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Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva Gustavo Thayllon França Silva

213185
ISBN 978-65-5821-318-5

786558
9
Código Logístico

I0 0 0 8 4 9
Fundamentos da
Educação Especial na
perspectiva inclusiva

Gustavo Thayllon França Silva

IESDE BRASIL
2023
© 2023 – IESDE BRASIL S/A.
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S58f

Silva, Gustavo Thayllon França


Fundamentos da educação especial na perspectiva inclusiva / Gustavo Thayllon
França Silva. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2023.

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-318-5

1. Educação especial. 2. Educação inclusiva. I. Título.

CDD: 371.9
23-84713 CDU: 376

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

26/06/2023 30/06/2023

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Gustavo Thayllon Mestre em Educação e Novas Tecnologias pelo Centro
Universitário Internacional (Uninter). Especialista
França Silva em Psicopedagogia Escolar, Empresarial, Hospitalar
e Clínica pela Faculdade Rhema. Especialista em
Atendimento Educacional Especializado pela
Faculdade São Luís. Especialista em Psicanálise
e Intervenções Clínicas pelo Centro Universitário
de Tecnologia de Curitiba (Unifatec). Bacharel em
Psicopedagogia pela Uninter. Professor na Educação
Superior e em clínica psicopedagógica.
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SUMÁRIO
1 Aprendizagem humana e desafios da inclusão 9
1.1 A construção da aprendizagem humana 10
1.2 Abordagens do desenvolvimento humano 14
1.3 Desafios da escola inclusiva 20
1.4 Dificuldades, deficiências e transtornos 23
1.5 Mitos e verdades sobre as deficiências 26

2 História da Educação Especial 33


2.1 A deficiência ao longo do tempo 33
2.2 Período de extermínio 38
2.3 Períodos da segregação e da integração 42
2.4 Período da inclusão 46

3 Legislação educacional e terminologia adequada 53


3.1 O que é ser uma pessoa com deficiência? 54
3.2 A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência 57
3.3 Termos específicos 62
3.4 Desenho universal e a Lei de Acessibilidade 65
3.5 Barreiras e acessibilidade 68

4 Práticas pedagógicas e deficiências 73


4.1 Deficiência visual, auditiva e surdocegueira 74
4.2 Deficiência física e intelectual 81
4.3 Altas habilidades ou superdotação 85
4.4 Transtornos do neurodesenvolvimento 90

5 Inclusão na Educação Especial 99


5.1 Atendimento educacional especializado 100
5.2 Sala de recursos multifuncionais 104
5.3 Tecnologias assistivas e comunicação alternativa 108
5.4 Currículo inclusivo e adaptado 113
5.5 Avaliação na Educação Especial 116

Resolução das atividades 121


Vídeo
APRESENTAÇÃO
Esta obra, escrita com muito carinho e zelo, tem o intuito
de nortear os estudantes e os profissionais que atuam com
o público-alvo da Educação Especial. Nela são apresentados
fundamentos teóricos, técnicos e metodológicos para uma
atuação profissional mais assertiva e pautada em aspectos
éticos, críticos e reflexivos.
A Educação Especial configura-se como uma modalidade
transversal de ensino, ou seja, ela pode ser ofertada da
Educação Infantil à pós-graduação. Ela congrega um conjunto
de ferramentas e estratégias que sustentam a promoção da
aprendizagem das pessoas com deficiência, transtornos do
neurodesenvolvimento, altas habilidades e superdotação.
Esta obra está organizada em cinco capítulos. Cada
um com temáticas específicas que farão com que
novos conhecimentos sejam obtidos e o repertório seja
devidamente ampliado.
No primeiro capítulo dialogaremos acerca da aprendizagem
humana com base em perspectivas relativas à construção
da aprendizagem, abordagens do desenvolvimento humano,
diferença entre dificuldades, transtornos e deficiências,
desafio e mitos acerca da deficiência.
No segundo capítulo explicitaremos os principais períodos
históricos das deficiências, ou seja, como elas se desdobram ao
longo do tempo.
Já no terceiro capítulo apresentaremos aspectos relativos a
legislações e dispositivos legais: a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (LBI), os conceitos de acessibilidade e
de desenho universal e as barreiras que impedem a verdadeira
inclusão das pessoas com deficiência.
No quarto capítulo apresentaremos as especificidades
das deficiências visual, auditiva, física, neuromotora e
intelectual, assim como as das altas habilidades e dos
transtornos do neurodesenvolvimento.
Por fim, no quinto capítulo traremos elementos contemporâneos da
Educação Especial, isto é, o que é o atendimento educacional especializado,
qual a sua importância e os elementos constituintes da sala de recursos
multifuncionais. Conceituaremos a tecnologia assistiva e a comunicação
alternativa, o currículo e a avaliação da aprendizagem.
Bons estudos!

8 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


1
Aprendizagem humana e
desafios da inclusão
Para começarmos nossas discussões, cabe aqui uma indagação inicial:
qual é a importância de entendermos a aprendizagem humana em um
contexto de inclusão de pessoas com deficiência?
Se pensarmos nessa demanda, vale mencionar que a aprendizagem é
um conceito polissêmico, isto é, sofre influências de diferentes aspectos
da vida do sujeito: sociais, biológicos, sociológicos, psicológicos, emocio-
nais, entre tantos outros.
Portanto, falar em como aprendemos não é uma tarefa tão simples,
haja vista que cada um de nós aprende preferencialmente por uma via
sensorial e por meio de diferentes estímulos.
Nesse sentido, para pensarmos ainda a aprendizagem em seus
padrões normais e patológicos, precisamos compreender como o
sujeito constrói e desenvolve sua aprendizagem desde a mais tenra
infância. Para tanto, existem teorias e técnicas que nos auxiliam nes-
se contexto, como as teorias que embasam o estudo do desenvolvi-
mento humano.
Partindo dessa abordagem do desenvolvimento humano, consegui-
mos perceber as disfuncionalidades na aprendizagem dos sujeitos, como
as dificuldades e os transtornos de aprendizagem, bem como as possíveis
deficiências que o sujeito poderá ter.
Já que falamos sobre deficiências, vale lembrar também que até hoje
persistem muitos mitos envolvendo esse assunto, como algumas pessoas
que ainda acreditam que a deficiência poderá ser transmitida apenas por
se conviver com pessoas com deficiência, o que é incorreto. Esse e outros
mitos serão desmistificados a fim de assegurarmos um melhor entendi-
mento sobre o que se trata a deficiência.

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 9


Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender como se constitui a aprendizagem humana pela
perspectiva de recortes teóricos específicos;

• entender as etapas e fases do desenvolvimento humano com base


nas perspectivas de Freud e Piaget;

• reconhecer as diferenças entre dificuldades, transtornos e


deficiências;

• compreender quais são os principais mitos das deficiências;

• conhecer os principais desafios da escola inclusiva.

1.1 A construção da aprendizagem humana


Vídeo
A aprendizagem humana se dá por meio de diferentes fatores, ou
seja, é uma questão de polissemia. Quando pensamos na aprendiza-
gem, precisamos compreender primeiramente a forma como nós mes-
mos aprendemos. Você já parou para refletir sobre essa questão?

Cada um de nós aprende preferencialmente por uma via sensorial


(ENAP, 2015), por exemplo, alguns aprendem melhor pela visão, outros
pela audição, e assim por diante. Entretanto, para além das vias senso-
riais, a aprendizagem se constitui como um complexo emaranhado de
elementos o qual faz com que consigamos aprender coisas novas.

Esse emaranhado de elementos constitui-se pelas vias sensoriais,


sociais, biológicas, pelos elementos culturais, pela aprendizagem por
meio da experiência, por elementos verbais – como as pessoas que
aprendem mais por meio da leitura, da escrita e dos símbolos – e por
elementos não verbais – as fotos, os filmes, os vídeos, as ilustrações e
demais elementos gráficos (ENAP, 2015).

Segundo Illeris (2013, p. 3), a aprendizagem pode ser definida em


um primeiro momento como “qualquer processo que, em organismos
vivos, leve a uma mudança permanente em capacidades e que não se
deva unicamente ao amadurecimento biológico ou ao envelhecimento”.

10 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Se partirmos dessa definição, a aprendizagem humana acontece
por meio da aquisição de novas habilidades, sejam elas sociais, acadê-
micas, escolares, emocionais ou até mesmo de vida diária – atividades
básicas que fazemos em nosso cotidiano.

Pensando na aprendizagem de atividades de vida diária, podemos ob-


servar a necessidade de ensinar nossos filhos, por exemplo, a amarrar os
sapatos, a escovar os dentes, a utilizar o banheiro – todas essas atividades
são aprendidas e possuem um fim de extrema importância, que é a manu-
tenção da nossa vida, do nosso corpo, e assim por diante.

Não distante disso, precisamos observar, ainda, que a aprendiza-


gem humana se dá por diferentes meios, isto é, pelo meio social, pelo wavebreakmedia/Shutterstock

meio biológico, pelos aspectos psicológicos superiores, entre outros.


Todas essas formas de aprendizagem fazem uma intersecção entre si.

Outro conceito importante que sustenta a aprendizagem humana


e faz com que consigamos entender a forma como nós e os outros
aprendemos se baseia na neurociência, que busca, por sua vez, estudar
a forma como o cérebro aprende e suas interligações com o sistema
nervoso central e o sistema nervoso periférico (LENT, 2018).

Algumas literaturas costumam apontar a neurociência da apren-


dizagem como base neurológica ou base neuropsicológica da apren-
dizagem, mas aqui utilizaremos apenas a expressão neurociência
educacional. Agora, observe a intersecção da estrutura da aprendiza-
gem humana (LENT, 2018).
Figura 1
Abordagens da aprendizagem

Aprendizagem humana

Aprendizagem pelos
aspectos sociais

Aprendizagem por meio


da neurociência

Aprendizagem pelos
aspectos psicológicos

Fonte: Elaborada pelo autor.

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 11


A aprendizagem humana engloba todas as demais. Para entender-
mos melhor cada uma delas, iniciamos nossa análise da Figura 1 por
meio da aprendizagem pelos aspectos sociais. As teorias que funda-
mentam esse modelo de aprendizagem se baseiam no meio em que a
criança está – as influências do meio contribuem para a sua aprendi-
zagem, principalmente aquelas voltadas para normas e regras sociais,
limites e potencialidades.

Lev Vygotsky é um dos teóricos que defendem a aprendizagem


mediada, na qual existirão as influências do meio e da experiência
para a constituição da aprendizagem, bem como as formas como as
funções psicológicas superiores contribuem para essa aprendizagem
(SANTOS et al., 2021).

As funções psicológicas superiores podem ser descritas como


percepção, atenção, linguagem, raciocínio lógico, memória e movi-
mento. Como exemplo, podemos observar por meio da própria lin-
guagem que a criança vai aprendendo a se comunicar inicialmente
pelos gestos e, à medida que vai amadurecendo suas funções psico-
lógicas superiores, ela adquire a linguagem oral. No início, essa lin-
guagem se dá pela repetição de palavras e pela imitação, e, a partir
do processo maturacional, vai ficando mais robusta e interativa.

A aprendizagem pela perspectiva social passa sobretudo pelos


aspectos das vivências e das experiências. A historicidade nessa teo-
ria ganha espaço, tendo em vista que muito do que foi aprendido
dos hábitos, dos costumes e dos ritos é passado de geração para
geração e isso vai construindo o que chamamos de interpelação ge-
racional da aprendizagem.

Nesse contexto, o dicionário Aurélio afirma que a palavra ambiente


significa “aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas; por
todos os lados; é o conjunto de condições materiais e morais que en-
volve alguém” (FERREIRA, 1999, p. 17).

Foulquié (1976) afirma que os aspectos ambientais no contexto da


aprendizagem se referem aos estímulos proporcionados, por exemplo,
pela família, por meio de uma atmosfera moral de alegria, tristeza, bem
como demais sentimentos que podem surgir desse meio. Todo esse
ambiente gera uma aprendizagem social que é incutida no repertório
comportamental da criança que está em desenvolvimento.

12 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


O ambiente não se restringe às questões dos sentimentos, mas tam-
bém é reflexo dos aspectos econômicos, políticos e até mesmo das con-
dições de estrutura física na qual essa criança e essa família residem.

A criança precisa se envolver no ambiente, precisa correr, brincar,


cair, sentir o que está acontecendo, passar por frustração, sentir o ar
em sua pele – tudo isso passa pela aprendizagem em um contexto
social e ambiental.

A segunda perspectiva da aprendizagem apontada é a aprendiza-


gem por meio das bases neurológicas, ou neurocientíficas. Para ex-
plicarmos esse movimento, precisamos recorrer à neurociência, que é Photoroyalty/Shutterstock

o estudo do funcionamento humano pelo viés do entendimento e do


funcionamento do sistema nervoso.

De acordo com Rotta, Ohlweiler e Riesgo (2016), a aprendizagem


sob o ponto de vista neurológico se dá pelo cérebro. Nessa perspectiva,
podemos, portanto, compreender o sistema nervoso central e periféri-
co como fonte de recepção e interpretação das informações que fazem
com que essa criança que está em desenvolvimento aprenda.

Segundo esses autores, é por meio das nossas funções cerebrais


– memória, percepção, atenção, concentração, planejamento, contro-
le inibitório, flexibilização cognitiva, aspectos sensoriais – que somos
capazes de aprender, e essa aprendizagem levamos ao longo da vida,
o que se reflete sobretudo nas habilidades que adquirimos e no nosso
comportamento.

Nosso cérebro, por sua vez, possui dois hemisférios, o direito e


o esquerdo, cada uma com suas funções, como motricidade, per-
cepção, planejamento lógico, linguagem, memória, desenvolvimen- Vídeo
to visuoespacial, e assim por diante. Independentemente da forma O vídeo Neurociência e a
como aprendemos, só o conseguimos porque nosso cérebro apre- consolidação da aprendi-
zagem fala sobre a concei-
senta as condições para isso, ou seja, temos mais de 85 bilhões de tuação da aprendizagem
neurônios que fazem com que toda essa magia aconteça (ROTTA; em uma perspectiva
neurocientífica e do ponto
OHLWEILER; RIESGO, 2016). de vista cognitivo. Vale a
pena assisti-lo para com-
Por fim, temos a aprendizagem por meio de aspectos psicoló- plementar seus estudos.
gicos, ou seja, o entendimento da aprendizagem sob o viés das Disponível em: https://
emoções, dos sentimentos, incluindo a influência de aspectos de an- www.youtube.com/
watch?v=C7gj9wtt4GM. Acesso
siedade, estresse, entre outros, que causam possíveis dificuldades em: 2 jun. 2023.
no processo de aprender.

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 13


Pensando na prática
Vamos pensar em uma situação: crianças cujos pais estão em processo de
separação sofrem influência dos aspectos emocionais e podem apresentar
sintomas depressivos, de ansiedade, de desatenção, entre tantos outros. Ou
seja, podem desencadear patologias em virtude dessa disfuncionalidade psí-
quica. Esses sintomas podem afetar diretamente a aprendizagem dela, pois
ao invés de conseguir se concentrar e pensar no que se passa na sala de aula,
ela estará preocupada em tentar ajudar seus pais a pararem de brigar.

As funções psicológicas estão diretamente relacionadas à aprendi-


zagem, existindo vários processos envolvidos nesse aspecto, como a
atenção, a percepção, a linguagem, a memória, o raciocínio lógico e a
resolução de problemas. Na criança, essas funções estão sempre em
desenvolvimento e fazem interface com o próprio ambiente, podendo
afetar o bem-estar emocional delas.

Se pensarmos nas emoções, aquelas que são positivas – como ale-


Evgeny Atamanenko/Shutterstock gria, entusiasmo e satisfação – geram motivação e curiosidade para
as crianças aprenderem, da mesma forma que as que são negativas
geram o efeito oposto e acabam desencadeando possíveis dificulda-
des no aprender.

Em sintonia com isso, também podemos nos referir à ansiedade,


à depressão e até mesmo à síndrome do pânico como causas do não
aprender. Por exemplo, crianças que passam por situações complexas
nas famílias ou mesmo na escola (como bullying) podem apresentar tais
psicopatologias, o que gera dificuldades em aprender de maneira efetiva.

1.2 Abordagens do desenvolvimento humano


Vídeo
Como vimos, a aprendizagem humana perpassa diferentes aspectos,
como os sociais, os biológicos, os psicológicos, entre outros. Nesse sen-
tido, existem teorias específicas que podem nos auxiliar a entender a
forma como a aprendizagem acontece no desenvolvimento dos sujeitos.

Para isso, há um campo de conhecimento específico, a psicologia do


desenvolvimento humano, que trabalha com as chamadas teorias do
desenvolvimento humano. Em algumas literaturas, podemos encontrar
o nome teorias da aprendizagem.

14 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


As teorias do desenvolvimento humano são de fundamental impor-
tância para entendermos como as crianças aprendem. Explicaremos
duas dessas teorias na sequência. A primeira é a teoria psicanalítica, de
Sigmund Freud; a segunda é a de Jean Piaget, que embasa os aspectos
cognitivos dos sujeitos.

Porém, o que significa esta terminologia, desenvolvimento humano?


Para responder a isso, recorremos a Silva (2022), o qual menciona que
o estudo do desenvolvimento humano se baseia no entendimento do
ser humano desde a fecundação até a morte, considerando que tudo o
que acontece durante esse período é desenvolvimento.

De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra desenvolvimen-


to significa “passagem gradual (da capacidade ou possibilidade) de
um estágio inferior a um estágio maior, superior, mais aperfeiçoa-
do etc.; adiantamento, aumento, crescimento, expansão, progresso”
(MICHAELIS, 2023).

Se considerarmos essa definição, podemos então pensar na pers-


pectiva da passagem do tempo e como isso nos oferece experiên-
cias que dão base para a aprendizagem. Sob outro viés, podemos,
ainda, pensar na maturação do nosso corpo: com o passar dos anos
e conforme envelhecemos, vamos ganhando peso e estatura (até
chegarmos à fase adulta) e, junto disso, nossas funções psicológicas
também vão amadurecendo, ou seja, chegando a um estágio me-
lhor, mais refinado.

As teorias do desenvolvimento humano perpassam, portanto, um


entendimento de mudança, maturação, ação, temporalidade, cresci-
mento e desenvolvimento motor, o que se reflete sobretudo na con-
Vídeo
cepção do aprender.
No vídeo Teorias do
Nossa vida está sempre em desenvolvimento, estamos sempre desenvolvimento e da
aprendizagem - Aula 1, a
em modificação orgânica, e essas modificações geram algumas professora doutora Rosa
mudanças em nossos corpos, como o aparecimento de pelos, o au- Pereira discute o desen-
volvimento da criança e
mento dos seios, entre outros. Outros aspectos também podem ser da pessoa, bem como as
mencionados, como as questões das influências da genética e a neu- influências do meio para
a aprendizagem.
rofisiologia. Essas modificações nos acompanham até o fim da vida;
Disponível em: https://
inclusive, à medida que envelhecemos, podemos passar por perda www.youtube.com/
de peso, diminuição da estatura, bem como podem surgir patologias watch?v=Gd7SaHVNboY. Acesso
em: 2 jun. 2023.
da visão e da audição.

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 15


Mas, afinal, o que é o campo do desenvolvimento humano? Papalia
e Feldman (2013) afirmam que o campo do desenvolvimento humano
se concentra nos entendimentos dos processos de mudança e estabi-
lidade que acontecem conosco. Os cientistas que se debruçam sobre
o estudo dessa área buscam perceber e descrever cientificamente as
transformações que acontecem com os seres humanos desde a fecun-
dação até a sua morte.

Sifuentes, Dessen e Oliveira (2007, p. 379) comentam que “o desen-


volvimento humano é um processo de construção contínua que se es-
tende ao longo da vida dos indivíduos, sendo fruto de uma organização
complexa e hierarquizada que envolve desde os componentes intraor-
gânicos até as relações sociais e a agência humana”.

Ainda nesse contexto, de acordo com Papalia e Feldman (2013), os es-


tudos do desenvolvimento humano atravessam três domínios, que são:

Desenvolvimento físico
1 O crescimento do corpo, do cérebro
e as habilidades motoras.

Desenvolvimento psicossocial
1 Baseia-se sobretudo nas relações sociais, que
são influenciadas também pelas emoções e
pela personalidade das pessoas.

1 - M-vector/Shutterstock / 2 - Abert/Shutterstock

Desenvolvimento cognitivo
1 Envolve os aspectos da memória, da
cognição do raciocínio e da criatividade.

As teorias do desenvolvimento buscam entender como funciona o


curso de vida – o desenvolvimento humano –, ou também chamado de
estágios do desenvolvimento. Esses estágios, portanto, são entendidos

16 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


como representações ou marcos que acontecem com os sujeitos em de-
terminada idade, seja no contexto social, maturacional ou psicológico.

Além disso, temos os períodos do desenvolvimento humano, ou perío-


dos do ciclo vital, na primeira, segunda e terceira infância, adolescência,
vida adulta jovem, vida adulta intermediária e terceira idade.

Dito isso, agora entenderemos um pouco sobre as duas teorias men-


cionadas anteriormente e que embasam o desenvolvimento humano. A
primeira é a da psicanálise de Freud. Por psicanálise podemos entender
o “procedimento de investigação dos processos mentais, um método de
tratamento e uma disciplina científica” (ZIMERMAN, 2007, p. 32).

Freud foi o fundador da psicanálise e buscou entender esses pro-


cessos em uma época na qual a medicina se baseava apenas nos
aspectos orgânicos dos adoecimentos mentais, ou ainda, como ele
denominava, neuroses.

Conforme Roudinesco e Plon (1998, p. 603), o termo psicanálise é


definido da seguinte maneira:

Criado por Sigmund Freud, em 1896, para nomear um método particular


de psicoterapia (ou tratamento pela fala) proveniente do processo catár-
tico (catarse) de Josef Breuer e pautado na exploração do inconsciente,
com a ajuda da associação livre, por parte do paciente, e da interpretação,
por parte do psicanalista.

O que mais nos interessa na teoria de Freud é que ele propôs o de-
senvolvimento infantil pelo olhar da sexualidade, ao considerar que a
criança também possui uma sexualidade.

Vale ainda mencionar que essa sexualidade não se dá pela sexua-


lidade que o adulto percebe, mas trata-se, sim, de uma sexualidade
como dimensão psicológica – por exemplo, por meio do afeto, do ca-
rinho, ou ainda do processo de satisfação, como quando a criança se
alimenta. Na perspectiva de Couto (2017, p. 1),
as manifestações sexuais da criança são perversas porque não
têm relação com a reprodução e são polimorfas porque não
estão centralizadas em um objeto sexual, mas assumem formas
variadas de satisfação por meio de zonas erógenas, partes da
pele ou da mucosa de onde se origina uma excitação sexual e

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 17


que são tomadas como a principal referência para os outros
prazeres do corpo. Portanto, o corpo da criança é tomado por
pulsões parciais autoeróticas, que são pulsões sexuais fragmen-
tadas e independentes entre si no que diz respeito à busca pela
satisfação. A obtenção de prazer é encontrada no próprio corpo
e não em um objeto externo.

Nesse sentido, de acordo com Zimerman (2007), Freud propôs sua


teoria do desenvolvimento, chamada teoria psicossexual, que é também
dividida em estágios, conforme exposto no quadro a seguir.

Quadro 1
Estágios do desenvolvimento

Estágio Descrição
A criança leva tudo à boca e é sensorial, sua zona de prazer é a própria boca, utilizando-a para sua
Oral satisfação, como quando se alimenta. Esse estágio dura do nascimento até mais ou menos o primeiro
ou o segundo ano de idade.
Inicia-se por volta de um ano de idade até mais ou menos por volta dos três anos. Nele, a criança
aprende a controlar as necessidades fisiológicas, como os esfíncteres e a bexiga, por exemplo. É um
Anal
estágio muito delicado, pois é quando acontece o que chamamos de desfralde, e os pais precisam ter
muita cautela para não criar barreiras nas crianças, porque isso pode impedi-las de sair desse estágio.
Inicia-se por volta dos três anos de idade e encerra-se por volta dos seis anos. Nesse período acon-
Fálico tecem as fases das curiosidades e dos porquês, e as crianças começam a entender a diferença entre
meninos e meninas.
Inicia-se por volta dos cinco anos de idade. As energias libidinais ficam represadas, as crianças entram
De latência na escola e sua preocupação agora é com as habilidades sociais e acadêmicas, o entendimento e o
relacionamento com seus pares. As brincadeiras, as diversões e os esportes ganham mais espaço.
Esse período inicia-se na puberdade, com a busca por relacionamentos, desenvolvimento, pelo traba-
Genital
lho, pela carreira e família, e perdura até o fim da vida. O sujeito já reconhece seus desejos sexuais.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Zimerman, 2007.

Para Freud, as experiências vividas na primeira infância são cruciais


para o desenvolvimento e para a aprendizagem do sujeito, pois sua
personalidade é desenvolvida com base na vivência e na resolução de
conflitos ocorridos nesse período.

Vale aqui entendermos que os principais traumas que acompa-


nham essas crianças acontecem no período do desenvolvimento. É
muito comum, por exemplo, por volta dos seis ou sete anos, a criança
ter contato com o componente curricular de Matemática e se frustrar
ou não conseguir acompanhar a turma por alguma dificuldade que se
manifeste. Entretanto, teremos duas abordagens docentes distintas: a
primeira, em que a professora escuta e acolhe, e a segunda, em que a

18 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


professora rechaça essa criança. A segunda abordagem poderá causar
fraturas no processo de aprender dessa criança, o que a levará a um
bloqueio da aprendizagem nesse assunto.

A teoria psicanalítica auxilia o professor, por exemplo, a criar um


espaço de escuta, um espaço de acolhimento em que a criança possa
expressar suas emoções.

A outra teoria abordada aqui e que também estuda o desenvolvi-


mento humano é a epistemologia genética de Jean Piaget. Essa teoria
possui esse nome porque epistemologia origina-se, de acordo com o
dicionário Michaelis, do “Conjunto de conhecimentos sobre a origem,
a natureza, as etapas e os limites do conhecimento humano; teoria do
conhecimento” (MICHAELIS, 2023).

Além da epistemologia, temos o termo genética, o qual vem do ter-


mo grego genno, que significa fazer nascer. Portanto, essa teoria se em-
basa no início da construção da inteligência e do conhecimento pela
criança.

