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Direito da União

Europeia I

Direito da União Europeia, Jónatas E. M. Machado – 3ª Edição

Aulas práticas do Doutor Eduardo Figueiredo

Ângela Almeida

1ª Turma teórica

Ano letivo 2020/2021


Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Capítulo I – História da Integração Europeia

1. Pré-história do Direito da União

A Europa, enquanto espaço de união e de fraternidade, não constitui uma ideia totalmente nova, fruto da coexistência
de interesses políticos, económicos, sociais e militares atuais; antes, ela remonta a uma vasta multiplicidade de
acontecimentos históricos de distintas índoles (os quais tiveram lugar, com especial acuidade, a partir do séc. XVII).

Contudo, revelou-se necessário que se verificasse o seu colapso com um conflito armado à escala mundial para que
fossem lançadas as bases de renovação e para que a ideia de uma nova ordem europeia ganhasse dinâmica.

Após a II Guerra Mundial, um conjunto de movimentos pró-europeus promoveu a necessidade de criação de um


espaço público e político europeu, o que conduziu à realização do Congresso de Haia (7 a 10 de maio de 1948). Aí
se destacaram duas tendências principais:

1. A que defendia a criação de organizações europeias intergovernamentais – unionistas;


2. A que afirmava a necessidade de um caminho de integração que conduzisse ao federalismo europeu
(federalistas – já com raízes em autores como I. Kant e J. J. Rousseau).

O impulso da necessidade e da influência de uma atmosfera de refundação das estruturas políticas europeias levaram
à criação e aparecimento de diversas organizações intergovernamentais e de organizações internacionais de
integração.

Winston Churchill, no seu famoso discurso de Zurique, a 19 de setembro de 1946, sustentou a refundação da família
europeia e a edificação de uns Estados Unidos da Europa. Este discurso acabou por conduzir ao surgimento do
Conselho da Europa – organização internacional de vocação paneuropeia –, embora tenha tido também uma
influência decisiva na construção das comunidades europeias.

De resto, no pós-guerra, assiste-se a uma proliferação de organizações de base regional europeia:

 BENELUX (Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo), em 1947;

 Organização para a Cooperação Económica da Europa (OECE), fundada em 1948, como resultado do Plano de
Marshall, sucedida, em 1961, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), uma
organização internacional (e não regional).
o Inicialmente, a OECE destinava-se à liberalização das trocas comerciais entre os seus estados-Partes.
Atualmente, desempenha um papel fundamental na ajuda aos países com níveis mais modestos de
desenvolvimento.

 Em 1948, foi assinado o Tratado de Bruxelas, que instituiu a União Ocidental (mais tarde, já em 1945, designada
“União da Europa Ocidental”), um compromisso de assistência mútua, em caso de agressão armada na Europa
(a UEA foi formalmente extinta em 2011).

 Mais tarde, em 1949, foi criada a NATO/OTAN, sob forma de uma aliança militar com o Canadá e com os Estados
Unidos.

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 O Conselho da Europa (1949), visando a promoção da cooperação política dentro da Europa e o respeito pelos
direitos humanos e fundamentais. Iniciou a sua atividade contando com dez Estados-Membros, integrando, hoje
47 Partes Contraentes.
o Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH, 1950) e a importância do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (TEDH).

 A União Europeia de Pagamentos (1950), destinada a ultrapassar o obstáculo da inconvertibilidade das moedas
europeias, eliminar as restrições quantitativas e suprir as relações comerciais bilaterais. Esta foi substituída, em
1958, pelo Acordo Monetário Europeu.

 A Declaração de Schuman (9 de maio de 1950, elaborada por Jean Monnet) deu origem à Comunidade Europeia
do Carvão e do Aço, pelo Tratado de Paris (assinado pela RFA, França, Itália e BENELUX), a 18 de abril de 1951.

↳ Assim, no plano político, existia o Conselho da Europa, no plano da defesa, a União da Europa Ocidental
(UEO) e a NATO/OTAN e, no plano económico, o BENELUX, a Organização para a Cooperação Económica da
Europa (OECE) e a União Económica de Pagamentos (UEP).

2. A CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço

O projeto europeu assentou em dois tratados fundadores. O primeiro, proposto por Robert Schuman e Jean Monet,
foi o Tratado de Paris, de 18 de abril de 1951, que entrou em vigor a 23 de julho de 1952, através do qual se instituiu
a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), tendo tido como contraentes a RFA, a França, a Itália, a Bélgica,
os Países Baixos e o Luxemburgo. Tratava-se de um importante fator de estabilização da Europa no pós-guerra,
sendo que o relevo económico destas matérias primas também era um fator essencial. A colocação das mesmas
sob o controlo de uma autoridade independente tornaria a guerra mais difícil e contribuiria para um desenvolvimento
mais harmonioso, caracterizando-se, a CECA, assim, pela sua supranacionalidade e federalismo funcional.

 Objetivo: criada com vista a superar a afirmação estrita de interesses nacionais, implementando mecanismos de
solidariedade entre os povos e procurando dar origem a uma verdadeira identidade europeia. Neste sentido,
dedicou-se:
o À manutenção da paz no Mundo e na Europa;
o À promoção da expansão económica, do emprego e da melhoria do nível de vida;
o À criação de um mercado comum para o carvão e para o aço, apesar do posterior declínio da
importância económica destes materiais.

 Estrutura institucional:
o O órgão primacial da CECA era designado de Alta Autoridade, o qual possuía poderes decisórios e era
composto por personalidades independentes, i.e., que atuavam no interesse geral da Comunidade;
o A Assembleia, que era composta por representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade.
Inicialmente, este órgão detinha apenas poderes de controlo;

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o O Conselho, que era formado por representantes dos Estados, surgia, em boa verdade, como um órgão
consultivo, com um estatuto algo limitado, muito embora partilhasse com a Autoridade a tomada das
decisões mais importantes (emanando o seu parecer conforme);
o No plano jurisdicional, foi concebido um tribunal comunitário com competência exclusiva para
assegurar o respeito do Direito na interpretação e aplicação do Tratado e dos regulamentos de execução.

 Previsão da existência de um recurso próprio, que permitia o financiamento da Comunidade (uma “imposição”
paga pelas empresas do setor, proporcionalmente ao seu volume de negócios).

 Em 2002, o Tratado de Paris caducou (passados 50 anos da sua entrada em vigor) e as atividades e recursos da
CECA foram absorvidas pela Comunidade Europeia (CE), hoje União Europeia (UE). Atualmente, esta matéria
encontra-se regulada no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

A inequívoca aceitação da dimensão supranacional da CECA criou alguma euforia europeísta, resultando em
tentativas de constituição de outras organizações internacionais (como é o caso da “Comunidade Europeia de
Defesa”, destinada à criação de um exército comum europeu, e da “Comunidade Política Europeia”).

Apesar de estes projetos não terem vingado, tal não eliminou a vontade de se constituírem outras Comunidades
Europeias que prosseguissem os esforços concretos de integração europeia.

Logo em 1955, na conferência de Messina, iniciaram-se as negociações com vista ao desenvolvimento de novas
instituições comuns, à integração progressiva das economias nacionais, à criação de um mercado comum (que
pressupunha, desde logo, a adoção das quatro liberdades dos fatores de produção – pessoas, mercadorias, serviços
e capitais – e algumas políticas comuns, como as políticas da concorrência, comercial e agrícola) e à harmonização
da política social. Tais esforços culminaram na emanação do conhecido Relatório Spaak (1956).

3. Tratado de Roma

Foi na sequência deste documento – Relatório Spaak – que, em 25 de março de 1957, se verificou a celebração, em
Roma, dos tratados institutivos das duas restantes comunidades europeias: a Comunidade Económica Europeia
(CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA ou EURATOM).

Previa-se um processo de integração por fases, começando na criação de uma união aduaneira e progredindo para
o estabelecimento de um mercado único, assente na livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais e
no direito de estabelecimento. Seguir-se-ia uma fase ulterior de união económica e monetária, visando o
desenvolvimento harmonioso e equilibrado das atividades económicas na comunidade.

Numa Convenção anexa ao Tratado de Roma estabeleceu-se o Tribunal de Justiça (TJUE) e o Parlamento Europeu
(PE), como órgãos comuns às três comunidades, e o Comité Económico e Social, como órgão comum da CEE e da
CEEA. Foi, ainda, assinado um Tratado relativo a certas instituições comuns.

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Vale notar que estes tratados fundadores das Comunidades (Paris e Roma) são instrumentos convencionais
multilaterais do Direito Internacional, quer do ponto de vista da respetiva validade, quer do ponto de vista do
procedimento de negociação, ajuste, aprovação e ratificação.

4. As “Comunidades Europeias”

5. História do Direito da União Europeia

Fase das Comunidades: até ao Tratado de Maastricht.

Fase da Transformação: inicia-se com a criação formal da União Europeia, a par das Comunidades e culmina na
refundação para-constituinte da Europa operada pelo Tratado de Lisboa.

Fase da União: a partir do Tratado de Lisboa.

6. O Tratado de Fusão

As três organizações (CEE, CECA e EURATOM) tinham os mesmos membros e modos de funcionamento
complementares, mas apresentavam órgãos separados.

A 8 de abril de 1965, foi assinado, em Bruxelas, o Tratado de Fusão, o qual:

 Procedeu à fusão de executivos (um Conselho e uma Comissão comuns às três comunidades);
 Criou um estatuto único para os funcionários e
agentes da Comunidade;
 Estabeleceu o princípio da unificação orçamental,
com raras exceções.

↳ É o chamado Quadro Institucional Único.

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7. Cimeira de Haia de 1969

Esta concretizou uma mudança significativa nos sentidos prevalecentes da história comunitária. Praticamente
completa a fase da implantação, dá-se o lançamento de três objetivos primordiais para o futuro, que constituirão o
tríptico comunitário:

 Alargamento (ao Reino Unido…);


 Aprofundamento (da UEM);
 Acabamento (da política agrícola comum).

Para além disso, destacam-se, nomeadamente, a ativação de um sistema de financiamento com base em recursos
próprios (19970), o estabelecimento do sistema de cooperação política (1970), a instituição do Tribunal de Contas
(1977) e a consagração do sufrágio universal direto para o Parlamento Europeu (1979).

8. Alargamento, Aprofundamento e Acabamento

Alargamento
1957 Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos
1973 Reino Unido, Irlanda e Dinamarca
1981 Grécia
1986 Portugal e Espanha
1995 Áustria, Finlândia e Suécia
2004 Chipre, Malta, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia e Eslovénia
2007 Bulgária e Roménia
2013 Croácia

Neste momento, são países candidatos à adesão a Macedónia e a Albânia e estão a decorrer negociações de adesão
com a Turquia (desde 2005) e com a Sérvia e Montenegro (desde 2014) – para aderirem à UE é necessário que se
verifiquem os requisitos e o procedimento constantes do Art. 49º do TUE.

Aprofundamento:

 Verificou-se, essencialmente, através da passagem de uma mera integração económica à introdução de


objetivos de pendor social e político;
 Destaca-se o papel essencial do atual TJUE nas primeiras décadas de construção do Direito da União, como
seu mais ativo interprete e instituição concretizadora;
 Releva formalmente a celebração do Tratado de Maastricht e do Tratado de Lisboa.

Acabamento:

 Este tem sido a característica mais acentuada e constante da construção comunitária, seja pela concretização
da versão inicial do Tratado de Roma, seja através de alterações graduais, mas necessárias, aos Tratados, em

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matéria de instituições, de orçamento comunitário, aperfeiçoamento de políticas e instrumentos existentes,


etc.

9. Ato Único Europeu

O Ato Único europeu levou a cabo reformas de alcance global do edifício comunitário, estabelecendo um
fundamento convencional autónomo para a cooperação política europeia. Assim se procurou dar resposta ao
ambiente de paralisia institucional vivido à época, ao défice democrático das Comunidades, à necessidade de
reformulação da política agrícola comum (PAC) e às exigências decorrentes da maior heterogeneidade de Estados
que compunham as Comunidades e da própria UEM. Foi assinado no Luxemburgo, em fevereiro de 1986, para vigorar
a partir do ano seguinte.

 Respeito pela democracia, Estado de Direito e direitos fundamentais, reforçando-se o processo de


“humanização das Comunidades”;

 Consagração formal do Conselho Europeu, sendo este órgão concebido como instância de cooperação política;

 Reforma do sistema institucional comunitário:


o Alargamento das matérias sobre as quais o Conselho passa a decidir por maioria qualificada (e não por
unanimidade);
o Criação de novos procedimentos de decisão (procedimento de cooperação e do “parecer favorável”) que
privilegiam o papel do Parlamento Europeu, conquanto não o elevam ainda a um verdadeiro órgão
legislativo da comunidade;
o A Comissão passa a ter competências de execução das normas estabelecidas pelo Conselho;
o Criação de um Tribunal de Primeira Instância (TPI), destinado a aliviar a sobrecarga do TJCE.

 Criação de novas políticas de:


o Harmonização fiscal;
o Cooperação no domínio da política económica e monetária;
o Investigação e desenvolvimento tecnológico;
o Ambiente.

 Promoção da coesão económica e social, preconizando-se o desenvolvimento harmonioso do conjunto da


Comunidade e a redução das diferenças entre as diversas regiões e do atraso das menos favorecidas (vejam-se
os instrumentos de coordenação dos fundos estruturais – FEOGA, FEDER e FSE);

 Cooperação em política externa, tendentes ao desenvolvimento de uma política externa e de segurança comum,
através do estabelecimento de procedimentos de consulta e informações mútuas;

 Redefinição dos conteúdos e fixação dos objetivos substanciais e temporais do mercado interno.

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10. Os Acordos de Schengen

A impossibilidade de atingir consensos em relação à abolição integral dos controlos das fronteiras internas
conduziram a que cinco Estados-Membros (Bélgica, Luxemburgo, Holanda, França e Alemanha) assinassem, em 1985,
o acordo Schengen.

Este documento tinha uma natureza meramente programática, identificando os setores em que era necessário
harmonizar as respetivas políticas e abolir definitivamente os controlos das fronteiras internas da Comunidade.

Em 19 de junho de 1990, os Estados-Membros da Comunidade, com exceção do Reino Unido e da Irlanda, assinaram
a Convenção de aplicação do Acordo Schengen, a qual definia as medidas de harmonização necessárias para abolir
definitivamente controlos das fronteiras internas da Comunidade.

11. O Tratado de Maastricht

Contexto histórico: queda do muro de Berlim (1989), reunificação da Alemanha, desagregação da URSS, guerra do
Golfo e a adesão dos países da EFTA às Comunidades Europeias. Neste contexto, a revisão dos tratados assegurava-
se imperativa para se avançar para estádios de integração mais profundos.

O Tratado de Maastricht (ou Tratado da União Europeia), de 7 de maio de 1992, marcará uma primeira alteração
radical no quadro institucional, económico, político e jurídico da integração europeia.

Através do mesmo, foi criada a União Europeia (UE), como estrutura externa e paralela às Comunidades (Rui Moura
Ramos afirma que, deste modo, se elevou o processo de integração ao “patamar superior do político”). A mesma
encontra-se fundada em três pilares essenciais:

 I Pilar (CE, antiga CEE; CECA e EURATOM):


o Liberdade de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais;
o Harmonização de políticas económicas;
o Estabelecimento de uma política monetária única.

 II Pilar – PESC (UE):


o Coordenação da ação dos Estados-Membros no plano internacional e no âmbito da política de defesa.

 III Pilar – JAI (UE):


o Cooperação dos Estados-Membros em matéria de justiça e assuntos internos (asilo, imigração, fronteiras
externas, criminalidade internacional, etc);
o Cooperação judicial em matéria penal e civil e de polícia.

↳ O II e o III pilares assumem uma lógica intergovernamental (competência do Conselho,


unanimidade na decisão; marginalização da Comissão e do PE).

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11.1. União Económica e Monetária

O processo de integração económica foi levado a cabo em diversas fases:

 1ª fase – União Aduaneira


o Livre circulação de mercadorias entre Estados-Membros, eliminando-se os direitos aduaneiros e as
restrições quantitativas;
o Criação de uma pauta aduaneira e de uma política comercial comuns.

 2ª fase – Mercado Único


o Aditamento das liberdades de circulação das pessoas, serviços e capitais.

 3ª fase – União Económica e Monetária


o Adoção de políticas económicas e sociais comuns, com vista a alcançar uma convergência económica e
uma maior coesão social.

A própria União Económica e Monetária (UEM) não foi, pois, concretizada de uma só vez. Antes se tratava de um
projeto a concretizar em diversas etapas, sendo que a última etapa só se consumou em 2002, com a entrada em
circulação da moeda única (o Euro).
A partir de 1999:
Criação de uma moeda única através de
1990-1999:
A partir de 1990: um sistema de gestão monetária
Convergência das políticas
Garantir-se a livre centralizada – criação do Sistema
económicas dos Estados-
circulação de capitais Europeu de Bancos Centrais (SEBC),
Membros
composto pelo BCE e pelos bancos
centrais nacionais
11.2. A “Europa dos Cidadãos”

A mais simbólica alteração deu-se com a introdução da cidadania da União Europeia (atribuída a quem tiver a
nacionalidade de um dos Estados-Membros). Esta pressupõe:

 Um direito de livre circulação e residência (Art. 18º CE);


 Um direito de sufrágio ativo e passivo nas eleições municipais e nas eleições para o Parlamento Europeu (Art.
19º CE);
 Um direito à proteção diplomática fora da UE, por qualquer Estado-Membro – proteção de urgência e
humanitária (Art. 20º CE);
 Um direito de petição e de queixa perante os órgãos da UE, como o Parlamento Europeu ou o Provedor de
Justiça Europeu (Art. 21º CE).

A cidadania europeia fundamenta também um estatuto de igualdade jurídica assente no princípio da proibição de
discriminação em razão da nacionalidade (Art. 12º CE), abrangendo tanto as discriminações ostensivas como as
subtis ou dissimuladas, sem prejuízo da existência de exceções.

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Nota-se que não existe uma “lei da nacionalidade” de âmbito europeu, definindo autonomamente, com base nos
critérios de jus solis ou do jus sanguinis, os critérios da aquisição e perda da nacionalidade. Em vez disso, o Art. 17º
CE remete para os Estados-Membros a definição dos critérios de atribuição da nacionalidade.

Alem disso, importa notar que o TUE foi o primeiro tratado a conter uma disposição no sentido de que a União
respeita os direitos fundamentais, tal como são garantidos pela CEDH, e tal como resultam das tradições
constitucionais comuns aos Estados-Membros enquanto princípios gerais de direito. Tal tendência estendeu-se,
igualmente, ao II e III pilares.

11.3. Consolidação do Acervo Comunitário

O Tratado de Maastricht veio consolidar o acerto comunitário adquirido, mediante:

 O alargamento das competências da UE (nos domínios da União Económica e Monetária, da educação e da


formação profissional, da cultura, da saúde pública, da proteção dos consumidores, das redes transeuropeias
e da política industrial);

 Imposição do respeito pelas entidades nacionais e da cultura dos Estados e introdução do princípio da
subsidiariedade;

 A unificação, desenvolvimento e aperfeiçoamento das várias políticas de ambiente, da proteção dos


consumidores e no âmbito da investigação e desenvolvimento.

É de notar que o Tratado de Maastricht se revelou, igualmente, aberto a mecanismos de flexibilidade e de


diferenciação. Veja-se, como exemplo, a introdução das chamadas cláusulas de “opt out” em matérias como a UEM,
a política social e os pilares intergovernamentais.

 Tal mecanismo permite que alguns Estados avancem para formas de cooperação mais estreitas, ficando à
margem os que não podem, ou não querem, participar.

11.4. Novidades no plano institucional

Principais modificações, no plano institucional (com vista a garantir maior legitimidade democrática, eficácia e
transparência):

 Parlamento Europeu
o No que respeita ao processo eleitoral uniforme, o PE passou a ter de dar um parecer favorável, ao
contrário do que sucedia antes;
o O PE viu serem-lhe concedidos, pela primeira vez, poderes de natureza legislativa (através do chamado
procedimento de codecisão ou de decisão conjunta Conselho/PE), bem como o aumento dos casos em
que se exigia o parecer favorável do PE;

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o São reforçados os poderes de controlo do PE, v.g. pelo poder que lhe foi concedido para constituir
comissões de inquérito e de exigência de apresentação de relatórios por parte de outros órgãos
comunitários;
o É-lhe atribuída competência para a nomeação do Provedor de Justiça Europeu e reforça-se o seu papel
no que respeita à eleição da Comissão, ao exigir-se aprovação parlamentar prévia do Presidente e do
Colégio de Comissários que os Governos dos Estados-Membros, por comum acordo, quiseram nomear
(Art. 214º CE).

 O Conselho viu alargado o âmbito material de aplicação do princípio maioritário, com prejuízo direto para o
funcionamento da unanimidade. Além disso, a sua decisão passou a estar sujeita a novos condicionamentos.

 O Tribunal de Contas é qualificado, pela primeira vez, como órgão de base da Comunidade Europeia;

 Criação do Comité das Regiões (Art. 263º CE).

12. Tratado de Amesterdão

O Tratado de Amesterdão foi aprovado em 2 de outubro de 1997, tendo entrado em vigor a 1 de maio de 1999. Com
ele pretendeu-se assegurar a manutenção e o desenvolvimento da União, a sua conformação como espaço de
liberdade, segurança e justiça e o reforço de alguns princípios que até então tinham ficado na penumbra (direitos
fundamentais, princípio da igualdade, princípio democrático, princípio do Estado de Direito, entre outros). Alterou o
Tratado da UE e os tratados das três Comunidades. Alguns dos seus principais contributos:

 Reforço da cidadania europeia e acentuação da vinculação da União e dos seus órgãos ao respeito pelos
direitos fundamentais e humanos (mormente aos direitos sociais fundamentais, pela referência expressa à Carta
Social Europeia e à Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores) e aos princípios
fundamentais da UE;

 Aprofundamento dos três pilares cooperativos:


o Aproximação dos dois pilares intergovernamentais (II e III) ao pilar comunitário (I), mormente ao nível
das fontes, órgãos e da fiscalização judicial dos atos e das normas;
o Criação de um Alto Representante para a PESC;
o Comunitarização de algumas matérias do III Pilar (políticas de circulação de pessoas, cooperação
judiciaria civil e cooperação administrativa – UE ➜ CE), alargando-se o escopo e alcance das medidas
jurídicas adotadas neste domínio.

 Alterações em matéria de repartição de atribuições entre a União e os Estados-Membros:


o Criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça, com a consequente comunitarização de alguns
aspetos do III pilar;
o Comunitarização dos acordos de Schengen;
o Integração do acordo social no Tratado CE (v.g., reforço da política de emprego);

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o Modificações de algumas normas relativas às políticas e ações comunitárias (ambiente, defesa dos
consumidores, saúde pública, cultura);
o Extensão das atribuições e competências externas da Comunidade.

 Alterações ao nível institucional:


o Reconhecimento da legitimidade judiciária do Tribunal de Contas;
o Fixação do número de 700 deputados no Parlamento Europeu; reconhecimento da impossibilidade de
adoção de um regime eleitoral comum; modificações no conteúdo e âmbito de aplicação material do
procedimento de codecisão, que passa a ser um modo comum de decidir na Comunidade (para
combater o déficit democrático);
o Alargamento das decisões do Conselho, tomadas por maioria qualificada;
o Alterações no modo de designação da Comissão (inexistência de fixação definitiva dos seus membros;
PE passa a ter voz ativa na designação do seu Presidente) que contribuíram para a afirmação da sua
“tripla dependência” face à maioria política do Parlamento;
o Reforço dos poderes do Comité das Regiões, numa tentativa de aproximação da UE e dos cidadãos.

 Aplicação generalizada do princípio da flexibilidade ou da diferenciação a todos os setores (exceto a PESC);

 Criação de um meio não jurisdicional ou político para sancionar os Estados-Membros: suspensão de direitos
de um Estado-Membro que não respeitasse os princípios da União.

A edificação da UE e da CEE tem dado mostras de uma grande flexibilidade, com a coexistência, no quadro
comunitário geral, de formas e graus diferenciados de integração, como sejam a União Europeia de Patentes, o
regime de Schengen e a Zona Euro.

13. Tratado de Nice

Mais recentemente foi aprovado o Tratado de Nice, que acabou por entrar em vigor no dia 1 de fevereiro de 2003.
Este visava preparar a União Europeia para as novas adesões e introduzir inúmeras modificações ao enquadramento
constitucional da UE e das Comunidades Europeias.

No âmbito institucional, é de destacar:

 Recomposição da Comissão, com a limitação do número de comissários; aumento dos poderes do Presidente
da Comissão; alteração do modo de designação da Comissão; reforço da sua colegialidade; alargamento do
seu poder de iniciativa, mormente no domínio da PESC.
 Complexa e dedicada reponderação do número de votos atribuídos a cada Estado-Membro, no Conselho;
alargamento das matérias objeto de votação por maioria qualificada, em detrimento da unanimidade;
reconhecimento de um direito de veto a cada Estado em matérias especialmente críticas (v.g., sistema fiscal,
segurança social, migração, asilo, estrutura institucional, etc.); novo limiar populacional (62%) nas
deliberações por maioria qualificada do Conselho.

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 Aumento das matérias adotadas por via do procedimento de codecisão entre o PE e o Conselho; aumento
do número de deputados do Parlamento Europeu (732) e redistribuição dos lugares entre os Estados-
Membros.
 Significativas modificações no sistema jurisdicional (p.e., criação de câmaras jurisdicionais e quebra do laço
exclusivo dos advogados gerais ao Tribunal de Justiça).

Cabe, ainda, destacar a importância deste Tratado:

 No reconhecimento (ainda que não explícito) da personalidade jurídica da União Europeia;


 Na modificação das normas referentes às políticas comunitárias;
 Na introdução de alterações no domínio da PESC e da CPJP;
 Na disciplina jurídica das chamadas “cooperações reforçadas” entre Estados da UE.

Do mesmo modo, procedeu-se à transferência para a CE das competências da CECA.

14. Projeto de Tratado Constitucional Europeu

O projeto de Tratado Constitucional Europeu (TCE) ou de “Constituição Europeia” foi assinado a 29 de outubro de
2004, em Roma. Este representava uma evolução no enquadramento jurídico e político da integração europeia, com
reflexos nos próprios ordenamentos jurídico-constitucionais nacionais.

 Assunção da União Europeia como polo subjetivo único (que sucede à CE e à UE stricto sensu considerada),
com a preocupação de se assegurar a continuidade das instituições e procedimentos, bem como a
integralidade do acervo comunitário.

 Abolição da estrutura dos três pilares, alicerçando-se a UE num pilar único;

 Revolução no quadro das fontes de Direito da União, passando os regulamentos a designar-se por “leis” e
as diretivas por “leis-quadro”.

 Alterações institucionais de relevo: por exemplo, o Parlamento Europeu assumia-se como legislador pleno
e como titular da estrutura jurisdicional da União; criação de novas figuras institucionais, como a do
“Presidente do Conselho Europeu” ou do “Ministro dos Negócios Estrangeiros da União”.

 Afirmação expressa do primado do direito comunitário sobre o direito nacional.

 Proclamação dos princípios da democracia representativa e participativa, destacando-se a iniciativa de


cidadania e o reforço do papel dos Parlamentos nacionais.

 Concessão de personalidade jurídica à União Europeia e criação de símbolos próprios (como um hino, um
lema, um “dia de festa” e uma bandeira).

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Este projeto de Tratado Constitucional Europeu acabou por ser afastado depois de um duplo “não” nos referendos
relativos à sua ratificação realizados na França (54,68% de votos contra) e na Holanda (61,7% de votos contra), em
2006.

15. Tratado de Lisboa

Após um “período de reflexão” de dois anos, o Tratado de Lisboa foi assinado a 13 de outubro de 2007 (mas só
entrou em vigor a 1 de dezembro de 2009). Este foi ratificado pelos parlamentos de todos os Estados, com a exceção
da Irlanda, que só o ratificou após um segundo referendo (2009). O mesmo assume-se como uma “solução de
compromisso” (Jónatas Machado). Por um lado, mantém algumas das características do PTCE, assinalando-se uma
clara continuidade entre um e outro. Por outro lado, introduz algumas alterações no equilíbrio institucional que
aquele propunha.

Diferenças (face ao TCE):

 O Tratado de Lisboa não revoga os Tratados anteriores e é fruto da aplicação normal do processo de
revisão ordinário dos mesmos (identifica o TUE – Tratado de Maastricht – e altera profundamente o TCE –
Tratado de Roma –, o qual passa a designar-se de TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
Esta solução compreende-se na medida em que a UE sucede às antigas comunidades. No seu conjunto, o
TUE e o TCE abrangem os Tratados que sustentam a estrutura institucional e normativa da UE.

 Não se pretendeu estabelecer explicitamente uma “Constituição” (em sentido formal). Os símbolos e a
linguagem constitucional são definitivamente afastados.

 Evita-se a discussão em torno da inclusão de um preceito que consagre expressamente o primado do DUE.

 O princípio da atribuição de competências é encarado de forma mais restrita, salvaguardando-se o


princípio da reversibilidade da atribuição.

 A livre concorrência é apresentada de forma mais mitigada e menos genérica.

 Às autoridades estaduais é deixada uma maior margem de discricionariedade na prestação, execução e


organização de serviços não económicos de interesse geral.

Alguns traços de continuidade (face ao TCE):

 Extinção da CE e fusão da mesma com a UE (a EURATOM continua, no entanto, a (co)existir).

 A CDFUE, embora não constando formalmente do Tratado, é expressamente elevada à mesma dignidade
normativa do TUE e do TFUE.

 Acolheu-se a figura do Presidente do Conselho Europeu.

 Substituiu-se a figura do “Ministro dos Negócios Estrangeiros” por um Alto Representante para os Negócios
Estrangeiros e Política de Segurança (ARUNEPS), que também é Vice-Presidente da Comissão.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Manteve-se a abolição dos três pilares, embora alguns autores, como Miguel Gorjão-Henriques, entendam
que estes apenas se tornaram menos visíveis, porque inseridos nas paredes mestras de um edifício que se
pretende único;
o Mantêm-se em vigor procedimentos especiais no domínio da PESC.

 Procedeu-se ao alargamento das competências da UE e a um “melhor recorte” das mesmas.

 Mantém-se o esforço em reforçar a democracia parlamentar, direta e representativa.

 Criação de mecanismos de democracia participativa, como a chamada “iniciativa de cidadania”.

 O PE viu reforçadas as suas competências legislativas (assume-se como colegislador por via do processo
legislativo ordinário e pelo processo legislativo especial), orçamentais, de controlo político (em relação ao
Conselho Europeu, Conselho e Comissão) e consultivas. No entanto, o princípio da atribuição de
competências é entendido de forma mais restritiva, salvaguardando-se o princípio da reversibilidade da
atribuição. O princípio da personalidade jurídica da UE é entendido como não abrindo as portas a qualquer
poder legislativo inerente.

 É atribuído aos Parlamentos Nacionais um papel de fiscalização da ação da União;

 O Tratado de Lisboa inclui, no processo de revisão, a realização de uma Convenção, à semelhança do que
sucedia com o projeto de TCE.

 No plano jurisdicional, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) é afetado em diversos aspetos. Este
inclui:
o O Tribunal de Justiça;
o O Tribunal Geral (antigo “Tribunal de Primeira Instância);
o Tribunais Especializados (antigas “Câmaras Jurisdicionais”).

 Elevação do Banco Central Europeu (BCE) à categoria de “instituição”.

Em suma…

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

16. Tratados da UE atualmente em vigor

 Tratado da União Europeia


o O qual se encontra dividido em seis títulos:
 I – Disposições Comuns
 II – Disposições relativas aos princípios democráticos
 III – Disposições relativas às instituições
 IV – Disposições relativas às cooperações reforçadas
 V – Disposições gerais relativas à ação externa da União e disposições específicas relativas à política
externa e de segurança comum
 VI – Disposições finais
o Um “tratado fundador”?

 Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia


o O mesmo resulta do Tratado que institui a Comunidade Europeia, seguindo a sua estrutura. As mudanças
fulcrais são a ação externa da UE e a introdução de novos capítulos, sobretudo relativos à política energética,
cooperação entre autoridades policiais e judiciárias em matéria penal, viagens aeroespaciais ou desporto e
turismo;
o Um “tratado de execução”?

 Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica


o Este Tratado foi apenas modificado pontualmente, tendo as suas alterações sido incluídas nos protocolos
inseridos em anexo ao Tratado de Lisboa.

17. A adesão à União Europeia

Os critérios de adesão à União Europeia foram formulados pelo Conselho Europeu de Copenhaga, em 1993. São eles:

 Critérios políticos: a estabilidade das instituições que garantem a democracia, o Estado de Direito, os direitos
humanos e o respeito pelas suas minorias e sua proteção.

 Critérios económicos: a existência de uma economia de mercado que funciona efetivamente e a capacidade
de fazer face à pressão concorrencial e às forças de mercado da UE.

 Critérios jurídicos: a capacidade para assumir as obrigações decorrentes da adesão à União Europeia,
incluindo a aceitação dos objetivos da União política, económica e monetária.

O processo de adesão é composto por três fases:

 Fase 1: o país manifesta a sua vontade em fazer parte da UE ou é-lhe oferecida essa possibilidade (“Qualquer
Estado europeu que respeite os valores referidos no Art. 2º e esteja empenhado em promovê-los pode pedir
para se tornar membro da União”);

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Fase 2: o país, uma vez satisfeitas as condições de adesão (o respeito pelo acquis communautaire), recebe o
estatuto oficial de país candidato à adesão;

 Fase 3: iniciam-se as negociações formais de adesão com o Estado peticionário, nas quais se acordam as
modalidades e os procedimentos de adoção da legislação aplicável à União Europeia.

Uma vez concluídas as negociações e as reformas que as acompanham, as conclusões e as condições são
incorporadas num Tratado de Adesão. Em seguida:

 O Conselho tem de aprovar o Tratado de Adesão, por unanimidade (após ter consultado a Comissão);

 O Parlamento Europeu tem de aprovar este Tratado de Adesão, por maioria absoluta dos seus membros;

 O Tratado de Adesão deve ser assinado pelos Chefes de Estado ou de Governo de todos os Estados-
Membros da União Europeia e do país candidato à adesão, sendo depois ratificado de acordo com as
respetivas normas constitucionais;

 Com o depósito dos instrumentos de ratificação, o processo de adesão é concluído e o Tratado entra em
vigor. O país candidato torna-se, assim, Estado-Membro da União Europeia.

