tão nosso que desejei poder
gritar o quanto o queria de fato.

— E eu a sua. — Fui tudo o que realmente consegui dizer.


CAPÍTULO 02

“Eu só quero fazer você se sentir bem

Mas tudo o que você faz é olhar para o outro lado

Não posso te dizer o quanto eu queria não querer ficar Eu


só meio que queria que você fosse gay” [5]

Madu

Adentrei o apartamento como uma esfomeada. A


questão não era nem mesmo a fome, era a sede que me
batera segundos depois que pagamos nossas comandas
e saímos do local. De lá até o meu apartamento foram
cerca de vinte minutos no uber, o que me garantiu uma
boca seca e piadinhas nada engraçadas de Samuel.

Assim que abri a geladeira e encontrei minha garrafa de


água, peguei-a e abri, agradecendo aos céus por aquela
bebida. Demorou cerca de uns dois minutos para voltar a
realidade e me lembrar que não viera para casa sozinha,
não daquela vez. Geralmente, após a noite da solteirice,
eu e Larissa encontrávamos algum carinha interessante
e íamos para algum lugar com eles. A regra era clara em
nosso apartamento, só entrava ali quem de fato estava
em nosso coração. Bufei internamente, ao me deparar
com Samuel confortavelmente jogado contra o sofá.

Larissa já se acostumara com ele, e sabia que sua


entrada ali sempre seria garantida. A questão era que
por mim e pela minha sanidade, preferia que ele
quisesse passar a noite com sua família, mas ali estava
ele, sob o mesmo teto que eu.

— Quantas reformas andam fazendo por aqui? —


indagou, enquanto me encaminhava para a sala, e ainda
trazia a garrafa a tiracolo.

Sentei-me no sofá ao lado, ocupando os dois lugares,


com as pernas esticadas, e encostei o cotovelo no apoio.
Encarando-o dali, sentando no outro sofá, com o olhar
avaliativo sobre o ambiente, sabia que não existia a
mínima possibilidade de ser imune a ele. Samuel parecia
ser a única pessoa que conseguia me entender por
completo, e por muita ironia do destino, trazia a tiracolo
uma beleza genuína que me tirava do eixo. Será que ele
realmente não percebia o quanto me deixava

perdida? O lado bom de ele não saber, era que tinha


mais alguns segundos para suspirar internamente,
enquanto ele permanecia preso a um dos cactos que
comprei durante a semana.

— E desde quando cuida de planta? — seu olhar


castanho se virou para o meu, e um sorriso pendeu para
o lado esquerdo do rosto.

Maldita mania que me fazia querer puxar os lábios deles


para os meus.
Foco, Madu!

— Desde que essa é a minha casa e preciso me sentir


bem nela.

— Rebati, dando de ombros. — Todo esse lugar é minha


inspiração.

— Pensei que se inspirasse quando corria. — comentou,


claramente inocente em toda aquela conversa.

“Me inspiro em você” segurei-me para não dizer, e mordi


fortemente o lábio inferior, travando a língua.

— Gosto do meu canto... Tudo aqui me faz ter alguma


ideia e bom, dá mais ideias que geram ideias e...

— Nasce um novo livro incrível. — Puxou meu cabelo


levemente e bati em sua mão. — Estou falando sério!

— Como se já tivesse lido algum deles. — Revirei os


olhos, sendo sarcástica. Por um segundo, assim que
virava meu olhar, desconfiei que ele realmente poderia
tê-lo feito. Puta merda! Se ele o fez,

saberia que o último personagem masculino principal era


todo ele.

Cuspido e escarrado, como diria sua mãe. — Não leu,


certo? —

perguntei, fingindo-me de desinteressada.

Ele me encarou profundamente, e logo deu de ombros,


claramente despreocupado.

— A fazenda tem ocupado todo meu tempo, sinto muito.



Piscou um olho, e ele soltei uma respiração, que quase
me entregara. —

Agora me fala de verdade, o que tá acontecendo?

— Como posso resumir a situação na capital? — debochei


e sabia que não era a resposta que ele esperava. — Meus
avós estão amando a viagem para o Nordeste. Sua mãe
me manda uma mensagem de bom dia, boa tarde e boa
noite, todos os dias. Seu pai me liga uma vez por
semana.

Larissa me deixa maluca as vezes, mas eu faço o


mesmo, então ficamos quites. O trabalho vai bem, e
tenho a entrega de um novo livro para o próximo mês...
— comecei a divagar, e encostei a cabeça. — Tento ser
saudável, mas sempre acabo comendo massa e algum
refrigerante. Fui ao cabelereiro e quis cortar tudo, mas
me arrependi no segundo seguinte e como pode ver... —
Passei as mãos em meus cachos, sem encará-lo. —

Continua firme e forte.

— Parece a narrativa de uma vida muito social. —


zombou e praticamente o perfurei com os olhos.

— Me diga você, bicho do mato! Como anda as coisas na


fazenda? — perguntei sarcástica. — Vive cercado de
peões e bichos, o que mais acontece de tão empolgante?
— joguei-lhe e ele sorriu abertamente, sabendo que não
me calaria.

— Minha vida anda tão interessante quanto a sua. — Deu


de ombros. — A única diferença é que Paulo resolveu
passar um tempo por lá com a noiva, e isso mudou um
pouco do ritmo de tudo...
— O que? — indaguei perplexa, sentando-me
corretamente. —

Paulo ficou noivo? Quando e com quem? Por que


ninguém me contou sobre?

— Ei ei, metralhadora! — levantou os braços em sinal de


rendição e bufei. — Sei que o vê como seu irmãozinho
mais novo, mas ele já tem vinte e sete anos e...

— Corta essa! Conta logo de onde surgiu a noiva! — falei,


e praticamente me joguei a sua frente, sentada no
tapete. As engrenagens de escritora começando a
trabalhar a todo vapor.

— O nome dela é Clara, e Paulo a conheceu em um leilão


de gado. — comentou por cima e fiquei ainda mais
ansiosa para saber o restante. — O que pode ser tão
interessante?

— Puta merda! Seu irmão é o maior canalha que


conheço, como pode simplesmente se apaixonar assim?
De repente? — seu olhar mudou por um segundo e fiz
sinal para que prosseguisse. — Conta tudo!

— Ele se encantou com ela e bom, ela mora eu uma das


fazendas vizinhas, aí... Essa semana ele surpreendeu a
todos da família dela, ela e eu no jantar e a pediu em
casamento. Nem nossos pais sabem.

— Meu Deus do céu! — exclamei perplexa, e me levantei.


Levei a mão a boca, sem conter o sorriso. — Eu vou ser
madrinha de casamento! — praticamente berrei, e
encarei Samuel, buscando a mesma empolgação, mas
não existia brilho em seu olhar. — Que foi? Por que
parece tão desanimado? Não vamos ser padrinhos do
Paulo? Eu vou quebrar a cara daquele...
— Conheci Clara antes dele. — cortou-me rapidamente e
meu corpo inteiro paralisou, e o sorriso se desfez em
minha face. — Agora ela passou a viver sob o mesmo
teto que eu, e não sei o que fazer com a culpa que sinto.

— Culpa pelo quê? — indaguei, sem querer acreditar que


embarcava na porcaria de uma história falida de amor.

— Por ser apaixonado por ela.

CAPÍTULO 03

“Esse mundo pode te machucar

Te cortar profundamente e deixar uma cicatriz

As coisas desmoronam, mas nada quebra como um


coração E nada quebra como um coração.” [6]

Madu

Senti o fundo da garganta fechar, o coração aquietar e


mente praticamente evaporar. Continuei apenas a
encará-lo, como se visse um espírito a minha frente. Não
sabia sequer o que dizer ou se simplesmente fingia que
aquela conversa fora apenas um delírio coletivo.

— Por favor, não me olhe assim... — Sua voz triste, fez-


me piscar algumas vezes, e notei que abaixou a cabeça,
levando as mãos ao rosto.

— Estou te olhando como? — perguntei, como se


precisasse de fato de tal resposta. Com certeza, o
encarava com todo meu sentimento exposto e
esmagado, sem ao menos, ele ter a mínima noção.
Aquilo me deixava a beira de um colapso sentimental.

— Como culpado.

Só se fosse por não olhar para mim de forma diferente, e


de fato, nunca o culparia. Inspirei profundamente e
coloquei as mãos no quadril, soltando o ar com força.

— Ok, vamos recapitular! — falei mais alto e ele sequer


mexeu o rosto. — Vamos recapitular e você tem que
olhar para mim, Samu! —

praticamente o intimei, e ele sabia que era obrigatório


que o fizesse.

Eu era o tipo de pessoa que não sabia conversar sobre


algo sério se não fosse olho no olho. Era o tipo de gesto
que sempre apreciei.

Senão, dava as costas e simplesmente desistia de falar.

— Quando conheceu a tal Clara? — perguntei, e no


segundo seguinte, senti que até meu estômago
começava a se remexer.
Era incrível a capacidade do psicológico de abalar
qualquer parte do físico. Era incrível o poder que Samuel
tinha de me desestruturar a tal

ponto. A ponto de sequer conseguir chorar, mas que a


tristeza começava a se alastrar, de forma lenta e
cortante por todo meu interior.

— Há alguns meses, quando nos esbarramos no centro


da cidade... — falou sem jeito e continuei apenas o
encarando. — Ela é o tipo de mulher que gosta daquilo,
sabe? Que gosta do campo e acabamos ficando próximos
como amigos, mas nunca passou disso.

— Por que não? — a minha língua parecia não saber


parar quieta na boca.

— Porque não pensei que era algo tão importante até o


momento em que meu irmão a apresentou como sua
namorada, e agora, noiva. —

Sua voz soou mais baixo, e sabia que era difícil de


admitir.

— Como pode ser apaixonado por alguém que mal


conhece? —

indaguei, sem saber ao certo onde enfiara o filtro de meu


cérebro.

Eu acreditava em amor à primeira vista e muitos outros


tipos, que aconteciam espontaneamente. A questão era
que parecia difícil demais aceitar que Samuel
simplesmente se apaixonara por alguém que aparecera
do nada, e nunca sequer olhara para meu papel em sua
vida.
Era uma realidade dolorida e eu egoísta o suficiente para
perguntar a respeito.

— A especialista em amor aqui é você. — Rebateu e


sorriu fraco.

— Só quero conseguir tirar isso de mim e ficar realmente


feliz pelo meu irmão.

— Ela então agora basicamente não sai da fazenda e fica


lá com seu irmão? — perguntei, e Samuel assentiu de
forma receosa. — Me deixa adivinhar? Você apareceu
aqui depois de praticamente um mês porque já não
suportava ficar no lugar que tem sido seu mundo todinho
desde os dezoito, porque uma mulher te desestrutura a
ponto de não saber como...

— Madu, estar aqui não tem a ver com ela. — Cortou-me,


falando com pesar. — Só estou contando porque quero
que isso passe.

Sei lá, falar em voz alta faz parecer idiota e...

— Sinto muito. — Soltei os braços com força ao lado do


corpo.

— O amor não vem com liga e desliga. Mas ainda assim,


não consigo te ver apaixonado por ninguém, nem mesmo
ao te ver falar o mínimo sobre.

Somos melhores amigos a vida toda e nunca o vi abalado


por alguma mulher, não da maneira de que isso viesse a
atrapalhar a sua vida.

Ele me encarou profundamente por alguns segundos e


abriu a boca para dizer algo, mas nada saiu. Meu coração
era esmagado ao vê-lo tão perdido por outra mulher.
— Me sinto um imbecil por isso.

— Acho que isso é bom. — falei e ele me encarou sem


entender.

— Ora, ela é a noiva do seu irmão. Muitas pessoas


poderiam simplesmente entrar em uma briga por isso, o
que não faz o menor sentido. Até porque, se a tal Clara
quisesse estar com você, com certeza não estaria noiva
de Paulo.

— É exatamente o que penso. — Confessou. — Quero


que meu irmão seja feliz, e ficar feliz por isso.

— O jeito é dar um jeito. — Dei de ombros, forçando um


sorriso.

— Já tive muitos amores passageiros na vida.... — Soltei,


e Samuel me encarou atentamente, fazendo uma leve
careta. — Talvez Clara seja apenas o primeiro dos seus.

— Espero que sim, Madu. — Assumiu. — Porque com


certeza seremos os padrinhos de Paulo, já que ele
comentou sobre isso antes de eu sair da fazenda pra cá.

Minha empolgação tinha se esvaído pela janela.

— É... — Engoli em seco e dei alguns passos em sua


direção, sentando-me ao seu lado no sofá. Era o
momento certo para jogar tudo para o alto e dizer o que
sentia? Ou era a melhor hora para aprender que aquele
amor por Samuel tinha que acabar?

— Senti sua falta. — Olhou-me de repente e passou um


braço sobre meu ombro, puxando-me para si, e
depositando um leve beijo em minha testa.
Encarei-o e a proximidade que nos encontrávamos fez
com que meu coração batesse tão forte, a ponto de
imaginar que Samuel pudesse ouvi-lo de onde estava.
Uma grande loucura da cabeça de uma romântica
incurável. Suspirei fundo e sorri fracamente, sabendo que
lutara por tudo que tinha na vida. O que queria estava
ali, a minha frente, ao alcance dos meus lábios.

Entre simplesmente aceitar que não éramos para ser ou


me declarar feito uma maluca, encontrei uma terceira
opção. Talvez fosse aquela que tentei evitar por tanto
tempo, mas no fim, era para ser.

Precisava conquistar o homem que amava e trazê-lo


comigo para a realidade de amor que acreditava. Uma
nova realidade nossa.

— E eu a sua. — Confessei. — Quando volta para a


fazenda? —

indaguei, usando o que guardara arduamente de minha


coragem.

— Daqui uma semana. — comentou por cima. — Espero


ter um lugar para ficar por aqui. — Piscou um olho e
acabei sorrindo.

Ele sempre tinha um lugar, e o quarto de hóspedes do


apartamento era basicamente composto por algumas
coisas que ele

trouxera.

— Sabe que sim. — Sorri e ele tocou levemente meu


rosto, em um carinho que não deveria significar tanto,
mas o fazia. — E eu espero ter um lugar no interior para
um tempo indeterminado. — Joguei sobre ele, que
acabou franzindo o cenho. — Não vai sobreviver a esse
sentimento sem mim. — Pisquei um olho, fazendo-me de
sua fortaleza.

Na realidade, não passava da casca da minha


insegurança, e o fato de começar a mostrar que ele era
mais do que meu amigo. Samuel era o que queria.

— Não precisa... — toquei seus lábios com os dedos, e


tentei ignorar a reação de meu corpo a tal gesto.

Praticamente pulei do sofá no segundo seguinte, e daí


percebi que decidira dar um passo à frente, e acabava de
dar dois para trás. Precisava me permitir viver o que
sentia, fazer com que ele também experimentasse.

— Primeiro, um bom sono. Depois conversamos mais


sobre isso.

Na realidade, eu estava era me borrando de medo. O


olhar de Samuel me varreu e acabou apenas assentindo,
como sempre, cedendo ao que eu queria. Seja meu, era
o que queria dizer. Seja meu como nunca foi de alguém,
era o que meu coração gritava. Finalmente, era hora de
dar

espaço e ouvidos para o que ensurdecia minha alma – eu


amava meu melhor amigo, e finalmente, lutaria pelo seu
coração.
CAPÍTULO 04

“Você realmente me conhece

A futura e a velha eu

Todos os labirintos e a loucura da minha mente

Você realmente me ama

Você me conhece e me ama

E é o tipo de coisa que eu sempre esperei encontrar,


sim?” [7]

Madu

Minha mente viajou para longe.

Para bem longe daquele apartamento e do notebook


aberto em uma página branca do editor de texto. Era o
momento em que o

personagem acabara de declarar seu mais profundo


amor. Suspirei fundo, bebendo mais um gole da Coca-
Cola que trouxera como minha companheira, logo após
de deixar Samuel e dizer que queria descansar.

Ele me conhecia o bastante para saber que não o faria,


contudo, apenas aceitou minha decisão. Muitas vezes era
o seu jeito de entender o meu lado nada descomplicado
das coisas. Gostava da solidão, da minha própria
companhia. Ele era da mesma forma, talvez fora um dos
motivos de que acabamos nos dando bem desde muitos
novos.

Nossos pais eram melhores amigos e passávamos muitos


eventos e feriados juntos por conta daquilo. Sua família
era como uma extensão da minha, e com o tempo,
Samuel começou a se tornar uma constante.

Lembrava-me dele banguela, e o quanto sentia vontade


de ter aquela experiência, mas ainda continuava com os
famigerados dentes de leite.

Lembrava-me dele em cada aniversário e a rosa que


sempre trouxera como o principal presente, algo que
seus pais inventaram desde quando éramos bebês, e
perdurou entre nós. Lembrava-me dele no momento em
que disse adeus aos meus pais, encarando a madeira
fechada em um luto que de fato nunca superaria.
Lembrava-me dele no depois daquele momento que me
quebrou, ainda muito nova, e em como se tornou ainda
mais parte do meu mundo. Lembrava-me dele por ter
sido a pessoa que tive coragem de dizer que amava
depois de tudo aquilo. Lembrava-me do

momento em que foi meu príncipe na festa de quinze


anos que não desejava, e mesmo assim, tornou-a
especial – e ainda mais cafona.
Lembrava-me dele nas confissões sobre nossos primeiros
beijos e primeiros amores.

Sorri, deixando a coca sobre o criado mudo e tirando


meu olhar da janela que não mostrava nada além de
uma chuva fraca. Eram em torno das cinco da manhã e
eu permanecia ali, sem conseguir pregar o olho. Nunca
fomos o tipo de amigos que fazem tudo juntos, mas
éramos do tipo que compartilha cada momento vivido. O
que me doía era ter que esconder dele o que realmente
sentia. Era como trair a mim mesma, e a nossa amizade.
Uma batida e a porta fora aberta em seguida. Não
precisei me virar para saber de quem se tratava. Suspirei
lentamente e ouvi seus passos até mim.

— Sabia que estaria acordada. — comentou baixo, e


praticamente se jogou na cama ao meu lado. — O que
está te deixando assim? —

indagou, e me senti na obrigação de encará-lo. Nosso


pacto visual nunca falhava.

Olhos castanhos analisadores me receberam. Samuel


parecia tão à vontade consigo que me fez questionar
qual foi o exato momento que parei de me sentir de tal
forma perto dele. Usava apenas uma regata e uma calça
de moletom a sua frente, e ele, uma calça moletom na

coloração preta. Dividimos a mesma cama por anos,


muitas vezes, por passar as noites acordados para nos
fazermos de adultos. Contudo, ali, era um cenário
diferente.

Ele continuava sendo meu melhor amigo e confiava-lhe


meu coração.
Ele estava apaixonado por outra mulher e aquilo
quebrava o sentimento que tanto guardei.

— O que posso dizer? — pisquei um olho, e fui até a


minha cadeira que custara o olho da cara. Trabalhar
sentada trazia certos gastos mais do que necessários.
Minha coluna que antes apenas doía, agradeceu e muito.
— Muitas ideias e uma tela em branco após o eu te amo.

Ele franziu o cenho, claramente não entendendo. A cara


confusa que me destinava era como a prova de que
realmente não o via mais como meu amigo. Eu o
desejava, da forma mais verdadeira. Existia aquela parte
de mim que por muito tempo acreditei ser a curiosidade
pelo seu toque além de algo fraternal... Mas não era
apenas curiosidade.

Minha pele se sentia à vontade para implorar a dele,


apenas ali, encarando-o. A vontade consigo mesmo, ele
me fazia querer ficar da mesma forma. O único jeito era
simplesmente lhe mostrar o que guardava no peito.

— Acho que é o mesmo que eu perguntar sobre como


gerir uma fazenda e você me explicar de forma
resumida. — comentei despreocupada e cruzei as pernas.
— É bom te ter aqui, por perto. —

Admiti, tentando ainda tomar cuidado com meus


sentimentos.

Tinha em mente que o melhor jeito para tentar fazer


Samuel encarar o que não via sobre mim, era estar em
seu próprio ambiente. Ali, no meu lar, ele com certeza
não me via além. Agora, invadindo o que era o seu, com
toda certeza, poderia mudar tudo de figura. Poderia ser
um plano besta, e no fim, apenas admitiria que queria
uma chance, contudo, a parte romântica e pragmática se
encontrava em desacordo. Naquele momento, a
romântica vencia.

