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A LOUCURA DO VISCONDE
ATHERBOURNE
A noite que mudou tudo...
18 de junho, 1815
Hampstead Heath
A pistola caiu da mão do Duque do Blackmore com um ruído surdo sobre
o chão coberto de erva, fumegando pelo tiro que ainda ressonava em sua
cabeça.
— Isto não deveria ter ocorrido. Como tinha acontecido?
— Disparou-o. Acredito... — gaguejou seu padrinho, Henry Thorpe,
Conde de Dunston, seus olhos escuros bem abertos na luz rosa do amanhecer.
Ambos se aproximaram do corpo estendido na erva a uma dúzia de metros de
distância.
— Harrison, acredito que pode estar morto.
Minha intenção era ferí-lo no braço, disse Harrison com voz rouca
enquanto observava a forma de Gregory Wyatt, visconde Atherbourne,
dobrado de modo caprichoso.. moveu-se súbitamente à esquerda. Não tenho
idéia do por que.
Lorde Tannenbrook, um homem loiro, corpulento, de traços toscos e
atitude sombria, a quem Atherbourne tinha apresentado como seu padrinho,
levantou a vista para Harrison de onde estava ajoelhado ao lado do corpo
estendido e sangrante do visconde.
— De fato, está morto, disse firmemente. Um disparo no coração.
As palavras chegaram ao Harrison de uma grande distância. Deu um passo
atrás lentamente e ficou olhando o vil poço de sangue escuro, expandindo-se
por baixo do torso do Atherbourne. Era quase negro. Estranho, pensou
distante. Quando há muito sangue se vê negro em lugar de vermelho.
Harrison nunca tinha matado a um homem em um duelo ou em qualquer
outra forma, antes deste dia. Este horrível, sangrento dia. Passou a mão pela
cara e sacudiu a cabeça para limpar-se. Tinha tomado uma vida. Ele, o oitavo
Duque do Blackmore, era... um assassino.
A bílis subiu por sua garganta em violenta rebelião contra sua vontade.
Voltou-se instintivamente afastando-se da visão do corpo do outro homem.
Cambaleando aproximou onde umas sarças cresciam entre árvores
imponentes. Tomando grandes baforadas de ar, encheu seus pulmões com o
aroma da erva triturada e terra úmida, uma pausa do sabor metálico do
sangue, do mau aroma da morte.
Uma mão agarrou seu ombro. A suave voz do Henry murmurou:
— Não terá que preocupar-se, velho amigo. Atherbourne te desafiou, e
tudo se realizou corretamente. Os processos para este tipo de coisas são tão
estranhos como encontrar virgens de Madame DeChatte. O que diz o
bastante.
Harrison sempre tinha desfrutado do gracioso senso de humor de seu
amigo, mas não encontrava nada divertido nestas circunstâncias.
— Ele é… Esticou a mandíbula enquanto olhava o chão.. Ele era um
visconde. Crê
que sua morte será descartada tão facilmente?
— Sim, ele era um visconde. E você, um duque. Privilégios de hierarquia e
tudo o mais.
Um assobio deixou seus pulmões e se apartou com desgosto. Henry o
tomou pelo braço. Embora o homem fosse mais baixo e mais ligeiro que
Harrison, sua pegada era extramamente forte, urgente.
— Eu não teria pensado que albergasse tal ingenuidade, Blackmore. Esta
desagradável situação chegou a uma natural, embora inesperada conclusão.
Sugiro que aceite o acontecido e considere que a causa de honra foi satisfeita.
Raras vezes tinha ouvido o afável Conde do Dunston utilizar um tom tão
contundente. Seu amigo, óbviamente, temia que Harrison seguisse sua
consciência para a autodestruição. Mas isso seria imprudente. E se havia algo
que Harrison não era, era imprudente.
De fato, o consideravam geralmente como sem emoção, um peixe frio, e
mais até constrito. Seu irmão Colin lhe havia dito em numerosas ocasiões,
que sua mera presença em uma habitação baixava a temperatura abaixo do
congelamento. Embora isso fosse um pouco exagerado, Harrison sabia que
seus padrões pessoais de controle e estrita adesão à correção poderiam ser
intimidantes para alguns. Correto poderia ser, e sim talvez outros o vissem
como frio. Mas isso era porque não sabiam nada do que era a verdadeira
frieza.
A contragosto, voltou-se para onde estava Atherbourne, imóvel e sem
vida. Tannenbrook estava parado sobre o homem, olhando sombrio como o
cirurgião se ajoelhava ao lado do corpo e assentia com a cabeça em
confirmação. Assentou-se então, a verdade do que havia feito. Dunston tinha
razão. A lei provavelmente nunca procurasse por ele, mas um homem não
podia matar sem conseqüências.
Sentiu uma onda de gelo desdobrar-se e estender-se por suas vísceras.
Possivelmente passariam meses ou inclusive anos. Mas um dia pensou,
girando para o sol nascente, um dia, o diabo iria reclamar sua dívida.
Capítulo 1
"Ora! A temporada de Londres se converteu em pouco mais que uma
exposição de insossos. A gente pode escolher tolerar um desfile deste tipo,
mas só um bobo o desfruta.
"— A Marquesa Viúva do Wallingham em seu almoço semanal, só cinco
dias depois de
chegar à cidade.
20 de abril, 1816
Mayfair
Se fosse possível desmaiar de aborrecimento, Vitória Lacey pensava que
agora estaria deitada sobre o chão de mármore cinza do salão de baile de
Lady Gattingford, sucumbindo a um ataque de nervos.
— Querida, teremos que organizar uma visita ao imóvel de Lorde
Gattingford depois
das bodas. Um grande tipo. Tem um par de cachorros que me assegura que
são os melhores de toda a Inglaterra. Bom, só posso te dizer que tenho que
ver isso eu mesmo.
Vitória contemplou os traços arrumados de seu prometido: cabelo castanho
claro com uns poucos cachos encantadores, doces olhos azuis com largas
pestanas, e, inclusive revelava os dentes quando sorria, o que acontecia com
freqüência. Tão somente ela desejava sentir algo mais que um terno afeto.
Um único, solitário formigamento, demônios. Talvez inclusive dois ou três.
Mas não. Ele era cômodo. Igual a um vestido gasto pela lavagem, o tecido
descolorido, mas suave e familiar.
— Posto que vamos estar na área, Dunston nos convidou a acompanhá-lo
ao Fairfield
Park. Sua caça anual é em novembro, acredito.
Murmurou sua concordância e deu uma olhada para quais bailarinos
giravam no centro do salão. Um bando. A imagem a fez sorrir. As mulheres
com seus vestidos em cores pastéis e os cavalheiros com seus escuros
ornamentos de noite. Talvez devesse ter aceito o convite do Sir Barnabus
Malby para dançar esta vez . Era um cavalheiro corpulento com a
desafortunada tendência a emitir aromas ofensivos, quando se movia
vigorosamente. Mesmo assim, teria sido mais agradável que estar parada aqui
discutindo caça e cachorros.
— Limonada, querida?
Uma vez mais, assentiu com ar ausente. Durante o último mês à medida
que seu compromisso avançava, tinha adotado uma estratégia de
conformidade: só movimento de cabeça, um murmúrio, ou alguma maneira
que indicasse aceitação, e realmente escutar era (felizmente) quase
desnecessário. Sentindo uma pontada de culpa por seus maus pensamentos,
tinha que admitir que achava o Marquês de Stickley (Timothy, devia recordar
chamá-lo Timothy) um mortal aborrecido. Suspirou. E ele era dela para toda a
vida. O bonito, considerado, suave, gentil, aborrecido Timothy.
Tinha sido o favorito de seu irmão de todos seus pretendentes. E quem
poderia estar em desacordo com a avaliação do Harrison? Como um homem
cujas maiores paixões na vida giravam em torno de cavalos, cães e caça.
Stickley era pouco provável que gastasse sua fortuna no jogo, bebida, e
outras atividades nefastas. Ele era confiável. Como um cão bem educado. E
quase igualmente estimulante.
Observando distraídamente como uma jovem perdia um passo da dança e
avermelhava como um morango, suspirou de novo. Primeiro o comparava
com um velho e gasto vestido e logo com um cão. De verdade, estava
obcecando-se com seus defeitos de uma maneira do mais inapropriada. Que
impróprio da "Flor do Blackmore", pensou.
Ela endireitou as costas e observou ao Sir Barnabus dar uma leve
reverência ao seu par, pouco profunda porque sua circunferência não
permitiria muito mais. Sem lugar a dúvidas, Stickley era um bom partido, e
suas razões para aceitar converter-se em sua esposa seguiam sendo tão
válidas hoje, como o foram há um mês. Um: Era jovem, em forma, e
arrumado. Dois: Era um marquês por seu próprio direito e herdeiro de um
relativamente novo, mas sem dúvida respeitável ducado. Três ... OH, qual era
a terceira razão, outra vez?
De vez em quando perdia a pista depois do ponto número dois.
Olhou à sua direita, esperando encontrá-lo alí, ainda divagando sobre
visitar vários imóveis durante a temporada de caça. Seus olhos abriram mais,
quando não o encontrou.
Onde teria ido?
Querida menina, atreveria-me a dizer que ainda não mencionei o quão
bonita essa cor se vê em ti. Posso te perguntar por esse tom? A cálida voz
familiar chegou à esquerda de Vitória. Devo dizer a minha costureira que
adquira esse tecido nesse tom exato de azul. Combina com seus olhos.
A matrona borbulhante que era acompanhante de Vitória esta noite era
redonda em quase todos os aspectos: sua cara, sua figura, inclusive seu nariz
era um pouco arredondado. Mais baixa que Vitória vários centímetros,
embora Vitória fosse só de estatura média, Meredith Huxley, a condessa do
Berne, parecia-se com um castanho pássaro gordinho. Mas seu sorriso
generoso e seu humor alegre a convertiam em uma das pessoas favoritas de
Vitória.
Uma amiga de infância da mãe de Vitória, a condessa se converteu em
uma mãe substituta, depois que os Duques do Blackmore morreram três anos
antes. Logo que Vitória saiu do luto, Lady Berne aceitou o manto do
patrocínio, acompanhando-a a uma vertiginosa série de funções, oferecendo
uma direção impecável através do redemoinho de Londres. Emocionada por
seu êxito como patrocinadora, Lady Berne tinha voltado agora toda sua
atenção para a busca de maridos para as duas mais velhas de suas cinco
filhas.
— Você é muito amável, milady, respondeu Vitória com gosto, juntando
as mãos estendidas da mulher e as apertando com afeto.
— Acredito que o tom se chama aguamarinha.
— A minha nova costureira, senhora Bowman, gosta muito, e eu estou de
acordo com ela.
— Senhora Bowman, diz? Talvez vá lhe fazer uma visita.
— Agora, onde está este arrumado cavalheiro com o qual logo vais casar
— te?
Antes que Vitória tivesse a oportunidade de sentir-se envergonhada pelo
fato de não saber bem onde estava seu prometido, Annabelle Huxley a filha
mais velha da condessa, aproximou-se. A alegre morena estava acompanhada
por duas garotas loiras e magras idênticas, ambas vestindo um tom rosa muito
pálido para realçar sua tez cítrica. As gêmeas Aldridge. OH, céus. Stickley
poderia ser um companheiro menos que estimulante, mas de repente desejava
sua volta. Este par à caça de marido era determinado, implacável e
manipulador, e sua presa estava relacionada com ela pelo sangue.
As três garotas ofereceram saudações agradáveis a Vitória, e sem mais
preâmbulos, as as gêmeas se lançaram a seu assalto. A senhorita Lucinda
Aldridge, a que sempre levava brincos pendentes, golpeou primeiro.
— Lady Vitória, notei que o duque não está presente esta noite.
— Temo que não pôde vir.
As sobrancelhas da garota se elevaram com fingida surpresa.
— OH? Que pena.
Sua irmã, Margaret, agarrou a deixa e empreendeu com ímpeto.
— Espero que não se sinta mal.
— A declaração se formulou mais como uma pergunta. Uma que esperava
que lhe respondesse.
Resignada no que se converteu em um interrogatório familiar, Vitória
respondeu: — Não, Sua Graça está em excelente estado de saúde. Com o
Parlamento em sessão, seu tempo é muito demandante.
Lucinda levou uma mão enluvada a seu peito e professou: — Faz só dois
dias, vimos Blackmore montando no parque, não é assim, Margaret?
Um gesto exagerado de acordo foi seguido por: — É um cavaleiro muito
imponente.
— Do mais imponente.
— É difícil imaginar que algo pudesse abatê-lo.
— É óbvio que quando casar, sua esposa poderá cuidar dele
adequadamente, para que nada de mau lhe ocorra.
— Todo homem deveria ter uma esposa para cuidar dele.
— Com efeito. Especialmente um tão bonito e distinto.
— Merece uma pessoa exemplar, atreveria-me a dizer. Inclusive iria tão
longe, para sugerir que você poderia ser uma boa candidata, querida Lucinda.
Os brincos da garota brilharam à luz das velas enquanto girava os olhos
muito abertos para sua irmã.
— Eu? Eu ia dizer o mesmo de ti.
Sinceramente pensou Vitória, internamente fechando os olhos. Conheci
meninos de quatro anos de idade com mais sutileza. Faz um ano, quando fez
sua estréia, tinha levado semanas para dar-se conta por que dezenas de jovens
pulavam a seu redor. Apanhar ao Duque do Blackmore seria um golpe de
enormes proporções. Com o tempo, deu-se conta que os fios de todas suas
conversações levavam a seu irmão. Qual era sua cor favorita? Prefere o
cabelo escuro ou claro? A que horas do dia prefere montar?
À princípio, tinha sido doloroso dar-se conta que suas "amigas" estavam
mais interessadas em seu irmão, do que em sua companhia. Mas uma vez que
aceitou a verdade, se converteu simplesmente em outro feito de sua vida em
Londres, um tédio. Esta conversação era um exemplo perfeito: as gêmeas
Aldridge não queriam nada dela, a não ser uma recomendação à seu irmão
para casar-se com uma delas. Com qual aparentemente não importava.
— Que eu saiba, não procura uma esposa na atualidade, respondeu Vitória.
— No entanto, estão corretas ao dizer que merece alguém de caráter
exemplar. Uma pessoa genuína. O pequeno sarcasmo era o que podia se
permitir.
— Ooohhh, só estava dizendo outro dia quão genuína é, não é verdade
Margaret? Completamente sem malícia.
— De fato, querida. Faz-me sentir humilde com tal descrição.
Esgotada pelo desdobramento, Vitória permitiu que sua mente vagasse
longe das gêmeas e seu ridículo intercâmbio. Ao seu redor, a multidão se fez
mais ruidosa, um zumbido geral de interesse se moveu sobre eles como uma
onda. Dando uma olhada à esquerda, observou Lady Annabelle retornar
depois de uma breve ausência. A garota pôs uma mão no cotovelo de sua mãe
e lhe sussurrou algo ao ouvido.
As sobrancelhas de Lady Berne se elevaram a uma altura alarmante.
— De verdade? Ele está aqui? Sua cabeça girou para a entrada, e o olhar
de Vitória seguiu automaticamente o seu. Parecia que quem quer que fosse
"ele", sua presença provocava quebras de onda de atônitos olhares e
murmúrios escondidos atrás de mãos enluvadas. Dois dos bailarinos se
detiveram para captar a nova chegada, provocando um momento de caos na
pista de baile.
Do arco de entrada que estava uns degraus mais alto que o salão de baile,
qualquer um que entrasse podia ver-se facilmente de qualquer ponto do lugar.
De todas as partes claro, exceto de onde Vitória estava parada. Um cavalheiro
de ombros encurvados, magro como um pau e quase igualmente alto,
bloqueava sua visão. Curiosa para saber quem poderia causar tal sensação,
preocupada de que talvez Harrison tivesse decidido assistir depois de tudo,
transladou-se um pouco para sua direita. E o viu.
O tempo paralisou. As vozes se desvaneceram na sombra. Sua respiração
se deteve. Ele era... formoso. Cabelo negro, verdadeiramente escuro sem
nenhum rastro de castanho. Sob as sobrancelhas, uns olhos penetrantes, não
podia dizer de que cor eran daquela distância. Um nariz reto refinado,
mandíbula definida e quadrada, e um queixo perfeitamente proporcionado
com apenas o traço de uma fenda. OH, mas sua boca. Essa era sem dúvida, a
criação mais sensual jamais concebida. Um carnudo lábio inferior, o superior
mais magro e finamente desenhado, e tudo com um leve sorriso sardónico,
que de um lado se inclinava ligeiramente para cima. Os dedos de Vitória
morriam para desenhá-lo. Nunca havia sentido uma compulsão assim. Parecia
um anjo, só que mais escuro, mais melancólico.
Alguém lhe golpeou o braço. Era Stickley, voltando para o seu lado com
um copo de limonada.
— Quem é esse cavalheiro, Vitória? Perguntou, e lhe entregou o copo.
Ela sacudiu a cabeça e murmurou que não sabia.
A condessa se voltou para ela com uma expressão de surpresa, mas ao dar-
se conta de Lorde Stickley, começou a conversar sobre o tempo inusualmente
frio de Londres. A multidão se moveu e outra vez lhe tampou a visão. Ela
queria parar nas pontas dos pés, estirar o pescoço, dar outra olhada. Em troca,
obrigou-se a permanecer onde estava ao lado de Stickley. Não seria bom
comer com os olhos a um estranho.
Um par de senhores mais velhos se uniu a seu círculo, e Lady Berne se
separou com Annabelle e as gêmeas Aldridge. Quase dez minutos se
passaram nos quais os homens debateram sobre os méritos das chuvas
abundantes, os problemas da queda da produção decultivos no norte, e a
necessidade de mais lã em Londres este ano. Mas isso
foi antes que Stickley começasse com o tema dos cães de caça com Lorde
Gattingford.
Incrível, não tinha imaginado que seu aborrecimento poderia piorar. Em
seu desespero, permitiu que seus pensamentos vagassem, e como uma abelha
tentada por uma floração vistosa, sua mente se desviou novamente ao
misterioso cavalheiro. Sua cara. Sua forma alta, de ombros largos. Quem era
ele? Ela nunca o tinha visto antes. Mas era extraordinariamente bonito. Se
não estivesse atada sentimentalmente, ela podia imaginá-lo desejando evitar o
rebanho voraz de jovens caça maridos e mães casamenteiras que desciam
sobre ele a cada oportunidade. Por isso Harrison resistia em acompanhá-la a
eventos como este. No dia que ela tinha aceito casar-se com Stickley, seu
irmão tinha deixado de fazê-lo por completo.