18. Abandono de um Estado-Membro da União Europeia

Só com o Tratado de Lisboa é que se consagrou expressamente a possibilidade de saída voluntária para qualquer
Estado-Membro da União Europeia (Art. 50º TUE). Assim, “qualquer Estado pode decidir, em conformidade com as
respetivas normas constitucionais, retirar-se da União”, sem qualquer tipo de condição adicional.

A intenção de saída da UE é notificada ao Conselho Europeu. Na sequência, a União negocia e celebra com esse
Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, o qual é celebrado em nome da União pelo Conselho
(deliberando por maioria qualificada, após aprovação do PE).

 Qual o prazo para a realização da notificação? Preferência pelo critério do “prazo razoável”.
 Após a notificação, o processo de abandono da UE é reversível? Irreversibilidade vs Democracia.

Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir do momento em que o acordo de retirada entre
em vigor ou, na falta deste, dois anos após a notificação da intenção de saída da UE ao Conselho, a menos que o
Conselho Europeu, com o acordo do Estado-Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.

Não existe qualquer disposição sobre a exclusão de um Estado-Membro da UE, contra a sua vontade declarada,
mesmo em caso de graves e repetidas violações dos Tratados.

↳ BREXIT:

 Em 23 de junho de 2016, os cidadãos do Reino Unido votaram, por referendo, a favor da saída do país
da União Europeia.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 A 29 de março de 2017, o Reino Unido notificou formalmente o Conselho Europeu da sua intenção de
deixar a UE.
 Este moroso e árduo processo ficou marcado pelas suas sucessivas rondas de negociação (pelo menos,
sete) e por três pedidos, dirigidos ao Conselho Europeu, de prorrogação do prazo para se alcançar um
acordo de saída entre a UE e o Reino Unido.
 No dia 24 de janeiro de 2020, os presidentes Charles Michel e Ursula von der Leyen assinaram o acordo
sobre a saída em Bruxelas. Mais tarde, no mesmo dia, o documento foi assinado pelo primeiro-ministro
britânico, Boris Johnson, em Londres.
 A 29 de janeiro de 2020, o Reino Unido notificou a UE da conclusão dos seus procedimentos internos
necessários para a entrada em vigor do Acordo de Saída. No mesmo dia, o plenário do Parlamento
Europeu aprovou o Acordo de Saída.
 A 30 de janeiro de 2020, o Conselho adotou, por procedimento escrito, a decisão relativa à celebração
do acordo em nome da UE.
 A 31 de janeiro de 2020, pelas 00:00, entrou em vigor o acordo de saída. O Reino Unido deixou, então,
de ser um Estado-Membro da União Europeia e passou a ser considerado um Estado-terceiro.

19. Desafios e Dificuldades da União Europeia

 Geometria variável, uma “Europe à la carte”;


 Deficit de legitimidade da União?
o Maior relevo das instituições não eleitas – Conselho e Comissão – em face das eleitas diretamente –
Parlamento Europeu;
o A insuficiência de instituições políticas de nível intermédio (partidos políticos europeus) e a necessidade
de um processo eleitoral democrático e eficaz;
o A parca dimensão participatória da União Europeia;
o A falta de um demos verdadeiramente europeu (a cidadania da União Europeia como mecanismo que
não tem cimentado suficientemente a pertença à mesma);
o Profusão de agências e comités aos quais falta suficiente transparência e formas de responsabilização
(accountability);
o Procedimentos de tomada de decisão morosos e complexos.
 Crise económica e financeira e papel do Euro?
 Aumento do terrorismo internacional;
 Crise dos refugiados;
 Retirada do Reino Unido da União Europeia – Brexit?
 Pluralidade linguística no seio da União Europeia.

Capítulo III – Organização da União Europeia

I – Repartição de Competências

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

1. Princípios gerais de relacionamento da União Europeia com os Estados-Membros

 Princípio da Cooperação Leal, da Solidariedade ou da Lealdade

O princípio da cooperação leal (ou da lealdade europeia), consagrado no Art. 4º/3 TUE, baseia-se numa comunhão
de interesses que fundamenta deveres recíprocos de respeito, assistência e cooperação entre:

o A União e os Estados-Membros, e vice-versa;


o As instituições europeias entre si (Art. 13º/2 TUE);
o Os Estados-Membros entre si.

Este deve ser entendido como uma manifestação do princípio da boa-fé (que deve caracterizar as relações entre
Estados no âmbito do direito nacional), procurando o estabelecimento de relações baseadas na igualdade e na
reciprocidade, e do princípio da lealdade federal (caracterizador das relações entre Estados federados e Estado
federal). Ao seu conteúdo não é alheio, igualmente, o princípio pacta sunt servanda.

Apresenta um conteúdo positivo, no sentido de que os Estados devem tomar as medidas necessárias ao
cumprimento da missão da União (transposição de diretivas, por exemplo); e um conteúdo negativo, na medida em
que deve abster-se de praticar atos que ponham em perigo a aplicação dos Tratados.

O Art. 4º/3 TUE constitui uma das bases jurídicas mais invocadas pelo TJUE para fundamentar importantes e
inovadores princípios de Direito da União Europeia. O princípio da cooperação leal pode fundamentar a
responsabilidade dos Estados por incumprimento do direito comunitário, por ação ou omissão.

 Princípio do Acervo da União

Surgiu com o intuito de impedir a adulteração do caráter específico, inovador e autónomo das Comunidades e da
União e do seu Direito.

Atualmente, embora não esteja expressamente consagrado, este vetor principiológico pode ser retirado do Art. 1º,
para o Art. 3º do TUE. Este princípio possui uma vertente jurídica e outra política.

o Do ponto de vista jurídico, os novos Estados devem respeitar as disposições dos tratados originários e
dos atos adotados pelos órgãos da União.

o Do ponto de vista político, os novos Estados ficam vinculados pelas decisões e acordos adotados pelos
representantes dos Governos reunidos no seio do Conselho e por todas as declarações, resoluções ou
outros atos adotados pelos Estados-Membros, de comum acordo, em relação à União.

Este princípio sempre admitiu exceções e derrogações, como a previsão de períodos transitórios.

 Princípio do Respeito pela Identidade Nacional

O princípio da proteção das identidades nacionais (Art. 4º/2/4 TUE) confere aos Estados um direito subjetivo de
proteção em face da União Europeia e dos demais Estados-Membros. Na UE existem Estados unitários, regionais e

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

federais, com religião oficial ou regime de laicidade, monarquias ou repúblicas, regimes parlamentares ou
semipresidenciais, com ou sem tribunal constitucional ou, ainda, sistemas eleitorais proporcionais ou maioritários. O
Direito da UE não põe em causa a diversidade e integridade constitucional dos Estados-Membros.

O seu objetivo, inicialmente, consistia na proteção da identidade histórica e cultural; hoje, tem como objetivo a
proteção da identidade constitucional e da estadualidade interna (identidade jurídica – a União Europeia deve
proteger as funções essenciais do Estado, nomeadamente em sede de garantia da integridade territorial, manutenção
da ordem pública e da salvaguarda da segurança nacional).

Este não significa uma qualquer absolutização da soberania estadual interna e externa. O respeito pelas identidades
nacionais consagra uma “obrigação de ponderação” das identidades nacionais nos processos de decisão política,
legislativa, administrativa e jurisdicional da União Europeia.

2. Atribuições e Repartição de Competências

A União Europeia prossegue os objetivos que lhe foram definidos pelos Tratados, pelos meios adequados.

o A delimitação de competências está sujeita ao princípio da atribuição, princípio da especialidade de


competências ou princípio das atribuições limitadas.

o O seu exercício está sujeito aos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

o A sua repartição é levada a cabo de acordo com os princípios da competência orgânica limitada e do
equilíbrio ou da paridade institucional.

 Tipos de competências:
o Competências exclusivas da União Europeia;
o Competências partilhadas/concorrentes;
o Competências paralelas;
o Competências de coordenação e complementação;
o Competências exclusivas dos Estados-Membros.

2.1. Princípio das Atribuições Limitadas (Art. 5º/1/2 TUE)

Só são consideradas competências da União aquelas que resultam da especificação da transferência para a mesma
de poderes soberanos por parte dos Estados que a compõem (os quais mantém, em exclusividade, a “competência
das competências”). Tal processo é concretizado por via dos instrumentos de direito originário.

Trata-se da aplicação, no plano da UE, do clássico princípio da especialidade (que delimita a capacidade jurídica das
organizações internacionais e das pessoas coletivas de direito público ou privado).

As competências que não sejam expressamente atribuídas à União Europeia pelos tratados permanecem na
titularidade dos Estados-Membros.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

As competências comunitárias não se presumem, isto é, a União Europeia não pode criar novas competências, nem
extravasar os limites das que lhe foram atribuídas. Todos os poderes que exerce são “poderes conferidos”.

Exige-se, pois, que exista fundamento expresso para a atuação comunitária: são as chamadas bases jurídicas (norma
jurídica consagrada nos Tratados e que autoriza a União Europeia a agir).

Os atos comunitários devem, sob pena de invalidade, identificar a base jurídica que, no caso concreto, confere à
União Europeia competência para atuar.

Note-se que este princípio não se opõe, porém, à utilização de conceitos amplos e indeterminados na enumeração
dos poderes transferidos para a União Europeia, possibilitando um grau razoável de elasticidade na leitura e no
exercício das suas competências. Para além disso, ele não afasta a existência de poderes implícitos (Art. 352º TFUE).

2.2. Competências Exclusivas da União Europeia (Art. 3º TFUE)

Trata-se de uma categoria excecional e limitada, no âmbito da qual só a União pode legislar a adotar atos
juridicamente vinculativos. Em regra, os Estados apenas poderão intervir em caso de inoperância radical por parte
das instituições europeias.

Esta reserva de competências pode, no entanto, ser relativa, isto é, os Estados podem ser habilitados ou autorizados
a intervir nestes domínios pela própria União Europeia.

↳ Nesse caso, devem intervir na sua qualidade de gestores de interesse comum, fazendo-o em articulação
com os órgãos da União.

A atuação estadual sem habilitação expressa ou em violação dos respetivos limites dará lugar a uma ação por
incumprimento. Na falta dessa habilitação, aos Estados cabe apenas uma função complementar, de natureza
executiva (Art. 2º/1 in fine TFUE). Nas matérias reservadas à UE, os Estados não podem tomar a iniciativa através de
ato legislativo ou regulamentar. É a UE quem pode tomar decisões primárias. Aos Estados cabe apenas uma
intervenção secundária e subordinada.

Presentemente, o Art. 3º/1 TFUE atribui expressamente competência exclusiva nos domínios da:

a) União aduaneira;
b) Regras de concorrência necessárias ao mercado interno;
c) Política monetária para os Estados da Zona Euro;
d) Conservação dos recursos biológicos no âmbito da política comum de pescas;
e) Política comercial comum.

2.3. Competências Exclusivas dos Estados

A UE é uma associação de Estados soberanos, tendo, pois, como princípio retor o respeito pela estadualidade.
Reconhece-se, assim, a existência de prerrogativas de soberania justificativas da existência de matérias de
competência exclusiva dos Estados. Deste modo, as competências que não sejam atribuídas à União pelos Tratados
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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

pertencem aos Estados-Membros de forma exclusiva: elas têm, pois, uma natureza residual. Estas podem ser,
eventualmente, complementadas pela ação da União.

As mesmas compreendem, desde logo, domínios como a nacionalidade, a fiscalidade direta, a defesa da ordem
pública e a segurança nacional, competências estas que devem ser exercidas no respeito pelo DUE. O mesmo sucede,
além disso, em domínios tão diferentes como a tributação direta, organização da segurança social e do sistema de
saúde, ou a adequação de medidas adequadas a garantir a segurança interna e externa.

Problemática é a tentativa unilateral dos Estados de estabelecerem as matérias que consideram reservadas. Neste
contexto, os Tratados não deixam de representar uma restrição à “competência das competências” dos Estados-
Membros da União.

Pode, igualmente, haver lugar a derrogações (opting out) às normas da UE (por exemplo, no âmbito da união
económica e monetária e do espaço Schengen). O direito da UE tem um interesse fundamental na respetiva
obrigatoriedade e aplicação uniforme.

2.4. Competências Partilhadas ou Concorrentes (Art. 4º/2 TFUE)

Estão aqui abrangidas aquelas matérias em que, tanto os Estados-Membros, como a União Europeia são competentes
para intervir. Os Estados têm a “competência regra”, sendo a competência da União Europeia a exceção (a UE só atua
mediante respeito pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade). O Art. 4º/2 TFUE dispõe que as
competências partilhadas se aplicam aos domínios:

a) Do mercado interno;
b) Dos aspetos da política social relativos ao TFUE;
c) Da coesão económica, social e territorial;
d) Da agricultura e pescas;
e) Do ambiente;
f) Da defesa dos consumidores;
g) Dos transportes;
h) Das redes transeuropeias;
i) Da energia;
j) Do espaço de liberdade, segurança e justiça;
k) Dos problemas comuns de segurança em matéria de saúde pública, relacionados com o TFUE.

Note-se, ainda que, neste caso, os Estados exercem a respetiva competência, na medida em que a União Europeia
não tenha exercido a sua.

 Vale aqui a exigência de vinculação pelos fins dos Tratados ➜ o exercício destas competências por parte
dos Estados não pode colocar em causa as disposições e objetivos dos Tratados, e deve subordinar-se aos
princípios gerais do DUE, com principal relevo para o princípio da cooperação leal.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Regra da preempção de competências nacionais pela competência comunitária ➜ apontando para uma
ideia de precedência ou preclusão, estabelece que, à medida que se exerce a competência (interna ou externa)
da União, os Estados-Membros são gradualmente desapropriados da sua competência, até a perderem
definitivamente, passando a ter uma atuação meramente complementar ou executiva, subordinada à vontade
do legislador comunitário. Em última instância, este princípio pode conduzir a uma reserva de competências
por parte da União Europeia, passando os Estados a necessitar de habilitação expressa para nela poderem
intervir (Art. 2º/2 TFUE).

Pode o DUE estabelecer limites mínimos de proteção de direitos e interesses, deixando aos Estados-Membros a
possibilidade de reforçarem essa proteção.

2.5. Competências Paralelas (Art. 4º/3/4 TFUE)

As competências da União e dos Estados-Membros são paralelas quando admitem uma atuação paritária e
concertada das instituições comunitárias e nacionais, sem que haja lugar a qualquer exclusão ou preempção.

A União Europeia pode, portanto, definir e executar programas e desenvolver ações ou uma política comum, sem
que isso ponha em causa a competência estadual nestas matérias (Art. 4º/3/4 TFUE).

É o caso da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, e da cooperação e ajuda humanitária.

2.6. Competências de Coordenação e Complementação

O aprofundamento do processo de integração europeia requer um esforço de coordenação em vários domínios. O


Art. 7º TFUE consagra o princípio de integração de políticas e ações da União Europeia (que é reafirmado noutras
disposições, como nos Arts. 11º, 12º, 194º/1 TFUE), promovendo o desenvolvimento de iniciativas de apoio,
coordenação e complementação da ação dos Estados-Membros, no sentido de servirem finalidades europeias.

Assim sucede nos domínios:

a) Proteção e melhoria da saúde humana;


b) Da indústria;
c) Da cultura;
d) Do turismo;
e) Da educação, formação profissional, juventude e desporto;
f) Proteção civil;
g) Cooperação administrativa.

Uma vez adotadas as orientações, diretrizes e iniciativas europeias, os Estados devem segui-las de acordo com os
princípios da cooperação leal e da boa-fé.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

3. Princípio da subsidiariedade

Este princípio encontra-se consagrado no Art. 5º/3 TUE e aplica-se em matérias de competência
concorrente/partilhada, paralela e de coordenação/complementação (mas não de competência exclusiva da União
Europeia ou dos Estados), vinculando todas as instituições europeias, inclusive jurisdicionais. O seu alcance deve ser
determinado com o apoio complementar do princípio da proporcionalidade.

Tem como objetivos a preservação das prerrogativas de soberania dos Estados, o combate ao centralismo,
procurando aproximar a decisão o mais possível dos cidadãos e, por fim, a preservação das identidades regionais e
locais.

Este princípio incide sobre o exercício das atribuições. Segundo o mesmo, os Estados têm a “competência regra”,
sendo a competência da União a exceção.

O princípio da subsidiariedade, concretizado no Art. 5º/3 TUE, estabelece dois pressupostos cumulativos para
justificar a intervenção da UE:

1. Falta de eficiência da atuação dos Estados-Membros (ao nível central, regional ou local) ➜ os objetivos da
ação não podem ser tão bem alcançados pelos Estados;

2. Requer o valor acrescentado da atuação da União, tendo em conta a dimensão ou os efeitos da ação
considerada, nomeadamente na soberania dos Estados e nos direitos dos particulares ➜ os objetivos da
ação podem ser mais bem alcançados ao nível da União.

Como é feito o controlo do princípio da subsidiariedade?

 Controlo Ex Ante – cabe aos Parlamentos Nacionais velar pela observância do princípio da subsidiariedade.
No prazo de 8 semanas da receção de iniciativas legislativas comunitárias, podem os mesmos emitir um
parecer fundamentado acerca da observância ou violação deste princípio. Caso um terço dos Parlamentos
Nacionais entendam que o mesmo foi violado, tal projeto legislativo deve ser reanalisado.

 Controlo Ex Post – os atos comunitários são inválidos caso sejam emanados em violação do princípio da
subsidiariedade, podendo vir a ser anulados judicialmente.

4. Princípio da Proporcionalidade (Art. 5º/4 TUE)

Na delimitação da transferência de competências dos Estados-Membros para a UE vigora também o princípio da


proporcionalidade, indissociável do princípio da subsidiariedade, vinculando todas as instituições da União. Este
princípio assenta numa análise da relação entre fins e meios, exigindo legitimidade dos fins e a adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito dos meios relativamente aos fins ➜ Acórdão Fedesa (fins estes
que são dados pelo direito europeu originário). Aplica-se a todos os tipos de competências e respeita o âmbito e
intensidade do seu exercício.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Sendo a transferência dos poderes para a União Europeia um meio para atingir as finalidades substantivas dos
Tratados, o princípio da proporcionalidade exige uma limitação material e formal das medidas tomadas para a
prossecução das mesmas.

 Adequação ➜ exigência de eficácia da ação da União Europeia na realização do efeito pretendido, isto é,
escolha dos meios apropriados, razoáveis e idóneos para a prossecução do fim.

 Necessidade ➜ adoção da medida que seja menos onerosa, quer em termos financeiros, quer do ponto de
vista da ingerência na soberania dos Estados (adoção da medida menos detalhada possível; prevalência das
Diretivas sobre os Regulamentos).

 Proporcionalidade em sentido estrito ➜ evitar todas as medidas comunitárias que possam ter mais custos
do que benefícios (relação de justa-medida).

Visa preservar a autonomia decisória e normativa dos Estados-Membros, dando preferência a formas de atuação da
União de caráter não cogente e de intervenção menos intrusiva. Uma correta aplicação do princípio da
subsidiariedade e da proporcionalidade requer a promoção de amplas consultas e publicação dos textos a elas
relativos, antes da apresentação de propostas com medidas comunitárias, acompanhada da publicação dos
respetivos textos.

5. Princípio da Cooperação Diferenciada

O ideal regulativo da UE é a prossecução dos respetivos objetivos pela União no seu conjunto, num acervo de
igualdade de direitos e deveres dos Estados-Membros. Todavia, na prática, nem todos os Estados têm condições
políticas, económicas ou sociais para estarem igualmente envolvidos no processo de integração europeia, tornando-
se evidente a necessidade de introduzir mecanismos de maior flexibilidade. Através do princípio da cooperação
diferenciada, o qual tem uma aplicação residual, a integração europeia passa a ser levada a cabo de forma flexível,
admitindo-se soluções jurídicas diferenciadas.

Como se manifesta este vetor?

1. Procura de níveis mais elevados e profundos de cooperação, numa atitude mais proativa: são as cláusulas
de cooperação reforçada (cujo regime foi profundamente alterado com o Tratado de Lisboa). No fundo,
referimo-nos à faculdade concedida aos Estados-Membros de procederem a um aprofundamento da
cooperação dentro do quadro normativo e institucional dos Tratados. Esta solução é adotada pelo Conselho,
como ultima ratio, por um número mínimo de nove Estados (Art. 20º TUE). Para a sua ativação devem ser
respeitados certos limites:

 Materiais:
 Não podem estar em causa competências exclusivas da União;
 O princípio da atribuição deve ser respeitado e deve favorecer-se a realização dos objetivos da UE
e de integração;

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Dever de respeitar os Tratados, não prejudicar o mercado interno e não colocar em causa a coesão
económica, social e territorial (Art. 326º TFUE);
 Dever de respeitar os direitos e obrigações dos Estados-Membros não participantes, não
dificultando o seu exercício (Art. 327º TFUE);
 Não pode constituir uma restrição ou discriminação ao comércio entre Estados-Membros, nem
distorcer a concorrência.

 Formais e procedimentais (Art. 320º TFUE).

2. Derrogações à aplicação de normas da UE, de acordo com uma postura mais passiva (os opt-outs). As
derrogações à integração impedem a aplicação de determinados direitos e deveres aos Estados criados pelo
DUE. Estas podem ser:

 Voluntárias (solicitadas pelos Estados no momento da adesão ou posteriormente);


ou
 Obrigatórias (aplicada objetivamente aos Estados que não preencham um determinado conjunto de
requisitos.

 Temporárias (com termo resolutivo);


ou
 Permanentes (sem qualquer termo – o que não significa que tenham de ser “para sempre”).

6. Repartição de Competências

Os princípios de repartição de competências entre instituições e órgãos da União são princípios de direito
constitucional da União Europeia.

6.1. Princípio da competência orgânica limitada

Os tratados procedem à especificação de competências, procedimentos e formas das instituições e órgãos da União
(Art. 13º/2 TUE). Logo, deve sempre existir um fundamento orgânico, procedimental e formal para a atuação das
instituições da União Europeia.

 Princípio da tipicidade orgânica ➜ as instituições ou órgãos só podem atuar se para isso estiverem
habilitados por uma norma de competência ➜ invalidade do ato.

 Princípio da tipicidade dos procedimentos ➜ os procedimentos e formas dessa atuação têm de


observar, igualmente, as normas que tipificam as correspondentes regras (ex.: exigência de uma certa
maioria – Art. 121º/4 TFUE –, proposta da Comissão – Art. 75º TFUE –, consulta a outros órgãos – Arts.
50º/1, 77º/3 e 127º/6 TFUE –, adoção do procedimento legislativo ordinário – Arts. 46º e 48º TFUE –,
procedimentos legislativos especiais – Arts. 64º/3 e 115º TFUE –, etc.) ➜ ilegalidade procedimental do
ato.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Princípio da tipicidade das formas ➜ exigência da observância de uma forma específica (Regulamento
– Arts. 85º/1 e 88º/2 TFUE –, Diretiva – Art. 82º/2 TFUE –, Regulamentos e Diretivas – Art. 103º/1 TFUE –,
Decisão – Arts. 83º/1 e 96º/2 TFUE – ou de Recomendações – Art. 121º TFUE) ➜ ilegalidade formal do
ato.

6.2. Princípio do equilíbrio ou da paridade institucional ➜ separação dos poderes

 Igual dignidade institucional ➜ todas as instituições executam diretamente os Tratados e, portanto,


nenhuma pode pretender sobrepor-se às outras ou interferir no exercício das respetivas prerrogativas.
 Equilíbrio institucional.

Assim se garante a autonomia orgânica e funcional das instituições, precludindo quaisquer tentativas de interferência
das esferas de competência umas das outras, sem que isso exclua a existência de poderes de controlo recíprocos
(checks and balances).

Encontramos, pois, uma estrutura dialógica de coordenação, colaboração e interdependência no exercício de


diferentes funções:

Poder Executivo Poder judicial


Poder legislativo
Comissão Tribunal de Justiça
Comissão
Conselho Tribunal Geral
Conselho
Conselho Europeu Tribunal de Contas
Parlamento Europeu
Estados-Membros

7. Princípio dos Poderes Implícitos (Integração de Lacunas)

O princípio da atribuição limitada de competências comunitárias não exclui a consideração dos poderes implícitos.
Por esta via se permite a atuação em domínios de atividade próximos das atribuições da UE, mas que não estão
expressamente previstos em normas de competências, quando tal se mostre necessário à prossecução de objetivos
funcionais. É um meio de integração de lacunas dos Tratados quanto às competências da União.

Exemplos:

 Competências não escritas, mas logicamente necessárias ao exercício das competências por atribuição (por
exemplo, assunção de competências externas em matérias em que à UE foram atribuídas competências
internas – Acórdão AETR, 1971; Arts. 3º/2 e 216º TFUE) ➜ princípio do paralelismo de competências (este
princípio não opera, porém, de forma automática ou necessária. Supõe que a competência interna seja
exercida antes ou ao mesmo tempo da externa – Ac. Céu Aberto);

 Admissão da competência da Comissão para tomar medidas cautelares (Ac. Camera Care, 1980);

 Se o Conselho pode impor sanções económicas aos Estados, também pode impor smart sanctions aos
indivíduos e pessoas coletivas desses mesmos Estados (Ac. Kadi v. Conselho, 2008).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Há quem vá mais longe e se refira aos chamados “poderes inerentes”, deduzidos das necessidades concretas da
organização e baseados na premissa de que as ações que não são expressamente precludidas pelos Tratados são
admitidas quando inerentes a uma organização supranacional (este entendimento é bastante duvidoso).

8. Unidade de Sentido dos Tratados (Integração de Lacunas)

Apesar de anteriormente existirem várias organizações internacionais distintas (CE, CEEA, CECA e UE em sentido
estrito), cada uma delas com Tratados próprios, é possível dizer-se que existe uma unidade em sentido desses
mesmos Tratados, especialmente considerando que os seus objetivos e mecanismos são essencialmente os mesmos.

Assim, se uma determinada questão não foi regulada num dos Tratados (estamos ante uma lacuna) e a resposta a
essa mesma questão for razoavelmente conforme nos demais (fala-se de uma “identidade substancial”), podem ser
aplicadas as normas desse(s) outro(s) Tratado(s).

Este meio de integração de lacunas não pode ser utilizado, porém, quando a diferença entre as disposições não seja
acidental, mas sim propositada.

Atualmente, com a extinção da CECA e a fusão da CE com a UE, tem-se entendido o seguinte:

 O Tratado da CEEA está desatualizado e, por isso, as suas disposições não podem ser utilizadas para
completar as lacunas do TUE e do TFUE;
 No entanto, o TFUE e o TUE podem ser utilizados para integração de lacunas do Tratado da CECA.

9. Cláusula da Flexibilidade – Art. 352º TFUE (Integração de Lacunas)

Se uma ação da União for considerada necessária (i), no quadro das políticas definidas pelos Tratados (ii), para atingir
um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados – Art. 3º TUE (iii), sem que estes tenham previsto (explícita ou
implicitamente) os poderes de ação necessários para o efeito (ou a base jurídica seja insuficiente) (iv):

Proposta da Comissão A Comissão alerta os


Parlamentos Nacionais
Controlo da
Aprovação pelo Parlamento Europeu
Subsidiariedade

O Conselho adota, por unanimidade, as


medidas necessárias (vincula os Estados-
Membros à decisão tomada)

Este artigo não pode servir de fundamento à prossecução de objetivos no âmbito da política externa e de segurança
comum (e qualquer ato adotado deve respeitar o disposto no segundo parágrafo do Art. 40º TUE).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Pelo risco de se modificar o equilíbrio institucional existente entre a União Europeia e os Estados-Membros, o Tribunal
de Justiça já afirmou que existem certas condições com base nas quais se pode lançar mão deste mecanismo (Parecer
TJCE, nº 2/94, de 28 de março de 1996):

 Respeito pelo princípio da especialidade das atribuições ➜ ou seja, o Tratado tem de ter plasmado os
objetivos, faltando apenas poderes para que a União Europeia possa agir;
 Respeito pela Constituição Comunitária, não se procedendo à sua alteração ou ampliação;
 Não se pode utilizar este mecanismo com vista a dar-se um salto qualitativo, mas apenas quantitativo na
integração ➜ ou seja, só podem ser aumentados ou ampliados os poderes já previstos;
 O uso da competência deve ser necessário e respeitar o princípio da subsidiariedade.

II – Instituições Europeias

1. Amplitude das responsabilidades funcionais

As instituições europeias desempenham um papel decisivo no processo de decisão da UE e na dinamização e


promoção das suas finalidades. As mesmas exercem as suas funções autonomamente, de acordo com as atribuições
e competências que lhes são tipificadas nos Tratados, e numa posição de paridade. As suas responsabilidades
funcionais abrangem todas as áreas de atividade da UE.

Enquanto a atividade dos órgãos da UE assume uma natureza preponderantemente jurídica e supranacional no
âmbito do mercado interno, já no que diz respeito à política externa e de segurança e à cooperação policial e
judiciária, a mesma assume, em maior medida, uma coloração política e intergovernamental. À amplitude das
responsabilidades funcionais das instituições da UE não é alheio o objetivo de assegurar uma maior legitimidade das
mesmas, num contexto de otimização funcional, bem como a vontade de, a prazo, consolidar e integrar toda a
atividade da UE nos mais diversos domínios.

2. O Quadro Institucional Único

 Instituição (Art. 13º TUE) ➜ quadro institucional essencial para a promoção das finalidades dos Tratados; são
“órgãos com particular dignidade política”, porque participam no procedimento decisório e resolvem
contenciosamente litígios.
o Parlamento Europeu
o Conselho Europeu
o Conselho
o Comissão Europeia
o Tribunal de Justiça da UE
o Banco Central Europeu
o Tribunal de Contas

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Órgão ➜ têm uma natureza secundária e complementar. Podem ser principais – com poderes decisórios – ou
auxiliares – com poderes consultivos.
o Comité das Regiões
o Comité Económico e Social
o Provedor de Justiça da UE
o Banco Europeu de Investimento

3. Separação e Interdependência de Poderes

A estrutura institucional da UE manifesta a trilogia clássica das funções constitucionais legislativa, executiva e
judicial. Assinala-se, desde logo, a interdependência pessoal entre instituições comunitárias e nacionais.

No Conselho estão representados os governos nacionais a nível ministerial. Também no Sistema Europeu de Bancos
Centrais se observa uma interdependência pessoal entre os BCE e os bancos centrais dos Estados-Membros. Do
ponto de vista vertical assinala-se, ainda, a cooperação institucional entre os parlamentos nacionais e o PE e a
Comissão. Também no plano jurisdicional se assiste a uma interligação processual entre o TJUE e os tribunais
nacionais e entre o Tribunal de Contas da UE e os seus congéneres nacionais.

O poder legislativo cabe conjuntamente à Comissão, ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de acordo com o
processo legislativo ordinário e o processo legislativo especial, previstos nos Arts. 293º e ss TFUE. A iniciativa
legislativa cabe, largamente, à Comissão. O poder executivo é exercido pelo Conselho Europeu, pelo Conselho, pela
Comissão e pelos Estados-Membros, ao passo que o poder jurisdicional cabe ao Tribunal de Justiça, incluindo o
Tribunal de Primeira Instância, e ao Tribunal de Contas. Os tribunais nacionais têm, também, um importante papel
na aplicação do direito comunitário.

No quadro institucional da UE é frequente a transferência de competências multinível e o desdobramento funcional


nas relações entre as várias instituições e órgãos, e entre estes e os Estados-Membros. Também é clara uma
compreensão conversacional da tomada de decisões no CE, no Conselho, na Comissão, no PE e na interação entre o
TJUE e os tribunais nacionais. Mais do que separação de poderes no sentido tradicional e formal do termo,
encontramos uma estrutura dialógica de coordenação, colaboração e interdependência, no exercício das diferentes
funções de soberania.

4. Parlamento Europeu

O funcionamento da UE encontra-se baseado no princípio democrático, com o seu corolário da democracia


representativa. Por esse motivo, o Parlamento Europeu ocupa um lugar central (Art. 10º/1/2 TUE), e o princípio da
primazia democrático-parlamentar leva a que o PE surja referido em primeiro lugar no elenco das instituições da
União (Art. 13º/1 TUE). O PE é o órgão democrático-representativo por excelência dos cidadãos europeus. As bases
do seu regime jurídico encontram-se definidas nos Arts. 14º TUE e 223º ss TFUE. A sua sede oficial está localizada em
Estrasburgo, onde se realizam doze sessões plenárias por ano. Por sua vez, as sessões extraordinárias plenárias
realizam-se em Bruxelas. Os serviços do Parlamento Europeu e o secretariado-geral estão no Luxemburgo.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

4.1. História

Inicialmente designado pelos tratados por “Assembleia Parlamentar”, o PE começou por ser um órgão de
representação meramente indireta, integrando representantes nomeados pelos Estados-Membros de entre os seus
deputados nacionais, de acordo com um procedimento escolhido por cada Estado. Esta forma de representação
indireta pretendia ser apenas temporária, tendo em conta que o objetivo inicial era o de evoluir para a eleição direta
do PE.

O PE nasce da fusão da Assembleia Geral da CECA com a Assembleia da CEE e a Assembleia da CEEA, através do
primeiro Tratado de Fusão, em 1957. Na gradual afirmação do PE como órgão representativo europeu, deve
sublinhar-se o relevo assumido pelos seguintes aspetos:

 Adoção, por iniciativa própria, da designação “Parlamento Europeu”, em 1962;


 Através do Tratado de Bruxelas, em 1975, o PE passou a ter o direito de escrutinar as contas da UE no final
de cada exercício e de avaliar a aplicação criteriosa e correta do orçamento comunitário por parte da
Comissão;
 Introdução do sufrágio universal direto, por Ato do Conselho de 20 de setembro de 1976, em vigor desde
1 de julho de 1978. O mesmo tornou possíveis as primeiras eleições diretas para o PE, entre 7 e 10 de junho
de 1979;
 Reconhecimento da existência de partidos políticos europeus como fator de integração, em ordem à criação
de uma consciência europeia e à expressão da vontade política dos cidadãos da União (Art. 10º TUE e 224º
TFUE);
 Alargamento sucessivo de competências do PE, à custa dos poderes das outras instituições europeias e dos
Estados-Membros;
 Em 1986, com o Ato Único Europeu, dá-se a obrigatoriedade de aprovação das novas adesões à União
Europeia pelo Parlamento;
 Em 1997, aquando da celebração do Tratado de Amesterdão, verifica-se um reforço da posição do
Parlamento no processo de codecisão com o Conselho, numa série de áreas reguladas pelo direito
comunitário;
 Em 2009, com o Tratado de Lisboa, os poderes do Parlamento aumentam, enquanto colegislador
plenamente reconhecido, com poderes orçamentais reforçados. Confere-lhe, ainda, um papel fundamental
na eleição do Presidente da Comissão Europeia.