— Vai tirar algumas férias por lá? Nadar no rio, banho de


cachoeira.... Quem sabe andar a cavalo? — indagou e
não pude evitar uma careta. — O medo de cavalos
permanece. — Sorriu baixinho, provocando-me.

— Sou bicho da cidade, Samu. — Dei de ombros. — Mas


faço esse esforço por você. — Sorri de forma debochada,
e ele pareceu pensar sobre algo, parecendo
desagradável. — O que foi?

— Nada, eu só...

— Fala logo! — cortei-o, pois sabia quando ele tentava


fugir de algum assunto.

— Não acredito que depois de meses, a primeira vez que


consigo te levar para fazenda sem praticamente lhe
obrigar é por conta de estar apaixonado.

Revirei os olhos, e com toda certeza, meu estômago


fizera o mesmo movimento.

— Primeiro, amo passar minhas férias por lá.

— As que tira a cada cinco anos? — provocou e peguei a


almofada no chão e joguei em sua cabeça, fazendo-o
gargalhar.

— Segundo, não vou tanto porque sempre parece


ocupado demais. — Confessei e ele parou de rir no
mesmo instante. — O último natal foi uma prova disso,
Samu.
— Sabe que sinto muito por não chegar a tempo da ceia.

Confessou e sabia que ele realmente se sentia. Não que


ainda me doesse tal gesto. Guardar mágoas dele era algo
praticamente impossível. Mesmo brava, demorava
menos de um segundo para perdoar.

— Eu sei disso, mas...

— Madu! — reclamou e sorri amplamente. — Aprendi


minha lição de não atender nenhuma ligação em dias
especiais.

— Momentos especiais, caríssimo. — Provoquei-o.

Lembrar daquele natal sozinha a frente de um jantar que


tentei preparar para nós, me fazia lembrar que fora
naquela noite que me descobri realmente apaixonada
por ele. Não era só a falta. Era a dor subsequente a ela.
Fora o desejo de simplesmente não lhe atirar o vinho da
minha taça no segundo que apareceu na sala de jantar
da fazenda, e simplesmente querer beijá-lo e esquecer
que por um segundo cogitei não o fazer. Não o fiz. Talvez
fora o meu maior e real arrependimento daquela noite.

— Esse ano minha família vai viajar de novo, e bom,


seremos só nós. — falou e eu assenti, sem saber muito o
que pensar. — Prometo recompensar, além das cinco
ceias.

Neguei e tentei não pensar muito a respeito. A questão


era que não me via longe dele, e a ideia de perdê-lo era
perturbadora. Tínhamos uma história forte e que sentia
ser inquebrável. Seria? Mesmo eu querendo mais?

Era o momento de colocar a prova.


— Por que não falamos com seus pais amanhã e daí
vamos para a fazenda? — indaguei de uma vez e Samuel
pareceu completamente surpreso. — Qual é? É o seu dia
de sorte! Você odeia a cidade e me ama,

logo, estou te dando uma puta presente. — Provoquei, e


ele pareceu desconfiado.

— Isso tudo por que não acredita que me apaixonei? —


pareceu ainda mais desconfiado.

— Apenas uma melhor amiga tentando salvar a pele do


melhor amigo. — E uma mulher apaixonada em
desespero... — Mas, pode considerar que quero quebrar a
cara do seu irmão por não ter pedido minha benção para
casar. O que aconteceu com aquele desalmado? —

perguntei para o nada, e Samuel pareceu apenas me


observar. — Para de tentar me dissecar.

— Uma caixinha de surpresas, como sempre. —


Levantou-se e veio até mim, dando-me um leve beijo na
cabeça. — Que tal assistirmos algo na sala até o sono
vir? — indagou, e acabei assentindo, sem saber como
olhá-lo, não com toda a intensidade que me encontrava
mergulhada.

— Só vou salvar o arquivo.

— Te espero com cobertores e travesseiros quentinhos.


— Piscou um olho e saiu com cara mais deslavada do
mundo.

— Os meus cobertores e travesseiros....

Deixei a frase morrer e acabei sorrindo.


Eu realmente queria aquele homem!

CAPÍTULO 05

“Estou com muito medo para me afastar (Sim)

Eu preciso de você comigo (Ei)

Eu acho que é tudo igual para você, sim

Eu só quero beijar o seu pescoço” [8]

Madu

Eu estava sentada sobre uma toalha na grama. Meu


corpo já estava seco e apenas conseguia focar no
homem lindo que nadava em minha direção. Seu sorriso
e olhar brilhante fora a primeira coisa que pude notar.
Assim que ele saiu da água e veio até mim, não neguei o

toque de seu corpo molhado. Por mais fria que a água


estivesse, sabia que seu toque me deixaria quente.

— Que cena mais linda! — um grito me fez dar um pulo,


ou fora o que imaginei estar fazendo. Contudo,
encontrava-me sobre o peito de Samuel,
confortavelmente deitada. Ele ainda dormia como pedra,
e sabia bem que não acordaria se não o sacudisse.
Larissa gargalhou ao nosso lado, e riu ainda mais alto,
quando lhe olhei feio. — Será que estou atrapalhando o
casalzinho aí? — insistiu na provocação, cruzando os
braços.

— Por que não vai a merda? — indaguei, nervosa, e me


afastei do corpo de Samuel. Senti falta do seu calor no
mesmo instante, contudo, não pretendia dormir mais. —
Que horas são? — perguntei, notando que nenhum raio
de sol entrava pela janela.

A televisão da sala estava em sua imagem de repouso e


lembrei-me da última coisa que me prendeu na série que
decidimos assistir –

Dark. A única coisa que entendia menos do que aquela


série, era como meu coração conseguia se acalmar tão
rápido e do nada acelerar estando ao lado de meu
melhor amigo.

— Já passou das seis. — Larissa respondeu, encostando-


se em um sofá. — Ele não acorda? — indagou e franziu o
cenho para Samuel que respirava de forma lenta.

— Uma pedra. — comentei, levantando-me. Espreguicei-


me e encarei minha amiga. — Só acorda se pular em
cima dele.

— Por que não faz isso? — perguntou com um sorriso


sacana, fazendo-me revirar os olhos.

— Eu já te mandei a merda hoje?


Ela riu e se levantou. Reparei melhor em suas roupas e vi
uma camisa social branca em seu corpo, a qual não saíra
de casa para nosso dia da solteirice.

— A noite foi boa, certo? — provoquei, e ela parou em


seu caminho em direção ao corredor que dava para os
quartos. — Pode me contar tudo!

Ela deu de ombros como se não fosse importante.

— Digamos que o cara era atencioso e achou que


passaria frio apenas com o vestido. — Indicou a camisa
branca. — Uma noite e é isso, Madu. Sabe que só vou
estar com um cara quando ele atravessar a porta desse
apartamento. — Piscou um olho e assenti.

— Somos duas. — Engoli em seco, assim que seu olhar


praticamente me acusara. — Nem vem!

— Digamos que o seu cara certo já atravessou a porta há


muito tempo.

Calei-me e ela se virou, sabendo que não teria nenhuma


resposta inteligente para tal fala. Larissa e eu dividíamos
o mesmo teto há muitos anos, quase uma década,
contando com a época da faculdade. Nunca admiti nada
a ela sobre meus reais sentimentos sobre Samuel. Na
realidade, não admitia a mim mesma. Contudo, os olhos
puxados de Larissa pareciam enxergar muito mais do
que eu lhe permitia ver.

Desviei meu olhar do corredor e parei em Samuel, ainda


dormindo. Sorri da cena e lembrava-me claramente de
como aquilo era comum entre nós. Fui a cozinha e peguei
uma garrafa de água na geladeira. Sentei-me de frente
para a bancada, e fiquei ali por alguns bons minutos,
apenas assistindo-o. Nunca pensei que entenderia de
fato músicas românticas, mas ele me fazia entender. Eu o
encontrava e o reinventava em meus livros, como escape
de um amor que não pretendia sentir. Ele tentou pegar
algo com as mãos e segurei o riso, vendo-o não me
encontrando, e se contentando com o travesseiro ao
lado. Suspirei fundo, sabendo que fazia um bom tempo
que apenas me contentava com o mesmo. Queria poder
estender as mãos e simplesmente tê-lo.

Bebi mais um pouco de água e peguei meu celular sobre


o sofá.

Olhei para a última música que ouvira e suspirei


profundamente, sentando-me. Death By a Thousand
Cuts[9] era como um hino de términos, e sequer sabia o
que era sentir aquilo por alguém. Entretanto,

via-me em uma situação relutante, por ainda não poder


chamar o homem que amava de meu. Quando percebi,
simplesmente cantava baixinho, como se estivesse
eternizando um momento.

“Eu fico bêbada, mas não é suficiente

Porque a manhã chega e você não é meu o amor

Eu olho pelas janelas deste amor

Mesmo que tenhamos tapado elas

O candelabro ainda está oscilando aqui

Porque não consigo fingir que está tudo bem, quando


não está É uma morte por milhares de cortes.” [10]

— Faz tempo que não te ouvia cantar. — A voz grossa


interrompeu o momento e parei no mesmo instante. —
Vamos lá! —

reclamou, ainda de olhos fechados. — Sabe que amo sua


voz.

— E eu amo quando fica calado. — Rebati, sorrindo


baixinho. —

Boa noite, caríssimo.

— Acordou faz muito tempo? — indagou, recostando-se


contra o sofá e me presenteando com os olhos
castanhos. — Fazia tempo que não

dormia tão bem.

— Sei que minha presença opera milagres. — brinquei.

— Não vou me opor a isso, já que... — abriu os braços,


rendendo-se. — O que estava cantando? — indagou, e
fiquei hipnotizada pelo corpo feito para o pecado.

Como eu não enxerguei aquele homem antes? Minha


mente se indagava, ao mesmo tempo que tentava
encontrar qualquer resquício de que ele me olhava da
mesma forma.

— Death By a Thousand Cuts. — Respondi-lhe,


lembrando-me de sua declaração de amor por outra
mulher.

Aquilo parecia com uma morte por milhares de cortes. Ao


mesmo tempo que pensava em pegar uma garrafa de
vinho e cantar Marília Mendonça. Meu humor era
variável, mas nunca Marília e Taylor fizeram tanto sentido
ao mesmo tempo.
— Parece pensativa como ontem. — Constatou e odiava o
fato de ser tão transparente para com ele. — Mas sei que
não vou tirar nada, e minha cabeça está me matando de
tanto que tentei entender a série. —

Acabei rindo e ele deitou a cabeça no sofá. — Me sinto


um adolescente dormindo tanto.

— Como se fosse um velho aos trinta. — comentei,


revirando os olhos. — Aliás, não vai mesmo fazer a festa
dos trinta e um?

— Segundo minha mãe, paramos de contar depois dos


trinta. —

respondeu e senti o tom debochado na voz.

— Júlia Antunes e seus eternos trinta. — Ri, encostando-


me nas almofadas. — Mas sério, o que vamos fazer? —
perguntei, sabendo que faltava menos de um mês para
seu aniversário.

— Que tal apenas um jantar no nosso restaurante


favorito? —

perguntou, e sabia que ele sequer se animava com a


data. Samuel era avesso a festas, e tê-lo nas mesmas era
praticamente um milagre.

— Pera aí... Como foi aparecer na balada ontem? —


perguntei, finalmente me dando conta que sequer lhe
indaguei sobre.

— Vou entender como uma resposta positiva para o


jantar. Mas respondendo sua pergunta... Perguntei a Lari.
— Claro, a fofoqueira. — Revirei os olhos e ele sorriu
amplamente.

— Era uma surpresa. — Deu de ombros. — Sei que ficou


feliz, já que chorou de saudade. — Provocou e joguei uma
almofada em sua cabeça no mesmo instante.

Ele caiu para trás surpreso e sorri docemente, fingindo-


me de anjo. Sem querer pensar em nada, fui até ele,
deitado sobre as cobertas que espalhamos no tapete, e
me deitei ao lado. Ele era meu porto seguro, e evitá-lo
não me faria sentir menos. Pelo contrário, matava-me
por dentro.

Encarei-o de lado, e ele sorriu, claramente feliz.

— Nessas horas parece que temos cinco anos de novo. —

comentou e assenti. — Sinto falta daquela época, de não


preocupar com nada além da próxima brincadeira.

— Sem boletos para pagar. — Provoquei e ele assentiu,


sorrindo.

— Pensa pelo lado positivo, aos cinco anos não podíamos


dormir o quanto queríamos.

— Na fazenda, eu acordo as cinco.

Levei a mão a sua testa, fingindo que o checava, e ele a


retirou rapidamente, rindo.

— O lado bom de poder acordar as oito. Obrigada


universo! —

praticamente gritei, e ele pegou a almofada que antes


tinha o atingido e bateu em minha barriga.
— Vale a pena acordar as cinco, ao menos lá. —
comentou, e dei de ombros. — Vou te obrigar a passar
um dia comigo, no meu jeito.

— E eu que pensei que ia dormir o dia todo com aquela


vista linda de presente. — Bufei dramaticamente, e
resolvi lhe fazer uma contraproposta. — E você vai viver
um dia junto comigo, no meu jeito.

— Dei-lhe o dedo mindinho e ele me encarou com os


olhos semicerrados.

— Uma aposta de quem desiste do dia do outro, que tal?

— Era apenas uma proposta. — Rebati, mas sabia que


poderia ficar interessante. — Mas gosto de apostas entre
nós, já que sempre venço.

— Veremos! — piscou um olho. — Se não aguentar o meu


dia, vai ter que me deixar levá-la para andar de cavalo.

— Isso é baixo! — acusei-o. — Mas... Vamos lá! Como sei


que vou ganhar, não precisa saber sobre o que vou pedir.

— Madu Madu... O que está pensando? — perguntou e


uniu o dedo mindinho com o meu, apertando-o.

Não o respondi e fiz minha melhor cara de inocente. Na


realidade, não fazia ideai do que pediria, mas com
certeza, estaria dentro do plano

“Conquistar meu melhor amigo” que acabara de colocar


em prática. O

plano tinha um nome brega, contudo, histórias de amor


geralmente o
eram. Portanto, tinha 50% de chance de funcionar. Talvez
menos. Talvez mais.

CAPÍTULO 06

“Você já não sabe demais?

Só vou te machucar se você deixar

Me chame de amiga, mas me mantenha mais perto (me


ligue de volta) E eu vou te ligar quando a festa
acabar.”[11]

Madu

— Chegamos!

A voz baixa e calma diretamente em minha orelha, fez


com que abrisse os olhos vagarosamente. Pisquei
algumas vezes até me acostumar com a claridade, e
assim que mexi a cabeça, batia-a diretamente em

alguma coisa. Demorei meio segundo para entender que


fora o nariz de Samuel, e mais meio para começar a
gargalhar.
— Ai! — reclamou, levando a mão ao nariz. — Me lembre
de nunca te irritar o bastante para levar uma cabeçada.

— Tá doendo muito? — perguntei, parando de rir e


começando a me preocupar.

Ele mexeu no nariz e olhou diretamente para o retrovisor.


Era impossível não o analisar ali, e acabei segurando um
suspiro. Depois me lembrei que era exatamente o oposto
do que deveria fazer. Deveria demonstrar o que sentia
para ele.

— Tá tudo bem. — Piscou um olho e senti-me derreter.


Por todos os deuses! Samuel não tinha ideia do que
causava ao fazer algo do tipo?

Soltei o suspiro guardado e ele parou um segundo para


me analisar.

Sequer conseguia imaginar o que se passava em sua


mente. — Parece cansada. — falou, já abrindo a porta do
carro. — Vamos e pode dormir até umas oito.

— Até as dez. — corrigi-o, tirando meu cinto e abrindo a


porta do carona.

Pulei da caminhonete e tentei me equilibrar na porta


aberta. Não saberia dizer como, mas Samuel já estava ao
meu lado, e virou meu

escoro quando acabei não conseguindo alcançar a porta


de forma correta.

Nossos corpos se bateram, e o meu o reconheceu


prontamente. Subi meu olhar e encontrei o seu. O sorriso
em seu rosto era o mesmo do menino que sempre amei,
contudo, fora como se tudo parasse. O tempo parasse
para admirá-lo, e quem sabe, buscando alguma negativa
do que eu queria. O sorriso se modificou, e ele franziu o
cenho, ainda com uma mão firmemente colocada em
minha cintura. Se tomasse a iniciativa, sabia que
chegaria aos seus lábios. Talvez fosse a hora certa. Talvez
tivesse esperado demais.

Quando subi a mão que estava em seu peito para o


ombro, uma voz desconhecida praticamente invadiu o
momento, fazendo todo meu corpo gelar, e senti Samuel
travar.

— Essa deve ser a namorada do patrão. — Virei-me de


relance, e fiquei embasbacada ao reconhecer os olhos
azuis a minha frente. — Não acredito! — ele exclamou
quase em um grito e fora o que faltava para reconhecê-
lo.

— Júlio? — perguntei perplexa, e ele assentiu, abrindo os


braços.

Abri a boca uma ou duas vezes, sem conseguir crer que o


mesmo cara que cursou letras comigo parecia um peão.
Lembrava-me da época dos cabelos cumpridos, o porte
magro e a barba grande, nada parecido

com o homem de chapéu negro, camisa xadrez sobre um


peitoral claramente musculoso, e os cabelos curtos e
barba feita.

— Olha pra você! — praticamente gritei e fui até ele,


aceitando seu abraço. Sorri ao ser levantada do chão, e
nossos olhos se encontraram no meio do caminho. —
Como chegou aqui? Soube que tinha se mudado de BH
na época da faculdade, mas...
— Quis mudar de vida e deixar tudo pra trás! —
confessou, sorrindo levemente. Ainda permanecia
incrédula. A vida realmente era uma caixinha de
surpresas, ou melhor, os seres humanos o eram. —

Trabalho aqui faz cerca de cinco meses. Encontrei o que


realmente amo –

a vida no campo.

— Fico feliz por você. — Confessei, e me afastei um


pouco de seu corpo. — Eu e Samu somos...

— Namorados. — Meu amigo tomou a frente e passou


uma mão ao redor de meus ombros.

Não que eu reclamaria de tal movimento, contudo, não


eram condizentes com o que dissera. Olhei-o de relance
e tentei buscar a verdade em seu olhar, e ele claramente
não tinha nada para dizer.

— Melhores amigos. — Corrijo-o, revirando os olhos. —


Samuel é ciumento o bastante para não querer que tente
tomar seu lugar. —

Pisquei um olho para Júlio, que assentiu sorrindo.

— Não vou intrometer, patrão.

Samuel apenas assentiu e vi Júlio passar por nós.

— Carmem me mandou vir ajudar com as malas. — Ele


explicou, e notei o corpo de Samuel suavizar sobre o
meu.

Realmente, eu não sabia explicar se me sentia lisonjeada


por seu mini ataque de ciúmes ou se simplesmente
imaginava mil motivos para que ele o tivesse. Samuel
nunca fora adepto a demonstrações de nossas
chateações em público. Geralmente, conversávamos a
sós. Pelo jeito, as coisas pareciam mudar em menos de
um minuto que chegamos à fazenda.

— Estão no banco de trás. — Estendeu as chaves para


Júlio, que assentiu prontamente. — Pode deixar na sala
de estar, Júlio.

— Sim, patrão.

— Vejo você depois. — Pisquei para Júlio e ele assentiu,


passando por mim.

Quando dei um passo à frente, Samuel permaneceu


colado a mim, e assim que estávamos a uma distância
razoável de Júlio, e já adentrando o casarão principal,
virei-me para ele.

— O que foi aquilo? — indaguei, com meu corpo todo


praticamente implorando para continuar o momento que
perdemos. —

Não estava com ciúmes de Júlio, certo?

Ele abriu a boca para dizer algo, mas se calou no


segundo seguinte.

— Não sei. — Confessou, e pareceu constrangido. —


Desculpe por aquilo.