Piaget fala que o conhecimento da criança começa a ser construí-


do por meio da satisfação das suas necessidades e pelo estágio sen-
sório-motor; partindo disso, a criança ganha novas habilidades para
explorar o mundo que a cerca. A partir de todo o desenvolvimento sen-
sório-motor, a criança ganha maturidade para aprender as regras e os
conceitos sociais exigidos pela sociedade da qual ela participa.

Piaget também menciona que a criança, conforme vai tendo contato


com as experiências, desenvolve habilidades lógicas, de abstração, e
em cada estágio superado continua com o conhecimento construído
nos estágios anteriores.

Os estágios do desenvolvimento humano dessa teoria são resultado


de vários métodos aplicados, principalmente em virtude da formação
de Piaget na área biológica e por meio da observação comportamental
de seus filhos. Sobre isso, Papalia e Feldman (2013, p. 65) comentam:
O método clínico de Piaget combinava observação com inda-
gação flexível. Ao perguntar por que as crianças respondiam as
perguntas da maneira como o faziam, ele percebeu que crianças
da mesma idade cometiam tipos semelhantes de erro em lógi-
ca. Assim, por exemplo, ele descobriu que uma criança típica de
4 anos acreditava que moedas ou flores eram mais numerosas
quando dispostas em filas do que quando empilhadas.

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 19


Os estágios de Piaget buscam entender o desenvolvimento da crian-
ça pela perspectiva cognitiva, na qual a criança assimila, acomoda e
equilibra o conteúdo aprendido durante a vida, criando categorias de
análise e aplicação.
Quadro 2
Estágios do desenvolvimento

Estágio Idade Descrição


Acontecem as primeiras emoções, o desen-
Inteligência volvimento inicial dos aspectos motores, a
0 a ± 2 anos
sensório-motora alimentação, as percepções e o desenvolvi-
mento dos aspectos afetivos.
A criança ainda precisa do adulto para re-
Pensamento gular seus pensamentos e comportamen-
2 a 7 anos
pré-operatório tos, mas já percebemos os aspectos relati-
vos à espontaneidade e às relações sociais.
Perpassa as operações intelectuais concre-
tas. Aqui percebemos o desenvolvimento
Operatório concreto 7 a ± 12 anos
do raciocínio mais lógico, matemático, da
cooperação e do entendimento da moral.
Começam as abstrações, a formação da
± 12 anos
Operatório formal personalidade e a inserção na sociedade
em diante
de modo mais ativo e reflexivo.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Gamez, 2013.

A teoria cognitiva de Jean Piaget busca enfatizar, sobretudo, a im-


portância do desenvolvimento cognitivo e da capacidade das crianças
de construir conhecimento por meio das suas próprias experiências.

1.3 Desafios da escola inclusiva


Vídeo
Muito provavelmente você frequentou a escola de Educação Básica,
correto? E você lembra se algum dos seus colegas tinha deficiência ou
alguma dificuldade acentuada de aprendizagem?

Essa pergunta acaba por nos desestabilizar um pouco, não é mes-


mo? Alguns de nós podem lembrar, outros não, ou, ainda, nós pode-
ríamos ser o aluno com deficiência. Porém, essas perguntas servem
justamente para que possamos entender em que momento estamos
do processo de uma verdadeira inclusão nas escolas.

A escola é uma sociedade dentro da sociedade. Lá existem tensões,


reflexões e ações que precisam ser observadas mais de perto e trata-

20 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


das com equidade. A escola é a personificação dos anseios, das angús-
tias, das expectativas, das alegrias, da felicidades e dos sucessos que os
pais esperam que seus filhos alcancem.

Entretanto, da mesma forma, uma escola inclusiva é aquela que “ga-


rante a qualidade de ensino educacional a cada um de seus alunos, re-
conhecendo e respeitando a diversidade e respondendo a cada um de
acordo com suas potencialidades e necessidades” (ARANHA, 2004, p. 7).
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Se pensarmos por esse prisma, podemos então chegar a um con-
senso: toda escola é inclusiva, pois sempre pensa na melhoria da qua-
lidade para seus estudantes. Entretanto, mesmo assim continuamos
tendo desafios que precisam ser superados constantemente.

Na perspectiva do Programa Educação Inclusiva, “uma escola somente


poderá ser considerada inclusiva quando estiver organizada para favore-
cer a cada aluno, independentemente de etnia, sexo, idade, deficiência,
condição social ou qualquer outra situação” (ARANHA, 2004, p. 7).

Para refletir

Aqui cabe uma discussão, será que a escola está preparada para o
fornecimento dessas condições, com o propósito de oferecer acesso
e permanência aos estudantes?

O trabalho com a diversidade étnica precisa ser considerada pela


educação inclusiva, principalmente por estarmos no Brasil, um país
com uma pluralidade de etnias que se reflete na realidade escolar.
Isso significa dizer que a escola também é plural. Logo, ela precisa
considerar diferentes religiões, etnias, línguas distintas, costumes e
culturas diversas.

Essa discussão acerca das diferenças faz com que possamos perce-
ber um movimento pela cultura da paz nas escolas, ou seja, programas
formulados visando à diminuição do bullying e da própria violência es-
colar, que tanto assombram alguns estudantes.

Pensar na diversidade é pensar em um todo. Nesse aspecto, a le-


gislação ainda esbarra em entraves: de um lado existem famílias e a
comunidade escolar que lutam pela formulação de políticas públicas
capazes de garantir direitos e deveres; de outro lado ainda esbarramos
na dificuldade de promulgação e em haver governantes que consigam
perceber a necessidade desse público por tal política.

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 21


As escolas infelizmente precisam dos laudos e diagnósticos dos
alunos e os aguardam sempre para fornecimento dos atendimentos
educacionais especializados. Isso é culpa da escola? Não, é culpa da le-
gislação, que ainda não dá conta de entender que a verdadeira inclusão
é para todos aqueles estudantes que dela precisam.

Pensar na necessidade de laudos implica pensar que as deficiências,


os transtornos e as dificuldades de aprendizagem continuam inclusas
no rol de doenças. Portanto, percebe-se que, para termos a garantia de
direitos para esse público, este precisa provar que realmente necessita.

Esse fenômeno ainda congrega dificuldades, principalmente na es-


cola, pois ela precisa respeitar a legislação e cumpri-la dentro do seu
universo. Por outro lado, temos ainda que a chegada do diagnóstico
na escola pressupõe intervenções pensadas e programadas para cada
perfil de estudante.

De acordo com o Programa Educação Inclusiva (ARANHA, 2004),


para uma escola se tornar inclusiva, ela precisa contar com a partici-
pação dos envolvidos na comunidade escolar e pensar em estratégias
para aproximar-se cada vez mais dessa comunidade, o que também é
um grande desafio.

A escola, em alguns casos, ainda está de portões fechados, sem uma


relação direta com a comunidade. No entanto, ela faz parte da comu-
nidade, e esta precisa mudar sua atitude do não pertencimento e par-
ticipação das ações da escola, entendendo que a escola é patrimônio
daquele bairro e que faz a diferença na vida de todos que ali residem.

Além disso, a escola precisa superar o desafio de atender todos os


alunos em sua especificidade. Entre as dificuldades para isso, estão os
recursos financeiros, que são um dos maiores problemas enfrentados,
já que esses recursos e financiamentos de educação inclusiva precisam
ser pensados com mais cautela para garantir profissionais adequados
e materiais que auxiliem no atendimento especializado do estudante
com deficiência.

Outro desafio que precisamos observar é a falha na formação inicial


dos professores, bem como na continuada, pois poucos estudaram os
assuntos pertinentes ao entendimento das deficiências, dos transtor-
nos e das dificuldades de aprendizagem.

22 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Temos ainda as barreiras arquitetônicas das próprias escolas,
já que estudantes com deficiência, em grande parte, precisam de
auxílio. Por exemplo, as crianças com deficiência física que utilizam
cadeira de rodas precisam de rampas de acesso e de um banheiro
adaptado com barras a fim de que possam se segurar para fazerem
suas necessidades fisiológicas.

Outro ponto que ainda devemos observar são as barreiras atitudi-


nais. A sociedade e a escola ainda têm dificuldade de mudar seu po-
sicionamento quanto ao estudante com deficiência, pois ainda o olha
com um ar de piedade e até mesmo de discriminação, como se ele não
tivesse talento e potencialidades.

Precisamos incutir em nosso comportamento e em nosso dia a dia


a ideia de que as escolas possuem seus desafios para se tornarem in-
clusivas. É importante entendermos que a inclusão da diversidade na
escola promoverá o respeito e o desenvolvimento da convivência com
a diferença. Além disso, a escola, em seu papel de instituição, poderá
desenvolver estratégias pedagógicas inventivas que auxiliem no aten-
dimento desses estudantes.

A escola inclusiva também precisa entender a necessidade constan-


te do desenvolvimento de empatia e de habilidades socioemocionais,
com o objetivo de colaborar para a formação de um estudante com
deficiência ou com transtornos que consiga ser ético, crítico, reflexivo e
participante da sociedade na qual ele está inserido.

Para que a escola consiga enfrentar tais desafios, além de entender


e explorar as suas potencialidades, ela precisará desenvolver um pro-
jeto político pedagógico que realmente seja voltado para uma perspec-
tiva inclusiva e de respeito às diferenças. Outra condição importante é
a formação adequada dos professores com relação à inclusão – além
de terem o entendimento, eles devem incentivar a iniciativa inclusiva.

1.4 Dificuldades, deficiências e transtornos


Vídeo
O conhecimento de algumas terminologias faz com que nós, profis-
sionais que atuam com educação, consigamos dar um direcionamento
pedagógico e um atendimento mais assertivo aos nossos estudantes.
Provavelmente você já ouviu os termos dificuldades, transtornos e defi-
ciências. Você sabe diferenciá-los?

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 23


Todos esses termos surgiram sobretudo por meio do estudo do
fracasso escolar em séculos anteriores, quando tínhamos o estudante
como centro do fracasso e a culpa desse fracasso sendo única e exclu-
sivamente atribuída a ele; a escola eximia-se do problema.

Gasparin (2003) afirma que, para que o fracasso escolar deixe de


existir, é imprescindível a participação ativa de todos os membros da
comunidade escolar – alunos, pais, professores, equipe pedagógica –,
bem como é essencial a formulação de políticas públicas. Sendo as-
sim, é necessário que o estudante busque aprender e que o professor
promova essa aprendizagem, que esteja sempre disposto a pesquisar
mais e a respeitar a singularidade de cada aluno.

Pois bem, vamos iniciar nossas discussões acerca das dificuldades


de aprendizagem. Vale aqui uma primeira reflexão: as dificuldades são
obstáculos que impedem o sujeito de aprender e podem estar atre-
ladas a diversos aspectos, tanto emocionais como do ambiente, e a
aspectos pedagógicos, metodológicos e didáticos da escola que esse
sujeito frequenta.

Moojen (2003) caracteriza as dificuldades de aprendizagem não


apenas como problemas neurológicos que afetam a capacidade do
cérebro de entender, recordar ou comunicar informações; o termo di-
ficuldade de aprendizagem não se refere a um único problema, mas a
um amplo conjunto de situações que podem afetar qualquer área do
desempenho estudantil.

As dificuldades de aprendizagem não podem ser atribuídas a uma


única causa, pois são situações polissêmicas, como colocamos an-
teriormente. Conforme apontado por Garcia Sánchez (2004), essas
dificuldades apresentam alguns princípios específicos, como a hetero-
geneidade; o modo como elas afetam o desenvolvimento, a aquisição e
o processamento da fala, da leitura e da escrita; de que elas são intrín-
secas ao indivíduo; e de que elas podem acontecer de modo subjacente
a outras condições, como ansiedade, depressão e luto.

A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABBp) nos coloca, ain-


da, que as dificuldades de aprendizagem se apresentam em estudan-
tes que possuem intelecto sem prejuízos neurológicos, deficiências ou
transtornos específicos, ou seja, em sujeitos que vivem em um ambien-
te normal, mas que apresentam rendimento escolar insatisfatório.

24 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


As dificuldades de aprendizagem podem ter causas externas à famí-
lia, como as situações que ocorrem na escola – o bullying, por exemplo
–, as quais podem fazer com que essa criança regrida no processo de
aprendizagem em virtude dos aspectos emocionais envolvidos e até
mesmo do medo. Também podem ser causadas pela família, ou seja,
a desorganização e a disfuncionalidade familiar podem estar gerando
sintomas de não aprendizagem na criança. Por fim, podem se originar
das dificuldades de ensinar do docente, de uma didática inadequada e
até mesmo de um currículo ineficaz ofertado pela escola.

Em contrapartida, temos os transtornos de aprendizagem, ou trans-


tornos do neurodesenvolvimento, que afetam as pessoas ainda na fase
do desenvolvimento infantil, sobretudo manifestando sintomas mais
acentuadamente na fase escolar.

Esses transtornos não são extrínsecos ao indivíduo, são de ordem


orgânica, ou seja, os sujeitos nascem com essas condições e precisam
de intervenções psicológicas e psicopedagógicas para que seus sinto-
mas diminuam. Podemos dar como exemplo o transtorno do espec-
tro do autismo, os transtornos específicos de aprendizagem (dislexia,
discalculia, disortografia), o transtorno do déficit de atenção e hipera-
tividade, o transtorno do desenvolvimento intelectual, os transtornos
motores e os transtornos da linguagem.

Rotta, Ohlweiler e Riesgo (2016, p. 109) comentam:


Os transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades
escolares compreendem grupos de transtornos manifestados
por comprometimentos específicos e significativos no aprendiza-
do de habilidades escolares. Esses comprometimentos no apren-
dizado não são resultado direto de outros transtornos, ainda que
eles possam ocorrer simultaneamente.

Pois bem, e as deficiências, o que são? Primeiramente, vale mencio-


nar que elas podem ser adquiridas, ou seja, acontecer em virtude de
um acidente que possa ter impactado alguma das funções sensoriais
ou intelectuais, como acidentes de carro, acidentes com ingestão de tó-
xicos ou até mesmo alguma doença. Portanto, a deficiência é adquirida
quando ocorre após o nascimento.

As deficiências também podem ser congênitas, ou seja, quan-


do o sujeito já nasce com a condição, e a sua causa pode variar de-
vido a múltiplos fatores, como a ingestão de álcool, drogas e outros

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 25


tóxicos pela mãe, a idade avançada dos pais e até mesmo fatores de
hereditariedade.

O que entendemos por deficiência? Primeiramente, elas podem ser


de cunho visual, auditivo, intelectual e físico. Para se configurar defi-
ciência, precisa ser de longo prazo e precisa estar de acordo com a
Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), em que deficiência é definida
como sendo a que “em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas”.

Para considerar uma pessoa com deficiência, a avaliação realizada


por médicos profissionais precisará conter e considerar alguns elemen-
tos, como: os impedimentos das funções do corpo; fatores pessoais,
emocionais e psicológicos que essas perdas trazem; a limitação e a
exclusão na participação de atividades e até mesmo de determinados
momentos da vida em sociedade.

Vale ainda citar que tanto a educação quanto os demais setores da


sociedade precisam promover ações e políticas públicas que deem con-
ta de assegurar os direitos das pessoas com deficiência, como o direito
à moradia, à cultura, ao esporte, ao lazer, à educação e ao trabalho.

A pessoa com deficiência precisa ser vista com um olhar de equi-


dade, e a sociedade ainda precisa – e muito – mudar algumas atitudes
e evitar a colocação de barreiras que impeçam a efetiva participação
desses sujeitos como cidadãos, bem como o exercício da sua cidadania.

1.5 Mitos e verdades sobre as deficiências


Vídeo
A sociedade mudou e muda a cada dia no que diz respeito às ati-
tudes preconceituosas e discriminativas quanto às pessoas com defi-
ciência. No passado, era evidente o receio e até mesmo o medo que as
pessoas possuíam com relação às pessoas com deficiência.

Sabemos que durante muito tempo as pessoas com deficiência fi-


caram à margem da sociedade, foram mortas, exiladas e até mesmo
expulsas de suas comunidades de origem em virtude de a sociedade,
durante séculos, acreditar que elas eram “amaldiçoadas”.

Essas crenças acabaram por influenciar bastante a forma como al-


gumas pessoas ainda enxergam os sujeitos com deficiência. Aqui bus-

26 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


caremos desmistificar algumas questões relativas a mitos e verdades
sobre as deficiências.

Uma questão muito importante é que a sociedade ainda tem uma


relação de estereótipo quanto às pessoas com deficiência. Segundo o
dicionário Michaelis (2023), os estereótipos são padrões de ideias for-
madas de modo preconcebido, sem um conhecimento prévio sobre
o assunto. Além disso, o dicionário ainda aponta que esse padrão de
ideias preconcebido também se pauta em falsas generalizações, expec-
tativas e hábitos de julgamento.

Se observarmos essa definição, podemos, portanto, entender que


a sociedade ainda tem o costume de tratar a pessoa com deficiên-
cia sob o viés de um estereótipo. Já percebeu que algumas pessoas
tratam as pessoas com deficiência como bibelôs, ou falam com elas
com voz de bebê, acreditando que elas não possuem capacidade de
linguagem para a compreensão daquilo que foi dito? Pois bem, isso
é um estereótipo.

Dito isso, vamos conhecer alguns mitos que envolvem as pessoas


com deficiência em pleno século XXI?

1 As pessoas com deficiência física, intelectual e visual não podem


morar sozinhas pois não dão conta das atividades de vida diária?
Não é verdade, essas pessoas podem morar sozinhas, o que acontecerá
é que deverão ser realizadas intervenções para que consigam conviver
com sua deficiência, além de que devem ser estimuladas a desenvolver
habilidades para que consigam realizar suas atividades de vida diária,
como lavar louça, vestir-se, alimentar-se, e assim por diante.

2 As pessoas com deficiência não podem exercer uma profissão?


Não é verdade, na contemporaneidade já existem empresas que fa-
zem contratações de profissionais com deficiência, não apenas para
cumprimento de cotas, mas por enxergarem seu potencial de trabalho
e dedicação. Inclusive, já existe, desde 1991, a conhecida Lei de Cotas
(BRASIL, 1991) – a Lei n. 8.213 –, que busca garantir a contratação de 2
a 5% do quadro funcional das empresas de pessoas com deficiência, a
depender do número de funcionários e do porte da empresa.

(Continua)

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 27


3 As pessoas com deficiência não conseguem cursar a Educação
Superior e estudos seguintes?
Não é verdade, a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996) garante currículo, técnicas, métodos e atendimento
educacional especializado para as pessoas com deficiência, e as ins-
tituições de Ensino Superior precisam garantir a acessibilidade desses
alunos aos cursos.

4 As pessoas com deficiência possuem a sexualidade exacerbada?


Não é verdade, ainda não existem comprovações e estudos que apon-
tam essa exacerbação da sexualidade, o que pode acontecer é a mani-
festação da sexualidade em períodos e idades distintas em virtude dos
estágios do desenvolvimento infantil.

5 A deficiência se transmite por meio de beijo e compartilhamento de


objetos?
Embora pareça um pouco engraçado, ainda existem pessoas que acre-
ditam que, se conviverem com pessoas com deficiência ou deixarem
seus filhos brincarem com outras crianças com deficiência, ocorrerá o
risco de transmissão – isso não é possível.

6 A deficiência é uma doença?


A deficiência não deve ser enxergada como doença, embora os ma-
nuais classificatórios ainda a vejam dessa forma. Entender a defi-
ciência como doença apenas reforça os estigmas sofridos por esses
sujeitos; deficiência é uma condição ou um conjunto de característi-
cas, não uma patologia.

7 As pessoas com deficiência visual possuem poderes místicos de


clarividência?
Embora no passado as pessoas com deficiência visual fossem tidas
como seres místicos, na verdade a deficiência visual nada tem a ver
com questões de religiosidade, maldições ou poderes místicos.

(Continua)

28 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


8 As pessoas com deficiência não fazem sexo?
Não é verdade, tanto homens quanto mulheres com deficiência fazem,
sim, sexo, sentem prazer e ainda podem gestar filhos. Em alguns casos,
inclusive, precisam redescobrir o prazer.

9 As pessoas com deficiência são infelizes e sempre possuem


depressão?
Em alguns casos, isso pode até ser verdade, mas não podemos gene-
ralizar, por isso é importante que pessoas com deficiência que ainda
têm dificuldade de se aceitar passem por tratamentos psicológicos. No
entanto, vale ainda mencionar que pessoas com deficiência são, sim,
felizes, possuem carreiras brilhantes e constroem famílias.

10 Podemos ainda dizer doença mental?


Não, pois deficiência não é doença, o correto é dizer pessoa com defi-
ciência intelectual ou transtorno do desenvolvimento intelectual.

11 As pessoas com deficiência são menos capazes?


Isso não é verdade, pessoas com deficiência são tão capazes e
possuem tantas potencialidades quanto os não deficientes. É im-
portante mencionar que um diagnóstico, laudo ou deficiência não
define uma pessoa.

12 As pessoas com deficiência são sempre dependentes?


Não é verdade, algumas pessoas com deficiência precisam de um certo
grau de apoio, mas não significa que não consigam cuidar de si. Por
esse motivo, são necessárias a estimulação e a intervenção precoce
para o desenvolvimento de autonomia e acessibilidade.

13 Todas as deficiências são visíveis?


Isso não é verdade, existem pessoas em que a deficiência não é apa-
rente, como aquelas com deficiência visual do tipo baixa visão ou até
mesmo pessoas com transtorno do espectro do autismo.

Aprendizagem humana e desafios da inclusão 29


Para promover uma sociedade com base na equidade, não pode-
mos reproduzir mentiras ou estereótipos. Precisamos, portanto, estar
apoiados em aspectos teóricos e científicos para que possamos orien-
tar adequadamente os pais, os professores, a equipe pedagógica da
escola e a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar em aprendizagem e diversidade ao mesmo tempo não é uma
tarefa fácil, entretanto é uma tarefa necessária. A aprendizagem perpassa
os padrões normais e os patológicos, mas, independentemente de pos-
suirmos dificuldades ou não, temos o papel de realizar intervenções que
façam com que a aprendizagem seja efetiva e com uma boa qualidade,
bem como reflita na vida de nossos estudantes.
A aprendizagem da pessoa com deficiência não é uma aprendizagem
inexistente, mas sim precisa ser potencializada por meio de técnicas, mé-
todos e ferramentas. A congregação desses recursos faz com que poten-
cializemos essa aprendizagem.
A aprendizagem da pessoa com deficiência se torna cada vez mais impor-
tante e sua discussão se faz cada vez mais presente, tendo em vista que esse
sujeito não mais é considerado como incapaz, ao contrário, e isso se dá para
além das políticas públicas existentes, ou seja, por meio da força de vontade,
da mudança de perspectiva social e, sobretudo, em virtude da escola.

ATIVIDADES
Atividade 1
O que é a aprendizagem social?

Atividade 2
Qual é a importância da neurociência para a aprendizagem?

30 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Atividade 3
O que são dificuldades de aprendizagem?

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Aprendizagem humana e desafios da inclusão 31


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ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem
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32 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


2
História da Educação Especial
A história da Educação Especial está marcada não só pelos fatos nega-
tivos que a acompanham. Precisamos também compreender a história da
Educação Especial sob um ponto de vista de aprendizagem e de lutas que
foram travadas e foram vencidas.
Nesse sentido, neste capítulo, conversaremos sobre o contexto histórico
e a presença das pessoas com deficiência na sociedade, o que aconteceu em
cada período histórico e a importância dessa compreensão para o profissio-
nal da educação e do docente que trabalha com a Educação Especial.
Partindo desse diálogo, entenderemos o período histórico do extermí-
nio, da segregação, da integração e da inclusão. O entendimento desses
movimentos faz com que consigamos observar o movimento social de
avanços em relação às pessoas com deficiência.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo você será capaz de:


• compreender o contexto histórico e a presença das deficiências
na sociedade;

• analisar o período da inclusão e da segregação;

• refletir sobre o marco histórico da integração e da inclusão.

2.1 A deficiência ao longo do tempo


Vídeo
Em todos os períodos ao longo do tempo tiveram pessoas dife-
rentes, e aqui cabe uma reflexão: o que é ser diferente? Não existem
muitos relatos de quem elas eram, o que podemos inferir é que eram
pessoas com determinados graus de deformidades. Então, por que
estamos dizendo isso? Porque daqui é a partida, para que possamos
discutir e retornar na história, para que possamos perceber as múlti-
plas facetas das atitudes da sociedade em relação a essas pessoas e os
avanços ocorridos na garantia de seus direitos à vida.

História da Educação Especial 33


Dentro do contexto dessas lutas, podemos perceber que no período
de extermínio essas pessoas eram deixadas para morrer, o que no perío-
do de segregação não ocorria mais, ou seja, observamos um avanço nos
aspectos de entendimento da sociedade pelo respeito à vida humana e
à sua subjetividade. Da Antiguidade até a Contemporaneidade muitas
coisas mudaram, a sociedade passou a ser regida por dispositivos legais,
o que colaborou, e muito, para o avanço das políticas públicas e educa-
cionais que conseguissem ter um ponto de partida para o entendimento
das necessidades das pessoas com deficiência.

Para refletir

Por que falar em história da Educação Especial? Para entendermos o


presente e conseguirmos especular o futuro, bem como entender o
que se passou, aprender com o passado e não deixar que se repita.

Ao longo da história, as deficiências foram vistas de várias formas,


alguns as viam como bençãos do divino e outros como maldições, mas,
independentemente disso, as pessoas com deficiência sempre existi-
ram e sempre precisaram de cuidados e atendimentos especializados.

De acordo com Fernandes (2013), quando nós recorremos à história,


buscamos compreender a evolução das práticas humanas e como isso
influenciou a atualidade. Para a inclusão das pessoas com deficiência,
isso é ainda mais importante, pois esse processo histórico é carregado
de fatos, relatos e um arcabouço de aspectos que precisam ser levados
em consideração no momento de pensamos e formularmos políticas pú-
blicas, seja de educação, saúde, lazer, moradia, cultura e esportes.

Quando falamos do termo história, o dicionário Michaelis (2023) nos


coloca algumas possibilidades, sendo a primeira referente a um con-
junto de possíveis fatos relevantes que aconteceram em um dado pe-
ríodo e local. Outra possibilidade de interpretação desse termo é o de
estudo de um povo ou cultura por meio de documentos históricos, ou
ainda o processo de evolução ocorrida com a humanidade.

Considerando essas três possibilidades, podemos perceber que a


história busca recuperar fatos ocorridos com o intuito de conseguir-
mos pontuar onde pecamos no passado, para tentar reparar isso no
presente e trabalhar com equidade.