Estes desenvolvimentos têm contribuído para uma maior autonomia institucional do PE, a par da criação de uma
classe política europeia, diferenciada dos processos político-partidário e democrático-parlamentar nacional.

4.2. Significado jurídico-político

A função representativa surge como uma realidade complexa e multidimensional:

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Dimensão democrática, na medida em que representa os povos europeus. Trata-se, porém, de uma
representação limitada, pois não se traduz imediatamente numa competência legislativa exclusiva em matérias
de interesse para a UE globalmente considerada, de acordo com o postulado da primazia democrático-
parlamentar.

 Dimensão demográfica, na medida em que essa representação pretende ter correspondência com a realidade
demográfica dos Estados-Membros.

 Dimensão política, em que se refletem as diferentes tendências político-ideológicas presentes na Europa.

 Dimensão cultural, exprimindo-se, igualmente, no multilinguismo do seu funcionamento e na expressão das


identidades nacionais.

O PE desenvolve, ainda, uma importante função integradora. Por um lado, procura constituir um fórum de discussão
e deliberação em torno dos diversos problemas com que a UE se depara e que assumam uma dimensão transnacional.
Por outro lado, procura levar a cabo essa discussão e deliberação a partir da inclusão dos diferentes pontos de vista
dos diferentes Estados e povos, dos cidadãos europeus e dos diferentes grupos de interesses políticos, económicos,
ideológicos que integram a sociedade civil europeia. O desenvolvimento de um processo político-partidário a nível
europeu constitui um importante fator de integração entre os Estados-Membros.

4.3. Eleição

O Parlamento Europeu é composto pelos representantes dos cidadãos da UE (deputados), exercendo os poderes
que lhe são atribuídos pelos Tratados. Os mesmos são eleitos por sufrágio universal, direto, livre e secreto, por um
mandato de 5 anos (Art. 14º/3 TUE). O processo de eleição deve ser uniforme em todos os Estados-Membros,
baseando-se em princípios comuns a todos eles (Art. 223º TFUE):

 Sufrágio direto e universal;


 Representação proporcional;
 Idade mínima (18 anos em todos os Estados-Membros, com exceção da Áustria, onde a idade mínima foi
reduzida para os 16 anos);
 Mandatos de 5 anos renováveis;
 Incompatibilidade com o exercício de outras funções (magistrados, procuradores, ministros, etc);
 Data do escrutínio (entre nós, é o Presidente da República, ouvido o Governo, que procede à marcação da
data da eleição);
 Igualdade entre homens e mulheres.

Entre nós, a eleição dos deputados do PE é feita com base num círculo eleitoral único, tendo capacidade eleitoral os
cidadãos portugueses recenseados no território nacional, incluindo os residentes nos Estados-Membros da UE que
não optem por votar no Estado de residência, e os cidadãos da UE não nacionais que se encontrem recenseados em
Portugal, sem prejuízo das inelegibilidades e incompatibilidades previstas na lei.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

4.4. Composição

A composição do PE remete para a consideração dos deputados individualmente, dos grupos políticos e dos partidos
políticos.

a) Presidente

O Presidente é eleito por um período renovável de dois anos e meio, ou seja, por metade do período de uma
legislatura do Parlamento. Compete-lhe:

 Representar o Parlamento Europeu no exterior e nas suas relações com as outras instituições da UE;
 Dirigir os trabalhos do PE e dos seus órgãos constitutivos, assim como os debates realizados em sessão
plenária;
 Zelar pelo respeito do Regimento do Parlamento Europeu;
 Exprimir, no início de cada reunião do Conselho Europeu, o ponto de vista e as preocupações do Parlamento
sobre os pontos inscritos na ordem de trabalhos e sobre outros assuntos;
 Assinar, juntamente com o Presidente do Conselho, todos os atos legislativos adotados através do processo
legislativo ordinário.
o Note-se ainda que, após a aprovação do orçamento da União Europeia pelo Parlamento, o Presidente
confere-lhe força executiva, através da sua assinatura.

b) Deputados

O Parlamento Europeu é composto por 705 deputados, mais o Presidente. Estes são eleitos nos 27 Estados-Membros,
embora sejam totalmente independentes face ao Governo e Parlamentos nacionais. São eleitos por sufrágio
universal, livre, secreto e direto, para mandatos de 5 anos.

A conversão de votos em mandatos obedece a um critério de proporcionalidade degressiva, de modo a não


prejudicar os Estados mais pequenos. Deste modo, o limiar mínimo de representação é fixado em 6 deputados
europeus por Estado-Membro, ao passo que o máximo é de 96 deputados (Art. 14º/2 TUE).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

O estatuto dos deputados europeus e as condições de exercício do mandato são fixados mediante processo
legislativo especial, por iniciativa do PE, mediante parecer da Comissão e aprovação do Conselho. A este cabe fixar,
por unanimidade, o regime fiscal dos deputados e ex-deputados (Art. 223º TFUE).

Os deputados do Parlamento Europeu têm um estatuto próprio, decorrente do Regimento do PE, que lhes garante
privilégios e imunidades. O facto de os privilégios serem previstos no interesse público comunitário justifica o poder
dado às instituições de, se for caso disso, levantarem a imunidade.

c) Grupos políticos

Os deputados desenvolvem o seu trabalho dividindo-se em diferentes grupos políticos, de acordo com critérios
políticos e ideológicos. Assim, não se agrupam por nacionalidade, mas sim em função das suas afinidades políticas.
Os grupos políticos têm uma importante função moderadora do caráter nacional da representação, proibindo-se a
criação de grupos uninacionais (exige-se, pelo menos, 1/5 dos Estados-Membros). Cada deputado só pode pertencer
a um grupo político. Os deputados que não pertencem a nenhum grupo político são designados de “não inscritos”.

Cada grupo político tem a sua própria organização interna, nomeando um presidente, uma mesa e um secretariado.
A posição tomada pelo grupo político é decidida por concertação no interior do grupo. Nenhum deputado pode
receber uma orientação de voto vinculativa.

Atualmente, existem 7 grupos políticos no Parlamento Europeu:

 Grupo do Partido Popular Europeu – Democratas-Cristãos (PPE): o CDS/PP e o PSD integram este grupo;
 Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu (S&D) – integrado pelo
PS;
 Renew Europe Group;
 Grupo dos Verdes / Aliança Livre Europeia (Greens/ALDE);
 Grupo Identidade e Democracia;
 Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE);
 Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL) – BE e PCP são
membros deste grupo.

d) Partidos políticos

A função democrática representativa do PE tem uma dimensão político-partidária, prevendo-se a existência de


partidos políticos a nível europeu, orientados para a integração dos povos europeus, a formação de uma consciência
política europeia e a formação da vontade popular dos cidadãos da UE (Art. 10º/4 TUE). O estatuto dos partidos
europeus, incluindo as respetivas regras de financiamento, é definido pelo PE e pelo Conselho, mediante
procedimento legislativo ordinário (Art. 224º TFUE). O objetivo consiste em transferir, gradualmente, a formação da
opinião pública e da vontade política para um plano europeu.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

4.5. Conferência de Presidentes

É o órgão político do Parlamento Europeu com competência para decidir


sobre:

 A organização dos trabalhos do PE e a programação legislativa;


 A atribuição de competências das comissões e das delegações
e respetivas composições;
 As relações com as restantes instituições da União Europeia, os
parlamentos nacionais e países terceiros.

As decisões da Conferência de Presidentes são tomadas por consenso ou por votação ponderada em função dos
efetivos de cada grupo político.

Reúne-se, em regra, duas vezes por mês. As suas reuniões não são públicas. As atas da Conferência dos Presidentes
são traduzidas nas línguas oficiais, impressas e distribuídas a todos os deputados.

4.6. A Mesa

É o órgão diretivo regulamentar do Parlamento Europeu, cabendo-lhe decidir sobre todas as questões financeiras,
administrativas, de pessoal e de organização intraparlamentar.

É composto por um Presidente, 14 Vice-Presidentes, 5 Questores (encarregues da gestão de tarefas administrativas


e financeiras relacionadas diretamente com os deputados; no seio da Mesa, têm a qualidade de consultores). Os seus
mandatos têm a duração de dois anos e meio, renováveis.

4.7. Comissões

As Comissões têm como principal função preparar o trabalho do Parlamento Europeu em sessão plenária.
Atualmente, existem 20 comissões parlamentares – compostas por 25 a 81 deputados e possuindo um presidente,
uma mesa e um secretariado –, cada uma especializada num domínio específico.

Estas reúnem-se uma ou duas vezes por mês, em Bruxelas, e os seus debates são públicos. Em comissões
parlamentares, os deputados europeus elaboram, alertam e votam propostas legislativas e relatórios de iniciativa.
Apreciam as propostas da Comissão e do Conselho e, sempre que necessário, redigem relatórios que serão depois
apresentados em sessão plenária.

Todos os presidentes das comissões compõem a Conferência dos Presidentes das Comissões, a qual está encarregue
de coordenar os seus trabalhos.

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4.8. Delegações

As delegações do Parlamento Europeu são grupos oficiais de deputados ao Parlamento Europeu, que mantêm
relações com os parlamentos de países, regiões ou organizações não pertencentes à UE. Desta forma, as delegações
funcionam como o principal elo entre o Parlamento e outras assembleias, tanto na UE, como no exterior.

As delegações reforçam as posições do Parlamento Europeu, cooperando, para tal, com as comissões parlamentares
e com os deputados ao PE, em prol da democracia e dos direitos humanos fora das fronteiras da UE.

Ao colocarem em prática a diplomacia parlamentar através de debates regulares, as delegações também promovem
a UE, no seu todo, e incentivam os seus parceiros a respeitarem os valores e os interesses da União. Os Presidentes
das Delegações compõem, no seu conjunto, a Conferência dos Presidentes das Delegações, a qual examina
periodicamente todas as questões relacionadas com o bom funcionamento das delegações interparlamentares e das
delegações às comissões parlamentares mistas.

4.9. Funcionamento

O Parlamento Europeu tem vindo a aproximar-se do órgão parlamentar clássico, pretendendo ser representativo dos
cidadãos e dos povos a nível europeu, reforçando o seu caráter democrático.

Realiza uma sessão anual pública, podendo reunir-se por direito próprio na segunda terça-feira de março (Art. 229º
TFUE). Podem ser realizadas sessões extraordinárias, a pedido da maioria dos deputados, do Conselho, ou da
Comissão.

Desenvolve a sua atividade em Plenário e através das Comissões Parlamentares. As reuniões do Plenário são doze e
são, em regra, públicas.

Em cada legislatura, o PE aprova, por maioria, o seu regimento, nos termos do Art. 232º TFUE – princípio da autonomia
institucional. Em geral, este ocupa-se dos direitos dos deputados europeus, das funções do Presidente e da Mesa,
dos procedimentos interna corporis, das relações com outras instituições, entre outros. Aos seus trabalhos é dada
publicidade, através da elaboração de uma Ata e publicação do Relato Integral no JOUE.

4.10. Modo de Deliberação

O quórum constitutivo é de um terço dos deputados.

O quórum deliberativo é a obtenção de uma maioria absoluta dos votos expressos (Art. 231º TFUE). A regra para a
deliberação é o dedo no ar, voto eletrónico ou, em alguns casos, o escrutínio secreto. Há algumas regras mais
exigentes (de dupla maioria) para deliberação, em matérias de grande sensibilidade:

 Maioria dos votos expressos e maioria dos deputados eleitos (ex.: certas decisões em matéria orçamental);
 Dois terços dos votos expressos e maioria dos deputados eleitos (ex.: aprovação de moção de censura à
Comissão – Art. 234º/2 TFUE – ou aprovação de sanções a Estados-Membros por violação do Art. 7º TUE);

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 Três quintos dos votos expressos e maioria dos deputados eleitos (ex.: confirmação de alterações ao
orçamento apresentado pelo Conselho e que este tenha rejeitado – Art. 314º TFUE).

4.11. Funções e Competências

a) Função legislativa

Relevante, com as sucessivas reformas, tem sido o reforço da participação do Parlamento Europeu nos procedimentos
de produção normativa. O PE exerce, juntamente com o Conselho, a função legislativa (Art. 14º/1 TUE). Apesar de
tudo, não vigora ainda plenamente, na UE, o princípio do parlamentarismo, com o seu corolário da primazia
democrático-parlamentar, característico dos sistemas constitucionais democráticos, com a inerente existência de uma
reserva absoluta de competência legislativa exclusiva, assente na chamada teoria da essencialidade.

O Parlamento não tem uma prerrogativa geral de iniciativa legislativa, contudo pode, por maioria, solicitar à Comissão
que lhe apresente propostas adequadas sobre questões carecidas de ato de execução dos Tratados. Caso não
apresente uma proposta, a Comissão deve justificar (Art. 225º TFUE), evidenciando-se, aqui, a dependência funcional
Comissão – Parlamento Europeu. O PE tem, porém, direito de iniciativa em casos de evidente dimensão interna do
órgão.

O PE tem competência para participar nos procedimentos de produção normativa, seja através do exercício de
poderes consultivos, seja através do exercício partilhado de poder legislativo. O Tratado de Lisboa veio reforçar
significativamente os poderes do PE no domínio da função legislativa; por um lado, veio equiparar o PE ao Conselho
no processo de codecisão, que passou a ser o processo legislativo ordinário; por outro, alargou os domínios de
competência legislativa. Por fim, tem competência para apresentar propostas de revisão dos Tratados, conquanto tal
não determine, necessariamente, a abertura de um procedimento de revisão.

b) Competência consultiva

O Parlamento Europeu desempenha importantes funções consultivas (Art. 14º/1 TUE), podendo intervir em processo
legislativo especial (que se aplicam, exclusivamente, a casos específicos em que o mesmo apenas possui um papel
consultivo) ou na tomada de decisões do Conselho sem direito de voto.

 Relativamente a certas questões (ex.: fiscalidade), o PE apenas emite um parecer consultivo;


 Em certos casos, o Tratado prevê que a consulta é obrigatória, pois assim o impõe a base jurídica, e a proposta
só adquire força de lei se o Parlamento tiver emitido um parecer. Nesta hipótese, o Conselho não está apto
a decidir sozinho.

O PE é consultado regularmente pelo Alto Representante, sobre questões de política externa, segurança e defesa
(Art. 39º TFUE). Tem um direito de emissão de parecer favorável em todos os acordos internacionais importantes que
incluam algum domínio sujeito à codecisão. Por último, apresenta um direito de parecer favorável a propósito dos
Tratados de Adesão, assinados com novos Estados-Membros, e que estabeleçam condições de adesão. Por vezes, o
parecer do PE surge inserido num verdadeiro procedimento normativo (Art. 294º TFUE).

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c) Competência ao nível orçamental

O Parlamento Europeu exerce, juntamente com o Conselho, a função orçamental (Art. 14º/1 TUE). A ambos cabe a
elaboração e aprovação do orçamento anual da UE, deliberando de acordo com um processo legislativo especial,
seguindo os parâmetros regulados para esse efeito, dispostos no Art. 314º TFUE. Trata-se, aqui, de um importante
passo no sentido do reforço da autoridade democrática do PE, na medida em que o poder orçamental constitui uma
das marcas fundamentais da democracia parlamentar no constitucionalismo moderno.

Para além disto, o PE realiza, ainda, uma atividade de controlo orçamental e financeiro da UE, através da apreciação
das contas das operações orçamentais, do balanço, do relatório de avaliação das finanças da UE e do relatório do
Tribunal de Contas. Ao PE cabe dar quitação à Comissão sobre a execução do orçamento, mediante recomendação
do Conselho (Arts. 318º e 319º TFUE). Pode, igualmente, apresentar recomendações à Comissão sobre a execução
do orçamento. As decisões do Parlamento e do Conselho relativas às receitas e despesas devem respeitar os limites
das despesas anuais fixadas na programação financeira da União Europeia, o Quadro Financeiro Plurianual,
negociado uma vez a cada sete anos.

As regras financeiras que definem as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento e à prestação e
fiscalização das contas são fixadas pelo PE e o Conselho, mediante processo legislativo ordinário, ouvido o Tribunal
de Contas (Art. 322º/1 TFUE). Para uma maior concertação e aproximação institucional no quadro dos procedimentos
orçamentais são promovidas reuniões regulares dos Presidentes do PE, do Conselho e da Comissão (Art. 234º TFUE).
O poder de aprovação do orçamento e de controlo da respetiva execução atribui ao PE uma oportunidade de se
pronunciar sobre o mérito político e administrativo da atuação da UE e dos respetivos custos. A mesma consubstancia
um importante poder indireto de controlo sobre a atividade da UE. Em suma – Processo Orçamental da União
Europeia:

d) Competência eletiva e de nomeação

O Parlamento Europeu tem competências eletivas e de nomeação importantes. Desde logo, cabe-lhe eleger, de
entre os seus membros, o seu Presidente e a sua Mesa (Art. 14º/4 TFUE). Além disso, cabe-lhe eleger o Presidente da

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Comissão e votar a aprovação do colégio de comissários da sua nomeação (é o chamado “voto de confiança”). Esta
competência estabelece um vínculo de responsabilidade política entre a Comissão e o Parlamento Europeu
(dependência genética Comissão – PE). Ao PE, após a sua eleição, cabe ainda eleger o Provedor de Justiça por um
mandato correspondente à sua legislatura (Art. 228º/2 TFUE). Define, igualmente, o seu estatuto e condições de
exercício de funções, aprecia o seu relatório anual e propõe a sua demissão.

e) Competência de controlo e fiscalização

O Parlamento Europeu tem poderes de supervisão e controlo de outras instituições europeias, da utilização do
orçamento da UE e da correta aplicação da legislação comunitária.

Os poderes de controlo do PE, à semelhança do que sucede com os demais órgãos, constituem uma expressão dos
princípios da separação e controlo recíproco dos poderes, por um lado, e do princípio da juridicidade e legalidade
de toda a atuação dos órgãos da UE.

 Deveres de informação

Titulares deste deverão ser os mais variados órgãos, dos quais se exige que apresentem um relatório anual ao PE e
demais informações. Existem deveres de informação que impendem sobre o Conselho, o respetivo Presidente, a
Comissão, o BCE, o Tribunal de Contas, entre outros. Este dever pode traduzir-se num dever de informação regular
sobre questões políticas, como acontece com o Alto Representante no âmbito da evolução política (Art. 36º TUE), na
simples prestação de informações (Art. 126º/11 e 205º/1 TFUE) ou na declaração do Tribunal Constitucional sobre a
fiabilidade das contas (Art. 287º TFUE).

 Interpelação e audição

Visa clarificar os termos da atuação das diferentes instituições e órgãos, servindo os objetivos da transparência, da
coerência e da eficácia da atuação da UE. Eles decorrem do princípio da cooperação legal. Fala-se, a este propósito,
de uma dependência funcional Comissão – PE.

Os mesmos têm vários destinatários: Comissão (Art. 230º TFUE), Conselho Europeu e Conselho, entre outros.
Paralelamente, o Conselho Europeu pode convidar o Presidente do PE para por ele ser ouvido (Art. 235º/2 TFUE).

 Apreciação das petições dos cidadãos

O Art. 20º/2, al. d) TFUE consagra o direito de petição junto do Parlamento Europeu como um direito de cidadania
da União. Nos termos do Art. 227º TFUE, a titularidade deste direito pertence não apenas aos cidadãos, mas também
a pessoas físicas e coletivas residentes ou sediadas num Estado-Membro. Apenas se diz que a questão deve dizer
respeito aos domínios de atividade da Comunidade e ter uma ligação direta e pessoal com o peticionante.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Publicidade

A publicidade é a regra na atividade parlamentar, sucedendo isto por força dos princípios democráticos e de Estado
de Direito. Manifesta-se, nomeadamente, na obrigatoriedade de publicações das atas, nos termos dos Tratados e do
regimento do PE (Art. 232º TFUE), na discussão do relatório geral anual que a Comissão apresenta ao PE (Art. 233º
TFUE) e na votação de moções de censura à Comissão (Art. 234º TFUE). Uma importante dimensão do princípio da
publicidade prende-se com o acesso dos cidadãos ao serviço televisivo Europe by Satellite, através do qual é
divulgada, em direto, muita informação acerca do funcionamento da UE.

 Poder de inquérito

O poder de inquérito é inerente aos órgãos parlamentares, na medida em que concretiza o princípio de controlo
da atividade político-administrativa, por parte da publicidade crítica democrática. O PE pode nomear comissões
parlamentares de inquérito (Art. 226º TFUE), por um quarto dos seus membros, justificando-se com o princípio da
proteção das minorias. As mesmas têm como objetivo o controlo de infrações ou da má administração na aplicação
do direito comunitário (deteção de problemas institucionais, orgânicos, funcionais, etc., passíveis de perturbarem a
realização dos objetivos comunitários), havendo sempre o cuidado de não interferência no exercício do poder judicial
quando o caso esteja pendente em tribunal. Do mesmo modo, também não são prejudicadas as atribuições de outras
instituições ou órgãos previstas nos Tratados. Estas comissões são temporárias, extinguindo-se com a apresentação
do respetivo relatório.

 Moções de censura

Um importante poder de natureza político-administrativa prende-se com a aprovação de moções de censura à


atividade da Comissão (Art. 234º TFUE). Trata-se de um mecanismo de controlo subjetivo ou primário, que incide
sobre o órgão, a pretexto das suas atividades. A moção de censura é apresentada por iniciativa dos deputados do
PE. Em seguida, a mesma é votada, embora haja que transcorrer 3 dias entre o depósito da moção e a respetiva
votação, moção esta que deverá ser pública. A adoção da moção de censura por maioria de 2/3 dos votos expressos,
que representem a maioria dos membros do PE, conduz à demissão coletiva da Comissão, devendo o Alto
Representante demitir-se das funções que exerce nesta instituição. A demissão não implica a cessação imediata de
funções, havendo lugar ao exercício de funções de gestão corrente até à entrada em funções da nova Comissão.
Pode falar-se, a este propósito, de uma dependência extintiva Comissão – PE.

4.12. Controlos intraorgânicos

O PE dispõe de mecanismos de controlo interno. Estes prendem-se, essencialmente, com a verificação do


cumprimento das normas regimentais em domínios como o quórum, a publicação de atas, etc. (Arts. 231º e 232º
TFUE), e das normas que estabelecem o estatuto e as condições do exercício da atividade dos seus membros (Art.
223º/2 TFUE).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

4.13. Controlos interorgânicos

Um outro mecanismo de controlo diz respeito à legitimidade processual ativa do PE para intentar ações judiciais.
Assim, o PE dispõe de legitimidade processual ativa (locus standi) para interpor ações junto do TJUE para controlo
da legalidade dos atos do Conselho, do Conselho Europeu, da Comissão e do BCE (Art. 263º/2 TFUE), para além da
defesa das suas próprias prerrogativas institucionais.

O mesmo vale, igualmente, no controlo das omissões do PE, do Conselho, do Conselho Europeu ou da Comissão
(Art. 265º TFUE). Deve ainda referir-se a competência do PE para solicitar ao TJUE pareceres sobre a conformidade
de uma convenção internacional com o direito originário da UE (Art. 218º/11 TFUE), no que consubstancia um
controlo preventivo de tratados internacionais. Estas prerrogativas parlamentares aumentam, substancialmente, a
capacidade de influência do PE, no conjunto das demais instituições da UE. Por outro lado, a jurisdição da UE fiscaliza
a legalidade dos atos do PE destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, ou seja, cujo alcance excede
o âmbito da organização interna do PE.

5. Conselho Europeu

O Conselho Europeu é hoje o principal órgão de direção política da União Europeia (Art. 13º/1 TUE). Tem a função
de direção política da UE e participa na gestão da União Económica e Monetária (Art. 15º/1 TUE). Dá a esta os
impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define as suas orientações e prioridades políticas gerais.

Aqui, estão representados os Governos dos Estados-Membros. O Conselho Europeu é constituído pelo Presidente
do Conselho Europeu, pelos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros da UE, pelo Presidente da
Comissão e, ainda, o ARUNEPS (Art. 15º/2 TUE), mas sem ser membro de pleno direito.

As suas reuniões são em Bruxelas, na Bélgica, desde a Declaração nº 22 do Tratado de Nice.

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5.1. História

Começou por ser um órgão de cooperação política, de natureza intergovernamental, apesar de inicialmente não ser
parte das instituições comunitárias. Embora tenha reunido desde 1961, a sua reunião sistemática é formalmente
associada à Cimeira de Paris (1974), que cria o Conselho Europeu, com o objetivo de se estabelecer uma instância
formal de debate entre Chefes de Estado ou de Governo. A sua primeira reunião foi realizada a 11 de março de 1975,
em Dublin.

Foi o Ato Único Europeu, de 1986 (que entrou em vigor em 1987), que dotou o Conselho Europeu de base jurídica,
oficializando as reuniões dos Chefes de Estado ou de Governo. Com o Tratado de Maastricht, o mesmo foi
estabelecido como órgão responsável pelo ímpeto político da UE.

A sua elevação expressa a instituição (de pleno direito) da UE ocorreu pela primeira vez com o Tratado de Lisboa,
em 2009. Cabe-lhe fornecer o impulso político da integração, verificando-se que isso tem conduzido a um
progressivo alargamento dos seus poderes. Para além dos impulsos políticos, o mesmo desempenha um importante
papel de expressão e articulação dos interesses dos Estados-Membros.

O reforço do papel deste órgão nunca foi aceite pacificamente, visto que alguns viram nele a semente da
desintegração europeia, na medida em que, alegadamente, tende a valorizar os interesses nacionais mais poderosos
acima dos interesses da UE. Todavia, um impulso político e uma legitimidade fortes revelam-se essenciais à
subsistência e atividade da UE.

5.2. O Presidente do Conselho Europeu

 Considerações gerais

Uma importante inovação introduzida pelo Tratado de Lisboa consiste na introdução da figura do Presidente do
Conselho Europeu, que desempenha o papel de uma figura representativa facilmente identificável pelos vários atores
internacionais e pela população europeia (tentando, neste caso, contrariar a tendência de os mesmos se
identificarem, em primeira linha, com o Chefe de Estado ou de Governo dos seus respetivos Estados).

A configuração que se adotou desta figura é de pendor minimalista, sendo que o Presidente é visto como um mero
organizador e dinamizador dos trabalhos do Conselho Europeu, não devendo limitar o espaço político de atuação
dos representantes políticos dos Estados.

 Eleição, destituição e mandato

O Presidente do Conselho Europeu é eleito pelo próprio órgão, por maioria qualificada. A destituição é possível,
seguindo o mesmo procedimento, no caso de impedimento ou falta grave (Art. 15º/5 TUE). O mandato tem a duração
de dois anos e meio, renovável uma vez, sendo incompatível com qualquer outro mandato nacional (Art. 15º/5/6
TUE).

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 Atribuições e competências

Em face das atribuições e competência do Presidente do Conselho Europeu, constantes do Art. 15º/6 TUE, parece
poder dizer-se que a função organizadora e dinamizadora dos trabalhos da UE assume natureza dominante, ao passo
que a função representativa assume uma natureza recessiva.

Assim, são destacadas, em primeiro lugar, as competências de presidência e dinamização dos trabalhos do Conselho
Europeu e de garantia da preparação e continuidade dos mesmos (presidir às reuniões do Conselho Europeu e
dinamizar os seus trabalhos, assegurando a preparação das reuniões do Conselho Europeu e a continuidade dos seus
trabalhos); não deve, contudo, limitar o espaço político de atuação dos representantes políticos dos Estados. Neste
domínio salienta-se o dever de cooperação com o Presidente da Comissão e de consideração dos trabalhos do
Conselho dos Assuntos Gerais. Sublinha-se, igualmente, a sua função coesiva e facilitadora de consensos (ajudar a
facilitar a coesão e o consenso) no âmbito do Conselho Europeu. Ao Presidente cabe ainda apresentar ao PE um
relatório após cada reunião do Conselho Europeu.

Só então é que é mencionada a função representativa externa do Presidente, sendo que este assegura a
representação externa da UE, ao nível de chefes de Estado ou de Governo. No âmbito da política externa e de
segurança comum, sem prejuízo das atribuições do respetivo Alto Representante, ajuda-o a pôr em prática a PESC
e a assegurar a sua unidade, coerência e eficácia. Nas cimeiras internacionais, surge, geralmente, ao lado do
Presidente da Comissão Europeia.

Não dispondo de direito de voto no Conselho Europeu, o respetivo Presidente é, afinal, uma figura destituída de
qualquer poder efetivo (figura simbólica – símbolo da unidade da cúpula política da UE).

5.3. Organização e Funcionamento

O Conselho Europeu reúne ordinariamente duas vezes por semestre, por convocação do seu Presidente, o qual é
assistido por um Secretário-Geral próprio (Art. 235º/4 TFUE). Cabe-lhe definir as orientações gerais e as prioridades
políticas da União e participar na gestão da União Económica e Monetária.

Os membros do Conselho Europeu podem decidir ser assistidos por um ministro e, no caso do Presidente da
Comissão, por um membro da Comissão, sempre que a ordem de trabalhos o exija (Art. 15º/3 TUE).

Relativamente ao modo de deliberação, o Conselho Europeu pronuncia-se, regra geral, por consenso, segundo a
lógica intergovernamental. A abstenção tem um efeito construtivo, e não de veto, não colocando em causa a
unanimidade.

Podem, contudo, os Tratados, prever a possibilidade de votação (Art. 15º/4 TUE). Neste caso, aplicam-se as regras
previstas para o Conselho (Art. 16º/4 TUE e Arts. 235º e 236º TFUE), segundo a qual não votam o Presidente do
Conselho, nem o da Comissão. Cada membro só pode representar, por delegação, um dos outros membros (Art.
235º/1 TFUE). O veto é exercido através de uma posição ou de um voto negativo.

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 Decisão por unanimidade (a abstenção não obsta à tomada de decisão, tendo efeito construtivo e não
de veto);
 Decisão por maioria qualificada (p.e. na nomeação do ARUNEPS) – neste caso exige-se o acordo do
Presidente da Comissão (Art. 17º/ e 18º TUE);
 Decisão por maioria simples (p.e. questões processuais e aprovação do regulamento interno) – Art. 235º
TFUE.

Os atos do Conselho Europeu podem assumir, inter alia, a forma de declarações, orientações, resoluções e decisões,
tendo, em regra, uma natureza puramente política. Consequentemente, vale ainda salientar que as deliberações do
Conselho Europeu não estão sujeitas ao princípio da publicidade. Por fim, os atos que produzam efeitos jurídicos
relativamente a terceiros ou as omissões de decisões impostas pelos Tratados estão sujeitas a escrutínio judicial.

5.4. Atribuições e competências

O Conselho Europeu é um órgão essencialmente político, de quem se espera a direção da atividade normativa do
Conselho, deliberando, por exemplo, acerca das suas formações. As funções do Conselho Europeu são bastante
diversificadas:

 Função de direção política

O Conselho Europeu é hoje o órgão a quem cabe o indirizzo politico da UE, sendo responsável por fornecer os
impulsos necessários ao seu desenvolvimento e definir as respetivas orientações políticas gerais. O mesmo não exerce
a função legislativa (Art. 15º/1/3 TUE). Particularmente digno de nota é a identificação dos interesses estratégicos da
União e o estabelecimento dos objetivos e orientações no domínio da política externa e de segurança comum (Art.
26º TUE). A função de direção política do Conselho Europeu confere-lhe, na prática, um poder material de iniciativa,
que compensa o quase exclusivo poder de iniciativa da Comissão.

 Poder de decisão e emissão de orientações políticas gerais

A elevação do Conselho Europeu a instituição formal da UE conferiu importantes poderes de decisão inerentes à sua
função de direção política. O mesmo tem hoje capacidade de produzir decisões jurídicas vinculativas, salientando-se
aqueles casos em que se prevê, através de cláusulas de ponte, que certas decisões da competência do Conselho
possam ser remetidas para o Conselho Europeu (como é o caso da situação regulada no Art. 31º/2 TUE). Algo
parecido se passa no processo legislativo ordinário em que, mediante suspensão deste, as decisões são remetidas
para o Conselho Europeu, nos termos dos Arts. 82º/3 e 83º/3 TFUE.

 Função de nomeação

O Conselho Europeu nomeia o ARUNEPS, podendo, igualmente, pôr termo ao seu mandato, de acordo com o mesmo
procedimento (Art. 18º/1 TUE). Também nomeia o Presidente, o Vice-Presidente e os Vogais da Comissão Executiva
do Banco Central Europeu, por recomendações do Conselho, e ouvido o PE (Art. 283º TFUE). Designa, ainda, o número
de membros da Comissão, propõe o nome do Presidente da Comissão e nomeia a mesma.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Função de alteração dos Tratados

O Conselho Europeu desempenha um papel de relevo na alteração dos Tratados, no processo de revisão ordinário,
decidindo por maioria simples a análise das alterações das propostas ou a não convocação de uma Convenção, se as
alterações propostas não o justificarem (Art. 48º/2/3 TUE). No processo de revisão simplificado, assume um papel
central, podendo adotar alterações respeitantes à Parte III do TFUE (Art. 48º/6 TFUE).

➜ A dimensão de instância de concertação abrange também o papel deste órgão na resolução de litígios
interinstitucionais e entre os Estados-Membros e a União Europeia, mormente no domínio da segurança social,
cooperação judiciaria em matéria penal, cooperação com vista ao combate às infrações lesivas de interesses
financeiros da União e cooperação operacional em matéria policial.

6. Conselho / Conselho de Ministros / Conselho da UE

O Conselho da UE assume um lugar central na dinâmica do projeto europeu. Nele estão representados os Governos
de todos os Estados-Membros. Encontra-se sediado em Bruxelas, embora algumas das suas reuniões tenham lugar
no Luxemburgo. Tem como função essencial assegurar a coordenação das políticas económicas gerais dos Estados-
Membros, dispondo de poder de decisão e exercendo competências do tipo legislativo e regulamentar, operando
como órgão de charneira na articulação entre a UE e os Estados-Membros. Em si mesmo, o Conselho não é
politicamente responsável perante o PE; o mesmo não pode ser alvo de moções de censura. No entanto, ele
representa os Governos dos Estados-Membros, sendo estes responsáveis perante os respetivos parlamentos e
cidadãos.

Não existe um membro permanente do Conselho, já que este reúne com dez formações diferentes, consoante o
assunto a tratar.