Seus olhos procuraram discretamente o lugar onde ele tinha estado, mas
ele tinha desaparecido. É obvio, repreendeu-se a si mesma, ele não ficaria alí
posando para ela, esperando que fosse em busca de seu caderno de desenho.
Obviamente, agora estaria circulando entre os convidados. Ela estava
surpreendida por sua própria fascinação. Adorava pintura e desenho, mas a
incontrolável necessidade de vê-lo, de explorar seus traços e formas em
detalhes, estava além de todo sentido comum.
Uma mulher de meia idade empurrou o braço de Vitória, derrubando o
copo em sua mão. Suspirou e tomou um sorvo de limonada, fazendo uma
careta ante o sabor ácido e aquoso. O salão de baile de Lady Gattingford era
uma obra prima de mármore claro, seus músicos eram bons, mas sua
limonada deixava muito a desejar. No meio do calor de tal multidão, uma
bebida passável não seria ruim. Por que esteve de acordo para vir esta noite?
A seu lado, Stickley riu, seus dentes brancos brilhando à luz das velas.
OH, sim. Vou me converter na nova Marquesa do Stickley. Requeria-se
assistir a estes eventos, por certo.
Ante o pensamento, trocou sutilmente de um pé ao outro,
inexplicavelmente inquieta. Tinha tido uma ampla prática em manter uma
máscara serena para este tipo de festas, por isso confiava que ninguém se
desse conta de sua crescente urgência por escapar. Mas a sentia. OH, sim.
Debaixo de sua pele, avermelhava e picava. O interior de seu estômago,
esticando-se com a necessidade de afastar-se.
Ar. Seus olhos percorreram o lugar com saudade, aterrissando nas portas
de cristal na parte traseira do salão de baile. Ela desesperadamente
necessitava de ar.
Agora entabulado em uma conversação com um barão de idade avançada
que se gabava da quantidade assombrosa de faisões esperando serem
depenados em seu pavilhão de caça, Stickley pouco pareceu dar-se conta
quando Vitória se desculpou discretamente.
— É óbvio querida, disse ele, lhe dando pequenos golpes na mão com ar
ausente e girando imediatamente de novo para o barão e suas aves de caça
"obscenamente gordinhas".
Deslizando-se entre a multidão tão rápido como o decoro o permitia, logo
chegou às portas e deslizou para fora na escuridão.
Estava surpreendentemente gelado depois do calor do salão de baile, e ela
havia esquecido seu xale. Mas aqui pelo menos, podia sentir algo que não
fosse um tédio sufocante, inclusive tremores causados pelo frio insuportável.
Suspirou e abraçou seu peito, andando sem pressa para a balaustrada, vendo o
bafo de seu fôlego frente a ela sob a tênue luz que se filtrava através do
cristal.
Perguntou-se, elevando os olhos para a meia lua brilhando brandamente
em um céu escuro, se talvez isto fosse toda a emoção que experimentaria em
sua vida a partir de agora. Estar comprometida. Desfrutar de uma temporada
em Londres. Esperar umas bodas e logo o matrimônio e logo os filhos e logo
as temporadas para aqueles filhos e logo os netos e logo a velhice. Seu
estômago se contraiu ante o futuro que se estendia frente a ela.
Não a parte da família. Isso era algo que tinha desejado desde que uma
feroz tormenta tinha tragado o navio de seus pais, deixando Harrison, Colin e
Vitória para cuidar-se entre eles. Mas, de verdade, o coração lhe doía ao
pensar em intermináveis dias e noites com um marido que nunca significaria
para ela mais que um lar confortável, um título e o conhecimento de que tinha
feito o que se esperava dela.
Nada de fantasiar com um fantasma escuro que aparecia de repente no
meio de um baile. Nada de perguntar o que poderia ser e só por uma vez, ser
beijada por um homem assim. Alguém que a deixasse sem fôlego. Alguém
que a fizesse desejar... mais.
Sacudiu a cabeça enfaticamente. Algo assim não era para ela. Ela era a flor
de Blackmore, depois de tudo. Seu futuro foi escrito muito antes de ter
chegado a Londres. Antes de nascer, na verdade. O que ela poderia ter
sonhado para sua vida era bastante… OH, qual era a palavra? Irrelevante.
Sim, era essa.
Um sopro de ar passou veloz através do nó de sua garganta em uma risada
sem humor, ante o absurdo de seu desespero. Estava sendo uma parva, isso
era tudo.
Assim Lorde Stickley… Timothy maldição, não era o herói escuro e
galhardo da arte e da poesia. Assim nunca tinha declarado seu amor por ela
em um arrebatamento de paixão, nem sequer tinha falado dela com o mesmo
fervoroso afeto como o fazia ao falar de seu cavalo. O fato de que a aborrecia
até o ponto da inconsciência em realidade era um bom presságio, assegurou-
se. Era sensato, um bom homem e uma opção sólida para o matrimônio. Isso
era tudo o que importava, sem dúvida.
— Morrerá de frio aqui, sabe. Disse uma voz profunda e ressonante junto a
seu ouvido. Ela soltou um grito pouco feminino e saltou a um lado, girando
para fazer frente à forma escura que apareceu a seu lado. Um homem. Alto.
Grande. Seu rosto estava nas sombras, mas lhe resultava familiar. A
arrogante inclinação de sua cabeça, o corte quadrado da mandíbula. Deu um
passo para ela, para o feixe de luz do salão de baile.
— Você! Chiou. Era ele. Seu anjo escuro. O que? Espera. Não dela. O
anjo escuro. Ela nem sequer sabia seu nome, assim como poderia ser seu
algo? OH, mas seu coração reconhecia-o. A coisa tola bombeava em uma
frenética bem-vinda contra seu esterno.
Ele fez uma profunda e exagerada reverência.
— Sim, sou eu. Ao seu serviço, milady.
~~*
Capítulo 2
"A virtude é sua própria recompensa. Por outro lado, o mesmo poderia se
dizer do pecado."— A Marquesa Viúva do Wallingham à condessa do Berne
sobre a negativa de dita dama a um quarto torrão de açúcar.
Ele estava se burlando dela. Ela sabia e entretanto, não podia dizer nada
porque estava ridicularmente hipnotizada. Esse leve sorriso havia se
convertido em um sorriso completo. O Parlamento deveria declarar seu
sorriso ilegal, pensou. É letal para todas as mulheres.
—Eu… eu o vi antes, quando entrou no salão de baile ,disse finalmente
querendo dar-se umas palmadas pela expressão estúpida.
—Sim, cheguei um pouco tarde. Causou um grande rebuliço, entendo.
Mas a único coisa que a sociedade desfruta mais que suas regras, é a febre
criada por aqueles que as rompem.
Sua voz de barítono era suficiente para debilitar os joelhos de uma ansiosa
solteirona.
Acrescentando a sutil elevação de uma sobrancelha escura e um meio
sorriso adornando seus lábios pecadores, não era estranho que um visível
calafrio percorresse a superfície de sua pele.
Sem dizer uma palavra, ele se aproximou e a segurou nos ombros, roçando
as palmas de suas mãos enluvadas ao longo da pele da parte superior de seus
braços, entre a borda das mangas curtas de seu vestido até onde começavam
suas luvas. Era uma ruptura tão impactante da etiqueta que a tocasse sem
sequer haver-se apresentado, e menos ainda, obtido sua permissão.
Ficou imóvel durante vários segundos, incapaz de falar. Isso tinha sido por
que não deu um passo atrás e não o repreendeu imediatamente por sua
insolência. Não poderia ter sido pela emoção efervescente em seu ventre ao
tê-lo tão perto, sentindo o calor de suas mãos sobre sua pele, seus polegares
acariciando-a brandamente e fazendo que pequenos estremecimentos se
disparassem dos braços às suas costas e, o que mais preocupem-se, a seus
peitos. Não, certamente não.
—Deve conseguir um xale se tiver a intenção de passar muito tempo aqui,
milady. Chamar a isto primavera seria generoso, de fato.
Ela piscou, sentindo-se débil e torpe… cativada. Inclusive de pé tão perto,
não podia distinguir a cor de seus olhos, só que eram escuros e brilhavam sob
a lua. Era tão alto que a parte superior de sua cabeça lhe chegava apenas à
clavícula.
Com Lorde Stickley, sua fronte chegava até seu nariz. Em um momento,
tinha pensado que ele tinha a altura ideal, não tendo que estirar o pescoço
para olhá-lo. Como benefício adicional, moviam-se muito bem juntos na pista
de baile, suas passadas combinando com as suas mais curtas. Entretanto,
agora estava menos segura a respeito de como se ajustavam perfeitamente ela
e seu prometido a um nível físico. Algo sobre a altura deste homem e seu
físico de maior tamanho, e mais musculoso a fazia sentir-se extranhamente
segura.
Comparar Stickley com um estranho não era sensato, repreendeu-se. Ela
estava comprometida e agora devia tirar o melhor proveito das coisas, em
lugar de procurar falha em seu prometido a cada passo. Entretanto, não pôde
evitar dar-se conta de que ele estava à sombra deste homem de muitas
formas.
O errante pensamento pareceu romper o feitiço que o desconhecido tinha
jogado sobre ela. Afastou-se bruscamente, respirando vergonhosamente
rápido, o coração acelerado.
—Senhor, você se extrapola. Nem sequer sei seu nome.
—Chame-me Lucien.
Ela retrocedeu um passo mais, seu quadril se chocando com a balaustrada.
Endireitando as costas e levantando o queixo, replicou: —Sua familiaridade é
um insulto. Não nos apresentaram corretamente. Não poderia chamá-lo por
seu nome próprio.
—Deve me chamar de algum modo se quisermos continuar nossa
conversação.
—Talvez devesse chamá-lo presunçoso. Parece adequado.
Seu lento e malicioso sorriso parecia falar um idioma estrangeiro, um que
não entendia, mas que provocou que a alagasse uma quebra de onda de calor.
—Não comecei a presumir, querida.
Por um momento, ficou desconcertada, a mandíbula aberta movendo-se de
uma maneira não muito diferente de um peixe fora d’água. Nunca lhe tinham
falado assim. Como filha e logo irmã de um duque, ninguém se atrevia a
mostrar tão pouco respeito por sua classe e a simples cortesia que lhe
correspondia. Ninguém, exceto este descarado, ao que parecia.
Por fim, encontrou sua voz, embora fosse gaguejando, e resultasse
ineficaz.
—Eu… eu não sou sua querida!
—Minha deusa, então?
—Menos ainda, seu tom implica um conhecimento muito mais
significativo…
Lucien inclinou a cabeça e falou como se ela não tivesse falado.
—Tenho-o. Meu anjo. .… pelo que eu alguma vez permitiria. Terá que
saber que estou comprometida para me casar…
—Embora ainda não conseguisse lhe fazer justiça. Você é muito bela.
—E seu comportamento é totalmente inadequado... .Sua respiração
entrecortada deteve-se por completo quando digeriu o que ele havia dito. Seu
tom tinha sido tão natural que tomou um momento assimilá-lo. .Você... você
pensa que sou bela?
—Hmm. Sim, bastante. Ninguém o disse alguma vez?
Ela sacudiu a cabeça e logo se corrigiu imediatamente.
—Bem, vários de meus pretendentes disseram que achavam meu cabelo
atrativo. E um cavalheiro disse que meus olhos eram como poços. Do que,
não estou segura. Mas suponho que era um idiota.
Ele curvou a boca divertido.
—E seu prometido? O que disse?
Ele estava mais perto que antes? perguntou-se Vitória com ar ausente.
Sim, assim era. Seu enorme corpo quase a rodeava agora, a só centímetros de
distância. Ele despedia tanto calor que já não sentia a picada do ar frio e
úmido. Sua voz saiu afogada e em um tom alto.
—Lorde Stickley? OH, bom, não é muito dado à poesia ou à adulação.
—Não lhe disse que sua pele brilha com a pureza da nata fresca? Ele
passou com delicadeza um dedo ao longo de sua bochecha, seu olhar escuro
sustentando a encantada dela .. Ou que seu cabelo rivaliza com os últimos
gloriosos raios do sol justo antes do anoitecer? Seus dedos procuraram entre
os cachos soltos atrás de sua orelha.. Não mencionou sequer seus lábios,
carnudos e deliciosos que são, como um pêssego amadurecido? Vamos. Ele
deve ter feito isso ao menos uma dúzia de vezes.
Ela fez um som inarticulado que foi vagamente embaraçoso, mas estava
totalmente impotente para evitá-lo. Se pudesse introduzir ar em seus
pulmões, teria gemido. OH, era simplesmente divino. Divino e diabólico.
Os lábios do Lucien revoavam tão perto dos seus, sentia seu fôlego com
cada palavra.
—Certamente a beijou, não é assim?
—Sim, sussurrou olhando sua boca.
Ele inclinou a cabeça.
—E se sentiu assim?
Isto era o céu. Ele ajustou com mestria sua boca à dela, seus lábios quentes
e firmes, deslizando-se sensualmente, sem um momento de vacilação. Não
era o beijo suave e gentil de um homem preocupado em ofendê-la. Tampouco
era o seco beijo obrigatório de seu prometido. Quando uns braços fortes
rodearam sua cintura e pressionaram seus peitos contra sua forma dura,
maravilhou-se ante sua confiança. Então todos os pensamentos de avaliar o
beijo foram voando como um dente de leão ao vento, quando sua língua
quente e escorregadia deslizou ao passar da borda de seus lábios.
Lucien afastou-se por um instante.
—Abra para mim anjo, sussurrou, tocando seu lábio inferior com o dedo.
Quando ela obedeceu, precipitou-se de novo, desta vez colocando a língua
dentro de sua boca e acariciando a dela. Sentia-se arder, sentia-se agitada, a
audácia do beijo lhe impactando, pouco familiar em sua intimidade.
Ela gemeu contra sua boca e o agarrou pelas lapelas. Ele a atraiu com mais
força contra seu corpo, suas mãos agarrando seus quadris e deslizando-se ao
longo de seu traseiro enquanto um rio transbordando de calor a percorria.
Seus peitos se sentiam pesados onde estavam pressionados contra seu torso,
doía-lhe abaixo em seu ventre, e os músculos no lugar íntimo entre suas
coxas se contraíram, como se tivessem grande necessidade de... algo.
Ao longe, deu-se conta de um objeto duro e bastante grande pressionado
contra seu abdômen. Mas um momento depois, distraiu-se quando uma de
suas mãos se moveu subindo por sua caixa torácica e cavando em seu peito
direito. Os formigamentos mais prazenteiros, sim formigamentos,
erupcionaram de seu centro quando ele roçou ligeiramente seu peito com a
palma da mão, e logo voltou a acariciá-lo insistentemente com o polegar.
Realmente estava alagada de formigamentos de todo tipo, em cada lugar
que podia imaginar e alguns nos que tratava de não pensar. Ela se sentiu
ofegar, as sensações afligindo qualquer leve noção da inapropriedade que
poderia ter passado por sua cabeça. De fato, a cabeça não funcionava e dava
voltas, cada sentido cantando ao tom que só ele podia tocar.
Bruscamente, tanto a mão como a boca se retiraram de sua pessoa. Mas
não era uma pausa.
—Devo sentir sua pele. Agora , disse com a mandíbula apertada.
Com os dentes tirou pela ponta uma de suas luvas, liberando uma mão,
jogando a luva ao chão e imediatamente passando a gema de seus dedos ao
longo de sua clavícula. Então, enquanto ela estava alí pendurada indefesa em
seu abraço, sem saber o que esperar, ele girou a mão de maneira que as
pontas de seus dedos riscassem seu caminho ao longo do topo de seus peitos.
Apanharam o decote de seu sutiã, deslizaram-se por baixo das capas de seda,
e o puxou lentamente para baixo. Seu seio direito apareceu livre, o mamilo
duro e avermelhado.
Ela deu uma olhada em seu rosto, vendo os músculos rígidos de sua
mandíbula e nenhum indício de seu sorriso sardônico anterior. Estava
zangado? Ela não podia dizer por que de repente estava tão tenso. Logo ele
deixou cair a cabeça para diante, sua mão cavou seu peito debaixo e sua boca
cobriu seu mamilo, sugando como se fosse um bebê.
Em nome do céu, o que estava fazendo? Isto era... isto era uma doce
loucura. Ela mesma se ouviu emitir um grasnido, mas não podia encontrar
ânimo para que se importasse, com sua boca ardente trabalhando tão
prazeirosamente sobre seu mamilo. Lambeu e acariciou, inclusive deslizou
seus dentes brandamente ao longo da ponta, fazendo que suas pernas se
debilitassem de forma alarmante. Temia que pudesse paralisar se não fosse
pelo braço de ferro envolto firmemente ao redor de sua cintura.
Trocou-a de posição para que a parte alta de sua coxa encaixasse entre a
dela enquanto trabalhava e lambia seu mamilo. À princípio, isto pareceu
acalmar a dor infernal que sentia muito em seu interior. Então, como um
demônio malvado, causou um vazio e tensão ainda mais profundos. De vez
em quando, sua coxa roçava um lugar oculto e um estalo agudo de prazer
entrava em erupção, o que a fazia gritar e esfregar-se contra ele. Isto se
repetiu uma e outra vez quase ritmicamente, e cada vez, a espiral dentro dela
se esticava com mais força.
A boca de Lucien se afastou por um momento, enquanto puxava seu outro
peito para liberá-lo e prendeu seu mamilo esquerdo, lhe dando o mesmo
tratamento que ao direito.
Ela gemeu e jogou a cabeça para trás, agarrando-se desesperadamente a
seu cabelo quando a dor tortuosa entre suas pernas se elevou a uma altura
insuportável. Ele pressionou a coxa com mais força contra esse centro
sensível. Sem prévio aviso, a tensão deu passo a uma espiral explosiva.
—OH, céus, Lucien! gritou enquanto seu corpo se contraía em um
crescente prazer ressonante.
Um grito das portas do salão de baile a trouxe bruscamente dos céus à
terra.
—Santo céu, Lady Vitória! Perdeu o julgamento?