34 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Ainda se referindo à conceituação do termo história, com essa ne-
cessidade de estudarmos o passado por meio dos períodos históricos
e datas de determinadas épocas, podemos compreender os quatro
períodos que caracterizam a evolução da Educação Especial, que pode-
mos ver na Figura 1.
Figura 1
Evolução da Educação Especial

3500 a.C até 476 a.C • Morte das pessoas com


Período do extermínio deficiências
• Valorização do corpo perfeito
• Valorização da força de trabalho

476 a.C até 1960 d.C • Separação da pessoa com deficiência


Período da segregação • Casas e abrigos institucionais
• Pessoas com deficiência impedidas de
frequentar o Ensino Regular

1960 até 1996 • Início da legislação que pensa a educação


Período da integração de excepcionais
• Oferta de educação no que for possível
• Início da modificação da atitude da
sociedade

1996 • Lei n. 9.394 e a Educação Especial


Período da • Mudança da atitude da sociedade
inclusão • Pessoas com deficiência na sociedade
em espaços de estudo e trabalho
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Fonte: Elaborada pelo autor.

Considerando esses períodos, cabe-nos a seguinte indagação: qual


o motivo da escassez de registros sobre as pessoas com deficiência ao
longo da história? De acordo com Fernandes (2013), essa escassez se
dá sobretudo pela inexistência de registros teóricos desde os princí-
pios da humanidade, pois essas pessoas muitas vezes nem chegavam a
crescer propriamente, pois infelizmente eram mortas ou abandonadas
à própria sorte assim que nasciam.

História da Educação Especial 35


Felizmente, com o passar do tempo, novas estruturas e paradigmas
foram sendo criados com relação à pessoa com deficiência, o que fez
com que em um dado momento o paradigma do extermínio fosse alte-
rado para um paradigma mais assistencialista.

Muitos foram os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiên-


cia ao longo dos tempos, mas aqui também nos cabe algumas outras
discussões para que possamos refletir acerca de toda essa diversidade
humana que permeia a deficiência seja ela qual for, que é o conceito
de normalização.

Em primeiro lugar, o que é ser normal? Será que existe um parâme-


tro para dizer se nós somos considerados normais ou será que toda
essa perspectiva está baseada em um padrão fornecido pela sociedade
por mera observação da massa? Mesmo estando em um período da
história com um paradigma mais inclusivo, ainda nos deparamos com
discursos, práticas e políticas que buscam tornar aceitável a palavra
normalização dentro de um contexto de pessoa com deficiência.

De acordo com Ferreira (2014) existem ações de saúde, educativas


e de mercado de trabalho que buscam igualar as pessoas com defi-
ciência com as demais pessoas para – utilizando as palavras da auto-
ra – “igualar os que são desiguais” (FERREIRA, 2014, p. 16). Essa fala é
escolhida pela autora justamente para causar desconforto e nos fazer
refletir acerca do que estamos tentando fazer para mudar essa atitude
que a sociedade ainda tem para com as pessoas com deficiência.

Por que ainda estamos pautando nosso pensamento em práticas como


tentativas de fazer a pessoa com deficiência visual ver, ou ainda fazer a
pessoa que usa cadeira de rodas andar ou até mesmo a pessoa com al-
gum grau de perda auditiva ouvir? Por que ainda estamos nos esbarrando
em um paradigma de uma pedagogia curativa e com foco em reabilitação?

Ainda de acordo com a análise de Ferreira (2014), existem muitos


movimentos que defendem a necessidade de normalizar a deficiên-
cia, isto é, nivelar as condições sociais sem considerar a desigualdade
subjacente que sustenta as relações de poder atuais. Quando falamos
sobre essa base de poder vigente e essas relações sociais desiguais,
podemos mencionar até a questão da problemática da distribuição de
renda, a precarização da saúde voltada para o tratamento de deter-
minadas condições trazidas pela deficiência e o auxílio para acesso à
saúde e melhoramento da qualidade de vida.

36 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


O paradigma da normalização busca colocar todos em um mesmo
patamar, por exemplo, se uma pessoa vidente – aquela que enxerga
normalmente – consegue trabalhar impecavelmente utilizando o com-
putador, uma pessoa com deficiência também precisará conseguir,
para que ela possa ser competitiva em sua vida.

Considerando esse exemplo, aqui cabe uma análise em primeira


instância: essa pessoa com deficiência poderá sim utilizar o computa-
dor, mas será que isso ocorrerá com a mesma velocidade? Ou, ainda,
a quantidade de trabalho entregue dentro de um período em horas
será a mesma? Para todas essas indagações e problemáticas são ne-
cessárias análises, justamente por estarem relacionadas ao processo
de normalização das pessoas.

O ser humano ainda tem dificuldade em entender aquilo que é di-


ferente e que essa diferença é que moverá o mundo. Outro ponto que
cabe aqui discutirmos é a questão do processo de capacitismo, que
muito se assemelha com a questão da normalização e que também
causa controvérsias.

As pessoas com deficiência, durante muitos anos, ficaram escondi-


das e foram caladas pela sociedade em virtude da própria vergonha de
suas condições, entretanto, com o avanço da medicina, da psicologia e
até mesmo da educação, conseguimos perceber uma mudança de pa-
radigma, com a internet sendo um instrumento muito importante para
modificar esses pensamentos.

Na contemporaneidade, observamos YouTubers com deficiência e


que buscam desmistificar o que é deficiência e o que é conviver com
uma. Além disso, famílias de pessoas com transtorno de espectro au-
tista buscam proporcionar, por exemplo, informações, práticas e possi-
bilidades de atendimentos adequados para outras famílias de pessoas
que estão no espectro, algo que facilita muito e acaba transformando a
sociedade pouco a pouco, caminhando para um ideal de inclusão.

O Superior Tribunal do Trabalho lançou uma cartilha explicando pas-


so a passo o que seria capacitismo, e uma das definições é: “Quando as
pessoas são consideradas como “não iguais”, menos capazes (de produ-
zir, de trabalhar, de aprender, de amar, de cuidar etc.) e menos aptas a
gerir a própria vida” (TST, 2022, p. 7). Se olharmos para essa definição,
conseguimos perceber que o capacitismo é uma atitude da sociedade, a
qual visa inferiorizar as capacidades da pessoa com deficiência em dife-

História da Educação Especial 37


rentes âmbitos de sua vida, ou é um pensamento que permeia o senso
comum de que a pessoa com deficiência precisará sempre de um cuida-
dor, que ela não conseguirá viver sozinha, constituir família, trabalhar,
produzir bons frutos no trabalho e até mesmo se vestir sozinha.

Precisamos combater falas capacitistas, mas essa é uma tarefa


que pode ser muito complicada, pois muitas vezes as pessoas não
as veem com um sentido negativo, já que falas como “você é uma
inspiração” ou “apesar de tudo, você ainda é feliz” são vistas como
elogios. Muitas vezes as falas capacitistas são consideradas bonitas,
inspiradoras ou carregadas de bom humor, mas em contextos es-
pecíficos elas podem ser utilizadas para inferiorizar a pessoa com
deficiência, passando a ideia de que tarefas simples do dia a dia são
“super tarefas impossíveis”, e que o simples fato de essa pessoa rea-
lizar já é uma superação gigantesca.

Nós enquanto sociedade precisamos trabalhar em prol do melho-


ramento das condições de vida e saúde das pessoas com deficiência,
combatendo sobretudo atitudes e falas capacitistas.

2.2 Período de extermínio


Vídeo
O período de extermínio é sem dúvida um dos mais dolorosos da
história e da luta da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade,
pois, além de toda perspectiva social, existiam ainda questões místicas
e religiosas que permeavam essas relações.

Esse período também é conhecido como Período da Antiguidade e, de


acordo com Fernandes (2013), é o primeiro dos períodos que consegui-
mos estudar para descobrir as formas como eram tratadas as pessoas
com deficiência, sendo o ponta pé inicial para que consigamos perce-
ber a forma como a sociedade evoluiu e ainda continua evoluindo.

Fernandes (2013) nos coloca que, mesmo sabendo de algumas dife-


renças entre as práticas adotadas pelas sociedades da Antiguidade, o
que sempre predominava era o abandono das pessoas com deficiência
em virtude da necessidade de sobrevivência das pessoas nesse período,
algo que demandava habilidades específicas – como caça e pesca –, logo
as pessoas que não tinham tais habilidades eram eliminados por preju-
dicar o coletivo da comunidade.

38 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Esse movimento da seletividade daqueles que não possuíam habi-
lidades específicas requeridas por tal sociedade estava pautado so-
bretudo pela busca e adoração do chamado corpo perfeito, ou
seja, para ser considerado alguém com capacidade de sobrevi-
ver, a pessoa deveria ter um corpo que aparentasse ser capaz de

Nsit/Shutterstock
­guerrear, caçar e pescar.

Na Grécia Antiga, esses eram os critérios para que os ho-


mens fossem selecionados, por exemplo, para defender suas
comunidades e participarem de grandes eventos e jogos

FERNANDES, 2013). Nesse sentido, corpos estigmatizados,
marcados pelo que hoje compreendemos por diversas síndromes que
são visíveis, eram considerados inaptos à vida em comunidade pois
acreditava-se que atrasariam a comunidade e prejudicariam o bom
despenho de vida dos seus cidadãos.

Ou seja, de acordo com Fernandes (2013), pessoas com dificulda-


des e atrasos na fala, gagueira, deformidades, estigmas e problemas
de visão eram deixadas para morrer, abandonadas em virtude do tipo
de atenção e cuidado que elas necessitavam. Nem todas as crianças
com deficiência eram mortas assim que nasciam, em alguns casos elas
eram abandonadas ou deixadas ao relento e por vezes acolhidas e cria-
das por outras famílias. Ainda nesse sentido, destacamos o extermínio
em alguns momentos dessas pessoas em vilarejos menores, justamente
pelo alto custo que esses sujeitos davam à família.

Na Antiguidade, as pessoas com deficiência e deformidade eram


frequentemente vistas como castigos dos deuses ou como sinais de
maldição. Por exemplo, acreditava-se que as crianças com deficiência
eram um fardo para a sociedade e, por isso, eram frequentemente
abandonadas ou deixadas para morrer.
Filme
De acordo com Corrent (2015), os gregos sempre se destacavam O filme 300 apresenta a
em aspectos relacionados a arquitetura, matemática, filosofia e outras guerra dos espartanos
contra o Império Persa,
ciências, o que faz com que sempre sejam citados nas teorias existen- além disso ele projeta
tes. A educação grega sempre foi uma educação voltada ao treino para um vislumbre dessa
representação do corpo
o esporte, havia um cuidado com o corpo, principalmente pelo fato perfeito e de como a
de sempre estarem lutando guerras, portanto desde muito jovens as sociedade tratava as
­pessoas que se distan-
crianças também eram preparadas para tal. ciavam desse padrão.
A finalidade da educação espartana era formar guerreiros. Com 7 Direção: Zack Snyder. EUA: Warner
anos de idade, os meninos eram afastados das mães e ficavam até Bros, 2006.

História da Educação Especial 39


os 18 anos em escolas, onde aprendiam ginástica, esportes (corri-
das, lutas usando o corpo, lançamento de dardos), a ler e escrever
e a manejar armas. O método exigia esforços: ficavam nus até nos
dias frios, tomavam banho gelado, comiam pouco, apanhavam.
Tudo isso para que ficassem resistentes como o ferro. Capacidade
de suportar o sofrimento físico, disciplina, habilidade militar: esses
eram os objetivos principais. (SCHMIDT, 2012, p. 26)

Nesse aspecto, pensando nesse corpo ideal, para a luta e desde a


tenra infância, fica evidente uma perspectiva eugenista com relação
aos estigmas corporais e todo o processo que envolve a deformida-
des no corpo ou deficiências sensoriais que impediam que esse sujei-
to fosse treinado.

Corrent (2015) ainda nos coloca que os gregos sempre buscavam


um corpo ideal e uma relação entre corpo e mente, e aqueles que não
possuíam essa dualidade em sintonia estavam fora dos padrões esta-
belecidos pela sociedade.
Em Esparta e Atenas crianças com deficiências física, sensorial e
mental eram consideradas subumanas, o que legitimava sua eli-
minação e abandono. Tal prática era coerente com os ideais atlé-
ticos, de beleza e classistas que serviam de base à organização
sócio-cultural desses dois locais. Em Esparta eram lançados do
alto dos rochedos e em Atenas eram rejeitados e abandonados
nas praças públicas ou nos campos. (MEC, 2008, p. 7)

Nesse sentido, fica evidente a ausência de um sentimento de empatia


pelas pessoas com deficiência na Grécia Antiga, claro que conforme os
períodos vão se desenvolvendo a atitude social vai se modificando, mas,
no período do extermínio, a sociedade grega também foi uma que deixou
marcos que de certa forma nos remontam a aspectos históricos iniciais
acerca da Educação Especial em uma perspectiva inclusiva.

Nesse período ainda se predominava um conceito que foi sendo


mais elaborado e difundido ao longo dos séculos – mas felizmente já
foi refutado e combatido na atualidade – o da eugenia, que é defini-
da como a pseudociência que defendia a teoria de a espécie humana
poder ser aprimorada por meio de uma seleção dos “melhores espé-
cimes”, com base em leis genéticas (MICHAELIS, 2023). Mesmo que
saibamos que nesse período ainda não existiam teorias genéticas, con-
seguimos observar que essa seleção feita por meio dos aspectos ob-

40 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


serváveis tinham o intuito de manter e dar manutenção na divisão de
trabalho e no andamento daquela sociedade.

Falando sobre como as outras sociedades da Antiguidade viam as


pessoas com deficiência, no Egito Antigo duas concepções acerca dis-
so eram as predominantes: a primeira delas se referia ao tratamento
das pessoas com deficiência com um tom de inclusão. Mesmo estando
no período de extermínio, eram oportunizados trabalhos que incluíam
esses indivíduos na sociedade.
Evidências arqueológicas nos fazem concluir que no Egito Antigo,
há mais de cinco mil anos, a pessoa com deficiência integrava-
-se nas diferentes e hierarquizadas classes sociais (faraó, nobres,

Oleksandra Klestova/Shutterstock
altos funcionários, artesãos, agricultores, escravos). A arte egíp-
cia, os afrescos, os papiros, os túmulos e as múmias estão re-
pletos dessas revelações. Os estudos acadêmicos baseados em
restos biológicos, de mais ou menos 4.500 a.C., ressaltam que as
pessoas com nanismo não tinham qualquer impedimento físico
para as suas ocupações e ofícios, principalmente de dançarinos
e músicos. (GUGEL, 2023)

A outra concepção era relacionado ao misticismo – algo que tam-


bém ocorria na Grécia Antiga – pois era muito comum acreditar que
as pessoas com deficiência tinham a capacidade de “ver o futuro”, rea-
lizando previsões acerca do que aconteceria com a sociedade, os pe-
ríodos de colheita, de seca, ou até mesmo a tentativa de previsão de
mortes de seus governantes. Nesse caso, a deficiência visual, que mui-
tas acreditavam ser um poder divino, dava aos chamados oráculos um
papel de destaque na sociedade.

Por fim, a sociedade da Roma Antiga também tinha práticas mar-


cadas pelo preconceito e pela exclusão das pessoas com deficiência,
justamente por conta da influência da cultura e das práticas gregas.
Por isso, segundo Corrent (2015), os romanos também tinham uma
autorização para sacrificar os filhos que nasciam com algum estigma,
mas, diferentemente dos gregos, o hábito mais difundido pelas famílias
romanas era deixar essas crianças ao relento ou ainda em ambientes
com animais perigosos, certamente com o intuito de que esses animais
acabassem ferindo e até mesmo matando essas crianças recém-nasci-
das (NEGREIROS, 2014).

História da Educação Especial 41


2.3 Períodos da segregação e da integração
Vídeo
Neste momento tratamos dos períodos da segregação e da integra-
ção. A razão para tratarmos os dois juntos é pelo fato de o período da
integração representar uma guinada que contrapõe as práticas vigen-
tes até o período da segregação, sendo esse o primeiro a ser tratado,
seguindo a linha cronológica que traçamos previamente.

2.3.1 Segregação
O período de segregação inicia-se principalmente com a transição
entre as questões do extermínio e o surgimento/difusão da fé cristã,
isto é, inicia-se um movimento assistencialista com relação às pessoas
com deficiência, que não eram mais simplesmente mortas ao primeiro
sinal, mas removidas do convívio da sociedade e levadas para casas de
repouso ou outros ambientes que as mantinham isoladas.

Esses espaços tinham apenas o intuito de realizar o cuidado diário


e a administração de medicação, deixando claro um dos aspectos que
mais caracterizava esse período: isolar as pessoas com deficiência e
colocá-las em um patamar de diminuição (BERGAMO, 2010).

De acordo com Fernandes (2013), a partir do século XI, o cristianis-


mo, sobretudo representado pela Igreja católica, passa a determinar a
ordem social, o que coloca, por exemplo, a organização da sociedade
grega e romana em questionamento, ou seja, não se podia mais endeu-
sar o corpo perfeito apenas como forma física, agora o corpo passa a
ser o templo da alma.

Outra questão que também é colocada pelos aspectos religiosos


são os dogmas, as regras, aquilo que é considerado benéfico ou ma-
léfico para a sociedade, ou, em outras palavras, aquilo que é do bem
e aquilo que é do mal. Nessa perspectiva, vale ainda uma menção, é a
partir do século XII, quando a Igreja católica começou a se sobressair
mais com relação aos aspectos da fé, que as pessoas são consideradas
imagem e semelhança de Deus. Portanto, não mais poderíamos matar
e cessar a vida de ninguém.

Ainda conforme Fernandes (2013), para as pessoas que nasciam


com deformidades, deficiências – até mesmo as que sofriam de crises
convulsivas –, havia a ideia de que elas sofriam uma espécie de castigo

42 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


divino ou de possessões demoníacas, tendo em vista a ausência de ex-
plicações racionais e com embasamento teórico e científico, portanto
tudo que fugia do domínio da ciência e que ela não conseguiria explicar
era atribuído ao domínio religioso.

Segundo Silva (2012), a ideia de que as pessoas com deficiência vi-


sual tinham a habilidades de ver o futuro ainda era muito difundida na
Idade Média, o que deixa claro outra característica presente nesse pe-
ríodo, a de que as deficiências eram vistas de duas maneiras por essa
sociedade: ou eram uma benção ou uma maldição.

Mesmo com essa diferença no modo como as pessoas viam as defi-


ciências, foi durante a Idade Média que se iniciaram as primeiras ações
de acolhimento das pessoas com deficiência em abrigos e instituições
de filantropia, embora muitas vezes eles também fossem reclusos
em ambientes não muito acolhedores, como prisões de manicômios
(SILVA, 2012; BERGAMO, 2010).

De modo geral, essas instituições tinham apenas o caráter de cui-


dado, porém um cuidado que não era permeado com carinho, pois as
pessoas com deficiência eram muitas vezes deixadas nessas institui-
ções apenas para não participarem da vida social.

Esse processo de institucionalização começou a se modificar sobre-


tudo com o início do processo de escolarização desses sujeitos, contu-
do a escolarização era pautada apenas no treinamento com o intuito
de curar esses sujeitos, para tentar integrá-los novamente à sociedade.

Nesse aspecto, inicia-se um movimento que chamamos de pedago-


gia curativa, fazendo com que surja em todo o mundo os centros mé-
dicos pedagógicos, com profissionais que começaram a se interessar
pelos processos educacionais, mas com uma perspectiva orgânica e
ainda com um pensamento de que a deficiência poderia ser curada.
Nesse aspecto, esse movimento de institucionalização ficou presente
até meados do século XX e tinha as seguintes características (JIMENEZ,
1997, p. 23):
a) as atitudes negativas para com os deficientes estavam muito
arraigadas.
b) O uso e abuso da psicometria desde o começo do século.
c) O alarme genésico O deficiente é considerado um elemento
perturbador e anti-social que, além disso, é particularmente fe-
cundo em virtude da sua sexualidade incontrolada.
d) Muitos profissionais experientes, que em determinados

História da Educação Especial 43


momentos se tinham comprometido com atitudes renovadas,
abandonaram o campo da deficiência.
e) As duas guerras mundiais e a Grande Depressão dos anos
30 fizeram paralisar o desenvolvimento dos serviços sociais, ao
desviar recursos para outros setores. Apesar de tudo, podemos
considerar que é uma época de progresso.

Nesse sentido, além dos centros médicos pedagógicos, outros pro-


fissionais também começaram a se interessar pelo movimento de rea-
bilitação, como os próprios profissionais da área de educação física e
ortopedia, que buscavam trabalhar com a reabilitação em um contexto
de fazer com que a pessoa com deficiência física pudesse voltar a an-
dar. Esse movimento, de acordo com Silva (2009), reconhecia o direito a
uma educação especializada e reabilitação às pessoas com deficiência,
mas não deixava de lado o caráter segregativo.

Ainda nesse contexto segregativo, temos o que chamamos de pro-


cesso de normalização, em que a sociedade começou a pensar que as
pessoas com deficiência precisavam ter o direito de participar da vida
social em equiparação com as pessoas sem deficiências, o que gerou
muitos problemas e polêmicas sociais. Essa problemática surgiu por-
que as pessoas com deficiência, mesmo com toda a potencialidade,
ainda precisam de suporte e auxílio em determinadas atividades.

Esses marcos no período de segregação fizeram com que outras


iniciativas iniciassem, aproximando-se muito do que temos hoje em dia
e dando início ao período de integração.

2.3.2 Integração
O período de integração ainda é caracterizado pela transição do pe-
ríodo de segregação, mas a grande diferença é que nesse momento
percebemos uma tentativa de normalização dos sujeitos e um reco-
nhecimento das pessoas com deficiência, mesmo que muito limitado.

Foi nesse período que surgiram as primeiras iniciativas de inclusão


das pessoas com deficiência, entretanto essa inclusão ainda tinha a
intenção de fazer com que essas pessoas fossem tratadas de maneira
igualitária e não de maneira equitativa, ou seja, de modo que se ofere-
çam todas as ferramentas necessárias para exercer sua cidadania com
assertividade e plenitude, levando em consideração as dificuldades e po-
tencialidades desse sujeito.

44 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


O período da integração é marcado sobretudo pelo início do século
XX, em que verdadeiramente inicia-se o processo de modificação da
atitude social, principalmente com o começo dos movimentos sociais.
Pais de pessoas com deficiência se reuniram, criaram associações para
defender o direito de seus filhos de participarem ativamente da socie-
dade e exercer seu direito de cidadania.

Outra questão que também oportunizou essa modificação de pensa-


mento foram as duas guerras mundiais, que fizeram o número de pes-
soas com deficiência adquirida – isso é, aqueles que perderam a visão,
audição ou algum membro – aumentar drasticamente (TAHAN, 2019).

É justamente devido aos movimentos de inclusão das pessoas com


deficiência que os governos intensificaram e aceleraram a melhoria de
direitos para essas pessoas. Outro ponto que também cabe discussão
são os aspectos educacionais trazidos por esse período, pois a educa-
ção ainda era muito fragmentada e excludente, principalmente para
aqueles que necessitavam de um atendimento mais especializado.

Ainda nesse contexto de educação, Fernandes (2013) nos aponta


que, com o movimento de agrupamento social das famílias e a pressão
nos governos para a criação de políticas públicas que favorecessem a
integração desses sujeitos nas classes de aulas, surgiram as iniciativas
de criação das chamadas classes especiais.

Sobre a criação de políticas públicas que beneficiassem esse públi-


co, no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961
já mencionava estratégias e indicações às escolas para a criação de
classes para os chamados excepcionais.

Na lei, é mencionado que as crianças com deficiências devem ser in-


seridas dentro do sistema de Ensino Regular, para que possam ser ver-
dadeiramente integradas na comunidade; além disso, ainda menciona
que iniciativas privadas eram bem-vindas e as que gerassem melhores
resultados poderiam ser premiadas com bolsas de estudos e outros
subsídios (BRASIL, 1961).

No entanto, como ainda era o início das estratégias de inclusão, a


educação às pessoas com deficiência só ocorria caso houvesse possi-
bilidade de atendimento, o que fazia com que o Estado se eximisse da
educação desse público e que esses sujeitos e famílias, por sua vez, vol-
tassem aos centros médicos terapêuticos. Esse quadro só foi se alterar

História da Educação Especial 45


em 1971 com a promulgação de Lei n. 5.692, em que já se falava sobre a
inserção mais efetiva das pessoas com deficiência no ensino.

Art. 9º Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se


encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas
fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. (BRASIL, 1971)

Nesse sentido, percebemos duas tentativas de apresentar mesmo


que de maneira incipiente a integração das pessoas com deficiência no
sistema de ensino. Diferentemente da legislação da década de 1960, a da
década de 1970 já traz nomenclatura específicas como deficiência física,
mental e a educação de superdotados, o que apresenta uma modificação
na estrutura social, já pensando em um início do período de inclusão.

Ainda sobre o aspecto jurídico da inclusão, a promulgação do Decreto


n. 72.425, em 1973, traz grandes avanços, pois é ele que oficializa a cria-
ção do Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp), que tinha o intuito
de promover a expansão dos atendimentos às pessoas com deficiência,
que ainda eram chamadas de excepcionais. O decreto também apresenta
aspectos relativos a financiamentos e à reestruturação hierárquica, além
disso apresenta ainda o Cenesp, que tinha também o objetivo de propor-
cionar estratégias para orientar a Educação Especial (BRASIL, 1973).

Por meio dessas legislações, outras foram criadas com o intuito de


implementar possibilidades de melhorias na educação das pessoas
com deficiência.

2.4 Período da inclusão


Vídeo
Partindo do movimento de integração, surge o período de inclusão,
ou o período contemporâneo da Educação Especial. Todo o movimento
deixado pela política de integração deu um ponta pé inicial para novos
pensamentos e novas discussões acerca do compromisso social para
com as pessoas com deficiência.

Talvez o maior exemplo desse caráter inclusivo do período é a


promulgação da Constituição Federal de 1988 no Brasil, a chamada
constituição cidadã, que trazia textos inéditos acerca do respeito a di-

46 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


versidade humana e o respeito às diferenças, falando sobre os direitos
fundamentais dos seres humanos, sendo eles: a inviolabilidade do di-
reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Nesse mesmo período, ao redor do mundo, houve muitos fóruns de


discussões acerca da necessidade de inclusão, sendo o mais conhecido
deles a Conferência Mundial sobre Educação Especial, que ocorreu em
1994 em Salamanca, na Espanha. Nessa conferência diversos países
assinaram um compromisso de valorizar a aprendizagem das pessoas
com deficiência, sendo então um dos principais marcos da Educação
Especial, fazendo surgir a denominada Declaração de Salamanca, que
tem os três princípios (BRASIL, 2023):

1 Garantir às crianças uma educação que as oportunizem atingir e manter


os níveis adequados de aprendizagem, levando em consideração suas
características, interesses e necessidades de aprendizagem.