6.1. As Formações

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

6.2. Organização e Funcionamento

O Conselho é composto por um representante de cada Estado-Membro, a nível ministerial, dotado de poderes para
vincular o Governo do respetivo Estado-Membro e exercer o direito de voto (Art. 16º/2 TUE). Estes poderes de
vinculação são atribuídos pelo direito constitucional de cada Estado-Membro; entre nós, não está excluída a
participação de outros membros do Governo que não Ministros, como os Secretários de Estado.

A reunião dos Chefes de Estado e de Governo consubstancia numa reunião do Conselho. Este reúne-se por
convocação do Presidente, por iniciativa deste, de um dos seus membros, ou da Comissão, em diferentes formações,
em função das matérias e conveniências políticas. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o número de
formações fixou-se em dez, sendo que é o Conselho Europeu que define as suas várias formações, por maioria
qualificada, com exceção da formação e presidência dos Negócios Estrangeiros e dos Assuntos Gerais (Arts. 236º e
237º TFUE).

A presidência das formações do Conselho é rotativa (Art. 16º/9 TUE). Esta é assegurada por 18 meses, por grupos
pré-determinados de três Estados-Membros, formados de acordo com um princípio da rotação igualitária, e tendo
em conta a sua diversidade e os equilíbrios geográficos da UE. Cada membro do grupo preside sucessivamente,
durante 6 meses, à generalidade das formações do Conselho. Excecionam-se, neste contexto, a FAC (presidida pelo
ARUNEPS) e o EUROGRUPO (presidente fixo, eleito pelos Ministros das Finanças). Segue-se a ordem definida pelo
Conselho Europeu, por maioria qualificada, nos termos do Art. 236º, al. b) TFUE.

As reuniões do Conselho são públicas, na parte em que o mesmo delibere e vote sobre um ato legislativo da União
(Art. 16º/8 TUE e 15º/2 TFUE) ou propostas não legislativas de normas juridicamente vinculativas nos, ou para os
Estados-Membros. Esta opção pela publicidade e transparência do Conselho constitui um dado introduzido pelo
Tratado de Lisboa.

O Conselho é apoiado por mais de 150 grupos de trabalho e comités, conhecidos por “instâncias preparatórias”. Os
grupos de trabalho debatem as propostas que vão chegando ao Conselho, analisando-as ponto por ponto. Os
resultados dos seus debates são apresentados ao COREPER (Comité de Representantes Permanentes dos Governos
dos Estados).

A preparação dos trabalhos do Conselho é assegurada por um Comité de Representantes Permanentes dos
Governos dos Estados (COREPER), a quem cabe, igualmente, exercer os mandatos que aquele lhe confia (Arts. 16º/7
e 240º/1 TFUE). O mesmo pode tomar decisões de natureza processual. O tratamento dado a uma proposta depende
do nível de acordo alcançado no grupo de trabalho:

 Ponto I na ordem do dia do COREPER: matérias relativamente às quais foi possível chegar a acordo sem
debate;

 Ponto II na ordem do dia do COREPER: matérias relativamente às quais não foi possível chegar a acordo.
Muitas vezes, o COREPER pode:
o Tentar negociar, ele próprio, um acordo;

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

o Enviar de novo a proposta ao grupo de trabalho, eventualmente acompanhadas de propostas de


compromisso;
o Remeter a questão para o Conselho.

Assim, o COREPER define a ordem de trabalhos do Conselho:

 Ponto A: os debates das propostas foram concluídos, pelo que a mesma deve ser adotada sem debate.
 Ponto B: inclui pontos deixados em aberto em reuniões anteriores do Conselho; pontos sobre os quais não
foi possível chegar a acordo no grupo de trabalho ou no COREPER; pontos politicamente demasiado
sensíveis.

Por sua vez, o Conselho dos Assuntos Gerais assegura a coerência dos trabalhos das diferentes formações e prepara,
em conjunto com os Presidentes do Conselho Europeu e da Comissão, as reuniões do Conselho Europeu (Art. 16º/6
TUE). O Conselho dispõe, igualmente, de um Secretariado Geral, dependente de um Secretário-Geral, nomeado pelo
Conselho (Art. 240º/2 TFUE).

6.3. Modo de Deliberação

O modo de deliberação é determinado pela base jurídica. Por via de regra, o Conselho delibera por maioria
qualificada. Deu-se, deste modo, um passo significativo no sentido da supranacionalidade da UE. Por outro lado, isso
constitui um progresso no sentido da concretização do princípio democrático, na medida em que se impede que a
vontade dos Estados seja bloqueada apenas por um Estado, que teria poder de veto.

Nalguns casos excecionais, no âmbito de processos legislativos especiais, pode exigir-se a unanimidade (todos os
Estados-Membros votam a favor). Isto acontece, por exemplo, em decisões relativas a impostos, segurança social e
proteção dos trabalhadores, determinação de violações aos princípios constitucionais por um Estado-Membro, bem
como decisões relativas à definição dos princípios no domínio da PESC e respetiva aplicação ou decisões no domínio
da cooperação policial e judiciária em matéria penal. Estão previstas cláusulas de passerelle, de trânsito da
unanimidade para a maioria qualificada, bem como cláusulas de travagem de emergência (Arts. 48º e 82º/3 TFUE),
permitindo a suspensão do processo de decisão e a devolução da questão ao Conselho Europeu.

Existem, ainda, casos em que basta uma maioria simples (14 Estados-Membros votam a favor), nos termos do Art.
238º/1 TFUE. É o caso da resolução de questões processuais, adoção do regulamento interno ou da solicitação de
estudos e propostas à Comissão.

Relativamente às regras para a formação da maioria qualificada:

a) Até 31 de outubro de 2014

Com esta ponderação, estabelece-se que nas votações em que seja obrigatório deliberar sob proposta da Comissão,
a maioria requer 255 votos (num total de 352), que exprimam uma posição favorável da maioria dos membros e
que, relativamente à cláusula demográfica, represente, pelo menos, 62% da população total da UE.

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Quando não haja lugar a proposta, os 255 votos devem exprimir a votação favorável de, pelo menos 2/3 dos
membros.

Ponderação de votos
29 votos Alemanha, França, Itália, Reino Unido
27 votos Espanha e Polónia
Cada Estado-Membro apresenta
14 votos Roménia
13 votos Países Baixos
um número variável de votos no

12 votos Bélgica, Grécia, Hungria, Portugal, República Checa Conselho e no Conselho


10 votos Áustria, Bulgária e Suécia Europeu, consoante o seu peso
7 votos Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Finlândia, Irlanda e Lituânia económico e político.
4 votos Chipre, Estónia, Eslovénia, Letónia e Luxemburgo
3 votos Malta

b) A partir de 1 de novembro de 2014

Vigora o princípio “1 Estado, 1 voto”. A maioria qualificada corresponde, cumulativamente:

 Pelo menos 55% dos membros do Conselho;


 No mínimo de 15 Estados-Membros (dos 27);
 Apoiada por Estados-Membros que representem, no mínimo, 65% da população da UE (Art. 16º/4), de acordo
com a cláusula demográfica.

Apresenta-se, de tal modo, com uma dupla maioria qualificada, cujo objetivo passa por facilitar a formação das
maiorias, aumentando a eficácia da UE, sem esquecer o princípio da proteção das minorias.

A minoria de bloqueio deve ser constituída por, pelo menos, quatro membros do Conselho, que representem mais
de 35% da população da União Europeia.

Quando nem todos os membros do Conselho participem na votação, decai a exigência de um número mínimo de 15
membros e a decisão é tomada por 55% dos membros participantes, que representem, no mínimo, 65% da população
dos Estados participantes. Neste caso, a minoria de bloqueio é de 35% da população dos Estados participantes, mais
um (Art. 238º/3, al. a) TFUE).

Quando não haja lugar a essa proposta, nos termos do Art. 238º/2 TFUE, fala-se de uma maioria qualificada
reforçada, a qual deve pressupor que 72% dos membros do Conselho votem a favor (o que corresponde, na prática,
a 20 dos 27 Estados), representando, no mínimo, 65% da população da UE (ou, se não votarem todos, dos Estados
que participarem na votação – Art. 238º/2, al. b) TFUE).

Por fim, a abstenção por parte de um Estado-Membro conta como voto contra.

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c) Entre novembro de 2014 e abril de 2017

Neste período, quando deva ser tomada decisão por maioria qualificada, qualquer Estado-Membro pode pedir que
a mesma seja tomada pela maioria qualificada prevista no Art. 3º do Protocolo relativo à aplicação do Art. 16º/4 (e
não pela dupla maioria qualificada).

Contudo, as regras de deliberação nem sempre são estas. Há duas grandes exceções:

1. Acordos do Luxemburgo

Surge no decurso da chamada “crise da cadeira vazia” (1995), em que a França se recusou veemente a participar nas
reuniões do Conselho.

Estas acordos, datados de 1966, instituíram, na prática, um direito de veto dos Estados-Membros no Conselho,
sempre que estes entendessem que estavam em causa os seus interesses vitais. Com efeito, antes de a questão ser
levada a votação, um Estado-Membro poderia invocar os seus interesses vitais, de forma a exigir que a discussão
prossiga até que se chegue a um “acordo unânime”.

Estes acordos viriam, segundo a doutrina, a ser “responsáveis pela paralisia do Conselho nas duas décadas seguintes
(A. M. Guerra Martins).

2. Compromisso de Ionannina (1992)

Foi uma decisão histórica do Conselho face ao alargamento da UE para 15 Estados-Membros. Com uma “Europa a
12 membros”, o Reino Unido e um outro Estado de grandes dimensões eram suficientes para a formação de uma
minoria de bloqueio no Conselho. Com o alargamento do número de Estados, já seria necessário, além disso, que a
estes se juntasse um outro Estado de pequenas dimensões. Em resposta a tal situação, o Reino Unido começou a
vetar a adesão de novos Estados-Membros.

Nesse critério, este compromisso determinou que a minoria de bloqueio continuava a ser formada com dois Estados
de grandes dimensões. O mesmo foi recuperado com o Tratado de Lisboa:

 Afloramento indireto: assegura que, até 2017, os Estados possam fazer valer a distribuição de voto do
sistema do Tratado de Nice.

 Afloramento direto
o 2014-2017: um grupo de Estados que reúna 75% do número de Estados ou da população necessários
à minoria de bloqueio (3 Estados ou 26% da população) pode impedir a decisão.
o Após 2017: basta 55% do número de Estados ou da população necessários à minoria de bloqueio (3
Estados ou 20% da população) para se impedir a tomada de decisão.

Graças ao princípio da autonomia da PESC (Art. 24º TUE), estas regras, anteriormente referidas, não valem nesse
domínio. Vigora, pois, a regra da unanimidade na tomada de decisões (Art. 31º TUE). A abstenção não impede a
tomada de decisões por unanimidade, sendo que tem natureza construtiva.

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Existem, contudo, exceções à regra da unanimidade no âmbito da PESC (Art. 31º/2 TUE):

 Decisões do Conselho que executem determinações do Conselho Europeu;


 Decisões tomadas sobre proposta do ARUNEPS e na sequência de um pedido do Conselho Europeu;
 Nomeação de representantes da UE para matérias específicas (Art. 33º TUE).

No entanto, note-se que, mesmo nestes casos, qualquer Estado se pode opor a que a medida seja votada por maioria
qualificada. Nesse caso, a solução para o bloqueio pode passar pela remissão da questão para o Conselho Europeu.

6.4. Atribuições e competências

O Conselho exerce um leque muito variado de competências. O Art. 16º/1 TUE refere a função legislativa e a função
orçamental, exercida juntamente com o PE. Além disso, menciona as suas funções de definição das políticas e de
coordenação, nos termos estabelecidos pelos Tratados. Na verdade, estes é que realizam as funções do Conselho,
juntamente com as suas atribuições e competências.

a) Função legislativa

O Conselho exerce a função legislativa juntamente com o PE (Art. 16º/1 TUE). Ambos assumem o papel principal na
criação do direito secundário da UE de execução dos Tratados. Alguns sugerem que o Conselho funciona como uma
espécie de segunda câmara no processo de decisão. Jónatas Machado relembra, porém, a sua componente
governativa, executiva e de coordenação, bem como a diversidade das suas formações. A função legislativa é levada
a cabo mediante o processo legislativo ordinário ou um processo legislativo especial. Na realização dos objetivos da
União, o Conselho dispõe de uma margem de conformação significativa.

b) Função orçamental

O Conselho exerce a função orçamental juntamente com o PE (Art. 16º/1 TUE). Ele aprecia o projeto de orçamento
proposto pela Comissão, devendo tomar posição fundamentada sobre ele, para posterior articulação com o PE, se
necessário mediante a intervenção do Comité de Conciliação (Art. 214º/2/3 TFUE). Neste domínio, ele partilha o
poder de decisão com o PE (Arts. 315º e 319º TFUE).

c) Função de coordenação

O Conselho exerce importantes funções de definição das políticas, de coordenação e complementação,


nomeadamente no domínio económico ou em domínios de competências paralelas (Arts. 4º/3, 5º, 6º e 16º/1 TUE).
Tem ainda o poder de autorizar cooperações reforçadas (Art. 20º TUE e 329º TFUE).

d) Função de decisão em matérias de grande sensibilidade e centralidade política

O Conselho exerce, igualmente, funções de decisão em matérias de grande sensibilidade e centralidade política,
como é o caso da aplicação de sanções aos Estados por violação dos direitos humanos (Art. 7º TUE), da retirada de
um Estado (Art. 50º TUE) ou da adesão de novos Estados (Art. 49º TUE).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

e) Função de vinculação internacional da UE

O Conselho desempenha um papel importante na celebração de tratados internacionais entre a UE e um ou mais


países terceiros ou organizações internacionais, em prossecução aos objetivos dos Tratados, nos termos dos Arts.
216º e 218º TFUE. O seu papel é especialmente importante na fase da negociação, cabendo-lhe não apenas autorizar
as negociações, mas também definir as diretrizes a que ela se deve subordinar, autorizar a assinatura, sob proposta
do negociador, e celebrar acordos, ouvindo o PE sempre que isso seja exigido (Art. 218º/6 TFUE). No processo, deve
seguir as recomendações que lhe sejam formuladas pela Comissão ou pelo Alto Representante, nos respetivos
domínios de competência.

f) Função de alteração dos Tratados

O Conselho participa no processo de alteração dos Tratados, recebendo as propostas no processo de revisão
ordinário e remetendo-as ao Conselho Europeu (Art. 48º/2 TUE).

g) Função de iniciativa

A regra continua a ser a da iniciativa da Comissão (Art. 17º/1 TUE). Todavia, o Conselho pode solicitar estudos e
propostas à Comissão, tendo em vista a realização dos objetivos dos Tratados, embora esta não fique juridicamente
vinculada pelas solicitações do Conselho. No entanto, a decisão da Comissão de não apresentar uma proposta deve
ser fundamentada (Art. 241º TFUE), sob pena de uma sanção meramente política.

h) Função de controlo

O Conselho realiza uma importante função de controlo, gozando, para o efeito, de legitimidade processual ativa
para intentar ações de controlo da legalidade dos atos e das omissões das instituições e órgãos da UE, nos termos
dos Arts. 263º e 265º TFUE.

i) Função de recursos humanos

O Conselho desempenha ainda um papel importante no domínio da política pessoal e recursos humanos, no que
toca às matérias reguladas nos Arts. 243º e 336º TFUE.

7. Comissão Europeia

A Comissão Europeia, designada por Comissão, é a instituição da UE justamente considerada guardiã da ordem da
União. Cabe-lhe funcionar como o propulsor, ou dínamo, da integração europeia. A mesma protege e prossegue o
interesse geral da UE, tomando as iniciativas adequadas para tal efeito (Art. 17º/1 TUE). No fundo, procura identificar
e promover o “bem comum” da UE, de forma totalmente independente do interesse dos Estados (Art. 17º/3 TUE) e
dos interesses privados. A Comissão pretende ser o garante da continuidade e da funcionalidade da UE.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

O mandato da Comissão é de 5 anos. Ela está sediada em Bruxelas, embora alguns dos seus departamentos estejam
instalados no Luxemburgo. A mesma pretende colocar-se num patamar de supranacionalidade, procurando
minimizar o impacto da multinacionalidade da sua composição.

7.1. Presidente da Comissão

Do maior relevo é a figura do Presidente da Comissão. Trata-se de um membro da Comissão sem pasta, com
importantes responsabilidades no âmbito da orientação política da Comissão e da presidência do Colégio de
Comissários, em cuja nomeação participa ativamente. Tem, ainda, uma importante função de “Agenda Settings”,
cabendo-lhe definir as prioridades políticas da UE e representando-a exteriormente, podendo ser assistido nessas
funções.

a) Eleição e substituição

A sua eleição começa com a apresentação, pelo Conselho Europeu, de uma proposta de candidato ao PE, tendo em
conta os resultados das eleições para este órgão (Art. 17º/7 TUE). Esta formulação é bastante importante, do ponto
de vista democrático, na medida em que confere um relevo político partidário ao Presidente da Comissão, tendo
sido implementada desde maio de 2014. Para o efeito, os partidos europeus devem designar candidatos à Presidência
da Comissão, cabendo aos candidatos a tarefa de liderar a campanha para as eleições do PE e apresentar o seu
programa em todos os Estados-Membros. Deste modo, consegue-se importantes avanços em sede de democracia e
cidadania. O Presidente tem de ser da área política maioritária do PE.

Deste modo, por um lado, reforça-se a legitimidade democrática do PE, criando um maior incentivo à participação
democrática dos cidadãos europeus. Por outro lado, consolida-se a função representativa dos partidos políticos a
nível europeu, conferindo maior relevo à sua ação política e contribuindo para o desenvolvimento, à escala europeia,
em torno de assuntos europeus, de uma democracia partidária, uma esfera de discurso público, uma opinião pública
e uma vontade política.

No entanto, o seu efeito é ainda substancialmente mitigado pelo facto de o Presidente da Comissão não ser nomeado
apenas pelo PE e de não poder escolher os comissários apenas por critérios de confiança política.

A proposta de candidato é aprovada por maioria qualificada (e não por consenso). Seguidamente, o PE elege o
candidato por maioria dos membros que o compõem. Se tal maioria não for conseguida, há lugar à repartição do
processo com um novo candidato, que deve ser proposto no prazo de um mês (Art. 17º/7 TFUE). No caso de morte
ou demissão – voluntária ou compulsiva – procede-se à substituição do Presidente pelo período remanescente do
seu mandato, de acordo com o procedimento de nomeação do Art. 17º/7 TUE.

b) Funções e competências

As atribuições do Presidente da Comissão encontram-se elencadas no Art. 17º/6 TUE. Cabe-lhe:

 Definir as orientações no âmbito das quais a Comissão exerce as suas funções;

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Determinar a composição e organização interna da Comissão (Art. 17º/6, al. a) e b) TUE), assegurando a
respetiva coerência, eficácia e colegialidade de ação;
 Estruturar as responsabilidades que incumbem à Comissão entre os seus membros, podendo alterar a
distribuição dessas responsabilidades durante o mandato da Comissão (Art. 248º TFUE);
 Nomear vice-presidentes de entre os membros da Comissão (com exceção do ARUNEPS), podendo pedir a
demissão de algum dos membros da Comissão.

7.2. Alto Representante

O Tratado de Lisboa veio criar a figura do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política
de Segurança. Este visa conferir uma maior visibilidade e unidade à representação externa da União, nos assuntos
da PESC e maior assistência e coerência entre os diferentes aspetos da política externa da UE.

O exercício das funções do Alto Representante ocorre num quadro político e institucional complexo, envolvendo
uma delicada articulação com o Conselho Europeu, com o Conselho, com a Comissão e com os Estados-Membros.

a) Nomeação e mandato

O Alto Representante é membro da Comissão, exercendo a função de vice-presidente (Arts. 17º/4 e 18º/4 TUE). Este
não é nomeado pelo Presidente da Comissão (Art. 17º/6 TUE), mas antes pelo Conselho Europeu, por maioria
qualificada, com acordo do Presidente da Comissão (Art. 18º/1 TUE). O mesmo é sujeito, juntamente com o Presidente
e os demais membros da Comissão, a voto de aprovação do PE (Art. 17º/7 TUE). A demissão do ARUNEPS é
determinada pelo Conselho Europeu (Art. 18º/1 TUE). Havendo demissão da Comissão por moção de censura, o Alto
Representante deve demitir-se das funções que desempenha na Comissão (Art. 17º/8 TUE). A natureza das suas
funções justifica um regime especial para a sua participação na Comissão (Art. 17º/4 TUE).

b) Atribuições e competências

O Alto Representante conduz a política externa e de segurança comum da UE, assegura a coerência externa da UE
e é responsável pelas respetivas incumbências nas relações externas. Ele coordena todos os aspetos das relações
externas da UE, apresentando propostas para a elaboração da política externa (Arts. 18º/2/4, 26º/2, 27º/1 e 30º/1
TUE). Igualmente é sua competência apresentar propostas sobre a política comum de segurança e defesa, envolvendo
meios civis e militares (Art. 42º/4 TUE). O Alto Representante preside ao Conselho dos Negócios Estrangeiros,
constituído pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-Membros, contribuindo para a definição da PESC,
e podendo convocar uma reunião extraordinária do Conselho em situações que exijam decisão rápida (Art. 30º/2
TUE).

Através da figura do Alto Representante pretende-se assegurar alguma estabilidade no domínio das relações
externas. Para além disso, ele participa nos trabalhos do Conselho Europeu (Arts. 18º/2 e 15º/2 TUE). Nos domínios
das suas competências, o ARUNEPS pode apresentar ao Conselho propostas, em conjunto com a Comissão (Art.
22º/2 TUE). Executa a política externa e de segurança comum – PESC –, com especial relevo para as decisões do

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Conselho Europeu e do Conselho, em articulação com as demais instituições dos Estados-Membros, promovendo a
lealdade e a solidariedade política mútua entre os Estados-Membros.

Nas suas áreas de competências, cabe-lhe a representação externa da UE, nomeadamente em organizações e
conferências internacionais, e a condução do diálogo político com terceiros (Arts. 24º, 26º/3, 27º1, 32º e 34º TUE).
Opera em articulação com o Comité Político e de Segurança (Art. 43º TUE), e em estreita ligação com o PE,
nomeadamente, consultando-o, mantendo-o informado e velando pela consideração das suas opiniões (Art. 36º
TUE).

7.3. Colégio de Comissários

a) Composição

A Comissão integra ainda um Colégio de Comissários, composto por 27 membros, tantos quanto os Estados-
Membros – um por cada Estado –, incluindo o Presidente e o Alto Representante, que é um dos vice-presidentes. A
partir de 1 de novembro de 2014, o número de membros devia ter passado a corresponder a 2/3 do número de
Estados-Membros, salvo se o Conselho Europeu, por unanimidade, estabelecesse outra coisa. Nesse caso, a escolha
dos comissários seria feita com base num sistema de rotação rigorosamente igualitária (do ponto de vista da
sequência e do tempo de permanência no cargo), refletindo a posição demográfica e geográfica relativa aos Estados-
Membros no seu conjunto (Art. 17º/4 TUE e 244º TFUE). Este sistema ainda não foi, todavia, colocado em prática.

b) Nomeação, demissão e substituição

O Conselho, de comum acordo com o Presidente eleito da Comissão, adota uma lista de personalidades que tenciona
nomear, com base nas sugestões apresentadas pelos Estados. Estas personalidades são escolhidas exclusivamente
de entre nacionais dos Estados-Membros, com base nos critérios da competência geral, do empenhamento europeu
e da independência (Art. 17º/3/7 TUE). Trata-se de uma decisão política, que obedece a alguns parâmetros jurídicos.

O Presidente, o Alto Representante e os demais membros da Comissão são sujeitos, colegialmente, a um voto de
aprovação do PE. Este tem, na prática, direito a veto sobre a Comissão e os seus membros individualmente
considerados.

Seguidamente, o Conselho Europeu nomeia a Comissão, deliberando por maioria qualificada (Art. 17º/7 TUE). Uma
vez em funções, os membros da Comissão respondem política e pessoalmente perante o Presidente da Comissão, a
quem apresentam a demissão sempre que este lho pedir (Art. 17º/6 TUE). As funções podem cessar, igualmente, por
demissão voluntária (Art. 246º TFUE). A substituição, em caso de morte ou demissão, é feita por um membro da
mesma nacionalidade, pelo remanescente mandato. Por isso, o PE é consultado e o Conselho delibera em comum
acordo com o Presidente da Comissão. Por proposta deste, o Conselho pode decidir, por unanimidade, não proceder
à substituição (Art. 246º TFUE).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

c) Independência dos Comissários

Os membros da Comissão não podem aceitar ou solicitar qualquer instrução de nenhum Governo, instituição, órgão
ou organismo. Os mesmos devem manter uma posição de total independência. Os Estados, por sua vez, devem
respeitar essa posição e abster-se de tentar influenciá-los no exercício das suas funções (Art. 245º TFUE). Além disso,
os Comissários devem abster-se de qualquer atividade que seja incompatível com os seus deveres ou com a natureza
e o exercício das suas funções (Art. 17º/3 TUE). Tem-se em vista qualquer atividade profissional, remunerada ou não.

Pretende-se, deste modo, evitar quaisquer pressões, conflitos de interesses ou indisponibilidade para o pleno, efetivo
e digno exercício do cargo. Nesse sentido, o Comissário assume um compromisso de cumprimento dos deveres
inerentes ao cargo, incluindo deveres de honestidade e discrição. Os deveres do Comissário prolongam-se para além
da cessação das funções. O TJUE, por solicitação do Conselho ou da Comissão, procede ao controlo do cumprimento
desses deveres, durante e depois do exercício das funções (Arts. 245º e 247º TFUE).

d) Funcionamento

A Comissão opera de acordo com uma lógica colegial, dispondo de um direito de auto-organização. A mesma aprova
o seu regulamento interno, devendo assegurar a sua publicação (Art. 249º/1 TFUE). Define os seus objetivos, uma
estratégia política e um programa de trabalho e o anteprojeto de orçamento para o ano seguinte, de acordo com as
orientações do Presidente da Comissão. A cada um dos comissários é atribuída uma responsabilidade por
determinadas matérias específicas, cabendo-lhes aí preparar os trabalhos da Comissão e executar as suas decisões.
As decisões são tomadas pela maioria do número dos seus membros, desde que estejam reunidos o número de
comissários correspondente ao quórum constitutivo deste órgão, que exige apenas maioria simples dos membros
previstos no Tratado. Há quatro tipos de processos de decisão distintos:

 Processo oral (Art. 250º TFUE e Arts. 5º a 10º RIC)


 Processo escrito (Arts. 12º e 16º RIC)
 Processo de habilitação (Art. 13º RIC)
 Processo de delegação (Arts. 14º e 15º RIC)

Note-se, ainda, que o Colégio dos Comissários não pode ser equiparado ao governo do gabinete, no sentido
tradicional, uma vez que os poderes ministeriais são exercidos pelo Conselho e não por ele, o presidente da Comissão
não tem legitimidade política análoga à de um Primeiro Ministro, a Comissão não é eleita diretamente pelos cidadãos
europeus, nem eleita exclusivamente pelo PE com base em critérios políticos e, finalmente, o Presidente da Comissão
não pode propor Comissários da sua confiança pessoal e política.

7.4. Direções Gerais, Serviços e Organismos

Estas constituem a administração central da Comissão lato sensu. Levam a cabo, pois, a administração direta da UE.
A administração indireta da UE cabe aos Estados, também eles vinculados pelo direito comunitário (e essa regra será
geral).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

As Direções Gerais são responsáveis por diferentes domínios de intervenção, cabendo-lhes desenvolver, executar e
gerir as políticas, a legislação e os programas de financiamento da União Europeia. Um dos maiores objetivos da
Comissão é conseguir garantir a cooperação e coordenação das várias Direções-Gerais (Art. 23º RIC).

Destacam-se, ainda, outros serviços como o EuropeAid, o EuroStat, o OLAF e o Serviço de Auditoria Interna. Estes
têm a seu cargo um conjunto variado de questões administrativas.

7.5. Atribuições e competências

A Comissão garante, em primeira linha, o funcionamento e o desenvolvimento do mercado interno, numa posição
de independência internacional perante os Estados-Membros e tendo em conta, unicamente, o interesse geral da
União. Além disso, a Comissão tem importantes responsabilidades na representação externa da UE, cabendo-lhe
negociar e ajustar, em seu nome, convenções internacionais a aprovar pelo Conselho.

a) Função de iniciativa

Através dos seus poderes formais de iniciativa, a Comissão atua como “motor” da integração europeia. Para além
do seu relevo dinamizador do debate político, a Comissão dispõe de importantes poderes de iniciativa em vários
domínios.

Desde logo, toma a iniciativa de programação anual e plurianual, com vista à obtenção de acordos interinstitucionais
(Art. 17º/1 TUE).

A sua iniciativa tem, para além disso, relevo especial no exercício dos poderes legislativos, em que é a regra. A mesma
é mitigada apenas pela possibilidade dada ao Conselho e aos cidadãos de convidar a Comissão a fazer uma proposta.
Também não pode ser esquecido o relevo material do impulso político do Conselho Europeu. O princípio geral do
exclusivo da iniciativa legislativa da Comissão tem um fundamento substantivo; com ele pretende-se que as iniciativas
legislativas no seio da UE sejam motivadas por uma avaliação do interesse global da União, e não apenas uma
avaliação dos interesses nacionais. Deste modo, afirma-se a primazia do interesse geral europeu e a autonomia e a
independência da Comissão face aos Estados-Membros. Visa-se, igualmente, reforçar a proteção das minorias de
uma maioria qualificada no Conselho. Os desvios às propostas da Comissão requerem, em regra, a unanimidade dos
membros do Conselho. A iniciativa da Comissão deve ser expressamente prevista, no âmbito do disposto nos Arts.
26º, 42º, 43º, 74º, 107º, 114º TFUE, entre outros. Num registo de alta política, encontramos poderes de iniciativa no
domínio da alteração dos tratados (Art. 48º/2/6 TUE).

Naturalmente, o poder de iniciativa da Comissão é exercido em articulação com os Estados e demais instituições e
órgãos da UE (Art. 289º/4 TFUE). A mesma também está recetiva a sugestões dos Estados, órgãos da UE e, inclusive,
de particulares. Os poderes de iniciativa da Comissão estão sujeitos aos princípios da atribuição de competências, da
subsidiariedade, da proporcionalidade e do financiamento. Esta função é indissociável do papel da Comissão na
garantia de coerência da ação interna e externa da UE (Arts. 21º/3, 22º/2, 24º e 27º/3 TUE). É, por fim, uma importante
compensação para o facto de o poder de decisão política e legislativa caber ao Conselho Europeu e ao Conselho.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

b) Função normativa

No âmbito normativo, a Comissão dispõe, na prática, de um poder significativo de decisão e conformação quanto ao
momento, conteúdo, modo, forma e densidade das medidas normativas que venham a ser adotadas pelo Conselho
e pelo PE. Todavia, para além disso, a Comissão exerce poderes normativos próprios e poderes normativos
delegados.

Os poderes normativos próprios são-lhe atribuídos diretamente pelos Tratados, tal como sucede em matéria de
regulamentos sobre a permanência no território de um trabalhador para além da duração do contrato (Art. 55º/3, al.
d) TFUE) ou de diretivas sobre empresas públicas ou empresas detentoras de direitos exclusivos (Art. 106º/3 TFUE).

Relativamente aos poderes normativos delegados, admite-se a existência de atos legislativos de delegação de
competências normativas na Comissão (Art. 290º TFUE), pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Estes atos de
alcance geral podem completar ou alterar elementos não essenciais dos atos legislativos, devendo estes fixar os
objetivos, o conteúdo, o âmbito de aplicação e o período de vigência da delegação de poderes. A possibilidade de
delegação justifica-se, normalmente, por causa da excessiva morosidade do legislador primário e da necessidade de
responder de forma adequada a imperativos de eficiência, necessidade e urgência. Vigora, aqui, um princípio de livre
revogabilidade do ato de revogação e mantém-se a possibilidade de o Conselho e o PE impedirem a entrada em
vigor do mesmo, mediante mera votação maioritária. Consequentemente, o papel da Comissão no processo
legislativo tem vindo a ser mitigado pelo reforço do PE e da sua interação com o Conselho.

c) Função orçamental

À Comissão compete recolher as previsões de receitas e despesas para o exercício orçamental seguinte, apresentadas
pelas várias instituições, e reuni-las num projeto de orçamento. Este projeto de orçamento será apresentado, como
proposta, ao PE e ao Conselho, a quem compete elaborar e aprovar o orçamento. Na procura de acordo entre estas
instituições, a Comissão participa nos trabalhos do Comité de Conciliação previsto para o efeito, podendo ser
chamada a apresentar novo projeto de orçamento (Art. 314º TFUE).

d) Função executiva

A Comissão vela pela aplicação dos Tratados e das medidas adotadas pelas instituições comunitárias por força
destes (Art. 17º/1 TUE). Cabe-lhe assegurar a execução do direito europeu originário e derivado e respetiva aplicação,
procurando uma maior coordenação e gestão. A mesma dispõe de competência especificada para a emissão de atos
individuais e concretos de emissão, como disposto nos Arts. 105º e 126º TFUE. É, ainda, responsável pela
administração dos diferentes fundos (Arts. 40º/3, 43º, 163º e 175º TFUE).

Esta função pode envolver alguns poderes normativos, prevendo-se, com efeito, a possibilidade de os Estados, no
exercício da sua obrigação de execução dos atos juridicamente relevantes vinculativos da UE, delegarem poderes
normativos à Comissão, quando forem necessárias condições uniformes de execução; nestes casos, os atos de
execução devem ser especificados como tal (Art. 291º TFUE). Além disso, ela envolve a competência especificada para

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a emissão de atos individuais e concretos de execução. Por fim, esta função implica o dever de execução do
orçamento, juntamente com os Estados, de acordo com princípios de boa gestão financeira (Art. 317º TFUE).

e) Função de vinculação internacional

A Comissão participa no processo de vinculação internacional da UE, podendo formular recomendações ao


Conselho sobre as negociações (Art. 218º/3 TFUE). Esta capacidade é, naturalmente, indissociável da sua função de
representação externa, que a obriga a estabelecer contactos com todos os Estados e organizações internacionais.

f) Função de representação externa

A Comissão realiza importantes funções de representação externa da UE, com exceção da política externa e de
segurança comum, que tem o seu próprio Alto Representante, e dos restantes casos previstos nos Tratados (Art.
17º/1 TUE). No âmbito desta função, a Comissão tem a oportunidade de estabelecer uma ampla rede de contactos
internacionais, granjeando por essa via uma capacidade de influência política considerável.

g) Função de representação dos Estados-Membros

Os Tratados pretendem que a UE goze de uma ampla capacidade jurídica. Deste modo, estão estabelecidos
privilégios e imunidades necessários ao cumprimento das suas missões. Simultaneamente, a UE pode ter legitimidade
processual ativa e passiva juntos dos tribunais nacionais. Em princípio, cabe à Comissão representar a UE, no entanto,
o Art. 335º TFUE dispõe que a UE é representada por cada uma das instituições, ao abrigo da respetiva autonomia
administrativa, nas questões ligadas ao respetivo funcionamento.

h) Função de supervisão económica e orçamental

A Comissão está no centro do sistema híbrido e multinível de governança financeira e orçamental da UE. Tem a
competência de desencadear procedimentos de défice, dívida e desequilíbrio macroeconómico excessivos,
aprofundando o procedimento previsto no Art. 126º TFUE.