Uma quente letargia debilitava seus músculos, enchia sua cabeça como
uma nuvem de vapor. Vagamente, sabia que algo estranho tinha passado, mas
estava aturdida, tremendo depois do ocorrido. Lucien se afastou um pouco,
mas ainda aferrando-a pela cintura. Seus peitos nus esfriaram repentinamente,
expostos de uma maneira que não tinham estado quando ele os havia colhido
com a boca e as mãos. Lentamente, piscando, olhou seu rosto e se deu conta
de que ele respirava pesadamente, estava ruborizado e tinha um cenho feroz.
Ele sacudiu a cabeça como um cão desprendendo-se a água depois de um
banho.
Ao longe, um fio de prudência se ancorou na borda de sua mente, e se deu
conta do que devia ter acontecido: tinham sido interrompidos. Ficou imóvel,
vendo a mesma compressão na cara de Lucien. Ao mesmo tempo se voltaram
na direção da estridente exclamação.
E alí estava Lady Gattingford, a venerável anfitriã de um dos melhores
bailes da temporada e uma célebre fofoqueira, olhando-a da porta aberta. A
expressão no rosto da dama era atônita, horrorizada, escandalizada.
Nesse momento, enquanto Lucien girava de modo que suas costas
bloqueassem a vista de Lady Gattingford e com calma puxava o sutiã de
Vitória para restaurar sua modéstia, todo o horror do que tinha ocorrido, que
tinha permitido que ocorresse, golpeou-a com força lhe paralisando. Tinha
deixado que um homem desconhecido a tocasse e a agradasse de várias
maneiras, que nem sequer tinha considerado permitir a seu prometido.
Isto tinha sido presenciado nada menos que por sua anfitriã, que sem
dúvida, desfrutaria notificar o acontecido a cada membro da alta sociedade,
com a esperança de consagrar seu baile como o evento do ano. O escândalo
se estenderia com a rapidez do fogo pela erva seca. Dentro de uma semana,
todo mundo saberia. Todo mundo. Inclusive Lorde Stickley, que certamente
cancelaria o compromisso. E seu irmão, é óbvio.
OH, meu deus. O duque se enfureceria. Ela tinha envergonhado a toda a
família.
Harrison dava grande importância à honra e a reputação. Seu outro irmão,
Colin, seria muito mais pormenorizado. Claro que ele mesmo não era alheio a
um comportamento menos que digno.
Não havia dúvida disto: Sua vida tinha mudado irremediavelmente esta
noite. E não para melhor.
—Lady Gattingford disse Lucien quando se voltou, seu tom indiferente,
inclusive zombador.. Uma agradável noite para dar um passeio pelo terraço,
não lhe parece?
Os olhos da alta mulher se estreitaram, sua boca uma linha magra.
—Não imagine que o libero de culpa, milord. Você é um descarado!
Embora Vitória o tivesse definido com o mesmo termo antes, encontrou-se
arrepiando-se pelo insulto para o Lucien. Juntos tinham experimentado um
momento de paixão incontrolável. Suspeitava que ele havia se sentido tão
miserável como ela, cegos a seu entorno, e jogados no meio de uma forte
tormenta. Não havia necessidade de pintá-lo como um vilão.
—Minha querida senhora, começou ela, compreendo sua consternação
pelo que tenha visto. Mas, por favor, compreenda que nós dois fomos
apanhados pelo momento. Se tratou simplesmente de um engano de
julgamento. Se… se pudesse ver…
—Engano de julgamento? Embora isso possa ser uma descrição aceitável
de seu comportamento milady, de maneira nenhuma desculpa a libertinagem
vergonhosa de que fui testemunha.
Outros convidados começaram a dar-se conta da intrigante e acalorada
conversação ocorrendo no terraço, e abriram as quatro portas restantes. Em
pouco tempo, um número alarmante de pessoas, umas vinte e cinco,
rodearam Lady Gattingford, inclusive Lady Berne, suas duas filhas, as
gêmeas Aldridge, e Lorde Stickley. OH, céus ajude-me pensou, um terror
gelado apertando suas vísceras. Stickley não merece o que está a ponto de
acontecer.
Antes que pudesse dizer outra palavra, Lady Gattingford presenteou o
grupo de pessoas com um resumo de suas observações. Fragmentos do
monólogo da matrona repetiam-se na cabeça de Vitória: beijos, impactante,
inapropriado. Como apanhada em um pesadelo, Vitória ficou imóvel, só
sendo capaz de ver e suportar. A mulher parecia saborear cada palavra, suas
descrições tornando-se cada vez mais detalhadas com cada ofego de sua
audiência. Manuseio, busto exposto. Um rubor de pura vergonha acalorava
por baixo da pele de Vitória, ardendo e palpitando em sua cara e em seu
peito. A humilhação era quase impossível de suportar.
Logo ficou pior.
Lady Berne empalideceu a um branco doentio, enquanto seus olhos se
moviam entre Vitória, Lucien, e voltava para Stickley. Bandeiras de cor
vermelha sinalizavam a ira e a vergonha do marquês enquanto fulminava
Vitória com o olhar. Quando Lady Gattingford chegou triunfante a seu ponto
culminante, e os murmúrios de assombro da multidão estalaram,
simplesmente lhe deu as costas e se afastou, caminhando através das portas e
saindo do salão de baile, jogando a vários cavalheiros para o lado à sua
passagem. O estrondo do bate-papo da multidão a impediu de chamá-lo, lhe
rogar que se detivesse e a escutasse para que pudesse defender-se.
Não que tivesse alguma defesa. Ela era de fato, bastante culpada.
Lady Berne, bendita ela, vagarosamente se aproximou de Vitória,
arriscando-se muito ao associar-se a uma jovem arruinada. Tomou os dedos
gelados de Vitória em suas mãos.
—Está bem, Vitória? perguntou com suavidade.
Vitória assentiu, e logo baixou a vista às lajes, já não mais capaz de
sustentar o olhar pormenorizada de sua amiga. Tragou saliva, molesta pela
opressão em sua garganta. Se negava a chorar. Simplesmente não o faria.
—Ele não te fez mal, então? Não te forçou? As suaves palavras foram
impressionantes, Vitória não tinha imaginado que alguém pudesse chegar a
essa conclusão.
—Não. Por que você sugere ...?
—Porque querida, ele mais que nenhum outro tem razões para te
prejudicar, a ti ou a tua família.
Ela sacudiu a cabeça.
—Isso tem pouco sentido.
—Ainda não sabe quem é, menina?
Vitória olhou os amáveis olhos castanhos de Lady Berne, e soube que não
gostaria disto.
—Não.
—Quem é? sussurrou com voz rouca.
A condessa respirou fundo e apertou as mãos de Vitória, para prepará-la
para uma grande comoção.
—Ele é o novo visconde Atherbourne. Herdou o título depois que seu
irmão, o duque, matou ao seu irmão em um duelo na temporada passada.
Vitória cambaleou, os sons da multidão desvanecendo-se, sua cabeça
girando com as possíveis implicações. Ela tinha sabido sobre o duelo, mas
Harrison não havia explicado por que tinha ocorrido, só lhe informando que
se tratou de uma questão de honra que tinha sido resolvida, e tinha terminado
com a morte do visconde Atherbourne. Negou-se a discutir mais sobre o
assunto. O incidente tinha gerado um terremoto entre a aristocracia, mas
devido que havia acontecido no final da temporada passada, justo antes que a
maioria das famílias saíssem de Londres com destino ao campo, o escândalo
se apagou antes de realmente começar. Poucos de seus conhecidos tinham
falado do tema depois disso, um testemunho do considerável poder de seu
irmão, e ela assumiu que o assunto havia sido esquecido.
Mas aqui havia um homem que tinha todas as razões para recordar, todas
as razões para procurar vingança. Poderia ter planejado isto? Seu abraço
apaixonado, ela tragou com força afogando uma quebra de onda de náuseas,
não era mais que uma farsa cruel desenhada para arruiná-la? Não, certamente
que não. Ele devia ter sentido a mesma poderosa maré varrendo toda a razão;
ela não poderia ter sido a única. Não poderia ter sido tão tola.
Imediatamente procurou consolo no olhar de Lucien, elevando o olhar para
onde ele se encontrava a uns poucos metros de distância, escutando sua
conversação.
—Você…?
O sorriso zombador e o brilho de triunfo em seus olhos confirmaram suas
piores suspeitas.
—Sim, querida. Sou Lucien Wyatt, visconde Atherbourne. Ele fez uma
graciosa reverência, sua luva descartada agora de novo em seu lugar, como se
nada de significativo tivesse ocorrido. E devo dizer que conhecê-la foi o
maior dos prazeres.
~~*
Capítulo 3
" Um só tiro direto no coração, diz? Bom, suponho que não é de todo
inesperado. Ao Blackmore se conhece por ser um perfeccionista. "
—A Marquesa Viúva do Wallingham depois da notícia da prematura
morte do visconde Atherbourne.
Ela tinha pensado que talvez o tinha imaginado como mais bonito, mais
perversamente sensual do que ele era na realidade, que para justificar seu
próprio comportamento insensato, tinha desenhado um retrato irresistível em
sua mente injustificada pela realidade.
Estava muito, muito equivocada.
Ele era magnífico. A plena luz do dia só melhorava sua atração,
igualmente ao esplêndido fraque azul escuro, colete bordado dourado, e as
calças de montar de cor anterior ao que levava. Além do estranho
obscurecimento em um lado da mandíbula, era uma visão de perfeição
masculina.
Depois de ter sabido um pouco mais sobre seu passado nos últimos dias,
Vitória agora entendia por que Lucien era mais musculoso e estava mais em
forma que muitos outros homens da alta sociedade, seus ombros largos, sua
cintura mais estreita, e suas coxas... OH, suas coxas. As damas se supunha
que não devessem dar-se conta dessas coisas, mas não podia evitá-lo. Em
qualquer caso, ela agora reconhecia esses atributos físicos como prova de seu
serviço como capitão no exército. De acordo com o Lady Berne, tinha atuado
muito heroicamente no Waterloo, ganhando elogios do próprio Wellington.
Não é que ele fizesse alarde disso. A maioria dos cavalheiros que voltavam
da batalha levavam seus uniformes com orgulho e escolhiam que se
dirigissem a eles por sua patente militar, como era o apropriado. Não ele.
Lucien Wyatt se negava a responder a seu título bem ganho de capitão, e em
eventos formais onde os homens com uniformes de cor carmesim se
convertiam em objetos de celebração e admiração, ele em troca, usava o
negro liso civil. Precisamente por que, ninguém sabia.
Justo então, ela se voltou dolorosamente consciente do espesso silêncio,
sentindo um rubor de vergonha alagando-a enquanto ambos, Harrison, que
não se moveu da porta, e Lucien, esperavam espectadores que se explicasse.
Finalmente, sem saber o que outra coisa fazer, recorreu à cortesia, saudando
Lucien com uma reverência e um "milord".
Em um primeiro momento ele piscou, arqueando as sobrancelhas com
surpresa. Mas rapidamente, adotou sua expressão distinta: levemente
divertida mesclada com sardônica sensualidade. Executou uma vênia perfeita
e respondeu brandamente: —Lady Vitória.
Sentiu-se enjoada quando uma onda de desejo se estendeu por seu corpo.
OH, isto não era bom.
Ele é um descarado, recordou-se. Um canalha de primeira ordem. Ou teria
que ser domais sob ordem? Ela sacudiu a cabeça mentalmente. Não
importava. O ponto era o mesmo: tinha-lhe feito um dano irreparável.
Deliberadamente e a sangue frio.
Endireitando a coluna ante o aviso, perguntou com o que esperava fora um
tom severo: —Seu propósito ao vir aqui inclui uma longa desculpa, Lorde
Atherbourne?
—Vitória, faria bem em te manter à margem disto, advertiu Harrison.
Ela o olhou e disse: —Temo que já estou muito dentro da margem,
Harrison. Empurrando a seu irmão e entrando mais na sala, voltou-se para
encontrar os olhos do Lucien, notando que seu sorriso se desvaneceu um
pouco.. Bem?
—Não, milady. Vim aqui com uma oferta…
—Que rechacei, interrompeu Harrison. Lorde Atherbourne já saia.
Mantendo os olhos fixos no rosto do Lucien, Vitória estirou uma mão atrás
dela para colocá-la com firmeza no braço de seu irmão.
—Eu gostaria de saber qual foi essa oferta, disse com suavidade.
—Não vale a pena… .começou Harrison.
—Lorde Atherbourne? insistiu, observando sua expressão enquanto movia
seu olhar entre ela e seu irmão. Não estava sorrindo. De fato, parecia
extremamente sério.
—Vim lhe oferecer matrimônio.
Foi como se um cavalo lhe tivesse dado uma patada no peito. Como
desejou haver podido ouvir mais do que se dizia quando tinha estado
escutando às escondidas atrás das portas da sala. Pelo menos então, a
comoção de sua proposta haveria se moderado um pouco. Por desgraça, tudo
o que tinha ouvido tinham sido murmúrios masculinos. Apenas úteis para
prepará-la para... bom, isto.
—Você…? Ela abriu a boca para recuperar o fôlego.. Você quer casar-se
comigo? Depois de tudo o que fez?
O mais débil brilho de algo. Culpa, talvez? Leve desgosto? passou por
seus olhos, mas desapareceu antes que pudesse identificá-lo.
—Como expliquei a seu irmão, é a única maneira de garantir que o
escândalo seja contido e as conseqüências para seu futuro se reduzam ao
mínimo.
Ela o olhou em silêncio durante um comprido momento, tratando de
entender este homem formoso, vil, e contraditório. O altruísmo não o havia
trazido aqui hoje, isso estava claro. Mas qual poderia ser sua motivação? E o
que importava? Ele a tinha posto em uma osição bastante desesperada. Por
definição, isso significava que suas opções eram poucas e indesejáveis.
Sentiu as mãos do Harrison em seus ombros e sua alta figura flutuando
atrás dela.
—Vitória, compreendo por que isto poderia parecer uma solução
conveniente a um problema difícil, lhe murmurou ao ouvido.. Mas este
homem é perigoso. Ele já demonstrou uma assombrosa falta de consciência
no que a ti concerne, e não posso permitir…
Elevando uma mão para tocar a de Harrison, que descansava em seu
ombro, ela assentiu com a cabeça para indicar que entendia. Sussurrando,
perguntou se poderia falar a sós com o Atherbourne por um momento.
Harrison naturalmente resistiu com bastante veemência no princípio, mas
depois de uns minutos de discussão, em que ela assinalou que eram sua vida e
seu futuro que estavam em jogo, ele aceitou.
—Cinco minutos, espetou. Nem um segundo mais. E as portas
permanecem abertas.
Ela assentiu e lhe agradeceu enquanto ele se dirigia ao corredor para falar
com o Digby. Cruzando a habitação, ela fez um gesto para um par de cadeiras
em frente ao fogo.
—Sentamo-nos, milord? Disse e logo se transladou à cadeira da direita e
se deixou cair nela, feliz de dar às suas pernas trementes um descanso.
Quando Lucien se instalou na cadeira em frente, ela quase riu ante o
contraste de um corpo tão grande, abertamente masculino sentado
incomodamente em uma decorada cadeira Luis XV. Talvez fosse o dourado
que o fazia uma imagem tão cômica. Sufocando seus pensamentos errantes,
começou: —Agora bem, por que deveria considerar me casar com você,
milord?
Ele abriu a boca para falar, mas ela agitou a mão e esclareceu
imediatamente: —Além de resolver o escândalo que utilizou como arma
contra meu irmão.
Ele piscou e fez uma pausa, claramente surpreso por sua franqueza.
—Antecipou meu argumento mais persuasivo, Lady Vitória. Esse sorriso
malicioso voltou lentamente. Ele se voltou para trás em seu assento e cruzou
os braços, lhe dirigindo um olhar especulativo.
— Está perguntando como seria ser minha esposa?
Sua voz se tornou um pouco baixa e lhe sugiram, tal como o tinha sido na
terraço do Lady Gattingford. Por desgraça, saber que o estava fazendo
deliberadamente para conseguir meter-se sob sua pele não impediu que
estremecesse de prazer.
—Não... não temos tempo para jogos, milord.
—Quem disse que estava jogando?
Em Vitória lhe acelerou a respiração. Os olhos do Lucien eram tão
formosos, da cor cinza escuro de tormenta, mais claros para o centro, com
anéis negros ao redor das íris. Finalmente sabia de que cor eram seus olhos.
Isso pareceu importante, de alguma maneira.
Sacudindo a cabeça para dissipar a repentina névoa de consciência sensual,
tragou saliva e disse: —Estou perguntando por que me casar com você seria
melhor que outras alternativas, Lorde Atherbourne. Não estou sem opções,
sabe.
—OH, sim. Suas opções. O exílio no continente ou na América, talvez?
Uma vida isolada como solteirona no campo? Isso é o que sonhou quando
menina quando imaginava seu futuro?
—Você sabe muito bem que não, espetou ela.
Ele se endireitou em seu assento, inclinando-se para ela com as mãos sobre
as coxas, desaparecendo qualquer rastro de indolência quando toda a
intensidade de sua personalidade passou ao primeiro plano.
—E o que há a respeito de ser a marquesa do Stickley, humm? Você se
imaginava como a esposa de um homem que nem sequer se incomodou em
beijá-la apropriadamente?
—Deixe Lorde Stickley fora disto.
—Muito bem. Você perguntou que implicaria ser minha esposa. A
resposta é muito parecida com o que implicaria ser a esposa do Stickley.
Exceto, como minha esposa, não duvidará nem por um momento que eu a
desejo.
Impressionada por sua declaração, sentiu-se ofegante, o ar entrando e
saindo a um ritmo embaraçoso. Mas ela não podia ouví-lo por cima do
bombeamento de seu coração, o som tão forte em seus ouvidos como o
oceano na costa rochosa.
—Você… você me deseja? perguntou fracamente.
Fazendo caso omisso de sua pergunta, ele continuou: —Nunca escolheria
passar o tempo caçando ou deleitando aos cavalheiros do Boodle com meus
cachorros quando poderia passá-lo fazendo amor com minha nova esposa.
—OH, isso não é... você fazendo... OH.
—Mais ainda, se se casar comigo, nunca mais voltaria a ser vulnerável à
classe de escândalo faz umas noites.
Suas mãos, úmidas e trementes, apertaram os braços da cadeira onde
estava sentada.
—Acredito que já tínhamos estabelecido que isto ajudaria a diminuir o
escândalo.
Ele sorriu.