— Você sim parece cansado. — Rondei por ele, tentando


tirar algo que me desse um caminho para seguir. — Tudo
isso por Clara? —

perguntei, assim que cheguei próxima ao sofá.


— Acho que pensei ser uma boa ideia fingirmos que
somos namorados, assim...

— Não demonstraria que gosta dela ou deixaria na cara.


Complementei com pesar e com um nó na garganta. O


sonho de que ele apenas estivesse com ciúme de mim, e
ainda mais, que não fosse apenas amizade, apenas se
desfez. A realidade era uma porcaria. — Não sou fã de
joguinhos, Samuel. — falei de uma vez. — Não vou
participar dos seus.

Dei-lhe as costas e fui em direção as escadas.

— Madu, espera...

Deixei sua voz para trás, e apenas subi as escadas


rapidamente.

Na realidade, sentia-me estúpida de imaginar que


conseguiria conquistá-lo. Para Samuel, eu era apenas um
sopro de paz naquele lugar, talvez uma fuga da realidade
de dividir o teto com quem se apaixonara. Abri a porta do
quarto que costumava ficar, e encontrei-o da mesma
forma. A máquina de escrever de sua vó permanecia ali,
um presente que ela me dera aos quinze anos. Nunca
conseguira tirá-la dali, acho que era a forma de ter um
motivo para sempre voltar aquele lugar. A questão era
que sempre voltava. Mas era por ele.

Não demorou muito e ouvi batidas na porta. Parei com


meus dedos sobre a máquina e encarei a vista da grande
janela. O lugar era tão bonito e me trazia boas
lembranças de várias fases da vida. A porta se abriu e
não olhei atrás para encará-lo. Ouvi seus passos em
minha direção e apenas fiquei ali, tentando fingir que ele
não existia. O que era impossível.

— Não quis te colocar em nenhum joguinho. — Admitiu a


minhas costas, e senti suas mãos em meu quadril,
virando-me lentamente. — Eu só...

— Essa mulher te desestabiliza a ponto de não


considerar o que está fazendo? — perguntei, sentindo um
bolo se formando em minha garganta.

— Sim. — Admitiu, engolindo em seco. Seu olhar me


confundia, e me arrastava para perto, como se eu fosse o
metal e ele o imã. —

Desculpe por aquilo.

Eu odiava joguinhos, era verdade.

Contudo, escrevia joguinhos em meus livros. No qual,


eles pareciam funcionar. Ao menos, quando as pessoas
estavam certas do que faziam. Eu estava certa do que
queria fazer, não estava?

Minhas mãos caídas ao lado do corpo subiram por seu


peito, e foi quando subi para seu pescoço. Samuel piscou
algumas vezes, encarando com atenção meus
movimentos, mas não me parou – o que foi um erro.

Fiz um leve carinho no mesmo, tendo seu olhar por


completo e... abracei-o. Desistindo no último segundo do
que realmente queria. Seu corpo relaxou sobre o meu, e
não saberia dizer qual sinal ele me entregava. No fundo,
sabia que estava pirando por completo – só podia estar
vendo coisas onde não existiam. Ou não.
CAPÍTULO 07

“E tá tão fácil de encaixar

Os teus cenários na minha rotina

No calendário passear

Um fim de tarde em qualquer esquina

Tão natural que me parece sina

Vem cá.”[12]

Madu

Levantei meus cachos e os prendi em um coque com o


próprio cabelo. Suspirei fundo, e encarei as horas no
celular jogado sobre a escrivaninha do quarto. Já eram
praticamente onze horas da manhã.

Segundo Samuel, ele me acordaria as oito, contudo,


parecia ter decidido
me dar um tempo a mais no primeiro dia na fazenda.
Abri a boca algumas vezes, ainda me sentindo cansada.
Realmente não era uma pessoa matinal. O que tentava
lutar a todo custo, já que a flexibilidade de um trabalho
home office, como escritora, poderia se tornar um caos
se não me regrasse. Suspirei fundo e passei uma mão
nos olhos. De relance, vi minhas duas malas, uma grande
e outra de mão, assim como minha bolsa, no canto do
quarto. Samuel deve tê-las subido e sequer percebi.

Fui até minha bolsa e peguei meus óculos de sol. Já


estava basicamente vestida de forma leve para o calor
que fazia no dia. Uma mom jeans e uma camiseta na cor
preta, em um all star vermelho de cano médio nos pés.
Era o tipo de roupa mais casual que curtia. Peguei meu
nécessaire e resolvi ir até o banheiro, escovar os dentes.
Joguei água no rosto, na tentativa de despertar de fato, e
passei uma leve maquiagem, com adição de protetor
solar.

Saí do quarto e tentei pensar se ainda estávamos


sozinhos.

Samuel não sabia ao certo quando o irmão e a cunhada


apareceriam.

Tinha que admitir que existia uma parte de mim que


torcia para conhecê-la e entender porque tanto mexera
com meu melhor amigo, e outra, que simplesmente
adoraria o fato de que ela não aparecesse por ali tão
cedo.

Desci as escadas, tendo o silêncio como companheiro.

Conferi meu bolso de trás da calça e felizmente, meus


fones de ouvido permaneciam ali. Sorri, colocando-os na
orelha e conectando ao celular, para em seguida, abrir a
porta da frente. Assim que pisei do lado de fora, na
grama, percebi que com certeza trabalharia no ar
condicionado por vinte e quatro horas. Não que fosse um
calor insuportável, mas com certeza, eu era calorenta ao
extremo, como todos ao meu redor acusavam.

Encontrei algumas pessoas pelo caminho e elas me


cumprimentavam de forma simpática, mas notei o olhar
de surpresa em alguns momentos. Talvez porque minhas
roupas não eram tão parecidas com as que eles usavam.
Botas, camisas xadrez e jeans apertado.

Balancei a cabeça e foquei na música que tocava, não


querendo me importar com aquilo. Andei em direção ao
rio que cortava a fazenda, e fiquei alguns segundos
absorvendo aquele cenário. Era um lugar bonito para
uma história de amor, tinha que admitir.

— Olha só você.

Virei-me levemente, e encarei Samuel. Na realidade, não


estava preparada para como o veria. Nem mesmo já
tendo tal visão por todos aqueles anos, sempre me
sentia impactada. A camiseta na cor azul praticamente
se prendia aos músculos, o jeans delineava as pernas

torneadas e não deixava muito para a imaginação, além


das botas e chapéu de peão.

— Você parece tão inadequada aqui, pequena.

Ele sorriu levemente, e tentei não demonstrar o impacto


daquelas palavras sobre mim. Não costumava ser uma
pessoa insegura, porém, sentia-me exposta de uma
forma inexplicável. Na realidade, sentia-me frágil. O que
jamais admitiria. De forma discreta, virei-me novamente
para o rio e encarei meus pés. Os all star de cor
vermelha me responderam à pergunta silenciosa: você é
uma garota da cidade.

— Eu queria muito...

— Madu! — o grito vindo de longe o calou, e olhei ao


redor.

Em poucos segundos, Paulo, seu irmão mais novo que


significava o mesmo para mim, alcançou-nos e me pegou
no colo, jogando-me para cima. Acabei gargalhando e
aceitei seu abraço apertado. Assim que coloquei os pés
de novo no chão, notei o sorriso de menino em seu rosto.

Por mais que ele tivesse vinte e sete anos, sempre o


veria como um garoto. — Quanto tempo!

— Eu que o diga. — Bati em seu ombro, e ele pareceu


não entender. — Está noivo e sou a última a saber? —
indaguei, fingindo-me de brava e ele sorriu levemente.

— Ela é incrível.

Forcei um sorriso, tentando ficar feliz por ele. A questão


era que quanto mais feliz ficava por ele, mais poderia
imaginar Samuel mal por aquilo. De relance, vi um
vestido na cor rosa clara e botas.

— Ela? — indaguei, e ele assentiu. O brilho em seu olhar


era nítido quando o direcionou para ela.

Clara era muito bonita. Os cabelos pretos batiam quase


no quadril, e pareciam combinar perfeitamente com todo
o resto. Olhos azuis, sardas espalhadas pelo rosto branco
quase pálido. Ela parecia tão à vontade em si, que
poderia deixar claro como arrematou dois corações de
uma vez. Como diria uma de minhas youtubers favoritas:
ninguém segura uma mulher segura. Senti falta de mim
mesma naquele momento.

— Ei, sou Maria Eduarda.

Ela pareceu travar um passo e seus olhos se


arregalaram.

— O que foi? — perguntei para Paulo, e recorri ao olhar


de Samuel.

De repente, meu melhor amigo olhava para qualquer


lugar que não fosse para ela. Senti a facada em meu
coração e tentei fingir que não sangrava. Ela parecia
perfeita para aquele lugar, para ele. Eu, entretanto,
passei a me sentir inadequada, assim como ele brincara.

— Ela é sua leitora há muitos anos, e fã.

Abri a boca surpresa e percebi que nem se quisesse


poderia não gostar dela. Ela sorriu levemente, e deu um
passo à frente, parecendo não saber o que dizer. Era
claro o seu olhar de vergonha e embaraço.

— Eu tenho todos os livros e... Nossa, eu nem sei o que


dizer. —

falou rápido demais, e Paulo acabou gargalhando.

— Shiu! — repreendi-o e ele levantou as mãos em sinal


de rendição. — Eu posso ver?

— Claro, claro! — respondeu ainda mais rápido. — Estão


todos no nosso quarto e... Nossa, nem acredito que estou
te conhecendo. Aliás, sou Clara! — pareceu perceber sua
gafe e assenti, como se para não a constranger. — É um
grande prazer. — Puxei-a para um leve abraço, e sorri
para ela em seguida.

— Fico muito feliz por gostar dos meus livros. — Fui


sincera, e notei o rubor em seu rosto. Ela parecia querer
correr dali, ao mesmo tempo que me abraçar
novamente. — Acredite, o prazer é meu, Clara! —

pisquei um olho e sorri. — Que tal irmos ver isso agora?


— perguntei e ela assentiu rapidamente, como se
ansiosa por aquilo. — Certo, vamos lá!

Assim que dei um passo para sair, senti a mão de Samuel


sobre meu braço. O casal ao nosso lado já caminhava em
direção ao casarão, e então me virei para ele.

— O que foi? — perguntei, e ele pareceu querer dizer


algo, mas nada saiu. — Eu vi a forma como olhou para
ela. — Praticamente sussurrei, e chequei novamente se
eles se distanciavam. — Ou melhor, como evitou o fazer.
— Ele franziu o cenho, como se não conseguisse captar o
que eu dizia. — Pensei que fosse algo da sua cabeça,
mas...

— Acho que precisamos conversar. — Encarei-o sem


entender a seriedade em sua voz. — Preciso fazer isso.

— Qual o grande problema? — senti-me acuada, e ele


subiu uma mão até meu pescoço, puxando-me para ele.
Ficamos a um passo do outro, como se a ponto de nos
beijar. — Samuel... — minha voz se perdeu, e seus olhos
castanhos pareceram negros.

— Precisamos falar disso. — Assumiu, e franzi o cenho.


Ele então apertou levemente meu pescoço, deixando-me
ainda mais próxima.
— Eu podia te beijar bem aqui... exatamente aqui e você
não ia negar. Ou ia?

Paralisei diante de suas palavras e senti meu corpo fazer


o mesmo.

O que?

— O que quer com isso? — perguntei, sentindo-me mal


com seu arroubo. Nunca imaginei que me sentiria mal
por ele me tocar. — Não vou fingir nada porque se sente
mal por estar perto dela. — Pontuei, e me livrei de seu
toque como se me queimasse. Daquela vez, de forma
completamente negativa. — A gente conversa depois,
não sei lidar com você assim.

— Assim como? — pareceu completamente perdido.

Ali, perdi-me ainda mais pelo o que sentia por ele.

— Um momento diz que sou inadequada e no seguinte,


quer me beijar. — Fui honesta, e ele abriu a boca para
dizer algo, mas nada saiu.

— Acho que está confundindo as coisas.

Por Deus, eu queria que ele não estivesse! Mas


claramente, parecia louco para tirar Clara da cabeça. Ser
usada pelo meu melhor amigo não era uma opção. Eu o
queria para mim. Não por ela ou por qualquer outra
pessoa.

Dei-lhe as costas e fui em direção a casa principal. Meu


coração estava a ponto de sair pela boca e senti que
poderia ter um treco ali mesmo. A intensidade de Samuel
me assustava, e sabia que a queria para mim. Porém, ele
realmente entendia o que estava sugerindo?
Sem resposta para aquela pergunta, adentrei a casa e
dei de cara com uma Clara sorridente, e todos os livros
físicos que lancei sobre o sofá, que eram cerca de sete.
Ela falava alegremente para Paulo sobre algo e sequer
notou minha presença. Por um segundo, queria apenas
perguntar-lhe como roubou o coração do homem que eu
amava. Contudo, me calei, e resolvi deixar aquilo de
lado. Por alguns segundos, ao menos.

CAPÍTULO 08

“Eu odeio acidentes, exceto o de quando passamos de


amigos para isso Uh huh, isso mesmo

Querido, você é o que eu quero, e

Anéis de papel e porta-retratos e sonhos sujos

Oh, você é o único que eu quero.”[13]

Madu

A noite caiu e Samuel sequer deu sinal de sua existência.


Gastei meu tempo conversando sobre livros com Clara, e
até mesmo, matando minha saudade de Paulo. Pode
perceber que os dois eram lindos juntos, o que não me
admirava o fato de ele admitir ter se apaixonado à
primeira

vista. Os olhos de ambos pareciam dividir um mundo


particular de sentimentos.

— Obrigada mesmo. — Clara falou, sorrindo amplamente


ao encarar os livros autografados. — Eu tentei ir as
sessões em BH, mas nunca consegui. — Admitiu e toquei
levemente em seu ombro, como que para acalmá-la.

Ela parecia genuinamente feliz em me ter por perto.


Seria tão mais fácil se ela fosse uma pessoa intragável,
não é? Porém, se ela o fosse, sabia que nenhum dos dois
homens teriam caído por ela.

Samuel realmente o fizera? Era o que me perguntava


após aquele momento a beira do rio. Ele parecia
atormentado ao me encarar, e não saberia dizer pelo
quê. Ao mesmo tempo que sabia que se ele tentasse,
aceitaria o beijo. Esperava há muito tempo por aquilo.
Contudo, por que parecia confuso demais para
simplesmente aceitar? Sempre tive tudo dele, a vida
toda. Como poderia simplesmente aceitá-lo pela metade?

— Eu posso perguntar algo? — Clara me encarou curiosa


e assenti.

— Conversamos sobre muita coisa e é da minha família


agora. —

Fui sincera. — O que quiser.

— Seu protagonista masculino... Ele se parece muito


com... —
Ela pareceu procurar as palavras e sabia aonde queria
chegar. — Não disse aos meninos e acho que nenhum
deles leu, mas... Curiosidade de fã.

— Justificou e assenti. Paulo, felizmente, tinha ido atrás


do irmão. Como eu poderia lhe explicar?

— Samuel é minha referência de ser humano. — Fui


franca. —

Se for me apaixonar por um cara um dia, com certeza


teria que ser parecido com ele. Não consigo me ver com
alguém que não me trate como ele. — Aquilo teria valia
se eu não tivesse me apaixonado justamente por ele,
mas era um detalhe que ela não precisava saber. —

Claro que são sentimentos diferentes. O amor romântico


e o amor amigo.

— Depois que o conheci, vi muitas semelhanças com os


seus mocinhos. — Sorri, por perceber que ela realmente
parecia gostar do que eu escrevia. — Desculpe se fui
invasiva.

— Não foi. — Pisquei um olho e me estiquei no sofá,


ainda a encarando. — Acho que vou procurar algo na
cozinha.

— Se quiser, posso fazer o jantar. — Ofereceu-se e


neguei rapidamente.

— Paulo comentou sobre terem um jantar romântico


hoje. —

Lembrei-a e ela pareceu cair em si.

— Mas posso falar com ele e...


— Nem pensar! — levantei-me e ela sorriu de meu
rompante. —

Só quero uma fruta e ir ver as estrelas.

— Podemos jantar juntas amanhã, o que acha? —


indagou e concordei, sem ter porque fugir. Ela era uma
boa pessoa e estava feliz por Paulo. — Mais uma vez... —
falou ao pegar os livros no colo e se levantar. —
Obrigada.

— Sem isso. — Ajudei-a com um livro que quase caiu da


pilha.

— Quer ajuda?

— Não, tá tudo bem! — sorriu, saindo da sala com os


livros a tiracolo. — Até mais, Madu.

— Até.

Fiquei parada ali por alguns instantes, pensando e


repensando sobre o sumiço de Samuel. Já eram
praticamente seis da noite, e nenhum sinal de vida. Abri
minhas redes sociais pela primeira vez no dia e rolei a
tela do instagram, buscando algo que o tirasse da minha
cabeça. Todavia, nada parecia o suficiente.

Suspirei fundo, e fui em direção a cozinha. Samuel tinha


uma cozinheira de muitos anos, que também conhecia
há muito tempo –

Carmem, a qual não parou de tagarelar do quanto estava


feliz por se

tornar avó e foi o assunto do almoço, e acabei


dispensando-a para passar o dia em casa com sua
família. Na realidade, o que mais rondara minha mente
fora o lugar vazio na mesa.

Meus pensamentos estavam entorno do quanto Samuel


parecia evitar estar ali. Seria por Clara? Seria por mim?
Por que diabos tudo pareceu tão difícil apenas com uma
simples conversa? Talvez fora por aquilo que resguardei
tão bem todos meus sentimentos. Porque no final era
tudo muito delicado, e eu não sabia como lidar. Nunca
soube. Não era boa no amor, não na realidade.

Peguei uma maçã e segui porta a fora da cozinha.


Encontrei o céu escuro, com as estrelas tão presentes
como se fosse possível contá-las. A lua banhava a terra,
como se pudesse tocá-la, e sabia que era o efeito mágico
do interior a me tocar. Andei até a grande árvore com o
balanço que existia antes mesmo de eu nascer. Sorri,
sentando-me no mesmo e ainda comendo. Decidir estar
ali era bom o bastante para me fazer esquecer um pouco
do que realmente me tirava do eixo. Ou talvez, querer de
fato me deixar levar.

A questão era que pensava muito, até demais.

Terminei de comer e balancei levemente, sentindo-me


um pouco mais à vontade comigo mesma. Ouvi um
barulho de água e senti meu coração acelerar no mesmo
instante. Levantei-me praticamente de

imediato e caminhei em direção do rio passava ali atrás.


A passos incertos, cheguei à margem, e encontrei uma
pilha de roupas. Estava praticamente tudo escuro, a não
ser por uma iluminação do celeiro. Fraco para iluminar
por completo, mas o suficiente para eu conseguir
distinguir os cabelos negros sobre a água.
Engoli em seco assim que o reconheci por completo, e
senti meu corpo todo tremer, ao mesmo tempo que me
obriguei a fazer algo. Se não fosse para ser, não seria. Se
não fosse para ser, por que me sentiria de tal forma?
Talvez tivesse algum propósito. Nem que fosse para
aprender com um coração partido.

Tirei minha roupa rapidamente, ficando apenas de


calcinha e sutiã e entrei na água. Samuel ainda nadava,
mas vi-o parar assim que ouviu o barulho de meu
mergulho. Emergi e molhei meus cachos, aceitando a
água na temperatura perfeita. Mesmo assim, meu corpo
se acendeu assim que os olhos castanhos chegaram aos
meus. Nadei para perto dele, e percebi que ainda
conseguia tocar o chão. Felizmente, não tínhamos
chegado na parte profunda.

— Por que está assim? — perguntei, e notei a tensão em


seu rosto. — Desde que chegamos, você parece...

— Diferente? — indagou ao complementar, e acabei


assentindo.

— A gente se conhece a vida inteira, Madu. Não consigo


fingir nada para

você.

— Sei disso. — Assumi. — Mas o que isso tem a ver?

— Por que escondeu que estava apaixonada?

O que?

— De onde tirou isso? — rebati, sem saber como


chegávamos aquilo. Eu não tinha falado nada ou
admitido.
— Ouvi sua conversa com a Lari. — Confessou e fechei os
olhos, sentindo-me patética. — Por que não me contou
sobre? Sempre fomos sinceros um com outro.

