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Psicologia Diferencial

A inteligência- introdução, teorias


psicométricas, fatoriais ou diferenciais
Índice

 Psicologia Diferencial: introdução, precursores, evolução e método


preferencial

 Teorias psicométricas, fatoriais ou diferenciais da inteligência


 Introdução
 Teoria bifatorial de Spearman
 Teoria multifatorial de Thurstone
 Teoria hierárquica de Burt e Vernon
 Teoria de Cattell
Psicologia Diferencial
Origem- alguns precursores

Teoria evolucionista: Charles Darwin (1809-1892)

Francis Galton (1822-1911)

Alfred Binet (1857-1911)

Cronbach, L. J. (1957) The two disciplines of scientific


psychology. American Psychologist, 12, 671-684.
Psicologia Diferencial
Origem: Lee J. Cronbach (1916-2001)
The correlational psychologist is in love with just those variables the
experimenter left home to forget. He regards individual and group
variation as important effects of biological and social causes. All
organisms adapt to their environments, but not equally well. His question is:
what present characteristics of the organism determine its mode and
degree of adaptation? (Cronbach,1957, p.441)
Psicologia Diferencial
Evolução

Psicologia Psicologia
Geral Diferencial Modelos teóricos de interação pessoa
X meio ou processos X contexto

Leis Gerais Diferenças Categorias mais finas: sujeito médio


individuais = abstração

Diferenças são Diferenças são Análise compreensiva e holística das


erros estáveis diferenças

Sujeito não é Situação não é Metodologias mais diversificadas


fonte de variação fonte de variação
Psicologia Diferencial
Método Comparativo: Quando?

Manipulação da variável independente impossível ou indesejável

Isolamento da variável independente impossível ou indesejável

Estudo em meio natural com variáveis heterogéneas


Psicologia Diferencial
Método Comparativo

• Comportamentos contextualizados

• Significação do estímulo

• Causalidade dinâmica e presunção de causalidade

• Consequências metodológicas

– amostras numerosas

– “controlo” estatístico das variáveis

– diferenças de médias e sobreposição das distribuições

– nível de significância e amplitude ou magnitude dos efeitos das


diferenças
Psicologia Diferencial
Método Comparativo: Instrumentos de medida
• Estandardização: uniformização dos procedimentos na administração e
cotação dos instrumentos - supressão da subjetividade?

• Padronização: um determinado valor ou score bruto é classificado tendo


como referência normas ou padrões (em geral percentis) - postulado da
normalidade.

• Qualidades psicométricas

- sensibilidade (valorização das diferenças)

- consistência interna (postulado da coerência)

- estabilidade (postulado da constância)

- validade (conteúdo, construto, de acordo com critério)


Psicologia Diferencial
Inteligência e Personalidade
(Chamorro-Premuzic & Furnham, 2006)
• Variáveis que ocupam uma posição central na história da Psicologia Diferencial;

• Essas diferenças podem ser quantificáveis recorrendo a instrumentos


psicométricos estandardizados;

• Os scores dos indivíduos nos testes de personalidade e inteligência (em


particular, não verbal) mostram relativamente pouca variabilidade ao longo da
vida (mas existe…);

• São determinadas, em grande medida, pela genética (mas também pelo


meio…);

• Preditores de um amplo número de resultados em termos de desempenho,


incluindo nos contextos educacionais e ocupacionais;

• Constructos psicológicos latentes, inferidos a partir dos seus efeitos,


observados em diferenças comportamentais entre indivíduos, sobretudo com
recurso a instrumentos de medida estandardizados de autorrelato.
Inteligência

O que é? Definição inteligência.

Quem é? Exemplo de pessoa(s) inteligente(s).

Como avaliar? Indicadoresde inteligência.


Inteligência?
Inteligência?
Inteligência?
Inteligência?
• Inteligência não pode ser observada diretamente;

• Inteligência terá de ser inferida a partir do desempenho das


pessoas em determinadas tarefas ou na resposta a
diferentes itens presentes em instrumentos de avaliação
estandardizados;

• Indicadores do que é a inteligência definidos por grupos


maioritários ou com mais poder.
Perspetiva psicométrica
Metodologia

Análise fatorial
delimita conjuntos de indicadores (comportamentos,
manifestações, …) sistematicamente associados
num grande número de pessoas
(postulados básicos: co-variação + constância + semelhanças +
diferenças intra e inter-individuais)

 dimensões psicológicas

 interpretadas em termos de traços


(características intelectuais internas e estáveis)
Perspetiva psicométrica:
teorias fatoriais

Construção de
Amostra numerosa ESCALAS
de INDICADORES de para medir as
inteligência dimensões nos
indivíduos

Identificação Organização Seleção


das das dos INDICADORES
ANÁLISE
DIMENSÕES Dimensões (itens)
FATORIAL da em mais representativos
inteligência TEORIAS da dimensão

Respostas (scores)
evidenciam o
NÍVEL INTELECTUAL
dos sujeitos
em cada dimensão
Teoria Bi-fatorial de Spearman (1863-1945)

• Teoria com fundamentação


empírica.