Cabe-lhe, igualmente, controlar a observância, por parte dos Estados-Membros, de requisitos mínimos para a
conceção e operação das leis orçamentais nacionais e as previsões económicas da UE, pretendendo-se a coordenação
das políticas económicas da UE.

Dispõe, ainda, de poderes de supervisão económica, incluindo os programas de ajustamento orçamental. O Pacto
Orçamental instituiu um dever de equilíbrio orçamental, tendo atribuído à Comissão importantes funções na garantia
da coordenação económica e disciplina orçamental dos Estados da Zona Euro. Os Arts. 7º e 8º do referido Pacto
conferem à Comissão poderes de supervisão e controlo ex ante e ex post da disciplina orçamental dos Estados,
podendo conduzir à adoção de sanções semiautomáticas.

i) Função de controlo

A Comissão tem, neste domínio, importantes poderes de controlo, sob fiscalização do TJUE (Art. 17º/1 TUE). Para o
desempenho de tal função, a Comissão dispõe de poderes de recolha de informações e verificações necessárias (Art.

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337º TFUE). Pode colaborar com os Estados na avaliação objetiva e imparcial da execução das políticas da União
relativas ao espaço de liberdade, justiça e segurança (Art. 70º TFUE). Do mesmo modo, pode controlar as infrações
aos mesmos (Arts. 105º e 106º/3 TFUE) e às regras sobre auxílios de Estados (Art. 108º TFUE) ou as disparidades entre
Estados falseadoras da concorrência (Arts. 116º e 117º TFUE).

Além disso, a Comissão tem o dever de investigar as queixas que lhe são apresentadas pelos particulares, bem como
o dever de controlar a utilização dos fundos pelos Estados. De relevo especial, surge o seu poder de intentar ações
de incumprimento do Direito da UE contra os Estados-Membros (Art. 258º a 260º TFUE). Por fim, auxilia o controlo
por parte dos órgãos da UE, sendo obrigada a publicar anualmente um relatório geral sobre as atividades da União
(Art. 249º/2 TFUE).

8. Tribunal de Justiça

O TJUE tem tido um relevantíssimo papel jurídico-normativo, sendo claras as suas funções de criação de Direito da
UE (law making) e de propulsão da integração europeia. O mesmo constitui uma das instituições a quem, nos termos
do TUE, cabe assegurar a realização das tarefas confiadas à União Europeia; deste modo, é uma das principais – e
originárias – instituições na arquitetura institucional da UE. O seu papel é garantir a correta interpretação e aplicação
do DUE, afirmando-se como uma jurisdição permanente, independente e de competência obrigatória. Para além da
sua função interpretativa e integradora do Direito da UE originário e derivado, o TJUE funciona como instância de
apelação. Funciona, cada vez mais, como um supremo tribunal na União, com um papel central na fiscalização jurídica
na garantia da uniformidade da jurisprudência.

É integrado pelo Tribunal de Justiça stricto sensu (TJ), pelo Tribunal Geral – antigo Tribunal de Primeira Instância –,
que foi criado com os objetivos de libertar o TJ de ações menos relevantes (relacionadas com o funcionalismo público
comunitário) e de deixar ao TJ a sua função primordial de interpretação do Direito da União Europeia e, ainda, pelos
Tribunais Especializados (como é o caso do Tribunal da Função Pública que foi, entretanto, dissolvido em 2016). A
sua sede localiza-se no Luxemburgo.

8.1. Jurisdição

A jurisdição do TJUE trata-se de uma jurisdição por atribuição, já que tal tribunal apenas exerce as atribuições que
lhe são conferidas pelos Tratados, não excluindo qualquer competência dos tribunais nacionais; não há,
consequentemente, qualquer relação hierárquica entre o TJUE e os tribunais nacionais.

A sua jurisdição é obrigatória, sendo desnecessário qualquer ato de submissão à mesma (sendo que bastou a
ratificação dos Tratados); tendencialmente completa, uma vez que abrange quase todas as questões contenciosas no
âmbito da União Europeia; exclusiva, já que as partes não podem recorrer aos tribunais nacionais ou a qualquer meio
judicial ou arbitral de resolução de litígios para dirimir conflitos quanto aos Tratados; e, por fim, definitiva, pois as
decisões do TJ formam caso julgado (quando não forem admissíveis mais recursos).

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8.2. Composição

O TJUE é composto por um juiz por Estado-Membro, sendo assistido por Advogados-Gerais (Art. 19º/2 TUE). Reúne-
se em secções (de 3 ou 5 juízes), grande secção (15 juízes) e, excecionalmente, como Tribunal Pleno.

O Presidente do TJUE é eleito pelos juízes pelo período de três anos, tendo a possibilidade de ser reeleito (Art. 253º
TFUE). O Tribunal de Justiça da UE integra um secretariado com funcionários hierarquicamente organizados na
dependência do secretário e sob autoridade do Presidente.

8.3. Funções

O TJUE dispõe de variadas funções, entre as quais:

 Função de criação do Direito da UE e de propulsão da integração europeia;


 Função interpretativa e integradora do Direito da UE originário e derivado (em colaboração com os tribunais
nacionais);
 Instância de apelação, conhecendo os recursos das questões de direito interpostos das decisões do TG;
 Fiscalização jurídica na garantia da uniformidade da jurisprudência;
 Controlo da atuação ou inação legal das instituições e órgãos da União;
 Controlo do cumprimento do DUE pelas autoridades nacionais.

8.4. Juízes

Os tribunais da UE devem ser independentes relativamente à União Europeia e aos Estados-Membros e imparciais
no exercício da função jurisdicional. Eles devem sujeição unicamente ao Direito da União, visto que só assim é
assegurada a proteção jurídica efetiva e o processo justo e equitativo.

Deste modo, os juízes do TJ e do TG são escolhidos de entre personalidades que ofereçam todas as garantias de
independência (Art. 19º/2 TUE). Nos termos dos Arts. 253º e 254º TFUE, os mesmos devem reunir as condições
exigidas para o exercício das mais altas funções jurisdicionais ou ser jurisconsultos de reconhecida competência. Os
juízes estão sujeitos a um regime estrito de incompatibilidades, estando, em princípio, impedidos de exercer funções
políticas ou administrativas ou qualquer outra atividade profissional, remunerada ou não (Art. 4º ETJUE), visando
garantir, igualmente, a plena disponibilidade e dedicação à função.

São nomeados de comum acordo, por seis anos, pelos Governos dos Estados-Membros, após consulta a um Comité
– que integra sete elementos que podem ser antigos membros do TJUE e do TG, membros dos supremos tribunais
nacionais ou juristas de reconhecida competência, um dos quais escolhido pelo PE (Art. 255º TFUE) – que dá parecer
sobre a adequação dos candidatos ao exercício das funções.

O mandato dos juízes do TJ e do TG é de seis anos, renovável, havendo lugar à substituição parcial dos juízes de 3
em 3 anos, de forma a assegurar a mudança na continuidade, incidindo sobre 14 e 13 juízes alternadamente.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

8.5. Advogados-Gerais

O TJ é assistido por advogados-gerais (Art. 19º TUE), a quem cabe apresentar publicamente, com toda a
imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que lhe tenham sido submetidas, tendo
em vista facilitar a sua apreciação. Em princípio, são oito os advogados-gerais, embora o seu número possa ser
aumentado para 11 por decisão unânime do Conselho (Art. 252º TFUE). O Estatuto do TG também pode prever a sua
assistência por advogados-gerais (Art. 245º/1 TFUE).

Como já referido, apresentam conclusões fundamentadas, propondo ao Tribunal a decisão num determinado sentido,
contudo, o TJ não se encontra vinculado a essas conclusões, tomando-as, porém, em consideração e, num grande
número de casos, acaba por decidir em sentido concordante com as mesmas. O advogado-geral pode ir para além
das limitações impostas à apreciação do juiz, considerando outras questões e dando indicações suplementares aos
tribunais nacionais. As suas conclusões são publicadas conjuntamente com o acórdão do TJ (dando uma sensação
de unidade) e podem ajudar a consolidar mudanças no DUE.

Quais as razões na base da existência do Advogado-Geral?

 Não são admitidas opiniões de vencido ou dissidentes no DUE, para se salvaguardar a independência dos
juízes e evitar que se coloque em causa a unidade e força do Direito da União.
 De acordo com o princípio do segredo – Art. 2º ETJUE –, não se sabe quantos juízes votaram contra ou a
favor de uma decisão (a língua de trabalho é, inclusive, o francês, de modo que não sejam necessários
tradutores e intérpretes durante a discussão ou aquando da tomada de decisões).
 Os acórdãos apenas refletem o consenso final a que se chega e não todas as questões discutidas, pelo que,
por vezes, não são tão sólidos do ponto de vista argumentativo ou inovadores como deveriam.
 O Advogado-Geral introduz alguma polaridade e consistência argumentativa que seja suscetível de competir
com a do Tribunal.

8.6. Tribunal Geral

Junto do TJUE encontramos o Tribunal Geral (TG), composto por, pelo menos, um juiz de cada Estado-Membro (Art.
19º/2 TUE). O número final dos juízes é fixado pelo estatuto do TJUE (Art. 254º/1 TFUE). O Tratado de Lisboa veio
designar o TG enquanto Tribunal de 1ª instância que, desde 1989, existe para conhecer em primeira instância de
certas categorias de ações.

A criação do TG serviu dois objetivos fundamentais: aumentar a proteção jurisdicional efetiva dos cidadãos europeus,
através da introdução do princípio do duplo grau de jurisdição (admitia-se recurso para o TJUE limitado às questões
de direito e nas condições definidas pelo respetivo Estatuto) e a libertação do TJUE para a realização da sua função
interpretativa uniformizadora do Direito da União Europeia.

Este tribunal funciona em Grande Secção (15 juízes), Secções (3 ou 5) ou com juiz singular. A sua jurisdição (Art. 256º
TFUE) inclui:

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Escrutínio da legalidade de atos adotados pelas Instituições ou pelo BCE (normalmente iniciadas por
privados);
 Ações relativas à inação de instituições ou do BCE (normalmente iniciadas por privados);
 Ações de indemnização (iniciadas por privados);
 Jurisdição na sequência de uma cláusula arbitral;
 Recurso das decisões em matéria de direito dos tribunais especializados (ou de outras entidades como o
Instituto de Harmonização do Mercado Interno e o Instituto Comunitário das Variedades Vegetais).

Assim, como sabemos em que tribunal intentar a ação: TJ ou TG?

1. A regra é de que a ação deve ser intentada no Tribunal Geral, cabendo recurso para o Tribunal de Justiça.
2. Exceções (Art. 51º ETJUE): ações propostas por ou contra um Estado-Membro e processos de reenvio
prejudicial.

8.7. Tribunais Nacionais

Os tribunais nacionais também se afirmam como tribunais comunitários sempre que aplicam e interpretam qualquer
norma de Direito da União Europeia. Por isso se afirma que os tribunais nacionais são os “tribunais comuns de direito
comunitário”.

Como se garante a uniformidade na interpretação e aplicação do mesmo? Em grande parte, por via do mecanismo
do reenvio prejudicial.

9. Banco Central Europeu

O Art. 13º/1 TUE estabelece o Banco Central Europeu (BCE) como instituição da União Europeia. Os seus poderes
são-lhe confiados diretamente pelos Tratados, e não por delegação de outras instituições, o que lhe confere
dignidade constitucional. Deste modo, a modificação dos poderes do BCE depende da modificação dos Tratados.

O BCE constitui uma pedra fundamental no projeto europeu de integração económica, colocada quando o Tratado
de Maastricht veio estabelecer a criação de uma União Económica e Monetária como um dos principais objetivos da
UE. Este promove a estabilidade de preços na União e conduz a política monetária na Zona Euro; por sua vez, no
plano internacional, confere à UE uma única voz no sistema financeiro internacional.

O BCE tem personalidade jurídica, sendo independente no exercício dos seus poderes e na gestão das suas finanças.
As instituições da UE e os Estados-Membros estão obrigados a respeitar esta independência, nos planos pessoal,
político e financeiro (Arts. 130º e 282º/2/3 TFUE). A sua sede está localizada em Frankfurt, na Alemanha.

9.1. Organização

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a) Conselho do BCE

O Conselho do BCE é constituído pelos membros da Comissão Executiva do BCE e pelos governadores dos Bancos
Centrais Nacionais dos Estados-Membros cuja moeda seja o Euro (Art. 283º/1 TFUE) e reúne, pelo menos, 10 vezes
por ano, nos termos do Art- 10º-5 ESEBC. Os seus membros participam no órgão numa posição de total
independência relativamente aos respetivos Estados. O exercício do direito ao voto está regulado em função do
número de governadores, que aumenta à medida que os Estados-Membros aderem ao Euro, entrando num regime
de rotatividade e ponderação a partir do momento em que o número de governadores for superior a 15 (Art. 10º
ESEBC).

O nível de articulação institucional que pressupõe é necessário à procura da “economic policy mix” mais adequado,
visando, pois, uma articulação da política monetária.

b) Comissão Executiva

A Comissão Executiva do BCE tem por missão executar a política monetária de acordo com as orientações e as
decisões estabelecidas pelo Conselho do BCE, que nela pode delegar algumas competências (Art. 12º ESEBC). Ela
integra um Presidente, o vice-presidente e quatro vogais (Art. 283º/2 TFUE e Art. 11º PESEBC). Os mesmos são
nomeados pelo Conselho Europeu, por maioria qualificada, por recomendação do Conselho, após consulta ao
Parlamento Europeu e ao Conselho do BCE.

O seu mandato é de 8 anos, não renovável (Art. 283º TFUE), constituindo uma garantia estrutural da independência
do BCE; os membros da Comissão Executiva exercem o seu mandato a tempo inteiro, estando impedidos de exercer
qualquer outra atividade, remunerada ou não. No exercício das suas funções, a Comissão Executiva pode dar
instruções aos BCN’s, podendo recorrer a eles para o exercício de operações inseridas no âmbito das suas atribuições.

9.2. Funções

a) Função de coordenação da política monetária

O BCE conduz a política monetária da UE (Art. 128º/1 e 282º/3 TFUE), tendo também a função de garantia da
estabilidade de preços (Art. 127º TFUE). O BCE apoia, ainda, a realização das orientações de política geral da UE.

Para o exercício das suas funções, o BCE pode aprovar regulamentos, tomar decisões e formular recomendações e
pareceres, bem como pode aplicar multas e sanções pecuniárias compulsórias.

b) Função consultiva

O BCE dispõe de competências consultivas, podendo ser consultado e apresentar pareceres, no âmbito das suas
atribuições, às instituições e órgãos da UE e aos Estados, sobre projetos de atos da UE e projetos de regulamentação
a nível nacional (Arts. 127º/4 e 282º/5 TFUE).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

10. Tribunal de Contas

O Art. 13º TFUE confere ao Tribunal de Contas o estatuto de instituição da UE. Esta opção inscreve-se numa tendência
geral, nos setores público e privado, de reforço do estatuto das entidades de auditoria e controlo financeiro à escala
global. Trata-se, neste caso, de uma instituição responsável pela fiscalização das contas da UE, independente dos
Estados-Membros.

Esta instituição encarrega-se, ainda, de assegurar a boa gestão financeira, de exercer poderes de controlo relevantes
e, por fim, de apresentar às demais instituições um relatório anual de exercício. Exerce as suas funções no quadro de
uma relação de confiança com as autoridades de controlo financeiro dos Estados-Membros.

É composto por um nacional de cada Estado-Membro, que exercem as suas funções com total independência e no
interesse da União Europeia. São selecionados através de uma proposta do Estado – com base na competência
técnica –, seguindo-se a consulta ao PE e consequente aprovação pelo Conselho, por maioria qualificada. O mandato
é de seis anos e é renovável. Por sua vez, o Presidente é eleito pelos seus pares, por um período de três anos,
podendo, igualmente, ser reeleito.

11. Órgãos consultivos – a Comitologia

Para além das instituições da UE, existem outros órgãos que merecem destaque. O PE, o Conselho e a Comissão são
assistidos por alguns comités de natureza consultiva:

A “comitologia” pretende que a resolução dos problemas resulte de um processo não apenas de consulta e interação
burocrática, mas de deliberação democrática, com lugar para reflexão alargada, racionalidade dialógica e decisão
participada. Por esta via, ela contribui para reforçar a “legitimação de input” no processo de decisão da UE.

a) Comité Económico e Social

O Comité Económico e Social Europeu (CESE) está previsto no Art. 13º/4 TUE e 301º ss TFUE. Trata-se de uma instância
consultiva, composta por representantes de organizações de trabalhadores e de empregadores e de outros grupos
de interesse. É composto por 326 membros de todos os países da União Europeia, designados pelos Governos

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

nacionais e nomeados pelo Conselho da União Europeia, por períodos renováveis de cinco anos. O CESE elege o seu
Presidente e dois Vice-Presidentes, por períodos de dois anos e meio.

O Comité emite pareceres sobre temáticas europeias dirigidos à Comissão Europeia, ao Conselho e ao Parlamento
Europeu, fazendo a ponte entre as instâncias de decisão da UE e os cidadãos. Em alguns casos, a sua consulta durante
o processo legislativo é obrigatória. O CESE mantém, igualmente, contacto com os conselhos económicos e sociais
regionais e nacionais da União, partilhando informações e discutindo questões de interesse comum.

Tem três funções principais, que consistem em velar por que a política e a legislação da UE atendam às condições
económicas e sociais, tentando chegar a um consenso favorável ao interesse geral; promover uma UE participativa,
dando voz às organizações de trabalhadores e de empregadores e a outros grupos de interesse, e mantendo o
diálogo com todos os intervenientes; e, finalmente, defender os valores da integração europeia e a causa da
democracia participativa e das organizações da sociedade civil.

b) Comité das Regiões

Criado em 1994, o Comité das Regiões (previsto nos Arts. 13º/4 TUE e 305º TFUE) é um órgão consultivo, composto
por 350 representantes eleitos de autoridades regionais e locais dos 27 países da União Europeia, os quais são
nomeados para um mandato de cinco anos pelo Conselho, sob proposta do respetivo país. O Comité das Regiões
designa o Presidente de entre os seus membros, por um período de dois anos e meio.

O Comité das Regiões Europeu designa um relator – de entre os seus membros – encarregado de consultar as partes
interessadas e de elaborar um parecer. O texto é discutido e aprovado pelo Comissão do Comité das Regiões europeu
responsável pela área política em causa. O parecer é, então, apresentado a todos os membros em sessão plenária,
onde é submetido a votação com vista à respetiva alteração e adoção. Uma vez aprovado, o parecer é divulgado e
enviado às instituições europeias.

Através do Comité das Regiões Europeu, as regiões e as cidades têm voz ativa no processo legislativo europeu,
garantindo esta instância que os interesses e as necessidades das autoridades regionais e locais são devidamente
considerados.

➜ A Comissão Europeia, o Conselho da UE e o Parlamento Europeu devem consultar o Comité das Regiões Europeu
quando elaboram textos legislativos sobre matérias em que as autoridades regionais e locais têm uma palavra a dizer,
como é o caso do emprego, da política social, da coesão económica e social, dos transportes, da energia e das
mudanças climáticas. Se tal não acontecer, o Comité das Regiões Europeu pode interpor uma ação junto do Tribunal
de Justiça. Uma vez recebida a proposta legislativa, o CRE elabora e aprova um parecer que envia às outras instituições
europeias.

➜ O Comité das Regiões europeu emite, também, pareceres de sua própria iniciativa.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

10. Provedor de Justiça Europeu

O Provedor de Justiça Europeu é designado pelo Parlamento Europeu (Art. 228º TFUE), atuando com independência
e imparcialidade em casos de salvaguarda de direitos fundamentais e do Estado de Direito, apreciando a má
administração na atuação das instituições e órgãos comunitários (exceto do TJ aquando do exercício de funções
jurisdicionais) e da melhoria dos serviços fornecidos pelas mesmas. É competente para receber queixas apresentadas
por qualquer cidadão da União ou qualquer pessoa singular ou coletiva com residência ou sede estatuária num
Estado-Membro. O seu mandato tem a duração de cinco anos.

É-lhe reconhecida a possibilidade de condução de inquéritos, mas sem legitimidade para iniciar processos judiciais.
Verifica-se uma certa ausência de poderes decisórios (emissão de recomendações, relatórios, tarefas de mediação e
de ligação com os Provedores de Justiça nacionais).

Sempre que o Provedor de Justiça constate uma situação de má administração, apresentará o assunto à instituição,
órgão ou organismo em causa, que dispõe de um prazo de três meses para lhe apresentar a sua posição. O Provedor
de Justiça enviará, seguidamente, um relatório ao Parlamento Europeu e àquela instituição, órgão ou organismo. A
pessoa que apresentou queixa será informada do resultado dos inquéritos.

11. Agências Administrativas Independentes

A UE é uma entidade extremamente complexa, enfrentando enormes e complexos desafios no mundo globalizado.
Por esse motivo, o exercício da função administrativa tem sofrido um processo de diferenciação e de especialização.
Ao lado das instituições tradicionais da UE e dos seus comités consultivos, tem-se desenvolvido um espaço de
“governança tecnocrática” funcionalmente orientada. As Agências Administrativas Independentes, dotadas de
personalidade jurídica (mesmo quando de nível secundário) visam ajudar a regular um determinado setor e executar
as políticas públicas da União. As mesmas podem estar ligadas:

➜ Ao funcionamento do mercado interno:

 Agência Ferroviária Europeia (ERA);


 Agência Europeia de Medicamentos (EMEA);
 Agência Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA);
 Agência Europeia das Substâncias Químicas (ECHA).

➜ À cooperação policial e judiciária:

 Academia de Polícia Europeia (CEPOL);


 Serviço Europeu de Polícia (Europol);
 Unidade Europeia de Cooperação Judiciária (EuroJust).

➜ À política externa e de segurança comum:

 Agência Europeia de Defesa (EDA);

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Centro de Satélites da União Europeia (EUSC);


 Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (ISS).

12. Representação e Participação Democrática

A União Europeia está vinculada ao princípio democrático, nos termos dos Arts. 2º e 10º TUE. Neste sentido, no
contexto europeu, a democracia tem sido construída de várias maneiras:

 Reforço da legitimidade democrática do PE;


 Reforço dos poderes de decisão normativa e de controlo do PE;
 Ampliação e consolidação dos direitos da cidadania europeia;
 Reforço dos direitos de iniciativa popular dos cidadãos europeus;
 Maior participação de representantes de setores económicos e sociais e regiões;
 Reforço do debate aberto e da participação na preparação das decisões;
 Garantia de transparência e prestação de contas no funcionamento de todas as instituições;
 Aumento dos poderes dos parlamentos nacionais.

Capítulo IV – Estruturas Normativas

I – O Direito Europeu

O Direito da União Europeia, aplicável num conjunto de 27 Estados (após o Brexit) é uma imponente construção,
dotada de implicações político-culturais do maior relevo. Embora a ordem jurídica da UE repouse na união das
vontades dos Estados-Membros, desde cedo adquiriu autonomia normativa e natureza quase constitucional. O seu
desenvolvimento tem sido crucial para a consolidação das comunidades e da UE, que lhes sucedeu. O poder
integrador do direito é expressamente reconhecido no processo de unificação europeia. O princípio da cooperação
leal, ao postular a obrigação, por parte dos Estados-Membros, de adoção de todas as medidas adequadas ao
cumprimento das obrigações comunitárias, domina as relações entre o Direito da UE e o Direito nacional,
assegurando a integração jurídica e social da UE e dos povos que a integram. Ele compreende direito escrito e não
escrito, apresentando-se hierarquicamente estruturado como direito primário, secundário e terciário.

II – Estruturas Normativas do Direito da UE

À semelhança do que sucede nos ordenamentos jurídicos nacionais, o ordenamento jurídico da UE apresenta-se
hierarquicamente estruturado. Na categoria genérica das fontes de direito, importa distinguir entre fontes de direito
primário e fontes de direito secundário ou derivado, distinção esta que reveste grande importância, na prática, na
medida em que o direito primário constitui parâmetro material e formal de controlo da validade do direito
secundário. O direito primário integra o bloco de constitucionalidade da UE, ainda que se trate de um direito derivado
da soberania dos Estados-Membros.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

A. Direito Primário

O direito primário, ou originário, trata-se do direito criado pelos Estados-Membros através de tratados internacionais,
constituído pelas normas que criaram a União Europeia, bem como por aquelas normas que, de forma global ou
parcelar, geral ou específica, vêm modificando e complementando o sentido dos tratados originários.

Assume uma posição de supremacia na hierarquia das normas do Direito da UE. Ele integra o chamado direito
constitucional da UE – mesmo que se entenda que se trata aqui de um direito constitucional derivado da soberania
dos Estados. Esta posição de hierarquia manifesta-se, desde logo, pelo facto de:

 A União Europeia, por força do princípio das atribuições, só poder intervir para realizar os objetivos e exercer
as competências que lhe são atribuídas por via dos Tratados;
 Nenhum dos atos das instituições ou órgãos da União pode deixar de encontrar a sua base jurídica numa
norma de direito originário, sob pena de invalidade (Art. 296º TFUE);
 O direito primário se afirmar como parâmetro de validade de todo o direito derivado;
 O direito primário não poder ser considerado inválido pelo TJUE, mas apenas interpretado por ele (Ac. Os
Verdes c. Parlamento Europeu).

Deste modo, em concreto, que documentos integram este direito originário ou derivado da União Europeia?

 Os tratados institutivos das Comunidades Europeias – Paris e Roma – e da União Europeia – Maastricht;
 Os tratados que vieram rever globalmente os tratados originários (AUE, Maastricht, Amesterdão, Nice e
Lisboa);
 Os tratados que promoveram modificações parcelares do ordenamento jurídico-institucional de base das
Comunidades (Tratado de Fusão) e da União;
 A Convenção relativa a certas instituições comuns às três Comunidades (Roma);
 Tratados que alteraram disposições específicas do sistema financeiro e orçamental das Comunidades
(Tratados do Luxemburgo e de Bruxelas);

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Ato de 20 de setembro de 1976, relativo à eleição do Parlamento Europeu, por sufrágio universal, direto e
secreto;
 Os tratados de adesão;
 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – Art. 6º TUE);
 Os Protocolos e Anexos aos Tratados (Art. 51º TUE);
 Atos que alteram disposições de direito originário, por força de previsão no próprio;
 Decisões relativas ao financiamento da União Europeia;
 Os princípios gerais de direito comunitário.

➜ Todas estas normas formam um todo unitário, que deve ser tomado no seu conjunto, o que significa que não há
hierarquia entre as várias disposições normativas de direito originário. Nesta medida, em caso de conflito normativo,
devem as mesmas ser objeto de compatibilização, de acordo com os critérios gerais aplicáveis às regras com idêntico
valor jurídico:

 A norma posterior prevalece sobre a norma anterior;


 As disposições normativas específicas prevalecem sobre as disposições gerais.

F. Lucas Pires afirmava que o direito comunitário originário era uma verdadeira “carta constitucional das
Comunidades”.

1. Tratados instituidores e de revisão

A UE, tal como a conhecemos, teve por base os tratados CECA (1951), e CEE e CEEA (1975). Desde então, os mesmos
foram sucessivamente alterados. Deste modo, atualmente:

As revisões dos Tratados criaram uma espécie de “coluna geológica” em que se foram
sedimentando e estratificando as diferentes fases do processo de integração europeia.
Nestes instrumentos encontram-se as normas sobre os valores, os princípios, os
objetivos e as regras que presidem ao processo de integração europeia. Aí se encontram
regulados os órgãos, os procedimentos e as formas através das quais se desenvolve a
atividade da UE.

Os Tratados vinculam todos os Estados-Membros. Porém, o TJUE tem entendido que


estes instrumentos normativos pretendem, não apenas regular as relações entre os
Estados-Membros, mas igualmente afetar o ordenamento jurídico de cada um deles.
Deste modo, estabeleceu que certas partes dos Tratados produzem efeito direto vertical
e/ou horizontal e são justiciáveis perante os tribunais nacionais. Tal acontecerá quando as respetivas normas tenham
um conteúdo claro, preciso, incondicional (“self-executing”) e não discricionário, conferindo direitos (lato sensu) ou
impondo obrigações aos cidadãos. Isto exclui, evidentemente, as normas dos Tratados de conteúdo programático,
genérico ou processual, que não podem por isso ser consideradas “juridicamente perfeitas”. A aplicabilidade direta
ou efeito direto de algumas normas dos Tratados é uma condição funcionalmente adequada à realização dos

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

objetivos por eles definidos, de integração, efetividade e aplicação uniforme, perante a pluralidade dos Estados
soberanos.

2. Protocolos adicionais, declarações e atos complementares

É identificável um amplo conjunto de Declarações relativas a disposições dos Tratados ou de Protocolos anexos aos
mesmos. Assim, por exemplo, a Ata Final das Conferências dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros,
de 23 de julho de 2007, adotou não apenas o Tratado de Lisboa, mas também um vasto conjunto de Protocolos
anexados ao TUE e ao TFUE. Trata-se de uma prática que já vem do início das Comunidades precursoras da UE e
dizem respeito a variadíssimas matérias.

Estas fontes não têm necessariamente força jurídica vinculativa, ainda que desempenhem um papel bastante
importante no processo de interpretação e aplicação dos Tratados.

A natureza jurídica destes Protocolos anexos e Declarações encontra o seu fundamento na Convenção de Viena sobre
os Direitos dos Tratados (CVDT), quando determina, no seu Art. 31º/2, que:

“Para efeitos de interpretação de um tratado, o contexto compreende, além do texto, preâmbulo e anexos incluídos:

a) Qualquer acordo relativo ao tratado e que tenha sido celebrado entre todas as Partes quando da conclusão
(do mesmo);
b) Qualquer instrumento estabelecido por uma ou mais Partes quando da conclusão do Tratado e aceite pelas
outras Partes como instrumento relativo ao tratado”.

3. Condições de admissão e atos de adesão

Também integram o direito primário da UE as condições de adesão de Estados terceiros e atos de adesão de novos
Estados-Membros (além da Alemanha, França, Itália e BENELUX, que têm estatuto de membros fundadores das
Comunidades e da UE que lhes sucedeu). As normas dos tratados de adesão têm o mesmo valor jurídico que os
demais instrumentos de direito primário, revestindo-se do maior relevo quando atribuam aos Estados direitos e
deveres distintos dos consagrados nos Tratados, que derroguem as normas dos Tratados e que tenham natureza
transitória.

4. Princípios gerais do Direito da União Europeia

Integram ainda o direito comunitário originário os princípios gerais de direito europeu, os quais assumem um papel
do maior relevo na interpretação das normas existentes e no preenchimento de lacunas de um ordenamento jurídico
que é, ainda, bastante incompleto, na medida em que regem, de forma juridicamente vinculativa, a atividade das
instituições e órgãos da UE e dos Estados, incluindo os respetivos tribunais.

Os princípios designam as proposições jurídicas que exprimem decisões normativas estruturantes, pelas quais se
manifestam os valores e as aspirações essenciais de uma ordem jurídica. Estes integram o direito primário, orientando

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a sua interpretação e aplicação e integrando as suas insuficiências. De forma tendencial, os princípios podem ser
agrupados com base na maior generalidade e abstração das suas formulações; podemos, pois, encontrar:

 Princípios gerais do direito (princípio da segurança jurídica; confiança legítima; igualdade de tratamento);
 Princípios gerais de direito internacional;
 Princípios gerais de direito constitucional;
 Princípios específicos do direito da UE.

De alguns desses princípios pode dizer-se que desempenham uma função conformadora e estruturante do sistema
jurídico da UE. Importa sublinhar, inclusive, que a União Europeia se autocompreende hoje como uma Comunidade
de Valores – como sejam a dignidade humana, a liberdade, a democracia, os direitos humanos e o Estado de Direito
(Art. 2º TUE). Estes princípios conformam positivamente toda a ordem comunitária, juntamente com as próprias
políticas da UE, articulando-se com todo um acervo de princípios que têm sido desenvolvidos na ordem internacional,
na ordem comunitária e no direito constitucional dos Estados-Membros. Esta comunidade de valores consiste, assim,
no fundamento de uma Comunidade de Direito, baseada no império do direito.

O poder de construção e concretização dos princípios gerais do direito comunitário está limitado pelo princípio da
limitação das atribuições e competências das instituições e órgãos da UE e pelo respeito devido à margem de
conformação e de discricionariedade dos órgãos dotados de poderes normativos. Acresce que a identificação de
princípios gerais de direito nas ordens jurídicas nacionais encontra o seu limite na prossecução dos objetivos da
União Europeia e na salvaguarda da unidade do seu ordenamento jurídico.

Existem, do mesmo modo, alguns princípios fundamentais especificamente ligados ao ordenamento jurídico da UE
– princípios da unidade e autonomia do direito da UE, da primazia e do efeito direto, da lealdade comunitária ou
cooperação leal, entre outros – que se podem incluir por referência ao direito consuetudinário especificamente
europeu, caracterizado como prática constante e uniforme relativamente à qual se verifica uma convicção da sua
relevância normativa, enquanto obrigação, proibição ou permissão.

Finalmente, há também que ter em conta que o direito da UE se move no quadro mais vasto do Direito Internacional,
aplicando-se os correspondentes princípios gerais nas relações entre a UE e os respetivos membros com terceiros.
Em face de uma perspetiva monista das relações entre o direito internacional e o direito comunitário, os princípios
gerais de direito internacional, o direito consuetudinário e os tratados internacionais de natureza fundamental,
mesmo quando a UE não seja parte, integram o direito da UE na qualidade de direito primário.