— Eu sei, eu só... — respirei fundo e abri os olhos


novamente. —

Não sabia como te dizer. — Admiti, segurando-me para


não desabar. —

Aconteceu de repente e...

— Não teve um momento para me ligar e contar? —


perguntou e franzi o cenho.

Ele achava aquilo simples?

— O que esperava? Que eu ligasse e dissesse: Alô, eu


estou apaixonada...

Parei de falar assim que me dei conta do que realmente


acontecia.

— Você acha que estou apaixonada, certo? — indaguei, e


ele assentiu, passando as mãos levemente pelos cabelos.
— Mas não faz

ideia de por quem? — assentiu novamente, e soube que


poderia voar sobre ele e esganá-lo.

— Por isso pareceu tão atraída por mim mais cedo, não
é? Deve estar confusa por se sentir apaixonada e...

— E o que? Querendo esquecer isso beijando meu melhor


amigo?

— levei as mãos ao rosto, incrédula. — Onde escondeu


essa versão de si mesmo que acha que te usaria assim?
— indaguei com raiva, e bati na água. — Agora entendo
porque Clara se apaixonou por Paulo, e não por você.

Notei seu olhar magoado e não quis compreendê-lo.


Sentia todos meus nervos à flor da pele, e nem mesmo
conseguia pensar uma vez antes de falar.

— Realmente, não sei o que vim fazer aqui. — falei em


derrota.

Mal completavam vinte e quatro horas, e tudo que que


queria era minha casa. Era a realidade. — Foi só
chegarmos aqui que nos tornamos inimigos.

— Eu sinto muito, Madu.

— Pelo que especificamente? — indaguei e dei dois


passos à frente, parando a um fio de cabelo de distância.
— Somos adultos e não

temos porque mentir ou ficar incomodados um com o


outro. — Eu estava a um fio de me deixar levar e
simplesmente beijá-lo ali.

— Não quero isso. — Admitiu. — Eu só não sei como me


explicar ou fazer a coisa certa.

A profundidade que encontrei em seus olhos não me


permitiu pensar em mais nada. O fio se partiu.

— Eu faço por você.

Soltei de uma vez, e encostei nossos lábios. Fora como


um teste inicial, mas meu corpo aprovou-o de imediato.
Pensei que após toda a nossa própria confusão, ele não
me aceitaria. Ledo engano. Senti sua mão em meu
pescoço e o beijo se aprofundou. Puxei-o ainda mais para
mim, não conseguindo me contentar apenas com o
simples toque. Eu queria tudo. Finalmente, o tinha.

PARTE II

“Quem gosta, gosta. Sem complicações. Sem armações e


armaduras.”

Tati Bernardi

CAPÍTULO 09
“Está tudo bem eu ter dito tudo isso?

É normal que você esteja na minha cabeça?

Porque eu sei que é delicado

Delicado.”[14]

Madu

Nos afastamos devagar, quando o ar se tornou


necessário. Os olhos de Samuel vagarosamente me
estudaram, e notei o quanto estava expondo-o ali. A
realidade era que eu me expusera por completo.

— Não te contei nada porque sinto isso há muito tempo.


Confessei, sentindo meus lábios formigarem após o beijo


intenso. —

Tive ainda mais certeza no último natal, e tudo o que


queria era encontrar um jeito de te dizer isso. — Senti-
me mais aliviada, ao mesmo tempo que tudo ao redor
pareceu girar. — Eu te amo, Samu. Amo desde criança,
mas esse amor se modificou. Tentei lutar contra isso, eu
tentei...

— Você estava falando sobre mim. — Constatou, como se


para si mesmo, e o vi engolir em seco. — E me aguentou
falando de outra mulher? Merda! — levou as mãos aos
cabelos, claramente bravo consigo mesmo. — Eu tinha
que ter percebido, tinha que...

— Sei que não ia me magoar de propósito. — Puxei sua


mão para mim, e forcei um sorriso. — Acho que vim aqui
mais para mostrar a você que sou eu quem está aqui,
sempre estive... Que talvez possa me enxergar além da
amizade. Nunca soube pedir nada a ninguém, nem
mesmo sei fazer isso.

— Alguém me ensinou que amor não se pede, se


conquista. —

comentou e assenti, pois, era exatamente o que falara


para ele durante a viagem de carro.

— Sei que está confuso e tem tudo isso acontecendo,


mas...

— Vi que tinha algo diferente assim que te encontrei na


balada.

— Confessou, tocando levemente o meu rosto. — Posso


ser muitas coisas, mas não sou imune a você, Madu. Não
quero te machucar, mas...

Levei meus dedos aos seus lábios e o calei.

— Vamos só deixar acontecer. — falei de uma vez,


sabendo que era o melhor caminho para seguirmos. —
Eu te amo e nada muda isso.

— Eu também te amo. — falou, e sabia que era real.


Contudo, não da total forma que queria. — Desde que me
vi apaixonado, fiquei confuso com tudo ao redor. Mas te
beijar me fez ter certeza do que sou e do que quero.

— O que você quer, Samuel? — indaguei, aceitando o


doce toque em meu rosto.

— Te beijar de novo.
Fora a vez de ele iniciar o beijo e não consegui negar.
Agarrei-me a seu corpo como se dependesse do mesmo
para viver. Não sabia o que aconteceria no depois,
todavia, o que realmente tinha era o agora. Não me
importava em imaginar, mesmo que minha tola mente
tivesse a certeza de que seria agora e para sempre...
nós.

Samuel

— Ei! — os olhos castanhos claros pareciam me analisar,


e como sempre, eu era um livro aberto para ela. Nunca
fora diferente. A questão era que nunca tinha a olhado
daquela maneira. Não abertamente. Sorri, beijando
levemente sua testa.

Deixei-a sentada sobre nossas roupas secas, ainda


vestida apenas de lingerie. A nossa intimidade era única,
de quem cresceu junto e nunca se inibiu de nada. A
questão era que nunca me vi tão atraído por alguém e
aquilo me assustava. Ainda mais porque não era
qualquer pessoa.

Se por algum momento imaginei que gostar de Clara


virara minha vida de cabeça para baixo, tive a certeza
que fora apenas uma leve chuva, antes do temporal que
Madu trazia consigo. O beijo ainda parecia vivo em meus
lábios e suspirei fundo assim que alcancei o violão que
trouxe para me distrair um pouco. No caso, estava
evitando conversar sobre o que notei sobre nós. Com
medo de que estivesse enlouquecendo sozinho.

Percebi que ela me desejava, e não soube como reagir.


Nem me entendia quando simplesmente me senti da
mesma forma. Eu queria beijá-la e sentir seu gosto. Não
saberia dizer como aquilo fora desencadeado dentro de
mim, mas saber que eu era o homem que ela amava,
despertava-me completamente. Como uma
correspondência que nunca imaginei ter.

Se ela soubesse...

— Aqui. — Mostrei-lhe o violão e ela sorriu abertamente,


passando minha camiseta sobre sua cabeça. Ela sempre
usava minhas roupas, e não era nenhuma novidade.
Contudo, vê-la tão à vontade comigo, fazia-me sentir
culpado por não parecer mais o mesmo à sua frente. —
Quero ouvir sua voz. Que tal?

— Para agora, caríssimo.

Sorri de seu apelido tão velho quanto chamá-la de


pequena.

Tínhamos vários caminhos diferentes e sempre


estávamos na estrada um do outro. Ela era única e me
matava por dentro apenas a possibilidade de ter
quebrado seu coração. Na realidade, ainda tinha tantas
dúvidas sobre como ela se sentia, que por um segundo,
apenas quis ter minha melhor amiga ao redor, e deixar
que as coisas acontecessem. No final, Madu tinha razão
como sempre.

— É a música do casal principal do livro que estou


terminando, ou tentando terminar... — suspirou fundo, e
dedilhou as cordas. — Mais uma para o seu repertório,
que não sertanejo. — Piscou um olho e sorri de sua
provocação.

“Me assusta

O nosso beijo ser melhor agora Só me ajuda


E não me peça pra não ir embora

Você diz que igual a nós não tem

E me assusta

Me assusta

Era mais fácil quando era passado

E você usa a nossa história

E deita do meu lado

E me diz que igual a mim não tem

E me assusta

Pra onde a gente vai daqui

Não sei, nem sei se quero ir

Você em olha como um recomeço

E eu te beijo e sinto nosso fim

Como pode o tempo ter passado

E tudo está perfeitamente igual

Você conhece cada canto meu

E nosso amor seria tão real

Se eu fosse a mesma de anos atrás

Se eu fosse a mesma de anos atrás

(Eu poderia até fingir)


Mas você sabe que eu não sou

Sempre amei apenas ouvi-la e sabia que na música ela


encontrava sua segunda paixão. Madu vivia entre a
escrita e a música. Livros e discos eram seus vícios e eu
sabia que todo o seu sentimento tomava forma ali. Não
reconhecia a canção, mas como sempre, a colocaria em
minha playlist para poder ouvir depois e me lembrar
dela.

O que remetia a certeza de que ela estar ali, ao meu


lado, em um dia de semana não era algo comum. Era na
realidade algo raro para nós.

Fazia tempo que não tínhamos um momento juntos sem


que a vida real nos chamasse. Compartilhar momentos
com ela sempre foi o ponto alto do meu dia.

Ali, sabendo que ela me amava além do que eu esperava


ou imaginava, só poderia imaginar o que o Samuel de
apenas dezoito anos

pensaria. De que forma reagiria. Aquela música parecia


um verdadeiro soco no estômago e a realidade era que
não sabia lidar com a intensidade que vinha dela. Nunca
soube.

“E te assusta

Te assusta minha liberdade

E se culpa

Porque era linda nossa pouca idade

E me diz que igual nunca viveu


E te assusta

Pra onde a gente vai daqui

Não sei se tem pra onde ir

Você me diz que ninguém te conhece

Como um dia eu te conheci

Como pode o tempo ter passado

E nos dois de novo vendo o mar

Você me diz que agora faz sentido

Eu poderia até considerar

Se eu fosse a mesma de anos atrás

Se eu fosse a mesma de anos atrás

(Eu poderia até fingir)

Mas você sabe que eu não sou

E me assusta

Eu te olhar assim do mesmo jeito

E te assusta

Saber que o nosso foi seu melhor beijo

E pra sempre, igual não tem

E te assusta

Me assusta
Eu te olhar assim do mesmo jeito

Te assusta

Saber que o nosso foi seu melhor beijo

E pra sempre, igual não tem

E te assusta” [15]

— Não me olha assim. — falou, assim que parou de tocar,


sorrindo lindamente. — Sei que as coisas são recentes e
que precisa pensar sobre, mas... Eu ainda vou estar aqui.
Independente de qualquer coisa. Somos nós para
sempre...

— E mais um dia. — Complementei, soltando a


respiração que nem notei que guardava.

Toquei seu rosto com carinho e tentei não sentir à


vontade de unir nossos lábios, mas parecia algo
improvável. Eu queria seu gosto no meu mais uma vez.
Porém, me contive, sem querer confundi-la sobre algo ou
me confundir ainda mais. Madu merecia alguém inteiro e
sem dúvida de nada. Puxei-a para mim e passei um
braço sobre seu ombro. Ela nos empurrou para trás, e ali
nos deitamos, em meio as roupas, e o céu estrelado
como nossa tela de fundo.

— Quantas pessoas podem ter visto a gente aqui? —


perguntou inocentemente e arregalei os olhos,
finalmente me dando conta de que a fazenda ainda tinha
outras casas, afastadas dali sim, porém, qualquer um
poderia perambular. — Ei, não fica tenso!

— Eu só me toquei de... Meu Deus, você estava quase


pelada na frente dos peões e...
— Assim como você. — Escorou-se sobre meu peito,
sorrindo levemente. — Nada que qualquer um deles que
tenha a sorte de estar andando por aí, não tenha visto. —
Piscou um olho. — Aliás, que tal a gente só ficar aqui e
esquecer um pouco que foi uma noite de revelações?

— perguntou de forma confiante, mas eu sabia que


estava nervosa.

A mão sobre meu peito tremia e apenas concordei com a


cabeça.

Ela escorou a cabeça sobre meu peito e ficamos ali. Estar


com Madu me remetia à paz, e tê-la ali, apenas me
mostrava que no fim das contas, as coisas eram como
tinham que ser. E pela primeira vez em meses, não
pensei em nada além daquele momento. Madu era minha
paz perdida.

Apenas temia que pudesse, de alguma forma, quebrar


seu coração. Ou o meu.

CAPÍTULO 10
“Só estamos dançando de costas um para o outro

Tentando manter nossos sentimentos em segredo

Você me toca e é quase como se soubéssemos

Que existiria história.”[16]

Madu

Virei-me de relance e puxei um corpo quente em minha


direção.

Acomodei-me melhor, e abri os olhos lentamente. Pouca


luz entrava pela fresta da cortina na janela, e fora o
bastante para ter o vislumbre de Samuel. Depois daquele
momento ao lado do rio, tínhamos decidido entrar para
tomar um banho e dormir. Eu também precisava comer
algo e

ele parecia tentar não surtar. No entanto, entendia seu


lado. Se algum dia ele se declarasse para mim, em um
momento que não esperava ou sentisse o mesmo, ficaria
confusa.

Suspirei fundo e tentei pensar em algum jeito de não o


pressionar com aquilo. A questão era que eu me sentia
sufocada por guardar o que sentia há tanto tempo, e pelo
medo de o perder em um piscar de olhos. O

medo de perder sem ao menos ter lutado. Ele me atraía


de uma forma assustadora, e que me aterrorizava pois
ele poderia nunca sentir o mesmo a respeito de mim.
Queria apenas deixar acontecer, como pedi a ele. Mas
como boa romântica que era, quanto tempo poderia ficar
naquela até ter meu coração quebrado?
Samuel nunca o faria de forma consciente. Contudo, ele
era tão humano como eu. O bastante para não poder me
amar de volta.

O que ele poderia estar sentindo era uma atração


repentina, causada pelo fato de eu ser a pessoa próxima
o bastante para saber que precisava esquecer os
próprios sentimentos. Uma muleta? Era aquilo que
poderia me considerar? Levantei-me devagar, afastando-
me de seu corpo e me sentei contra a cabeceira.
Estávamos no meu quarto, e nada demais acontecera. Ao
menos, nada fora do que sempre fazíamos. Apenas
capotamos juntos na cama, e eu mal saberia dizer como
me sentia a respeito.

Feliz pelas coisas não parecerem estranhas o suficiente


para nos afastar. Triste porque não sabia como
conquistar alguém. Nunca precisei, aquela era a
realidade. Passei as mãos pelos cabelos e os prendi no
alto.

Meu celular vibrou na escrivaninha ao lado, e levantei-me


por completo da cama. Peguei o celular e sorri ao ver que
era uma chamada de vídeo de Larissa. Dei uma última
olhada no homem esparramado de forma confortável
sobre minha cama, e deixei o sorriso preencher o rosto.

Apenas de lembrar dos nossos beijos, sabia que não


tinha como estar maluca por amá-lo. Era basicamente
impossível não o sentir.

Assim que cheguei nas escadas, atendi a chamada de


Lari e sorri ao notar que tinha uma caneca, com certeza
com café, em suas mãos.

— Olá desnaturada. — Anunciou, e revirei os olhos.


— Sabe que horas são? — indaguei, e encarei a parte
superior do meu celular. — Não acredito que está me
ligando as sete da manhã! —

reclamei e ela gargalhou do outro lado da linha.

— O bom humor matinal permanece. — Piscou um olho,


bebendo mais um pouco de sua caneca. — Por que sumiu
desde que saiu de casa com Samuel?

Suspirei fundo e caminhei para fora da casa, tentando


não acordar ninguém, ao mesmo tempo que, querendo
privacidade para falar com

minha amiga.

— Me declarei para Samuel ontem. — falei de uma vez, e


os olhos de Lari se arregalaram no mesmo instante. — E
o beijei. —

Acrescentei sem conseguir conter um sorriso.

— Puta que pariu! — praticamente gritou, e agradeci aos


céus por ter sido esperta e não ficado dentro da casa.
Parei do lado de uma árvore e sorri da cara de tacho de
minha amiga. — E ele?

— Ele parece confuso e... atraído. — comentei, engolindo


em seco. — Só tenho medo que Samuel esteja me
usando sem ter consciência disso.

— Ele jamais faria isso.

— Inconscientemente, as pessoas são capazes de muitas


coisas.

— Pontuei.
— Mas estamos falando do Samuel, do seu Samuel... —
enfatizou, parecendo realmente lutar por aquele time. —
Ele não ia corresponder um beijo se não tivesse vontade.
Você mesma disse que já tentou, quando mais novos,
obrigar ele a sair com várias pessoas e nunca funcionou.

— A questão é que essas outras pessoas não eram a


melhor amiga dele. — confessei o que realmente se
passava por minha mente. —

Samuel sempre me protegeu do mundo, mas nunca teve


que me proteger dele. Talvez isso possa...

— Pera lá! Não vai começar as paranoias antes mesmo


de as coisas rolarem. — Revirou os olhos e sorriu
levemente. — Se joga nesse amor, Madu! Guardou isso
no peito por muito tempo e sei muito bem que tentou
esquecer o que sentia com outros caras.

— E se ele estiver fazendo isso agora? — indaguei,


sentindo-me uma imbecil. Minhas inseguranças gritando
a todo vapor. — Se eu for a tábua de salvação perfeita
para...

— O que?

Paralisei com o celular na mão, e fechei os olhos


lentamente.

— Que merda! — ouvi Larissa falar, e no segundo


seguinte ela simplesmente desligou.

Não me virei para a voz, mas sabia que ele permanecia


ali. Como diabos não percebi que Samuel chegava?
Talvez estivesse ocupada demais surtando pelo que
sentia. Merda!
— Ei! — encarei-o, assim que parou a minha frente. —
Por que parece com tanto medo de mim? — perguntou, e
por um segundo, perdi-me em mim mesma.

Na realidade, tinha medo de como ele me fazia sentir.


Tinha medo de perdê-lo para sempre no meio do
caminho. Tinha medo de ter me precipitado e me
declarado na pior hora.

— Acho que tenho mais medo de mim. — Confessei com


pesar.

— Por que a gente não toma café da manhã e depois


conversa sobre isso? — sugeriu e engoli em seco. No
fundo, talvez fosse eu quem quisesse fugir de uma
conversa.

— Acho sensato, mas...

— O que? — perguntou, passando a mão levemente pela


calça moletom. Ele parecia perfeito ali, como um real
mocinho protagonista de um livro. Por que diabos eu
também não poderia ser a protagonista?

— Nada. — Balancei a cabeça levemente e sorri. — Agora


me diz, quando vamos ter o seu dia e o meu?

— Bom, tinha pensado em começar hoje, mas... Acabei


acordando mais tarde do que costume.

Tive que sorrir, porque aquilo apenas mostrava que de


alguma forma eu mexia com ele. A ponto de perder seu
tão regrado horário.

Samuel não era o tipo de pessoa que usava despertador,


já que acordava sozinho no mesmo horário.
— Devo ser um bom travesseiro. — Provoquei, dando-lhe
as costas, e seguindo em direção da casa.

Será que poderia admitir que meu coração, mais uma


vez, batia a ponto de saltar da boca?

— Ah claro! — rebateu, enlaçando levemente minha


cintura. Era um ato simples, que ele sempre fizera. Minha
mente parecia a mil e talvez, complicando tudo. Mais do
que deveria. — Quem vê pensa que não é você que me
usa desse jeito.

— Admito que é um bom travesseiro. — Pisquei um olho


e adentrei a casa, com ele a tiracolo.

Assim que pisei na sala, o cheiro de café me abraçou.


Realmente, precisava de um gole. Segui diretamente
para a cozinha. Parei a frente da mesa de jantar e sorri
ao notar Paulo arrumando os pães em uma tigela, e ao
seu lado, Clara trazia uma garrafa térmica. Os dois
pareciam uma boa parceria.

— Ei, casal apaixonado. — Provoquei, e logo Samuel


apareceu a minhas costas, enlaçando-me novamente.

Encarei-o e notei que o belo sorriso permanecia no rosto


e por um segundo, acreditei que as coisas poderiam ter
mudado magicamente em uma noite.