—Ah, mas não é por isso que não voltaria a ocorrer. Como seu marido,
seria meu dever lhe dar tanto prazer que nenhum outro homem tivesse nada
que lhe oferecer. Portanto, você não estaria tentada a envolver-se em alguma
entrevista ilícita ou em algum momento de paixão roubada. Exceto comigo, é
óbvio.
Nervosa e sem fôlego, levantou-se e se transladou a um ponto entre um
sofá e uma mesa baixa, com superfície de mármore. Ele é um diabo, pensou.
Um diabo com o rosto de um anjo. E eu sou uma parva, pior uma louca por
completo, por cair presa de suas palavras intoxicantes. Porque não só se
sentia atraída por ele, por este condutor de sua destruição. Ela o desejava,
desejava o direito a riscar seus lábios com seus próprios dedos, acariciar essa
bochecha ferida, sentir sua língua deslizar-se perversamente dentro de sua
boca, da forma que ele o tinha feito antes.
Girando-se para enfrentá-lo, ela se surpreendeu ao encontrá-lo a menos de
um metro de distância. Era tão alto, que virtualmente se abatia sobre ela,
bastante perto para tocá-lo. Respira, Vitória. Apesar de uma voz interna lhe
recriminando por isso, o tomou um momento responder a sua lista de
contrastes entre o que teria sido seu matrimônio com Lorde Stickley e o que
significaria ser Lady Atherbourne. Sua esposa.
—E se eu fosse surpreendida com outro homem, milord? .perguntou, não
porque ela pensasse que fosse uma possibilidade real, a não ser simplesmente
para ver o que diria.
Não pareceu gostar da pergunta. Não. Seu rosto endureceu e se fechou, seu
sorriso se desvaneceu, os lábios apertando-se em uma linha sombria.
—Acredito que o melhor é não contemplar o que faria nesse caso.
Por um momento, todo seu ser se deteve, esperando a resposta a sua
seguinte pergunta.
.Machucaria-me por isso?
Sua resposta foi imediata e contundente: —Não. Nunca.
Acreditou nele. Não sabia por que, mas era verdade. Algo em sua cara, um
brilho de indignação, como se mesmo o pensamento fosse aberrante, deu-lhe
a resposta mais que suas palavras. Parecia que não tinha intenção de lhe fazer
dano, ao menos não fisicamente.
—Então, deixe-me entender isto corretamente, disse ela dando um passo
atrás e retrocedendo para a chaminé. Ele estava muito perto. Não a deixava
pensar com clareza. Você tramou minha ruína para vingar-se do Harrison…
—Disparou em meu irmão…
—Sim bem, acredito que todos entendemos seus motivos, replicou ela
bruscamente.
—Entende-o? Sua voz foi estranha. Triste.. Não foi minha intenção que
você sofresse desnecessariamente.
—Talvez devesse ter considerado isso antes de…
—Mas eu não estava sozinho no terraço, milady.
As palavras ditas brandamente a sacudiram terrivelmente, não porque
fossem falsas, mas porque eram certas. Este escândalo era tanto culpa dela
como dele. Mais dela, talvez. Ela era a que tinha estado comprometida com
outro homem. Ela era a que tinha permitido que fantasias tolas e românticas a
debilitassem. Ele tinha chegado à sua porta com intenções tortuosas sim. Mas
tinha sido ela que a tinha aberto completamente.
—Você acredita que nosso matrimônio vai acalmar o escândalo, disse.
Durante muito tempo, ele não respondeu. Seus olhos exploraram o rosto de
Vitória, sua expressão quase preocupada.
—Acredito que sem ele, sua reputação nunca se recuperará
completamente. E eu não desejo isso para você.
Tampouco ela. Realmente, o que lhe oferecia era um presente. Ela teria
preferido que viesse sem suspeitas aderidas, mas era uma oferta que não
podia descartar com facilidade, ou não descartá-la para nada.
—Poderia me casar com outro. Se esperasse um ano...
Ele negou com a cabeça, lhe dedicando um escuro olhar. Levantou três
dedos, movendo cada um à medida que falava.
—Compromisso. Aventura escandalosa. Bodas. Deixou cair o braço e
inclinou a cabeça ligeiramente. Diga-me Lady Vitória. O que diriam a
respeito de seu marido se ele não fosse parte dos dois primeiros?
Ela o odiava. Odiava seu pequeno gesto zombador, odiava a arrogante
inclinação, a segurança em sua voz, mas sobretudo odiava que ele tivesse
razão.
—Bem. Digamos que estou de acordo em casar-me com você.
Seu meio sorriso retornou.
—Vamos.
—Onde teria lugar as bodas?
Dando uma olhada ao redor da sala, ele disse: —Por que não aqui?
—Quando?
—Logo que se possa arrumar. Necessitarei só uns poucos dias para
adquirir uma licença especial.
Uns poucos dias? O sangue se precipitou de sua cabeça a seu coração, que
duplicou seu ritmo.
—Tão… tão logo?
Ele ficou quieto por um momento, e logo se aproximou dela lentamente.
Cautelosamente. Um dedo se elevou para acariciar sua bochecha. Ela se
voltou para trás, surpreendida. Esse dedo capturou brevemente um cacho na
parte superior de sua mandíbula, e logo desapareceu.
—Não te arrependerá de ser minha esposa Vitória, sussurrou. Soava como
uma promessa.
Sentia-se acossada, encurralada em um rincão onde não havia
escapamento. E o caçador também era o alimento. Tentador. Sedutor. Mais
que isso, entretanto sentia as paredes do dever empurrando-a para ele. Tinha
cometido um terrível engano. Um cujo preço devia pagar. Ela levantou a vista
para o retrato de sua mãe, serena, dourada e perfeita. Uma mulher com
elegância, embora não uma grande beleza. Uma mulher que sempre fazia o
correto.
—Você seria meu marido. Foi um sussurro para si mesma, mas ele o
ouviu.
—Em todos os sentidos.Veio sua rouca confirmação.
Assentindo com a cabeça, ela juntou as mãos na cintura, e logo baixou o
olhar a seus dedos enroscados.
—Poderíamos ter filhos, Lucien?
—Sim. Seu tom foi mais suave, gentil.
Levantando a cabeça uma vez mais, ela ficou olhando pelo que lhe
pareceram anos esses formosos olhos, da cor de nuvens de tormenta. Nos
poucos momentos em que estiveram olhando um ao outro, Vitória se
imaginou uma vida inteira com este homem. Suas bodas. As noites em que
faria amor com ela. Meninos com o cabelo negro azeviche e talvez os olhos
azuis dela. Filhos que seriam altos e fortes e bonitos como seu pai. Filhas que
seriam adoradas e mimadas. Uma família.
—Então essa é minha resposta.
Lucien aumentou os olhos, concentrando-se em seu rosto, procurando uma
confirmação.
—Sim milord, casarei-me com você.
~~*
Capítulo 5
"Uma inteligente estratégia de batalha freqüentemente se assemelha à
loucura. Saber a diferença... ah, bom, os vencedores têm o privilégio de
definir isso, não? " —A Marquesa Viúva do Wallingham depois da notícia da
fuga de Napoleão de Elba.
~~*
Ao chegar em casa duas horas mais tarde, Lucien entregou seu cavalo ao
Connell, chofer e principal moço de quadra. O cabelo vermelho e as sardas de
Connell davam a ele aspecto de um estudante, quando de fato tinha idade
suficiente para estar casado com uma das criadas da casa e pai de três filhos
pequenos. Ainda assim, era jovem para um posto de tal responsabilidade, mas
seu dom com os cavalos fez com que ganhasse primeiro o respeito de
Gregory, logo o de Lucien. Hugo, o cavalo de Lucien, era de grande tamanho
e vigoroso, requerendo passar várias vezes os jornais para mantê-lo calmo.
Mas nas mãos capazes do Connell, o cavalo se derretia e virtualmente sorria
com afeto. Hoje, o jovem tinha uma expressão apreensiva, os olhos e o rosto
tenso. Deteve-se para tomar as rédeas como se quisesse falar.
—O que acontece, Connell? perguntou Lucien com impaciência.
—É sua senhoria, milord. Ela …se instalou no estábulo.
Lucien piscou.
—Perdão?
O moço assentiu vigorosamente e assinalou para a estrutura de tijolo de
dois pisos atrás dele.
—Disse a sua senhoria que esse não era lugar adequado para…
—E o que te disse? perguntou Lucien com gravidade, agora dirigindo-se
com passo irado para o estábulo.
Riu milord.
Ele se deteve e virou para olhar Connell, que se deteve também. Hugo ia
na retaguarda dele como um gigante cão mulherengo.
—Riu?
Connell assentiu e esfregou o nariz do cavalo de modo ausente.
—Disse que era uma tolice e que eu podia ir, já que ela tinha trabalho para
fazer. Os olhos do homem eram redondos como moedas, seu alarme
aumentando claramente ante a idéia da senhora da casa desejando entrar em
seu domínio, e mais até manchando suas mãos com o trabalho.
Lucien compartilhava sua consternação, mas por razões ligeiramente
diferentes. Ela não pertencia a esse lugar, isso era certo. Além disso, ele não
queria que lhe surgissem idéias estranhas a respeito de tomar um de seus
cavalos para um passeio, talvez à sua antiga casa. Se tinha que assegurar-se
que cumprisse suas ordens, precisava controlar seus movimentos enquanto
estavam em Londres, e não podia fazer isso se metia na cabeça desafiá-lo.
Felizmente até o momento, Vitória tinha demonstrado ser uma purista da
propriedade, um produto da influência do Blackmore sem dúvida, e nunca se
aventurava por aí sem sua donzela ou outro acompanhante. Quase sempre
usava a carruagem para ir ao Mayfair, já que teria que cruzar o esmagador
rebuliço de Oxford Street para chegar lá, e a pé não era um passeio rápido e
tranqüilo. Mas não era impossível que de repente ela tivesse a idéia de estirar
as proverbiais asas, bem sabia ele. Era um ser de espírito sua esposa, debaixo
da obediente superfície.
—Leve Hugo para dar um passeio. Eu falarei com Lady Atherbourne.
—Sim, milord. Connell tirou o gorro e se afastou com o cavalo.
Quando Lucien entrou nos limites escuros e poeirentos dos estábulos,
deteve-se um momento para deixar que seus olhos se acostumassem. Ao
longo de um lado, uma fila de casinhas continham seis cavalos, plácidamente
comendo feno, soprando e bufando para chamar sua atenção. As últimas
casinhas estavam vazias. Uma pertencia a Hugo. As outras faltavam ocupar-
se, e já que tinha a intenção de abandonar Londres muito antes disto, não
tinha achado que fosse necessário. É óbvio, tampouco havia previsto tomar
uma esposa tão cedo. Ainda fazia falta um pouco de ajuste.
Avançando com passo pausado, agora era capaz de ver nas profundidades
do espaço fedorento. Justo depois de passar uma fila de cadeiras de montar e
arreios, perto da entrada da garagem, uma franja arredondada de musselina
estampada de flores se balançava e se retorcia atrás de um poste de madeira.
—Vamos meu amor, sussurrou uma doce voz feminina, não quer que lhe
acaricie? Prometo que desfrutará.
Tudo em seu corpo se deteve, seu coração, sua respiração, seus pés. Tudo
se paralisou quando se deu conta do que estava olhando, a quem estava
ouvindo dizer essas palavras provocadoras. Vitória. Estava inclinada,
aparecendo atrás de uma caixa. Seu arredondado e delicioso traseiro deu
outro rebolado quando estendeu um braço para sua presa.
—É tímido, verdade? Só me deixe tocar sua pequena cabeça. Serei suave
como um sopro. Se for bom, talvez o beije. Você gostaria disso?
Não pôde evitá-lo, grunhiu audivelmente, seu corpo passou de atento a
intensamente excitado em meio segundo. Maldita seja. Estava louco de
luxúria. Seu encantado traseiro se retorceu de um modo bastante atrativo
quando se virou, tratando de dar uma olhada em sua direção por cima do
ombro.
—Quem est…? Se ergueu, cambaleando-se para trás. Ai! Isso doeu,
pequeno diabo!
Ela cambaleou para trás, perdendo o equilíbrio e agitando uma mão
loucamente como se a tivessem queimado. Antes de que pudesse golpear a
porta da casinha, que estendeu-se torpemente para o corredor, ele correu para
ela e a agarrou pela cintura. Suas nádegas encontraram sua haste endurecida
com um golpe transcendental, fazendo-o grunhir de novo, esta vez devido ao
considerável desconforto. Suas costas chocaram contra o poste de madeira
entre duas casinhas.
—OH! Pelo amor do céu, chiou ela saindo dos braços de Lucien,
repentinamente flácidos, e girando para ele. Avermelhada e despenteada, ela
apoiou as mãos nos quadris e soprou uma baforada de ar para cima para
separar de seu olho um cacho solto. Lucien?
Ele grunhiu. Falar realmente era impossível nesse momento.
—Que está fazendo aqui?
Várias respirações profundas pareceram ajudar a retroceder as quebras de
onda de dor, ao menos o suficiente para formar palavras.
—Poderia te perguntar o mesmo, esposa. Este não é um lugar apropriado
para que a Flor do Blackmore passe as horas.
Ela se encolheu como se ele a tivesse insultado, e logo respondeu com
tranqüila dignidade: —Possivelmente. Entretanto, como bem sabe, esse
apelido não tem o mesmo significado há muito tempo.
—Desde que me conheceu, quer dizer. A amargura em sua voz
surpreendeu, inclusive a ele mesmo. Estava cansado de seu ressentimento,
cansado de não poder tocá-la.
—Se esperas que negue sua parte em minha ruína, ficará decepcionado.
Ele suspirou.
—Os avisos constantes são…
—Não é minha intenção discutir Lucien, disse ela com calma.
Simplesmente gostaria de terminar minha tarefa. Passou ambas as mãos por
sua saia para tirar o pó. Logo fez uma careta e embalou sua mão direita com a
esquerda.
—Está ferida? perguntou, sua própria dor quase esquecida.
Ela sacudiu a cabeça e murmurou: —Não é nada. Mas ele se separou do
poste e agarrou seu pulso com suavidade. Um trio de sangrentos arranhões
arruinavam a parte carnuda da base do polegar. De verdade. É só um
arranhão.
—O que aconteceu?
Com as bochechas um pouco ruborizadas, lhe dirigiu um olhar tímido por
baixo das pestanas.
—Fiz uns avanços não desejados e me deram uma reprimenda
decididamente severa. Ela enrugou o nariz. Minha culpa por certo. O
pequeno diabo é óbviamente, muito particular com seus pretendentes.
Confundido por um momento, ele a fez ficar de um lado para olhar atrás
das caixas. Alí, aconchegado em uma cama de feno, estava um gatinho rajado
laranja. Elevou o olhar para ele com seus olhos dourados e alertas. E gritou.
Ele franziu o cenho e se voltou para Vitória.
—Essa maldita coisa é selvagem. O que estava pensando?
Vitória pôs as mãos nos quadris e encolheu os ombros exasperada.
—Quero desenhá-lo, mas está decidido a permanecer oculto. É do mais
irritante.
Uns cachos loiros que normalmente eram perfeitamente disciplinados,
haviam escapado de suas forquilhas, causando que seu penteado se inclinasse
para um lado. Uma pequena mancha de terra lhe manchava o queixo. E seu
vestido parecia como se tivesse sido pisoteando pelo estábulo. Coisa que na
realidade, fazia. Tossiu para dissimular um sorriso.
—Está rindo de mim?
Apertando os lábios, murmurou: —Não. Não.
Observou que os próprios lábios de sua esposa tremiam, uma comissura
curvando-se sem remédio em um sorriso. Ela sacudiu a cabeça.
—Suponho que mereço isso. Sacudiu outra vez suas saias poeirentas. Me
atreveria a dizer que pareço um espantalho. Não é de estranhar que me
rechace.
Aproximando-se, tomou sua mandíbula e passou o polegar pela pequena
mancha em seu queixo.
—Inclusive quando parece um espantalho, segue sendo a mulher mais bela
que vi em minha vida.
Os olhos suavizando-se, os lábios entreabrindo-se, por um momento
pareceu que Vitória poderia derreter-se. O desejo feroz, insistente e sinuoso o
percorreu. Mas justo quando se movia para envolver um braço ao redor de
sua cintura, as mãos dela agarraram suas mãos e o empurraram.
—Não comece Lucien.
—Começar o que? perguntou inocentemente.
Seu queixo se elevou, sua boca apertando-se em sinal de desaprovação.
—Não tenho a paciência nem o tempo para suas tolices. Devo terminar
meu esboço esta tarde enquanto tenha luz suficiente. É um presente para
Lady Berne. Ela adora os gatos, mas não pode ter um porque fazem espirrar a
Lorde Berne de um modo terrível.
Passando uma mão pelo cabelo, ele suspirou.
—Quanto tempo durará este processo?
Ela se deu uns golpezinhos com o dedo nos lábios.
—Depende.
—Do que?
—Do cooperativo que seja meu sujeito. Levou quinze minutos para me
aproximar o suficiente para fazer os traços. Deu em sua mão um olhar
ressentido.. Esboçar é a parte fácil.
Sem dizer uma palavra, ele se despojou de seu fraque e tomou um balde
próximo, logo se aproximou resolutamente ao esconderijo do gato.
—O que está…?
Fez um sinal à Vitória para que ficasse em silêncio levando um dedo aos
lábios. Pouco a pouco com cuidado, colocou o balde à esquerda das caixas,
bloqueando a rota de escapamento do gatinho. Continuando, estirou a jaqueta
como uma rede ao longo do lado direito e se inclinou para fazer sair a
pequena besta de seu ninho. Gritando e cuspindo, o gato arranhou sem
piedade a mão do Lucien, sua pelagem de cor laranja arrepiada, seu diminuto
corpo retorcendo-se em protesto. Não obstante, Lucien foi capaz de apanhar o
cangote do animal entre o polegar e os dedos e mantê-lo no alto tempo
suficiente para recuperar seu casaco. Envolveu o gato firmemente em seu
interior, rodeando com as mangas o pequeno vulto, de modo que só
sobressaía sua cabeça.
—Uma façanha magnífica milord, disse sua esposa, sua voz impregnada
de riso. De verdade, as pessoas poderiam supor que atravessaste as selvas da
África caçando bestas poderosas. Estava tirando o sarro, mas podia ver que
estava contente que tinha segurado a pequena criatura que lhe tinha dado
tantos problemas. O coração deu um tombo peculiar.