• Medição das diferenças


individuais em capacidades de
discriminação sensorial (som,
luz, peso, …) e estabelecimento
de relação com desempenho
escolar.

O elemento comum e essencial


da inteligência coincide com o
elemento comum e essencial nas
funções sensoriais.
(Spearman, 1904, p.269)
Perspetiva psicométrica
Antecedentes: Galton vs. Binet

Galton Binet
Enfoque nos processos cognitivos Enfoque nos processos mentais
elementares. complexos.

Inteligência pode ser medida O ato inteligente compreende 4


através das aptidões sensoriais dimensões: direção, compreensão,
discriminativas precisas invenção e crítica.
(Laboratório antropométrico).
Avaliação com recurso cumulativo a
Estudos de famílias ilustres e de 3 métodos
gémeos (origem genética da • médico (sinais anatómicos,
inteligência). fisiológicos e patológicos)
• pedagógico (conhecimento
Procura validar externamente adquirido)
procedimentos de medida. • psicológico (observação e medida
do nível de inteligência).
Teoria Bi-fatorial de Spearman versus Binet

Spearman
Binet
Abordagem ideográfica;
Abordagem nomotética;
Complexidade da
Recurso a metodologias Inteligência inteligência não pode ser
de medida simples e


medida com precisão e
abstrações matemáticas;
simplicidade
(“dessubjectivação do
Testes de Binet em nada
psiquismo humano”)
contribuem para
compreender fator g.
As elevadas correlações
podem ser explicadas por
diferentes conhecimentos
e aptidões
(que não o factor g).
Teoria Bi-fatorial de Spearman
fator g numa aceção fisiológica

Energia mental

FG

Eficácia das operações mentais


Teoria Bi-fatorial de Spearman:
fator g numa aceção psicológica -
leis de produção de conhecimentos

Teoria da Neogénese (1927))


1) Apreensão da experiência/significados
2) Estabelecimento de relações
3) Dedução de correlatos

Exemplo: analogias verbais


maçã --- macieira fruta pomar

pêra --- ? árvore pereira

Limitações: Fator G definido como a capacidade de um indivíduo raciocinar


de forma lógica, mas insuficiente para prever o desempenho em todas as
tarefas.
Teoria da Neogénese (1927)
Apreensão da experiência/significados

Capacidade para apreender ou codificar


informação (fundamentos) que chega
através dos sentidos (leitura das palavras e
registo na memória de trabalho).
Teoria da Neogénese (1927)
Estabelecimento de relações

Capacidade para inferir relações entre os


elementos individuais de informação
apresentada (e.g. dois primeiros elementos:
maçã e macieira). Pode implicar evocação de
informação armazenada na memória a longo
prazo.
Teoria da Neogénese (1927)
Dedução de correlatos

Aplicar a relação inferida no passo anterior a


um novo par de fundamentos (e.g., elemento
já fornecido – pêra – e uma das alternativas).
Há que descobrir o correlato específico para
a palavra e para a relação.
Teoria Bi-fatorial de Spearman
representação gráfica hipotética de
uma análise fatorial (em componentes principais)

g
verbal matemático
Teoria Bi-fatorial de Spearman

• Pessoas que demonstram uma elevada capacidade num tipo de


teste, tendem a obter também classificações elevadas em todos os
outros testes.

• Capacidade de inteligência geral – fator G – que estaria subjacente


a todas as funções intelectuais (principal fonte de variância).

• Reconhece posteriormente aptidões específicas – fatores S – que


estariam exclusivamente relacionados com os conteúdos de cada
teste (fonte de variância secundária).
Teoria Multifatorial de Thurstone (1887-1955)

A inteligência é uma ou várias coisas?


Fator G e fatores S inexistentes.

• 7 fatores de grupo independentes ou aptidões fundamentais, básicas ou


primárias, que explicariam conjuntamente toda a atividade cognitiva
(construção de uma bateria - PMA: Primary Mental Abilities).