— Se eu não conhecesse vocês, juraria que são um casal


também.

— Paulo comentou despreocupado e apenas assenti,


tentando me afastar de Samuel.

— Vou lá em cima rapidinho e já volto. — Avisei, e


Samuel acabou me seguindo. — O que foi? — indaguei,
assim que chegamos as escadas, notando que seu
sorriso morrera no momento em que Paulo falou a
respeito de nós. — Samu, passamos a vida com as
pessoas acreditando que somos um casal ou devemos
ser. O fato de ter admitido o que sinto, não muda nada.

— Muda, pequena. — Admitiu, surpreendendo-o por


completo.

— Precisamos mesmo conversar.

— Então por que simplesmente não fazemos isso? —


perguntei de relance, parando no último degrau. —
Nunca fomos de esconder nada um do outro.

— Por quanto tempo escondeu que me amava? — sua


pergunta fora como um tapa no rosto, e suspirei fundo,
antes de tomar coragem para responder.

— Cinco anos. — Admiti, e seus olhos se estreitaram.

— Caralho! — levou as mãos ao rosto, completamente


incrédulo.

— Como conseguiu fazer isso?

— Sei que conversamos sobre tudo, mas eu pensei que o


sentimento ia passar e que tudo voltaria ao normal. —
Engoli em seco, tentando não parecer perdida. — Mas
não passou e aqui estamos.

— Todo esse tempo eu...

— Talvez seja mais sonso do que eu imaginei. —


Provoquei, tentando aliviar a tensão. — Por que parece
querer me dizer algo? —
indaguei, notando seus olhos castanhos analisadores. —
Samuel! —

insisti.

— Eu não sei fingir nada pra você. — Confessou. — Mas


acho que preciso de um banho antes.

— Ok.

Andei em direção ao meu quarto e parei com a mão na


maçaneta.

Samuel parou na porta da frente, que era do seu quarto,


e deu um sorriso antes de entrar. Aquele tipo de sorriso
que deixa uma margem gigantesca para imaginação.

Adentrei meu quarto e encostei-me rapidamente contra a


madeira da porta. Soltei o ar que sequer sabia que
segurava e tentei imaginar o que faria a seguir. Tirei o
celular do bolso e o coloquei no volume máximo, com
uma música que me deixava ainda mais solta – Good As

Hell[17].

“Ei, garota, tô cansada dessa baboseira

Vá e tire a poeira de seus ombros, siga em frente Sim,


Senhor, estou tentando coisas novas

Como sair, usar biquínis, ir à piscina, essas coisas Vamos,


enxugue seus olhos

Você sabe que é uma estrela, você pode tocar o céu Eu


sei que é difícil, mas você tem que tentar

Se você precisar de conselhos, deixe-me facilitar Se ele


não te ama mais
Simplesmente dirija sua linda bunda para a saída.” [18]

Entrei no banheiro com o celular na mão e já


praticamente nua.

Felizmente, como vira no dia anterior, permaneciam


dentro do box os mesmos produtos que deixei da última
vez que viera para a fazenda.

Deixei a playlist me embalar enquanto tomava um belo


banho. Cantar me levava a outra dimensão, na onde tudo
era possível. Era o tipo de relaxante que precisava.
Longe de tudo e perto de mim mesma.

CAPÍTULO 11

“Mas se o mundo estivesse acabando, você viria, certo?

Você viria e passaria a noite

Você me amaria e pro inferno tudo isso?

Todos os nossos medos seriam irrelevantes.”[19]

Samuel
Passei a toalha no cabelo ainda molhado e por um
tempo, apenas permaneci ali, parado a frente do
espelho. Soltei um suspiro profundo e deixei a toalha
sobre a cama, encarando meu reflexo. Segurei contra a
madeira da velha cômoda e meus pensamentos viajaram
para o que estava atrás da porta à frente da minha. Ou
melhor, para quem. Madu

sempre foi uma parte bonita de mim, e nunca considerei


a possibilidade de perdê-la, independente do que fosse.

O que me atormentava ali, não era ela ter se apaixonado,


mas sim, o fato de ela ter admitido. O quão corajosa ela
era por aquilo? Abaixei a cabeça e pensei em mim
mesmo. Não sabia por onde começar a me explicar e
muito menos como. Na realidade, talvez não devesse
falar sobre o que passou. O passado era apenas passado,
certo? Porém, desde o momento em que seus lábios
tocaram os meus, soube que não tinha ficado esquecido
ou enterrado. Aquele sentimento ainda vivia em mim.

Lembrava-me claramente de quando me vi apaixonado


por ela.

Nunca me sentira tão perdido quanto naquele momento.


Tinha acabado de completar dezoito anos e não
conseguia parar de pensar nela.

Diferente de antes, não era apenas como minha amiga.


Eu a desejava, e aquilo me matava por dentro.

Lembrava-me de tentar contar e até mesmo decidir que


o precisava, contra todo meu medo de a perder como
parte de mim.

Lembrava-me de estar chovendo, do buquê de rosas


vermelhas em minha mão, e o que tentei decorar para
impressioná-la. Eu não era bom com palavras. Nem de
longe como ela. Sentia-me acuado e medroso, mas de
repente, estava à frente do seu novo apartamento desde
que entrara na faculdade.

A primeira lembrança que tive foi de ser recepcionado


não por ela, mas por um cara. O que mais tarde viera a
saber que era seu mais novo namorado e que ela estava
completamente envolvida. Não sei como criei uma
desculpa qualquer, mas o fiz, para as flores. Todo o meu
discurso mental de como contar que a amava ficara
preso em mim mesmo, a ponto de quem sabe, explodir.
Demorei tempo demais para superar, e até mesmo
acreditei que o tivera feito. Se não fosse o seu beijo ter
mexido tanto comigo.

Por um segundo esqueci-me completamente de Clara e o


terror em minha mente de estar apaixonado por ela.
Naquela noite, com Madu adormecida em meus braços,
percebi que não chegara perto de um por cento do que
um dia senti. E que quem sabe, ainda sentia. Contudo,
por mais simples que parecesse. Não o era.

Lidar com sentimentos era a parte minha que sempre


desistia.

Lidar com sentimentos por Madu me aterrorizava. Como


ela poderia entender tal coisa? Como ela poderia
simplesmente aceitar que não a esqueci, sem ter noção
que um dia me apaixonei? Conheci-a bem o bastante
para saber que não aceitaria nada facilmente ou sem as
mínimas explicações.

Talvez apenas precisasse fazer como ela pediu: deixar


acontecer.
O que não era do meu feitio, não com ela. Por isso sabia
que ouvi-la

concordar com Larissa que existia um homem certo que


atravessara a porta de seu apartamento, fez-me sentir
insano a ponto de considerar-me ciumento. Era mais
preferível amar Clara, do que voltar a amar Madu.

Contudo, não era uma escolha. Meu coração nunca me


deu tal possibilidade.

Mas era eu... O que mudava tudo de figura e


conformação. Ela falava de mim, e agora sabia, guardara
o que sentia por cinco anos. Por que decidira contar
justamente naquele momento? Levei as mãos ao rosto e
encarei-me. Meus pensamentos pareciam presos ao
passado, ao mesmo tempo, que torcia para o presente
ser tão perfeito, para termos a chance do futuro.

— Ei caríssimo!

Ela adentrou o quarto como um furacão. Vestia o que


parecia ser uma blusa cigana e solta, só que mais curta,
deixando sua barriga exposta, assim como um grande
decote. Uma calça tão esvoaçante quanto, fez-me
estacar no momento, e só a analisar. Guardara aquela
admiração e desejo de homem por tanto tempo, que
sequer estava preparado para quando viesse à tona.

— Eu encontrei uma música PERFEITA! — basicamente


gritou e pareceu não se importar com o fato de eu estar
apenas de toalha a sua

frente, e a comendo com os olhos. Por Deus, estava a


ponto de perder a mente e ela falava sobre o que
mesmo?
— O que? — indaguei, sem o mínimo de interesse, e
tentei desviar meus olhos dos seus, porém, parei
justamente na parte exposta do pescoço, pelos cachos
presos no alto da cabeça, claramente, ainda molhados. O
quanto sonhei em simplesmente fazê-los uma bagunça
perfeita sobre a minha cama?

Se controla, porra! Xinguei-me mentalmente.

— Aqui. — Colocou o celular ao meu lado, e não consegui


desviar o olhar. Madu parecia genuinamente feliz. Acabei
sorrindo, porque no fundo, ela não era culpada pelo fato
de eu sempre ter sido covarde a respeito do que sentia.
De admitir de fato. Era fácil estar apaixonado por
qualquer pessoa. Mas não para com ela.

— Presta bastante atenção na letra! — exigiu, e assenti,


virando para a cama ao lado, e pegando minha toalha,
trazendo-a para o cabelo novamente.

Esperava uma batida lenta, uma letra romântica ou até


mesmo poética, porém, ela me pegara completamente
de surpresa. Não a olhei, mas fiquei por alguns segundos
apenas absorvendo cada palavra.

“Pode chegar, a porta já tá destrancada Tô te esperando


no segundo andar

Mas, a gente começa na sala, se você quiser

Eu nem vou me importar

Ah, olha só que coisa louca se essas escadas pudessem


falar Eu gosto de você em qualquer roupa

Ainda mais quando são fáceis de tirar com a boca


Te devoro, doma essa loba, eu imploro de joelhos E você
adora segurar o meu cabelo quando tô de costas

E você olha pra mim, dizendo: Não faz assim, que fica
foda de ir embora Mas amanhã eu volto e recompenso
todas essas horas sem dormir Baby, vai rebola em mim

E fica foda de ir embora

Mas amanhã eu volto e recompenso todas essas horas”


[20]

Soltei uma respiração pesada e a encontrei de costas,


cantando a plenos pulmões. Madu nunca cantava por
nada ou simplesmente para o nada. Ela sempre tinha um
significado para o que fazia. E era uma parte de si que
sempre admirei por completo. Quando ela virou e
começou a cantar me encarando, entendi que escolhera
aquela música para se mostrar para mim. Como se: ei,
eu sou uma mulher!

Eu tinha completa noção daquilo. Ela que não tinha ideia


do que fazia comigo naquele momento.

Seus olhos me prenderam, e cerrei os punhos, na falha


tentativa de me conter. Ela deu passos em minha direção
ainda cantando, e parou apenas a um fio de cabelo de
distância. A mão sobre meu peito nu, e fez todo meu
corpo sentir como se uma descarga elétrica o
encontrasse. Será que ela não tinha noção do que fazia?

“Longe da minha cama, sei que sente falta e pensa no


fim de semana Porte de atleta, aguenta uma maratona

Oh beleza humana, sabe que essa marra sempre acaba


Quando tô pelada, chamando seu nome
Com tesão, diaba virou o meu codinome

Pronta pra atentar, essa leoa sente fome

Vai, me usa Me nomeia sua musa” [21]

— Não faz isso. — Pedi, a voz mais rouca e meu corpo


completamente pronto para tê-la. — Não me tortura
desse jeito.

Ela subiu a mão que estava em meu peito até meu rosto,
e seu corpo ficou firmemente colado no meu.

— Você me deseja. — Não era uma pergunta, mesmo


assim, assenti, levando uma mão para os cabelos presos,
e soltando-os, sentindo a textura e encaixando-a
perfeitamente em sua nuca. — Samuel...

— O que? — indaguei, virando-a de costas e puxando


novamente para mim, deixando um leve beijo no seu
pescoço.

Sua pele se arrepiou por completo, entregando-me a


resposta que tanto desejava.

— E você me deseja. — falei, puxando levemente o


lóbulo da sua orelha. — Agora sai daqui antes que eu
esqueça o meu próprio nome e faça o mesmo com você.

Ela gargalhou baixinho, e pareceu me entender


completamente.

Antes de se afastar por completo, olhou-me pelo ombro e


piscou levemente. Ela sabia, tanto quanto eu, que se
permanecesse por mais um segundo ali, não existia
chance de não irmos diretamente para cama.
Mas Madu era imprevisível, e sabia bem daquilo.

O que ela confirmara ali só a fazia querer-me mais. Ao


menos, era o que eu esperava. Porque nunca desejei
alguém tão ardentemente como naquele exato instante.

CAPÍTULO 12

“Ele faz com que as batidas do meu coração

Saltem lá pela Décima Sexta Avenida

Entendi, oh, quero dizer

Quero ver o que tem por baixo dessa atitude

Eu quero você, Deus me ajude

E eu não tenho que dizer a ele, acho que ele sabe

Eu acho que ele sabe.”[22]

Madu
— O casamento é pra quando? — perguntei, assim que
me sentei a frente do casal sorridente.

Clara deu de ombros como se não tivesse ideia, e Paulo


pareceu pensativo por alguns segundos. Fiquei
aguardando a resposta, enquanto meu coração tentava
sincronizar as batidas. Aquele momento com Samuel me
tirara do eixo. Eu sempre o idealizei como um homem
quente. Do tipo que consegue te virar do avesso apenas
com o olhar mau.

Ele tinha aquele olhar. A diferença era que nunca o tivera


tão preso ao meu. E o seu corpo...

— Pelo que conversamos, Clara quer algo especial, mas


ainda não sabe o que. — Pisquei algumas vezes,
encarando o irmão do homem que estava infernizando
minha mente e que a qualquer momento poderia
aparecer.

Paulo passou o braço sobre o ombro de Clara que sorriu


levemente.

— Nunca pensei em casar, e de repente, tudo o que


queria era isso. — falou, como se rindo de si mesma. —
Pareço como a Lia, de um dos seus livros. — comentou e
acabei assentindo, pois fazia todo o sentido. Paulo franziu
o cenho, com certeza, sem entender nada.

— Lia pregava para todos os cantos o ódio ao casamento,


por conta de um babaca que a deixou no altar. —
expliquei rapidamente, tentando tirar de minha mente a
imagem de Samuel, apenas de toalha, com o corpo
perfeito e pronto para mim. Foco, Madu! — Mas ela

conheceu alguém que mudou a ideia sobre isso. Ao


menos, que não se precisa de um altar para se casar,
nem papéis... O casamento é um símbolo, para eles.
Cada um pode decidir o seu. — Pisquei um olho para
Paulo, que parecia absorver a informação.

— E você? — Paulo perguntou, no momento em que dei


uma leve mordida no pão e engoli o alimento de forma
forçada. — Sempre foi tão romântica... Não pensa em
casar?

— Tem uma grande diferença entre romantismo e


casamento. —

Pontuei, piscando um olho. — Mas pelos exemplos que


tive e ainda tenho, acredito que sim. Ainda assim, tem
coisas que não dependem só de mim.

— Eu aposto que se pedisse Samuel em casamento, ele


corria até você na mesma hora. — Foi o momento em
que senti o pão travar em minha garganta, e tossi de
forma grosseira. Puta merda! Tudo o que precisava era
do irmão mais novo casamenteiro, que nos viu como um
casal a vida toda.

— Respira!

A voz de Samuel chegou até meus ouvidos, e ele bateu


levemente em minhas costas, como se tentando me
acalmar. Ao mesmo tempo que me estendeu um copo de
água que não tinha ideia de onde saíra.

— Paulo! — Clara falou e o fuzilou com os olhos,


enquanto me recompunha.

— O que? — fez-se de desentendido, e notei seu olhar


analisador sobre Samuel, que ainda permanecia com
uma das mãos em minhas costas, e não estava nem um
pouco longe. — Olha só para eles! Quem não vê um
casal?

— Cala a boca, Paulo! — Samuel o repreendeu


duramente, e voltou seu olhar para o meu. — Tá tudo
bem? — indagou, e notei a preocupação em seu
semblante.

Como sempre, a parte insegura de meu ser apontava que


ele não nos declararia como um casal pois estávamos
justamente a frente de Clara. Porém, não tinha sentido se
tornar uma paranoia. Passei a vida toda mandando os
outros calarem a boca quando nos apontavam como
casal. Samuel apenas fizera o mesmo. Em uma noite as
coisas simplesmente não se desfazem e se tornam o
sonho que queremos. A questão era que meu sonho se
tornara real em seu quarto, minutos atrás.

Era naquilo que me apegaria.

Minhas urgências e paranoias que lutem!

— Ahan. — falei, pegando a jarra de suco de laranja e


colocando no copo. — Paulo ainda tenta me matar de
forma silenciosa, mas...

— Ele agora virou pregador do amor. — Samuel soltou de


uma vez, de forma sarcástica, e acabei sorrindo. Era um
dos seus lados mais bonitos, quando ele se despia da
seriedade e se deixava levar pelo momento. Será que
poderíamos voltar ao momento de ele quase nu me
desejando?

Por Deus, eu ia enlouquecer!

— Será que devo falar como ele era antes de Clara? —


provoquei, e Paulo arregalou os olhos, enquanto Clara
gargalhou alto.

— Não há muito que contar, na verdade. — Ela


esclareceu, e notei o semblante de Paulo quase branco.
— Os irmãos Antunes têm uma fama por aqui. No nível
dos irmãos Torres e Esteves.

Eu não tinha ideia de quem eram os últimos, mas ela


teve toda minha atenção.

— Fama? — perguntei surpresa, já que não era nem de


perto o que esperava.

Os Antunes como irmãos famosos na cidade do interior?


Aquela era uma novidade que Samuel nunca chegou a
falar sobre.

Samuel se moveu e puxou a cadeira ao meu lado.

— Não tem nada demais. — Ele se adiantou, parecendo


despreocupado.

— Então, não vai se incomodar se eu souber? —


perguntei, e fiquei feliz ao notar seu olhar tranquilo e a
forma como assentiu levemente. Mesmo assim, notei a
forma como ele transpassava, ao menos para mim, que
sua mente não estava ali. Estaria preso ao mesmo
momento que eu?

Compartilha a música Codinome[23] com ele, fora como


declarar o desejo que fluía em mim, e saber, se de
alguma forma, também fluiria por ele.

— Bom, comentam por aqui que eles são os solteiros


mais desejados, junto com o Tavares, da fazenda vizinha
ao norte. — Clara falou sorrindo. — Essa semana tem
uma feira na cidade, e devia ir com a gente. Verá por si
mesma!

— Isso me parece interessante. — Fuzilei Samuel com o


olhar, que sequer comentou sobre a feira.

— Nem me olhe assim! — falou, entendendo-me


completamente.

— Não gosto de multidões, mesmo que seja numa


pequena cidade.

— Nós vamos. — Intimei-o, e ele me encarou, claramente


sem vontade. — Não vamos? — toquei levemente em sua
coxa ao meu lado, de forma que apenas nós poderíamos
ver o movimento.

Ele engoliu em seco, e tive que conter o sorriso. Um


gesto tão comum entre nós, e que de repente, parecia
mudá-lo por completo. Os olhos suaves pareceram em
chamas, e ele apenas assentiu, sem prolongar a
conversa.

— E essa é Madu Oliveira, a única pessoa capaz de


dobrar meu irmão. — Paulo anunciou, como sempre,
provocativo.

— E essa é Clara...

— Gomes! — ela complementou, sorrindo, e o sorriso de


Paulo sumiu.

— Clara Gomes, senhoras e senhores. — Bati duas


palmas, e continuei debochando de Paulo. — Capaz de
prender o maior cafajeste e o fazer apaixonado com um
olhar.
— Vai pagar por isso, Oliveira. — Paulo falou decidido, e
fingindo-se de bravo.

— Mal posso esperar, caubói.

Samuel gargalhou ao meu lado, assim como Clara, e


percebi que não parecia mais tão incomodado. Talvez eu
tivesse virado a mente dele, ou a nossa noite o fizera. A
questão era que valia a pena lutar. Por ele, sempre
valeria.

Tirei a mão de sua coxa, e ele me encarou, com um


recado silencioso no olhar. Samuel não era mais apenas o
meu melhor amigo, nem mesmo o homem que povoava
meus sonhos mais quentes. Ele se portava como o dono
da situação, e aquilo me deixava ainda mais intrigada a
respeito. Ele me atraía e puxava para perto com o olhar.
Se ele me tocasse da mesma forma que antes, mais uma
vez, eu cederia. Sem arrependimentos algum.

