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Psicopatologia geral II

Prof.Maria Antónia Carreiras

9º Aula Teórica – 3/4

Borderline – Estado limite

- O estado borderline é definido por pessoas que não são suficientemente saudáveis para
serem apenas neuróticas, nem suficientemente loucas para serem psicóticas

- Quem deu origem ao nome Borderline foi Eisenstein (1949)

- Características dominantes e gerais: relações inter-pessoais complicadas, havendo uma certa


dificuldade em manter as relações estáveis; afetos dominantemente negativos como a raiva,
registando-se uma vivência depressiva; identidade mal definida - falta generalizada de
identidade, o que resulta numa necessidade de tomar a identidade emprestada de outros.

- Relações inter-pessoais: procuram ativimente ter relações com o outro mas procuram não ser
abandonadas; são pessoas hipersensíveis ao mínimo sinal de abandono – aquilo colocam-se do
ponto de vista egocêntrico (leem sempre as manifestações do outro, como manifestações de
abandono)

- Querem muito o outro fixado nelas/ por perto investindo neles. Todos nós precisamos de
outros ao nosso lado, mas estas pessoas precisam de ter sempre o outro ao seu lado.

- O que necessitamos para nos sentirmos bem sozinhos? Temos de estar bem acompanhados
por dentro! Se não estão bem acompanhadas por dentro, é porque houve problemas na vida
que não os deixaram construir boas companhias dentro de si → Mas elas têm esperança! E
procuram outros que estejam ao seu lado, e que lhes façam esta companhia. Do ponto de vista
emocional, são muito egocêntricos, e imaginam o outro na sua interioridade. Focam-se muito
na sua interioridade e desejos. Quando o outro não lhes dá afeto, vêem isto como abandono e
rejeição, ficam zangados, e têm comportamentos relacionados com zanga (e daqui nasce a
agressividade e manipulação). Nesta medida, é difícil manter relações satisfatórias com
pessoas que vivem as relações desta maneira… muitas vezes quebram a relação! E assim, o
borderline confirma as suas fantasias de que vai estar sempre sozinho.

- São híper-vigilantes e hiper-sensíveis aos mínimos sinais de abandono

- Muitas vezes atacam o outro → Ele não aguenta → Corta relações → Reforça a sua própria
ideia que toda agente o abandona

- Dificuldade de se colocar no lugar do outro e imaginar o vivido do outro, ex: uma senhora
com funcionamento dominante borderline; relações amorosas caóticas e conflituosas; num
processo amoroso começou a viver com uma pessoa, ligava à pessoa, e se ela não atendesse o
telefone, ela pensava logo que ele estava a envolver-se sexualmente com outra →
Incapacidade de se colocar no lugar do outro e pensar na perspetiva do outro. Lêem o
pensamento do outro só em relação a si próprio (egocêntrico). O seu receio é de virem a ser
abandonadas. Nas relações de intimidade têm medo de perder a sua própria identidade (medo
de por amor ao outro fazerem coisas que não gostam de fazer…). Em toda a relação de
intimidade, existem momentos de perda de identidade, mas quem tem a sua identidade bem
definida pode perdê-la (por momentos…) mas sabe que volta a ela!

- Todo o ser humano se apaixona; primeiro há uma idealização do outro – mas só através do
desenvolvimento da relação é que podemos conhecer o outro, em geral, o boberline vê o
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outro de forma extremada: ou ele é maravilhoso, ou se não corresponder exatamente aquilo


que eu desejo, é um desastre! Isto pode acontecer em segundos, e por isso, anda sempre na
oscilação entre o maravilhoso e o horrível.

- Mecanismos psíquicos:

1. Clivagem: Apreendo o outro apenas nas suas qualidades positivas ou apenas nas suas
qualidades negativas. – Apreensão feita apenas pelo próprio. Aquele que eles escolhem como
parceiro amoroso, pode ser o melhor do mundo. Se apresenta 1, 2 ou 3 falhas, passa a ser
visto como uma besta! Daqui nasce o desejo de ele querer que o outro mude – através de
comportamentos manipulativos (como por exemplo, através da tentativa de suicídio), ou pode
cortar a relação (para se proteger a não sofrer mais).