2 Elaborar sistemas e programas educacionais que levem em considera-


ção as características únicas e necessidades dos estudantes, para que
o ensino seja aplicado da melhor forma.

3 Assegurar acesso à educação regular aos alunos com necessidades


educativas especiais, acomodando-os em uma prática pedagógica que
seja centrada na criança e capaz de satisfazer suas necessidades.

Em 1996, com a promulgação da Lei das Diretrizes e Bases da Edu-


cação – Lei n. 9.394 –, pela primeira vez a legislação trouxe um capí-
tulo específico e dedicado à estrutura da Educação Especial, fazendo
surgir em outras esferas – lazer, cultura, esportes, entre outras – e
indicações similares.

O artigo 58 da legislação traz a definição sobre o que é a Educação


Especial, informando que essa modalidade de ensino é transversal e po-
derá acontecer na Educação Infantil, no Ensino Fundamental, no Ensino
Médio, no Ensino Técnico Profissionalizante e na Educação Superior,
desde que tenha público que demande atendimento (BRASIL, 1996). O
público-alvo da Educação Especial nesse momento são as pessoas com
deficiência física, auditiva, visual e intelectual, pessoas com transtorno
do espectro autista e as com altas habilidades ou superdotação.

História da Educação Especial 47


Outro aspecto trazido pela legislação é acerca do atendimento edu-
cacional especializado, que ocorrerá sempre que necessário; diferen-
temente das legislações anteriores, que afirmavam que o atendimento
seria acessível somente se a instituição o ofertasse.

Outro artigo da legislação que precisamos nos debruçar é o artigo


59. Ele apresenta aspectos relativos ao sistema de ensino, ou seja, às
secretarias estaduais e municipais de educação e sobretudo às suas
responsabilidades acerca da oferta e cumprimento das diretrizes da
Educação Especial.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência,


transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:
I. currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos,
para atender às suas necessidades;
II. terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido
para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências,
e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os
superdotados;
III. professores com especialização adequada em nível médio ou superior,
para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV. educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida
em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V. acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares
disponíveis para o respectivo nível do ensino regular (BRASIL, 1996).

Tratando agora do currículo, é preciso pontuar acerca da necessida-


de de adaptação do currículo, bem como do projeto político pedagógico
da escola para que se orientem para uma verdadeira inclusão. A Edu-
cação Especial na perspectiva inclusiva não pode ficar apenas no papel,
ela precisa ser vivida, experienciada e proporcionada aos estudantes
para que possam ter acesso e permanência em sua escolarização.

Outro aspecto que aqui também precisamos discutir é acerca da


formação docente, sendo que a legislação já nos apresenta a neces-
sidade da formação de professores adequados para trabalhar com a

48 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Educação Especial. Sobre isso, em 2001, foram formuladas as diretri-
zes curriculares nacionais para atendimento à Educação Especial na
perspectiva inclusiva, com diretrizes que apresentam a organização
do sistema educacional para a oferta dessa modalidade de ensino, ou
seja, a Educação Especial é transversal e perpassa o Ensino Superior,
Educação Infantil, Fundamental e Médio.

Outro aspecto relativo ao processo inclusivo é a operacionalização da


modalidade por meio de alguns princípios, sendo três deles (BRASIL, 2001):

1 Pautar a conceituação inicial da Educação Especial enquanto uma mo-


dalidade educacional que garante um conjunto de recursos especiais,
necessários à promoção das potencialidades dos estudantes com
deficiência.

2 Destinar a Educação Especial sobretudo aos estudantes que estão


apresentando dificuldades de aprendizagem acentuada e limitações no
processo de desenvolvimento.

3 Ofertar Educação Especial àqueles estudantes com dificuldades de co-


municação e com surdez, altas habilidades, superdotação, deficiência
visual, física e intelectual.

Nesse sentido, a inclusão social, de acordo com Sassaki (1999), é um


processo que contribuirá para a formação do sujeito em várias esferas,
baseando-se nas transformações – ou ainda – nas adaptações de pe-
queno ou grande porte. Essas adaptações podem ocorrer em aspectos
atitudinais, ou ainda em ambientes físicos das casas ou das escolas,
por meio da oferta de serviços, equipamentos, utensílios de vida diária,
mobiliário, meios de transportes.

Falar em período de inclusão é pensar no próprio sentimento da


pessoa com deficiência, que em muitos casos não consegue aceitar sua
condição, levando-a a desenvolver patologias subjacentes à deficiência,
como ansiedade, angústia, melancolia, baixa autoestima, até mesmo
sentimento depressivo.

Em muitos casos, as pessoas com deficiência acabam por não ter-


minar seu processo de escolarização, justamente em virtude do sen-

História da Educação Especial 49


timento de não aceitação e a situações de bullying e exclusão social,
quando sua deficiência é mais aparente.

Nesse aspecto, nós, enquanto professores, equipe pedagógica e


técnica da escola, precisamos promover uma cultura da paz e pen-
sar em estratégias que consigam fazer com que nossos estudantes
tenham um sentimento de pertencimento à instituição, mostrando
para eles a importância do processo de escolarização, indo além dos
conteúdos curriculares.

Nesse sentido, o processo de inclusão – seja ela escolar ou social – é


um processo contínuo, que requer constante mudança da atitude da
sociedade. A verdadeira inclusão escolar não busca segregar os estu-
dantes, pois é um movimento que visa a educação para todos e não
apenas para aqueles com deficiência, mas sim para aqueles que preci-
sam e que têm dificuldades de aprendizagem.

Portanto, a inclusão “envolve uma mudança de cultura e de orga-


nização da escola para assegurar acesso e participação para todos os
alunos que a frequentam regularmente e para aqueles que agora estão
em serviço segregado, mas que podem retornar à escola em algum
momento” (MITTLER, 2003, p. 236).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Especial na perspectiva inclusiva é um movimento de luta
contínua, que tem como principais agentes as famílias das crianças e as
próprias pessoas com deficiência.
O entendimento de como as pessoas com deficiência eram vistas ao
longo da história faz com que consigamos ter um discernimento de como
tudo começou e de como essas pessoas eram tratadas na Antiguidade.
O movimento de integração, que, por conseguinte, evoluiu para inclusão,
perpassou por diferentes legislações, as quais inicialmente não davam
conta de suprir as demandas oriundas da escola e das especificidades
das crianças com deficiência.
Essas demandas foram aumentando ao longo do tempo, por isso foi
sendo cada vez mais necessário entender como desenvolver políticas pú-
blicas capazes de promover acesso, permanência e qualidade de vida e de
aprendizagem para os estudantes.

50 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


ATIVIDADES
Atividade 1
Como podemos caracterizar o período de extermínio?

Atividade 2
Como podemos caracterizar o período de segregação?

Atividade 3
Como podemos caracterizar o período da inclusão?

REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
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htm. Acesso em: 6 jun. 2023.

História da Educação Especial 51


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FERREIRA, E. L. Esportes e atividades físicas inclusivas 3. ed. Juiz de Fora: NGIME/UFJF, 2014. v. 4.
GUGEL, M. A. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade.
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MEC – Ministério da Educação. Educação especial: história, etiologia, conceitos e
legislação vigente. Bauru: Unesp, 2008. Disponível em: https://acervodigital.unesp.br/
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para atitudes que incluam pessoas com deficiência. Brasília, DF: Tribunal Superior
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52 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


3
Legislação educacional e
terminologia adequada
Construir um panorama acerca das políticas públicas a respeito da
Educação Especial em uma perspectiva inclusiva faz-se necessário, haja
vista que também é por meio delas que conseguimos proporcionar me-
lhorias cada vez mais significativas para a qualidade de vida das pessoas
com deficiência, bem como os aspectos relativos à aprendizagem.
Todos os dispositivos legais, isto é, legislações, partem de uma ne-
cessidade da sociedade e, em muitos casos, são promulgados e san-
cionados em virtude de uma pressão social de grupos que acabam por
precisar de tais dispositivos.
Justamente nesse sentido que surgem diversos dispositivos legais com
o intuito de regular e proporcionar que a inclusão seja sistêmica, ou seja,
ocorra em todos os setores da vida deste sujeito – no trabalho, na escola,
no lazer, no esporte, na cultura e na moradia.
Partindo de todo esse movimento, em cada período os dispositivos le-
gais trazem nomenclaturas específicas acerca da designação das pessoas
com deficiência, portanto é necessário o entendimento dessa evolução
conforme a passagem de tempo.
Além disso, discutiremos acerca da necessidade de um desenho uni-
versal e de suas propostas de aplicabilidades. Em consonância com isso,
abordaremos a construção do entendimento de barreiras que acabam
por prejudicar as pessoas com deficiência.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• construir um panorama da identidade da pessoa com deficiência;

• conhecer a constituição legal da Lei Brasileira de Inclusão da


Pessoa com Deficiência (LBI);

• identificar os termos empregados nas pessoas com deficiência,


diferenciando os inadequados dos adequados;

(Continua)

Legislação educacional e terminologia adequada 53


• compreender como é concebido o desenho universal e a sua
aplicabilidade;

• entender as principais barreiras e o processo de acessibilidade das


pessoas com deficiência.

3.1 O que é ser uma pessoa com deficiência?


Vídeo
Muito provavelmente essa pergunta envolve diversos aspectos sub-
jetivos que talvez somente uma pessoa com deficiência conseguirá res-
ponder. Entretanto, cabe-nos discutir os aspectos tanto legais quanto
subjetivos que fazem com que consigamos levantar panoramas e cená-
rios para respondermos a essa indagação.

Primeiramente, vale uma discussão acerca da Convenção Inter-


nacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CIDPCD),
promulgada por meio do Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009.
Nesse decreto é apresentado em seu preâmbulo que a deficiência
é um conceito que está sempre em evolução – provavelmente um
conceito polissêmico – e que envolve diferentes aspectos. A intera-
ção desse sujeito com as barreiras e as atitudes sociais causa impe-
dimentos acerca da efetiva vida plena e não oportuniza os direitos
de maneira equitativa.

A CIDPCD também é um dispositivo legal, que acaba por reco-


nhecer os direitos desse sujeito em diferentes âmbitos da vida em
sociedade. O firmamento desse decreto faz com que o Brasil reafir-
me o seu compromisso com as pessoas com deficiência para além
do campo educacional.

Diferentemente de outros dispositivos que acabam por enfocar se-


tores específicos da vida da pessoa com deficiência, esse decreto dei-
xa muito clara a necessidade de discussão principalmente acerca da
vida em sociedade. Justamente nesse sentido, a legislação apresenta
a necessidade do reconhecimento da diversidade da pessoa com de-
ficiência. Por diversidade podemos entender as potencialidades e as
dificuldades trazidas pela vida em sociedade.

54 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Ainda no contexto da diversidade da pessoa com deficiência, o
decreto (BRASIL, 2009) reconhece em seu preâmbulo:

m) as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com defi-


ciência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a
promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos
humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na socieda-
de resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e
no significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da
sociedade, bem como na erradicação da pobreza.

O interessante ainda é mostrar que a legislação, mesmo sendo um


ordenamento escrito como qualquer outro, busca colocar a pessoa no
centro de interesse, e não apenas o diagnóstico da deficiência. O decre-
to busca também estabelecer o que chamamos de autonomia, sendo a
independência individual e a necessidade de estimulação de suas to-
madas de decisões.

Quando a legislação traz a questão da autonomia e da tomada de


decisão, em muitos momentos perpassa pelo senso comum que esses
sujeitos acabam tendo a necessidade de ter tutores que cuidem, alimen-
tem e assim por diante, e essa imaginação sobre a pessoa com deficiên-
cia é um estereótipo que não mais precisa fazer parte de nossas crenças.

Vale ainda a percepção de que em todo momento a legislação traz


a palavra pessoa, o que apresenta a questão da subjetividade, isto é,
da condição da pessoa que vive, da pessoa que fala, da pessoa que
se relaciona. Justamente nesse sentido que a convenção internacio-
nal, em seu artigo 1º, vem trazer seu propositivo como ordenamento
jurídico, sendo
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e asse-
gurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e
promover o respeito pela sua dignidade inerente. (UNICEF, 2023)

Se pensarmos também em dignidade, conforme trazido pelo texto,


temos que discutir ainda sobre as múltiplas questões que isso envolve,
por exemplo, a não discriminação, a necessidade de desenvolvimento de

Legislação educacional e terminologia adequada 55


políticas públicas que busquem retirar as pessoas com deficiência da ex-
trema pobreza, das situações de risco, de abuso e de violência.

No artigo 3º do Decreto n. 6.949 (BRASIL, 2009), a convenção nos


traz seus princípios norteadores, conforme apresenta-se a seguir:

a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liber-


dade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;
b) A não-discriminação;
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência
como parte da diversidade humana e da humanidade;
e) A igualdade de oportunidades;
f) A acessibilidade;
g) A igualdade entre o homem e a mulher.

Com isso, podemos nos pergunta: quem é a pessoa com deficiência?


Temos duas possibilidades de resposta: a primeira é o que a própria legis-
lação nos diz, acerca das características apresentadas por esses sujeitos; já
a segunda possibilidade perpassa por um caráter mais subjetivo.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) corrobo-


ra a CIDPCD ao conceituar pessoa com deficiência como “aquela que
tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).

Se analisarmos o excerto de texto, percebemos que a legislação não


considerou a princípio o lado humano desses sujeitos, ou seja, o lado
subjetivo daquilo que essa pessoa sente. Isso porque o ordenamento
jurídico não é capaz de refletir tal percepção. Portanto, o que cabe na
escrita é a questão do processo descritivo. Podemos perceber que o ex-
certo tem aspectos relativos à deficiência do sujeito, seus muitos tipos,
à questão das barreiras e ainda à participação social.

No entanto, o que são os impedimentos de caráter físico, intelectual,


mental ou sensorial? Fonseca (2012, p. 24) responde que “são, a meu
sentir, atributos, peculiaridades ou predicados pessoais, os quais, em

56 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


interação com as diversas barreiras sociais, podem excluir as pessoas
que os apresentam da participação da vida política, aqui considerada
no sentido mais amplo”.

Nesse sentido, precisamos observar a pessoa com deficiência de


maneira holística, ou seja, não apenas os caracteres extrínsecos, mas
também os intrínsecos, como os fatores sociais, psicológicos, pessoais,
de condição de vida, o que ocorre na perspectiva da restrição de parti-
cipação da vida plena em sociedade.

Aqui nos cabe, portanto, o entendimento de que a pessoa com defi-


ciência não é apenas um corpo com limitações, mas o corpo vivido, um
corpo que percebe, um corpo que sente, um corpo capaz de produzir e
de ser potencial para muitas questões.

Um corpo que precisa lutar por seus direitos, uma luta para serem
notados e percebidos dentro de uma sociedade que em muitos momen-
tos se torna extremamente competitiva, a qual não é capaz em muitos
momentos de parar para perceber o seu entorno, incapaz de observar
que ao seu lado existe uma pessoa com uma gana de aprendizagem.

Um corpo que tem direito à vida, à saúde, à moradia, ao trabalho,


ao lazer, um corpo que não mais precisa ficar exilado nas margens da
sociedade em virtude do querer do outro, um corpo capaz de todas
plenas decisões acerca de sua vida e de suas escolhas.

3.2 A Lei Brasileira de Inclusão da


Vídeo Pessoa com Deficiência
A primeira pergunta que nos cabe aqui é: por que existir uma lei
brasileira de inclusão para a pessoa com deficiência? As respostas que
podemos dar são duas: a primeira, partindo da própria legislação, e a
segunda, partindo de uma perspectiva mais social.

A LBI (BRASIL, 2015), em seu artigo 1º, afirma que a legislação foi
promulgada com o intuito de assegurar e promover com igualdade o
exercício da cidadania e os direitos das pessoas com deficiência.

Se analisarmos em uma perspectiva de ordenamento jurídico, a le-


gislação busca trazer elementos muito importantes para a discussão e
o cumprimento do papel do Estado na formulação e na efetivação de
tais políticas e por consequência da garantia de direitos.

Legislação educacional e terminologia adequada 57


Vamos analisar a palavra igualdade. Tratar todos com igualdade é
não fazer distinção, ou seja, é promover de maneira igualitária e garan-
tir direitos idênticos a todas as pessoas. Mas será que realmente tratar
todos iguais tem um efetivo funcionamento?
Para refletir Por exemplo, pessoas com deficiência possuem muitas potenciali-
Será que uma pessoa com dades, mas também possuem dificuldades que acabam impedindo-as
deficiência física consegui-
rá competir de maneira de competirem por meios iguais com outras pessoas. Elas necessitam,
igualitária em uma corrida em muitos momentos, de adaptações, seja no trabalho, na escola e até
com pessoas que não têm
tal deficiência? mesmo na sociedade.

Com isso surge um outro conceito de extrema importância para


nossas discussões: equidade. Segundo o dicionário Michaelis da Lín-
gua Portuguesa (2020), tal termo é conceituado como “consideração
em relação ao direito de cada um independentemente da lei positiva,
levando em conta o que se considera justo”, ou ainda, “disposição para
reconhecer imparcialmente o direito de cada um”, se tratarmos as pes-
soas com equidade, portanto, é necessário entender sua individualida-
de e a sua real necessidade.
Leitura Logo, o que precisamos, independentemente do ordenamento jurí-
Conheça mais sobre a Lei dico, é tratar as pessoas com deficiência com equidade de direitos, ou
n. 13.146, de 6 de julho de
2015, que tem como princí- seja, oportunizar e realmente entender e atender às suas necessidades
pio assegurar a inclusão de específicas, conforme sua subjetividade e individualidade.
pessoas com deficiência.

Disponível em: https://www.


A LBI está fundamentada na convenção dos direitos da pessoa com
planalto.gov.br/ccivil_03/_ deficiência, por esse motivo muitos dos seus escritos se assemelham
ato2015-2018/2015/lei/l13146.
htm. Acesso em: 16 jun. 2023.
ou são idênticos ao do decreto que instituiu tal convenção. Essa lei tam-
bém é conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Ela traz alguns desdobramentos muito interessantes com relação


ao entendimento social da pessoa com deficiência, como a conceitua-
ção da discriminação e a questão de reafirmar que a pessoa com defi-
ciência não a sofrerá.

O Capítulo II da LBI traz em sua totalidade uma preocupação acer-


ca da discriminação e da possibilidade de negligência em virtude da
deficiência. A primeira questão que precisamos aqui discutir é sobre o
próprio conceito de discriminação, em que a legislação traz a discrimi-
nação em virtude da deficiência e esta se manifesta em toda forma de
distinção do sujeito em relação aos demais, seja por restrição ou exclu-
são, pela tentativa de prejudicar, para impedir ou até mesmo anular o
exercício de direitos do sujeito com deficiência.

58 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


A discriminação em virtude da deficiência de alguém pode se mani-
festar de múltiplas formas, como ignorar falas da pessoa com deficiên-
cia, não levar o que elas falam em consideração, ou até mesmo negar
adaptações necessárias para seu exercício laboral e profissional.

A legislação afirma incisivamente que todas as pessoas com de-


ficiência não sofrerão discriminação e que essas pessoas terão pro-
teção em relação a negligências, violências, torturas, tratamento
desumano e assim por diante.

Sabemos que todas essas ações constituem crime. Entretanto,


percebemos que em muitos momentos elas ocorrem na sociedade
e ficam omissas. O que nos cabe discutir é a necessidade de políti-
cas públicas mais incisivas com relação à segurança e proteção das
pessoas com deficiência.

Em seu artigo 6º, a LBI (BRASIL, 2015) estabelece que a deficiência


não afetará a capacidade civil dos sujeitos, inclusive algumas ações em
vida social específicas, sendo:

I – casar-se e constituir união estável;


II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a
informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante
ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Outra possibilidade trazida pela legislação é a questão do atendimento


prioritário, ou seja, aquele atendimento em que o sujeito tem prioridade
para determinados fins, por exemplo, proteção e socorro, atendimentos
prioritários em repartições públicas, terminais e paradas de transporte
público acessível, entre outros estabelecidos na seção única da LBI.

A LBI traz ainda aspectos relativos ao direito à saúde, à moradia, à


educação, ao trabalho, à assistência social, à previdência social, à cul-
tura, ao esporte, ao turismo e lazer, ao transporte e à mobilidade, bem
como aos processos de acessibilidade necessários para a inclusão.

Legislação educacional e terminologia adequada 59


Sobre os direitos à saúde e educação, o artigo 18 da LBI trata da
atenção integral e do direito à saúde em todas as esferas do SUS para a
pessoa com deficiência. Além disso, a legislação estabelece a necessida-
de de capacitação dos profissionais de saúde que atuam com pessoas
com deficiência, sobretudo para garantir qualidade no atendimento.

No parágrafo 4º do artigo 18 da LBI (BRASIL, 2015) fica evidente


as possibilidades de ações de serviços de saúde das pessoas com
deficiência, sendo:

I – diagnóstico e intervenção precoces, realizados por equipe multidisciplinar;


II – serviços de habilitação e de reabilitação sempre que necessários, para
qualquer tipo de deficiência, inclusive para a manutenção da melhor condição
de saúde e qualidade de vida;
III – atendimento domiciliar multidisciplinar, tratamento ambulatorial e internação;
IV – campanhas de vacinação;
V – atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais;
VI – respeito à especificidade, à identidade de gênero e à orientação sexual da
pessoa com deficiência;
VII – atenção sexual e reprodutiva, incluindo o direito à fertilização assistida;
VIII – informação adequada e acessível à pessoa com deficiência e a seus
familiares sobre sua condição de saúde;
IX – serviços projetados para prevenir a ocorrência e o desenvolvimento de
deficiências e agravos adicionais;
X – promoção de estratégias de capacitação permanente das equipes que
atuam no SUS, em todos os níveis de atenção, no atendimento à pessoa com
deficiência, bem como orientação a seus atendentes pessoais;
XI – oferta de órteses, próteses, meios auxiliares de locomoção, medica-
mentos, insumos e fórmulas nutricionais, conforme as normas vigentes do
Ministério da Saúde.

Pois bem, outro aspecto tratado pela legislação é o direito à educação


das pessoas com deficiência, a LBI vem reafirmar isso, sobretudo em
virtude do que já traz a Lei das Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que
estabelece, portanto, um capítulo específico que menciona o trabalho
com a Educação Especial como modalidade de ensino transversal.

60 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


A LDB (BRASIL, 1996) estabelece em seu Capítulo V uma dedica-
ção exclusiva acerca da modalidade de ensino, que por sua vez se
torna transversal, ou seja, ela poderá aparecer em qualquer etapa
da educação, desde que tenha público a ser atendido.

O artigo 59 estabelece que a Educação Especial é entendida


como uma modalidade cujo atendimento preferencialmente preci-
sará ser ofertado na rede regular de ensino, para crianças com defi-
ciências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/
superdotação.

Ainda no artigo 59, a LDB menciona o compromisso dos sistemas


de ensino em promover ao público-alvo da Educação Especial:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específi-


cos, para atender às suas necessidades;
II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiên-
cias, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os
superdotados;
III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior,
para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na
vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares
disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.

Essas garantias buscam estabelecer parâmetros de qualidade na


Educação Especial e no atendimento às demandas específicas desses
estudantes. Uma compreensão que precisamos desenvolver é que
todo processo curricular, de técnicas e de métodos precisa ser pensa-
do e repensado de acordo com as especificidades e peculiaridades do
estudante a ser atendido.

Legislação educacional e terminologia adequada 61


3.3 Termos específicos
Vídeo
A sociedade, para se tornar inclusiva, precisa também entender que
a forma como denominamos as pessoas com deficiência se torna uma
mudança de paradigma, ou seja, um passo crucial para nos tornarmos
uma sociedade cada vez mais consciente. A mera repetição também
não fará mudanças. O que realmente constituirá mudanças é o fato de
a sociedade entender realmente o que está dizendo, o real significado
das terminologias, sua semântica e sua sintaxe.

De acordo com Sassaki (2011), utilizar uma terminologia especí-


fica e adequada para a designação da pessoa com deficiência não é
apenas uma questão de semântica, mas a transmissão de valores
que a sociedade apresenta.

Falar de terminologias adequadas trata de certa forma dos tabus


que a sociedade, em muitos momentos, esquiva-se de dialogar. En-
tretanto, esses diálogos são necessários para que possamos cons-
truir uma sociedade cada vez mais inclusiva. Afinal, utilizar termos
inadequados faz com que, em vez de estabelecermos um elo de rela-
cionamento positivo e de mudança de paradigmas, reforcemos este-
reótipos de capacitismo.

Sassaki (2011) comenta que as terminologias adequadas vão variar


de tempos em tempos e de sociedade para sociedade, vale ainda men-
cionarmos que os dispositivos legais são uns dos principais meios de
divulgação da evolução da terminologia. Ainda na concepção do autor,
“Os termos são considerados corretos em função de certos valores e
conceitos vigentes em cada sociedade e em cada época. Assim, eles
passam a ser incorretos quando esses valores e conceitos vão sendo
substituídos por outros, o que exige o uso de outras palavras”.

De acordo com Dias (2014), é por meio da linguagem e da língua que


conseguimos realizar uma participação social mais efetiva, tendo em
vista que todo processo de interação e comunicação social se dá por
meio delas. A autora ainda coloca que a partir delas nós, como socie-
dade, construímos novos paradigmas, novos valores e novos saberes.

A colocação da autora nos faz refletir muito sobre as terminolo-


gias que utilizamos durante a passagem do tempo para nos referir-
mos às pessoas com deficiência, sobretudo aquelas terminologias
que são mais pejorativas.

62 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Percebemos que da mesma forma que conseguimos utilizar a lin-
guagem de maneira discriminatória e preconceituosa, também po-
demos a utilizar para a mudança da cultura, a construção de novos
saberes e até mesmo para a divulgação da ciência e de pesquisas que
tornem a sociedade mais inclusiva.

A discriminação trazida pela língua e pela linguagem em relação ao


tratamento das pessoas com deficiência não perpassam apenas pela
questão da escrita ou da oralidade, mas perpassa também pelas atitu-
des, tendo em vista que as expressões faciais, a forma como gesticula-
mos poderão se apresentar de maneira discriminatória, por exemplo,
quando apontamos o dedo para uma pessoa que julgamos diferente,
essa prática é extremamente preconceituosa.