CAPÍTULO 13

“Você segura minha mão na rua


Me leva de volta para aquele apartamento

Anos atrás, estávamos lá dentro

Com os pés descalços na cozinha

Novos começos sagrados

Isso se tornou minha religião, escute.”[24]

Madu

— Isso me lembra tanta coisa. — Comentei, assim que


adentrei a cozinha, com as louças sujas ocupando as
mãos.

Depositei-as sobre o balcão da pia, e sorri, encarando a


parte do armário que permanecia sem porta alguma.
Fora a mesma que destruímos muitos anos atrás, após
nos escondermos em um esconde-esconde com as
crianças mais novas, e cairmos de lá por uma luta de
cosquinhas desnecessária.

Apontei para o lugar vazio e Samuel sorriu lindamente,


deixando o que trazia ao lado das outras louças.

— Sinto falta deles. — Admitiu, escorando-se na pia, e


parecendo um pouco longe. — Sempre foram tão
presentes na minha vida, e de repente...

— Acaba. — Complementei com pesar, pois o entendia


completamente. Seus avós, que também ajudaram na
minha criação, após a perda dos meus pais, tinham
falecido há cerca de seis anos.

Primeiro foi Nora, que já apresentava alguns problemas


cardiovasculares sérios. E cerca de uma semana depois,
Luís Antunes pareceu se entregar a morte enquanto
dormia. Não existia explicação. A não ser que, a vida
para ele era difícil demais sem ela. Era um jeito bonito de
se pensar, e de se lembrar de ambos.

Conhecia a dor da perda. Perdera meus pais há tantos


anos, e a dor ainda permanecia ali, como um toque no
ombro, quando momentos

felizes chegam. Não os ter e não poder compartilhar


nada com eles, era o que mais doía. Internamente,
sempre fiz de cada momento algo nosso, não apenas
meu. Pois mesmo tendo-os perdido, sentia que viviam
em mim. Eu era a representação de seu amor, como eles
mesmos diziam.

Assumi tal papel.

— Sabe que pode falar comigo, não é? — perguntei, e


toquei levemente seu peito, em um carinho terno.

— Eu sei. — Admitiu, beijando levemente minha testa. —


Se não fosse você, com certeza teria perdido minha
mente.

— Ei! — abracei-o com carinho, e depositei minha cabeça


em seu peito. — Sempre foi mais forte do que realmente
pensa. Então, eu penso por nós. Pode deixar.

Senti seu sorriso em meu pescoço, e acabei fazendo o


mesmo.

Samuel escolheu o campo, a fazenda, e estar ali. Ele


vivera com os avós a maior parte de sua fase adulta, e
sabia que o laço entre eles se tornara ainda mais forte. A
dor da perda é única para quem sente. Não poderia
afirmar que ele sentira mais do que todos. Contudo,
sabia que nunca o vira entrar no escuro como naquela
época.

A não ser quando adentrou o mesmo quando eu me


encontrava por lá. Ainda éramos crianças, e ele o fez
para me ajudar a voltar. Para

que eu pudesse ver algum sentido na vida, novamente. E


ele o fez.

Sempre seria grata por aquilo. Porque foi por ele que
voltei a querer viver, para depois poder me reencontrar,
e acreditar em uma boa vida.

— O seu calcanhar de Aquiles. — comentei, sorrindo para


ele.

— Meus pais nunca se cansam de te chamar assim. E


tem toda razão. — Passou as mãos levemente por meus
cabelos. — Ter você aqui me faz sentir ainda mais em
casa.

— Prometo que venho mais. — falei sem sequer pensar,


e sabendo que também precisava daquilo. — A gente
nunca ficou tanto tempo separado, e eu me vi chorando
na balada por sua culpa! — acusei-o e peguei o pano de
prato pendurado em um gancho da parede a frente,
batendo-o em seu peito. — Isso foi muita maldade!

— Acho que ambos ficamos presos ao nosso trabalho, e


não percebemos que falar por mensagem ou chamada
de vídeo não é o suficiente. — Argumentou e acabei
tendo que concordar.

— E você me apareceu apaixonado. — comentei,


escorando-me contra a pia, e sem desviar de seu olhar.
Notei a mudança em seu semblante e tentei me conter,
todavia, não conseguia me enganar e muito menos parar
minha curiosidade. — Como está se sentindo agora?

Poderíamos conversar abertamente ali. Paulo e Clara


tinham ido passar o dia com os pais dela, e então,
éramos apenas nós.

— Confuso... — admitiu, e assenti, pois já o desconfiava.


— Mas tão certo quanto nunca de como me sinto.

— Como assim? — perguntei, temendo minha grande


língua, e ainda mais, o que se passava na mente de
Samuel.

— Que tal esse ser o seu presente caso perca nossa


aposta? —

indagou, e abri a boca em choque.

— Não ousaria negociar sua voz! — semicerrei o olhar e


ele deu de ombros, segurando levemente no balcão.

Vestia uma camiseta de cor preta simples, assim como


jeans. Os pés estavam descalços, o que me lembrava o
quanto ele odiava meias.

Saber dos pequenos detalhes sobre, apenas me


mostrava que realmente o amava. Era nos detalhes que
descobri aquele amor, e eram exatamente eles, que
gostaria de me estender.

— Talvez. — Mordeu o lábio inferior, e sabia que só


poderia estar encarnando o próprio pecado.

— Sai pra lá! — pedi, querendo ficar à frente da pia. —


Não é todo dia que estou de bom humor para te ajudar.
— Ou de mau humor para descontar nos trens. — Revirei
os olhos, e prendi meu cabelo no alto da cabeça, para
começar a separar as louças e lavá-las.

— Me diz você, caríssimo. — falei sem vontade, e sabia


que me analisava, ao lado. — Vai mesmo me torturar
para saber o que sente? —

indaguei, e ele negou com a cabeça. — Ótimo! Pode


começar. — Pedi, sorrindo de lado.

— Tem medo disso? — perguntou de repente, calando-me


no mesmo instante. — Medo de a gente estragar tudo?

— Tive esse medo por cinco anos. — Confessei, ligando a


torneira e tentando não pirar. — Mas quando vi que tinha
outra pessoa, eu não pensei mais, só agi. Precisava que
soubesse que lutei por amor.

— Dramática do dedinho do pé até o último fio de cabelo.


comentou, e assenti. Ele me conhecia profundamente, e


tinha propriedade para falar. — Sabe que te amo
exatamente assim, não é?

Parei, vendo que estava gastando água à toa e não


lavando nada.

Desliguei o registro e me apoiei no balcão.

— Eu sei. — Sorri sem muita vontade. — Só quero que


conheça meu lado mulher, e quem sabe...

— Eu te admiro por ter coragem de admitir o que sente.



Interrompeu-me de imediato, e o encarei confusa. Não
era do feitio de Samuel. — Eu não o fiz. Ao menos, não
com mais afinco.

Suspirei fundo, torcendo os lábios, e sabendo que meu


desânimo era evidente.

— Sei que deve ser difícil a ver com seu irmão, mas...
Está na cara que eles se amam. E pelo que vi, ela não te
olha com nenhuma intenção. — Confessei, tentando não
parecer que jogava contra aquele time. Porém, era
impossível ser neutra. — Olha, Samu... Não é por mim,
nem pelo o que sinto. Vim aqui dizendo que era para te
proteger, mas na verdade, foi por mim. Para me proteger
de te perder. O que encontrei foi um casal apaixonado e
toda essa intensidade... — fiz um sinal entre nós,
deixando claro o que queria dizer. — Nunca brigamos por
nada, e em poucos minutos aqui, acabamos o fazendo.
Eu não sei te dizer nada sem estar completamente
envolvida. Sinto muito. Se Clara demostrou algo que não
vi ou...

— Eu tentei, Madu. — falou e a covinha em seu rosto


ficou ainda mais evidente. — Tentei, com rosas e uma
fala decorada na mente. Era um dia de chuva e eu nunca
senti tanto medo na vida. — Confessou e fiquei
paralisada, sem conseguir entender.

— Você tentou algo com ela antes de...

— Mas foi seu primeiro namorado que abriu a porta, e ali,


eu temi tanto te perder, que apenas aceitei.

Paralisei por completo e meu cérebro deu uma volta,


lembrando claramente daquele dia. Anos atrás, Samuel
com um buquê de rosas na frente do meu antigo
apartamento. Fora exatamente no dia que Fabrício me
pedira em namoro. Lembrava-me das rosas e do sorriso
forçado de meu amigo, mas compreendi que era pelo
fato de estar nervoso para pedir uma pessoa especial em
namoro. Alguém que nunca conheci e fiquei
atormentando-o por mais de um ano para saber. Alguém
que ele nunca falou abertamente.

— Espera. — Levantei uma mão e o encarei


completamente perdida. A culpa me bateu
profundamente, justo ali. — Eu era a namorada invisível?
— indaguei, lembrando-me do apelido que criei.

Não tinha ideia de que fora o apelido que criara para


mim mesma. —

Você...

— Eu nunca te disse o que queria dizer naquele dia.


Talvez não seja tão forte quanto você imagina. Mas eu só
queria que fosse feliz, e você estava sendo. Então
escondi o que realmente sentia. — falou e notei o olhar
castanho constrangido. — Sempre fiquei perto de contar,
mas nunca me senti confiante. Amar você, Madu, sempre
foi fácil. Mas te

amar como homem, me fez feliz e inseguro. Sinto muito


pela parte do medo ter ganhado.

— Mas... Eu não entendo. — falei, levando a mão a


frente, e me perdendo em toda a situação. — Isso faz
mais de doze anos. — Deixei meus pensamentos saírem
em voz alta. — Puta merda, Samu!

— Eu sei que é difícil digerir isso, mas... Desde que


cheguei na balada, vi algo diferente em você. Na forma
como me olhou e... Talvez tenha sido o tempo separados
e tive medo de me enganar sobre. Mas quando me
beijou, simplesmente não pude mais guardar. Pensei que
com o tempo ia esquecer e que tudo ia ficar bem. Acho
que por isso tentei tanto acreditar na ideia de gostar da
Clara. Porque no final, ela é alguém proibida, e isso ainda
me deixaria livre para amar você.

CAPÍTULO 14

“Eu já sabia que te amava naquela época

Mas você nunca saberia

Porque eu me calei com medo de perder

Eu sei que eu precisava de você.”[25]

Samuel

Eu esperava o olhar confuso.

Eu esperava a forma como seus olhos piscaram algumas


dezenas de vezes e nada saiu de sua boca aberta. Meu
coração estava batendo rápido, ao mesmo tempo que
parecia a ponto de perder uma batida.
Nunca pensei que realmente lhe diria como me sentia.
Como me sinto.

A forma como ela me olhou quando cheguei a balada. A


forma como se portou a minha frente e os olhos
castanhos claros me chamando para si. Tudo pareceu
mudar quando coloquei os pés à sua frente novamente.
Um mês foi capaz de me deixar perdido, encontrando o
amor no lugar menos provável. Um mês foi capaz de uma
admissão e ao mesmo tempo, a cabeça se perder por
imaginar que minha melhor amiga tinha se apaixonado.
Vi-me perdido por ela novamente. Vi-me encontrado
quando me beijou.

— Isso não faz sentido, sabe? — indagou, levando as


mãos ao rosto, sem realmente me encarar. — Você não
pode parar de amar alguém do dia para noite.

— A não ser que não seja amor. — comentei, e dei um


passo em sua direção.

Sentia-me pronto para o que fosse, mas não para que


sua mente ainda permanecesse na ideia de que existia
outra pessoa. Na realidade, nunca saberia quando
existiu. Sentia-me um completo idiota por ter
considerado estar apaixonado por Clara, e ao mesmo
tempo, confessado a Manu. Se não o tivesse feito, com
certeza, as coisas não estariam naquele patamar de
bagunça. Contudo, a fala de Madu deixava bem claro que
fora minha confissão que a fizera lutar por mim. Onde
diabos estaríamos se continuássemos nos escondendo
um do outro?

— Por favor, não me olha assim. — pedi, assim que notei


os olhos castanhos marejados.
— Isso não é justo. Me usar como uma segunda opção
ou...

— Eu jamais faria isso! — falei prontamente, e puxei sua


mão levemente até meu peito, onde meu coração batia
freneticamente. —

Nunca tive que me declarar para ninguém na vida, Madu.


Não sei como fazer e confesso que estou morrendo de
medo. Mas não vou te perder de novo, não depois de ter
provado um pouco do que sempre sonhei.

— Entende que não faz sentido para mim? — indagou,


afastando-se de forma errática. — Alguns dias atrás
estava de coração partido acreditando que você amava
outra mulher, e agora... — levou as mãos aos cabelos,
claramente nervosa. — Eu não sei o que pensar.

— Disse que parou de pensar e só agiu depois que me


ouviu falar dela.

— Isso foi diferente. — Rebateu, parecendo ficar ainda


mais relutante. — Isso...

— Você só lutou por mim porque se sentiu ameaçada.


Vamos ser sinceros, Madu. Ficou cinco anos guardando
seus sentimentos, e eu estou há mais de uma década
assim. Acho que tenho mais experiência pra dizer

que isso não vai passar. — Fui sincero e a encarei


profundamente. —

Quase passou todos os dias, mas de verdade... Não


passa. E aqui estamos.

— Isso se chama pressão. Estou te pressionando desde


que botei os pés aqui. — Pareceu vencida e negou com a
cabeça.

— Acha mesmo que faria qualquer coisa para te magoar?


perguntei, sentindo-me acuado. Ela não me encarou e


sequer disse algo, o que tomei como resposta. — Então
você não me ama, ou ao menos, não da forma que
pensa.

— O que? — sua voz saiu como um sussurro, e ela


permaneceu de cabeça baixa.

— Se me amasse, ao menos como seu melhor amigo,


saberia que eu jamais deixaria um beijo entre nós
acontecer, se não o quisesse.

Jamais brincaria com seus sentimentos. Nunca fiz isso e


nunca vou fazer.

Quando concordei que uma mulher me desestabilizava e


até mesmo considerei fingirmos um namoro, foi porque
estava desesperado.

Desesperado por você. O medo de que você amava outro


me deixou assim. — fui incisivo, e deixei os ombros
caírem de lado. Sentia-me exausto por aquela discussão
sem fim. Ao menos, longe do fim com a mulher que
amava nos braços. — Você disse para deixarmos
acontecer e concordei com isso. Só estou te contando
tudo, porque quero deixar claro

que meu coração não está em jogo. Ele sempre teve uma
única dona.

Você.
Pensei em dizer mais alguma coisa, mas sabia que não
conseguiria. Sentia-me sufocado pelas palavras
guardadas por longos anos, e agora, finalmente
proferidas, sentia-me em meio ao caos de não saber se
tinha a perdido de vez. Suspirei fundo e segui em direção
a sala de estar, para depois subir as escadas. Madu
parecia precisar de tempo, e eu, precisava enfiar minha
cabeça no trabalho. Tentar ao menos, não surtar pelo
fato de não saber se era amado, como eu a amava.

Há anos ela era meu mundo.

Há mais de uma década, ela se tornara um sonho.

Há algumas noites, ela se tornara real.

Há alguns instantes, vi-me perder o que sequer cheguei


a ter.

O quanto a vida poderia se resumir a momentos?

Adentrei meu quarto e retirei a camisa, já em busca de


alguma que geralmente usava para acompanhar os
peões nas atividades diárias da fazenda. Eu amava fazer
aquilo, e ainda mais, administrar o que meus avós
criaram com tanto esforço e carinho. Contudo, minha
cabeça não estava em lugar algum, a não ser, no andar
debaixo.

Era o efeito de Madu sobre mim.

Batidas na porta chamaram minha atenção, e mudei o


olhar do nada para a porta. Deveria ser meu irmão ou
qualquer outra pessoa.

Madu não era de bater. Fui até a porta e assim que abri,
a surpresa me pegou por completo. Talvez, em meio ao
medo de perdê-la, esqueci-me de que ela era
imprevisível.

Madu me encarou com tamanha adoração que não soube


o que fazer. Assim que abri a boca para dizer algo, senti
meu corpo ser empurrado contra a madeira, e meus
lábios tomados pelos dela. Talvez as palavras não fossem
mais necessárias. O beijo fora diferente dos anteriores.
Sentia a entrega total de seu corpo, assim como a
aceitação do meu.

— Vamos esquecer nossos nomes. — Sussurrou,


afastando-se levemente do meu corpo, e puxei-a
firmemente para mim.

Seu corpo se moldou ao meu, e não pensei em mais


nada. Ali, sabia, éramos apenas duas pessoas em busca
da paz que tínhamos perdido. Em busca do prazer que
apenas o outro poderia proporcionar.

CAPÍTULO 15

“Então só por essa noite a minha pele é sua


E o conflito de certo e errado continua

Talvez eu pense muito

Talvez seja você”

Madu

O beijo era diferente.

O toque era algo que não esperava.

Na realidade, eu estava completamente presa ao


momento.

Senti-me cair sobre a cama, e no mesmo instante,


Samuel fez o mesmo. Encaramo-nos, naquele olhar tão
nosso. Apenas nosso. Puxei-o

para o beijo que tanto deixava, sem lembrar o porquê de


nunca o ter pedido ou tomado. Suas mãos se espalharam
por cada pequeno canto meu. Sentia-o em minha blusa
sendo tirada, deixando-me nua na parte de cima, e o
olhar que parecia me varrer e queimar ao mesmo tempo.
Sentia-o no toque suave e que deixava um rastro de
destruição por onde passava, até os lábios substituírem
com o toque molhado e certo sobre meu colo.

Poderia ter idealizado dezenas de milhares de vezes,


enquanto me entregava a outros, buscando uma conexão
que me fizesse esquecê-lo. A questão era respondida ali,
do porquê nunca consegui simplesmente dar adeus
aquela fantasia. Pois não o era. Era o corpo sexy e feito
para pecar, que aos poucos, passava a desbravar.

Deixei-o nu do tronco para cima, e fiz questão de nos


virar na cama, para descer lentamente por cada músculo
que me atormentara durantes os últimos anos. Cada
pequeno detalhe sendo consumido por minhas mãos e
boca. Nossos olhos não se afastaram, e sabia que ambos
estávamos nos observando. Conseguia perceber o
quanto ele se perdia, ao mesmo tempo que eu me
rendia. Os gemidos ainda tímidos, mas que davam ainda
mais vontade de explorá-lo. Sonhos eróticos nem se
comparavam com a realidade.

— Vem cá! — seu tom era de clemência, quando cheguei


próxima a sua calça, desabotoando-a.

Subi novamente por seu corpo, e senti uma mão se


apoderar de minha bunda, puxando o tecido fino de
minha calça e calcinha para baixo, enquanto a outra
acariciou meu rosto, e segurou-me pela nuca mais uma
vez, beijando-me de forma apaixonada.

Naquele exato momento, em que nos embolamos um no


outro, e as roupas simplesmente foram jogadas para
longe, tive a certeza do que era o frenesi que tanto
escutava, cantava, lia e escrevia sobre. Não sabia dizer
onde meu corpo começava e terminava, muito menos o
dele. Era uma conexão que parecia estar esperando, sem
ter noção de que realmente existia.

— Sabe que não é só sexo com você. — Ele sussurrou,


mordendo levemente meu pescoço, enquanto separava
com as pernas as minhas, e deixava o caminho livre para
me tomar.

Tentei dizer algo, mas de repente, não consegui assimilar


mais nada. Tomei-o em minha mão, e o encarei
profundamente, para em seguida encarar o ponto de
conexão entre nossos corpos. Ele acompanhou o
momento comigo, e senti o suor escorrer por minha pele,
assim como por seu tronco. O gemido de prazer que
soltei foi alto, e fora de encontro ao seu.

A primeira investida fora de descoberta. A segunda fora


de intensidade. Na terceira, já não lembrava o meu
próprio nome. Apenas

aceitei e dei tudo o que poderia aquele homem. Minhas


mãos cravaram em suas costas e bunda, e as suas,
puxaram-me para si, o máximo que pode, em meio aos
beijos desmedidos e palavras desconexas sendo soltas.

— Porra! — soltei, assim que fui puxada para cima, com


ele sentado na cama, e montada sobre seu corpo.