B. Direito Secundário ou Derivado

O direito secundário da União Europeia é constituído pelas normas criadas pelas instituições estabelecidas pelo
direito primário, de acordo com os respetivos parâmetros materiais e formais. Por esse motivo, a sua validade
depende da conformidade com tais parâmetros. De acordo com um princípio da tipicidade, as principais fontes de
direito secundário da UE encontram-se mencionadas no Art. 288º TFUE, que refere:

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Podem ser atos legislativos ou não legislativos: do ponto de vista formal, consoante o processo de
 Regulamentos
produção normativo seguido; do ponto de vista material, consoante a generalidade e abstração
 Diretivas
dos seus padrões de conduta e critérios.
 Decisões
Além disso, podem ser atos delegados ou atos de execução (direito terciário).

 Recomendações
São atos não juridicamente vinculativos.
 Pareceres

➜ Atos legislativos e não legislativos

Há consequências que derivam da qualificação de um ato como legislativo:

 Os atos legislativos primam hierarquicamente sobre os não legislativos;


 Os atos legislativos gozam de um domínio de reserva de lei, quer formal, quer material; isto é, as matérias
que só podem ser reguladas por ato adotado através de um processo legislativo não podem ser reguladas,
ab initio, por ato não legislativo;
 Só atos legislativos podem delegar na Comissão o poder de adotar atos não legislativos de alcance geral
que alterem ou completem aspetos não essenciais daqueles.

A categoria de atos não legislativos tem caráter:

 Residual, pois abrange todos os atos que não são adotados por via de um processo legislativo (Art. 289º/3
TFUE);
 Heterogéneo, visto que nela caem atos de alcance geral, mas também atos individuais.

1. Procedimentos de produção normativa

Os processos legislativos previstos no TFUE, em boa medida, edificam sobre os processos legislativos tradicionais,
que envolvem a Comissão, o Conselho e o PE, cabendo geralmente a iniciativa à Comissão. No fundo, eles constroem
sobre os processos de codecisão e de cooperação. Presentemente, prevê-se a existência de um processo legislativo
ordinário (Art. 294º TFUE) e de processos legislativos especiais. Através destes processos legislativos são aprovadas
diretivas, regulamentos e as decisões (Art. 289º/1/2 TFUE). Isto significa que, do ponto de vista formal, são atos
legislativos os regulamentos, as diretivas e as decisões adotadas de acordo com os processos legislativos e serão
atos não legislativos os adotados por outros processos. Do ponto de vista material, deverão ser atos legislativos
aqueles que contiverem padrões de conduta e critérios de decisão gerais e abstratos. Aos Tratados cabe definir os
casos em que se usa, alternativamente, o processo legislativo ordinário e os processos legislativos especiais.

a) Processo legislativo ordinário

O processo legislativo ordinário consiste na adoção de um regulamento, uma diretiva ou uma decisão pelo
Parlamento Europeu e pelo Conselho, normalmente sob iniciativa da Comissão (Arts 289º e 294º TFUE).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

➜ Proposta da Comissão ao PE e ao Conselho (Art. 294º/2 TFUE) – deve assentar numa base jurídica do Tratado.

↳ Vale um princípio da exclusividade da iniciativa legislativa formal da Comissão, o qual é mitigado pela
possibilidade de o Conselho apresentar propostas à Comissão, pela iniciativa de cidadania e pelo impulso
político do CE, que o torna materialmente responsável por algumas das iniciativas à UE. Em alguns casos, a
iniciativa pode pertencer aos Estados-Membros ou resultar de recomendação do BCE ou pedido do TJUE.

➜ Primeira leitura (pelo COREPER e/ou em grupos de trabalho específicos – Conselho; em comissões parlamentares
competentes em razão da matéria – Parlamento):

 Se houver acordo, o ato é aprovado com a formulação correspondente à posição do PE;


 Se não houver acordo, o PE deve reconhecer as razões do desacordo – por parte do Conselho – e ser
informado sobre a posição da Comissão quanto à ausência de acordo e respetivos fundamentos (Art. 294º/4
a 6 TFUE).

➜ Segunda leitura:

 Se, num prazo de três meses, o PE acolhe as razões do desacordo do Conselho, o ato será aprovado com a
formação correspondente à posição deste;
 O Parlamento Europeu pode rejeitar a posição do Conselho, por maioria, provocando a não adoção do ato;
 O PE pode propor emendas à posição do Conselho, enviando as mesmas ao próprio e à Comissão, que deve
dar o seu parecer;
o Se o Conselho aceitar as emendas, o ato é aprovado com a formulação das mesmas (note-se que se
a Comissão der parecer negativo a essas emendas, a aprovação terá de ser por unanimidade);
o Se o Conselho rejeitar as emendas, deve tentar-se uma conciliação. Esta é levada a cabo por um
Comité de Conciliação – convocado pelo Presidente do CE, composto por igual número de membros
do Conselho e do PE –, procurando a adoção de um projeto comum no prazo de seis semanas,
prorrogável por mais duas (Art. 294º/7/8/9/14 TFUE).

➜ Terceira leitura:

 Após a Conciliação, o PE – por maioria – e o Conselho – por maioria qualificada – podem adotar o ato com
a formulação correspondente ao projeto de conciliação;
 Se não o fizerem, o mesmo não será adotado, nos termos do Art. 294º/13/14 TFUE.

➜ Assinatura (Presidentes do PE e do Conselho), Publicação no JOUE e entrada em vigor (na data por eles fixada
ou no vigésimo dia seguinte à publicação).

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Em suma:

➜ Desvios ao padrão básico:

Ocasionalmente, observam-se alguns desvios ao padrão básico descrito:

 Por vezes, são reconhecidas exigências complementares como, por exemplo, deveres de consulta ao Comité
Económico e Social, ao Comité das Regiões, ao BCE, à Comissão, entre outros;
 Os Tratados, em algumas situações, impõem parâmetros materiais que as normas a adotar por processo
legislativo ordinário nunca podem deixar de observar, como é o caso dos domínios do sistema europeu
comum de asilo (Art. 78º/2 TFUE), da cooperação judicial em matéria civil no domínio do mercado interno
(Art. 81º/2 TFUE) e dos transportes (Art. 91º/1 TFUE);
 Existem “cláusulas de travagem de emergência”, isto é, a suspensão do processo legislativo ordinário e
submissão do projeto de ato legislativo ao Conselho Europeu – Arts. 48º, 82º/3 e, 83º/3 TFUE;
 É possível o estabelecimento de percursos alternativos para o processo legislativo ordinário, como se verifica
no caso de alterações dos Estatutos do SEBC (Art. 129º/3 TFUE).

Em suma, este procedimento revela a atribuição de verdadeiros poderes decisórios ao PE, o qual passa a ter um papel
tão relevante como o Conselho. Por sua vez, a Comissão tem menos poder – do que no antigo “procedimento comum
de decisão” –, uma vez que o PE e o Conselho podem alterar a sua proposta sem o seu acordo.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Vale salientar que o valor acrescido deste procedimento resulta do consenso entre os interesses da União (Comissão),
dos Estados (Conselho) e dos cidadãos (Parlamento Europeu). Uma das suas desvantagens consiste na sua
morosidade (a duração média do procedimento era de 900 dias). Com o Tratado de Amesterdão, procurou-se
simplificar o procedimento, de modo que a sua duração média passasse a ser de, aproximadamente, nove meses.

b) Processos legislativos especiais

Há casos em que as normas específicas dos Tratados remetem a adoção de um ato legislativo para um processo
legislativo especial. Nos seus traços essenciais, os processos legislativos especiais têm o seu centro de gravidade num
único órgão – o Conselho ou o Parlamento Europeu. Uma será a instituição dominante e a outra será recessiva. Ou
seja, eles não têm uma estrutura binária como a do processo legislativo ordinário.

Nos processos especiais, o ato pode ser aprovado pelo PE com a participação do Conselho, ou pelo Conselho com a
participação do PE (Art. 289º/2 TFUE). À luz do quadro político e institucional da UE, a estrutura básica do processo
(observância do anterior chamado “procedimento comum de decisão”) irá contemplar as seguintes etapas:

 É realizada uma proposta pela Comissão (a qual pode alterar ou retirar a sua proposta a qualquer momento)
ao Conselho (que só a pode alterar por unanimidade). Salienta-se que o Conselho e o PE podem solicitar à
Comissão que submeta propostas – e a sua eventual recusa pode ser controlada judicialmente;
 Pode haver lugar à consulta do Comité Económico e Social, do BCE, ou do Comité das Regiões;
 O Conselho submete a proposta ao PE para parecer não vinculativo (proc. de consulta) ou a sua aprovação
prévia (proc. de consentimento – pode falar-se da existência de um “direito de veto”);
 Se o PE propuser alterações, a proposta é enviada à Comissão para que pondere sobre as mesmas;
 É o Conselho, em última instância, que decide sobre a adoção do ato (em regra, por maioria qualificada; há
casos em que se exige a unanimidade, para se assegurar aos Estados o poder de protegerem os seus
interesses essenciais);
 O ato é assinado pelo Presidente do Conselho.

Digna de nota é a possibilidade que o Conselho tem de, por unanimidade, fazer aplicar o processo legislativo
ordinário a algumas matérias sujeitas a processo legislativo especial, através das chamadas cláusulas-ponte
específicas (Arts. 31º TUE e 153º/2 e 192º TFUE). Tal alteração representará uma corresponsabilização política do PE
nas medidas legislativas a adotar, traduzindo-se numa mais interna europeização da matéria.

No entanto, situações há em que a determinação do conteúdo da decisão compete exclusivamente ao PE (com


necessidade de aprovação do Conselho), que assume a posição dominante:

 Estabelecimento das regras de exercício do direito de inquérito, sendo a decisão do PE precedida pela
aprovação da Comissão e do Conselho, que atuam como instrumentos dominantes (Art. 226º TFUE);
 No domínio do estatuto e condições gerais do exercício da função do Provedor de Justiça Europeu (Art.
228º/4 TFUE), o PE decide por iniciativa própria, após parecer da Comissão e aprovação do Conselho.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Os atos adotados através deste processo são assinados pelo Presidente da instituição que os adotou, nos termos do
Art. 297º/1 TFUE. A sua publicação e entrada em vigor regem-se pelas normas aplicáveis aos atos legislativos.

c) Processos de vinculação internacional

No domínio da ação externa, o poder de aprovação de normas, internas ou com países terceiros ou organizações
internacionais, repousa no Conselho, sob proposta (conjunta) do Alto Representante e da Comissão, de acordo com
o Art. 22º/2 TUE. A vinculação opera nos termos do Art. 218º TFUE, sendo este procedimento marcado uma relativa
simplicidade.

Por fim, o poder deliberativo do Conselho encontra-se submetido à consulta ou aprovação do PE. Conclui-se que,
neste domínio, é observável um claro reforço da componente de controlo democrático parlamentar.

d) Requisitos da entrada em vigor dos atos de direito derivado

 Aprovação pelo órgão competente (Art. 297º/1 TFUE);


 Fundamentação (Art. 296º/2 TFUE):
o Referência à base jurídica;
o Referência a todos os pareceres e propostas obtidos durante o procedimento legislativo;
 Publicitação (Art. 297º TFUE) – condição de eficácia do ato (Acórdão Skoma Lux):
o Atos legislativos – publicação no JOUE (Art. 297º/1);
o Atos não legislativos gerais – publicação no JOUE (Art. 297º/2);
o Atos individuais – notificação dirigida aos destinatários (Art. 297º/2).

e) Domínio da PESC

Pela sensibilidade das questões, não se admite, no processo de tomada de decisão, a intervenção de outras
instituições que não aquelas que representem os Estados, isto é, o Conselho e o Conselho Europeu. O Art. 24º TUE
impõe que, neste domínio, as decisões são tomadas pelas instituições referidas, por unanimidade. Exclui-se a adoção
de atos legislativos.

f) Regulamentos

Os regulamentos, a que se refere o Art. 288º/2 TFUE, constituem uma importante fonte de direito derivado, podendo
cumprir os requisitos materiais de uma lei, no sentido normal do termo. Os mais importantes são aprovados por um
processo legislativo ordinário ou especial. Eles caracterizam-se pela sua generalidade, pela sua obrigatoriedade e
pela aplicabilidade direta:

➜ Generalidade: apesenta uma generalidade de destinatários, já que todas as pessoas que se encontrem no seu
âmbito de aplicação – objetivo, subjetivo, temporal, especial – estão por ele vinculadas. Aplica-se a todos os sujeitos,
sejam eles públicos ou privados, em toda a União Europeia.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

➜ Obrigatoriedade de todos os seus elementos: regulam toda a matéria que visam disciplinar, valendo uma
presunção de autossuficiência normativa e, por isso, os seus destinatários não podem adaptar o seu conteúdo e o
sentido das suas prescrições ao ordenamento jurídico interno (Ac. Krohn).

↳ Isso não significa que todo e cada regulamento em si seja preciso e suficiente. Há casos em que estes
estabelecem apenas os elementos essenciais da intervenção: são os regulamentos de base. A demais
regulamentação é feita por via de regulamentos delegados.

➜ Aplicabilidade direta: para vincular internamente, não necessita de qualquer mecanismo ou operação de receção
ou incorporação no ordenamento jurídico dos Estados-Membros (Art. 8º/3 CRP e 288º TFUE). A aplicabilidade direta
depende do preenchimento das condições de validade e vigência resultantes direta, imediata e exclusivamente de
normas da União:

 A adoção pelo órgão ou órgãos competentes da União Europeia (Art. 288º TFUE);
 Segundo o processo adequado – legislativo ou não legislativo;
 A fundamentação (Art. 296º TFUE);
 A publicidade apropriada ao seu procedimento constitutivo (Art. 297º TFUE);
 Eventualmente, a vacatio legis (Art. 297º TFUE).

Em virtude das suas características e da sua qualidade jurídica, os regulamentos gozam do princípio da
inderrogabilidade singular (um ato legislativo só pode ser alterado, nos seus elementos essenciais, por outro ato
normativo equivalente).

Os regulamentos não se limitam a vincular os Estados-Membros; eles também vinculam nos Estados-Membros, na
medida em que produzem um efeito direto ou imediato nas relações verticais (Estado – particular) e horizontais
(entre particulares), independente de qualquer mediação legislativa ou administrativa nacional – criam direitos e
obrigações diretamente para os particulares dos Estados-Membros, acionáveis junto dos tribunais nacionais.

Estes regulamentos, sendo direta e imediatamente aplicáveis, constituem um “impulso europeu” carecido de
execução por parte dos Estados-Membros, estando as autoridades legislativas, administrativas e judiciais nacionais
positivamente obrigadas a executar e aplicar os regulamentos da União Europeia e abster-se de tomar quaisquer
medidas que possam ser contrárias aos regulamentos ou contraditórias com eles (princípio da lealdade europeia e
da cooperação leal). No caso de colisão entre o direito nacional e um regulamento da UE, os tribunais nacionais
devem aplicar diretamente o regulamento e desaplicar o direito nacional, segundo o princípio do primado do DUE.

g) Diretivas

As diretivas, previstas no Art. 288º/3 TFUE, constituem um importante instrumento de coordenação e harmonização
do direito interno dos Estados-Membros, mediante a definição de obrigações de resultado. As mesmas têm como
destinatários todos ou alguns Estados-Membros, que ficam obrigados a atingir os objetivos fixados, embora com
alguma liberdade na escolha da forma e dos meios para a sua implementação (Ac. Delena Wells). Consequentemente,

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

desde que respeitem o resultado previsto, estes gozam de uma certa liberdade de conformação normativa, podendo
adaptar o texto da diretiva à realidade jurídica, económica e social do Estado.

Além disso, as diretivas necessitam de um ato nacional de incorporação para poderem gerar direitos e obrigações
na esfera jurídica dos particulares. Devem, pois, em princípio, ser objeto de transposição, isto é, de uma transformação
num ato de direito interno, cuja dignidade normativa incumbe ao Estado determinar, dentro de certos limites. Por
vezes, além da transposição estadual, as próprias diretivas podem necessitar de diretivas delegadas ou de execução,
como é o caso das chamadas “diretivas-quadro”.

A estrutura desta fonte de direito é inerentemente compromissória, ponderando a realização dos fins da União, num
quadro de unidade normativa, com o reconhecimento de uma razoável discricionariedade aos Estados-Membros, de
forma a salvaguardar as respetivas identidades e especificidades. A opção pela diretiva justifica-se naquelas matérias
em que a uniformidade da disciplina jurídica em todos os Estados-Membros é menos importante.

As diretivas não gozam de aplicabilidade direta, na medida em que, por definição, pressupõem uma mediação
estadual na escolha dos meios e da forma para prosseguir os fins estabelecidos. Assim, as mesmas devem ser objeto
das necessárias medidas de execução por via legislativa, administrativa – procedimentos e atos administrativos,
operações materiais – e judicial – sentenças judiciais.

Em regra, as diretivas são adotadas pela Comissão, pelo Conselho e pelo PE, no desempenho das suas atribuições,
através de processo legislativo ordinário ou especial; nestes casos, consideram-se atos legislativos. No entanto, as
mesmas não têm que ser atos legislativos, podendo ser atos não legislativos de complementação e execução; neste
caso, podem ser emanadas pela Comissão. As diretivas podem executar acordos quadro celebrados entre a UE e os
parceiros sociais, em domínios de política social ao abrigo dos Arts. 153º e 155º TFUE. Em qualquer caso, elas têm
como destinatários os Estados-Membros, estabelecendo objetivos a atingir e deixando às instâncias nacionais a
competência de decisão quanto à forma e aos meios.

 Transposição

As diretivas necessitam de ser transpostas para a ordem jurídica interna. O dever de transposição tem o seu
fundamento no dever da cooperação leal, consagrado no Art. 4º/3 TUE, com garantia de respeito por condições
mínimas de publicidade, clareza e certeza em relação às situações jurídicas nelas reguladas.

A transposição de diretivas pelos Estados-Membros destinatários deve ser correta, completa e com a especificidade,
exatidão e clareza requeridas para que seja satisfeita a exigência de segurança jurídica e assegurado o seu efeito útil;
a prova da insuficiência dos meios utilizados deverá ser feita pela Comissão, no exercício dos seus poderes de
controlo. As diretivas costumam estabelecer um prazo de transposição, que geralmente é de dois anos, embora possa
ser maior. Por vezes, admite-se o adiamento parcial da transposição de algumas das suas normas.

O ato de transposição considerado mais adequado é a lei em sentido formal, porém essa solução não é exigida pelo
direito da UE, o qual estabelece apenas a necessidade de transposição através de lei em sentido material, que vincule
a administração, os tribunais e os particulares. A Comissão deve ser notificada das medidas adotadas pelo Estado

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

para a transposição da diretiva. Entre nós, a Constituição estabelece, no seu Art. 112º/8, que a transposição de
diretivas obedece à forma de lei, decreto-lei e decreto legislativo regional, conforme os casos. O ato de transposição
tem que ser, entre nós, uma lei simultaneamente em sentido formal e em sentido material.

Se o objetivo da diretiva já estiver cumprido, não é necessária a adoção de novos atos de direito nacional. Neste
sentido, não se exige uma transposição expressa (Ac. Comissão c. Alemanha, 1985). O Estado-Membro deve notificar
a Comissão de porque é que considera desnecessária a transposição expressa. Não é possível a transposição por
remissão (Ac. Comissão c. Bélgica, 1986), desde logo, porque nem todas as diretivas são publicadas no JOUE,
dificultando-se, deste modo, o acesso à mesma. Há casos em que as diretivas são bastante detalhadas, dificilmente
se distinguindo de alguns regulamentos e deixando aos Estados uma margem de manobra bastante limitada.

Uma vez transposta, a diretiva prevalece sobre todo o direito interno, devendo este ser interpretado em
conformidade com ela, o que significa que o ato legislativo de transposição vê a sua força normativa reforçada
relativamente às demais leis internas, na medida em que a sua violação pode configurar uma violação do direito da
UE, com tudo o que isso implica em sede de incumprimento e responsabilidade do Estado.

Sumariamente:

A diretiva produz pré-efeitos jurídicos (momento em que a diretiva já está em vigor, mas ainda não foi transposta).
Neste âmbito, o TJUE tem sustentado a existência de uma obrigação de os Estados se absterem de aprovar qualquer
disposição que contrarie os objetivos definidos pela diretiva (cláusula de stand still), mesmo antes de terminado o
prazo para a sua transposição e quer essa disposição pretenda transpor a diretiva ou não (Ac. Wallonie).

Depois de completo o prazo de transposição, se a mesma não foi corretamente transposta, ou se foi transporta de
forma incompleta ou insuficiente:

➜ Efeito direto: podendo os cidadãos e empresas invocar certos direitos e deveres delas emanados (que derivem de
normas claras, precisas e incondicionadas), ainda que apenas contra o Estado.

 A razão de ser desta solução reside no facto de o Estado ter ficado vinculado imediatamente pela diretiva,
desde que adotada de acordo com as regras exigidas (Ac. Tögel). Assim se evita que o Estado beneficie
do não cumprimento do direito comunitário, segundo o princípio do estoppel.
 De forma bastante discutível, o Ac. Mangold admitiu a invocação de efeito direto horizontal, isto é, antes
de decorrido o prazo de transposição. Segundo o Dr. Jónatas Machado, tal solução só será aceitável

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

quando a diretiva concretize princípios fundamentais dos Tratados, do direito internacional e das
tradições constitucionais dos Estados-Membros.
 Note-se que, neste âmbito, se adota uma conceção ampla de Estado: “Todos os organismos ou entidades
que estejam sujeitas à autoridade ou controlo do Estado ou que disponham de poderes exorbitantes
face aos que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares”.
 Assim, inclui-se não só o legislador, mas também a Administração Pública e outros organismos ou
entidades que estejam sujeitos à autoridade ou controlo do Estado – Administração Direta, Indireta,
Autónoma e Independente –, bem como autoridades a quem tenham sido atribuídos poderes
exorbitantes (Ac. Foster, Collino, Chiappero, UnaFilm, Rieser).
 É, igualmente, irrelevante a qualidade em que o Estado age, nos termos do Ac. Marshall.

➜ A diretiva não transposta não pode ser invocada pelo Estado contra um particular. Uma diretiva não transposta
não pode, por si só, criar obrigações para um particular, não podendo ser contra este invocada, dado que o efeito
direto apenas existe a favor dos particulares e relativamente aos Estados-Membros destinatários (Ac. Faccini Dori).
Deste modo, não há lugar a efeito direto vertical inverso.

➜ O texto de uma diretiva não transposta pode ser relevante para a interpretação do direito nacional em vigor feita
pelas autoridades nacionais competentes, nos casos em que esta se limite a retomar, a nível da União, princípios
gerais já integrantes do direito interno dos Estados-Membros (Ac. TR e P. Fisher).

 Défice de transposição

A não transposição dentro do prazo (Ac. Marismas de Santoña), ou a transposição incorreta ou manifestamente
insuficiente de uma diretiva tem importantes consequências no plano jurídico:

➜ Pode ser invocado o efeito direto de algumas disposições da diretiva: quando as normas sejam precisas,
determinadas e incondicionais, podem ser invocadas pelos particulares diante dos tribunais nacionais nas relações
verticais entre os particulares e os Estados (Ac. Van Duyn).

➜ Constitui um pressuposto para um processo de infração contra o Estado, a instaurar pela Comissão, nos termos
dos Arts. 258º e ss TFUE.

➜ Pode abrir as portas à responsabilidade do Estado em falta, acionável junto dos tribunais nacionais, desde que se
esteja perante uma diretiva consagradora de direitos individuais suficientemente determinados no seu conteúdo e
se verifique um dano e um nexo de causalidade entre a omissão estadual e esse dano.

 Os tribunais nacionais devem equacionar vários fatores relevantes para aferir da seriedade da violação:
o grau de desrespeito pelos limites impostos à discricionariedade do Estado, o caráter doloso ou
negligente da violação, o dano causado, o grau de erro e negligência, a conduta do lesado, a existência
de uma decisão anterior do TJUE sobre a matéria, entre outros.

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 A indemnização deve ser proporcional aos danos emergentes e lucros cessantes, embora se admitam
limites à compensação destes últimos.

h) Decisões

As decisões são atos jurídicos que se dirigem aos Estados e aos particulares e são, em regra, concretas e individuais,
embora possam ser gerais. Podem ser encontradas tanto na categoria do direito secundário – com a qualidade de
atos legislativos –, como na categoria do direito terciário, na qualidade de decisões de execução.

Nos termos do Art. 288º/4 TFUE, as decisões são obrigatórias em todos os seus elementos, carecendo de atos de
execução por parte dos Estados-Membros; inclusive, a falta de fundamentação das mesmas determina a respetiva
invalidade.

Quando designam os seus destinatários, só são obrigatórias para eles. Assim, a identificação dos destinatários pode
ser expressa ou implícita:

➜ Quando é expressa, as decisões devem ser notificadas aos respetivos destinatários e produzem efeitos mediante
essa notificação (Art. 297º/2 TFUE). A partir desse momento, é-lhes reconhecido efeito direto e são diretamente
aplicáveis pelos tribunais sem necessidade de qualquer tipo de ato nacional de execução ou homologação.

➜ Quando é implícita ou concludente, os destinatários são individualizáveis com base no conteúdo da decisão e
nas circunstâncias da sua aplicação. Este aspeto reveste-se de consequências práticas quando se trata de identificar
os sujeitos com legitimidade processual ativa para impugnar os atos da UE.

No âmbito da PESC, é possível a emanação de decisões sem destinatário (Art. 25º TUE), que definem a estratégia da
UE na política externa e só vinculam esta.

i) Recomendações e pareceres

Os órgãos da União Europeia podem emitir recomendações e pareceres, incluindo nesta categoria as chamadas
tomadas de posição. Estes atos não têm força vinculativa (Art. 288º TFUE), contudo, isso não significa que não possam
revestir um importante significado político na interação das instituições e órgãos da UE e destes com os Estados-
Membros, tanto enquanto pressupostos na produção de atos normativos (em processo legislativo ordinário ou
especial) ou no âmbito de um processo judicial. As recomendações e os pareceres integram, portanto, o soft law da
UE. Têm como objetivo aproximar os respetivos destinatários de um determinado curso de ação considerado
desejável, sem criar obrigações jurídicas. Estes atos tanto podem ter iniciativa do seu autor (Art. 97º TFUE), como ser
solicitados por terceiros, geralmente no contexto de um processo. As recomendações e os pereceres são publicados
no JOUE.

Em muitos casos, as recomendações são formuladas pela Comissão, na sua qualidade de propulsor da integração
europeia, contudo isto não é regra, podendo ser, igualmente, adotadas por outras instituições e órgãos, como o
Conselho ou o BCE (Art. 292º TFUE). Estas podem ser emitidas voluntariamente ou não e podem ter por destinatários

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

os Estados-Membros (e até, indiretamente, os particulares) ou outras instituições e órgãos da UE, com vista à
coordenação das atividades levadas a cabo. A emissão de recomendações pode ficar dependente de pareceres
prévios, recomendações estas que podem ser tornadas públicas ou, pelo contrário, ter um caráter reservado. Por fim,
o TJUE tem entendido que os tribunais dos Estados-Membros devem tê-las em consideração, essencialmente para
efeito de interpretação do DUE e do direito nacional em conformidade com este (Ac. Altair Chimica).

Por sua vez, os pareceres podem ser dados por instituições, órgãos e organismos da UE, bem como pelos Estados-
Membros. Normalmente, têm como destinatários as instituições e os órgãos da União, desempenhando um papel
importante na agregação, análise a avaliação das informações relevantes para a preparação de decisões de natureza
legislativa, administrativa e judicial. Há, todavia, casos em que os pareceres têm como alvo os Estados-Membros (Art.
126º/5 TFUE). Podem ser voluntários – emanados por livre iniciativa – ou involuntários – emanados por solicitação –
, bem como se pode distinguir entre os obrigatórios e os facultativos, consoante a obrigatoriedade da sua solicitação.

A distinção entre ambas as figuras tende a ser feita de forma vaga. Segundo o Doutor Miguel Gorjão-Henriques:

➜ Recomendação: é da iniciativa do órgão que a formula e dirige-se para o exterior, ainda que não seja publicitada.

➜ Parecer: costuma ser adotado no quadro do desenvolvimento habitual do procedimento da decisão, como ato
interno e preparatório, ainda que tal nem sempre seja nítido do ponto de vista externo.

C. Direito Terciário

Além dos atos legislativos, existem outros atos não legislativos de natureza normativa e não normativa que são
adotados através de outros processos de produção de atos jurídicos. Estes podem revestir uma natureza
administrativa ou complementar do exercício das funções política e legislativa. Deste modo, os regulamentos, as
diretivas e as decisões tanto podem ser atos legislativos, como atos jurídicos delegados ou de execução, integrando,
assim, o designado “direito terciário”.

A hierarquia que se estabelece entre o direito secundário e o direito terciário não depende de uma
suprainfraordenação entre os vários órgãos responsáveis pela sua emanação, na medida em que se estabelece entre
eles uma relação de paridade institucional. Ela resulta, simplesmente, da relação de dependência normativa dos atos
delegados e executivos relativamente aos atos legislativos que lhes servem de fundamento.

Posto isto, os atos não legislativos tanto podem ter alcance geral e abstrato, não indicando os destinatários e
requerendo a assinatura do Presidente da instituição que os adotou e a respetiva publicação no JOUE ou, por outro
lado, podem ter alcance individual e concreto, caso em que os destinatários são indicados, carecendo da assinatura
do Presidente da instituição que os adotou e a respetiva notificação aos destinatários, produzindo efeitos jurídicos a
partir da data da mesma (Art. 297º/2 TFUE).

1. Atos delegados

A delegação de competências normativas na Comissão encontra-se regulada no Art. 290º TFUE. A mesma é levada a
cabo por ato legislativo, designado “ato base” (PE decide por maioria e Conselho por maioria qualificada), que

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transfere para a Comissão o poder de exercer, de forma limitada, poderes legislativos, embora através de atos não
legislativos de caráter geral. Por via destes poderes paralegislativos da Comissão, pretende-se aumentar a eficácia da
função legislativa.

O ato legislativo de base, ou de delegação, pode resultar de processo legislativo ordinário ou especial e deve limitar
os objetivos, o conteúdo, o âmbito de aplicação e o período da vigência da delegação de poderes, em termos
precisos, claros e determinados.

Estabelece-se, neste domínio, uma reserva material do ato legislativo. O ato jurídico delegado deve ter alcance geral,
completando ou alterando os elementos não essenciais do ato legislativo de delegação. Os atos delegados devem
referir expressamente essa sua natureza, nos termos do Art. 290º TFUE. Os atos delegados encontram-se numa
posição hierárquico-normativa de subordinação diante dos atos legislativos de delegação e do direito primário e
secundário geral.

Os atos delegados apresentam variados limites que devem ser respeitados:

 Limites materiais – a delegação de poderes deve ser clara, precisa e circunstanciada. O legislador determina
os objetivos que a adoção dos atos delegados deve permitir alcançar, bem como, se for caso disso, os limites
que estes atos não podem ultrapassar.

 Limites temporais – o Art. 290º TFUE determina que a duração da delegação de poderes é estabelecida pelo
legislador. Assim se exige que os poderes delegados sejam enquadrados de forma clara e previsível.

 Mecanismos de controlo – o Art. 290º/2 TFUE identifica duas condições a que o legislador pode submeter a
delegação de poderes (que não têm de ser aplicadas simultaneamente):
o Direito de revogação – priva a Comissão, de forma geral e absoluta, dos seus poderes delegados;
o Direito de “formular objeções” ou direito de oposição – é uma “censura específica” dirigida contra
um ato delegado claramente identificado (e num prazo determinado no ato de base). Um ato
delegado ao qual o Parlamento Europeu ou o Conselho se tenham oposto não pode entrar em vigor.
Todavia, a Comissão poderá adotar outro ato delegado.

É importante, ainda, salientar as diferenças entre as delegações legislativas e as autorizações legislativas:

Autorização legislativa Delegação legislativa


Art. 165º/2 CRP: o Governo indica as condições de Art. 290º/1/2 TFUE: ao autorizar a Comissão, os órgãos
utilização da autorização. legislativos fixam as condições da delegação.
Não podem existir em matérias de reserva absoluta. Podem existir em todas as matérias.
Só podem existir nos domínios de reserva relativa da A delegação não pode ser plena, mas apenas abranger
Assembleia. Neste domínio, podem ser plenas. a regulamentação de aspetos não essenciais.
O Governo adotará um decreto-lei autorizado, que é um A Comissão adota um ato não-legislativo, de valor
ato legislativo. inferior. No título dos atos figura o adjetivo “delegado”.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Em caso algum, o Governo pode usurpar a autorização. A Comissão, no ato não legislativo delegado, pode
O decreto-lei autorizado está plenamente subordinado derrogar o ato legislativo delegante (só não o pode
à lei de autorização. alterar nos seus elementos essenciais).
Esgotam-se pela sua utilização. A Comissão pode utilizar várias vezes a delegação.
São, geralmente, leis autónomas. Não legislam, apenas São, necessariamente, atos jurídicos materiais. Legislam
autorizam o Governo a legislar. sobre aspetos essenciais e delegam os não essenciais.
Uma vez concedidas, a AR não pode opor-se ao O ato delegado só entra em vigor se não houver
decreto-lei autorizado. objeções do Conselho, nem do PE.

2. Atos de execução

Uma outra categoria de atos não legislativos do chamado direito terciário diz respeito aos atos de execução. A alusão
a esta categoria arranca do postulado de que os Estados devem tomar as medidas necessárias à execução dos atos
juridicamente vinculativos da União Europeia (Art. 291º TFUE). Esta obrigação decorre das doutrinas da primazia e do
efeito direto da UE e do dever de cooperação leal dos Estados no processo de integração europeia, segundo o
princípio da administração indireta do direito da UE.

No entanto, por vezes, o direito da União requer a adoção de medidas que garantam condições uniformes de
execução dos atos jurídicos vinculativos europeus. Quando assim seja, estes atos concederão poderes executivos,
normativos e de decisão à Comissão ou, em sede de política externa e de segurança comum (Arts. 24º e 26º TUE), ao
Conselho. Também aqui se pode estar perante a prática de atos materialmente legislativos, embora hierarquicamente
subordinados e destituídos de poderes de complementação e alteração dos atos que visam executar.

Os atos legislativos jurídicos de execução devem mencionar expressamente tal qualidade, inserindo no cabeçalho as
expressões “Regulamento de Execução”, “Diretiva de Execução” ou “Decisão de Execução”. A sua validade depende
da conformidade com os atos legislativos que visem executar e com o demais direito primário e secundário.