Nesse sentido, podemos observar alguns desses aspectos nas con-


siderações de Bakhtin (1997, p. 99):
não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verda-
des ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agra-
dáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de
um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que
compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que des-
pertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida.

Dessa maneira, podemos perceber que toda palavra é carregada de


sentimentos e até mesmo de juízos de valores que possuímos em vir-
tude da forma como fomos criados, da interação social que realizamos,
mas aqui vale uma menção, é carregada de justiça ou até mesmo de
injustiças, de discriminação ou de equidade.

Pois bem, até agora construímos um discurso acerca das terminologias


adequadas para designarmos as pessoas com deficiência, mas o que são,
afinal, as terminologias? Terminologia é o estudo científico de determina-
da área e a forma como são aplicadas, aqui em nosso contexto a termino-
logia se refere aos estudos das formas e das palavras utilizadas ao longo
do tempo de maneira equivocada ou até mesmo não esquivada.

Durante muito tempo, utilizamos a expressão excepcionais para nos


referirmos às pessoas com deficiência, esse termo inclusive foi expres-
so em inúmeros dispositivos legais, como a própria LDB. A lei ainda traz
um termo de educação de excepcionais.

A educação de excepcionais, nesse sentido, seria aquela edu-


cação dos que eram “diferentes” dos que não estavam em comum

Legislação educacional e terminologia adequada 63


ajustamento do que a sociedade julgava adequado e padrão. Assim, a
legislação apresentava a educação de excepcionais como a educação
das pessoas com deficiência física ou deficiência intelectual.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) também traz uma terminolo-


gia diferente da LDB de 1962, nela o termo utilizado foi pessoa portado-
ra de deficiência, o que não nos cabe mais o uso na contemporaneidade,
pois podemos perceber que a palavra portador carrega consigo uma
carga, um fardo, ou seja, a deficiência seria, portanto, um fardo ou um
adoecimento da pessoa.

Outras terminologias que também já caíram em desuso são pes-


soa portadora de necessidades educacionais especiais e pessoa com
necessidades especiais. Esses termos também carregam consigo ele-
mentos pejorativos, que acabam por apresentar uma maior incapa-
cidade da pessoa com deficiência.

Sassaki (2011) traz uma lista (Quadro 1) de termos que não devem
ser utilizados na contemporaneidade:
Quadro 1
Lista de termos inadequados
Leitura
Termos inadequados referentes Termos inadequados por
A leitura do artigo Termi- a deficiências serem capacitistas
nologia sobre deficiência na
era da inclusão, de Romeu • Aleijado
Kazumi Sassaki, é impres- • Mudinho
cindível para conhecermos
• Paralítico
os termos adequados • Adolescente normal
usados atualmente.
• Ceguinho
• Apesar de deficiente, ele é um ótimo aluno
• Retardo mental
Disponível em: https://www2. • Aquela criança não é inteligente
• Pessoa manca
camara.leg.br/a-camara/ • Classe normal
estruturaadm/gestao-na-camara- • Pessoa mongoloide
• Fronteira da normalidade
dos-deputados/responsabilidade- • Criança excepcional
social-e-ambiental/acessibilidade/ • Pessoa normal
• Deficiência mental
glossarios/terminologia-sobre- • Pessoa dita normal
• Doente mental
deficiencia-na-era-da-inclusao. • Portador
Acesso em: 16 jun. 2023. • Inválido
• Defeituoso
• Incapacitado
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Sassaki, 2011.

Já a Declaração de Salamanca – em 1994 – realiza outra alteração


da terminologia. Ela traz o que ainda é válido como terminologia, ou
seja, pessoa com deficiência. Observamos que a palavra pessoa vem
antes de deficiência, ou seja, a questão da dificuldade é uma questão
secundária à própria pessoa.

64 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Como podemos perceber, a questão da terminologia utilizada para
designar a pessoa com deficiência perpassa pela questão da significa-
ção, isto é, dos aspectos da semântica. Ela estuda ainda as relações en-
tre as palavras, os significados, as aproximações e os distanciamentos.
Portanto, utilizar as terminologias adequadas no contexto da educação
especial significa ir para além da questão da semântica, mas uma mo-
dificação de atitude em relação ao docente, a sociedade para com a
pessoa e o estudante com a Educação Especial.

3.4 Desenho universal e a Lei de Acessibilidade


Vídeo
Outro dispositivo legal que precisamos discutir é a Lei de Acessi-
bilidade (BRASIL, 2000). Essa legislação, ou dispositivo legal, busca es-
tabelecer parâmetros e critérios que assegurem a acessibilidade das
pessoas com deficiência nos múltiplos espaços que convivem.

A legislação, logo no princípio de sua redação, conceitua o que


ela considera por acessibilidade, ou seja, as possibilidades e ofertas
de condições para que a pessoa com deficiência consiga alcançar
com plenitude, segurança e, sobretudo, autonomia nos espaços
públicos, urbanos, meios de transporte, equipamentos, informa-
ções e comunicações.

Além disso, a legislação vem trazer elementos para superação de

Leitura dificuldades e barreiras em diferentes âmbitos das esferas públicas e


privadas da sociedade.
Conheça mais sobre a
Lei n. 10.098, de 19 de
Além dos aspectos relativos à Lei de Acessibilidade, temos ainda um
dezembro de 2000, que
estabelece normas e crité- conceito de suma importância que por sua vez tem a concepção de
rios a fim de promover a
auxiliar nos procedimentos de acessibilidade, nós o chamamos de de-
acessibilidade de pessoas
com deficiência. É senho universal.
necessário ter em mente
que o texto antecede a A LBI (2015), em seu 3º artigo, define esse conceito como “concep-
adequação de tratativas ção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por
para com as pessoas
com deficiência, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto especí-
conta disso ele apresenta fico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva”.
termos atualmente consi-
derados inadequados. Para que o desenho universal seja implementado, precisamos
Disponível em: https://www.planalto. ainda de normas técnicas ou parâmetros que estabeleçam as for-
gov.br/ccivil_03/LEIS/L10098.htm.
Acesso em: 15 jun. 2023. mas como isso ocorre. Fica evidente, portanto, que o desenho
universal é uma forma geral de construção de produtos, prédios,

Legislação educacional e terminologia adequada 65


tecnologias que atendam simultaneamente às pessoas com defi-
ciência ou sem deficiência, ou seja, pensarmos em uma sociedade
verdadeiramente inclusiva.

Voltando às normas técnicas, ou regulamentadoras, elas são desen-


volvidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com o
intuito de informar e dar referências para o estabelecimento do dese-
nho universal em seus mais diferentes âmbitos.

Na NBR 9050 (ABNT, 2015) são estabelecidos sete princípios do de-


senho universal:

1 O uso equitativo é característica do ambiente ou do espaço que pode


ser utilizado por várias pessoas, para ser equitativo precisa proporcio-
nar o mesmo direito de uso, não podendo criar barreiras e segregação.
Por exemplo, banheiros que possuem portas adequadas para passa-
gem de pessoas com cadeira de rodas.

2 Utilização do ambiente de maneiras diferentes e flexíveis. Por exem-


plo, atender a destros e canhotos, facilitar destreza e temporalidade
dos usuários.

3 Utilização de fácil compreensão, sem oferecimento de dificuldades


para utilização e burocracias e não necessitando de habilidades avan-
çadas para manuseio e utilização do equipamento, objeto ou espaço.

4 Fácil identificação da informação onde quer que estejam. A apresen-


tação precisa ser efetuada de modo verbal, visual ou até mesmo tátil.
Por exemplo, os letreiros visuais com áudio e placas em braile para
identificação nas portas dos ambientes.

5 Tolerância ao erro, permitindo a diminuição de erros, acidentes e equívo-


cos em espaços, ambientes ou em usos de objetos, buscando fornecer
informações para minimizar a situação, o risco e o problema.

(Continua)

66 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


6 Baixo esforço físico, logo o ambiente precisa ser de fácil utilização,
sem necessitar de muito esforço físico, causando, por exemplo, fadiga.
Outro exemplo é o uso de banheiros por pessoas com deficiência física
– alguns banheiros não possuem barras de apoio, dificultando muito
sua utilização.

7 O ambiente, ou elemento espacial, precisa ter tamanho suficiente para


utilização independentemente do tamanho do corpo do sujeito, da pos-
tura ou dos elementos de mobilidade. Nesse sentido, o ambiente e seus
dispostos precisam estar ao alcance de todos os usuários, aqueles com
cadeira de rodas ou andadores.

Precisamos entender que o conceito de desenho universal surge na


arquitetura com o intuito de tornar o ambiente e seus elementos espa-
ciais inclusivos, acessíveis para todas as pessoas independentemente
de com deficiência ou não.

Da mesma maneira, podemos transpor o conceito de desenho uni-


versal para além do ambiente, o que já é muito importante, mas tam-
bém levar essa conjuntura para a aprendizagem, a partir disso surgiu
um novo conceito, sendo o desenho universal de aprendizagem. Bettio,
Miranda e Schmidt (2021, p. 34) comentam que o desenho universal
de aprendizagem busca “remover as barreiras para o conhecimento,
propondo metodologias de ensino acessíveis a todos”.

Ainda na concepção das autoras, o desenho universal de aprendiza-


gem tem o intuito de trabalhar com o desenvolvimento de planejamen-
tos que possui ausência de barreiras que possam privilegiar a todos,
“com o objetivo de construir um ambiente instrucional rico e fornece
oportunidades de aprendizagem a todos os alunos, considerando suas
mais diversas características” (BETTIO; MIRANDA; SCHMIDT, 2021, p. 24).

Para refletir

Um exemplo que podemos usar para o conceito de desenho universal de


aprendizagem está na definição dos objetivos educacionais. Se o objetivo da
aula é aprendermos cores rosa e azul, por que não podemos ser mais específi-
cos e ampliar essa prática para também aprendermos e conhecermos objetos
nas cores rosa e azul?
(Continua)

Legislação educacional e terminologia adequada 67


Com isso, você pode pensar: mas isso altera pouca coisa. Pelo contrário, falar
de maneira abstrata das cores não privilegiará uma criança com deficiência
visual, mas ao falarmos de objetos que podem ser associados a essas cores
privilegiará a pessoa com deficiência visual, além da possibilidade de ela ma-
nusear esses objetos.

O desenho universal com um enfoque na aprendizagem faz com


que diminuam as barreiras e torne o currículo mais flexível e acessível.
Portanto, tornando a aprendizagem mais assertiva.

3.5 Barreiras e acessibilidade


Vídeo
O que se passa em nossas cabeças quando falamos de barreiras?
Essa palavra isolada pode ser considerada um termo polissêmico, até
porque cada um de nós associará essa palavra com as experiências
prévias que possuímos.

Para refletir

Qual o termo usado dentro de um contexto de acessibilidade e de educação


inclusiva? Provavelmente, você responderá que barreiras, pois elas são as difi-
culdades enfrentadas pelas pessoas com deficiência no convívio em sociedade.

Ser pessoa com deficiência na contemporaneidade não é uma tarefa


tão fácil, principalmente por causa dos diversos entraves enfrentados,
por exemplo, na locomoção, na comunicação, nos aspectos atitudinais,
ou seja, a forma como a sociedade as enxerga.

A Lei de Acessibilidade (BRASIL, 2015) apresenta a conceituação de


barreiras, sendo ela:

IV – barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que


limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição
e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de
expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circu-
lação com segurança, entre outros.

68 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Se analisarmos esse excerto, perceberemos que as barreiras aca-
bam por ser entraves não apenas físicos, mas também atitudinais, que
interferem na vida da pessoa com deficiência. Essas barreiras podem
ser classificadas em:

Urbanísticas Arquitetônicas Meios de transportes Comunicação


bookzv/Shutterstock

A primeira delas são as barreiras urbanísticas, que são aquelas


existentes em vias públicas, privadas e de uso coletivo. Essas barreiras
podem ser consideradas aquelas que dificultam o acesso, por exemplo,
ausência de piso tátil, de iluminação adequada, de nivelamento dos de-
graus ou de indicação do próximo degrau, ausência de sinal sonoro nos
semáforos nas vias e rodovias.

A própria legislação de acessibilidade nos traz que elementos públi-


cos também precisam ser acessíveis, como exemplo, os parques públi-
cos precisam possuir acessibilidade e mobiliário urbano adequado.

A segunda delas, as barreiras arquitetônicas, são aquelas em que


estão presentes nos edifícios públicos e privados, por exemplo, a au-
sência de elevadores, ou até mesmo de piso tátil, ausência de espaços
para circulação de pessoas usuárias de cadeira de rodas. Essas barrei-
ras dificultam o acesso das pessoas a essas edificações.

A terceira, as barreiras nos meios de transportes, são aquelas em


que existem as dificuldades de acesso e uso desses meios de transpor-
te, principalmente os do meio público. Esse tipo de barreira é muito
fácil de identificarmos, por exemplo, ainda existem muitos terminais
e estações que não possuem elevadores para acesso, bem como os
ônibus que também não os possuem.

Outro ponto que precisamos discutir é a ausência de cintos de segu-


rança que consigam ser utilizados por pessoas usuárias de cadeira de
rodas dentro do transporte coletivo. Além disso, precisamos entender
os aspectos relativos ao uso do transporte para pessoas com deficiên-
cia visual, por exemplo, ausência de sinais sonoros que identificam as
paradas nos ônibus, bem como a dificuldade de acesso ao transporte
por não conseguirem enxergar o letreiro.

Legislação educacional e terminologia adequada 69


Quando falamos das barreiras na comunicação, referimo-nos à
ausência de atendimento no âmbito público e privado na Língua Brasi-
leira de Sinais, impedindo o acesso das pessoas com deficiência auditi-
va aos serviços essenciais.

De acordo com o Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004, são


barreiras nas comunicações e informações “qualquer entrave ou obs-
táculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens por intermédio dos dispositivos, meios ou sistemas de co-
municação, sejam ou não de massa, bem como aqueles que dificultem
ou impossibilitem o acesso à informação”.

Outra questão é sobre o acesso à informação e às tecnologias por


pessoas com deficiência visual, ou seja, acesso à internet, por exemplo,
com sites que não permitem ampliação da fonte.

Pensando, portanto, nos aspectos relativos à própria tecnologia, a


LBI apresenta a possibilidade e necessidade de pesquisa em ciência e
tecnologia. Os artigos 77 e 78 da legislação buscam apresentar a impor-
tância do Estado na formulação de programas que busquem incentivar
a pesquisa, a inovação e a qualidade voltadas às tecnologias.

A legislação também menciona a necessidade de desenvolvimen-


to, capacitação e cursos de pós-graduação que consigam dar conta de
transmitir o ensino tecnológico voltado às tecnologias assistivas e à co-
municação alternativa das pessoas com deficiência.

A legislação também menciona: “Devem ser estimulados a pesquisa,


o desenvolvimento, a inovação e a difusão de tecnologias voltadas para
ampliar o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias da informa-
ção e comunicação e às tecnologias sociais” (BRASIL, 2015).

A cada ano que passa, precisamos pensar cada vez mais em possibi-
lidades mais assertivas voltadas ao estímulo dos processos de inclusão
das pessoas com deficiência, nos mais diferentes âmbitos da sociedade
– educacional, social, trabalho e individual.

Portanto, as tecnologias precisam ser empregadas como um


meio de superação de dificuldades e de potencialização de habili-
dades. Do mesmo modo, o uso crítico de tecnologias deve ser feito
a fim de criar possibilidades de comunicação e de superação das
limitações dessas barreiras.

70 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dispositivos legais, os ordenamentos jurídicos, os decretos e as legis-
lações são a cada ano revisitados, eles revelam o tempo, o espaço e a cultura
de cada sociedade. Isto é, a forma como é constituída a própria sociedade.
Pensar em legislações voltadas ao processo de inclusão reflete a for-
ma como avançamos de um período extremamente segregatício para um
movimento mais inclusivo, em que a sociedade passa a entender cada vez
mais as potencialidades das pessoas com deficiência.
As legislações em maior ou menor grau são falhas, mas isso não quer
dizer que nós, como sociedade, como pessoas, não podemos lutar a favor
daqueles que mais precisam.

ATIVIDADES
Atividade 1
De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), quem é a pessoa
com deficiência?

Atividade 2
Quais são os principais tipos de barreiras existentes que impedem
a pessoa com deficiência de participar efetivamente da sociedade?

Atividade 3
O que é a acessibilidade?

Legislação educacional e terminologia adequada 71


REFERÊNCIAS
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050: Acessibilidade a edificações,
mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2015.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 10. ed. São Paulo: Huditec, 1997.
BETTIO, C. D. B.; MIRANDA, A. C. A.; SCHMIDT, A. Desenho universal para a aprendizagem e
ensino inclusivo na Educação Infantil. 1. ed. Ribeirão Preto: FFCLRP-USP, 2021.
BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5
out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.
htm. Acesso em: 26 jun. 2023.
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Executivo, Brasília, DF, 3 dez. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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Brasília, DF, 26 ago. 2009. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 26 jun. 2023.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.
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BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
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DIAS, R. H. Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin. In: 10º
ANPED Sul. Anais [...] Florianópolis: UDESC, out. 2014.
FONSECA, R. T. M. O novo conceito constitucional de pessoa com deficiência: um ato de
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MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 2020. Disponível em: https://
michaelis.uol.com.br/. Acesso em: 15 jun. 2023.
SASSAKI, R. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. Câmara dos Deputados,
2011. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/gestao-na-
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terminologia-sobre-deficiencia-na-era-da-inclusao. Acesso em: 15 jun. 2023.
UNICEF – Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância.
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https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia.
Acesso em: 25 maio 2023.

72 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


4
Práticas pedagógicas
e deficiências
A legislação educacional estabelece que o público-alvo da Educação
Especial são os estudantes com deficiência, transtornos globais do desen-
volvimento, altas habilidades ou superdotação. Justamente nesse sentido,
nosso diálogo vai se inclinar a entender os mecanismos e funcionamentos
dessas características desses sujeitos e desses estudantes.
Receber um estudante com deficiência em sala de aula não se trata
apenas da adaptação de materiais didáticos, currículo e avaliação, mas de
um conjunto de estratégias específicas que consigam dar conta de incluir
esse estudante e atender as suas necessidades.
Alcançar os objetivos educacionais propostos para os estudantes
com deficiência se torna cada vez mais importante, afinal eles precisam
ser acolhidos pela equipe pedagógica da escola, pela comunidade es-
colar e pelos docentes.
A crescente necessidade de formação continuada para os assuntos re-
lacionados à deficiência e às suas características faz com que docentes e
escola procurem cada vez mais se reinventarem com o intuito de promover
aspectos didático-pedagógicos e de aprendizagem para esses estudantes.
Nesse sentido, apresentaremos as principais características das
deficiências, dos transtornos globais do desenvolvimento, das altas ha-
bilidades ou superdotação e os seguintes transtornos específicos de
aprendizagem: dislexia, discalculia e disortografia.
Objetivo de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender as práticas pedagógicas aplicadas às deficiên-
cias visual, auditiva, surdocegueira, física, intelectual, assim
como às altas habilidades ou superdotação e aos transtornos
do neurodesenvolvimento.

Práticas pedagógicas e deficiências 73


4.1 Deficiência visual,
Vídeo auditiva e surdocegueira
As deficiências visual e auditiva, assim como a surdocegueira, são
condições que afetam a capacidade de uma pessoa enxergar, ouvir
ou ambos. Essas deficiências podem variar em grau e impacto, mas
todas requerem inclusão e respeito para garantir oportunidades
iguais na sociedade. Por conta disso, a seguir abordaremos isola-
damente cada uma delas, a fim de melhor compreendermos suas
especificidades e necessidades.

4.1.1 Deficiência visual


A perda da visão ou a ausência dela em qualquer etapa do desenvol-
vimento humano não é uma tarefa fácil de lidar, sobretudo em virtude
do que chamamos de autonomia, orientação e mobilidade, que são fun-
ções indispensáveis para uma boa qualidade de vida.

Imaginemos que a pessoa nasce com uma deficiência visual –


seja ela cegueira ou baixa visão. Com isso, dizemos que ela possui
uma deficiência visual congênita. Ou seja, esse sujeito, desde a tenra
infância, precisará se adaptar aos estímulos externos do ambiente.
Além disso, desde muito jovem ele precisará compreender o mun-
do que o cerca, aprendendo a se orientar no espaço e a realizar as
atividades de vida diária e cotidiana, como se alimentar, vestir-se e
assim por diante.
ThomsonD/Shutterstock
E a pessoa que adquire a deficiência? Essa pessoa, diferentemente
da que possui deficiência visual congênita, deverá aprender a lidar com
a nova situação, isto é, ela já terá uma experiência pregressa da visão
que possuía. Esse tipo de deficiência visual denominamos de adquirida,
que pode ocorrer em virtude de um acidente, uma lesão neurológica,
infecções sexualmente transmissíveis que não foram tratadas adequa-
damente, entre outras possibilidades.

Independentemente de a deficiência ser congênita ou adquirida, o


sujeito acometido por ela precisará se adaptar e entender que existem
diferentes possibilidades de desenvolvimento, estudos, qualidade de
vida, esporte, cultura e lazer para pessoas com deficiência visual.

74 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


A única questão que vale mencionarmos acerca da deficiência vi-
sual adquirida é que as memórias e referências pregressas (antes da
deficiência) poderão trazer benefícios para o desenvolvimento de suas
habilidades após a aquisição da nova condição.

Antes de adentrarmos nas conceituações, precisamos deixar evi-


dente que existem três nomenclaturas que merecem destaques. A
primeira delas é deficiência visual, seguida pela cegueira e por último
a baixa visão. Vale mencionarmos que tanto a cegueira quanto a baixa
visão são tipos de deficiência visual.

Tipos de
deficiência
visual

Grafvish/Shutterstock
Baixa
Cegueira
visão

Siécola (2016) comenta que a pessoa com deficiência visual


percorreu caminhos difíceis, tendo em vista que sofreram grande
desvalorização e exclusão social. Além disso, as pessoas com essa
deficiência eram consideradas por algumas sociedades como peca-
dores, e por outras como videntes.

Nesse sentido, Roma (2018) afirma que da Idade Média até a


Contemporaneidade foi um período de grande concentração de pes-
soas que acreditavam que essa época foi um período místico na histó-
ria. Sobretudo em relação à pessoa cega, onde se acreditava que esses
sujeitos eram dotados de dons mágicos de vidência e premonição do
futuro. Muitos foram os relatos históricos encontrados acerca da pes-
soa cega, como exemplo, na China as pessoas cegas tinham como al-
ternativa a música de rua e apresentações ao ar livre para conseguirem
seus sustentos. Em outras partes do mundo, como Roma e Atena, es-
sas crianças eram abandonadas e até mesmo jogadas em rios.

Práticas pedagógicas e deficiências 75


Nesse sentido, em períodos místicos, algumas sociedades acredita-
vam que as pessoas com deficiência visual eram detentoras de poderes
de vidência do futuro, enquanto outras sociedades as viam como amal-
diçoadas por espíritos malignos.

Um pouco mais tarde na história, principalmente no século XX, sur-


giram alguns termos pejorativos e frases que possuem uma conotação
preconceituosa e discriminativa em relação às pessoas com deficiência
visual, como é o caso do termo ceguinho. Por estar no diminutivo, esse
termo denota que o cego não é tido como uma pessoa completa. Logo,
é necessário adotarmos termos mais adequados, como cego, pessoa
cega, pessoa com deficiência visual.

Partindo dessa perspectiva, precisamos entender o que é a deficiên-


cia visual propriamente dita. De acordo com a Fundação Dorina (2020),
existem mais de 2,2 bilhões de pessoas que vivem com deficiência vi-
sual. No Brasil, até o ano de 2020, os números são: 528.624 pessoas
incapazes de enxergar (pessoas com deficiência visual) e 6.056.654 pes-
soas que têm baixa visão ou visão subnormal.

O Decreto n. 5.296/2004 estabelece quais são as pessoas que se


incluem como pessoas com deficiência visual tanto na cegueira quanto
na baixa visão, sendo: a cegueira a que o sujeito tem acuidade visual
igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica;
e a baixa visão, acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a
melhor correção óptica.

A deficiência visual é dividida em cegueira e baixa visão. A Fundação


Dorina (2020) afirma que a deficiência visual é definida como a perda
total ou parcial da capacidade de enxergar e que essa capacidade defi-
nirá o que chamamos de acuidade visual, aspecto esse que define a pes-
soa em um diagnóstico ou de cegueira ou até mesmo de baixa visão.

A cegueira é definida como uma alteração grave ou até mesmo


total da capacidade e das funções de enxergar, alterando a capaci-
dade ainda de compreender o tamanho, as formas, as posições dos
objetos, os movimentos em determinados campos e assim por dian-
te (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007).

Já a baixa visão é a alteração significativa da capacidade de visão,


da funcionalidade e da acuidade visual, podendo ainda estar associada
com outras patologias da visão. De acordo com Gil (2000, p. 6), “uma

76 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


definição simples de visão subnormal é a incapacidade de enxergar
com clareza suficiente para contar os dedos da mão a uma distância de
3 metros, à luz do dia; em outras palavras, trata-se de uma pessoa que
conserva resíduos de visão”.

Ao lidarmos com o estudante com baixa visão na escola, precisa-


mos tomar o cuidado de realizarmos todo o processo de adaptação
pedagógica, materiais impressos com letras ampliadas, utilização
de cores em contraste. Devemos observar se o aluno se sente con-
fortável ao assistir aos materiais audiovisuais, como filmes e ví-
deos; verificar se a iluminação do ambiente escolar está adequada,
tomando cuidado com reflexos e luminosidade intensa; analisar o
posicionamento do estudante nas carteiras escolares, bem como
explorar as tecnologias e comunicações alternativas que apoiem o
processo de aprendizagem.

4.1.2 Deficiência auditiva


A deficiência auditiva, da mesma forma que as demais deficiências,
carece de entendimentos e estudos para que nós possamos com-
preender e pensar práticas pedagógicas que deem conta de satisfazer
a necessidade de aprendizagem dos estudantes.

Conseguimos interagir na vida cotidiana por meio do som, por


ele podemos identificar quando somos chamados pelo nome ou até
mesmo apreciarmos uma boa música. A questão da sonoridade já
nasce conosco, a criança ao nascer consegue interagir com os sons
do ambiente, isto é, sons dos brinquedos, dos chocalhos, da voz de
sua mãe de seu pai, e tudo isso vai interferir em seu processo de de-
senvolvimento. Assim, “ao se tocar uma campainha ou balançar um
chocalho perto da orelha de um bebê, ele reagirá de alguma forma,
podendo, por exemplo, mover-se ou apresentar aumento de seu rit-
mo cardíaco” (DESSEN; BRITO, 1997, p. 112).