Sentia-me perdida em todos os sentidos. O seu cheiro me


embriagava, porque se tornava nosso. A sua fala me
deixava entorpecida, junto a boca que parecia ter sido
feita justamente para tomar a minha. O

seu toque me inebriava, a ponto de saber que manchas


roxas me marcavam, e me deixava necessitada por mais.
O olhar afoito, apaixonado e quente, entregava-me a
cada segundo, a verdade sobre aquele momento.

Era pra ser.

Não tinha outra opção.

Nos braços de Samuel encontrava meu nirvana. Sentia-o


encontrar o seu.

Samuel

Depois de tanto tempo, finalmente parecia ter alcançado


o que tanto buscava – plenitude em meio ao prazer. Os
dedos de Madu faziam círculos sobre meu peito nu,
enquanto nossos corpos permaneciam enrolados um no
outro sobre a cama. Acho que nem de longe, em todas as
vezes que fantasiei, consegui prever tamanha
intensidade. Fora único.

Encarei os cabelos encaracolados sob e sobre meus


dedos, bagunçados no meu travesseiro, e não pude
evitar um suspiro. Desde o momento em que admiti a
mim mesmo que tinha me apaixonado, imaginei tal cena.
A diferença era ser melhor do que qualquer sonho.

— Acho que estou sonhando. — Confessei.

Sempre fui uma pessoa fechada com o mundo. Na


realidade, mostrava o pouco que podia e era necessário.
Era parte de minha personalidade, contudo, sempre fora
diferente com Madu. Ali, nus sobre a cama, depois de nos
entregarmos um ao outro, não seria diferente. Se tinha
algo que poderia ser, era sincero. Vi e senti seu riso em
meu peito, e logo os olhos castanho-claros encararam os
meus.

— Não seria tão criativo. — Piscou um olho, e tive que rir.


Era por aquilo e muito mais, que ela se tornava a minha
pessoa favorita no

mundo. Madu me desconcertava, ao mesmo tempo que


me colocava no eixo novamente.

— Deixo a criatividade por sua conta. — Puxei-a para


meu rosto, dando-lhe um leve beijo. Não queria perder
aquele sabor nunca mais.

Assim que nos afastamos, poucos centímetros, não


consegui fugir do seu rosto, de forma que, não queria. —
Pensei que seria estranho confessar isso, mas... Caralho,
eu te amo mais do que um dia imaginei poder amar
alguém.

Ela suspirou profundamente, e notei os olhos marejados.


Tocou meu rosto com carinho e pareceu demarcar com os
dedos cada canto de minha barba.

— Você sempre foi a minha inspiração, mesmo quando


não nos via dessa forma. — Confessou, e fiquei sem
entender por alguns segundos. — Todos os meus
personagens tem um pouco de você. Às vezes olhos, o
cabelo, o cheiro, a cor, o jeito de ser... Sempre variei
entre um pouco de tudo que te compõe. — Sorriu
levemente, pegando-me completamente de surpresa. —
Isso é cafona, mas acho que foi amor antes mesmo de
ser.

— No nosso caso, sempre foi, até se transformar. —


Ponderei e uma lágrima desceu por seu rosto, deixando
claro que estava emocionada. — Ei...

— Eu tinha tanto medo de te perder, tanto...

— Assim como eu. — Admiti mais uma vez, e ela


assentiu. —

Por favor, me dá uma chance.

— Era exatamente o que ia pedir. — Sorri junto a ela,


beijando-a mais uma vez, e seu corpo todo veio sobre o
meu. — Mas antes disso...

— O que? — perguntei, já me sentindo completamente


pronto para o que ela desejasse.

— Quero passar o dia todo nessa cama...


— Madu...

— Na frente de um espelho. — Provocou e lambeu


lentamente a minha boca.

— Caralho. — Soltei, adentrando meus dedos em seus


cabelos.

— Você foi feita em cada detalhe para mim.

— Acho que precisa conhecer todos.

Provocou novamente, e fora a única coisa racional dita


antes de me beijar profundamente, e mais uma vez, nos
perdermos um no outro.

CAPÍTULO 16

“Mas talvez possamos nos safar disso

A religião está em seus lábios

Mesmo que seja um falso deus

Nós ainda adoraríamos


Talvez possamos nos safar disso

O altar é meu quadril

Mesmo que seja um falso deus

Nós ainda adoraríamos este amor.”[26]

Madu

— Tem certeza que precisa ir? — perguntei, dando um


leve beijo em Samuel, que parecia nem um pouco a
vontade de sair debaixo de meu

corpo.

— Preciso conversar alguns detalhes de pedidos com


peões. —

explicou, e encarou o relógio ao lado, que já marcava


quase meio dia. —

Prometo tentar ser rápido e voltar para você.

— Não precisa ter pressa. — Toquei levemente a sua


barba. — É

o seu trabalho, e eu vou estar exatamente aqui quando


voltar.

— De toda forma, eu quero terminar rápido para poder


ficar com você. — Beijou-me levemente, puxando meu
lábio inferior com os dentes. — Linda. — falou,
encarando-me profundamente.

— Se continuar bancando o romântico perfeito, não vou


te deixar sair daqui tão cedo. — Acusei, e ele sorriu
levemente.
Levantei-me de seu corpo, e puxei minha calcinha caída
ao lado da cama, assim como, uma camiseta de Samuel
jogada sobre o criado mudo. Olhei-o pelo ombro, e senti
minha bochecha queimar, assim que notei o olhar que
mantinha. Não era apenas o fato de estar praticamente
me comendo com os olhos, existia a paixão nítida no
brilho deles. Não me deixava envergonhada o fato de
que me olhasse, mas sim, de nunca ter notado o quanto
ele estava ali por e para mim.

— Vem cá! — pedi, virando-me por completo e


estendendo-lhe a mão.

Ele não se fez de rogado e veio, estendendo-me as dele.


Puxei-o, e sorri por não estar nem um pouco incomodado
com sua nudez. Não por ser como os outros homens que
passaram por minha cama, mas por entender que a
intimidade que sempre dividimos, ainda estava presente
e intacta. O que antes não incluía nossos corpos nus a
frente um do outro, agora o fazia, e parecia que nossa
conexão apenas tomava uma nova forma, ao mesmo
tempo que, permanecia o que sempre prezamos – nosso
mundo particular.

— Então? — indagou, tocando meus cachos e notei o


quanto ele parecia satisfeito a cada vez que o fazia.

— Nada muda... — comentei, e notei o espanto em seu


rosto no mesmo instante. Sorri, tentando amenizar o que
disse, sabendo que Samuel poderia ser imediatista para
muitas coisas. Não que ele fosse me pedir em namoro ali,
ou rotular o que tínhamos. Nunca fui fã de tais coisas,
contudo, sabia que já tínhamos muito mais do que
poderia desejar.
E as novas que viriam, seriam o novo roteiro que nunca
me imaginei escrevendo. Mais uma vez, eu escrevia
sobre ele. Daquela vez, tendo em mente o quanto ser
amado por quem se ama era diferente. — E tudo muda.
— Complementei, e Samuel apertou minha cintura
levemente, claramente indignado. — Chame isso do que
quiser. — Beijei-o levemente, e sorri, ao ver que citava
uma de minhas músicas favoritas

sem ter pensado antes sobre. Então fiz o que ele tanto
amava sobre mim, cantei: — “Porque meu amor é
perfeito como um sonho, andando com a cabeça baixa, é
para mim que ele está vindo... Então chame do que
quiser, sim, chame do que quiser chamar.”

Os olhos castanhos suavizaram, assim como sua


expressão, e sorri abertamente. Fui presenteada com um
beijo apaixonado, e aceitei-o como se pudesse morrer em
meio a sensação que meu corpo, mente e alma se
encontraram.

— Imprevisível, como sempre. — Tocou meu rosto com


carinho.

— Mas vamos por aí... Cada um chama do que quiser,


pequena.

— Vai lá. — Beijei-o mais uma vez.

— Vou tomar banho no corredor, se não...

— Eu sei. — Assenti, sabendo que se ele ousasse entrar


no banheiro do quarto, não resistiria a ir até ele
novamente.

Ele beijou minha boca mais uma vez, e em seguida


minha testa.
Sorri, ao vê-lo sair pela porta, carregando consigo uma
muda de roupas e com uma toalha amarrada na cintura.
Assim que a porta se fechou, contei mentalmente um
minuto e soltei um grito. Tampei a boca com as mãos,
como se estivesse incrédula, ao mesmo tempo que
encarei os edredons bagunçados e as lembranças das
horas ali me acertavam em cheio.

— Ah! — gritei mais uma vez, e me joguei de costas na


cama, tendo uma crise de riso, ao mesmo tempo que
balançava minhas pernas e mãos. Estava em êxtase.

De coração prestes a se quebrar, para um coração


batendo plenamente por aquele jovem amor. Suspirei
fundo, sentando-me sabendo que precisava extravasar
minha felicidade. Peguei meu celular e selecionei a
música que acabara de cantar.

“Meu castelo desmoronou da noite para o dia

Eu trouxe uma faca para um tiroteio

Eles levaram a coroa, mas está tudo bem

Todos os mentirosos estão dizendo que sou uma também


Ninguém teve notícias minhas por meses

Estou melhor do que nunca

Porque meu amor é perfeito como um sonho

Andando com a cabeça baixa

É para mim que ele está vindo

Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar


Meu amor é elegante como um jatinho

Muito acima de toda a confusão/Me ama como se eu


fosse nova Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar

Todas as minhas flores voltaram a crescer como espinhos


Janelas encharcadas após a tempestade

Ele fez uma fogueira apenas para me aquecer

Todas as rainhas do drama fazendo jogadas

Todos os bobos da corte vestidos como reis

Eles são nada quando olho para ele

E eu sei que cometo os mesmos erros toda vez

As pontes queimam, eu nunca aprendo

Pelo menos fiz uma coisa certa

Eu fiz uma coisa certa

Estou rindo com meu amor

Construindo fortalezas debaixo dos lençóis Confio nele


como se fosse meu irmão

Sim, você sabe que fiz uma coisa certa

Olhos estrelados iluminando minha noite mais escura

Meu amor é perfeito como um sonho

Andando com a cabeça baixa


É para mim que ele está vindo

Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar

Meu amor é elegante como um jatinho

Muito acima de toda a confusão

Me ama como se eu fosse nova

Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar

Eu quero usar suas iniciais

Em uma corrente no meu pescoço, corrente no meu


pescoço Não porque ele seja meu dono

Mas porque ele realmente me conhece.” [27]

Rodopiei pelo quarto e acabei me desequilibrando,


caindo de bunda no tapete. Sorri de meu momento, e
ouvi palmas a frente. Olhei para cima e sorri
abertamente, ao encontrar Samuel com apenas uma
toalha envolta da cintura, claramente sem ter tomado
banho, e com um sorriso que poderia iluminar a fazenda
inteira se fosse necessário.

— Sabe que foi por essas pequenas coisas únicas sobre


você que me fizeram cair completamente, não sabe? —
perguntou, e adentrou o quarto, estendendo-me a mão.
Levantei-me e sorri em seu abraço.

— O mesmo aqui. — Beijei-o mais uma vez. — Eu te amo


do jeitinho que é. — confessei, deixando meu coração
voar, enquanto a música nos embalava ao fundo.

— E eu te amo exatamente assim. — puxou-me para si,


dando-me aquilo que tanto parecia certo – um beijo.

O que antes fora renegado sem ao menos ser solicitado.


Agora era meu. Era dele. Era nosso.

CAPÍTULO 17

“Posso ir aonde você vai?

Podemos ser próximos assim para todo o sempre?

E ah, me leve pra sair e me leve pra casa

Você é meu, meu, meu, meu

Amado.”[28]

Madu

Digitei o ponto final e sorri abertamente.


Sentia-me tão imersa em sentimentos que poderia
explodir. Ao mesmo tempo que resolvi transferi-los
diretamente para meu arquivo em branco no editor de
texto. Peguei a garrafa de água ao lado da

escrivaninha que agora mais parecia meu lugar de


trabalho e dei um longo gole. Encarei o lado de fora pela
janela e o sol já se punha, como se o trabalho do mesmo
já tivera terminado, ao menos, para a Terra.

Sentia-me da mesma forma.

Conseguira me concentrar e passar o resto do dia todo


escrevendo. Era aquilo ou surtar por pensar em mais
sobre tudo o que aconteceu. O lado positivo de usar sua
criatividade a favor, era que escrever me permitia
desabafar.

Aumentei o volume da música que começara em meu


notebook, e retirei os fones de ouvido da entrada e da
orelha. Escorei-me contra a madeira e fiquei ali,
pensando em tudo ao mesmo tempo que em nada.

Na realidade, meus pensamentos estavam em Samuel.


Apenas se passaram algumas horas, e meu coração e
corpo pareciam não entender tal coisa.

Levantei-me e estiquei o corpo, ouvindo alguns ossos


estralarem.

Caminhei até o banheiro e resolvi que era melhor tomar


um banho e quem sabe, sair em busca de Samuel pela
fazenda. Sabia que ele era muito parecido comigo
quando se tratava de trabalho. Sempre nos dedicávamos
ao máximo e muitas vezes acabávamos não percebendo
que poderia ser demais. Era boa em desarmá-lo, e
tentaria fazer com que voltasse para casa logo. Quem
sabe, para mim.

Assim que a água morna bateu em meu corpo fiquei


mais relaxada. Estavam sendo dias malucos e
controversos. Fechei os olhos, com o sorriso bobo em
minha face. Se fosse qualquer outra pessoa do mundo,
eu não teria tanta certeza do amor. Mas com Samuel, até
mesmo com minhas inseguranças a mil, sabia que tinha
minha total confiança.

Fingir sentimentos não era o seu jeito de ser, nunca fora.


Muito menos para comigo.

Um filme se passava por minha mente sobre nós.

Saber que ele tinha se apaixonado antes mesmo de meu


coração acelerar um pouco mais, trazia a culpa à tona. O
que passara ao lado de Samuel nos últimos anos era um
reflexo do que ele deve ter enfrentado quando não me
viu corresponder seus sentimentos no passado. Passei a
mão pelo rosto e me virei contra o azulejo ainda frio.

A água morna caía por minhas pernas, um pouco mais a


frente.

Suspirei fundo, e encarei a porta aberta do banheiro. A


música que deixara tocando já mudara, e comecei a
cantar com a que começara. Ela me lembrara Samuel em
todos os detalhes. O que me remetia ao fato de que tudo
parecia me lembrar ele. Ao menos, as coisas boas.

Escrever me definia como pessoa.

Cantar tinha o mesmo efeito.


Amar Samuel era uma parte de meu ser que se
misturava as outras duas.

Eu o amava desde muito nova, e amá-lo como homem


tinha transformado boa parte de meus outros
sentimentos. Passei o sabonete por meu corpo e era
como se o rastro de beijos e toques que ele deixara por
ali, fossem seguidos mais uma vez, com o adicional das
marcas roxas. Era como senti-lo vivo em mim, mesmo
depois de horas.

Seria aquele o efeito de estar apaixonada?

Talvez eu me sentisse como Niall Stella[29] de um de


meus livros românticos contemporâneos favoritos. Era
diferente se sentir tão íntimo de alguém quando se faz
amor, e não apenas sexo. Era tudo tão intenso que
parecia te marcar e não te faz querer fugir. Talvez fosse o
fato de aquela intimidade com Samuel não ser recente,
ao mesmo tempo que, o amor não se resumia apenas a
tempo.

Existiam tantos tipos que seria impossível definir como


uma receita de bolo. Samuel e eu poderíamos ser apenas
mais uma forma de trazer o pudim de leite condensado a
vida. Sorri de meu pensamento, ao mesmo tempo que
enxaguei meu corpo.

Ouvi o barulho de sapatos contra o chão de madeira, e


não resisti a abrir o box, tendo a visão de uma parte do
quarto, pela porta que

deixara entreaberta. Poderia parecer um pedido


silencioso de que ele entrasse e me tomasse para si, mas
não fora proposital.
Em alguns minutos Samuel apareceu, apenas vestindo
seu jeans apertado, que o delineava perfeitamente. Seu
olhar castanho me entregava tanta paixão que não
conseguiria negar, mesmo que se quisesse. Eu não
queria.

Ele ficou nu a minha frente, e fez com que todo meu


corpo se arrepiasse com sua presença. Suspirei fundo,
sem medo algum de ser notada por aquilo. Eu o amava,
e não tinha medo de demonstrar. Não mais.

— Vem cá. — Pedi e sorri para ele.

Ele já tinha se convidado, porém, via a reação de seu


corpo quando me via falando abertamente sobre o que
queria. Ou quando simplesmente percebeu que minha
boca suja não ficava fora da cama, chão, parede... Onde
fosse. Em menos de cinco passos ele me alcançou, e dei
espaço para que a água morna caísse sobre seu corpo.
Encostei-me na parede de azulejos oposta, e fiquei
anestesiada pela visão do pecado que ele me entregava.

— Como foi seu dia? — perguntou, ao tirar a cabeça da


ducha e abrir os belos olhos.

— Produtivo... — falei, cruzando levemente meus braços.


Acho que tive a inspiração que tanto precisava. —


Provoquei-o.

O sorriso cafajeste no lado direito do rosto fez-me sorrir


também.

— Amo quando sorri assim. — confessei, já sem querer


esconder nada. — Digamos que me atrai.
— Você me atrai por inteira. — falou, e me cercou com os
braços ao lado da cabeça, e as mãos espalmadas na
parede. — Sempre vejo seu olhar mudar quando sorrio
assim, mas nunca imaginei que fosse algum tipo de
atração.

Dei de ombros, e fiquei na ponta dos pés para puxar seu


lábio inferior com os dentes.

— E o seu dia? — indaguei, encostando-me novamente


nos azulejos.

— Tive que ir à cidade porque algumas mercadorias


vieram erradas, mas tirando isso... Tudo certo. — Piscou
um olho, sorrindo mais uma vez do jeito que me
desarmava e atraía por completo. — Tudo mais do que
certo.

Ele aproximou nossos lábios e não consegui continuar


com as mãos longe de seu corpo. Toquei levemente seu
pescoço e o puxei para mim, recebendo e dando o que
tanto queríamos. Um beijo amoroso e

cruel pela saudade explícita. Não tínhamos estado longe


por apenas algumas horas?

Parecia o fim do mundo naquele beijo, ao mesmo tempo


que todo um recomeço.

— É loucura sentir saudade em tão pouco tempo? —


indagou e uniu nossas testas.

— Bom, nunca fomos bons em ficar longe. — Argumentei.


Acho que agora será ainda mais complicado.


Notei seu semblante mudar e sabia que acontecera o
mesmo com o meu. Nossas vidas eram longe um do
outro, e não sabia como poderíamos mudar aquilo. Talvez
não precisássemos.

— Vamos fazer dar certo. — Não foi uma pergunta, mas


acabei assentindo. Ele era uma pessoa decidida e que
sempre dava tudo o que podia pelo que amava.
Admirava-o por aquilo, e ali, soube que nem mesmo a
distância dali até a capital seria um impasse.

— Sabe que eu amo a cidade, minha vida lá e meus avós.


comentei levemente. — Mas eu te amo também e quase


enlouqueci em um mês longe. Só precisamos nos ver
toda a semana, e assim...

— Eu vou até você ou você vem até mim, certo? —


indagou, e me ofereceu o dedo mindinho.

— Já disse que te amo hoje? — acabei perguntando em


meio a um sorriso, enquanto fechava meu dedo em torno
do dele.

— Não me canso de ouvir, pequena.

— Eu te amo. — falei, e lhe dei um leve beijo.

— Agora vem cá!

Surpreendendo-me, virou-me de costas e me deu um


leve beijo no pescoço. Senti meu corpo se arrepiar por
inteiro e pensei que estrearíamos o banheiro. Contudo,
Samuel tinha outros planos. Ele espalhou shampoo por
meu cabelo, e acabei sorrindo, ao me encostar contra
seu peito.
— Confesso estar surpresa. — falei, e pensei um pouco,
ao ficar ereta novamente. — Na verdade, não tanto.

Ouvi sua risada as minhas costas, e logo ele me virou,


fazendo-me ver o que tanto não escondia.