- Afeto dominante – AGRESSIVIDADE – utilização de estratégias defensivas de clivagem e


idealização do outro é extremamente perturbada (resultado da clivagem: o mundo é
percebido a dois tons: ou é bom ou é mau em função do próprio).

- Problemática subjacente que é a problemática da separação (das dificuldades da separação),


conseguirmo-nos ver a nós próprios como separado do outro (nós seres humanos, vermo-nos
como únicos/ separados/ diferenciados do outro/ sozinhos) – é uma grande problemática do
ser humano, associado com a infinitude. É algo doloroso para todos nós, nascemos → estamos
confundidos com outro → e depois totalmente separados (para podermos levar a nossa vida
como indivíduos separados do outro). A separação só é suscetível de ser pensada/ aceite se
imaginarmos que entre nós e o outro existem pontes – pontes suscetíveis de serem
construídas. Estas pontes não são de pedra e cimento, são as pontes do afeto e da
representação. Eu tenho de ter o outro no meu coração, e imaginar que eu própria estou no
coração do outro, e que eu penso nele, e que ele pensa em mim. Nós não nascemos com isto!
Quando vamos crescendo, vamos contruindo estas pontes… contruímos com os nossos dados
biológicos, com a nossa capacidade de preceder/ captar as relações com o outro, e com base
naquilo que as pessoas à nossa volta de nos vai dando. Vamos contruindo (ou não)
representações de outro que pensam em nos, que nos amam, e que até podem já ter morrido,
mas que continuam dentro de nós como fonte de cuidados e afeto.

- Ao longo do percurso vamos contruindo objetos internos estáveis e segurizadores –


designação para termos dentro de nós/ na nossa mente, a imagem de outros que se
conservam dentro de nós.

- Kernberg levanta a hipótese que o sujeito borderline é um sujeito que dadas as vicissitudes
do seu desenvolvimento não pôde construir dentro dele um objeto interno estável e
segurizador, e na sua conceptualização, Kernberg baseia-se no desenvolvimento infantil
normal de uma senhora chamada Margarett Malher – esta senhora levantou hipóteses sobre o
desenv normal da criança entre os 0 e os 36 meses (aos 36 meses, a criança já deve ter um
objeto interno estável e segurizador). A partir da observação de crianças pequenas nas
relações com as suas mães, no que respeita ao processo de separação psíquica e
individualização (a isto ela deu o nome de processo de separação-individualização). Quando a
criança é pequenina não consegue tolerar a separação física da mãe, e à medida que vão
crescendo vão sendo capazes de estar longe das pessoas significativas – foram capazes de
construir dentro de si uma representação da mãe (consegue estar longe da mãe fisicamente,
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porque têm dentro delas uma representação da mãe.) Nesta processo, Malher fala de várias
fases, antes do ano e meio, a criança gatinha… rasteja… separam-se da mãe e vão explorar
(mas ainda não têm uma representação estável). Na última fase, há uma sub-fase de
reaproximação, que anda entre um ano e meio e dois anos, onde a criança já tem autonomia,
nomeadamente a autonomia motora – onde a criança precisa muito da atenção da mae → É
NESTA SUB-FASE que a criança que antes demonstrava independência da mãe, volta a dar
pistas sobre a necessidade de estar perto da mãe (nesta sub-fase de reaproximação, Kernberg,
coloca a hipótese que o bebe viveu problemas que não permitiu solidificar uma representação
estável e segura com a mãe) – Não lhe permitiu formar uma representação suficiente estável e
sólida, nesta medida, a criança arrasta isto para o resto da vida, e vai tentar sarar nas suas
relações com o outro. E vai procurar relações amorosas, mas sempre com as bases que ela
tem! E nestas bases, ela está sempre com a perspetiva de ser abandona ou de perder a
identidade na relação com o outro, e por isso, vai ser hipervigilante aos hipotéticos sinais do
outro de abandono, e vai proteger-se de ficar confundida e misturada na relação com o outro.