—É assombroso o que um marido é capaz de fazer quando lhe dá a
motivação adequada. Suas palavras atraíram os olhos de Vitória de novo aos
seus. Azul-verde luminosos, apanharam-no e o mantiveram em um agarre
implacável, suspenso sem fôlego dentro de um momento estranho,
congelado. Uma sensação vertiginosa, como cair de costas na água,
expandiu-se dentro dele. Era confuso, desorientador, estimulante. Fez-lhe
querer tomá-la e levá-la à cama. Fez-o querer cair de joelhos e lhe pedir
perdão. Fez-o querer gritar triunfante que ela era sua para sempre.
Meu deus pensou, não pela primeira vez. O que é isto? Era como um
invasor estranho, um beberagem perigosa de gratidão, culpa e obsessão, tudo
centrado nesta pequena mulher. Tinha experimentado indícios disso antes de
seu matrimônio. Mas só parecia voltar-se cada vez pior.
Vitória acariciou a cabeça peluda do gatinho que ele sustentava para ela,
seus dedos acariciando suave e ritmicamente.
Sim. Muito, muito pior.
—Obrigada, disse ela, a relutância evidente em seu tom. Agora, se o
mantiver quieto, talvez por aqui junto à porta, assinalou a entrada do pátio, a
qual permanecia aberta. Com sua distintiva eficiência, Vitória tomou seu
caderno de desenho da parte superior de outro conjunto de caixas, recolheu o
balde que ele tinha usado antes, e o guiou à zona que tinha indicado, junto à
porta, onde a luz entrava abundante. Pôs o balde de barriga para baixo e se
sentou como se fosse um trono real, tirando um lápis da manga e folheando as
páginas até que encontrou uma folha em branco.
—Tem que ver o resto dele? perguntou Lucien, olhando seu lápis voar
sobre a página com traços rápidos e decisivos.
—Não ainda. A cara é sempre a parte mais difícil para mim. Seus olhos
encontraram brevemente os dele, e logo se deslizaram para sua boca, uma
misteriosa expressão velando seus traços suaves. Bem. Talvez não sempre.
Entretanto, para esta peça, estou decidida a dar a Lady Berne algo que
entesourará. Deve ficar bom.
O gatinho miou lastimamente. Ele esfregou um dedo sobre sua cabeça para
acalmá-lo.
—Então, você gosta de animais?
—Mmm. Não particularmente.
—O que pensa dos cavalos? Muitos artistas adoram pintá-los. Ou isso é o
que ouvi.
Ela deteve a mão elevando o lápis por um momento.
—Os cavalos têm seus usos, suponho.
Arqueando uma sobrancelha ante a tensão em sua voz, ele respondeu: —
Útil sim. Não desfruta montar à cavalo?
O desenho começou de novo, seus movimentos agora quase ferozes. Se
não tomava cuidado, ia romper o papel.
—Não.
—Por que?
Suspirando audivelmente, ela soprou para cima outra vez, como o tinha
feito anteriormente, para tirar o cabelo dos olhos. Podia ver a frustração
enrugando sua face.
—Se quer sabê-lo, derrubaram-me uma vez. Eu era bastante pequena, e
rompi a perna. Depois, ficar prostrada na cama durante meses foi bastante
desagradável. Só há um cavalo que sou capaz de montar, e essa é minha égua,
Bitsy. Ficou no Blackmore Hall esta temporada, já que se esperava que fosse
parir.
O coração do Lucien se retorceu ante a idéia de Vitória sofrendo dor. Ela
era uma mulher ligeira, delicada. Encontrou-se imaginando-a menina, sua
perna rota e dobrada em um ângulo estranho enquanto ela gritava em uma
agonia difícil de suportar.
—Assim como vê, não vou tomar um de seus cavalos para uma excursão à
Casa Clyde-Lacey. Pode estar tranqüilo nesse aspecto, marido. Deixando de
lado seu tom mordaz, ele não pôde evitar sentir um pouco de alívio. Embora
mantê-la longe do Duque enquanto estavam em Londres não era estritamente
necessário. Poderia ter permitido que se desenvolvessem os eventos e
começar o castigo do bastardo depois do fim da temporada, tinha decidido
que era necessária uma dose mais imediata de vingança, uma que pudesse
presenciar pessoalmente. Enviar uma mensagem inequívoca a Blackmore:
Vitória pertencia ao Lucien agora. Ele controlava onde ia, a quem via, o que
fazia. Ela estava à sua mercê, e não havia nada que Sua Graça pudesse fazer a
respeito.
Agora, se tão somente pudesse convencer a sua esposa do mesmo, tudo
estaria bem. Tinha um plano para isso, na realidade. Bom, não um plano
precisamente. Mas bem uma idéia. OH, muito bem, uma fantasia recorrente
que envolvia a boca dele e a entusiasta entrega de Vitória.
—Está ronronando.
Piscando confundido, olhou para baixo, dando-se conta de que ela se
referia ao gato. A criatura, em efeito, estava emitindo um tranqüilo ronrono.
—Acredito que lhe agrada, disse Vitória. A luz se moveu sobre seu rosto
e, por um momento, iluminou-a com uma auréola gloriosa. Iluminou o
pequeno sulco de concentração entre suas sobrancelhas. O travesso meio
sorriso que curvava seus lábios. O brilho dourado de seus cachos
despenteados. Tirou-lhe o fôlego.
—Mmm, grunhiu Lucien, já que nada mais eloqüente pôde articular.
Ainda não está terminado?
—A paciência milord, é uma virtude.
—Nunca tive muito apego à virtude. Terrivelmente aborrecida.
Sua mão se deteve sobre o papel e seus olhos grandes se encontraram com
os seus, como se ele houvesse dito algo profundo.
—Possivelmente tenha razão. Tendo chegado ao que parecia a algum tipo
de conclusão, ela baixou o olhar de novo a seu esboço, passando lentamente
seu lápis sobre os bigodes do gatinho. Mas a alternativa é pior. Uma estranha
tristeza escureceu seu rosto, como se tivesse perdido algo precioso.
Mulheres, pensou ele com desconcerto. Confusas criaturas todas elas.
—Bem, isso deveria servir para seu rosto. Pelos seguintes dez minutos,
Lucien desembrulhou ao gatinho um pouco de cada vez, primeiro uma perna,
logo duas. Vitória esboçou cada parte que era revelada, preenchendo os
detalhes tais como as raias e as garras. Logo, todo o corpo esteve livre de seu
casaco, mas o gatinho ainda estava ronronando. Finalmente, ela terminou o
esboço e o sustentou no alto para que o visse.
—Excelente. Uma perfeita semelhança.
—Crê que Lady Berne vai gostar? perguntou com ansiedade.
—É óbvio murmurou, apressando-se a colocar o gato de volta em seu
ninho atrás da caixa e sacudindo seu casaco. Maldição. A ligeira lã verde
estava coberta de pelagem laranja. A pôs sobre o braço. Agora, acredito que
estávamos discutindo sobre a virtude, ou o prazer da carência de virtude.
Girando para lhe dirigir um sorriso maliciosa, ficou consternado ao ver o
Connell voltando com o Hugo. A moço se deteve atrás de Vitória, que tinha
se perdido em seus pensamentos, riscando com ar ausente um dedo sobre
uma página de seu caderno de desenho.
Mais tarde, o incidente pareceu quase previsível. Hugo entrou atrás do
Connell, o castanho puro sangue, uma presença gigantesca ficando junto de
Vitória. De repente, o cavalo relinchou, moveu-se para um lado golpeando
com força o ombro de Vitória, desestabilizando-a. Ela gritou, deu um recuo e
se curvou tensa contra a parede.
—Connell! bradou Lucien, correndo para eles. Controle-o!
—Sim, milord. O moço puxou os arreios, fazendo sons calmantes tratando
de acalmar o enorme cavalo. Eventualmente, arrumou para convencer ao
encabritado Hugo a colocar as quatro patas no chão e levá-lo diretamente à
sua casinha.
—Vitória? perguntou Lucien em voz baixa, acariciando seus ombros, suas
costas, seu cabelo. Ela pegava com força o caderno de desenho no peito, os
braços envoltos ao redor de si mesma. Estava tremendo e não o olhava. Mas
estava agradecido que o permitisse aproximá-la. Está bem?
Ela assentiu. Mas não lhe acreditou. Rodeou-a com seus braços,
abraçando-a com força e sentindo seu estremecimento rodar através dele
como se fosse nele próprio.
—É tão parvo, disse Vitória com um fio de voz. A maioria dos cavalos não
me assustam absolutamente. Ele me surpreendeu.
—Shh, amor. Tudo está bem. Está à salvo. Em um primeiro momento,
quando seu tremor se acalmou, pensou em liberá-la. Mas logo ela se apoiou
nele como se ainda necessitasse sua força para sustentá-la.
—Não deveria ter saído à cavalo nesse dia, sussurrou ela, pousando um
ouvido contra seu peito. Papai me advertiu que nunca montasse seus cavalos
de caça. Mas estava aborrecida. Só tinha montado pôneis e cavalos mais
velhos, castrados e os mais lentos do estábulo do Blackmore. Balthazar era
magnífico, uma besta negra, grande e brilhante. Eu sabia que juntos
poderíamos voar. Ela encostou seu rosto ainda mais em seu peito, a
lembrança claramente dolorosa.
—E o fizeram, anjo? sua voz saiu extranhamente estrangulada.
Ela assentiu.
—Foi maravilhoso. Nunca tinha sonhado ir tão rápido. Então, ele já não
estava debaixo de mim. Assim sem mais. Depois descobri que tinha passado
em um buraco e sua perna... simplesmente se quebrou. É por isso que
desapareceu. Eu segui e aterrissei muito mal. Nós dois quebramos as pernas,
imagina? Sua risada soou seca e forçada e foi apagando em um longo
silêncio. Papai teve que disparar no Balthazar. Estava muito furioso. Tive
sorte de que não considerasse o mesmo remédio para mim.
Lucien simplesmente a abraçou e lhe acariciou as costas, perguntando-se
como um pai podia mostrar mais preocupação por seu cavalo que por sua
filha.
Ela suspirou e se agitou, endireitando-se e afastando-se à medida que
lentamente se recuperava do susto.
—Tem que pensar que sou uma parva…
—Não. Deslizou suas mãos ao redor de suas costas para evitar que
escapasse e a manteve no lugar. Onde ela pertencia. Não era mais que uma
menina.
—Papai disse que com sete anos era bastante crescida para ter melhor
julgamento. E tinha razão. Deveria tê-lo tido.
Ele sacudiu a cabeça com incredulidade. Sete anos. Realmente, estava
começando a ver de onde provinha a raiz do coração de pedra de Harrison
Lacey.
—Hãhã Milord, Hugo está em sua casinha, disse Connell atrás dele. Se me
permite, senhor, eu gostaria de pedir desculpas a sua senhoria.
Ele se voltou para olhar com fúria ao ruborizado moço de quadra.
—Então faz-o.
Connell assentiu e tirou a boina antes de enfrentar Vitória.
—Milady, suplico-lhe seu perdão. Não a vi alí quando entramos…
—Tolices respondeu ela, seu queixo elevando-se em um ângulo de
orgulho.
—To… tolices, milady?
—Não se desculpe, já que não foi sua culpa absolutamente.
Connell piscou, suas mãos retorcendo sua boina em um cilindro apertado.
—Não foi minha culpa?
Lucien olhou sua esposa, que parecia toda uma viscondessa de cabo à
rabo, embora desalinhada.
—Não foi? perguntou ele com receio.
—Certamente que não. O cavalo me empurrou de forma inesperada e me
surpreendeu. Não é culpa sua ou do cavalo, a não ser minha. Dirigiu a ambos
um sorriso valente. Não me fez nenhum dano.
Ao mesmo tempo, Lucien e Connell protestaram, mas ela levantou uma
mão para exigir silêncio.
—Não escutarei mais nada a respeito. Com um braço agarrando seu
caderno de desenho, ela se voltou rapidamente sobre seus calcanhares e se
afastou dele, seus quadris balançando-se de uma forma que estava
começando a suspeitar fora desenhado para torturá-lo.
Maldita seja pensou, a tensão e endurecimento de sua virilha provocando
uma dor muito familiar. Se isto fosse uma enfermidade, então só havia um
remédio: tenho que seduzir a minha esposa. Ele observou seu doce e
arredondado traseiro burlando-s dele do outro lado do pátio. Pelo bem de sua
prudência, deveria tê-la de novo. E logo.
~~*
Capítulo 15
"Não posso suportar uma criada faladora, como não posso suportar uma
roda de carruagem chiando. Ambas são intoleráveis e devem ser silenciadas
ou substituídas. Eu prefiro 'substituídas' ". —A Marquesa Viúva do
Wallingham à sua nova donzela, a sexta em seis meses.
~~*
A pesada faca aterrissou com um forte golpe seco, incrustando-se na densa
madeira da mesa de cortar. Cook limpou as mãos no avental e olhou à
senhora Garner com o cenho franzido.
Se tiver que lhe dar com uma colher de madeira no traseiro, faço-o.
A senhora Garner sacudiu a cabeça com desgosto.
—Ela não se merece nada disto, isso é certo. Nunca conheci uma alma
mais doce. O que seja que seu irmão possa ter feito.
—Mmm.
—Uma verdadeira pena, isso sim.
Agnes entrou com uma cesta de cebolas. Ela era orgulhosa, com sua cara
bonita e figura roliça. Mas a senhora Garner sabia que trabalhar na cozinha a
humilharia em algum momento a preguiçosa.
—O que é uma pena? perguntou a garota, colocando a cesta no chão.
—Nada que te importe, ladrou Cook com sua voz rouca Traga-me um
molho de hortelã do jardim, e que seja rápido.
Agnes soprou ressentida, mas fez o que lhe disse. Cook lançou um olhar a
florida saída da moça, logo se voltou para a senhora Garner.
—Essa é uma Jezabel. Está certa que desejas tê-la por aqui?
A senhora Garner soprou.
—Não pôde tentar a sua senhoria antes que se casasse. Parece-te que
poderia fazê-lo agora?
A outra mulher riu asperamente.
—Não é provável. Só uma mulher no mundo tem as calças desse moço em
uma corda, e essa é sua esposa. Ela levantou a perna de cordeiro do tabuleiro
e a trespassou no assador. Nunca pensei que veria isso, tampouco. Depois do
triste assunto com o amo Gregory e tudo.
A senhora Garner estremeceu.
—Ela escolheu a habitação azul para suas pinturas. Digo-te agora, eu não
vou alí. Me dá calafrios pensar nisso.
Connell entrou, discutindo discretamente com sua esposa, Georgina.
—É o que sua senhoria quer, Georgie. Pensa que deveria agradecer a
Lorde Atherbourne por me fazer chofer desobedecendo-o? Deixou uma
braçada de madeira atada ao lado da chaminé.
Georgina, uma criada magra de cabelo loiro, uma das melhores criadas da
senhora Garner, assumiu uma postura desafiante quando ele deu a volta
passando suas mãos pela parte dianteira de sua jaqueta. Ela o golpeou com
força no braço, tirando pó do tecido.
—Depois de deixar que Hugo golpeasse a pobre senhora, ela poderia ter
exigido que fosse despedido, Connell Ou'Malley. Se com alguém deve estar
agradecido, deve ser com ela.
O chofer se via claramente incômodo.
—Agora, vamos, não te zangue, te tranqüilize. Não é bom para o bebê.
Georgina lançou um olhar nervoso sobre seu ombro à senhora Garner,
provavelmente perguntando-se se a governanta teria escutado. Não teria que
estar preocupado. A senhora Garner sabia tudo o que ocorria na Casa Wyatt,
incluindo que sua melhor criada estava esperando seu quarto filho. A verdade
era que a moça deveria ter sido enviada para casa depois do primeiro. Mas ela
pediu que
lhe permitisse continuar com seu trabalho, disse que sua mãe estava feliz
cuidando dos pequenos enquanto ela e Connell economizavam para uma casa
própria.
Sua situação era incomum, mas isso era o caso de muitos dos serventes
que trabalhavam para Lorde Atherbourne. Billings era surdo e faz muito
tempo havia passado da idade em que deveria haver se aposentado. Connell,
um irlandês que tinha crescido no Whitechapel, era muito jovem para ser
considerado para qualquer posição que não fosse um simples trabalhador.
Cook tinha passado uma temporada no Newgate, depois de um desacordo
desagradável com seu não muito querido e defunto marido. E logo estava a
mesma senhora Garner. Por muito que o tentasse, não podia dirigir o decoro
exigido para a maioria das governantas das melhores casas de Londres.
Falava muito, tinha o acento equivocado, e como um antigo empregador lhe
dissera uma vez, exibia "uma grande quantidade de energia que era exaustiva
de presenciar".
Ao Lucien Wyatt, e a seu irmão antes dele, importava-lhe um nada as
aparências. Tinham conservado ao Billings porque o querido ancião adorava
ser um mordomo, e apesar de sua audição deficiente e seu passo
dolorosamente lento, era um dos melhores que tinha visto: eficiente, correto,
discreto e um firme, mas justo encarregado dos serventes masculinos. Do
mesmo modo, Connell e a cozinheira haviam sido elevados às suas posições
pela demonstração da excelência em suas tarefas. Muito poucos
empregadores expressavam algum interesse na vida de seus criados. A
maioria preferia contratar novos, em lugar de recompensar a seu pessoal com
uma maior responsabilidade e aumento de salários. Entretanto, os homens
Wyatt eram uma raça diferente. Eles eram razoáveis em suas demandas,
generosos e leais, e igualmente por sua vez, tinha-lhes ganho a lealdade
inquebrável da senhora Garner e dos outros.
Esse sentimento estava sendo questionado entretanto, com o último
mandato de Lorde Atherbourne. Quando tinha apresentado pela primeira vez
a sua nova viscondessa, nenhum deles tinha sabido o que esperar. Todos
tinham ouvido contos de novas senhoras que se convertiam em monstros
depois da lua de mel. Mas logo descobriram que sua nova senhora era tão
doce como um cone de açúcar, escutando a senhora Garner tagarelar,
repetindo-se pacientemente para que Billings pudesse ouvir, e insistindo que
o engano do Connell com o Hugo se esquecesse. Em milhares de formas
diminutas, tinha demonstrado ser extraordinariamente amável. A senhora
Garner não podía compreender como Lorde Atherbourne podia olhar esses
olhos grandes, azul-verdes e ver o homem que odiava, em lugar da esposa
que deveria amar. Caray, esta mesma tarde, tinha desejado abraçar a jovem.