• Uma determinada aptidão entra na realização de uma variedade de


tarefas: são as designadas aptidões primárias ou fatores de grupo. Por
exemplo, a compreensão verbal influencia quer a compreensão de um
texto, quer a resolução de problemas matemáticos.

• Conceção funcional e diferenciada da inteligência.


Teoria Multifatorial de Thurstone

Gerir
Aptidão
um projeto
Numérica
ou uma instituição
participar
Resolver Aptidão num
problema Verbal debate
complexo de
matemática
Fazer compras
Teoria Multifatorial de Thurstone
representação gráfica hipotética de
uma análise fatorial (em componentes principais)

Memória Raciocínio PMA numérico


PMA Compreensão
Espacial
verbal Fluência verbal

Velocidade
Teoria Multifatorial de Thurstone
Fator/Aptidão Descrição do Fator/Aptidão
Espacial (S spatial Capacidade de visualização de objectos num espaço bi ou multi-
visualization) dimensional.

Velocidade (P Capacidade de rapidamente e com acuidade visualizar pequenas


perceptual speed) diferenças ou semelhanças entre um grupo de figuras.

Numérico (N number Capacidade de lidar com números e efetuar rapidamente operações


facility) aritméticas simples.

Compreensão Verbal
(V verbal Capacidade de compreensão de ideias expressas por palavras.
comprehension)
Fluência Verbal (W
Capacidade de produzir rapidamente linguagem oral e escrita.
word fluency)
Memória (M Capacidade de evocar estímulos, como por exemplo pares de
associative memory) palavras ou frases, anteriormente apresentados.

Raciocínio (R
Capacidade de resolver problemas lógicos.
reasoning)
Teoria Multifatorial de Thurstone

Em vez de tentar descrever os dotes mentais de cada indivíduo


através de um único índice, como a idade mental ou o quociente
de inteligência, é preferível descrevê-los nos mesmos termos de
um perfil de todos os factores primários reconhecidamente
significativos…se alguém insistir em dispor de um único índice,
como o QI, é possível obtê-lo calculando a média de todas as
aptidões conhecidas. Mas um tal índice tenderá a obscurecer a
descrição de cada Homem, porque todas as suas potencialidades
e limitações mentais ficarão ocultas sob esse índice único.
Thurstone, 1946, p.110
Spearman/Thurstone: conciliação de posições

• Thurstone aceita mais tarde, além das aptidões primárias, a


existência de um fator g (de segunda ordem): o fator de
raciocínio indutivo (não há apenas vetores oblíquos, também há
correlação).

• Spearman aceita que o fator g não permite explicar tudo - há


que apelar às aptidões específicas.

• Distinção entre fator g, de grupo ou específicos não é


fundamental e depende de aspetos técnicos (e.g., da amostra,
do tipo de AF, se se procura a variância comum ou residual…).

• As duas perspetivas dificilmente se podem manter antagónicas,


diferindo apenas pela importância relativa que dão a cada tipo
de fator (geral ou de grupo), isto é, a forma como são
hierarquizados.
Modelo/teoria Unifatorial

Fator geral

D1 D2 D3 D4
Modelo/teoria Multifatorial

Aptidão Aptidão
Verbal Matemática

D1 D2 D3 D4
Modelo/teoria hierárquico/a

Fator
geral

Aptidão Aptidão
Verbal Matemática

D1 D2 D3 D4
Teoria Hierárquica
de Burt (1949) & Vernon (1961)

Ciryl Burt, acérrimo defensor da tese hereditarista, é acusado de 4


casos de fraude:

a. Invenção de dados acerca de gémeos verdadeiros (de cerca de 20 passou


para 53 pares) criados em ambientes distintos;

b. Manipulação de correlações (demasiado elevadas) entre parentes


próximos;

c. Anunciar, sem fundamento científico, que se observava um declínio da


inteligência na Grã-Bretanha;

d. “Parricídio intelectual”: assumiu que seria ele, e não Spearman (seu


mentor), o pai da análise fatorial.

In Gould, Stephen Jay (2004). A falsa medida do Homem


(edição Portuguesa, 2.ª edição). Vila Nova de Famalicão: Quasi
Teoria Hierárquica
de Burt (1949) & Vernon (1961)
Com base na análise fatorial
dos resultados da aplicação de
baterias de testes a 1000
recrutas do exército.