- Na fase anterior a esta – na fase de exploração – a criança antes dos 16 meses, fica
apaixonada pela exploração pelo mundo, o bebe nesta fase já se consegue deslocar e por isso,
alcançou uma autonomia que o enche de satisfação. Criança apaixonada pelas suas novas
potencialidades físicas – porque consegue chegar aqui e ali. Ex: fruto destas novas
capacidades, vê algo no fundo da sala, começa a gatinhar (como se não precisasse da mãe para
nada). A mãe pode viver isto de muitas maneiras… a mãe pode pensar: “o meu filho já não está
tao dependente de mim”; ou a mãe pode sentir-se abandonada! Há mães que ficam contentes
por ter bebes totalmente dependentes delas. A forma como a mãe vê esta capacidade
exploratória da criança depende das características da mãe. → Como se a mãe fosse um carro
e a mãe fosse uma bomba de gasolina (metáfora feita por M. Malher). CONTUDO, nesta fase a
criança ainda não construiu uma boa representação da mãe.

- Na fase seguinte, ela já explorou o suficiente… então ela precisa de novo de estar muito perto
da mãe, como será que a mãe vai viver esta nova reaproximação? As crianças podem ficar
muito caprichosas nesta fase. Como é que a mãe e a criança se vão “safar” desta nova
reaproximação? A mãe vai estar de novo disponível, vai voltar a dar-lhe atenção, e se a mãe
até lhe dá esta atenção, a criança será que consegue construir isto dentro de si? A forma como
a criança vive esta sub-fase vai ser essencial para a construção do seu mundo interno.

→ O que nos importa é a conceptualização de Kernberg

- Um borderline tem uma identidade difusa (não tem limites…) fica confundido entre ele e o
outro. O seu receio é ficar confundido com o outro nas suas relações de intimidade. Partindo
do pressuposto que lhe faltou um objeto de apoio ao seu desenvolvimento, temos aqui uma
depressão envolvida! Depressão devido à falta de apoio do objeto de amor. Que é no fundo
uma depressão por falta de apoio, porque faltou a pessoa que apoiasse do ponto de vista
afetivo, ou devido ao outro, ou por características do próprio. Não há uma fonte interna de
amor.

- Qnd alguém nos procurar e nos falarem da sua mãe, do seu pai, dos seus filhos… a pessoa
não está a falar destas pessoas! Está a falar da sua apreensão sobre as mesmas! Aquela mãe é
uma “péssima mãe” – apreensão da pessoa, que envolvem a mãe, as características da criança
e o cruzamento das duas.
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- Em geral, o borderline só tem em conta a sua perspetiva.

- Qnd a pessoa é muito frágil no ponto de vista narcísico, quando tem um pequeno problema,
torna-o enorme.

- Temos depressão (depressão anaquilitica – depressão devido à falta de afeto/ apoio/ falta de
investimento do objeto – precisamos de fonte de afeto interno (que cria estabilidade ao
sujeito) e externo – tem de existir apoio externo para construir o apoio interno) e identidade
difusa.

- O que estamos a falar é UMA conceptualização teórica. Tem sido observado que nos registos
das historias clinicas daqueles que são diagnosticados como borderline. Tem sido encontrado
na sua vida, instabilidade afetiva, maus tratos, abusos sexuais → Instabilidade afetiva.
Irregularidade de quem toma conta da criança. O que nos leva a confirmar estas hipóteses. Se
se tratam de relatos dos borderlines, já sabemos que são as suas apreensões.

- Há outro autor, que é o Bergeret, que se dedicou muito ao funcionamento borderline. As


suas hipóteses são conceptualizadas de forma diferente. Aquele que é borderline (do ponto de
vista etologico) terá conseguido ultrapassar problemas do desenv, que não conduziram a um
funcionamento psicótico, contudo viveu traumatismos sucessivos, ou um traumatismo muito
grande, que não permitiu a criança prosseguir o seu desenvolvimento num sentido neurótico.
E nessa medida, ficou ali paralisada no seu desenvolvimento, não pôde viver e ultrapassar o
complexo de edipo, e é como se entrasse precocemente numa pseudo latência (apoiada na
conceptualização de Freud) – a criança entra numa acalmia. E que a partir daqui, manter-se-á
numa organização de estado limite. Que sendo estável é facilmente destabilizada. Um
processo terapêutico pode levar com que esta pessoa se reorganize e se mantenha mais
tempo num funcionamento neurótico.