O som é definido como (BRASIL, 2006b, p. 13):


Um fenômeno resultante da movimentação das partículas do ar.
Qualquer evento capaz de causar ondas de pressão no ar é con-
siderado uma fonte sonora. A fala, por exemplo, é o resultado do
movimento dos órgãos fono-articulatórios, que por sua vez provo-
ca movimentação das partículas de ar, produzindo então o som.

Práticas pedagógicas e deficiências 77


Toda a capacidade que possuímos de ouvir os sons ao nosso entor-
no é graças ao nosso sistema auditivo e às suas estruturas (Figura 1).
Figura 1
Divisão do sistema auditivo

1 2 3

Blamb/Shutterstock
3A

1A

3B

3C
1B

2A
1C

1 Ouvido externo (ou parte externa): compreende o pavilhão auricular


(orelha) com a sua concha 1A , o canal auditivo 1B e, ao final dele, a mem-
brana timpânica 1C . Essa estrutura tem como função receber as ondas
sonoras, captadas pela orelha, e transportá-las até a membrana timpâ-
nica ou o tímpano, fazendo-a vibrar com a pressão das ondas sonoras.
A membrana timpânica separa o ouvido externo do ouvido médio.

2 Ouvido médio: estão localizados três ossículos 2A : martelo, bigorna e


estribo. Esses ossículos são presos por músculos, tendo como função
mover-se para frente e para trás, colaborando com o transporte das
ondas sonoras até a parte interna do ouvido. Também está localizada a
tuba auditiva, que liga o ouvido à garganta.

(Continua)

78 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


3 Ouvido interno: é muito especial, nele se situam: os canais semicircu-
lares 3A (responsáveis pelo equilíbrio), a cóclea 3B (estrutura que tem
o tamanho de um grão de feijão e o formato de um caracol) e o nervo
auditivo 3C . É nessa porção do ouvido que ocorre a percepção do som.

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Brasil, 2006b.

Quaisquer alterações significativas nessas estruturas fazem com


que ocorram o que chamamos de patologias ou distúrbios da audi-
ção, que dependendo da gravidade pode receber o diagnóstico final
de deficiência auditiva.

Dessen e Brito (1997) comentam que a deficiência auditiva se confi-


gura como uma privação sensorial, cuja reação gera uma anormalidade
em relação ao estímulo sonoro ofertado ao sujeito. Ainda segundo os
autores, a surdez é a perda maior ou menor da percepção dos sons, e
essa perda é avaliada pelo que chamamos de decibéis (dB) – unidade de
medida usada para mensurar ruídos, sons e afins.

A deficiência auditiva também apresenta algumas classificações,


sendo (BRASIL, 2006b): pessoa com surdez, cuja audição está diminuí-
da gravemente, ou seja, a audição não é funcional; e o sujeito parcial-
mente surdo, que a audição ainda que debilitada se torna, de certa
maneira, funcional com ou sem aparelhos auditivos.

Temos ainda o que chamamos de etiologia da deficiência auditiva. De


acordo com o dicionário Michaelis da Língua Portuguesa (2023), etiolo-
gia é o “estudo sobre as causas e origens das coisas” ou ainda “ciência
e estudo das causas que provocam uma doença e seu modo de ação”.

As causas da deficiência auditiva estão relacionadas com aspectos


familiares, genéticos, infecciosos, tóxicos, desnutrição e demais doen-
ças. As causas genéticas estão relacionadas a trissomias, problemas
metabólicos, entre outros. As causas infecciosas estão relacionadas à
rubéola, sífilis, HIV/Aids, e a alterações do sistema nervoso e imunoló-
gico. Já as causas tóxicas estão relacionadas com o uso de medicações
durante a gestação, a ingestão de álcool e drogas (OLIVEIRA, 2011).

Da mesma forma que na deficiência visual, temos a acuidade au-


ditiva na deficiência auditiva para mensurarmos tal perda. De acor-
do com Silva et al. (2008), a perda auditiva pode ser mensurável pelo
audiômetro, que se configura como um instrumento eletrônico que

Práticas pedagógicas e deficiências 79


mede os níveis de audição. Com base nisso são estabelecidos os níveis
de perda auditiva conforme o Quadro 1.
Quadro 1
Escala de níveis de perda auditiva

Padrões normais De 0 a 20-25 dB

Leve De 26 a 40 dB

Moderada De 41 a 60 dB

Severa De 61 a 80 dB

Profunda Acima de 81 dB

Fonte: Elaborado pelo autor.

O trabalho com a criança com surdez na escola precisa levar em


consideração a perda auditiva, a funcionalidade, a dificuldade e a po-
tencialidade do estudante. É importante salientarmos que a alfabe-
tização da criança em Língua Brasileira de Sinais (Libras) é de suma
importância para alcançarmos uma aprendizagem efetiva.

Damázio (2007, p. 19) afirma que, para que se efetive a aprendiza-


gem do estudante com surdez, é necessário que “o trabalho pedagó-
gico com os alunos com surdez nas escolas comuns seja desenvolvido
em um ambiente bilíngue, ou seja, em um espaço em que se utilize a
Língua de Sinais e a Língua Portuguesa”.

Além dos aspectos da Libras, precisamos compreender que é im-


portante o oferecimento de pistas visuais que alinhem o trabalho pe-
dagógico e auxiliem na compreensão do estudante com surdez. Por
conta disso é importante explorarmos elementos gráficos, como as
imagens que se apresentam nos materiais didáticos, o reconhecimen-
to de palavras e seus significados em língua portuguesa e o estabele-
cimento de uma metodologia eficaz de trabalho a fim de alcançarmos
um ensino inclusivo.

4.1.3 Surdocegueira
Outra concepção é a de surdocegueira. De acordo com Brasil (2021),
“é uma deficiência que compromete, em diferentes graus, os sentidos
da visão e audição. A privação dos dois canais responsáveis pela recep-
ção de informações a distância afeta o desenvolvimento da comunica-
ção e linguagem, a mobilidade, a autonomia, o aprendizado”.

80 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Ainda de acordo com Brasil (2021), podem existir pessoas que são
surdas e cegas por completo ou ainda aquelas que podem ter algum
resíduo de um ou ambos os sentidos. O que vale destacarmos é a ne-
cessidade de um atendimento educacional especializado (AEE) que seja
capaz de fazer com que o estudante melhore sua qualidade de vida,
sua autonomia e seu repertório cognitivo.

As causas mais comuns da surdocegueira estão relacionadas à dia-


betes, aos acidentes vasculares cerebrais, a meningites, entre outros
aspectos relacionados a processos infecciosos e tóxicos. De acordo
com a Universidade de São Paulo (USP, 2023), existem dois tipos de com-
portamentos das crianças com deficiência auditiva e visual.

O primeiro é o comportamento hipoativo, que se configura


naquelas crianças que apresentam baixo interesse de interação
com o ambiente, não buscam interação nem comunicação, afas-
tam-se do ambiente e têm comportamentos e movimentos repeti-
tivos e estereotipados. O segundo é o hiperativo. As crianças desse
Tatyana Dzemileva/Shutterstock
tipo de comportamento gostam de interação com o ambiente e com
pessoas, sempre estão em busca de ambientes com muita iluminação,
como janelas. Mesmo com a dificuldade de mobilidade, elas gostam de
estar ativas, sempre em movimento. Além disso, elas têm maior facili-
dade de utilização dos demais sentidos para explorar o ambiente em
que se encontram.

O que é interessante verificarmos na surdocegueira é o tipo


de comportamento emitido pelo sujeito e, a partir disso, conse-
guirmos pensar em intervenções pontuais que possam maximizar Tatyana Dzemileva/Shutterstock

sua eficiência.

4.2 Deficiência física e intelectual


Vídeo
A busca pelo corpo perfeito foi um dos marcos históricos que nos
chamam atenção quando estamos dialogando sobre deficiência física, o
estigma do corpo era visto como marcas de maldição. O entendimento
da diferença, quando se faz presente no mundo contemporâneo, gera
um movimento de divisão de águas para a compreensão da medicina, da
psicologia, da fisioterapia e da própria pedagogia, que faz com que con-
sigamos enxergar a pessoa com deficiência física como promotora da
sua aprendizagem, como uma pessoa autônoma e cheia de potenciais.

Práticas pedagógicas e deficiências 81


Como conceituação da deficiência física, o Decreto n. 5.296/2004 a de-
fine como “alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do
corpo humano, acarretando o comprometimento da função física”. O De-
creto também aponta que não serão deficiências “as deformidades estéti-
cas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções”.

De acordo com Ferreira (2014), precisamos entender as diferentes


naturezas da deficiência física. A natureza ortopédica dessa deficiência
Drazen Zigic/Shutterstock se relaciona com problemas musculares, ósseos e articulatórios. Já a
natureza neurológica se relaciona com as deteriorações e/ou lesões do
sistema nervoso central.

Ferreira (2014) explica sobre o período em que aconteceu a lesão que


causou a deficiência, sendo de ordem: congênita ou adquirida; pré-natal,
que ocorre durante o período de gestação; perinatal, que ocorre durante
o parto, isto é, no nascimento; e pós-natal, que ocorre após o parto e
após o nascimento. O autor também apresenta que os principais tipos
de deficiência física são: paralisia cerebral (PC); traumatismo crânioen-
cefálico (TCE); lesões medulares (LM); poliomielite – também conhecida
como paralisia infantil; distrofia muscular; espinha bífida; e amputações.

A deficiência física advinda de paralisias são as que aparecem em


grande parte no contexto social. A paralisia se configura como uma di-
minuição do processo de motricidade e do movimento em determina-
das partes do corpo (Quadro 2).
Quadro 2
Configuração das paralisias

Quadriplegia Afeta os quatro membros.

Significa que os braços estão mais afetados que as pernas e


Dupla hemiplegia que pode haver uma paralisia suprabulbar congênita.
Envolve os quatro membros, mas com as pernas mais afeta-
Diplegia das que os braços.

Paraplegia Afeta as duas pernas.

Triplegia Afeta três membros.

Hemiplegia Afeta um lado do corpo.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Ferreira, 2014.

Outra perspectiva que pode também acontecer são as amputações,


que possuem causas diversas e que se configuram como a remoção de

82 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


membros (Quadro 3). Suas principais causas podem ser: congênita, por
aspectos relacionados a tumores, por acidentes que causam traumas,
ou em virtude de doenças.
Quadro 3
Classificação das amputações

Congênita Ausência de uma parte ou todo o membro.

Em alguns casos, a amputação pode ser necessária para inter-


Tumor romper uma doença maligna.

Por exemplo, acidentes de carros, com armas de fogo e com


Trauma maquinário pesado.

Causam problemas circulatórios, como diabetes e arterioscle-


Doença rose, acarretando a amputação.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Ferreira, 2014.

A deficiência física na escola chega com aspectos de necessidades de


adaptações em relação tanto ao espaço físico quanto a aspectos relati-
vos à demanda de mobiliário e a questões pedagógicas. Em alguns casos
a deficiência física vem associada com aspectos neurológicos e até mes-
mo deficiência intelectual, o que acarretará AEE para tais especificidades.

Sobre a deficiência intelectual, no século passado o fracasso escolar


estava associado única e exclusivamente ao desempenho dos estudan-
tes. Isto é, se as notas dos estudantes estão ruins, isso é de responsabi-
lidade deles, a escola se eximia desses processos.

Ainda não existia o pensamento das disfuncionalidades dos pos-


síveis transtornos do desenvolvimento, bem como a necessidade de
adaptação dos processos pedagógicos para alunos que apresentavam
dificuldades de aprendizagem.

Com isso, esses estudantes eram levados a centros médicos e pe-


dagógicos com o intuito de realizar avaliações psicoeducacionais e de
quociente de inteligência.

Essas avaliações não consideravam as múltiplas inteligências dos


estudantes e os reduziam apenas a testes de linguagem e de raciocínio
lógico, portanto os que não davam conta de realizar testes satisfatórios
conforme concepção da época eram considerados excepcionais e dire-
cionados a classes especiais.

Práticas pedagógicas e deficiências 83


Atenção Durante muitos anos a deficiência intelectual foi um estigma social.
Reforçamos que os A criança com deficiência intelectual foi considerada e rotulada erro-
termos apresentados
(criança doente, retarda- neamente como criança doente, retardada e/ou mongoloide, o que fa-
da, mongoloide e demais) zia com que as famílias se tornassem vítimas da sociedade e ficassem
são inadequados e foram
reproduzidos para nos presas em casa com vergonha de se exporem e de exporem seus filhos
remeter à época que ao sofrimento por conta desse cenário permeado de preconceito.
as pessoas faziam uso
indiscriminadamente. Com o avanço da psicologia, da pedagogia e da medicina, os proces-
Atualmente, esses
termos não só caíram
sos avaliativos da deficiência intelectual – ou do transtorno do desen-
em desuso, como devem volvimento intelectual – tornaram-se mais eficazes, pois instrumentos
ser evitados ao máximo,
dada sua carga pejorati-
robustos foram desenvolvidos com o intuito de respeitar a individuali-
va e estigmatizante. dade, a potencialidade e a dificuldades desses sujeitos.
1
De acordo com o DSM-V (APA, 2014, p. 33), o transtorno do desen-
1 volvimento intelectual “é um transtorno com início no período do de-
O Manual diagnóstico e senvolvimento que inclui déficits funcionais, tanto intelectuais quanto
estatístico dos transtor-
nos mentais, em inglês: adaptativos, nos domínios conceitual, social e prático”.
Diagnostic and Statiscal
Manual of Mental Disorders
O Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (APA, 2014,
(DSM), é redigido pela p. 33) traz os critérios de diagnósticos para essa condição:
Associação Americana
de Psiquiatria (APA). O A. Déficits em funções intelectuais como raciocínio, solução de pro-
numeral romano V indica blemas, planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendiza-
a edição do manual, ou
gem acadêmica e aprendizagem pela experiência confirmados
seja, a 5ª edição dele.
tanto pela avaliação clínica quanto por testes de inteligência pa-
dronizados e individualizados.
B. Déficits em funções adaptativas que resultam em fracasso para
atingir padrões de desenvolvimento e socioculturais em relação
a independência pessoal e responsabilidade social. Sem apoio
continuado, os déficits de adaptação limitam o funcionamento
em uma ou mais atividades diárias, como comunicação, parti-
cipação social e vida independente, e em múltiplos ambientes,
como em casa, na escola, no local de trabalho e na comunidade.
C. Início dos déficits intelectuais e adaptativos durante o período do
desenvolvimento.

A deficiência intelectual apresenta seus níveis, sendo eles: leve, mode-


rado, grave e profundo. Esses níveis são utilizados para a definição do grau
de suporte que o sujeito precisará durante sua vida e seu desenvolvimento.

O estudante com deficiência intelectual tem seus direitos asse-


gurados pelas legislações e pelos dispositivos legais que regulam a
vida em sociedade. A escola, por sua vez, não está à margem dessas

84 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


legislações. Ela precisa pensar e repensar suas práticas pedagógicas
e de avaliação da aprendizagem com o intuito de promover uma
educação transformadora, oferecendo auxílio de habilidades que
atendam à vida diária desse estudante.

Desse modo, a criança com deficiência intelectual precisa ser


imersa na sociedade e na escola para promoção de suas habilidades
sociais e de convivência, bem como a aprendizagem de uma educa-
ção psicomotora, para melhoramento do desenvolvimento psicomo-
tor e, por sua vez, da leitura e da escrita.

4.3 Altas habilidades ou superdotação


Vídeo
As altas habilidades, apesar de não se enquadrarem em deficiências,
síndromes ou até mesmo transtornos, compreendem um diagnóstico
clínico feito por meio de avaliação psicopedagógica e psicológica. Em-
bora muitos possam pensar que ter um filho com altas habilidades só
tenha vantagens, o caminho não é bem esse.

Crianças com altas habilidades ou superdotação podem sim


apresentar um desempenho melhor do que crianças da mesma fai-
xa etária, porém esse desempenho acima da média não se dá em
todas as áreas. Ou seja, as altas habilidades podem aparecer em
uma ou duas áreas do conhecimento.

Outra questão importante é que as crianças que não recebem in-


tervenção pedagógica adequada em seu período de escolarização po-
derão apresentar grande dificuldade de aprendizagem e até mesmo
desmotivação. Nesses casos, precisamos trabalhar com o que chama-
mos de enriquecimento curricular ou ainda de progressão de estudos.

O enriquecimento curricular para estudantes superdotados


acontece à medida que constatamos o interesse deles por uma ou
mais áreas do conteúdo escolar, bem como o seu avanço nelas. Por
exemplo, uma criança que está no 4º ano do Ensino Fundamental
e tem seu conhecimento no componente curricular de Matemática
expandido para além do que é esperado para esse ano de escola-
rização faz com que a escola junto à equipe pedagógica precisem
desenvolver um currículo mais avançado que dê conta de satisfazer
as necessidades de aprendizagem dela.

Práticas pedagógicas e deficiências 85


De acordo com Brasil (2006a, p. 12),
a superdotação se caracteriza pela elevada potencialidade de
aptidões, talentos e habilidades, evidenciada no alto desem-
penho nas diversas áreas de atividade do educando e/ou a ser
evidenciada no desenvolvimento da criança. Contudo, é preciso
que haja constância de tais aptidões ao longo do tempo, além de
expressivo nível de desempenho na área de superdotação. Re-
gistram-se, em muitos casos, a PRECOCIDADE do aparecimento
das HABILIDADES e a resistência dos indivíduos aos obstáculos e
frustrações existentes no seu desenvolvimento.

É importante salientarmos que muitas crianças com altas habilida-


des costumam também apresentar dificuldades de socialização e até
mesmo baixa tolerância à frustração.

De acordo com Brasil (2006a), temos alguns tipos de perfis de pes-


soas com altas habilidades ou superdotação (Quadro 4).
Quadro 4
Tipos de perfis

Apresentam rapidez e flexibilidade no pensamento, realizam


Intelectual boas deduções, memória e capacidade elevadas de raciocínio.
Têm boa desenvoltura acadêmica em questões específicas,
boa desenvoltura na atenção, concentração, boa memória,
Acadêmico muito bom desenvolvimento em disciplinas escolares e em
assuntos de seu interesse.
Apresentam excelente originalidade, imaginação, criativida-
Criativo de, capacidade estratégica, boa resolução de problemas, boa
fluência, flexibilidade, pessoas inventivas e inovativas.
Têm boa capacidade de gestão, liderança de pessoas, persua-
Social são e influência, boa sociabilidade, expressividade e gestão e
entendimento de situações internas de grupo.
Destaque em áreas das artes, literatura, ciências e até mesmo
Talento especial tecnologias.
Apresentam-se sobretudo com domínio do corpo, boas habili-
Psicomotor dades para esportes, velocidade, agilidade, força e resistência
além do esperado.
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Brasil, 2006a.

As altas habilidades ou superdotação não possuem uma etiologia


específica, isto é, uma origem e uma causa específica. Muito se comen-
ta acerca dos aspectos orgânicos do neurodesenvolvimento, mas ainda
não temos determinado cientificamente um motivo pelo aparecimen-
to de tais habilidades. No entanto, acredita-se que além de aspectos

86 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


genéticos, temos também influências ambientais e de estímulos que
possam promover o desenvolvimento dessas habilidades.

Importante

Algumas características podem ser observadas em crianças e pessoas com


altas habilidades ou superdotação:
• curiosidade, criatividade e tendência a ter direção própria – ou seja, não
necessitam de alguém para realizar algo;

• originalidade e racionalidade;

• desenvolvimento de estratégias para resolver situações e problemas, e


de estabelecer novas associações;

• capacidade de julgamento acima da média;

• não gosta de autoridade;

• gostar de correr determinados graus de riscos;

• aprendizagem veloz;

• dificuldade com rotina, frustração, normas e regras;

• gosta de detalhes;

• desinteresse em determinadas atividades que não chamam sua atenção.

O diagnóstico das altas habilidades ou superdotação também pre-


cisa ser feito com cautela. Ele precisa observar a história de vida da
família e do sujeito. Além disso, é necessária a utilização de instrumen-
tos específicos para identificação, como escalas, testes psicológicos e
psicopedagógicos, entrevistas e rendimento acadêmico e escolar e, em Leitura
casos de expressões artísticas (artes plásticas, literatura, teatro, dança,
A leitura do texto O que
música e afins), as produções desses sujeitos. é o teste psicológico WISC
e por que é tão utiliza-
É comum utilizarmos instrumentos para a detecção de altas habilida- do pelos psicólogos? é
indispensável para saber
des ou superdotação, como o teste psicológico WISC, além da escala EICAS
mais sobre o teste WISC,
AH/SD. Além disso, temos as Figuras Complexas de Rey, entre outros ins- seus objetivos e suas
situações de uso.
trumentos que acabam sendo restritos aos profissionais da psicologia.
Disponível em: https://blog.
Os professores também têm papel importante na avaliação para al- wedjapsicologia.com.br/o-que-e-o-
tas habilidades ou superdotação. Eles podem produzir relatórios que teste-psicologico-wisc-e-por-que-
e-tao-utilizado-pelos-psicologos/.
sustentem o diagnóstico clínico, pois são eles que passam a maior par- Acesso em: 19 jun. 2023.
te do tempo com as crianças.

Práticas pedagógicas e deficiências 87


A seguir apresentamos uma lista com 26 elementos de observação
que os professores podem adotar (BRASIL, 2006a, p. 24):

1 Os melhores da turma nas áreas de linguagem, comunicação e expressão;

2 Os melhores nas áreas de matemática e ciências;

3 Os melhores nas áreas de arte e educação artística;

4 Os melhores em atividades extracurriculares;

5 Mais verbais falantes e conversadores;

6 Mais curiosos, interessados, perguntadores;

7 Mais participantes e presentes em tudo, dentro e fora da sala de aula;

8 Mais críticos com os outros e consigo próprios;

9 Memorizam, aprendem e fixam com facilidade;

10 Mais persistentes, compromissados, chegam ao fim do que fazem;

11 Mais independentes, iniciam o próprio trabalho e fazem sozinhos;

12 Entediados, desinteressados, mas não necessariamente atrasados;

13 Mais originais e criativos;

(Continua)

88 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


14 Mais sensíveis aos outros e bondosos para com os colegas;

15 Preocupados com o bem-estar dos outros;

16 Mais seguro e confiante em si;

17 Mais ativos, perspicazes, observadores;

18 Mais capazes de pensar e tirar conclusões;

19 Mais simpáticos e queridos pelos colegas;

20 Mais solitários e ignorados;

21 Mais levados, engraçados, arteiros;

22 Mais inteligentes e fluentes;

23 Com melhor desempenho em esportes e exercícios físicos;

24 Mais habilidosos em atividades manuais e motoras;

25 Mais rápidos em seu raciocínio, dando respostas inesperadas e pertinentes;

26 Capazes de liderar e passar energia própria para animar o grupo.

Práticas pedagógicas e deficiências 89


Com essa sondagem inicial é possível auxiliar no levantamento de
possibilidades e das características de nossos estudantes. Após realizar
o diagnóstico multidisciplinar de altas habilidades, o docente precisa
compreender que a partir de agora ele precisará trabalhar com um en-
riquecimento curricular que possa ser capaz de dar conta de satisfazer
as necessidades de aprendizagem esse estudante.

Os alunos com altas habilidades ou superdotação precisam se de-


senvolver no próprio ritmo. Eles não podem ser colocados no ritmo
da turma, ou lentificados, isso fará com que percam o interesse e até
mesmo a motivação no aprender e, com isso, a escola se tornará cada
vez mais monótona para eles.

De acordo com Brasil (2002), existem algumas possibilidades que


podem auxiliar os estudantes com altas habilidades ou superdota-
ção e os seus professores: estimular a independência do estudo e,
por consequência, da aprendizagem, os processos cognitivos e psi-
cológicos complexos; realizar discussões em grupo; aprofundar a
aprendizagem; aprimorar habilidades de comunicação e socialização;
desenvolver o respeito entre os pares; utilizar a tempestade de ideias
(brainstorming), ou seja, grupos de discussões com múltiplas ideias e
formas de se fazer; estimular o desenvolvimento de iniciativa e das
habilidades matemáticas.

Desse modo, o trabalho com crianças com altas habilidades ou


superdotação precisa ser diverso, não podemos deixar o processo
pedagógico ficar desinteressante. Portanto, o estudante precisa ser de-
safiado, ele precisa ser levado em consideração no contexto de sala de
aula a fim de não o fazer cair em desmotivação.

4.4 Transtornos do neurodesenvolvimento


Vídeo
O Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais, comu-
mente conhecido como DSM-V, foi escrito pela Associação Americana
de Psiquiatria (APA) e busca reunir todos os sinais e sintomas dos
transtornos psicológicos existentes. Esse manual é atualizado à me-
dida que novos transtornos surgem e novos sinais e sintomas vão se
manifestando em transtornos já existentes.

90 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Chamamos de transtornos do neurodesenvolvimento em virtude de
eles se manifestarem logo no início do desenvolvimento da infância e
interferirem nas habilidades de aprendizagem, cognição, motricidade,
comunicação e atenção do sujeito.

De acordo com a APA (2014, p. 31), os transtornos do neurodesen-


volvimento são um grupo de transtornos que se manifestam antes do
ingresso da criança na escola “sendo caracterizados por déficits no de-
senvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, so- Veja/Shutterstock

cial, acadêmico ou profissional”.

Outra questão que ainda podemos observar é a existência comum


de mais de um transtorno do neurodesenvolvimento em curso de uma
vez, por exemplo, sujeitos que apresentam déficit de atenção e hipera-
tividade também podem apresentar transtorno específico de aprendi-
zagem, esse tipo de quadro chamamos de comorbidades.

Vamos conhecer o primeiro transtorno do neurodesenvolvimento,


o qual chamamos de transtorno do desenvolvimento intelectual.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• prejuízos acadêmicos, sociais e adaptativos para o sujeito;

• logo no início da infância ele se manifesta;

• dificuldades no raciocínio lógico, na resolução de problemas, no planeja-


mento, no pensamento abstrato e na autonomia e independência.