Mas inclusive a senhora Garner sabia que algumas coisas estavam além dos
limites.
Agnes entrou de novo na cozinha, colocando as ervas solicitadas na mesa
de trabalho, e plantou as mãos nos quadris. Cook deu uma olhada à criada por
cima do ombro.
—A hortelã toma muitíssimo tempo estes dias.
Sem alterar-se, Agnes levantou o queixo.
—Alguns tipos entraram pela porta das cavalariças. As pessoas estão
curiosas.
A senhora Garner franziu o cenho.
—Quem te disse para paquerar com todos e …
Ela soprou.
—Não paqueraria com este. Andrajoso como o osso esquecido de um cão.
Estava perguntando pela Lady Atherbourne .
A nova donzela do Lady Atherbourne, Emily, falou detrás da senhora
Garner.
—De cabelo escuro, sua cara parecia com um cão lobo?
A senhora Garner se voltou para olhar à garota loira, que tinha trabalhado
como uma das criadas de cima antes de ser designada para a nova
viscondessa.
—Tinha visto esse cavalheiro, Em? perguntou. Uma coisa era a descarada
e desobediente Agnes envolvendo-se em uma conversação com um estranho
enquanto trabalhava, mas Emily era uma boa garota.
Assentindo, Emily respondeu: —Sim. Na semana passada no Covent
Garden. Afirmou que trabalhava para seu irmão.
—E não é nenhum cavalheiro se me perguntam, murmurou Agnes.
O alarme soou pelas costas da senhora Garner.
—Não lhe disseram nada verdade? As duas criadas se olharam e logo
voltaram timidamente à senhora Garner. Isso disse à governanta tudo o que
necessitava saber.
—Parecia inofensivo senhora Garner, disse Emily envergonhada. Tudo o
que disse foi que seu irmão, o duque, queria saber se ela estava bem.
Voltando pela porta com outra braçada de madeira, Connell se deteve a
meio passo.
—Estão falando do investigador? perguntou.
Todos piscaram.
—Investigador? disseram as três ao uníssono.
Deixou cair sua carga na pilha anterior e sacudiu as mãos.
—Sim. Um desses tipos do Bow Street. Meu primo Davey trabalha nos
estábulos de Sua Graça. Ele disse que o duque contratou o investigador
imediatamente após as bodas.
Bem, bem. Parece que o duque está decidido a cuidar de sua irmã,
inclusive à distância. E ela merece ser cuidada, pensou a senhora Garner.
Sacudindo a cabeça e plantando as mãos em seus quadris em uma postura que
os outros sabiam que significava problemas, anunciou: —Ouvi o suficiente. É
hora de voltarem para suas tarefas, não ficarem fofocando. Dirigiu a todos
um olhar severo. Se escutar que estão falando com esse homem do Bow
Street, lhe contando coisas privadas de Lorde Atherbourne, podem estar
seguros que perderão o salário de um dia da semana porque não trabalharão
aos sábados. Agora, fora.
Todos eles escaparam para fora da cozinha, deixando Cook e a ela
sozinhas. Secando as mãos com um trapo antes de inclinar-se sobre a nova e
extravagante estufa que o amo Lucien tinha ordenado instalar, Cook disse
com ironia: —Não quero dizer seu trabalho, Gertie, mas lhes dando um dia
livre extra não é um grande elemento de disuasão. Mas bem, um incentivo.
Dirigindo-se à porta que conduzia ao salão, a senhora Garner bufou.
—Posso evitar que batam as mandíbulas? Não. Tudo o que posso fazer
quer dizer o que acontece quando o fazem: não trabalhar no sábado, e sua
senhoria poderia terminar reunindo-se com seu irmão. Ela devolveu o sorriso
ardiloso da cozinheira com o seu secreto. O resto depende deles.
~~*
Capítulo 16
"Com freqüência, referem-se a nós como o sexo frágil. Que idéia mais
tola. Nós mulheres somos muito mais desumanas que os homens.
Simplesmente o dissimulamos melhor. " —A Marquesa Viúva do
Wallingham à condessa do Berne depois de um almoço das quintas-feiras
especialmente rancoroso.
~~*
Vitória não estava segura do que a despertou. Poderia ter sido o braço de
Lucien roçando seu ombro. Ou o deslocamento do colchão quando ele se
esticou e ficou de barriga para cima. Mas suspeitava que tinha sido o gemido.
Tal som incomum procedente de seu forte e imponente marido. O grito
silencioso enviou uma vibração gelada através de sua carne.
—Lucien, inquiriu brandamente, girando sobre seu flanco para poder vê-lo
melhor na a luz mortiça. Apoiando-se em um cotovelo, moveu-se sob as
mantas e lentamente se aproximou para acariciar seu ombro nu com os dedos.
Úmido. Sua pele estava empapada de suor.
Ele se retorceu e girou a cabeça, como se padecesse de uma terrível dor.
—Não, gemeu. Não. Sua respiração acelerou e lhe esticaram todos os
músculos.
O peito de Vitória se apertou ao redor de seu coração. Acariciou-lhe o
braço onde estava, aparentemente imobilizado em seu flanco. Seus músculos
estavam duros como pedra. Jogando para trás as mantas, viu que todo seu
torso vibrava de tensão.
Que diabos? Pensou, a preocupação alagando-a com força. Vitória
considerou a sabedoria de despertá-lo. Ser despertado em meio de um
pesadelo poderia ser desconcertante e embaraçoso, especialmente se ele sabia
que o tinha visto em um estado tão vulnerável. Por outra parte, não podia
suportar ver sofrer a ninguém assim, inclusive se se tratava de um sonho. De
repente ele suspirou, e como se uma corrente se quebrasse, expeliu o ar em
uma quebra de onda. Seu cenho suavizou, e em poucos minutos seus
músculos relaxaram completamente.
Ela murmurou palavras tranqüilizadoras sem sentido, sem deixar de
acariciar seu ombro. Horas antes, tinham chegado em casa depois de fazer
amor na carruagem, ambos calados e pensativos. Quando ele se colocou na
cama junto a ela, havia esperado plenamente sentir seus braços lhe rodeando
a cintura, e então ter que explicar por que, depois de deixar que ele a
seduzisse em uma sala às escuras, uma vez mais rechaçaria-o em sua própria
cama. Mas ele não a havia abordado, só tinha suspirado e dormido, sua
respiração profunda e larga.
Ela não foi tão afortunada. Enquanto jazia junto a ele na escuridão, não
podia enganar-se: ele era uma tentação constante, o melhor dos nove pratos
de um jantar inimaginável devotado a uma mulher morta de fome. A amizade
não tinha aliviado seu desejo, ou o tinha mantido à distância de um braço.
Então, o que você gostaria de fazer agora, Vitória? A resposta não se fez
esperar: ser sua esposa em todos os sentidos. Mas isso era muito custoso,
verdade? A confusão a tinha mantido acordada até bem tarde da noite.
Finalmente, o sono tinha chegado, só para ser interrompido pelo homem
intranqüilo ao seu lado.
Lentamente, baixou a cabeça sobre o travesseiro, mas se manteve
vigilante, atenta a qualquer mudança. Chegou minutos mais tarde em um
sussurro que quase passou por cima. Imediatamente, levantou-se na cama,
olhando atentamente seu rosto. Tinha a boca aberta, movendo-a como se
estivesse falando, mas nenhum som saía. Parecia como se estivesse dizendo
"não" uma e outra vez. A súplica sem som em meio de tal quietude a gelou
até os ossos. Falava de uma dor tão profunda, que não poderia ser curada.
Instintivamente, aproximou-se mais dele, agarrando seu braço e envolvendo-
o ao redor dela, e logo abraçando seu flanco com seu corpo. Ela apoiou a
bochecha contra seu peito, acariciou seu ventre, e pronunciou seu nome
brandamente. Uma e outra vez e outra vez .
Repetiu-o uma dúzia de vezes antes de que ela o sentisse despertar. Soube
porque esse sussurro sem ar, deteve-se. Mas ele não se moveu, mas sim ficou
convexo em perfeita quietude.
—Marido? murmurou. Está bem?
Quando ele não respondeu, ela levantou para sentar-se ao seu lado e
procurou seu rosto com olhos preocupados. O braço de seu marido caiu sobre
a cama, como se ele já não tivesse forças. Estava pálido, mas talvez fosse a
luz cinza nublada que entrava pelas janelas.
—Lucien, estava tendo um pesadelo. Com cuidado, ela estendeu a mão e o
acariciou na bochecha, necessitando o contato provavelmente mais do que ele
necessitava do seu. Já terminou. Por favor, me diga que está bem.
Passaram vários minutos, várias batidas de seu débil coração, antes que
seus olhos escuros e inquietos encontrassem os dela. Eram ilegíveis, mas
brilhavam à luz débil. Ele deu a volta para respirar um pouco,mas logo se
voltou negando-se a olhá-la, porém em troca estendeu uma mão para lhe
acariciar a parte baixa das costas através de sua camisola.
—Estou bem. Deve voltar a dormir.
Ela sacudiu a cabeça.
—Seu sonho, deve ter sido terrível.
Ele se afastou, jogando para trás as cobertas e sentando-se na borda da
cama. Ela viu como suas fortes costas nuas se curvavam e deixava cair a
cabeça uns momentos, antes que levantasse e se dirigisse para o vestuário.
Não respondeu à sua pergunta. Não disse mais uma palavra. Simplesmente
colocou seu traje de montar, retornou à cama para depositar um beijo suave
em sua fronte e logo a deixou sozinha, perguntando-se o que tinha
acontecido.
~~*
Capítulo 19
"Uma mulher tem necessidades, Charles. Por desgraça para ti, as
principais são as mais caras." —A Marquesa Viúva do Wallingham a seu
filho, Lorde Wallingham, ao ser
confrontada com a fatura de um dia de extravagância na loja da senhora
Bell em Upper King Street.”
Dê uma olhada nisto. Vitória empurrou outra ilustração de moda por baixo
do nariz de Jane e observou a sua nova amiga fechar os olhos. Vamos, a
cintura é perfeita. É um pouco mais baixa que a maioria dos estilos atuais,
mas acredito que para sua figura…
—Quer dizer para a figura de um morango gigante? Foi a resposta irônica.
Por favor. A menos que o tecido converta magicamente uma esfera em um
cilindro, este vestido não resultaria mais adulador que qualquer outro de meu
armário.
Vitória soprou.
—Tolices. Não é uma esfera. Simplesmente é generosamente dotada de
amplas curvas.
Jane voltou-se para enfrentar Vitória, que estava sentada ao seu lado em
um sofá na loja da senhora Bowman. Tirou os óculos e rapidamente os
ofereceu.
—Toma, disse. Temo que os necessita mais do que eu.
Rindo das palhaçadas de sua amiga, Vitória negou com a cabeça e
retornou ao exame dos esboços de vestidos e acessórios.
—Realmente desfruta disto, verdade? perguntou Jane.
Vitória levantou a vista, vendo a genuína perplexidade no rosto da jovem.
—Apela ao meu amor pela beleza, respondeu ela. A moda é a cor, a forma
e a textura. Realça a figura de um. Encolheu-se de ombros. De certo modo, é
como a pintura.
No lado oposto da habitação, a senhora Bowman se movia com largas
passadas, fazendo grandes dramalhões com os braços, repartindo instruções
em um inglês com acento, e com dois assistentes seguindo-a como
cachorrinhos. De repente, deteve-se no meio da frase, seus olhos centrando-se
em Jane. Vitória olhou à sua amiga, que permanecia imóvel em seu lugar. A
senhora Bowman se dirigiu para elas, uma ligeira ruga assentando-se entre
suas sobrancelhas escuras.
—Spaventoso, murmurou a mulher elegante, seu olhar fixo no vestido de
Jane. Vitória não podia estar segura, já que sabia só um pouco de italiano,
mas pensou que o comentário da costureira era algo na linha de "atroz". A
senhora Bowman inclinou-se para a frente e puxou a manga de cor amarela
pálida de Jane, a qual se inchou nos ombros para continuando, desinflar-se
com certa tristeza. Mmm grunhiu a costureira. Quem a viu?
A cabeça de Jane tombou um pouco para trás.
—P…? Perdão?
Vitória decidiu intervir antes de que a aversão de Jane por esta saída
piorasse.
—Senhora Bowman, apresento-lhe Lady Jane Huxley, filha de Lorde e
Lady Berne. Lady Jane, esta é a senhora Bowman.
Jane ficou de pé, seu rosto ruborizando-se ligeiramente. Saudou a
costureira, que seguiu-a examinando com clínica desaprovação.
—Pensei que talvez um ou dois vestidos novos poderiam… começou
Vitória, só para ser interrompida por uma larga série de palavras em italiano.
Ah, perdão?
Parecendo impaciente, a senhora Bowman voltou a estalar os dedos a um
assistente.
—Leve-a à parte de trás. Devemos tomar medidas primeiro.
—Ah, mas eu pensei que só íamos ver ilustrações de moda, protestou Jane
fracamente, sua voz desvanecendo-se quando a senhora Bowman a agarrou
pelo braço e a empurrou para a porta com cortinas na zona dos provadores.
Meia hora mais tarde, Jane apareceu pela mesma cortina, sua cara um
estudo da miséria, seu cabelo ligeiramente despenteado, seu vestido amarelo
enrugado em um lado. Parecia como se tivesse sido apanhada em um violento
torvelinho.
—OH céus, disse Vitória, sufocando um inapropriado impulso de rir. Foi
horrível, então?
Jane recolheu seu xale de onde o tinha deixado no sofá, bufou e empurrou
seus óculos mais para cima sobre seu pequeno nariz redondo.
—Isso depende da perspectiva, respondeu de maneira casual. Você gosta
da tortura de um milhar de diminutos alfinetes e uma humilhação extrema,
enquanto está sem roupa?
Vitória negou com a cabeça.
—Então, sim. Acredito que "terrível" seria um termo preciso.
Apesar da resistência e dos numerosos protestos de Jane, durante a
seguinte hora a senhora Bowman e seus dois ajudantes elaboraram um pedido
de uma vertiginosa série de vestidos, muitos em cores mais escuras, mais
dramáticos dos que eram típicos para uma senhorita em sua primeira ou
segunda temporada. A costureira comandou o esforço como um condutor de
uma grande sinfonia, agitando as mãos teatralmente, frases italianas
misturadas com inglês. Finalmente, a ordem de oito páginas se apresentou
ante Jane, que lhe jogou um olhar e empalideceu até quase a cor do giz. Com
os olhos muito abertos, Jane negou com a cabeça, primeiro lentamente, logo
rapidamente.
—Absolutamente não.
—OH, mas Jane, deve considerar ao menos o vestido bronze…, protestou
Vitória, só para ser detida pelo olhar impassível de sua amiga.
—Possivelmente fica um mês da temporada, disse Jane. Este tipo de
extravagância não pode-se justificar, nem sequer para uma estréia. E eu estou
muito além disso.
Isso era certo. Jane estava em sua segunda temporada, e ainda não tinha
nem um único pretendente, muito menos uma proposta. Aos dezenove anos,
ainda tinha tempo antes de que a considerassem uma encalhada, mas Vitória
tinha a esperança que um novo vestuário poderia revitalizar as perspectivas
de sua amiga e aumentar sua confiança. Assim como estavam as coisas, Jane
era uma solteirona por excelência: silenciosa, incolor e invisível. E com seu
rechaço aos esforços da senhora Bowman, parecia pouco provável que isso
mudasse.
—Ora! burlou-se a senhora Bowman. Os ingleses. Frios como peixes e
igualmente miseráveis. A costureira arrancou as páginas da mão de Jane e lhe
dirigiu um olhar imperioso. Volte quando se cansar de parecer uma bola de
massa. Girou sobre seus calcanhares e se afastou, suas assistentes seguindo-a
como duas sombras.
Desconcertada Jane olhou Vitória, que encolheu os ombros como
desculpando-se.
—Bem, disse Jane energicamente. Não sei você, mas a menção de bolas de
massa me despertou o apetite. Tomamos um descanso para o almoço?
Sorrindo ante o bom humor de sua amiga, Vitória concordou e entrelaçou
o braço com o de Jane. Enquanto estavam fora da loja esperando a carruagem
dos Berne, Vitória sentiu cócegas no pescoço. Era uma sensação da mais
estranha, quase como se alguém a estivesse olhando sem o seu conhecimento.
Olhou ao seu redor, às concorridas cercânias ao longo da rua Bond, mas não
viu nada estranho. Era muito peculiar. Havia experimentado a sensação em
outras duas ocasiões recentemente, mas não tinha sido capaz de precisar sua
origem. Girando a cabeça para procurar outra vez entre a multidão, olhou da
esquerda à direita, só para congelar-se quando viu uma cara familiar.
Mary Thorpe, irmã do conde do Dunston, saiu de uma loja vizinha e se
encaminhava para elas, sua pequena figura e o cabelo cor canela reconhecível
imediatamente entre a multidão de senhoritas loiras que a acompanhavam.
Embora Vitória não fosse especialmente próxima a Mary, tinham a mesma
idade e seus irmãos eram bons amigos. Dáva-se muito bem com a garota, que
sempre tinha sido perfeitamente amável. Vitória até a tinha considerado como
uma possível esposa para o Harrison, se ele voltasse sua atenção a buscar
uma.
Preparando-se para saudar a garota, a quem não tinha visto em semanas,
Vitória se ergueu um pouco mais e virou em direção ao grupo. Várias das
loiras encontraram seus olhos imediatamente ficando rígidas, então
começaram a murmurar entre si. Os olhos da Mary se mantinham focados
para a frente, boca rígida, enquanto o grupo aproximava-se. Logo, justo antes
de que tivessem alcançado Vitória e à Jane, as garotas detiveram-se,
cruzaram para o lado oposto da rua Bond, e continuaram para o norte por
uma curta distância antes de cruzar a rua de novo para reatar seu curso
original.
Encolheu-lhe o estômago. Sentia a enfermidade da vergonha
transbordando-a, o pico do calor estabelecendo-se em suas bochechas. O que
Mary e suas amigas acabavam de fazer era o mais próximo do desprezo
direto sem uma confrontação direta. Evitá-la de forma tão deliberada, como
se simplesmente respirar o mesmo ar que Vitória de alguma maneira as fosse
corromper, era um claro sinal de que o escândalo continuava, um veneno que
não podia ser drenado.
—Vi uma pomba fazer isso uma vez, interrompeu Jane com voz seca.