- No fundo o borderline é muito instável nas suas relações – tanto ama, como odeia, como usa
a manipulação (pode levar à tentativa de suicídio ou ao suicídio).

- O estado limite tem um sofrimento muito grande que se manifesta de forma diversa.

- Há indiv mais próximos do funcionamento saudável, e indiv mais próximos do funcionamento


psicótico.

GABBARD

Existem quatro padrões-chave que estão presentes nos indivíduos com síndrome de
borderline:

1. Raiva como o principal e único afeto


2. Defeitos nos relacionamentos interpessoais
3. Ausência de uma consistente identidade do self
4. Depressão difusa
Os pacientes boderline estão envolvidos em estabelecer relações individuais exclusivas sem
qualquer risco de abandono. Eles podem exigir esses relacionamentos como um direito que
sobrecarrega e afasta os outros. Além disso, quando eles se aproximam de outra pessoa, é
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ativado um conjunto de ansiedades. Por outro lado, começam a preocupar-se com o facto de
poderem vir a ser confundidos com outra pessoa e perderem a sua própria identidade.

Vivem sentimos imensos de ansiedade que provocam ataques de pânico ao pensarem ser
abandonados e rejeitados a qualquer momento. Como forma de se prevenirem ao abandono,
estes recorrem a gestos suicidas ou cortar os pulsos, esperando obter proteção da pessoa à
qual estão ligados. Estes momentos são caracterizados por fantasias de salvação, sentimentos
de culpa, transgressões de limites profissionais, raiva e ódio, ansiedade e terror e, profundos
sentimentos de desamparo.

Caracterizado por sintomas como: sintomas obsessivo-compulsivos, preocupações


hipocondríacas, sintomas conversivos, tendências paranóides, sexualidade preversa polimorfa
e abuso de substâncias.

1. Manifestações não-específicas de fragilidade do ego: Falta de tolerância à ansiedade;


Falta de controle de impulsos; Falta de canais subliminares desenvolvidos
2. Mudança em direção ao processo de pensamento primário: os pacientes tendem a
regredir para um pensamento semelhante ao psicótico na ausência de estrutura ou
sob a pressão de fortes afetos.
3. Operações defensivas específicas: Separação; Idealização primitiva; Formas arcaicas de
projeção, especificamente identificação projetiva; Negação; Onipotência e
desvalorização
As operações de separação na pessoa com organização borderline de personalidade
manifestam-se através de:

a) uma expressão alternante de comportamentos e atitudes contraditórias, com a qual o


paciente não se preocupa e nega;

b) uma compartimentalização de todas as pessoas no ambiente do paciente em grupos de


“totalmente boas” e “totalmente más”, com freqüente alternância do indivíduo de um grupo
para outro;

c) visões e imagens contraditórias de si mesmo e coexistentes (representações do self) que


alternam de dia para dia e de hora para hora.

4. Relações objetais internalizadas patológicas:Como resultado da cisão a pessoa com


organização borderline da personalidade não considera que as outras pessoas têm um misto
de qualidades positivas e negativas. Ao contrário, os outros são divididos em pólos extremos e
considerados, nas palavras de um paciente, como “ou bons ou demoníacos”.

O patologia borderline é caracterizada por um padrão global de instabilidade nos


relacionamentos interpessoais, da auto-imagem e dos afetos e acentuada impulsividade, que
se manifesta no início da idade adulta e está presente numa variedade de contextos. Ou seja,
existem:

1. esforços frenéticos no sentido de evitar o abandono real ou imaginário

2. um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado pela


alternância entre extremos de idealização e desvalorização
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3. perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da auto-imagem ou do


sentimento de self

4. Instabilidade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa (p.
ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer compulsivo).

5. Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento


automutilante

6. Instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade de humor (p. ex., episódios de
intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente durando algumas horas e apenas
raramente mais de alguns dias)

7. Sentimentos crônicos de vazio

8. Raiva inadequada e intensa ou dificuldade em controlar a raiva (por exemplo,


demonstrações freqüentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes)

9. Ideação paranóide transitória e relacionada ao estresse ou a graves sintomas dissociativos

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