A deficiência intelectual ainda apresenta seus níveis de gravidade


descritos conforme o Quadro 5.
Quadro 5
Níveis de gravidade

Apresenta dificuldade para iniciar interações sociais; emite


Leve respostas atípicas ou sem sucesso a tentativas de abertura so-
cial; pode parecer desinteressado em interações sociais.
Apresenta déficits graves em habilidades de comunicação social
verbal e não verbal; tem dificuldade social evidente mesmo com
Moderado apoio; apresenta limitação em iniciar interações sociais; emite
resposta reduzida ou anormal a aberturas sociais de terceiros.
(Continua)

Práticas pedagógicas e deficiências 91


Apresenta déficits graves nas habilidades de comunicação so-
Grave
cial verbal e não verbal, resultando em prejuízos significativos;
tem dificuldade em iniciar interações sociais; emite resposta
Profundo mínima a aberturas sociais de terceiros.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em APA, 2014.

A depender do nível, o sujeito precisará de apoio ao longo da


vida, ou ainda como algumas pessoas gostam de denominar cuida-
dores ou tutores.

Seguindo o rol dos transtornos do DSM-V, temos o que chamamos


de transtorno da linguagem, que está incluso dentro de uma classifica-
ção chamada de transtornos da comunicação.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• dificuldades no processo de aquisição da linguagem, no uso da lingua-
gem oral e escrita, na compreensão e na formação de frases;

• vocabulário empobrecido.

De acordo com o DSM-V (2014), o transtorno de linguagem pode


apresentar comorbidades, ou seja, ele pode estar associado a outros
transtornos, como o transtorno de aprendizagem, o transtorno do
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e até mesmo o autismo.

O próximo transtorno é o da fala, que também está incluído no rol


dos transtornos da comunicação. O que precisamos entender desse
transtorno é que a criança em desenvolvimento até os 4 anos precisa
ter uma fala legível; quando não, podemos levantar indícios de um pos-
sível transtorno de fala.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• dificuldade persistente para produção da fala que interfere na inteligibilida-
de dela ou impede a comunicação verbal de mensagens;

• limitações na comunicação eficaz que interferem na participação social,


no sucesso acadêmico ou no desempenho profissional, individualmente
ou em qualquer combinação;

• ocorre precocemente no período do desenvolvimento da criança.

(Continua)

92 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Atenção! As dificuldades apresentadas não são atribuíveis a condições con-
gênitas ou adquiridas, como paralisia cerebral, fenda palatina, surdez ou perda
auditiva, lesão cerebral traumática ou outras condições médicas ou neurológi-
cas, pois caso sejam atribuíveis, o diagnóstico deixa de ser transtorno da fala,
passando a ser outra coisa.

Outro transtorno do rol dos transtornos da comunicação é aquele


que chamamos de transtorno da fluência com início na infância – comu-
mente conhecida como gagueira ou disfluência. Esse transtorno ocorre
até os 6 anos de idade nos sujeitos, mas pode variar até os 7 anos.

O transtorno de fluência com início na infância pode acarretar ou-


tros prejuízos para além do próprio curso do transtorno, por exemplo,
o aumento dos níveis de ansiedade do sujeito, bem como sintomas
provenientes de depressão e isolamento social.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• dificuldade no padrão de tempo da fala;

• dificuldade na produção sonora;

• repetições de sons;

• repetições de sílabas;

• prolongamento da emissão de sons;

• interrupção de palavras;

• tensão física.

O último transtorno que compõe o rol dos transtornos da comuni-


cação é denominado transtorno da comunicação social. Para analisar-
mos os sinais e sintomas desse transtorno precisamos entender que a
pragmática é a função e o uso social da língua.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são


dificuldades:
• no uso social da linguagem oral;

• no persistente uso social da linguagem não verbal;


(Continua)

Práticas pedagógicas e deficiências 93


• em saudações, cumprimentos e socialização;

• de adaptação da comunicação ao meio;

• na produção de histórias;

• de compreender informações implícitas.

Além dos transtornos da comunicação, temos o transtorno do


espectro autista, um dos transtornos mais comentados na área da
educação e da neurologia. Esse transtorno apresenta um diferencial
dos demais: ele carrega a palavra espectro, ou seja, ele tem diferentes
sinais e sintomas que acabam por dificultar o próprio diagnóstico, e
os prejuízos apresentados são muitos e com muitas possibilidades
de comorbidades.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• dificuldade na comunicação social, na reciprocidade, para manter
uma conversa, em manter laços afetivos, no comportamento não
verbal;

• movimentos repetitivos e estereotipados;

• insistência nas mesmas coisas, assuntos e objetos;

• interesses fixos;

• hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais.

Além do autismo, temos o transtorno do déficit de atenção e


hiperatividade (TDAH). Esse transtorno também inicia sua manifes-
tação antes do ingresso na escola, entretanto é na escola que os
maiores prejuízos ficam mais evidentes. Esses sujeitos apresentam
dificuldade de manter a atenção, seja ela concentrada, dividida ou
alternada, bem como podem ainda apresentar o que chamamos
de hiperatividade.

O TDAH possui três tipos: desatento, hiperativo-impulsivo e com-


binado – o qual reúne características dos dois primeiros –, conforme
descrevemos no Quadro 6.

94 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Quadro 6
Tipos de TDAH

Frequentemente perdem objetos, apresentam dificuldades


de reter e memorizar informações com gestão de tempo e
Desatento com tarefas escolares, esquecem constantemente senhas
(se for adulto), distraem-se com estímulos externos e so-
frem de desorganização.
Apresentam agitação psicomotora, dificuldade de manter
Hiperativo-impulsivo o foco e de reter de informação, têm pensamento acele-
rado e parecem não escutar quando são chamados.
Apresentam uma somatória dos sinais e sintomas ca-
Combinado racterísticos dos tipos desatento e hiperativo-impulsivo.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• padrão de desatenção e desorganização;

• dificuldade com detalhes e em tarefas lúdicas;

• não gosta de tarefas que envolvam esforço cognitivo;

• esquecimentos constantes;

• remexer-se bastante e levantar-se da cadeira na escola em muitos


momentos;

• agitação;

• interrompe ou se interrompe em situações de diálogo.

Também temos o transtorno específico de aprendizagem, que


acaba por envolver, sobretudo, o desempenho escolar dos que são
afetados por essa condição. Esse transtorno pode trazer prejuízos em
três áreas de suma importância para o desempenho escolar: escrita,
expressão gráfica e matemática.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• dificuldade na aprendizagem, na compreensão e interpretação, na reso-
lução de problemas e planejamento, no senso numérico, na escrita e no
uso do conhecimento aprendido na escola;

• leitura imprecisa ou lenta;

• erros ortográficos.

Práticas pedagógicas e deficiências 95


Temos também o que chamamos de transtornos motores, que afe-
tam os movimentos daqueles que são afetados por esse transtorno.
Dentro dessa classificação temos o transtorno do desenvolvimento
de coordenação. Seu diagnóstico é dado apenas se o prejuízo no de-
senvolvimento das diversas áreas da vida da criança for percebido,
por isso que o utilizamos para o relatório escolar, a história clínica e
as entrevistas familiares.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• aquisição de habilidades motoras abaixo do esperado para a faixa etária;

• execução de movimentos abaixo do esperado para a faixa etária;

• dificuldade de uso dos movimentos necessários para execução de ati-


vidades do cotidiano, por exemplo, vestir-se, alimentar-se, entre outros.

Temos o transtorno do movimento estereotipado, que se mani-


festa por comportamentos motores repetitivos, como abanar, apertar
as próprias mãos e assim por diante. Os movimentos podem ser tão
intensos que se tornam prejudiciais para o desenvolvimento do su-
jeito em diferentes âmbitos, como social, acadêmico e familiar. Esses
movimentos podem resultar na autolesão desses sujeitos, por exem-
plo, ficar apertando a língua com os dentes diversas vezes, acarretan-
do feridas na região.

Importante

Seus principais sinais e sintomas, de acordo com o DSM-V (2014), são:


• comportamento motor repetitivo e que interfere no rendimento das ati-
vidades de vida diária;

• aparece ainda no período de desenvolvimento.

Os transtornos do neurodesenvolvimento trazem prejuízos con-


sideráveis aos sujeitos que não têm o diagnóstico. Por fim, devemos
frisar que os diagnósticos são feitos por equipe multiprofissional com-
posta de neurologistas, psiquiatras, psicopedagogos, psicólogos e
professores que atuam com esses sujeitos a fim de auxiliá-los quanto
ao quadro diagnosticado.

96 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


CONSIDERAÇÕES FINAIS
As deficiências, as síndromes e os transtornos não devem ser encara-
dos como um movimento patológico e de adoecimento, conforme foram
vistos em um passado não tão distante. O conhecimento acerca dessas
características faz com que médicos, professores, educadores e terapeu-
tas consigam entender e atender às necessidades específicas desse públi-
co-alvo da Educação Especial.
A compreensão do mundo subjetivo desse estudante faz com que
ainda consigamos promover um reconforto às famílias com relação ao
desenvolvimento escolar e social de seus filhos.

ATIVIDADES
Atividade 1
Quais são os tipos de deficiência visual?

Atividade 2
Quais são os níveis de deficiência intelectual?

Atividade 3
Quais são os tipos de transtornos específicos de aprendizagem?

REFERÊNCIAS
APA – Associação Americana de Psiquiatria. Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos
mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BRASIL. Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União, Poder
Executivo, Brasília, DF, 3 dez. 2004. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 19 jun. 2023.

Práticas pedagógicas e deficiências 97


BRASIL. Mídia e deficiência. Brasília: FBB, 2003.
BRASIL. Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na
escola. Alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: SEESP/MEC, 2002.
BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento
às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação.
Brasília: MEC, 2006a.
BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento
às necessidades educacionais especiais de alunos surdos. 2. ed. Brasília: MEC, 2006b.
BRASIL. Surdocegueira. Ministério da Educação, 27 out. 2021. Disponível em: https://
www.gov.br/ibc/pt-br/nucleos-de-atendimento-especializado/NAEPS/conceituando-a-
surdocegueira. Acesso em: 19 jun. 2023.
DAMÁZIO, M. F. M. Atendimento educacional especializado: pessoa com surdez. Brasília, DF:
MEC, 2007.
DESSEN, M. A.; BRITO, A. M. W. Reflexões sobre a deficiência auditiva e o atendimento
institucional de crianças no Brasil. Paidéia, n. 12-13, p. 111-134, 1997.
FERREIRA, E. L. (org.). Esportes e atividades físicas inclusivas. Juiz de Fora: NGIME/UFJF, 2014.
FUNDAÇÃO DORINA. O que é deficiência? Fundação Dorina Nowill para Cegos, 2020.
Disponível em: https://fundacaodorina.org.br/a-fundacao/pessoas-cegas-e-com-baixa-
visao/o-que-e-deficiencia/. Acesso em: 19 jun. 2023.
GIL, M. (org.). Deficiência visual. Brasília: MEC, 2000. (Cadernos da TV Escola 1)
MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 2020. Disponível em: http://
michaelis.uol.com.br/. Acesso em: 19 jun. 2023.
OLIVEIRA, L. A. Fundamentos históricos, biológicos e legais da surdez. Curitiba: Iesde, 2011.
ROMA, A. C. Breve histórico do processo cultural e educativo dos deficientes visuais no
Brasil. Revista Ciência Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 1-15, 2018.
SÁ, E. D.; CAMPOS, I. M.; SILVA, M. B. C. Atendimento educacional especializado: deficiência
visual. Brasília: SEESP/MEC, 2007.
SIÉCOLA, M. Deficiência visual, auditiva e surdocegueira. Curitiba: Iesde, 2016.
SILVA, F. I. et al. Aprendendo Língua Brasileira de Sinais como segunda língua: Nível Básico.
Palhoça: IFPR-SC, 2008. (Caderno Pedagógico I)
USP. Crianças com surdocegueira congênita podem ser divididas em dois grupos
com características próprias e distintas. USP, 2023. Disponível em: https://sites.usp.br/
surdocegueira/comportamentos-em-criancas-com-surdocegueira/. Acesso em: 19 jun. 2023.

98 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


5
Inclusão na Educação Especial
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece a
necessidade do atendimento educacional especializado (AEE) para aque-
les que necessitam, isso é, o público-alvo da Educação Especial na pers-
pectiva inclusiva.
As demandas da escola inclusiva estão cada vez maiores devido ao
surgimento de novas síndromes, novos transtornos. Consequentemente,
novos diagnósticos surgem. Partindo disso, a escola precisa, cada vez
mais, equipar-se e pensar em novas estratégias pedagógicas que supram
as demandas e necessidades desses estudantes.
Pensar no AEE significa pensar também no espaço arquitetônico onde
acontecerá o atendimento, haja vista que existe uma gama de especifi-
cidades para esse espaço. A sua construção requer da escola um pen-
samento à frente do seu tempo, prevendo as mais variadas demandas
pedagógicas que, porventura, possam surgir nesse ambiente.
O AEE requer materiais e espaço específicos e professores qualifica-
dos a utilizarem todo esse arcabouço teórico e técnico. Outro item são as
demandas do próprio currículo dessa escola, que precisará estar orienta-
do para a perspectiva inclusiva.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender o que é e como se realiza o AEE;

• entender como se dá o trabalho na sala de recursos multifuncionais;

• compreender o que são as tecnologias assistivas e a comuni-


cação alternativa;

• entender o que é o currículo inclusivo e conhecer suas adaptações;

• compreender as práticas aplicadas na avaliação na Educação


Especial.

Inclusão na Educação Especial 99


5.1 Atendimento educacional especializado
Vídeo
O AEE é um recurso garantido aos estudantes público-alvo da
Educação Especial, isto é, alunos com deficiência, transtornos glo-
bais do desenvolvimento, altas habilidades e superdotação, que de-
mandem de uma atenção especial em seus aspectos pedagógicos e
de aprendizagem.

O AEE é garantido pela LDB – Lei n. 9.394/1996 – e acontece no con-


traturno, ou seja, se a criança estuda de manhã, ela fará o atendimento
especializado à tarde, e vice-versa.

Dentro desse contexto, vale mencionar, existem muitos tipos de


atendimento educacional, seja na sala de recursos multifuncionais
(SRM), com a qual estamos em grande parte das vezes acostumados,
seja no atendimento domiciliar e hospitalar.

O atendimento que acontece na escola, sobretudo na SRM, não


pode ser confundido com apoio pedagógico ou reforço escolar, haja
vista que no AEE a criança, além dos aspectos de aprendizagem, de-
senvolverá as habilidades que utilizará para além da escola.

Por exemplo, o profissional do AEE pode atuar em diferentes fren-


tes. Caso o aluno apresente dificuldades no desenvolvimento em
aspectos relacionados à psicomotricidade (movimento, gestos, pos-
tura e afins), o profissional pode realizar diferentes atividades,
BearFotos/Shutterstock

como vestir-se, a fim de desenvolvê-las. No entanto, o seu


trabalho não se restringe somente a isso, o profissional
do AEE também pode auxiliar, por exemplo, nos pro-
cessos de alfabetização.

100 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


De acordo com o Decreto n. 3.298/1999, os sistemas de ensino, isto
é, as secretarias municipais e estaduais de educação, em parceria com
as escolas de suas responsabilidades, precisam matricular os estudan-
tes ­público-alvo da Educação Especial e oferecer o AEE para garantir
uma educação de qualidade para esses estudantes.

Além disso, o AEE possui como função e objetivo principal “iden-


tificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade
que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, con-
siderando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2020). Tomando
esse excerto como base, percebemos que o AEE tem função pedagógi-
ca, mas também emancipatória e de desenvolvimento de habilidades
preditoras do desenvolvimento e das habilidades que ainda precisam
ser desenvolvidas, e sua ausência dificulta o avanço e a progressão do
­desenvolvimento global desse estudante.

Nesse aspecto, o AEE busca ressaltar ou suplementar a educação


dos estudantes que dele necessitam. Quando tratamos de processo de
suplementação, estamos mencionando diretamente os aspectos relati-
vos ao desenvolvimento de alguma habilidade que estejam impactan-
do a aprendizagem e que precisam ser mais estimulados.

A legislação nos aponta que o AEE precisa acontecer preferencial-


mente na escola onde o estudante esteja matriculado, entretanto
sabemos que nem sempre é possível. Portanto, outra possibilidade dis-
ponibilizada pela legislação é que o AEE pode acontecer em escolas da
rede, ou em centros específicos de AEE, ou ainda em classes especiais
e/ou centros privados com os quais o município ou o estado mante-
nham convênio de cooperação.

O AEE nos casos em que o estudante não conseguir frequentar as


aulas por motivos específicos poderá ser ofertado no contexto domici-
liar ou hospitalar, entretanto será suplementar e complementar, e não
substituirá integralmente os aspectos pedagógicos.

Até aqui pontuamos que o AEE é ofertado aos estudantes


­público-alvo da Educação Especial, mas ainda não especificamos suas
características dentro desse contexto. Desse modo, precisamos conhe-
cer os seis públicos-alvo do AEE:

Inclusão na Educação Especial 101


1 Estudantes com deficiência visual: a eles precisa ser ofertada a apren-
dizagem de habilidades de orientação, mobilidade, autonomia e até
mesmo aprendizagem do sistema Braille, quando assim for o caso e a
necessidade, além dos aspectos pedagógicos.

2 Estudantes com deficiência auditiva: esse público também precisa


do trabalho de autonomia e de comunicação, seja ela em Língua
Brasileira de Sinais (Libras), seja ela em outras formas que deem
conta de satisfazer a essas necessidades.

3 Estudantes com deficiência física: demandam adaptação do espaço,


do mobiliário, das carteiras escolares e de demais equipamentos que
auxiliem sua movimentação e acomodações.

4 Estudantes com deficiência intelectual: necessitam de atendimentos


voltados à melhoria da qualidade de vida, da autonomia, da mobilidade,
do desenvolvimento de habilidades de autocuidado, bem como de higie-
ne, de vestimenta, e assim por diante.

5 Estudantes com altas habilidades e superdotação: precisam ser desa-


fiados, demandando um enriquecimento curricular capaz de satisfazer
a esse desejo constante de desafios e inovação.

6 Estudantes com transtornos de aprendizagem e transtornos do neu-


rodesenvolvimento: o professor de AEE precisa verificar as demandas
que esses estudantes trazem para que seja possível analisar quais
especificidades serão necessárias trabalhar.

Para que a escola consiga oferecer o AEE para seus estudantes e


até mesmo para estudantes da rede de ensino, ela precisa observar os
critérios descritos no quadro a seguir.

102 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Quadro 1
Critérios para implementar a AEE

Sala de recursos Espaço físico, mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagó-


multifuncional gicos e de acessibilidade e equipamentos específicos.

Condicionada à matrícula no Ensino Regular da própria escola


Matrícula no AEE ou de outra escola.
Identificação das necessidades educacionais específicas dos
Plano do AEE alunos, definição dos recursos necessários e das atividades a
serem desenvolvidas; cronograma de atendimento dos alunos.

Docentes Professor para o exercício da docência do AEE.

Profissionais da Tradutor e intérprete de Libras, guia-intérprete e outros que atuam


educação no apoio às atividades de alimentação, higiene e locomoção.

Integração Articulação entre professores do AEE e do ensino comum.

Nos âmbitos da atuação intersetorial, da formação docente, do


Redes de apoio acesso a recursos, serviços e equipamentos, entre outros que
contribuam para a realização do AEE.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Brasil, 2012.

As questões organizacionais do AEE se tornam de extrema impor-


tância quando estamos nos referindo à oferta dessa modalidade. Con-
tudo, precisamos compreender a figura do profissional que comanda
esse espaço e essa sala de atendimento, ou seja, o professor do AEE.

Esse docente possui atribuições específicas, com diretrizes para


o trabalho organizado na SRM. Como atribuições desses docentes
temos, de acordo com a Resolução CNE/CEB n. 4, de 2009, ao menos
sete aspectos com os quais eles devem se ocupar.

a. Identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de


acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos
alunos público-alvo da Educação Especial.
b. Elaborar e executar plano de atendimento educacional especializado,
avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de
acessibilidade.
c. Organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recur-
sos multifuncional.
d. Acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos
e de acessibilidade na sala de aula comum do Ensino Regular, bem como em
outros ambientes da escola.
(Continua)

Inclusão na Educação Especial 103


e. Estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estraté-
gias e na disponibilização de recursos de acessibilidade.
f. Orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessi-
bilidade utilizados pelo aluno.
g. Ensinar e usar recursos de Tecnologia Assistiva, tais como: as tecnologias
da informação e comunicação, a comunicação alternativa e aumentativa,
a informática acessível, o soroban, os recursos ópticos e não ópticos, os
­softwares específicos, os códigos e linguagens, as atividades de orientação
e mobilidade entre outros; de forma a ampliar habilidades funcionais dos alu-
nos, promovendo autonomia, atividade e participação.

Desse modo, o trabalho com o AEE requer uma dedicação mais


focada e direcionada, uma vez que os estudantes apresentarão de-
mandas diferenciadas e complexas com relação à aprendizagem.
Portanto, ­nessa modalidade de serviço precisamos estar atentos
não apenas às habilidades que o estudante apresentará, mas tam-
bém às questões relativas ao afetivo, social, psicológico e relacional
desse estudante.

5.2 Sala de recursos multifuncionais


Vídeo
A SRM, ou comumente conhecida como sala de recursos, é o espaço
de aprendizagem em que acontece o AEE. Podemos dizer que essa sala
é um laboratório de aprendizagem no qual os estudantes ­público-alvo
da Educação Especial, por meio da vivência, da experiência e da prática,
podem se desenvolver e ampliar seus olhares.

Para que exista esse espaço nas escolas primeiro é necessária


uma avaliação principalmente da infraestrutura da unidade escolar
para fins de verificação da necessidade de sua implantação.

Em 2008 tivemos um marco na Educação Especial com o Decreto


n. 6.571/2008, que regulamenta a dupla computação de matrículas dos
estudantes da Educação Especial, em virtude da necessidade de se con-
trolar a frequência e a oferta do AEE para esse público.

Além dos aspectos pedagógicos, o Decreto estabelece o que cha-


mamos de financiamento da educação. Desse modo, estabelece um
elo de parceria entre a escola, a família e o Estado, isto é, uma inter-
pelação e distribuição de responsabilidade.

104 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Também o Decreto deixa bem explícito que é dever do Ministério
da Educação (MEC) fornecer e implementar a SRM, além de promo-
ver formação continuada de professores, formação de gestores para
esse modelo educacional, elaboração, produção e distribuição dos
recursos educacionais e pedagógicos e adequação arquitetônica e
­acessibilidades dos prédios escolares.

Com isso, pensando nos aspectos relativos aos processos arqui-


tetônicos e à implantação dos recursos para funcionamento da SRM,
precisamos compreender que espaço é esse.

De acordo com Anjos (2011), as SRM – no contexto brasileiro –


surgiram efetivamente na década de 1980, mesmo sabendo que
seus planejamentos iniciaram efetivamente na década de 1970.
Essas SRM buscavam realizar os atendimentos das pessoas que
possuíam algum tipo de deficiência e que estavam inseridas na
perspectiva do Ensino Regular.

Ropolli et al. (2010) comentam que as SRM no contexto da educação


brasileira são ambientes educativos com mediação tecnológica, isto é,
equipamentos que auxiliam e potencializam a aprendizagem.

Segundo Sousa (2003), nesses ambientes são promovidas ati-


vidades lúdicas e pedagógicas que estimulam os sentidos desses
estudantes e que não ficam restritas apenas àqueles recursos com-
putadorizados, como computadores, tablets e internet.

Ropolli et al. (2010) nos apontam dois tipos de SRM: a do tipo I e a


do tipo II. As SRM do tipo I são aquelas mediatizadas por aspectos tec-
nológicos, isto é, equipamentos que vão ao encontro de tecnologias da
comunicação e da informação, como softwares de acessibilidade, com- Krakenimages.com/Shutterstock

putadores, tablets, teclados adaptados para pessoas com deficiência


visual, smartphones, mouse de pressão, softwares e equipamentos de
tecnologias assistivas e comunicação alternativa.

As SRM do tipo II são aquelas que vão ao encontro do atendimento


específico a pessoas com deficiência visual, por exemplo, equipamen-
tos voltados ao ensino de soroban, reglete, máquinas de datilografia,
­kits de desenho, entre outros equipamentos.

Nesse sentido, o Documento orientador programa implantação de


salas de recursos multifuncionais aponta os materiais que precisam
estar presentes nas SRM, materiais que são enviados pela equipe

Inclusão na Educação Especial 105


do MEC. Desde 2005 existem as referências para composição das
salas, entretanto optamos por apresentar a recomendação do ano
2012, pois ela corresponde à versão mais atualizada (BRASIL, 2012,
p. 15):

Equipamentos
2 Computadores

2 Estabilizadores

1 Impressora multifuncional

1 Roteador Wireless

1 Mouse com entrada para acionador

1 Acionador de pressão

1 Teclado com colmeia

1 Lupa eletrônica

1 Notebook

Mobiliários
1 Mesa redonda

4 Cadeiras para mesa redonda

2 Mesas para computador

2 Cadeiras giratórias

1 Mesa para impressora

1 Armário

1 Quadro branco

Materiais didáticos pedagógicos


1 Software para comunicação aumentativa e alternativa

1 Esquema corporal

1 Sacolão criativo

1 Quebra cabeças superpostos – sequência lógica

1 Bandinha rítmica

1 Material dourado

1 Tapete alfabético encaixado


(Continua)

106 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


1 Dominó de associação de ideias

1 Memória de numerais

1 Alfabeto móvel e sílabas

1 Caixa tátil

1 Kit de lupas manuais

1 Alfabeto Braille

1 Dominó tátil

1 Memória tátil

1 Plano inclinado – Suporte para livro

Houve ainda kits de atualização de materiais para os anos 2012 e


2013 com o intuito de melhorar o ambiente e a estrutura, bem como as
atividades desenvolvidas na SRM (BRASIL, 2012, p. 16):

Equipamentos e materiais didáticos pedagógicos


2 Notebooks

1 Impressora multifuncional

1 Material dourado

1 Alfabeto móvel e sílabas

1 Caixa tátil

1 Dominó tátil

1 Memória tátil

1 Alfabeto Braille

1 Caixinha de números

2 Bolas com guizo

1 Bola de futebol com guizo

1 Lupa eletrônica

1 Scanner com voz

1 Máquina de escrever em Braille

1 Mouse estático de esfera

1 Teclado expandido com colmeia

Inclusão na Educação Especial 107


Esses kits (Figura 1) eram entregues à escola, e o responsável pela
unidade escolar, no caso o diretor, devia conferir cada objeto entregue
e assinar o que chamamos de termo de recebimento, sendo um termo
de compromisso de que tudo que estava na nota fiscal foi entregue
adequadamente à unidade escolar.
Figura 1
Exemplares de itens do kit

1 2

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80’s Child/Shutterstock
Tapete alfabético encaixado. Alfabeto Braille.