Resulta que a pobre se pegou na cabeça. É de esperar suponho, quando o
cérebro não funciona como devesse.
Vitória se esforçou para sorrir, tragando saliva. Jane lhe apertou o braço
para tranqüilizá-la. Foi então quando lhe ocorreu quão arriscado era sua
associação para a reputação de Jane. Se seu plano fracassava, ser vista com o
propósito de tal notoriedade poderia manchar a jovem e danificar
permanentemente suas possibilidades de um matrimônio.
—Jane, eu... começou Vitória, mas foi interrompida quando a carruagem
saiu do beco e se deteve em frente a elas.
—Ah, por fim! suspirou Jane, esperando que o lacaio abrisse a porta. Ela
entrou, correndo rapidamente pelo assento para dar espaço a Vitória. Quando
Vitória acomodou-se no banco, Jane aproximou-se e lhe acariciou a mão. Em
nossa próxima saída, levarei-te às compras de livros. Há um lugar no
Piccadilly que lhe encantará. Bom, eu acredito que o fará, mas na realidade
não sou muito imparcial…
—Jane, interrompeu Vitória odiando este momento.. Estou muito
agradecida de ter sua amizade, mas... As lágrimas, malditas e rebeldes
lágrimas, brotaram de seus olhos, afogando suas palavras bem intencionadas.
Tinha tão poucos amigos verdadeiros. A maioria de suas amizades femininas
eram mais como Mary Thorpe, educadas e agradáveis, mas superficiais. Nas
últimas duas semanas, Jane havia se tornado mais querida para ela que todas
elas juntas, sua natureza calma e humor generoso, um bálsamo para o espírito
de Vitória. Enquanto Lucien e Vitória tinham estabelecido uma espécie de
cautelosa cordialidade, não tinham reatado sua amizade anterior, nem ele
havia feito alguma proposta da variedade amorosa. Era do mais
decepcionante… né, refrescante. Sim, refrescante ser ignorada pelo marido.
Respirou fundo para reunir coragem e continuou: —Até que acontecesse
comigo, nunca pensei muito a respeito das pessoas envolvidas em escândalos.
Sentimos muito por eles, suponho. Que tivessem cometido um engano tão
grande. Mas isto é... é doloroso, Jane. Ela levantou a vista de suas mãos
enluvadas para encontrar os quentes olhos castanhos de Jane. Recordam
constantemente sua humilhação. Ser desprezada por todos ao seu redor. Não
acredito que possa suportar…
—Tolices, respondeu Jane com firmeza. Se eu posso suportar as pressões e
as espetadas das poderosas forquilhas da senhora Bowman, você pode
suportar isto. Vai melhorar, já o verá. Lady Wallingham o disse, e portanto
será assim.
Isto trouxe um breve sorriso ao rosto de Vitória.
—Ia dizer que não creio que possa suportar que você sofra de algum modo
por minha causa. Este escândalo já significou uma carga terrível para meu
irmão, o duque.
Jane ficou estranhamente calada, sua expressão fechada.
—Ainda não soubeste nada dele?
Vitória negou com a cabeça.
—Lucien me proibiu de me colocar em contato com ele, mas não há nada
que impessa ao Harrison me escrever ou me visitar.
—Talvez Lorde Atherbourne o advertiu para que se mantenha afastado.
—Pode ser que seja assim. Mas meu irmão não é um dos que aceitem uma
demanda como essa. Não, depois do acontecido no teatro, temo que Harrison
está zangado comigo. Decepcionado, sem dúvida. Preocupado por estar
ligado além de um escândalo.
Observou os lábios de Jane franzir-se em firme desaprovação. Não é um
assunto menor, Jane. Você poderia ter sua reputação arruinada, também.
Talvez não nos devessem ver juntas até que as coisas estejam mais…
assentadas.
Uma sobrancelha escura se elevou por cima da borda de seus redondos
óculos.
—Está claro que muitos dos meus pretendentes vão me abandonar, e me
deixarão para sumir no isolamento das periferias dos salões de baile de
Londres. Sem ser anunciada. Sem ser notada. Sem ter com quem dançar. OH,
que horror.
—Jane... sussurrou, finalmente, rindo e sacudindo a cabeça.
—Além disso, disse Jane, seu tom migrando do sarcasmo à determinação.
Não vou permitir que uma manada de ignorantes de mente estreita ditem com
quem posso me associar. Realmente. Como se fossem tão perfeitas. Adorra
Spencer tem dentes maiores que minhas sapatilhas. E então comecemos com
Lady Phillipa Martin-Mace. Jane soprou com desgosto ante duas das quatro
loiras que tinham cruzado Bond Street para evitar Vitória. Vi-a chutar um cão
uma vez. O pobre. Dá-me lástima o homem que casar-se com ela. Ele terá
hematomas negros e azuis, recorde minhas palavras.
A carruagem se deteve frente à residência Berne. Antes de que o lacaio
abrisse a porta, Vitória pegou a pequena mão de Jane e a apertou
carinhosamente.
—Não sei o que fiz para merecer uma querida amiga como você, mas
estou muito agradecida, disse com suavidade. Se decidir que é prudente
manter distância, não vou pensar mal de ti.
—Bem, mas eu o faria, replicou Jane. Vamos almoçar. Parece-me que uma
boa comida faz muito para acalmar os nervos.
Saíram da carruagem na calçada em frente da casa da cidade dos Berne, e
outra vez, Vitória sentiu esse estranho comichão na parte posterior de seu
pescoço. Foi um tremor pequeno, localizado na parte superior das costas,
sensação que lhe arrepiava os pêlos da pele. Imediatamente girou em círculo,
seus olhos procurando na rua tranqüila.
Alí! Um homem de cabelo escuro, que levava um casaco e um chapéu alto
abaixado até a testa. A asa fazia que ficasse difícil ver seu rosto, mas sua
roupa parecia um pouco gasta e enrugada. Algo em sua atitude, seu passo
arrastando os pés, sugeriu que não pertencia a esta rua, entre estas casas. Ele
ficou olhando um momento e logo desviou o olhar, passeando casualmente
na direção oposta para desaparecer por um conjunto de escadas na área de
baixo de uma das casas.
Deve ser um servente ou um repartidor. Ela sacudiu a cabeça,
perguntando-se se talvez sua imaginação a estivesse traindo.
—Vitória vem? chamou Jane da porta.
Ela se pegou sorrindo de verdade e subiu os degraus para enlaçar os braços
de sua amiga enquanto entravam.
—Então vamos falar desta livraria que queria que visitasse.
~~*
Capítulo 20
"Hei-o dito antes, e o direi uma vez mais: os homens inteligentes são
perigosos. É bom que hajam muito poucos. " —A Marquesa Viúva do
Wallingham a Lady Berne depois de reunir-se em privado com o primeiro-
ministro.
~~*
A luz do sol salpicada tecia um feitiço deslumbrante enquanto Vitória
passeava de braço dado com seu marido. Hyde Park não era tão bonito como
as terras ao redor do Blackmore Hall, mas tinha seu próprio tipo de beleza:
verde, aberto e ordenado em meio da pedra, tijolo e a sujeira de Londres. Ela
suspeitava que sempre preferiria o campo, mas caminhar no parque era uma
delícia, sobretudo em um estranho dia ensolarado.
Seria uma pena arruinar um interlúdio tão pacífico, mas teria que fazer
algo. Nas semanas transcorridas da confrontação no teatro, Lucien tinha se
afastado dela, comportando-se nem mais nem menos como se ela fosse uma
convidada: era educado, inclusive cavalheiresco. Muito inquietante.
Logo estavam os pesadelos. Enquanto que ele tomava cuidado de não
tocá-la, seguia dormindo ao seu lado. Três vezes despertou para encontrá-lo
congelado dentro de um inferno escuro. Nada do que fazia parecia ajudar, e
ele ignorava seus intentos de acalmá-lo, freqüentemente desaparecendo da
cama antes do amanhecer. Ela sabia muito pouco sobre quantos segredos
pesavam na cabeça de Lucien, e o último que queria fazer era lhe causar dor,
mas esperar pacientemente que ele abordasse o tema tinha sido infrutífero.
Vá, justo ontem tinha retornado à montar com Lorde Tannenbrook,
robusto e avermelhado, cheirando a brisa matinal quando ele passou junto a
ela no corredor fora de seu estúdio.
—É cedo para estar tão cheio de vigor, meu senhor marido. Estava
brincando, querendo ver o sorriso que era tanto uma parte dele.
Pela primeira vez em muito tempo, lhe foi agradável, seus olhos brilhando
quando baixaram para posar-se em seu sutiã.
—Notável o que um pouco de ar fresco pode fazer por um homem.
Como era costume quando ele agia assim, ela se sentiu quente e débil,
suspirando e apoiando as costas contra a porta. Só que a porta não estava alí.
Roçou suas costas e desapareceu atrás dela. Entrou cambaleando em seu
estúdio, e ele deu um salto para diante para apanhá-la, seu queixo roçando
sua fronte. Rindo, ela apoiou as mãos em seus braços e estabilizou aos dois,
dizendo: —Esqueci que a abri antes.
Sentindo-o esticar-se de forma inesperada, perguntou-se se talvez ele
estivesse passando mal. Mas isso não tinha sentido; era tão forte como um
puro sangue, apenas propenso a torcer os tornozelos ou coisas assim. Sua
risada foi diminuindo até morrer por completo quando deu uma olhada em
seu rosto. Ele tinha empalidecido ao branco puro, seus olhos vazios enquanto
olhava fixamente por cima do ombro de Vitória.
—O que aconteceu, Lucien? Tinha lhe perguntado, girando para olhar a
habitação, perguntando-se o que lhe tinha chamado tanto a atenção. Tudo
parecia estar em ordem. Incapaz de encontrar uma causa óbvia, voltou-se de
novo para seu marido, que mantinha-se congelado justo na entrada da porta,
os músculos de seu rosto rígidos.
Durante longos minutos, ele simplesmente ficou olhando as paredes da
habitação. Ela pronunciou seu nome várias vezes, mas não parecia escutar.
Ele passou os olhos por sua cara sem um reconhecimento, logo retornaram a
um ponto no piso de madeira justo em frente à chaminé. O gelo floresceu sob
sua pele enquanto o observava. Este homem era um estranho. Não seu
Lucien.
Isso a tinha aterrorizado tanto que tomou imediatamente as mãos e as
puxou tão forte o quanto pôde.
—Lucien! gritou, me responda. Imitou a voz que sua mãe utilizava quando
estava irritada com as palhaçadas de Colin: firme e com autoridade. Pareceu
funcionar quando seu rosto se voltou bruscamente para ela, e algo despertou
em seus olhos turbulentos. Tem que me dizer o que acontece.
Um estremecimento lhe tinha percorrido todo o corpo, similar ao tremor
do que tinha sido testemunha durante seus pesadelos. Isto era só dor?
perguntou-se. A perda de seu irmão tinha prejudicado sua mente de tal
maneira que estes episódios, de… que? Comoção? Desespero? Vinham como
uma tormenta repentina, aleatória e inquietante? Ela não sabia. Quão único
sabia era que lhe ocultava muito.
—O que acontece? Tinha perguntado de novo.
Ele havia se tornado rígido e se separou dela, caminhando lentamente para
a porta. As mãos dela se mantinham estendidas, esfriando mais a medida que
ele se retirava.
—Não é nada, sussurrou Lucien, logo sacudiu a cabeça energicamente, o
cabelo caindo sobre a fronte. Inspirou com dificuldade como um homem que
estava a ponto de afogar-se. Esclarecendo a garganta, repetiu sem olhá-la nos
olhos. Nada absolutamente.
E então, como se seguisse uma guia que só ele tinha lido, mas que devia
repetir-se cada vez que ela se aproximava muito da fonte de sua dor, afastou-
se e a deixou sozinha. Mais tarde, ele voltaria para a normalidade, atuando
como se o incidente nunca tivesse ocorrido.
Voltou para o presente quando um pássaro se precipitou diante deles.
Deixando para trás a lembrança, soltou um profundo suspiro.
—Isso foi bastante melancólico. No que está pensando?
Observando um sorriso em seu rosto, elevou a vista para Lucien que
caminhava ao seu lado, e sacudiu a cabeça.
—Em nada em particular. Só que prefiro o campo.
Seu olhar passeou sobre ela.
—Vamos ao Thornbridge no fim de junho, mas podemos partir antes se o
desejas. Tampouco tenho nenhum amor especial pela cidade.
Uma parte dela desejava dizer que sim, ir-se logo que fosse possível.
Esquecer que Londres existia. Lucien assumira que viajaria com ela à sua
casa de campo depois de terminada a temporada e que continuariam vivendo
juntos como marido e mulher. Ela, por outro lado, não estava segura de nada.
—Oxalá pudéssemos, disse com suavidade.
—E por que não podemos?
—Sabe por que. Terá que dançar o baile que a sociedade exige. Quanto
mais nos vejam nesta temporada, menos importará o escândalo no próximo
ano e no ano seguinte.
Ele ficou em silêncio por um longo tempo, aparentemente contente com
sua resposta. Tinham passado vários grupos de conhecidos anteriormente,
quando entraram pela primeira vez no parque, mas agora estavam sozinhos
nesta parte do caminho. Quando chegaram em um banco junto a um par de
árvores altas, Lucien fez um gesto para ela.
—Sentamo-nos?
Ela assentiu e se sentou, olhando à frente, para a verde extensão de grama
que bordeava o lago Serpentine.
—Sente falta? perguntou ela, sentindo a ligeira brisa em sua bochecha, o
calor do corpo de Lucien a seu lado no banco. De Thornbridge, quero dizer.
Ao sentir sua vacilação, levantou o olhar para seu rosto. Tinha o cenho
franzido.
—É formoso. Suspeito que você adorará.
Ela sorriu brandamente.
—Isso já disse. Cruzadas sobre o regaço, suas mãos se negavam a estarem
quietas, juntando e separando seus dedos.
—Por que é tão difícil? se perguntou. Só lhe pergunte.
—Recorda a seu… seu irmão?
Como era de esperar, a mera menção de Gregory fez com que Lucien se
esticasse. Não olhava a ela, a não ser à frente.
—A maioria das coisas me faz recordá-lo. A Casa Wyatt era dele também.
Ela esperou que continuasse, mas não o fez.
—Isso deve ser doloroso para ti, viver nos mesmos lugares, ser chamado
pelo mesmo título. Vacilando só um momento, ela pôs uma mão em seu
braço. Sentiu-o rígido onde ela o tocou, mas permaneceu calado. O sulco
entre suas sobrancelhas podia ser tristeza ou irritação, não podia estar segura.
Mas ela estava decidida a ter esta conversação, assim seguiu adiante.
—Quando meus pais... quando morreram, eu os imaginava em todas as
partes. Inclusive me pareceu ver mamãe uma vez no salão matinal do
Blackmore Hall. Dava a volta e dei-me conta que não era mais que uma
sombra. Sua voz se fez mais tênue. Recordar era difícil, e ela sabia que era
pior, mais recente e cru para Lucien. Foi muito próximo ao Gregory, não é
assim?
Parecia cativado pela visão de sua mão apoiada em seu antebraço.
—Tão próximos como podiam ser os irmãos, suponho. Estive fora muito
tempo.
—Com a cavalaria.
—Sim.
Fez-se o silêncio entre eles. Sua relutância em falar de seu passado, da
morte de seu irmão era evidente, uma força pressionando sua retirada. Mas
ela não o faria. Se negava a ceder.
—Mas sente sua falta.
Pouco a pouco, seus olhos se elevaram para encontrar-se com os seus.
Uma dor oca e terrível enchia suas escuras profundidades.
—Sim, disse com voz áspera. Sinto saudades.
Deslizando a mão por seu braço para estreitar seus dedos, ela os apertou
com força e apoiou-se nele, colocando seu rosto a centímetros do dele.
—Isso é como deve ser. Quando uma conexão deste tipo foi rompida, é
como se uma parte tua se foi.
A garganta do Lucien se moveu de forma visível, e seu olhar caiu às mãos
dela agora segurando as suas, sustentando-o no lugar.
Sentindo que estava transpassando uma barreira que tinha estado entre eles
desde o princípio, Vitória continuou: —Não crê que eu me sentiria igual?
A tensão alagou seu corpo.
—Vitória...
—Sou sua esposa, Lucien. Ele era seu irmão. E sim é certo, Harrison
participou de sua morte…
—Não quero falar disto.
—.…, mas não pode ver como sua insistência em me manter separada do
meu irmão…?
Desprendeu-se de suas mãos e levantou bruscamente.
—Dissete que não quero falar disto. Devemos voltar para casa.
Ela se levantou também, desgostosa com sua teimosia. Golpeou o chão
com o pé e o fulminou com o olhar.
—E se estiver grávida? Pensaste nisso?
Seus olhos se abriram de maneira alarmante, caindo sobre seu ventre e
voando de volta ao seu rosto.
—Está ...?
Vitória cruzou os braços, satisfeita de provocar por fim uma reação no
grande tosco.
—O bebê seria parte Lacey, verdade?
Lucien pareceu horrorizado e estupefato, como se tivesse segurado uma
truta pela cauda e lhe tivesse golpeado na cara. Agarrou-a pelos ombros.
—Está grávida, Vitória?
—Não. Não creio. Ela viu que parecia decepcionado, logo receoso.
Simplesmente estava assinalando que você está ligado ao Harrison através de
mim. E através dos filhos que teríamos juntos.
Ele soprou, aparentemente recuperando o equilíbrio.
—Talvez não esteja consciente querida, mas certas atividades são
necessárias para engendrar filhos.
—Está dizendo que você gostaria de reatar... certas atividades?
Com as sobrancelhas arqueadas, ele cruzou os braços sobre o peito,
imitando sua própria postura.
—E a ti?
De repente, incômoda com o lugar público, Vitória deu uma olhada ao
redor do parque, mais tranquila ao ver que ninguém estava suficientemente
perto para escutar.
—Tem razão. Devemos voltar para casa. Está tarde.
Lucien sorriu com malícia e baixou a cabeça para a dela.
—Tão ansiosa amor. Não se preocupe. Estou sempre à sua disposição.
Ruborizada, deu uma ligeira palmada no braço e se dispôs a empreender
seu caminho.
—Quis dizer que já é tarde para o assunto Rutherford.
Um divertido "mm" foi a única resposta que recebeu.