A distinção entre atos delegados e atos de execução é evidente: no primeiro caso, a Comissão é autorizada a
completar ou alterar o trabalho do legislador e, em qualquer caso, a delegação é sempre facultativa; no que diz
respeito aos atos de execução, a Comissão exerce uma verdadeira competência executiva, apenas quando a execução
de atos não deva ser realizada pelos Estados-Membros, mas antes cometida à própria União.

O Regulamento (UE) nº182/2011 estabelece vários procedimentos para assegurar o acompanhamento, pelos
Estados-Membros, do exercício, pela Comissão Europeia, das competências de execução reconhecidas pelos
Tratados, nos casos em que os atos de base identifiquem a necessidade de “condições uniformes de execução” e a
adoção pela Comissão de atos de execução.

De acordo com a natureza e impacto dos atos reconhece-se:

➜ Um procedimento de exame – atos de alcance geral ou relacionados com:

 Programas com implicações significativas;


 Política agrícola comum e política comum da pesca;

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

 Ambiente, segurança, proteção da saúde e da segurança das pessoas, animais e plantas;


 Política comercial comum;
 Tributação (Art. 2º/2/5/6 do mencionado Regulamento).

↳ O parecer do Comité que reúne Estados-Membros e a Comissão determina a adoção, ou não, do ato.

➜ Um procedimento consultivo – nos restantes casos (Art. 2º/3/4).

↳ O parecer do Comité que reúne os Estados-Membros e a Comissão deve ser tido em conta, mas a decisão
final cabe à Comissão.

3. Atos atípicos

Estes dizem respeito a atos previstos nos Tratados, mas não elencados no Art. 288º TFUE, uma vez que se encontram
previstos noutras disposições. É de salientar que a atipicidade não significa, necessariamente, a ausência de
juridicidade. Englobam-se, nesta categoria, os regulamentos internos, resoluções, conclusões, comunicações (o TJUE
já afirmou que as comunicações da Comissão a vinculam), cartas administrativas de arquivamento de processos,
códigos de conduta, atos da administração interna dos órgãos da União (vinculam o órgão internamente, contudo
não produzem efeitos externos) e acordos interinstitucionais.

Os princípios da legalidade, da transparência e da segurança jurídica determinam a sua publicação oficial e, quando
tenham valor jurídico vinculativo, estão sujeitos ao controlo de legalidade por parte da jurisdição da União.

4. Fontes AEUE e PESC

O TJUE prevê a existência de um conjunto de atos praticados no âmbito da ação externa da UE (AEUE) e da política
externa e de segurança comum (PESC), nos Arts. 21º ss TUE. Trata-se de fontes de direito secundário e terciário da
União Europeia, com algumas especificidades.

No caso das fontes da PESC, embora não se trate aqui de um pilar formalmente autónomo dos demais domínios de
atividade da UE, a verdade é que se mantém a especificidade material, institucional e normativa da atuação da União
neste domínio. A UE dispõe do poder de adotar atos que são juridicamente vinculativos, não só para as suas
instituições, mas também para os Estados-Membros, ainda que não esteja prevista a adoção pela UE de atos que
estabeleçam regras gerais e abstratas que criem direitos e obrigações para as pessoas singulares (Art. 24º TUE).

Neste sentido, encontram-se atos com um grau de generalidade e abstração variável, que produzem efeitos jurídicos,
vinculando as instituições da UE e os Estados que, através do Conselho Europeu, participaram na sua aprovação. Se
forem suficientemente precisos, determinados e incondicionais, estes atos gozam de aplicabilidade direta e da
justiciabilidade imediata própria dos regulamentos, diretivas e decisões previstos no Art. 288º TFUE e de uma igual
preferência de aplicação relativamente ao direito interno contrário.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

Deste modo, no âmbito das fontes AEUE e PESC, podemos distinguir:

5. Fontes no âmbito da CJAI

Diferentemente do que sucede relativamente à AEUE e à PESC, a cooperação no domínio da justiça e assuntos
internos – CJAI –, envolvendo a cooperação policial e judiciária em matéria civil e penal, não tem as suas fontes
próprias. Neste domínio, o Tratado de Lisboa eliminou a distinção entre fontes comunitárias e fontes da UE. Neste
vasto âmbito, em questões como fronteiras, asilo, imigração, cooperação judiciária em matéria civil e penal ou
cooperação política, têm plena aplicação as fontes constantes do Art. 288º TFUE, bem como os processos legislativos
ordinários e os processos legislativos especiais. Há, porém, algumas especificidades:

III – Força Normativa do Sistema Jurídico Europeu

A articulação do sistema jurídico europeu com os ordenamentos jurídicos dos diferentes Estados-Membros suscita
questões muito complexas. Tanto mais, quanto vale um princípio de aplicação nacional do direito comunitário, à luz
do qual os operadores jurídicos nacionais devem assegurar a aplicação e a primazia do direito comunitário.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

A. Regras de ordenação hierárquica

Em primeiro lugar, existem algumas regras de prevalência, que visam a ordenação hierárquico-normativa das
diferentes fontes em presença. Elas compreendem:

 Primazia do direito originário sobre o direito derivado;


 Primazia dos princípios gerais de direito sobre o direito derivado;
 Primazia dos acordos externos sobre o direito derivado;
 Primazia do direito-quadro sobre o direito de execução;
 Primazia do direito especial sobre o direito geral;
 Primazia do direito europeu sobre o direito nacional.

B. Princípios de Direito da União Europeia

No âmbito do Direito da UE, podemos distinguir:

➜ Princípios intrínsecos à ordem jurídica da União:

 Princípio da Autonomia (que resulta dos seus objetivos e meios de realização, dos modos de formação da
vontade da União e dos seus meios de expressão, efetivação e garantia);
 Princípio das Atribuições;
 Princípio da União de Direito.

➜ Princípios que configuram estruturalmente os modos de ação específicos da União:

 Princípio do Equilíbrio Institucional;


 Princípio da Subsidiariedade;
 Princípio da Proporcionalidade;
 Princípio da Preempção.

➜ Princípios de cariz material:

 Liberdade Económica e Pessoal;


 Igualdade;
 Respeito pelos Direitos Fundamentais;
 Princípios decorrentes da configuração da União como um espaço de liberdade, segurança e justiça.

➜ Princípio da efetividade – por força da sua pertença à UE, os Estados-Membros devem garantir a plena aplicação
do Direito da União Europeia, quer adequando as suas legislações ao mesmo, quer adotando disposições jurídicas
suscetíveis de criar uma situação suficientemente precisa, clara e transparente que permita aos particulares conhecer
todos os seus direitos e invocá-los perante os órgãos nacionais, administrativos ou jurisdicionais. A obrigação de
garantir a plena eficácia do direito da UE tem múltiplas dimensões, englobando a desaplicação de normas nacionais,
qualquer que seja a sua dignidade formal, quando contrariem o DUE, a limitação da autonomia do legislador nacional,

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

na medida em que os Estados-Membros tenham atribuído à Comunidade poderes normativos e, por fim, a exigência
de que o juiz nacional aplique as disposições de direito comunitário, assegurando o seu pleno efeito.

1. Efeito Direto

As normas de Direito da União Europeia, verificadas determinadas condições, podem ser invocadas em juízo pelos
particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais, quer contra o Estado – efeito direto vertical –, quer contra
outros particulares – efeito direto horizontal.

Podemos identificar duas categorias de normas com efeito direto: primeiramente, as normas que imponham deveres
ou reconheçam direitos de forma suficientemente precisa e incondicionada (efeito direto material), bem como as
normas cujo efeito direto resulta, não da suficiente precisão e incondicionalidade da norma, mas da expressa previsão
do mesmo em norma da União, como é o caso paradigmático da previsão do efeito direto no Art. 101º/3 TFUE, pelo
Regulamento nº1/2003 (efeito direto formal).

O efeito direto não era óbvio, começando por ser reconhecido pelo TJUE face ao Art. 101º TFUE. A “grande revolução”
deu-se com o Ac. Van Gend & Loos, ao reconhecer que os particulares podiam invocar contra o Estado normas dos
Tratados que estabelecessem obrigações estaduais de abstenção de forma clara, precisa e incondicionada.

↳ A clareza pressupõe que tais normas não suscitem dúvidas quanto ao seu sentido; por sua vez, pelo facto
de serem normas precisas, não necessitam de um ato de concretização, sendo suficientemente densas para
recortar um direito subjetivo atribuído ao particular; por último, são incondicionais as normas que não
admitem exceções ou desvios, isto é, que não se interponha entre a regra comunitária e a sua aplicação o
poder discricionário do Estado ou de qualquer órgão comunitário.

Afirmado para reforçar a posição jurídica dos particulares perante os incumprimentos estaduais, o Tribunal de Justiça
acabou por reconhecer que o efeito direto tanto se pode verificar perante normas de direito originário, como face a
normas de direito derivado, desde que suficientemente precisas e incondicionadas. Não obstante, note-se que tal
característica não se manifesta com a mesma intensidade e conteúdo em relação a todos os tipos de fontes do DUE.

No que diz respeito ao direito originário, reconhece-se efeito direto às normas dos Tratados que se dirigem direta e
imediatamente aos particulares (Arts. 101º e 102º TFUE), às que impõem aos Estados-Membros obrigações de
abstenção, se forem claras, precisas e incondicionais (Arts. 30º e 34º TFUE) e às que impõem aos Estados-Membros
obrigações de facere (Art. 110º TFUE). Em suma, hão de ser claras, precisas e incondicionais e não devem requerer
medidas complementares, sejam elas de caráter nacional ou europeu. No Ac. Becker, o TJUE rejeitou o efeito direto
quando os Estados-Membros possuam “margem de manobra” em relação à aplicação da disposição em causa, por
mais reduzida que possa ser essa margem.

Por sua vez, em relação ao direito derivado, o princípio do efeito direto foi afirmado no que diz respeito a
regulamentos, diretivas e decisões. Regra geral, pode dizer-se que as normas emanadas pelos órgãos competentes
da União Europeia que sejam claras, precisas e incondicionadas, não deixando aos Estados-Membros qualquer
margem de apreciação ou conformação, tanto podem ser invocadas pelos particulares contra o Estado, quer contra

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

outros particulares. Contudo, em relação às diretivas, o TJ efetuou uma distinção fundamental entre as modalidades
de efeito direto vertical e efeito direto horizontal. Deste modo, os regulamentos têm sempre efeito direto; o Art. 288º
TFUE precisa que os regulamentos são diretamente aplicáveis nos países da União. O TJ especifica, no Ac. Politi, que
se trata de um efeito direito complexo, ou seja, horizontal e vertical. Por outro lado, as diretivas têm efeito direto
quando as suas disposições são incondicionais e suficientemente claras e precisas e apenas quando o Estado-
Membro da UE não tiver transposto a diretiva no prazo previsto (Ac. Van Duyn). No entanto, o efeito direto só pode
ser vertical; os países da UE têm a obrigação de aplicar as diretivas, mas não podem invocá-las contra os particulares
(Ac. Ratti).

O fundamento para o reconhecimento do efeito direto vertical reside na garantia mínima que o DUE deve oferecer
aos cidadãos na sua relação com o Estado, decorrente do caráter imperativo da obrigação imposta a este pelo Art.
288º TFUE. Deste modo, sendo as normas claras, precisas e incondicionadas, podem os particulares invocá-las perante
o Estado, tanto por falta de transposição da diretiva em prazo, como por transposição incorreta ou insuficiente. Não
há, neste sentido, lugar a efeito direto inverso, ou seja, a favor do Estado contra o particular, sempre que a diretiva
imponha a estes autênticas obrigações certas e determinadas (Ac. Kolpinghuis). Por outro lado, recusa-se o efeito
direto horizontal das diretivas. O Ac. Marshall determina que reconhecer este efeito equivaleria a reconhecer à
Comunidade o poder de criar, com efeito imediato, deveres na esfera jurídica dos particulares, quando ela só tem
essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos.

Porque não foi reconhecido o efeito direto horizontal? O reconhecimento do efeito direto horizontal colocaria em
causa a figura da diretiva e a sua distinção face aos regulamentos. Deste modo, a solução justifica-se por razões de
segurança jurídica já que, quando foi adotada, as Diretivas não eram publicadas, mas apenas notificadas. Finalmente,
assim se evita a imiscuição abusiva do direito da UE em relações jurídico-privadas.

↳ Porém, são apresentadas críticas neste sentido. Primeiramente, porque o princípio da discriminação não é
violado; do mesmo modo, não há uma afetação “essencial” da natureza da diretiva (em contraposição com
o regulamento), uma vez que o efeito direto horizontal apenas funcionaria cirurgicamente, relativamente a
certos preceitos e após o termo do prazo de transposição das Diretivas; por último, uma vez que a eficácia e
a harmonia do Direito da União Europeia saem prejudicadas.

Ainda que as diretivas, de acordo com a jurisprudência do TJ, não possam ter efeitos diretos horizontais, elas podem
vir a beneficiar de efeitos próximos, tais como a responsabilidade dos Estados por violação do direito da UE, o efeito
indireto das Diretivas ou interpretação conforme ao DUE e o efeito incidental das Diretivas (ou efeito triangular). Este
último é possível quando a relação entre dois privados é constitutivamente definida ou mediada por uma entidade
pública; neste caso, um privado insurge-se contra os atos ou omissões de um ente público – contrárias a uma Diretiva
–, atingindo o mesmo resultado que obteria se a diretiva produzisse efeito direto horizontal (Acs. Medicines Control
Agency, Unilever Italia ou Sapod).

No âmbito das decisões, o efeito direto depende de uma análise sobre a natureza, economia e termos da disposição,
para determinar se da decisão emergem obrigações com caráter incondicional e suficientemente claro e preciso (Ac.
Franz Grad): quando dirigidas a Estados, as decisões podem carecer da necessária precisão, exigindo medidas de

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

execução por parte dos mesmos (à exceção das decisões proibitivas); porém, é pacífico o reconhecimento do efeito
direto de decisões dirigidas a particulares.

No que aos acordos internacionais diz respeito, no Ac. Demirel, o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito direto a
determinados acordos, segundo os mesmos critérios aplicados no Ac. Van Gend en Loos. Por fim, relativamente aos
pareceres e recomendações, estes não têm força vinculativa, pelo que não têm efeito direto.

2. Primado do Direito da União Europeia

Em 1964, o TJ, no Ac. Flamínio Costa c. ENEL, abriu caminho à afirmação do princípio do primado do direito da
União: “resulta do conjunto destes elementos que ao direito emergente do Tratado, emanado de uma fonte
autónoma, em virtude da sua natureza originária específica, não pode ser oposto em juízo de um texto interno,
qualquer que seja, sem que se perca a sua natureza comunitária e sem que sejam postos em causa os fundamentos
jurídicos da própria comunidade”.

Este é, pois, um princípio afirmado jurisprudencialmente, que estabelece aos órgãos nacionais a necessidade de
garantirem a plena eficácia do direito europeu – sempre que estejam em conflito normas de direito interno e normas
de direito comunitário –, ainda que tal implique a desaplicação das normas nacionais, qualquer que seja a sua
dignidade formal. Em suma, o juiz nacional encarregue de aplicar as disposições do direito comunitário tem a
obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas, desaplicando toda a disposição contrária da legislação
nacional, mesmo que posterior, sem que tenha de perguntar ou de esperar pela eliminação prévia destas por via
legislativa ou de qualquer outro procedimento constitucional (Ac. Simmenthal). Fala-se, a este propósito, de uma
“inaplicabilidade de pleno direito” ou “efeito de exclusão”. Vale salientar que a norma nacional se mantém em vigor,
visto que não está em causa a sua validade, mas apenas a prevalência na aplicação (Miguel Gorjão-Henriques).

3. Uniformidade na aplicação

O Direito da União Europeia deverá aplicar-se da mesma forma e com o mesmo sentido em qualquer Estado-
Membro, ainda que as realidades jurídicas e económicas nacionais se revelem diversas.

Este princípio afirma-se através do mecanismo do reenvio prejudicial (Art. 267º TFUE), que institui uma relação de
colaboração entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o TJ, nos termos do qual aqueles podem pedir a este que se
pronuncie sobre a interpretação de uma qualquer norma da União ou sobre a validade de uma norma da União de
direito privado. Uma vez obtida a resposta, o órgão nacional peticionante fica vinculado à mesma – dada pelo TJ –,
ao aplicar (ou não) a norma da União no caso concreto. O labor interpretativo do TJ não tem um efeito meramente
prospetivo, tanto que a interpretação levada a cabo estabelece como devia ter sido entendida a norma desde o
momento da sua entrada em vigor. Deste modo, a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz,
mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de
interpretação. O princípio da segurança jurídica impede, todavia, que a prolação de uma interpretação pelo TJ afete
uma decisão administrativa anterior que tenha sido transitada em julgado por não ter sido desencadeado um reenvio
com fundamento na jurisprudência Cilfit.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

4. Interpretação conforme

Também conhecido como efeito indireto, afirma que o intérprete e aplicador do direito deverá, no momento de
aplicar o direito nacional, atribuir a este uma interpretação que se apresente conforme o sentido, economia e termos
das normas europeias. Há quem baseie este princípio no Ac. Marleasing, onde se afirmou que o juiz nacional deve
encontrar outros métodos permitidos pelo seu sistema jurídico e dar prioridade ao método interpretativo que lhe
permita dar à disposição de direito nacional em causa uma interpretação compatível com a norma de DUE (Ac. Van
Colson, Ac. Kamman, Ac. Faccini Dori, Ac. CentroSteel, Ac. Constanzo e Ac. Oceano Salvat). Entre nós, encontra-se
consagrado no Ac. STJ nº3/2004, de 25 de março de 2004.

Contudo, este princípio também tem os seus limites: o exercício jurídico-interpretativo não pode resultar numa
interpretação contra legem; quando tal interpretação conduza à imposição a um particular de uma obrigação prevista
numa diretiva não transposta; ou, finalmente, por maioria da razão, quando leve a determinar ou a agravar, com base
na diretiva ou na falta de uma lei adotada para sua aplicação, a responsabilidade penal daqueles que atuem em
violação das suas disposições.

Coloca-se a questão: quando é que o direito nacional deve ser interpretado em conformidade com o Direito da
UE? Quando o padrão de conformidade do direito nacional seja constituído por princípios de direito comunitário ou
por normas juridicamente vinculativas da União dotadas de efeito direto e de aplicabilidade direta. É o caso das
normas dos Tratados, regulamentos e diretivas em relação às quais já tenha decorrido o prazo de transposição.

5. Responsabilidade civil dos Estados-Membros por violação do Direito da União Europeia

O direito à reparação foi afirmado no Ac. Francovich, que reconhece um direito subjetivo dos particulares à reparação
dos danos causados por violação do direito da UE (derivado da obrigação da cooperação leal dos Estados-Membros).
Mais tarde, este princípio veio a ser reafirmado no Ac. Brasserie du Pêcheur.

Tem como pressupostos o nexo de imputação da conduta ao Estado, a violação (suficientemente caracterizada) do
Direito da União, seja por ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade entre ambos – a violação e o dano.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem igualmente abordado a questão da responsabilidade civil extracontratual
do Estado por incumprimento imputável ao exercício da função jurisdicional: Ac. Köbler, Ac. Traghetti, Ac. Comissão
c. Itália.

Se o Tribunal de Justiça tem afirmado a valência substantiva deste princípio, já a definição do seu regime processual
tem sido remetida para os Estados-Membros. Apesar disso, estes devem reconhecer aos particulares condições tão
favoráveis como as relativas a reclamações semelhantes fundadas no direito nacional, não podendo tornar o direito
à reparação excessivamente difícil ou praticamente impossível. Em Portugal, o reconhecimento deste princípio tem-
se revelado difícil.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

6. Princípios de cariz material

Por fim, no que diz respeito aos princípios de cariz material, destacam-se:

 Princípios da igualdade e da não discriminação (Arts. 2º e 3º TUE; 18º e 19º TFUE);


 Princípio do respeito pelos direitos fundamentais;
 Princípio da segurança jurídica;
 Princípio do respeito pelas expectativas legítimas;
 Respeito pelas identidades nacionais e pela estadualidade.

IV – Processo de Revisão dos Tratados

O Art. 48º TUE consagra um processo de revisão ordinário e dois processos de revisão simplificados. Este processo
afasta-se da metodologia geralmente seguida para a negociação dos Tratados tal como disciplinada pela Convenção
de Viena e pelas Constituições dos Estados-Membros. Entre nós, os Tratados internacionais são ajustados e assinados
pelo Governo, aprovados pela Assembleia da República e ratificados pelo Presidente da República. Contudo, os
processos de revisão dos Tratados afastam-se da simplicidade deste figurino.

A. Processo Ordinário de Revisão (Art. 48º TUE)

O TUE consagra um processo ordinário de revisão dos Tratados (Art. 48º/2/3/4/5 TUE).

1. Apresentação de projetos de revisão

O primeiro momento – iniciativa – diz respeito à apresentação dos projetos de revisão, cuja legitimidade para tal
cabe aos Estados, ao Parlamento Europeu e à Comissão; estes podem aumentar ou reduzir as competências atribuídas
à UE pelos Tratados, nos termos do Art. 48º/2. Na fase seguinte – fase institucional –, os projetos são submetidos ao
Conselho Europeu e notificados aos parlamentos nacionais.

2. Decisão sobre a análise das alterações propostas

Ainda na fase institucional, a decisão sobre a aceitação ou rejeição da análise das alterações propostas cabe ao
Conselho Europeu, após consulta ao PE e à Comissão. De acordo com o Art. 48º/3 TUE, a decisão é tomada por
maioria simples.

3. Decisão de aprovação das alterações propostas

Segue-se uma fase convencional: no caso de decisão favorável à análise das propostas de alteração, a decisão para
aprovação das alterações propostas pode ser tomada por uma Convenção e/ou por uma Conferência de
Representantes dos Governos, conforme os casos. No fundo, poderá haver lugar a uma Convenção e a uma
Conferência ou apenas a uma Conferência.

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a) Convenção

Neste caso, o Presidente do Conselho Europeu pode decidir convocar uma Convenção, que integra representantes
dos parlamentos nacionais, dos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros, do Parlamento Europeu e da
Comissão. O BCE será ouvido se estiverem em causa alterações institucionais no domínio monetário, no âmbito do
Art. 48º/3 TUE. Aqui, é seguido um modelo de convenção constitucional.

b) Conferência dos Representantes dos Governos

Em princípio, a Conferência dos Representantes dos Governos ocorrerá depois de findos os trabalhos da Convenção,
tendo por base uma recomendação aí adotada por unanimidade. Contudo, também pode acontecer que o Presidente
do Conselho Europeu entenda que as alterações justificam a convocação de uma Convenção, procedendo logo
definição no mandato da Conferência (Art. 48º/3 TUE). Em qualquer dos casos, a mesma será convocada pelo
Presidente do Conselho Europeu, cabendo-lhe definir, de comum acordo, as alterações a introduzir nos Tratados,
conforme o disposto no Art. 48º/4 TUE.

4. Entrada em vigor das alterações

Por fim, ocorre a fase estadual. As alterações aos Tratados entram em vigor depois de ratificados pelos Estados-
Membros, de acordo com as respetivas normas constitucionais (Art. 48º/4). O Conselho Europeu não dispõe de poder
para determinar a entrada em vigor das alterações à margem da ratificação pelos Estados.

O Art. 48º/5 TUE dispõe que o Conselho Europeu será chamado a intervir se, depois de dois anos a contar da data
de assinatura de um Tratado de revisão, 4/5 dos Estados o tiverem ratificado e um ou mais tiveram dificuldades em
obter essa ratificação. Esta disposição apenas permite tornar claro que nesse caso a UE se depara com um problema,
não adiantando muito. Se a experiência do passado é alguma indicação, provavelmente os Estados que já ratificaram
usarão o Conselho Europeu como ponto de partida para aumentarem a pressão sobre os que ainda não ratificaram.

Em suma:

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

B. Processos Simplificados de Revisão (Art. 48º/6/7 TUE)

O Tratado de Lisboa prevê dois processos simplificados de revisão dos Tratados. É neste domínio que surgem as
designadas cláusulas passerelle ou “cláusulas ponte” que a jurisprudência constitucional alemã considerou
especialmente problemáticas, na medida em que se permite a alteração do direito primário da UE por decisão
unânime do Conselho Europeu.

1. Alterações das políticas internas e das ações

No primeiro processo simplificado de revisão dos Tratados, previsto no Art. 48º/6 TUE, os Governos dos Estados-
Membros, o Parlamento Europeu ou a Comissão podem submeter ao Conselho Europeu a alteração total ou parcial
das normas da III Parte do TFUE. O Conselho Europeu, em derrogação do processo ordinário, pode proceder às
alterações por unanimidade. O PE e o BCE, no caso de alterações institucionais no domínio monetário, devem ser
consultados previamente. De acordo com o princípio das competências por atribuição, apenas é disposto que essa
decisão não pode aumentar as competências da União, contudo, nem isso afasta a necessidade de uma ratificação
unânime dessa decisão por todos os Estados-Membros, que conservam o seu direito de veto (Art. 48º/6 TUE).

2. Alteração das normas de competências do TFUE

Um processo simplificado de alteração dos Tratados consiste na alteração das normas do Art. 86º/1/2 TFUE, acerca
das atribuições e competências da Procuradoria Europeia, tendo em vista estendê-la à criminalidade grave. Esta
alteração do direito primário da UE ocorre por decisão unânime do Conselho Europeu, após aprovação do PE e
consulta à Comissão.

3. Alteração do processo de decisão

No Art. 48º/7 TUE está prevista uma “cláusula passerelle”, que permite que, por decisão unânime do Conselho
Europeu, uma matéria constante do TFUE ou do Título V do TUE (que até aí requeria a unanimidade do Conselho),
passe a bastar-se com maioria qualificada da instituição. Deste modo, é permitida uma alteração do direito primário
pelo consenso dos membros do Conselho Europeu. Estão apenas excluídas as decisões que possam ter implicações
em domínios como o militar ou da defesa. Além disso, o CE pode determinar, por unanimidade, que uma matéria
que requeira um processo legislativo especial, por força do TFUE, passe a ser decidida através de processo legislativo
ordinário.

4. Alterações atípicas através do direito internacional

O regime de revisão dos Tratados consagrado no Art. 48º TUE mostrou-se demasiado rígido numa altura de crise,
tendo levado a que se procurasse uma escapatória, recorrendo a um tratado internacional para estabelecer um
Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governança da União Económica e Monetária (TECG), fundado nas
obrigações que impendem sobre os Estados-Membros da UE, cujo crescimento visa assegurar, nomeadamente
através de uma regra de orçamento equilibrado de aplicação controlada. Embora se trate formalmente de um tratado
internacional, materialmente constitui direito da UE, devendo ser interpretado e aplicado pelas instituições europeias

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da UE e pelos Estados-Membros que integram a Zona Euro, em conformidade com o direito da UE. Ele visa
expressamente facilitar a execução das normas constantes dos Arts. 121º, 126º e 136º TFUE. Por sua vez, o objetivo
expresso das partes contraentes consiste em incorporar, no prazo de cinco anos, as disposições deste tratado nos
Tratados da UE (Art. 16º TECG).

Em suma:

Além disso, outras disposições preveem a possibilidade de alteração das disposições dos Tratados, sem convocação
da Conferência Intergovernamental (CIG) e, em especial, sem necessidade de ratificação por todos os Estados-
Membros como condição da sua entrada em vigor. É o caso, por exemplo, de certas alterações a disposições do
Estatuto do TJUE, do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) ou do Banco Europeu de Investimento (BEI).

Para além disso, o Conselho pode, também, determinar por unanimidade que uma matéria que requeira um processo
legislativo especial, por força do TFUE, passe a ser decidida através de processo legislativo ordinário. Estas iniciativas
deverão ser comunicadas aos parlamentos nacionais para que estes se pronunciem num prazo de seis meses.
Havendo oposição, a medida não poderá ser adotada. Acresce que a aprovação das alterações exige um voto do PE
por maioria dos seus membros.

Finalmente, os Tratados preveem ainda que certas modificações de decisões tomadas na letra dos Tratados sejam
feitas sem necessidade de um qualquer procedimento formal de revisão, como sucede com as alterações ao número
de membros da Comissão (Art. 17º/ TUE), que podem ser feitas pelo Conselho Europeu, deliberando por
unanimidade.

C. Revisão dos Tratados

Podem os Estados-Membros, enquanto “donos dos Tratados”, optar por uma revisão puramente
intergovernamental? Miguel Gorjão-Henriques considera que não. Tal representaria uma violação clara dos Tratados
e do princípio pacta sunt servanda, que poderia ter como consequências o desencadear de ações por incumprimento
contra os Estados ou a própria “consequência auto-fágica” da anulação do ato de revisão. Dado o peso dos órgãos
da União na atual configuração do dito processo, não se vê qual o interesse nesta solução.

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

D. Incorporação do Direito da União Europeia no Ordenamento Jurídico português

Relativamente à incorporação do direito da UE no direito nacional, a matéria é redigida, essencialmente, pelo Art. 8º
CRP, que é uma norma que cura dos modos de incorporação do direito internacional público na ordem jurídico-
constitucional interna. Apesar de a doutrina discutir a natureza dos Tratados, estes assumiram a forma de tratados
internacionais solenes, valendo o disposto no nº2 do Art. 8º CRP, que consagra a incorporação destas normas
internacionais de origem convencional por via de uma técnica de receção plena (estas continuam a valer como
normas de direito internacional público, segundo o sistema monista).

No caso do Tratado da UE, a sua aprovação e ratificação não é condição suficiente para a sua vigência interna, dado
que esta depende da prévia verificação da sua vigência internacional, a qual, nos termos dos Tratados, só ocorrerá
depois do depósito dos instrumentos de ratificação por todos os Estados-Membros.

Capítulo V – Cidadania Europeia e Direitos e Liberdades Fundamentais

➜ Nacionalidade: vínculo jurídico, genuíno e efetivo, que liga um indivíduo a um Estado. Classicamente, é
estabelecido com base no lugar de nascimento ou a ascendência (ius soli e ius sanguinis, respetivamente). Trata-se
de um “direito básico a ter direitos”, estabelecendo um vínculo legal.

➜ Cidadania: conceito cuja origem remonta à antiguidade (polis grega – conferindo direitos e deveres e um
sentimento de pertença – e cidadania romana). Consiste, neste caso, num complexo de direitos que caracterizam
uma pessoa enquanto sujeito integrante de uma determinada comunidade, traduzindo-se, pois, num conjunto de
direitos a que a nacionalidade dá acesso e respetiva medida.

I – Cidadania Europeia

A. Introdução

A ideia de cidadania remonta à antiguidade, salientando-se o seu relevo na polis grega, onde conferia
simultaneamente uma distinção social, um conjunto de direitos e deveres e um sentimento de identidade e pertença.
Por sua vez, a cidadania romana constitui um antecedente histórico de especial interesse, na medida em que a mesma
conferia um estatuto jurídico-político privilegiado a homens livres – as mulheres tinham uma cidadania limitada –,
que dependia da etnia, cultura ou língua, pelo simples facto de habitar no território do Império Romano.

A cidadania europeia é um conceito algo tardio no processo de integração europeia, encontrando-se ausente dos
Tratados de Paris e de Roma que instituíram a CECA, a CEE e a CEEA. Foi introduzida, pela primeira vez, pelo Tratado
de Maastricht, de 1992. Deste modo, entende-se que todos os nacionais dos Estados-Membros são cidadãos da
União Europeia. Por sua vez, o Tratado de Amesterdão veio sublinhar a natureza complementar da cidadania europeia
relativamente à cidadania nacional, tendo sido a mesma consagrada no Art. 17º do então TCE; atualmente, encontra-
se prevista nos Arts. 18º ss TFUE. A natureza complementar e de sobreposição da cidadania europeia significa que
ela permanece dependente das leis da nacionalidade dos Estados-Membros, que não pretende substituir. Não existe

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Ângela Almeida 2020/2021 DUE I – 1ª Turma

uma “Lei da Nacionalidade” de âmbito europeu, definindo autonomamente, com base no ius solis ou no ius sanguinis,
os critérios de aquisição, originária ou derivada, da perda e da reaquisição da nacionalidade. Em suma, quem é
nacional de um Estado-Membro da União é, ipso facto, cidadão da UE, sem necessidade de qualquer declaração ou
procedimento para o efeito (e vice-versa).

Neste contexto, pode dizer-se que a cidadania europeia representa um importante ativo para os que a possuem.
Abrange qualquer nacional de um Estado-Membro, sendo complementar à nacionalidade. Dela resulta a capacidade
de gozo e exercício dos direitos, e a sujeição aos deveres previstos nos Tratados.

A verdade é que a cidadania europeia alterou significativamente o próprio direito da nacionalidade, que deixou de
ser uma questão puramente interna dos Estados-Membros. Embora estes tenham competência exclusiva para fixar
os requisitos da atribuição, recusa ou revogação da nacionalidade, eles devem respeitar o direito da UE e os limites
deste resultantes (Ac. Micheletti, 1992). Por exemplo, no célebre Ac. Rottmann, envolvendo um austríaco arguido na
Áustria e nacionalizado alemão, e a quem as autoridades germânicas queriam revogar a nova nacionalidade, o TJUE
entendeu que, quando confrontados com uma decisão sobre revogação da nacionalidade que possa afetar a
cidadania europeia, os tribunais nacionais devem aplicar o princípio da proporcionalidade e analisar se essa
revogação é necessária, adequada e (estritamente) proporcional à prossecução de um interesse público legítimo. As
regras da nacionalidade têm, pois, sempre impacto na cidadania da UE, pelo que as leis da nacionalidade dos Estados-
Membros devem ter em conta a natureza fundamental da cidadania da UE.

Concluímos que da cidadania europeia resulta a capacidade de gozo e exercício dos direitos, e a sujeição aos deveres
previstos nos Tratados. Genericamente, a mesma comporta três dimensões: uma civil, que contempla os direitos
inerentes à liberdade individual, liberdade de expressão e de pensamento, o direito de propriedade e de conclusão
de contratos e o direito à justiça; uma política, englobando o direito de participação no exercício do poder político,
como eleito ou eleitor, no conjunto das instituições de autoridade pública; e, por fim, uma social, consistindo no
conjunto de direitos relativos ao bem-estar económico e social, desde a segurança até ao direito de partilhar do nível
de vida segundo os padrões prevalecentes na sociedade.