3 4
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Reshetnikov_art/Shutterstock
Caixinha de números. Mouse estático de esfera.

No que diz respeito ao espaço das SRM, precisamos entender que


muitos alunos público-alvo da Educação Especial transitam nesse am-
biente. Por exemplo, crianças que fazem uso de cadeira de rodas, com
baixa visão e cegas, que precisam de espaços adequados para sua
orientação e mobilidade. Portanto, o espaço deve ser amplo o suficien-
te para realizarem um giro de 360 graus na cadeira de rodas, e com
mobiliário espaçado para que consigam se orientar.

5.3 Tecnologias assistivas e


Vídeo comunicação alternativa
O que são tecnologias? Primeiro, precisamos partir desse conceito para
podermos ampliar nossas discussões. Quando pensamos em ­tecnologias,
por obviedade, sempre estamos respondendo que tecnologias se restrin-
gem à internet, à inteligência artificial, aos computadores e aos celulares.

108 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Entretanto, vale ainda mencionarmos que tecnologia significa melho-
ria de processos, e procedimentos são instrumentos que podem ser uti-
lizados em quaisquer áreas para melhorar algo. Por exemplo, o quadro
escolar, o giz, o papel, o apagador também são considerados tecnologias,
haja vista que buscam melhorar o processo de ensino e aprendizagem.

Wunsch e Fernandes Júnior (2018) comentam que as tecnologias são


um conjunto de ferramentas, técnicas e metodologias que pode dar so-
luções a determinados conflitos. O termo tecnologia origina-se do grego
techné, que significa, de acordo com Wunsch e Fernandes Júnior (2018),
ofício, técnica ou arte.

Se pensarmos por essa perspectiva, podemos avançar um pouco


mais no conceito de tecnologias e afirmar que existem muitos tipos,
como as tecnologias da comunicação, físicas, digitais e analógicas.

Dentro ainda desse contexto, podemos atrelar mais de uma tecno-


logia ao desenvolvimento de um artefato, ou seja, um recurso ou pro-
duto. Essas tecnologias atreladas são capazes de estarem a serviço do
processo de inclusão educacional e social, por meio do que chamamos
de tecnologia assistiva e comunicação alternativa.

Iniciamos pela conceituação das tecnologias assistivas. Elas partem


de uma gama de recursos, metodologias e ferramentas capazes de au-
xiliar na aprendizagem e de melhorar a qualidade de vida das pessoas
com deficiência (física, auditiva, visual, intelectual). Também conse-
guem auxiliar pessoas com transtornos globais do desenvolvimento e
transtorno do espectro do autismo.

O Decreto n. 3.298/1999 conceitua as tecnologias assistivas como aju-


das técnicas, ou seja, “os elementos que permitem compensar uma ou
mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da ­pessoa por-
tadora de deficiência, com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras
da comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão so- Atenção
cial”. O artigo 18 do decreto menciona quais são essas ajudas técnicas: Devido à data de pro-
mulgação, o decreto usa
o termo portadora de
­deficiência. No entanto,
esse termo atualmen-
I. próteses auditivas, visuais e físicas; te não é mais usado,
inclusive o seu uso é
II. órteses que favoreçam a adequação funcional; ­condenado, dado o grau
pejorativo que ele carrega
III. equipamentos e elementos necessários à terapia e reabilitação da pessoa
consigo. Logo, o correto é
portadora de deficiência; pessoa com deficiência.
(Continua)

Inclusão na Educação Especial 109


IV. equipamentos, maquinarias e utensílios de trabalho especialmente dese-
nhados ou adaptados para uso por pessoa portadora de deficiência;
V. elementos de mobilidade, cuidado e higiene pessoal necessários para facili-
tar a autonomia e a segurança da pessoa portadora de deficiência;
VI. elementos especiais para facilitar a comunicação, a informação e a sinali-
zação para pessoa portadora de deficiência;
VII. equipamentos e material pedagógico especial para educação, capacita-
ção e recreação da pessoa portadora de deficiência;
VIII. adaptações ambientais e outras que garantam o acesso, a melhoria fun-
cional e a autonomia pessoal; e
IX. bolsas coletoras para os portadores de ostomia.

Costa et al. (2019) comentam que por meio das tecnologias as coisas
tornam-se mais acessíveis para as pessoas com deficiência, tornando
sonhos possíveis. As tecnologias assistivas (Figura 2) são instrumentos
para os mais diversos setores da vida dessas pessoas, na escola, no
trabalho, na família e na sociedade como um todo.
Figura 2
Exemplos de tecnologia assistivas

1 2
GUNDAM_Ai/Shutterstock

Andrey_Popov/Shutterstock
Garoto usando uma prótese auditiva. Auxílio para a vida diária e a realização de atividades
práticas do cotidiano.
MyImages - Micha/Shutterstock

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Roman Zaiets/Shutterstock

Exemplar de uma cadeira adaptada para crianças com Auxílio visando à mobilidade e adaptação de veículos.
deficiência.

110 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Essas tecnologias possuem o caráter principal de promover autono-
mia de quem as utiliza. Costa et al. (2019) mencionam que esses recur-
sos precisam apoiar e melhorar doze aspectos:

1 Auxílio para a vida diária e atividade práticas do cotidiano.

2 Possibilidade de comunicação alternativa.

3 Acessibilidade ao computador, como ampliação de tela e leitores.

4 Controle de ambientes na perspectiva sensorial.

5 Órteses e próteses.

6 Adequação da postura em diferentes ambientes.

7 Auxílio da orientação e mobilidade.

8 Leitores de tela e transcrição.

9 Audiodescrição.

10 Auxílio para melhoria da função da audição.

11 Mobilidade e adaptação de veículos.

12 Esportes adaptados.

Inclusão na Educação Especial 111


Sobre os recursos de vida diária, eles favorecem as atividades co-
tidianas, como as domésticas, fazendo com que o sujeito tenha mais
autonomia. Podemos dar como exemplo desses recursos a adaptação
de talheres, estratégias para vestir-se, barras de apoio em banheiro, es-
tabilizadores de mão para a escola, adaptadores de lápis, entre outros.

Outra possibilidade, também englobada dentro das categorias, são


os recursos de comunicação alternativa e aumentativa, que auxiliam
o processo de comunicação dos sujeitos. Pensemos em uma pessoa
com transtorno do espectro do autismo não verbal, que precisa se
comunicar, solicitar ajuda e até mesmo informar que está sentindo
dor. Para isso, temos recursos que nos auxiliam a mediar essa pessoa,
como os aplicativos de celular ou os Pecs de comunicação – aplicativos
e ­softwares que já possibilitam a transcrição da escrita em áudio com
frases assertivas para facilitar o entendimento.

O sistema de controle de ambiente serve para fornecermos um am-


biente adequado para as pessoas. São exemplos de possibilidades de
adequação do ambiente: controle de temperatura pelo celular, abrir e
fechar janelas e portas por controle de automação, modificação e con-
trole da intensidade da iluminação também pelo celular. Dentro desse
contexto também temos os projetos arquitetônicos que já se baseiam
em desenho universal: projetos já pensados na inclusão e no uso do
espaço por pessoas com deficiência.

Outra perspectiva engloba as órteses e próteses. As próteses são


recursos e equipamentos que buscam substituir determinadas par-
tes do corpo humano, por exemplo, uma perna mecânica. Já as ór-
teses são equipamentos que não substituem partes do corpo, mas
garantem melhoria daquela função, como andadores, bengalas, joe-
lheiras, entre outros.

Temos ainda os recursos que buscam prestar auxílio para a adequa-


ção postural, ou seja, com o trabalho de adequação postural consegui-
mos ter melhora da funcionalidade usando, por exemplo, as almofadas
no leito e os estabilizadores verticais.

Também temos os recursos de orientação e mobilidade, como as ca-


deiras de rodas, os andadores, as muletas e os carrinhos, que auxiliam
na locomoção daquelas pessoas que possuem mobilidade reduzida.

Ainda nesse contexto temos os recursos ópticos, que buscam au-


mentar a função visual, isto é, melhorar a capacidade de enxergar da-

112 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


queles que possuem dificuldade. Podemos exemplificar com os leitores
de tela, as lupas, as lupas eletrônicas, os mapas táteis, os ampliadores
de tela, entre outros.

No contexto da melhoria da autonomia para as pessoas com de-


ficiência auditiva temos como recursos os aparelhos auditivos, os
aplicativos de celular que fazem a transcrição de texto para Libras
ou áudio, inclusive celulares com função de vibração que auxiliam
nessa finalidade.

Outra perspectiva são os esportes adaptados. Na contempora-


neidade, existem até as paraolimpíadas, que são competidores com
as mais variadas deficiências competindo entre si em várias moda-
lidades esportivas, como futebol, vôlei, basquete, canoagem, ciclis-
mo, entre outros.

Portanto, se podemos adaptar os esportes, precisamos trazer isso


para nossa realidade, seja ela escolar, familiar, social – ou seja, traba-
lhar em prol da aceitação e autonomia.

5.4 Currículo inclusivo e adaptado


Vídeo
O que é currículo? Muitos podem dizer que currículo é o que leva-
mos na empresa para sermos contratados, ou ainda a plataforma de
currículo Lattes, mas e quando estamos tratando do contexto escolar?

Provavelmente podemos nos esbarrar na resposta de que, na esco-


la ou na universidade, o currículo é aquele cabedal de disciplinas que
precisamos cursar em determinado período para que possamos ser
promovidos para o grau seguinte.

Especificamente, currículo é um instrumento de transformação


e poder que emerge das desigualdades sociais. Em outras palavras,
por meio dele definimos o que é necessário que ocorra dentro dos
muros da escola, ou seja, são as habilidades, as atitudes, os con-
ceitos, as ­técnicas e os valores que queremos que nossos estudan-
tes desenvolvam enquanto estão conosco naquele ambiente de
transformação.

O currículo também perpassa a sala de aula, e uma das maiores


dificuldades dos docentes que trabalham com a Educação Especial é: o
que ensinar e como ensinar a esses estudantes?

Inclusão na Educação Especial 113


Para refletir

Percebamos que essas questões congregam um conjunto de elementos peda-


gógicos e didáticos e não apenas o currículo. Isso nos leva a outra pergunta:
será que existe uma problemática e ausência em uma formação docente que
seja consistente?

Pois bem, voltando ao currículo, o termo significa carreira e percur-


so (­MICHAELIS, 2023). Portanto, precisamos definir e fazer isso bem,
indicando qual percurso queremos que nosso estudante trace. Na
­perspectiva de Pedra (2000, p. 38), currículo é “um modo que a cultura
é representada e reproduzida no cotidiano das instituições escolares”.
Já ­Sacristán (2000, p. 13) define:
A prática a que se refere o currículo [...] é uma realidade prévia
muito bem estabelecida através de comportamentos didáticos,
políticos, administrativos, econômicos, etc., através dos quais se
encobrem muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de
racionalidade, crenças, valores, etc., que condicionam a teoriza-
ção sobre o currículo.

Portanto, o currículo parte de uma corporificação de elementos,


isto é, os didáticos, os pedagógicos, os escolares. Ele refletirá a ex-
periência da sociedade no campo da escola. Se analisarmos na con-
temporaneidade, tivemos vários movimentos curriculares, como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN), e hoje temos a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), que vai além de um ­compêndio de conteúdos a serem ensi-
nados pelos docentes.

De acordo com Brasil (2001), os estudantes com deficiência têm di-


reito a um currículo funcional, ou o que denominamos hoje currículo
adaptado, em suas várias instâncias – ambientais, pedagógicas, didáti-
cas e administrativas. Ainda nessa concepção é mencionada a questão
da avaliação, que precisa ser desenvolvida em sua justa medida, isto é,
dentro de uma funcionalidade para o estudante.

De acordo com as DCN (BRASIL, 2001), o currículo pode passar por


diversas adaptações, com o intuito de promover a melhoria do pro-
cesso de aprendizagem. Essas adaptações precisam perpassar pelos
aspectos listados no quadro a seguir.

114 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Quadro 2
Aspectos relacionados às adaptações curriculares

Essas adaptações perpassam tanto pelos aspectos da sala de aula, como


Organização do espaço e do mobiliário adequado, carteira adaptada para pessoas com deficiência física
ambiente físico e iluminação, quanto pelas adaptações de grande porte, como as de fora de
sala de aula (rampas e banheiros adaptados).

Essa seleção de tecnologias e materiais pedagógicos tem o intuito de favore-


cer o sujeito com deficiência, por exemplo, se temos que apresentar um fil-
Seleção de equipamentos me, precisaremos primeiro verificar se o filme é legendado ou dublado (se for
legendado, provavelmente a pessoa com deficiência visual não terá acesso).

Os objetivos precisam ser pensados com a perspectiva de que todos os al-


Adaptação dos objetivos de aula cancem, inclusive as pessoas com deficiência. Será necessária a adaptação
de materiais e planejamentos de aulas.

Quando necessário, deve-se ajustar os tempos e espaços escolares; caso o


Flexibilização do tempo estudante precise de mais tempo para realização de tarefas e provas, será
necessária a oferta para ele.

Há estudantes que precisam estar mais próximos do professor, nesse caso


Ajuste na posição poderemos mudar a disposição da sala e das carteiras, ou ainda o que cha-
mamos de mapa de sala.

É importante que tudo ministrado no quadro seja lido em voz alta para que
Leitura integral todos consigam entender do que está sendo tratado. Se possível, passar o
mesmo conteúdo de maneira visual.

Estimulação do desenvolvimento Estimular o prosseguimento na tarefa e utilizar os elementos do cotidiano para


de pesquisa ministrar o ensino e fazer com que a aprendizagem seja mais significativa.

Seleção de conteúdos Selecionar os conteúdos é responsabilidade dos docentes.

Utilizar estratégias de metodologias ativas, imersivas e tecnológicas para di-


Estratégias e metodologias versificação da forma como o conteúdo é ministrado.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Brasil, 2001.

Também devemos pontuar a necessidade constante de formação


de professores para contextos inclusivos e para a diversidade. Precisa-
mos a cada ano que passa ter docentes preparados para enfrentarem
novas síndromes, novos transtornos, para conseguirmos ofertar o me-
lhor a nossos educandos.

Desse modo, o currículo inclusivo visa garantir que todos os


alunos tenham acesso à educação de qualidade e estejam prepa-
rados para uma participação plena na sociedade. Ele reconhece a
diversidade como um valor e busca promover a igualdade de opor-
tunidades para todos os estudantes, independentemente de suas
capacidades ou deficiências.

Inclusão na Educação Especial 115


5.5 Avaliação na Educação Especial
Vídeo
Muitos pensam que avaliar é apenas a realização de provas para
apresentar um quantitativo que servirá para a aprovação ou reprova-
ção do estudante. Entretanto, a prova não é o único instrumento capaz
de medir ou verificar a aprendizagem.

A avaliação durante muitos anos foi vista de maneira punitiva, prin-


cipalmente na década de 1960 e 1970, em que o fracasso escolar no
país estava cada vez mais evidente. Desse modo, tanto o analfabetismo
quanto o analfabetismo funcional ganharam voz.

Nesse período, ficou muito em evidência a dificuldade da escola no


processo de ensino e ganharam vozes e ecos os centros de avaliação
médico-educacionais. Esses centros buscavam entender e avaliar os
estudantes que não se enquadravam no sistema de ensino, ou seja,
aqueles que não possuíam um rendimento escolar adequado.

Para tanto, em muitos momentos, essas crianças abaixo do desem-


penho escolar recebiam os mais variados diagnósticos, em muitos ca-
sos até errôneos, pois a escola nesse período se eximia de muitas das
situações relacionados ao fracasso escolar.

Mas por que estamos abordando isso? Justamente pelo fato de que
a avaliação perpassa por muitas dimensões e não apenas pela dimen-
são nota e aspectos quantitativos. Nesse sentido, cabe a definição de
Leite (2006 apud SANTOS; GUIMARÃES, 2017) sobre avaliação, que signifi-
ca atribuir importância, reconhecer seu mérito e torná-lo digno. A avalia-
ção está relacionada à construção de significados e conhecimentos sobre
pessoas, objetos, atividades e instituições, dentro de um contexto educa-
cional ou profissional ao longo de determinado período.

Pensemos: se estamos atribuindo valor, em nosso contexto edu-


cacional, valor não significa atribuição de pontuação e escalas de me-
dida. Desse modo, precisamos trabalhar os aspectos qualitativos em
detrimento dos quantitativos. A avaliação não deve ser punitiva, mas
deve auxiliar o docente a encontrar as fragilidades do estudante e
fazer com que elas sejam sanadas.

A avaliação precisa ser encarada como um instrumento de transfor-


mação e avanço da aprendizagem. Não podemos nos restringir a ape-
nas um único instrumento, afinal existem vários que podem auxiliar

116 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


no entendimento das necessidades de aprendizagem e das habilidades
desenvolvidas pelo estudante da Educação Básica.
Ao avaliar o professor deve utilizar técnicas diversas e instru-
mentos variados, para que se possa diagnosticar o começo, o
durante e o fim de todo o processo avaliativo, para que a partir
de então possa progredir no processo didático e retomar o que
foi insatisfatório para o processo de aprendizagem dos educan-
dos. (SANTOS; VARELA, 2007, p. 3-4)

Reforçando: são diversos os instrumentos, desse modo precisamos


avaliar as habilidades de socialização dos estudantes, de concentra-
ção, de atenção, de percepção de linguagem, de raciocínio lógico e de
­cooperação. Faremos essa avaliação de maneira multidisciplinar, ou
seja, com atividades escritas e orais, júri simulado, cartazes, análise de
filmes, jogos, séries de TV, atividades grupais, entre outros.

Santos e Guimarães (2017, p. 103), compreendem que se faz


­necessário “pensar a avaliação não como uma atividade ao final de um
período, pois a avaliação está intimamente ligada ao processo”. Portan-
to, quando pensamos dessa forma observamos que todo o desempe-
nho do estudante é levado em consideração no momento da avaliação.

Sobre isso, Russel e Airasian (2014, p. 12) explicam que:


Os professores fazem avaliações com muitos propósitos, já que
devem tomar decisões ao longo de todo o dia escolar. [...]. Esses
propósitos incluem estabelecer o equilíbrio em sala de aula, pla-
nejar e conduzir as aulas, organizar os alunos, dar feedbacks e in-
centivos, diagnosticar problemas e deficiências dos estudantes e
julgar e dar nota ao seu progresso e desenvolvimento acadêmico.

Observemos que a avaliação é um caminho para termos acesso ao


estudante em suas múltiplas dimensões – cognitiva, afetiva e psicomoto-
ra. Esses domínios estão intrinsecamente relacionados ao ser humano.

Em sala de aula, esses domínios se entrelaçam a um domínio maior,


que denominamos domínio da aprendizagem. Dentro do contexto da
avaliação, ainda temos o que chamamos de prova diagnóstica, que é um
instrumento que utilizamos para entender em qual estágio da aprendi-
zagem o estudante está. Essa prova é sempre realizada no início do pe-
ríodo letivo, ou sempre que recebemos uma criança de transferência.

Luckesi (2006, p. 81) comenta que a avaliação diagnóstica “deve-


rá ser assumida como um instrumento de compreensão do estágio
de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar

Inclusão na Educação Especial 117


decisões suficientes e satisfatórias para que possa avançar no seu
­processo de aprendizagem”.

Com base no erro do estudante na avaliação diagnóstica e nas de-


mais avaliações que aconteceram ao longo do ano, temos instrumentos
para entendermos em que ele precisa melhorar e em que nós precisa-
mos intervir de maneira mais pedagógica. Lorenzato (2006) comenta
que o erro pode ocorrer de várias formas: ausência de atenção, pressa,
chute, falta de estímulos significativos, dificuldade de interpretação e
até mesmo dificuldade com a língua materna, ou seja, problemas na
alfabetização e no letramento.

A avaliação na Educação Especial não é diferente. Ela é uma avalia-


ção que em muitos momentos precisa ser feita de maneira adaptada,
entendendo as potencialidades e as dificuldades apresentadas pelo es-
tudante e os sinais e sintomas trazidos por sua deficiência.

Com base nisso, apontamos os dez principais ajustes que os pro-


fessores precisam realizar quando estão avaliando o público-alvo da
Educação Especial no contexto da educação inclusiva (BRASIL, 2000):

1 Utilizar diferentes instrumentos de acordo com a deficiência do estudante.

Utilizar enriquecimento curricular quando se trata de estudantes com altas


2
habilidades e superdotação.

3 Desenvolver adaptação e ampliação caso o estudante tenha deficiência visual.

4 Ampliar o tempo para realização das atividades avaliativas em sala de aula.

5 Utilizar avaliação oral em caso de impossibilidade de expressão escrita.

Possibilitar aos estudantes com cegueira o uso do sistema Braille para realização
6
das atividades e avaliações.

Fazer o aproveitamento da aprendizagem em Libras nas avaliações do estudante


7
com deficiência auditiva.

118 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Propiciar informações que levem à tomada de decisão de encaminhamento dos
8 estudantes para o AEE ou apoio pedagógico durante a avaliação.

9 Fazer com que a avaliação seja formativa, compartilhada, cooperativa e significativa.

Deixar a família do estudante a par do contexto e dos instrumentos de avaliação


10 utilizados.

Desse modo, percebemos que avaliar na Educação Especial é uma


tarefa complexa que requer que o professor conheça muito bem seu
estudante, suas necessidades, dificuldades e potencialidades em pro-
fundidade. Por meio disso, o docente consegue pensar em estratégias
pedagógicas que consigam dar conta da oferta de conteúdo e respos-
tas de aprendizagem eficazes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O AEE, a SRM, a tecnologia assistiva, a comunicação alternativa e um
currículo inclusivo e adaptado desempenham um papel crucial na pro-
moção da educação inclusiva para alunos com deficiência. Essas abor-
dagens e recursos fornecem suporte individualizado e personalizado,
permitindo que os alunos desenvolvam suas habilidades e participem
plenamente do processo educacional, sem que se sintam excluídos.
Por meio de um processo avaliativo democrático e adaptável garan-
timos que cada aluno seja valorizado e tenha a oportunidade de desen-
volver todo o seu potencial. Logo, ao investirmos nessas abordagens e
recursos, estamos construindo uma sociedade mais inclusiva, que reco-
nhece a diversidade e o talento de cada indivíduo por meio da promoção
de práticas educativas inclusivas.

ATIVIDADES
Atividade 1
O que é AEE?

Inclusão na Educação Especial 119


Atividade 2
O que são tecnologias assistivas?

Atividade 3
Qual a importância da SRM na Educação Especial?

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WUNSCH, L. P.; FERNANDES JUNIOR, A. M. Tecnologias na educação: conceitos e práticas.
Curitiba: InterSaberes, 2018.

120 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


Resolução das atividades
1 Aprendizagem humana e desafios da inclusão
1. O que é a aprendizagem social?
A aprendizagem, em uma perspectiva social, está embasada nos
aspectos do meio e nas suas influências no desenvolvimento da
criança.

2. Qual é a importância da neurociência para a aprendizagem?


A neurociência é o conjunto de disciplinas que envolve o sistema
nervoso. Por meio dela conseguimos compreender quais são as
bases neurológicas da aprendizagem.

3. O que são dificuldades de aprendizagem?


As dificuldades de aprendizagem são barreiras no aprender, que são
passageiras e podem ter diversas causas (emocionais, ambientais,
pedagógicas, metodológicas e didáticas); com as intervenções
adequadas, elas podem ser sanadas.

2 História da Educação Especial


1. Como podemos caracterizar o período de extermínio?
O extermínio foi caracterizado como um período histórico em que as
pessoas com deficiência eram mortas ou deixadas no relento à sorte.
Isso ocorria em virtude de a sociedade acreditar que essas pessoas
causavam atrasos para a sociedade e para a vida em coletivo.

2. Como podemos caracterizar o período de segregação?


A segregação foi um período histórico em que as pessoas com
deficiência eram retiradas da sociedade e levadas a casas e asilos
para serem cuidadas.

3. Como podemos caracterizar o período da inclusão?


O período de inclusão é caracterizado por uma mudança de
paradigma, cultura e atitude da sociedade, com o intuito de realmente
incluir as pessoas com deficiência na escola e na sociedade.

Resolução das atividades 121


3 Legislação educacional e terminologia adequada
1. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), quem é a pessoa
com deficiência?
A pessoa com deficiência é aquela que vai para além de sua deficiência,
mas que possui dificuldades e potencialidades. As deficiências que
podem acometer o sujeito é a intelectual, a física, a sensorial que
pode obstruir a efetiva participação desse sujeito na sociedade.

2. Quais são os principais tipos de barreiras existentes que impedem


a pessoa com deficiência de participar efetivamente da sociedade?
Urbanística, arquitetônica, no transporte, na comunicação, e
informação.

3. O que é a acessibilidade?
Possibilidades e ofertas de condições para que a pessoa com
deficiência consiga alcançar com plenitude, segurança e sobretudo
autonomia os espaços públicos, urbanos, meios de transporte,
equipamentos, informações e comunicações.

4 Práticas pedagógicas e deficiências


1. Quais são os tipos de deficiência visual?
A deficiência visual apresenta dois tipos distintos, sendo a cegueira e
a visão subnormal ou baixa visão.

2. Quais são os níveis de deficiência intelectual?


No transtorno do desenvolvimento intelectual, ou simplesmente
deficiência intelectual, há quatro níveis de suporte, sendo os níveis
leve, moderado, grave e profundo.

3. Quais são os tipos de transtornos específicos de aprendizagem?


Os transtornos específicos de aprendizagem podem ser descritos
de acordo com o prejuízo acarretado, sendo prejuízo na leitura, na
expressão gráfica e na matemática.

122 Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva


5 Inclusão na Educação Especial
1. O que é AEE?
O AEE é um modelo de atendimento oferecido aos estudantes da
Educação Especial de maneira complementar ou suplementar no
contraturno.

2. O que são tecnologias assistivas?


As tecnologias assistivas são recursos capazes de auxiliar na
aprendizagem e nas atividades de vida diária das pessoas com
deficiência.

3. Qual a importância da SRM na Educação Especial?


A SRM é um ambiente onde ocorre o AEE, possuindo objetos
adequados para o desenvolvimento de habilidades dos estudantes.

Resolução das atividades 123


Fundamentos da Educação Especial na perspectiva inclusiva Gustavo Thayllon França Silva

213185
ISBN 978-65-5821-318-5

786558
9
Código Logístico

I0 0 0 8 4 9

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