Concilia os resultados das


teorias anteriores:
a) existe um fator g no topo da
hierarquia,
b) contudo, é insuficiente para
explicar toda a diversidade do
comportamento 
necessidade de fatores de
grupo (grande, pequeno e
específicos)
Teoria Hierárquica de Burt (1949) & Vernon (1961)

G
Fatores de grande grupo
verbal-educacional (v:ed) percetivo-mecânico (k:m)
Fatores de pequeno grupo
verbal fluência numérico espacial físico psicomotor
Fatores específicos
ciências leitura pensamento divergente percetivo mecânico

ex.: resolução de exercício de matemática


Teoria Triádica de Cattell (1971)

• Teoria de Cattell concilia os


trabalhos de Spearman e de
Thurstone, a partir de análises
fatoriais mais complexas.
• Teoria triádica: assume a
existência de variáveis na
realização cognitiva a três
níveis – capacidades,
províncias e agências.

• Divisão do fator G em dois


factores de grupo principais,
correlacionados mas distintos,
(gc e gf), a inteligência fluida vs
inteligência cristalizada.
Teoria Triádica de Cattell
Capacidades
Características estruturais e funcionais do
cérebro (“expressão das propriedades
limitadas do cérebro”) .
Províncias gf
Capacidades sensório-motoras ligadas a
determinadas áreas do córtex
(“organização neural local”).

Aptidões/agências
• Competências adquiridas no decorrer da
socialização e aprendizagem. gc
• Investimento das potencialidades em
domínios particulares.
Inteligência Fluida vs. Cristalizada
de Cattell (1971)

“culture-bound
gf tests”
INTELIGÊNCIA FLUIDA
 capacidade biológica ou potência
intelectual do sujeito;
 apreensão de relações complexas;
 determina o modo como a
experiência é integrada (inteligência gc
cristalizada) INTELIGÊNCIA CRISTALIZADA
 capacidade intelectual do sujeito
que evolui ao longo do seu processo de
aculturação (experiências escolares e profissionais);
testes livres
dependente da inteligência fluida;
de cultura
 medida pela maioria dos testes de
inteligência atuais.
Teoria de Cattell:
Síntese dos trabalhos de Spearman e Thurstone

Spearman Thurstone

• Fatores de 2ª ordem
• gc depende parcialmente aproximam-se dos enunciados
de gf  Fatores s de por Thurstone: para além de gf
Spearman dependem em e gc, a visualização (pv),
memória ou evocação e
parte do fator g
fluência (gr) e velocidade
percetiva ou de realização (gs)
• Correlação considerável
entre gf e gc  • São mais gerais e secundários
subdivisões do fator g de para a explicação da
Spearman realização intelectual
Teoria da Inteligência Fluida vs. Cristalizada
de Cattell

Críticas

• Organização hipotética e não solidamente fundamentada.

• Deficiências metodológicas (testes com qualidades


psicométricas pobres).
Teoria e Cattell-Horn-Carroll (CHC)
das Habilidades Cognitivas (1993, 1994, 1998)
G (3.ª ordem)
2. ª ordem - Estrato II: Fatores Amplos
Conhecimento
quantitativo Velocidade
processamento

Proc. visual
Leitura e Memória Memória Velocidade
escrita de trabalho longo prazo Proc. Auditivo Cognitiva geral
Fluida Cristalizada
1. ª ordem - Estrato I: Fatores específicos

Raciocínio Produção oral


dedutivo e fluência
Informação geral
Raciocínio
indutivo Desenvolvimento Conhecimento
Raciocínio linguagem lexical
Raciocínio piagetiano
quantitativo
Avaliação das teorias fatoriais
vantagens e limitações
Dimensões latentes (fatores) ao funcionamento intelectual
identificadas a partir das diferenças individuais no
desempenho.

 AF permite condensar ou  As dimensões dependem dos


sintetizar informação; dados recolhidos (do que se
procura);

 Os modelos são, na sua


maioria, claros e derivados  As divergências entre autores
empiricamente; são mais aparentes do que
reais (número de fatores ou
sua hierarquização),
 Promovem a construção de
instrumentos estandardizados
(testes de inteligência).  Não é evidente que estas
dimensões correspondam à
estrutura real da mente.
Avaliação das teorias fatoriais

As teorias fatoriais pretendem evidenciar a estrutura da


inteligência mas não se debruçaram:

- sobre o seu funcionamento, i.e., os processos subjacentes à


realização de uma tarefa intelectual  teorias cognitivistas da
inteligência

- sobre fatores de natureza mais emocional, relacional ou


social  teoria abrangentes da inteligência

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