Deste modo, e relativamente aos seus objetivos, podemos afirmar que a existência de uma cidadania da União visa
tornar o processo de integração europeia mais relevante para os cidadãos, incrementar a sua participação, promover
o seu envolvimento na vida política da União, reforçar a proteção dos seus direitos, promover a ideia de uma
identidade europeia, reforçar os laços entre os cidadãos e a Europa e promover e desenvolver uma opinião pública
europeia.

B. Direitos de cidadania europeia

A cidadania europeia encontra-se consagrada entre os Arts. 18º e 25º TFUE, bem como entre os Arts. 39º e 46º
CDFUE. Neste âmbito, podemos identificar os direitos exclusivos dos cidadãos europeus – direito de sufrágio,
proteção diplomática, circulação e permanência e iniciativa de cidadania –, os direitos de todos os particulares
residentes ou sediados na União Europeia – direito de acesso aos documentos, petição ao Parlamento Europeu e
queixa ao Provedor de Justiça Europeu – e, ainda, os direitos de todas as pessoas que, por algum motivo, entrem em

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contacto com os serviços da UE – direito a uma boa administração e a dirigir-se às instituições numa das línguas dos
Tratados.

Nos Tratados, a cidadania europeia surge de mãos dadas com a proibição da discriminação em função da
nacionalidade e de qualquer outro critério. Nos termos do Art. 20º/2 TFUE, os direitos de cidadania europeia são
exercidos nas condições e nos limites definidos pelos Tratados e pelas medidas adotadas para a sua aplicação. Ao
longo dos anos, o TJUE tem adscrito à cidadania europeia uma relevância não económica, na medida em que tem
reconhecido direitos de residência mesmo a indivíduos não economicamente ativos, tendo afirmado a primazia do
estatuto de cidadania europeia relativamente aos estatutos de cidadania de mercado, trabalhador ou prestador de
serviços (Ac. Grzelczyc, 2001). Já deixou claro, igualmente, que estes direitos podem ser invocados pelos cidadãos
da UE, quer noutros Estados-Membros, quer em relação ao próprio Estado-Membro, desde que a situação se inclua
no âmbito de aplicação rationae materiae do direito da UE (Ac. Tas-Hagen, 2006).

1. Proibição da discriminação

O Art. 18º/1 TFUE determina que, no âmbito da aplicação dos Tratados, é proibida toda a discriminação em função
da nacionalidade. De acordo com esta disposição, a cidadania europeia fundamenta um estatuto de igualdade
jurídica, assente no princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade, não descurando da existência
de exceções (Ac. Garcia Avello, 2002). Este princípio abrange não apenas as discriminações ostensivas, mas também
as mais subtis, mesmo baseadas noutros critérios, que conduzam ao mesmo resultado (Ac. Comissão c. Itália, 2001).
Porém, ele não exclui a possibilidade de diferenciação proporcional entre nacionais e cidadãos de outros Estados-
Membros. O Art. 18º/2 TFUE determina que o PE e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo
ordinário, podem aprovar normas destinadas a proibir tal discriminação.

Mas a proibição de discriminação vai hoje muito mais além do que a proibição de nacionalidade. Inclusive, segundo
o Art. 19º TFUE, o objetivo consiste em combater toda a discriminação em razão do sexo, raça, origem étnica, religião,
crença, deficiência, idade ou orientação sexual, tratando-se de cláusulas gerais de igualdade.

2. Livre circulação e residência

Um direito fundamental da cidadania europeia consiste na livre circulação e permanência no território dos Estados-
Membros (Arts. 20º/2, a), 21º, 67º e 68º TFUE e 45º CDFUE), compreendendo a liberdade de movimentos e residência
em toda a UE. Do exercício do mesmo não pode resultar qualquer discriminação.

Segundo a jurisprudência firmada no TJUE, deve sublinhar-se que uma legislação nacional que ponha em
desvantagem determinados nacionais comunitários pelo simples facto de terem exercido a sua liberdade de circular
e de permanecer noutro Estado-Membro constitui uma restrição às liberdades reconhecidas pelo Art. 20º/2, a) TFUE
a qualquer cidadão da União (Ac. Baumbast e Ac. Chen). Por sua vez, o Art. 21º TFUE consagra uma espécie de
cláusula de flexibilidade ou de poderes implícitos, específica para este domínio.

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Este direito de cidadania europeia é exercido no quadro do espaço de liberdade, segurança e justiça previsto nos
Arts. 67º a 89º TFUE. Atualmente, encontra-se regulado pela Diretiva sobre livre circulação (Diretiva 2004/38/CE, de
29 de abril de 2004) e respetiva legislação de transposição; esta Diretiva, para além dos aspetos mencionados, reforça
as garantias materiais e processuais de proteção jurisdicional.

a) Livre circulação

A Diretiva 2004/38/CE, de 29 de abril de 2004, sobre liberdade de circulação, disciplina a entrada e saída do território
dos países da UE (Arts. 4º e 5º), acolhendo o princípio da liberdade de circulação e residência para cidadãos europeus
e membros das suas famílias (cônjuge ou parceiro equiparado, descendentes até 21 anos e ascendentes a cargo do
cidadão). Neste sentido, consagra uma solução de liberdade de circulação e residência até três meses sem quaisquer
formalidades, bastando-se apenas a titularidade de um documento de identidade ou passaporte válido (Art. 6º). A
liberdade de circulação exerce-se no respeito pelo sistema de Schengen, cujo acervo foi incorporado no direito da
UE pela via do Tratado de Amesterdão, abrangendo também quatro Estados não comunitários: Islândia, Liechtenstein,
Noruega e Suíça). Por sua vez, a Irlanda e o Reino Unido não pertencem, aplicando apenas as normas sobre
cooperação policial e judiciária. Para a família pode ser exigido visto, mas este deve ser emitido de forma célere e
gratuita; no caso de o familiar ter cartão de residência, não pode ser exigido visto. Pode ainda ser exigida a
comunicação em prazo razoável e não discriminatório, sancionando-se o incumprimento.

b) Residência temporária

Nos termos da Diretiva 2004/38/CE, a residência por mais de três meses está sujeita a formalidades – como o registo
de residência ou o cartão de residência para os familiares, por exemplo –, de forma a, entre outras coisas, impedir a
sobrecarga do sistema da segurança social.

Deste modo, será necessário exercer atividade assalariada ou não assalariada (ao que se equipara o desemprego não
voluntário e a incapacidade temporária) ou, ao invés, não exercer qualquer atividade, mas ter recursos que garantam
a sua subsistência e da sua família, assim como seguro com ampla cobertura. Por sua vez, quem estiver inscrito em
estabelecimento de ensino público ou privado e quiser permanecer de três meses a cinco anos, deve dispor de
cobertura extensa de seguro de doença no país de acolhimento e dispor de recursos financeiros suficientes, de modo
a evitar tornar-se uma sobrecarga para o regime da segurança social do referido país (Art. 7º/2, c). Pode, igualmente,
ser exigido o registo para prova do preenchimento destas condições.

A Diretiva consagra o princípio da solidariedade financeira da segurança social em situações de necessidade (morte,
divórcio, anulação de casamento, entre outros), tendo em conta o grau de integração do cidadão europeu e dos seus
familiares. Igualmente considerada é a proteção dos trabalhadores assalariados e não assalariados e de
desempregados à procura de emprego.

O Regulamento nº1612/68 garante a todos os nacionais de um Estado-Membro o direito de aceder a uma atividade
assalariada e de a exercer no território de outro Estado-Membro, em conformidade com a regulamentação nacional
aplicável, afastando qualquer discriminação em função da nacionalidade.

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c) Residência permanente

Segundo o disposto na Diretiva 2004/38/CE, os cidadãos europeus que residam por mais de cinco anos num Estado-
Membro adquirem um direito legal de residência permanente, incondicionado (Art. 16º). Neste âmbito, englobam-
se, ainda, os cidadãos que atinjam a idade necessária para ter pensão de velhice, os que tenham residido no Estado
por mais de dois anos e tenham ficado incapazes de trabalhar e os que, após residirem três anos nesse Estado,
começam a trabalhar noutro, desde que mantenham residência naquele Estado e aí regressem, pelo menos, uma vez
por semana. No caso de ausência do Estado de acolhimento por mais de dois anos, este direito perde-se.

d) Os cidadãos de Estados terceiros e a liberdade de circulação

 Entrada e permanência no território da UE

Depende largamente das políticas desenvolvidas em matéria de controlo nas fronteiras, asilo e imigração (Arts. 77º
a 80º TFUE). A entrada, permanência e circulação no território da UE está sujeita ao sistema de Schengen (um “espaço
de liberdade, segurança e justiça”), que contém regras comuns de permanência temporária – Visto Schengen –, regras
comuns de controlo de fronteiras externas – Frontex – e regula a liberdade de circulação para titulares de autorização
de permanência temporária.

 Cidadãos de países terceiros familiares de cidadãos da UE

O direito de residência constante do Art. 7º/1 da Diretiva 2004/38/CE abrange os membros da família de um cidadão
da União nacionais de um Estado terceiro, quando acompanhem ou se reúnam do cidadão da UE no Estado-Membro
de acolhimento. Aplicam-se-lhe as regras dos cidadãos europeus e suas famílias, nomeadamente no que diz respeito
ao exercício de uma atividade ou à inscrição num estabelecimento de ensino. Tais familiares devem possuir um cartão
de residência e, como já mencionado, estão englobados o cônjuge ou parceiro equiparado, descendentes até 21
anos e ascendentes a cargo do cidadão.

Segundo o Ac. Decreci, 2011 e o Ac. Ruiz Zambrano, 2011, um direito de residência não pode, em princípio, ser
recusado a um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União, sempre que isso
neutralizar o efeito útil da cidadania da União de que este último cidadão goza. Ou seja, refere-se às situações que,
em consequência de tal recusa, esse cidadão da UE se visse obrigado, na prática, a abandonar a totalidade do
território da União, privando-o, consequentemente, do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por esse
Estatuto.

Os Estados-Membros podem, contudo, restringir a livre circulação e o direito de residência com fundamento em
razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (doenças definidas pela OMC como “com potencial
endémico” e outras doenças infeciosas ou parasitárias). Estas restrições devem basear-se no comportamento da
pessoa em questão que, para o efeito, deverá constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete
um interesse fundamental da sociedade, e devem ser proporcionais.

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3. Direito de sufrágio

Inerentes à cidadania europeia são os direitos de sufrágio ativo e passivo nas eleições municipais e para o Parlamento
Europeu (Arts. 20º/2, b) e 22º TFUE e Arts. 39º e 40º CDFUE). Eles concretizam o princípio democrático que conforma
positivamente a União Europeia e os Estados Membros.

 Eleições para o Parlamento Europeu

Do estatuto de cidadão europeu decorre o direito de votar e ser candidato nas eleições para o PE no Estado-Membro
de residência que não seja o da sua nacionalidade, nas mesmas condições do nacional desse Estado (Art. 39º CDFUE),
consagrando-se um princípio de democracia eletiva e não discriminação (Diretiva 93/109/CE).

Naturalmente que o exercício do direito de sufrágio para o PE implica sempre a proibição de candidatura múltipla e
de voto múltiplo, no sentido do princípio “uma pessoa, um voto” (Art. 3º da Diretiva 93/109/CE). Este direito encontra-
se previsto, embora de forma incorreta, no Art. 15º CRP; no seu nº5 dispõe-se que “a lei pode ainda atribuir, em
condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados-Membros da União Europeia residentes em Portugal, o direito
de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu”. A crítica dirige-se, exatamente, à introdução desta
“cláusula de reciprocidade”.

 Eleições municipais

Do estatuto de cidadão europeu decorre o direito de votar e ser candidato nas eleições municipais do Estado-
Membro de residência, nas mesmas condições do nacional desse Estado (Art. 40º CDFUE), clarificando a Diretiva
94/80/CE – sobre eleições autárquicas – o sentido de alguns conceitos chave. Neste contexto, autoriza-se o legislador
nacional a estabelecer inelegibilidades e restrições ao direito de sufrágio passivo e estabelecem-se as normas
fundamentais que regem o exercício do sufrágio ativo e a elegibilidade. Finalmente, estabelecem-se algumas
derrogações a este direito para os casos em que o número de residentes não nacionais no Estado-Membro de
residência, com capacidade eleitoral, seja superior a 20% da população nacional.

Embora de forma desajeitada, este direito está previsto no Art. 15º/4 CRP, que estabelece que “a lei pode atribuir a
estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa e passiva
para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais”. Mais uma vez, aponta-se uma crítica, devido à introdução
da “cláusula de reciprocidade”.

4. Proteção diplomática e consular

Da cidadania europeia decorre um direito fundamental à proteção diplomática fora da UE por qualquer Estado-
Membro, o qual adquire especial relevância no caso de proteção de urgência e humanitária (Arts. 20º/2, c) e 23º
TFUE). Esta pode ser desenvolvida pelas missões e delegações da União no estrangeiro, nos termos do Art. 35º TUE.
Tem-se em vista uma proteção diplomática e consular em Estados terceiros, se não existir representação institucional
ou pessoal do Estado-Membro do nacional em causa e que seja acessível (revelando-se, neste ponto, subsidiária),
nas mesmas condições que os nacionais do Estado cuja proteção é solicitada, seguindo o princípio da não

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discriminação. A mesma tem em vista situações de urgência, respeitantes a casos de morte, acidente ou doenças
graves, prisão, detenção ou violência, podendo incluir a ajuda ao repatriamento (Decisão nº553/95).

Quem solicita proteção deve poder provar a cidadania europeia através de documentos ou de qualquer outro modo.
Este direito impõe aos Estados da União o dever de tomarem as medidas internas e internacionais necessárias à
respetiva efetivação, admitindo-se que isso implique a adoção de Diretivas que estabeleçam medidas de
coordenação e cooperação necessárias à garantia de tal direito.

5. Iniciativa dos cidadãos

O Tratado de Lisboa veio consagrar, no Art. 11º/4 TUE, a possibilidade de uma iniciativa legislativa dos cidadãos da
UE. Requer-se que pelo menos 1 milhão de cidadãos nacionais de um número significante de Estados-Membros
possam convidar a Comissão a formular uma proposta adequada em matérias, das suas atribuições, sobre as quais
esses cidadãos considerem necessário um ato jurídico da UE em aplicação dos Tratados. Este direito de iniciativa
pretende reforçar a participação democrática dos cidadãos da UE, na sua componente de democracia semidireta,
corrigindo o tradicional défice democrático. Não se trata de um direito de iniciativa popular propriamente dito, na
medida em que cabe à Comissão decidir se elabora, ou não, uma proposta.

Nos termos do Art. 24º/1 TFUE, o Parlamento Europeu e o Conselho adotaram, por processo legislativo ordinário, o
Regulamento (UE) nº211/2011, de 6 de fevereiro de 2011, contendo normas processuais e condições de apresentação
de uma iniciativa de cidadania. Estabelece-se que os signatários devem representar pelo menos ¼ dos Estados-
Membros (7 Estados-Membros), juntamente com um regime de proporcionalidade degressiva na exigência de um
número mínimo de signatários por cada Estado-Membro, que corresponde ao número de deputados ao PE
multiplicado por 705 (antes do Brexit, o multiplicador não era 705, mas sim 750). Trata-se de um processo simples e
transparente, cujas assinaturas devem ser recolhidas no prazo de um ano, sendo que a Comissão dispõe de três
meses para apreciar a iniciativa.

6. Direito a uma boa administração

O Art. 41º CDFUE consagra o direito a uma boa administração como um direito de cidadania europeia. Pretende-se
criar uma administração bem dirigida, com capacidade de prestação, funcionalmente ordenada e adequada,
estruturada com base nos direitos fundamentais e nos princípios estruturantes do direito da UE, como a democracia
e o Estado de Direito. Trata-se de um direito de todas as pessoas, físicas e coletivas, que por qualquer motivo entrem
numa relação com os serviços administrativos da UE. O mesmo pretende concretizar, na relação entre a administração
da UE e os particulares, os princípios da igualdade, da justiça, da eficiência e eficácia e da equidade procedimental.
O direito abrange as garantias de procedimento administrativo, como o direito de audiência, o direito à consulta dos
processos em que esteja envolvido, o direito à fundamentação das decisões da Administração, o direito à
indemnização por danos e o direito de queixa junto das autoridades administrativas. Trata-se de um elenco não
taxativo, que remete para um amplo conjunto de garantias administrativas, substantivas e procedimentais
reconhecidas, quer pela jurisprudência constitucional dos Estados-Membros, quer pela jurisprudência do TEDH.

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7. Direito de acesso a documentos

O princípio da transparência dirige a atuação da União Europeia em todos os domínios e com múltiplas incidências
(Art. 11º TUE e 15º TFUE). O Art. 298º TFUE estabelece os princípios da administração aberta, da eficácia e da
transparência como retores da atuação de instituições, órgãos e organismos da UE. Neste quadro, surge o direito de
acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da UE, seja qual for o respetivo suporte, respeitante a
políticas, decisões ou ações da instituição em causa (Art. 42º CDFUE). Consiste num direito não apenas dos cidadãos,
mas também de qualquer pessoa singular ou coletiva residente ou sediada na UE. As restrições ao mesmo baseiam-
se na proteção do interesse público ou privado e são definidas pelo PE e pelo Conselho, por regulamento, através de
processo legislativo ordinário. As instituições, órgãos e organismos devem regulamentar o acesso aos respetivos
documentos em conformidade com aquele regulamento (Art. 15º/3 TFUE).

8. Direito de petição e de queixa

A cidadania europeia inclui o direito de petição e queixa perante as instituições e órgãos da UE, com particular relevo
para o Provedor de Justiça Europeu e o Parlamento Europeu (Art. 20º/2, d) TFUE). Em rigor, trata-se de um direito
que transcende a cidadania. As petições podem ser apresentadas por qualquer cidadão ou pessoa singular ou coletiva
residente ou sediada estatutariamente num Estado-Membro. As petições ao PJE devem respeitar a casos de má
administração na atuação das instituições, órgãos ou organismos da União, com exceção dos órgãos do poder judicial
no exercício de funções jurisdicionais. No tocante à apresentação de petições dirigidas ao PE, as mesmas podem ser
apresentadas individual ou coletivamente e incidir sobre qualquer questão que se integre nos domínios da atividade
da Comunidade e que lhe diga diretamente respeito.

Este direito implica o direito a dirigir-se às instituições comunitárias numa das línguas oficiais e a obter resposta na
mesma língua.

II – Proteção dos Direitos Fundamentais

A. Imprevisão inicial de direitos fundamentais

Originariamente, o direito comunitário escrito não incluía a matéria da proteção de direitos fundamentais qua tale.
Em todo o caso, o objetivo inicial de criação de um mercado único resultou na consagração de alguns direitos com
especial incidência na atividade económica, tais como a liberdade de circulação, a liberdade de estabelecimento, a
liberdade de prestação de serviços e a proibição de discriminação. Do mesmo modo, previam-se aqui e ali alguns
direitos económicos e sociais, como o salário igual para mulheres e homens.

Desde a sua fase comunitária, a União Europeia tem vindo a desenvolver um acervo de políticas extremamente
complexo, procurando harmonizar uma atitude francamente favorável ao florescimento de uma economia de
mercado, como condição de desenvolvimento económico, com preocupações de desenvolvimento político,

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económico, social, cultural e ambiental. Isto levou, por sua vez, à consciencialização da necessidade de conferir maior
centralidade aos direitos fundamentais no seio da UE.

B. Fundamentalização dos direitos no processo de integração

A ausência de um catálogo de direitos fundamentais nos Tratados instituidores das comunidades cedo se mostrou
pouco satisfatória. Inicialmente, o reconhecimento de direitos fundamentais pelos órgãos comunitários, com especial
relevo para o poder judicial, era praticamente inexistente. Porém, ao longo de várias décadas, o desenvolvimento da
proteção dos direitos fundamentais nas comunidades e na UE foi sendo enriquecido em vários planos; foi sendo
criado, pois, um sistema eficaz de proteção dos direitos fundamentais a nível comunitário.

Primeiramente, foi reconhecida aos direitos fundamentais, pelo poder judicial, a natureza de princípios gerais do
direito comunitário, solução que perdurou durante cerca de três décadas. Posteriormente, os direitos económicos
contidos no Tratado de Roma começaram por ser interpretados por remissão para as tradições de direitos
fundamentais dos diferentes Estados-Membros, e acolhendo a influência de instrumentos de direito internacional
convencional e pela incorporação da CEDH (devem ser vistos por referência à sua função social e ao respeito devido
aos direitos humanos). Em terceiro lugar, deve assinalar-se a valorização da CEDH e da respetiva interpretação e
aplicação levada a cabo pelo TEDH. Esta convenção liga-se ao direito europeu de diferentes modos; por um lado,
releva no ordenamento jurídico dos Estados-Membros da UE, todos signatários, na qualidade de instrumento clássico
de direito internacional convencional e, por outro lado, tem validade supranacional, estendendo a sua força
normativa, por incorporação, à própria UE, aí integrando os princípios gerais do direito europeu. Há mais de três
décadas que o TJUE tem vindo a afirmar a obrigação dos Estados-Membros de conformarem a sua atuação de acordo
com os direitos humanos, relevando especialmente a CEDH.

1. Consagração formal: a Carta de Direitos da UE

Em 1989, o Conselho Europeu de Estrasburgo aprovou a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos
Trabalhadores, a qual foi assinada por todos os Estados-Membros da altura, com exceção do Reino Unido.

A mesma visava a liberdade de circulação de trabalhadores e igualdade de tratamento, o direito a um emprego


justamente remunerado, a melhoria das condições de vida, o direito à proteção social adequada, o direito de concluir
convenções coletivas, o direito à greve, a formação profissional, a igualdade de tratamento entre homens e mulheres,
a proteção da saúde e da segurança, a proteção das crianças e dos adolescentes, a inserção profissional das pessoas
com deficiência, entre outros.

O passo seguinte foi a tentativa de introdução no direito originário da União Europeia de um catálogo de direitos
fundamentais de primazia normativa, força jurídica vinculativa e aplicabilidade direta. Tal catálogo deveria constituir
um reforço da cidadania europeia, da transparência das instituições e da sua proximidade aos particulares. Consistiu,
portanto, na evolução para um amplo sistema constitucional supranacional de proteção dos direitos, liberdades e
garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos europeus. Consequentemente, adotou-se a

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Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), aprovada no Conselho Europeu de Nice, em 2000;
porém, só adquiriu força jurídica vinculativa com o Tratado de Lisboa, em 2007.

2. Conteúdo normativo

A CDFUE não visa criar novos direitos, mas apenas tornar visíveis os direitos já existentes que constituíssem
património comum dos europeus. Deste modo, aprofunda a tradição ocidental de consagração e proteção dos
direitos humanos, acentuando as dimensões da dignidade, da liberdade, da igualdade, da solidariedade, da cidadania
e das garantias processuais. Tratando-se de uma Carta da União, a mesma vincula toda a atividade supranacional e
intergovernamental respeitante a todos os domínios tradicionalmente abrangidos pelos três pilares. Os principais
destinatários da CDFUE são as instituições, órgãos e organismos da UE. Por sua vez, a vinculação dos Estados está
prevista nos casos em que a atividade execute o direito da UE, o que tende a acontecer com intensidade crescente.
Não se prevê a eficácia horizontal da CDFUE nas relações entre cidadãos e a União.

A CDFUE pretende um equilíbrio razoável entre o património cultural e normativo comum dos povos europeus e a
diversidade que nalgumas matérias se verifica entre eles. A estratégia seguida consistiu em aprofundar os pontos
comuns, nomeadamente garantindo um nível idêntico de proteção para os direitos fundamentais já consagrados na
CEDH, sem renunciar a uma proteção ainda mais elevada. Os Estados-Membros são, assim, duplamente responsáveis,
perante a CEDH e a CDFUE; consequentemente, afigura-se particularmente oportuna a intensificação da cooperação
transjudicialista entre o TJUE e o TEDH.

Entre os aspetos mais salientes da CDFUE encontra-se o aprofundamento da igualdade jurídica dos sexos e o direito
à conciliação entre a vida familiar e profissional. Do mesmo modo, confere-se uma atenção especial aos direitos de
solidariedade no âmbito da maternidade e da paternidade. A decisão em matéria de proteção do feto e do embrião
foi relegada para os Estados. Algumas inovações interessantes constituem o direito a uma boa administração,
compreendendo o direito a ser tratado de forma imparcial, justa e em tempo razoável.

a) Dignidade

O Título I da CDFUE refere-se ao princípio fundamental da dignidade do ser humano, enquanto valor indivisível e
universal, que serve de base na construção da identidade da UE. Trata-se de um conceito amplo, compatível com
diferentes visões do mundo, da vida e do ser humano, embora dotado de elementos indisponíveis e intocáveis. A
CDFUE adscreve uma natureza jusfundamental ao conceito de dignidade do ser humano.

Ele aplica-se a toda a vida humana e a todos os indivíduos, sendo fundamento dos direitos de liberdade, igualdade,
solidariedade e justiça, nas suas dimensões subjetivas e objetivas, negativas e positivas. O princípio em causa
concretiza-se mediante a consagração de alguns direitos fundamentais: o Art. 1º CDFUE afirma a inviolabilidade da
dignidade do ser humano, sublinhando a sua dignidade de respeito e proteção; entre os Arts. 2º e 5º CDFUE
consagram-se os direitos à vida e à integridade do ser humano, a proibição da tortura e dos tratos ou penas
desumanas ou degradantes e, ainda, a proibição da escravatura ou do trabalho forçado. Para além disso, a dignidade
da pessoa humana constitui um parâmetro interpretativo para os demais princípios, direitos e liberdades

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fundamentais, podendo ser usado para ampliar o âmbito de proteção de uns direitos e para fundamentar a restrição
de outros.

b) Liberdade

O Título II da CDFUE dedica a sua atenção à garantia da proteção efetiva das liberdades fundamentais. Consagra-se
o direito à liberdade e segurança, o direito de contrair casamento e de constituir família, a liberdade de pensamento,
de consciência e de religião, a liberdade de expressão e informação, a liberdade de reunião e associação, a liberdade
das artes e das ciências, o direito à educação, a liberdade de empresa, o direito de propriedade (incluindo a
propriedade intelectual), o direito de asilo e o direito à proteção em caso de afastamento, expulsão ou extradição
(Arts. 6º a 19º CDFUE). Neste âmbito, entre os Arts. 15º e 17º CDFUE encontram-se direitos fundamentais integrantes
da constituição económica europeia.

Alguns destes direitos têm uma elevada carga pessoal, enquanto que outros se revestem de grande relevo para a
esfera pública, assegurando a propriedade material e imaterial e o direito à iniciativa económica e privada.

c) Igualdade

No Título III encontramos o princípio da igualdade perante a lei (Art. 20º CDFUE), seguido de direitos especiais de
igualdade em que ele se desdobra. Os titulares destes direitos são todas as pessoas, quer sejam cidadãos da UE, quer
não. As pessoas coletivas também podem valer-se do princípio e dos direitos de igualdade.

Consagram-se, neste âmbito, o direito à não discriminação, o princípio da diversidade cultural, religiosa e linguística,
a igualdade entre homens e mulheres, os direitos das crianças e das pessoas idosas e, ainda, a integração das pessoas
com deficiência (Arts. 20º a 26º CDFUE).

d) Solidariedade

No Título IV da CDFUE, relativo ao valor da solidariedade, encontra-se um catálogo de direitos sociais, que abrange
o direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa, o direito de negociação e de ação coletiva, o
direito de acesso aos serviços de emprego, a proteção em caso de despedimento sem justa causa, direito a condições
de trabalho justas e equitativas, a proibição do trabalho infantil e a proteção dos jovens no trabalho, a proteção da
vida familiar e vida profissional, segurança social e assistência social, proteção da saúde, a garantia de acesso a
serviços de interesse económico geral, a proteção do ambiente e a defesa dos consumidores (Arts. 27º a 38º CDFUE).

e) Justiça

O Título VI da CDFUE, respeitante à justiça, contém algumas dimensões fundamentais dos clássicos direitos de due
process e fair trial, integrantes do direito à tutela jurisdicional efetiva e das inerentes garantias substantivas e
processuais. Incluem-se neste contexto o direito de ação e o direito a um tribunal imparcial, a presunção de inocência
e direitos de defesa, o princípio da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas e o princípio non bin
in idem (Arts. 47º a 50º CDFUE).

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3. Força jurídica, interpretação e aplicação

Nos termos do Art. 51º/1 CDFUE, as suas disposições dirigem-se às instituições, órgãos e organismos da UE,
respeitando o princípio da subsidiariedade; estes são, compreende-se, os destinatários imediatos da CDFUE. Por sua
vez, os Estados-Membros são vinculados em segunda linha quando apliquem o direito da UE, sendo destinatários
mediatos.

O nº2 do Art. 51º da CDFUE sugere que as respetivas normas devem ser interpretadas, não apenas por referência aos
princípios clássicos de interpretação das normas de direitos fundamentais – primazia dos direitos fundamentais,
concordância prática, máxima efetividade, etc. –, mas também de acordo com o princípio da conformidade funcional,
de forma a excluir interpretações que alterem a repartição de competências entre a UE e os Estados.

Nos termos dos Arts. 52º e 53º da CDFUE, o âmbito de proteção e o programa normativo dos direitos aí consagrados
devem ter como referencial os Tratados, devendo a interpretação sistemática dos direitos fundamentais ser tratada
visando o TUE, o TFUE e a CDFUE como um instrumento único. Igualmente relevante é o princípio da interpretação
da CDFUE em conformidade com a CEDH, sem prejuízo da consagração de uma proteção mais ampla dos direitos
no seio da UE. Salienta-se, igualmente, o acolhimento do princípio da cláusula aberta dos direitos fundamentais,
admitindo-se a dedução de novos direitos a partir das tradições constitucionais dos Estados-Membros, casos em que
os mesmos devem ser interpretados de acordo com tais tradições. Do ponto de vista metodológico-hermenêutico,
cumpre salientar o princípio do respeito pelas legislações e práticas dos Estados-Membros, ínsito no respeito pela
identidade nacional e constitucional dos Estados, e a salvaguarda do nível de proteção assegurado pelo direito da
UE, o direito internacional e o direito consuetudinário dos Estados-Membros.

O regime dos limites das restrições e o respetivo esquema de controlo retoma princípios que, no direito
constitucional, regem tradicionalmente esta matéria. Primeiramente, importa investigar o âmbito normativo e o
programa normativo da norma do direito fundamental consagrada na CDFUE para circunscrever o respetivo âmbito
de proteção.

As restrições podem consistir numa ação ou omissão violadora de um direito fundamental, sendo importante
identificar os destinatários da CDFUE em cada caso concreto. As restrições podem consistir numa discriminação –
direta ou indireta, extensiva ou subtil – no exercício de um direito fundamental ou numa limitação do exercício de
um direito fundamental.

Para serem conformes com a CDFUE as mesmas têm que ter base legal, remetendo-se aqui, quer para os atos
legislativos da UE, quer para os atos legislativos dos Estados que transponham ou executem o direito da UE. As
mesmas têm de encontrar o seu fundamento nos Tratados (TUE, TFUE ou CDFUE), seja na promoção de um interesse
geral reconhecido pela UE, seja na salvaguarda de direitos de terceiros. As mesmas estão expressamente submetidas
ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, com as inerentes dimensões da adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito, bem como pela salvaguarda do conteúdo essencial dos direitos. Igualmente
relevantes são os princípios da igualdade e não discriminação e da segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitos
na ordem jurídica da UE e dos Estados-Membros.

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III – A UE E A CEDH

A. A imposição de adesão à CEDH pelo Tratado de Lisboa

Um desenvolvimento importante na proteção dos direitos fundamentais no seio da UE diz respeito à adesão à CEDH,
imposta pelo Tratado de Lisboa. Nos termos do Art. 6º TUE, a mesma não altera as competências da UE tal como
definidas nos Tratados.

Só indiretamente – através dos atos ou omissões dos Estados-Membros – é que os particulares podem subordinar o
direito da UE à apreciação do TEDH com base na CEDH.

A regra, no seio da jurisdição da UE, consiste na existência de uma legitimidade processual ativa muito restrita, por
parte dos particulares, para contestarem as violações dos seus direitos e interesses pelos atos da UE junto do TJUE.
Normalmente, os mesmos dirigem-se às instâncias nacionais para contestar os atos de execução das medidas
legislativas e administrativas da UE que afetem a sua esfera jurídica. É neste contexto que, uma vez esgotados todos
os recursos ordinários internos a que haja lugar, os particulares podem dirigir-se ao TEDH e demandar o seu próprio
Estado por uma violação aos direitos consagrados na CEDH. A exaustão dos recursos ordinários serve o respeito pela
soberania estadual, a subsidiariedade da intervenção dos tribunais nacionais e a proteção da própria funcionalidade
destes, evitando o seu sepultamento rápido em camadas de sedimentos de processos judiciais.

Assim, só indiretamente – através dos atos ou omissões dos Estados-Membros – é que os particulares podem
subordinar o direito da UE à apreciação do TEDH, com base na CEDH. Tudo indica que esta realidade, plenamente
adequada ao princípio da subsidiariedade que rege a transferência e o exercício de competências entre os Estados-
Membros e a UE deverá subsistir depois da adesão à CEDH. Igualmente importante é impedir que o TJUE possa
intervir na apreciação da conformidade dos atos da UE com a CEDH, sem que o TJUE tenha tido a oportunidade de
se pronunciar acerca do assunto.

Em suma:

B. O Acordo de Adesão da UE à CEDH

Depois de estudos preliminares e aturadas negociações, foi concluído, em 19 de julho de 2011, um Projeto de Adesão
(AA) da UE à CEDH, revisto e adotado em 5 de abril de 2013. Este projeto foi, contudo, rejeitado pelo TJUE (Parecer
2/2013, de 18 de dezembro de 2014), por alegadamente não assegurar a necessária coordenação entre a CEDH e a
CDFUE e ignorar as especificidades não estaduais da UE. Entendeu-se, ainda, que o exercício do poder consultivo
pelas mais altas instâncias judiciais dos Estados-Membros, nos termos do Protocolo nº16 da CEDH, pode criar
disfunções no âmbito do respetivo reenvio prejudicial. Também se sublinhou a necessidade de salvaguardar a

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competência exclusiva do TJUE para a interpretação e aplicação dos diferendos entre Estados envolvendo o direito
da UE, e de evitar que o TEDH interfira na repartição de competências entre os Estados-Membros e a UE e no âmbito
da NEPS, onde o TJUE não dispõe de competências.

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