— A gente não é só amante, não é? Não tem como ser. —

praticamente falei para mim mesma, e ele massageou


levemente minha cabeça, descendo aos poucos pelos
fios.

— Sabe a parte que sempre menos me aterrorizou de


estar apaixonado por você? — perguntou e o encarei
curiosa.

— Qual? — indaguei.

— Não ter que fingir nada. — Baixou levemente os


ombros, assim que me indicou com a cabeça o chuveiro.

Entrei debaixo da ducha e enxaguei meus cabelos,


enquanto meu olhar ainda esperava sua resposta
completa.

— Acho que o medo de ser íntimo de alguém atormenta


as pessoas, e isso é real em mim.

— Não comigo. — Pensei alto, e senti meu rosto queimar


no segundo seguinte. — Desculpe, continua.

— Não sei explicar, eu só sei que sinto. — Olhou-me tão


intensamente que poderia jurar ser um sonho. Todo
aquele dia. Todos aqueles momentos. Na realidade, todos
aqueles dias. Talvez o eram?
Meus sonhos sempre foram criativos ao extremo, ao
ponto de se tornarem livros. Belisquei-me levemente e
ouvi a gargalhada de Samuel a minha frente.

— É sobre isso que estou falando. — Confessou, e me


puxou para si. Felizmente, todo meu cabelo já estava
livre de produto. — Não fingimos nada.

— Acho que a gente vai brigar. — comentei por cima, e


escorei meu rosto em seu peito, ainda com nossos olhos
conectados. — Por mais que nos conhecemos muito bem,
sempre existem coisas para descobrir.

— Quero cada uma delas.

Senti-me inerte por alguns segundos e apenas lhe dei um


selinho no segundo seguinte. Só que seus lábios não me
permitiram sair, puxando-me novamente. O beijo se
aprofundou e logo senti-me completamente presa a ele.
A diferença entre ele e todos os outros momentos que
tive com outras pessoas, era que eu gostava da
sensação.

A sensação de não querer que acabe. De não querer


temer o fim de algo que apenas começava.

Aceitava o meu amor por Samuel ali, com todos os


medos, inseguranças e erros que viessem. Assim como
ele, eu queria cada pequena coisa nova que ele poderia
me mostrar.
CAPÍTULO 18

“Porque meu amor é perfeito como um sonho, andando


com a cabeça baixa, é para mim que ele está vindo...
Então chame do que quiser, sim, chame do que quiser
chamar.”[30]

Samuel

Ela dormia confortavelmente sobre as almofadas no


tapete do meu quarto, como uma cena recorrente entre
nós. A diferença era que ela se encontrava nua, apenas
envolta pelo lençol que colocara ao seu redor há poucos
minutos. Sorri, sem conseguir me conter diante de
tamanha felicidade. O quão sortudo eu era?

Tinha conhecido o amor tão cedo e ali estava ele, a


minha frente e ao alcance de minhas mãos. Saí pé por pé
do quarto, e fechei a porta com

cuidado. Desci as escadas e fui até o meu escritório,


onde tinha uma prateleira especial apenas para os livros
de Madu. Nunca fora amante da leitura, o que nos
diferenciava bastante, contudo, sempre a apoiaria no que
fosse. Por ela, aprendera a ler alguns clássicos e sempre
tentar ler mais.

Não sabia ao certo porque ela nunca insistira para que eu


lesse seus livros, porém, após sua confissão, passei a
entender. Já tinha lido algumas partes, era verdade, mas
nunca foquei nas características dos personagens. Peguei
o último que lançara em formato físico, a cerca de um
ano, e não pude evitar abri-lo. Sentei-me na poltrona e
deixei as luzes acesas, para tentar entender como ela me
transformava em histórias.

Como um raio de felicidade, a primeira passagem teve


meu coração por inteiro.

“Como ele pode não perceber que os olhos castanhos me


atraem de uma forma assustadora?”

— Madu, Madu... Como a gente se desencontrou por aí?


indaguei para o nada e continuei a ler.

Os segundos se tornaram minutos, e consequentemente


horas...

Fiquei imerso na forma como sua escrita me atraía para


si, contando cada vez mais profundamente sobre os
sentimentos. A questão era que

consegui me colocar perfeitamente no lugar do


personagem principal, e daria o mundo pelo o amor que
a protagonista sentia por ele. No caso, pelo amor de
Madu. A ficção e realidade se misturavam de uma forma
assustadora. Por mais que não fosse a nossa história,
sentia-a me tocar por dentro.
Deixei o livro sobre meu colo, logo após finalizá-lo. Passei
as mãos pelos cabelos, sentindo-me perdido em meio a
tantas descobertas em poucos dias, e em como o amor
poderia ser um sentimento indecifrável.

— O que está fazendo aí?

A porta se abriu, e a voz rouca e baixa me chamou


atenção.

Assim que adentrou o ambiente, Madu parecia realmente


incomodada com a luz. Os olhos semicerrados e o
semblante confuso, vestida em meu roupão preto, como
se fosse uma cena comum entre nós. O era, se não fosse
pelo fato de poder puxá-la para mim e sentir o gosto de
seus lábios.

O fiz, sem pensar duas vezes, assim que ficou ao meu


alcance.

Deixei o livro sobre o braço da poltrona, e a puxei


diretamente para meu colo. Ela veio de bom grado e com
um sorriso aberto no rosto, claramente com sono.

— O que veio fazer aqui? — perguntou, e encarou o livro


ao lado de minha mão esquerda. — Veio ler? — pareceu
completamente surpresa.

— Acho que quis entender um pouco sobre o seu mundo.


Confessei, e sorri para ela. — Estou assustado, confesso.

— Por que?

— Porque é tão intenso sabe? — passei a mão levemente


por seu rosto. — O jeito como Nora ama Luan, e a forma
como eles parecem correr um do outro sem perceber.

— Nunca pensei que seria real, mas... Parecemos um


pouco com eles. Luan e seus olhos castanhos, baseados
em você, claro. — comentou sem pudores e tocou minha
barba por fazer. — Nora e sua paixão guardada a sete
chaves, mas que em algum momento teve que sair.

— Pensou na gente quando escreveu? — indaguei, e ela


assentiu no mesmo instante.

— Acho que criei uma realidade alternativa para nós. Nos


livros, tudo é possível, então... — deu de ombros. — Mas
confesso que gosto da realidade, do jeitinho que ela é.

Sorri abertamente de seu comentário.

— Eu também. — Ela me deu um selinho e deixou nossas


testas unidas. — Mas isso não vai te poupar da nossa
aposta.

— Ah é? — provocou-me, mordendo levemente meu


queixo. —

Cuidado que eu posso pedir o que quiser se ganhar, e


pode ter certeza que minhas ideias são melhores que
andar a cavalo...

Deixou a frase pairar no ar e não pude me conter.

— Eu desisto. — falei de uma vez e ela arregalou os


olhos, completamente surpresa. — Também posso ser
imprevisível, pequena.

— Bom... Desistiu oficialmente do seu dia como escritor


ao meu lado? — perguntou, sondando-me atrás da
verdade.
Assenti, depositando minhas mãos em seu quadril,
fazendo-a ficar ainda mais presa a mim.

— Palavras, caríssimo.

— Sim, eu desisti oficialmente do dia como escritor. —


Anunciei como um radialista, o que a fez sorrir baixinho.

— Então eu posso pedir o que quiser, certo? — indagou,


e assenti de imediato. Contudo, ela negou com a cabeça,
claramente querendo palavras.

— Sim, pequena. — Beijei seu pescoço levemente. — O


que você quer? — perguntei.

— O que eu quiser... — pareceu pensar um pouco, mas


sabia que por trás daquele ar despretensioso, ela sabia
bem o que pediria. — Acho que preciso de mais uma
resposta sua.

— Como assim? — perguntei sem entender.

— Casa comigo?

Arregalei os olhos, mais uma vez sendo pego de surpresa


por ela.

Madu sorriu de lado, claramente alegre em me ver


desmontado, porém, conseguia ver a verdade em seu
olhar. Não era uma brincadeira. Não ali.

Sabia que Madu era uma pessoa decidida, assim como


eu. Ela poderia agir de repente, mas tinha certeza do que
queria. E daquela vez, ela queria o mesmo que eu. Ela
queria nós.

Mais uma vez ela era imprevisível.


Mais uma vez eu me renderia a ela.

Mais uma vez via-me completamente imerso de nós.

Porque dentre nós, ela parecia conseguir ver tudo tão


mais claro.

Tudo era mais bonito quando estávamos juntos. Ali e


para sempre.

— Sim.

EPÍLOGO

“Ande em seu arco-íris do paraíso (Paraíso)

Estado de espírito de batom de morango (estado de


espírito) Eu fico tão perdido dentro dos seus olhos

Você acreditaria nisso?”[31]

Anos depois...

O sol se punha no horizonte, que parecia ser ali do lado,


pelas serras impossíveis de serem ignoradas. Cerca de
cem convidados se espalhavam pelo grande verde, em
contraste com pétalas de rosas vermelhas. Era o tipo de
flor que ele sempre lhe entregava em aniversários. Era
exatamente a qual escolheram para celebrar aquele
momento. Maria Eduarda sempre foi romântica e nunca
fugiu de tal

definição. A diferença de escrever sobre um casamento e


vive-lo, era que quase nunca se falava da dor de cabeça
que cada detalhe para o grande dia trazia. No meio do
caminho ela pensou em simplesmente aceitar os surtos e
correu para os braços do amado, que tinha acabado de
brigar.

Ela queria pôr fim aquela ideia de reunirem quem


amavam pare celebrar amor. O pânico era composto de
vários fatores. Toda a correria e organização do
casamento, as discordâncias que vinham com ele, as
pessoas dando opinião sobre o melhor e pior, a forma
como ela e seu amado pareciam estar enlouquecendo
juntos. Aquilo abalara sua relação, ainda mais do que
decidir que morariam na fazenda, mas manteriam o
apartamento na cidade, após cinco anos de idas e vindas
entre o interior e capital.

Quando ela teve o microfone em mãos e tentou evitar as


lágrimas, ou o sorriso bobo no rosto, simplesmente
aceitou que aquele era o momento perfeito. E que valera
a pena. Da mesma forma que tudo a respeito de Samuel
era.

— Eu confesso que escrevi na madrugada... — começou


a dizer, e ouviu risadas ao redor. Segurando de forma
trêmula a folha, ela respirou fundo e continuou
prendendo-se ao olhar de Samuel. — Tenho tentado
escrever meus votos desde o exato dia que te pedi em
casamento. Ou seria aquela madrugada? — sorriu e
notou lágrimas descendo pelo rosto

dele, que parecia tão entregue quanto ela. — Ao


contrário de muitas pessoas, ninguém me contou que o
amor seria tão fácil. Geralmente as pessoas estranham
as dificuldades no caminho, comigo, foi o contrário.

Foi fácil te amar desde o começo. Antes mesmo de a


gente se ver. Nossos pais fizeram esse trabalho,
cultivando amor e amizade ao nosso redor desde o início.
Um amor que apenas cresceu e se transformou com o
decorrer dos anos. Eu sei que histórias de amor,
geralmente se tornam clichês. Mas o nosso clichê é o
mais bonito que poderia imaginar ter.

Nem mesmo minha mente fértil conseguiu chegar a


tamanha plenitude, a tamanho amor. Viver isso, todo dia,
com você... Tem sido o melhor acidente de amor. Então,
eu preciso agradecer. Por ter segurado minha mão e
nunca soltado, em hipótese alguma. Até mesmo quando
o surto parecia maior do que eu. Até mesmo quando o
drama se torna parte mim.

Até mesmo quando nada em mim faz sentido, mas você


parece entender.

Você entende. Você respeita. Eu te amo por me aceitar


assim, e por poder ter o melhor e pior de você todos os
dias. Sou feita de letras, em livros e músicas, mas
também, sou feita de você. Essa é uma das minhas
partes favoritas de nós. — As lágrimas se tornaram
gerais, e ninguém mais conseguia se conter. Madu sentiu
uma leve lufada de ar, como um toque singelo e carinho
no rosto. — Somos nós desde sempre. Agora apenas
reafirmo isso. Agora e para sempre nós.
FIM

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UMA GRAVIDEZ INESPERADA

Família Torres – Livro 1

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Se no meio do caminho de algumas pessoas tem
uma pedra, no meio do caminho de Maria Beatriz,
sempre teve Inácio. O herdeiro da fazenda que fica ao
lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua
frente, ela já sabe que só pode ser problema ou alguma
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vê em uma mulher tagarela, a oportunidade perfeita.
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ela é a escolha perfeita. Porém, a única coisa que recebe


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No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os


marca. E a consequência será muito maior que o
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Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a


melhor imitação de pedra preciosa em que Babi
colocou os olhos.

O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu


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O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

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SINOPSE

Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e


Bruno Torres compartilham o completo oposto. Abi
o detestou desde o primeiro momento, e com o passar
dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico
cowboy cafajeste, arrogante e popular, de quem ela não
suporta a presença um segundo.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse


no mais novo dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar
ainda mais animado em confrontá-la. Se existe algo
sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de
um desafio.
Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de
apenas um ano, ela só consegue pensar que ele quer
algo. Bruno jura que está ali apenas para tirá-la do sério,
como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato
instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio...


eles estarão dispostos a cruzá-la?

FELIZ NATAL, TORRES

Família Torres – Livro Extra

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SINOPSE

O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se


dolorosa, assim que Maria Beatriz perdeu os pais. No
entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar para que
essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir, o
tanto quanto, um dia fez, no passado. Assim, ela precisa
que tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela


casa, a ceia que não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e


Inácio (do livro Uma Gravidez Inesperada), onde você
poderá passar essa data tão especial ao lado da Família
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UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom
entendedor meia palavra bastava.

Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu


que o homem com o qual se envolveu era casado, o seu
mundo perdeu o chão. Ela apenas foi embora, sem olhar
para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar.


Ainda mais, quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum


momento, poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou
um olhar para Olívia, para ele compreender que ainda
existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por
completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo


descobre que não apenas as lembranças daquele amor
de verão permaneceram, mas sim, que ele tem uma
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Um amor de verão pode ser o amor para a sua


vida?
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

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O triste é que aquele velho ditado se tornou real


em sua vida: Valéria que amava Tadeu, que amava
Bianca, que amava Murilo, que não amava
ninguém. Desde que seus olhos pousaram em Tadeu
Reis, Valéria se apaixonou. Não sabia dizer se era pelo
olhar escuro enigmático, o sorriso que ela queria tirar
daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser tão
atencioso com quem amava.

Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e


Valéria escondeu aquele sentimento no fundo de sua
alma, tentando matá-lo durante os anos que se
passaram. Uma coincidência do destino, os coloca frente
a frente. Ela sabe que ele é errado, mais do que isso,
uma grande mentira, porém, seu corpo não resiste.

E uma noite com o homem errado não é o fim do


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Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma


parte dele consigo, para sempre.

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pretende deixá-lo descobrir.

O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ

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SINOPSE

Águas passadas não movem moinhos – era o que


Lisa repetia a si mesma. Contudo, estar sempre tão
próxima do único homem que realmente se apaixonou,
fazia com que ela quisesse voltar, e na verdade, se
afogar com ele. Igor Reis era um erro, e ela sempre
soube.

Ainda assim, não podia evitá-lo para sempre, já que seus


círculos de amizades eram tão próximos. Então, era
apenas isso: Igor era um amigo. Um ótimo fofoqueiro e
uma pessoa para perder horas conversando – mesmo
que quisesse perder muito mais.

Todavia, quando ele bate na sua porta no meio da


madrugada com um bebê a tiracolo, ela não sabe o que
de fato está acontecendo. Porém, nada é tão ruim que
não possa piorar, e ele a pede em casamento.

Nas voltas que a vida dá, Lisa se vê com o sobrenome


Reis, um bebê para chamar de seu e um contrato de
casamento por um ano com o homem que ama.

Até onde o casamento do CEO por um bebê será uma


mentira?
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA

Família Reis – Livro 3

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SINOPSE

Os opostos se atraem.

Carolina Reis queria jurar que isso estava errado, mas


não pôde evitar a forma como seu corpo reagiu ao
cowboy bruto e grosso que, literalmente, atravessou o
seu caminho. Franco era uma incógnita, com um chapéu
de cowboy escuro e uma expressão tão dura, que lhe
fazia indagar se ele em algum momento sorria. Bruto
insensível!

Franco Esteves não tinha tempo para perder, muito


menos, com uma patricinha mimada que encontrou
sozinha no meio da estrada.
Porém, não conseguia evitar ajudar alguém, mesmo que
este parecesse ser no mínimo uma década mais novo,
com olhos claros penetrantes e um sorriso zombeteiro.
Diacho de madame!

O que era para ser apenas um esbarrão no meio do nada,


torna-se uma verdadeira tortura, quando Carolina
assume, por coincidência a função de tutora da filha do
cowboy. Ele só quer evitá-la. Ela só quer irritá-lo. No meio
do ódio e atração que lhes permeiam, uma adolescente
se torna um vínculo que eles não podem evitar.

Mas até onde ela será a única a uni-los?

GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO

Família Reis – Livro 4

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SINOPSE
Se no meio do caminho de algumas pessoas tem
uma pedra, no meio do caminho de Nero, sempre
teve Verônica. A matriarca dos Reis era uma mulher
que intimidava a qualquer um, e ele nunca conseguiu
entender uma reação dela. Quando ela estava à sua
frente, ele sabe que tudo o que deve fazer é correr para
a direção oposta.

Verônica Reis é uma mulher que nunca demonstra o


que sente.

Sendo assim, praticamente impossível desvendar o que


se passa em sua cabeça, e muito menos, em seu
coração. Contudo, sempre lhe intrigou o

fato de que Alfredo Lopes – ou apenas Nero para os


demais – parecia querer enfrentá-la em uma simples
troca de olhares, e nunca a temer.

No meio das voltas que a vida dá, um contrato de


casamento é o que os une. O que ela e muito menos eles
esperavam, era que no único momento que deixassem a
guarda baixar, teriam algo maior do que o
arrependimento para lidar: UMA GRAVIDEZ EM UM
CASAMENTO

POR CONTRATO.

[1] 2002 – Anne-Marie

[2] You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go – Bob


Dylan

[3] Trecho da canção Contatinho – Léo Santana feat.


Anitta.

[4] Canção do álbum Lover (2019) – Taylor Swift.


[5] Wish You Were Gay – Billie Eilish

[6] Nothing Breaks Like a Heart – Miley Cyrus feat. Mark


Ronson

[7]

Easy – Camila Cabello

[8] Wave – Meghan Trainor feat. Mike Sabath

[9] Canção do álbum Lover (2019) – Taylor Swift.

[10] Death By A Thousand Cuts – Taylor Swift

[11] when the party’s over – Billie Eilish

[12] Trecho da canção intitulada Calendário – Anavitória.

[13] Paper Rings – Taylor Swift

[14] Delicate – Taylor Swift

[15] Trecho da canção intitulada Te Assusta – Manu


Gavassi.

[16] There’s No Way – Julia Michaels feat. Lauv

[17] Canção do álbum Coconut Oil (2016) – Lizzo.

[18] Trecho da canção Good As Hell – Lizzo.

[19] If The World Was Ending – JP Saxe feat. Julia Michaels

[20] Trecho da canção intitulada Codinome, Maria.

[21] Trecho da canção intitulada Codinome, Maria.

[22] I Think He Knows – Taylor Swift


[23] Canção do álbum () – Maria.

[24]

Cornelia Street – Taylor Swift

[25] Say You Won’t Let Go – James Arthur

[26] False god – Taylor Swift

[27] Trecho da canção Call It What You Want – Taylor


Swift.

[28] Lover – Taylor Swift

[29] Protagonista masculino do livro Surpresa Irresistível


publicado em 2015, da autora Christina Lauren.

[30] Call It What You Want – Taylor Swift

[31] Adore You – Harry Styles


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NOTA
SINOPSE
PLAYLIST
PREFÁCIO
PRÓLOGO
Parte I
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
PARTE II
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
EPÍLOGO
REDES SOCIAIS
OUTRAS OBRAS
UMA GRAVIDEZ INESPERADA
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY
FELIZ NATAL, TORRES
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA
O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA
GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO

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