Caminharam em silêncio durante longos minutos até que chegaram a zona
mais concorrida do parque, onde sentiu sua mão deslizar dentro da dela para
logo envolvê-la de forma segura no oco de seu braço. Surpreendida, lhe
lançou um olhar especulativo. Ele respondeu com um sutil movimento de
cabeça para um pequeno grupo de matronas paradas perto da entrada do
parque.
—OH, sim. Supõe-se que estamos apaixonados, pensou, deixando escapar
um pequeno suspiro de decepção. Estranho como alguém se esquece dessas
coisas.
À medida que se aproximavam do grupo, as damas os olhavam e
murmuravam atrás de suas mãos. Uma delas, a viúva de Lorde Underwood,
se Vitória não se equivocara, tinha uma expressão de desaprovação e um feio
casaco cinza abotoado até o queixo bicudo. Era bastante surpreendente ver
Lady Underwood franzir mais o rosto do que ohabitual, mas tal tinha sido a
reação de muitas damas após o escândalo.
Lucien diminuiu o passo como se tivesse a intenção de parar para
conversar. Vitória puxou seu braço.
—Sigamos adiante marido, murmurou.
Levantando uma sobrancelha, olhou para ela e para Lady Underwood, que
agora elevara o nariz e deliberadamente lhes deu as costas. Um tic apareceu
em sua mandíbula. Sob os dedos de
Vitória, seus músculos se voltaram duros como pedras.
—Não ainda. Puxando-os para a frente, seus passos se fizeram
determinados.
Vitória sussurrou: —O que está fazendo? Realmente a expressão de seus
olhos era preocupante.
Ele sorriu. Isso não fez nada para confortá-la.
—Lucien? disse entredentes.
Ele não respondeu. Mas então, estavam a poucos passos das mulheres, a
maioria das quais conversavam entre si, fingindo não vê-los.
—Senhoras! disse com jovialidade. Uma formosa tarde, não?
Duas delas, uma moça com um vestido azul e uma senhora com um
semblante alegremente enrugado e um brilho em seus olhos, voltaram-se para
saudá-los, mas o resto do grupo atuou como se não o tivesse ouvido.
—Lorde Atherbourne, não é assim? inquiriu a mulher mais velha. Vitória
não a reconheceu, mas imediatamente quis desenhá-la; inclusive as rugas da
mulher pareciam estar sorrindo.
Ele fez uma reverência.
—Lady Darnham, passou-se muito tempo.
A mulher mais jovem, que olhava fixamente ao Lucien de uma maneira do
mais desconcertante permaneceu em silêncio e com os olhos muito abertos.
Lady Darnham a apresentou como sua neta, senhorita Clarissa Meadows. Por
sua vez, Lucien apresentou Vitória. As costas de Lady Underwood se
mantinham como uma parede de lã cinza atrás das duas mulheres, embora as
outras três do grupo estavam paradas de lado, lançando olhares à Vitória,
aparentemente indecisas se saudá-la constituía uma violação da pureza moral.
—E quem são suas acompanhantes? perguntou seu marido inocentemente.
Por dentro, Vitória se encolheu. OH, céus. Isto não ia terminar bem.
Lady Darnham apresentou as outras. As damas que estavam de lado se
voltaram três quartos para Vitória, inclinando a cabeça à medida que eram
nomeadas.
Era um bom sinal, supunha. Ao menos reconheciam sua presença. Lady
Underwood, entretanto, não se deixou influenciar tão facilmente. Quando
finalmente virou-se para eles, seus frios olhos negros olharam por cima do
ombro de Vitória, seu silêncio uma firme condenação.
Lucien entreabriu os olhos e tocou o queixo.
—Underwood, Underwood. Ah, sim. Agora recordo. Encontrei-me com
seu marido em várias ocasiões. Um bom tipo. Nunca conheci ninguém com
um nariz melhor para o bom brandy e se sair tão bem com os jogos perigosos.
As damas se moveram nervosamente. Vitória esperava que sua piscada
rápida fosse o único sinal externo de alarme. Lucien, por favor, não faça isto,
pensou. Mas ele não recebeu sua tácita mensagem frenética. Deus a ajudasse,
ele carregou munição como um cavalheiro em guerra armado com afiadas
insinuações.
—Sua avaliação pelos prazeres da vida não tinha igual em minha opinião.
Agora, alguns dizem que ele mesmo agradeceu ter uma morte prematura, mas
não eu. Esses rumores não são mais que conjecturas.
Com a cara vermelha e os olhos entreabertos, Lady Underwood cuspiu:
—Você é um vil mentiroso, senhor.
—Mentiroso? OH não, asseguro-lhe que não acredito numa palavra disso.
Que tipo de desgraçado decadente e desonroso seria se desse crédito a toda
acusação sensacional que dizem os rumores? Ele soltou uma risada
zombeteira. Uma triste desculpa de cavalheiro, me atreveria a dizer. E
dolorosamente aborrecido, ainda por cima.
—Lucien, murmurou Vitória entredentes. Faz que se detenha, Senhor. Por
favor.
Lady Darnham se esclareceu a garganta, mas antes de que pudesse intervir
com alguma mudança de tema educado, Lady Underwood girou sobre seus
calcanhares e se afastou,uma figura rígida, cinza caminhando sozinha pelo
caminho para Park Lane.
—Bem, disse Lucien alegremente, dedicando a todas um amplo e
devastador sorriso. Espero que desfrutem deste estranho céu azul que temos a
graça de ter hoje, senhoras. Ele enviou a Vitória um olhar de adoração
ardente. É óbvio, quando estou com Lady Atherbourne, o esplendor do bom
tempo se torna uma insignificância. Sua beleza eclipsa inclusive o sol de um
dia ensolarado.
Vitória pensou que tinha ouvido a senhorita Clarissa Meadows suspirar de
saudade. Mas talvez fosse ela mesma. Depois de despedir-se, ela se arrumou
para recuperar-se da onda de calor e da líquida debilidade, murmurando ao
Lucien: —Era realmente necessário?
Seu sorriso se desvaneceu, sua expressão agora dura e decidida.
—Ninguém te dá as costas sem pagar o preço.
OH, céus, pensou ela, agarrando seu braço um pouco mais forte. Aí está
essa debilidade de novo. Era difícil dizer o que era pior: vê-lo fingir estar
apaixonado por ela ou desejar mais que tudo que fosse certo.
~~*
Capítulo 21
"Os ciúmes podem ser tediosos, mas úteis. E, ocasionalmente, graciosos. "
—A Marquesa Viúva do Wallingham à Lady Colchester, sobre sua queixa de
que Lady Reedham tinha levado seu novo cozinheiro francês.
Realmente deveria deixar de olhar minha esposa, pensou Lucien. Não
menos que quatro cavalheiros tinham se aproximado desde que ele e Vitória
chegaram à velada de Lady Rutherford. Cada um havia sentido a necessidade
de mencionar os rumores de seu amor, as pessoas citando estórias de Lucien
escapando com sua esposa do teatro, outro burlando-se por estar "enredado
nas saias de uma mulher", e outros dois notando sua relutância em afastar os
olhos dela, quando cruzou o salão de baile Rutherford para conversar com
Jane Huxley.
Era certo que isto tinha sido parte do plano para restaurar sua reputação,
recordou-se. De fato, resultava-lhe bastante fácil interpretar o papel de
pretendente cativado. Nem sequer tinha se esforçado muito. Talvez nada,
pensou com o cenho franzido.
Mas não serviria de nada converter-se em um bobo.
Mas olhando-a, sussurrou uma voz em sua cabeça. Não é deliciosa? A
forma que se ilumina quando ri, a forma que seus quadris se movem quando
caminha, a forma em que seus olhos se suavizam e se derretem só por mim.
Um homem teria que ser estúpido para não estar fascinado com uma
criatura como ela.
Esta noite, levava um vestido da cor de um pôr-do-sol: brilhante, de um
rosa cândido com o toque de laranja de um véu reluzente e translúcido.
Decorado com tule e rosas na prega, supôs que não era muito diferente do
que levavam outras damas. Mas a cor vibrante, a forma em que o vestido
parecia mover-se e aferrar-se a cada curva, e sobretudo a mulher dentro dele,
atraía sua atenção com uma intensidade hipnótica.
O golpe de um fortificação golpeando o chão a seu lado desviou sua
atenção.
—Lorde Rutherford disse, saudando o velho com uma cortês inclinação de
cabeça. Me deu a entender que não assistiria à celebração desta noite.
Com quase setenta anos, o Marquês do Rutherford estava quase
completamente calvo, salvo pelo comprido e bicudo conjunto de bigodes
flanqueando suas bochechas. Era um surpreendente contraste com sua bela, e
muito mais jovem esposa, de quem estava a dez passos, paquerando um
jovem recém saído da sala-de-aula. Em seu melhor momento, Lady
Rutherford tinha sido comparada a uma deusa, e de fato, sua loira perfeição
era bem semelhante a de Vênus, inclusive agora que se aproximava dos
cinqüenta anos. Sua moral também se assemelhava a da deusa romana do
amor, já que era legendária por seus muitos namoricos. Sua busca de
estimulação estava muito além do desespero, e quando sua beleza tinha
começado a desvanecer-se, ela tinha se convertido na anfitriã de eventos
luxuriosos, aos que assistiam as más línguas mais virulentas e as figuras mais
escandalosas da aristocracia. Tudo pela excitação de revolver o vespeiro, por
assim dizê-lo.
Dizia-se que Lorde Rutherford desprezava os entretenimentos que sua
esposa desfrutava organizar. Por outro lado, dizia-se que desprezava também
a sua esposa. Agora o homem pigarreou e se apoiou em sua fortificação,
observando à multidão com olhos entreabertos, um olhar de desgosto em seu
rosto enrugado e manchado pela idade.
—De vez em quando devo tolerar as coisas de mau gosto, Atherbourne.
Por uma causa adequada, entende-se.
Lucien murmurou uma resposta evasiva e deixou que seus olhos
pousassem onde mais queriam estar: em Vitória. Ela ria de algo que Lady
Berne estava dizendo, o queixo ligeiramente curvado inclinando-se para
cima. Jane Huxley lhe tocou o braço e apontou para um conjunto de portas no
lado oposto do salão, justo além de onde ele se encontrava. Vitória olhou para
elas e se chocou com seus olhos. Inclusive desta distância, ele pôde ver que
lhe acelerava a respiração, pestanejava rapidamente e seus lábios se
entreabriam. Uma de suas mãos se assentou sobre seu abdômen como
tratando de conter-se.
Ele conhecia a sensação.
—Digo Atherbourne, seu irmão por acaso, mencionou seu desejo de
comprar uma de minhas propriedades do Sussex? A voz crepitante de Lorde
Rutherford obrigou Lucien a voltar sua atenção ao ancião.
Lucien sacudiu a cabeça, em parte para esclarecê-la e em parte para
responder a Rutherford. Os olhos do homem, de um turquesa profundo que
estava descolorido e leitoso pela idade, ainda refletiam uma inteligência
ardilosa.
—Uma zona de bosques superior. Excelente para a caça. Ao continuar
falando durante vários minutos sobre a casa do século XVI e seus terrenos,
Rutherford conseguiu manter o interesse de Lucien, mas só porque tinha
curiosidade da razão pela qual o marquês estava tão interessado em vender.
Em necessidade de recursos? perguntou-se Lucien.
.... seu irmão já quase tinha tomado posse do lugar antes que ele …. O
ancião deteve-se no meio da frase, entrecerrando os olhos ao distinguir
alguém de pé perto da estátua do Poseidón colocada entre duas colunas em
um extremo do salão. Lucien seguiu seu olhar e viu Benedict Chatham, com
um braço apoiado no joelho de Poseidón, parecendo decididamente
aborrecido e um pouco mais desalinhado que de costume.
Rutherford se desculpou imediatamente e se dirigiu ao seu filho.
Vejo problemas, pensou Lucien, cruzando os braços e apoiando as costas
na parede. Igual a antes, seu olhar gravitou de novo aonde tinha visto pela
última vez a Vitória, como uma bola de bilhar seguindo um sulco.
Ela não estava alí. Procurou entre a multidão, encontrando Jane Huxley
sentada junto a uma parede, olhos baixos, olhando suas mãos. Logo viu Lady
Berne e Annabelle Huxley falando animadamente com um grupo de
jovenzinhas. Nada de Vitória.
Ele se separou da parede e examinou o salão de baile. Onde diabos estava?
Pela extremidade do olho, alcançou ver um brilho de seda rosado em meio
aos bailarinos que giravam. Estava… dançando? Sim, deu-se conta quando
sua cabeça dourada baixava e se levantava de novo com os movimentos de
um reel animado.
Franzindo o cenho com ferocidade, evitou um grupo de jovens cavalheiros
rindo à gargalhadas por um recente percalço com um faetón, e rapidamente
abriu caminho até a borda da pista de baile.
Então era Malby, pensou. Ela tinha como par o Sir Barnabus Malby, um
sapo gordo fedorento que inclusive agora, ofegava atrás dela lascivamente. É
obvio, poderia ser só que o peso do homem o deixasse sem fôlego, enquanto
tratava de seguir o ritmo dos passos da enérgica dança.
Apertando os dentes posteriores, Lucien sentiu a fúria desatar-se em suas
vísceras. Não, os olhos saltados do sapo estavam pegos em seus peitos, que
se agitavam deliciosamente enquanto ela se movia e balançavam ao
compasso da música.
Que demônios estava fazendo dançando com o Malby? Com qualquer um,
na realidade. Ela estava casada. Com ele. Se não estivesse seguro de que
ganharia a total indignação de Vitória, a seguraria por cima do ombro e a
arrastaria imediatamente de volta à Casa Wyatt. Ou melhor ainda, ao
Thornbridge. Só Vitória e ele, a sós em seu imóvel. Sim, isso seria ideal.
Mas, primeiro, estrangularia ao Sir Barnabus Malby até que os olhos do
sapo saltassem por uma razão muito diferente. Lucien fechou os punhos e
suas fossas nasais se dilataram em antecipação.
Vitória girou, e pôde ver sua cara de novo. Estava sorrindo brilhantemente,
claramente estava se divertindo muito. Deus, estava fantasiando matando a
um homem simplesmente por dançar com sua esposa. Respirando
profundamente para recuperar a calma, pouco a pouco, deliberadamente,
afrouxou os dedos. A fúria escura retrocedeu enquanto observava o deleite
em seu formoso rosto.
Paciência, pensou. Haverá tempo suficiente para matar o sapo mais tarde.
Primeiro, tinha que reclamar o que era dele. E de ninguém mais.
~~*
Fazendo uma encantadora reverência ao Sir Barnabus ante a conclusão do
reel, Vitória lhe agradeceu pela dança. O homem respirava com dificuldade
pelo esforço, seus olhos algo sobressalentes adquirindo proporções
inquietantes quando olharam além de seu ombro.
—Sir Barnabus, passa-lhe…?
—Parece que necessita um descanso, Malby. A suave declaração, feita
com os dentes apertados, veio detrás dela. Virou-se para ver Lucien, alto e
imponente, olhando com fúria ao cavalheiro mais baixo e grandemente mais
grosso. Respirar é algo precioso. Talvez o recordará na próxima vez que
coma com os olhos a esposa de outro homem.
Surpreendida por sua estranha reação, Vitória exclamou: —Lucien! Que
diabos…?
Sir Barnabus pressionou um lenço contra sua fronte úmida e balbuciou: —
Eu… eu, Atherbourne…
Lucien rodeou Vitória para colocar-se a menos de trinta centímetros do Sir
Barnabus. Sua postura agressiva transmitia uma ameaça inconfundível. Sir
Barnabus empalideceu e cambaleou para trás, murmurando: —Está muito
sufocante aqui. Possivelmente é melhor que vá.
O homem desapareceu entre a multidão, e Vitória puxou a manga de
Lucien para ganhar sua atenção.
—Não crê que está levando a farsa do marido possessivo um pouco longe,
milord? perguntou em voz baixa.
—Uma mulher dança com um homem só por duas razões, Vitória. Ela está
procurando um marido ou está tratando de pôr ciumento a alguém. Sua
expressão era uma estranha mescla de indignação, auto-satisfação e a típica
arrogância própria do Lucien.
—Isso como bem sabe, não tem nenhum sentido. Posso nomear ao menos
um motivo mais para que uma mulher aceitasse o convite de um cavalheiro
para dançar.
Ele arqueou uma sobrancelha interrogante.
Vitória se aproximou dele.
—Gosto de dançar.
Sua boca se curvou em um sorriso irônico.
—Possivelmente. Mas ela deveria escolher seu par de forma mais
inteligente.
—Talvez melhor par deveria convidar, respondeu ela coquetemente.
Quando começaram os primeiros acordes de uma valsa, Lucien respondeu
sem palavras, dando um passo atrás, inclinando-se com elegância, e
estendendo a mão para dela. Vitória vacilou só um momento antes de sorrir,
deslizar os dedos nos seus, e inclinar-se em uma reverência. Ele a tomou em
seus braços e os moveu com graça durante os passos da dança, seu corpo
muito perto, sua cara à distância de um beijo.
O tamanho e o calor dele a envolvia à medida que giravam e se
balançavam. Era a primeira vez que dançavam juntos, por isso deveria ter
estado surpreendida pela forma perfeita em que ele se movia. Mas não o
estava. Este era o Lucien que conhecia: sua confiança, sua força enquanto a
guiava, quase como se a estivesse carregando em seus braços. De fato, sentia-
se como flutuar. A alegria embriagadora de dançar com seu marido encheu
suas veias como o champanha, fazendo-a desejar rir em voz alta e roçar seus
formosos lábios com os seus. Sabendo que tal coisa era impossível causou
que a percorresse uma onda agridoce. Mas quando ele encontrou e sustentou
seu olhar, foi como se todo seu redor desaparecesse ficando só eles dois,
movendo-se juntos. Quando as notas finais da valsa se desvaneceram, ela
suspirou e murmurou: —Isso foi precioso, Lucien.
Antes de que ele pudesse responder, ambos viram Jane fazendo gestos
frenéticos ao lado da mesa de refrescos. A expressão da jovem, no geral,
fechada ou plácida, agora estava animada pela urgência.
—Acredito que lhe chamam .disse Lucien secamente.
Depois de desculpar-se, ela rapidamente cruzou o salão até onde estava
Jane.
—O que acontece? perguntou em voz baixa.
Jane tragou, agarrou as mãos de Vitória, e a arrastou a um rincão tranqüilo
onde ambas se sentaram em uma cadeira vazia.
—Eu… eu as ouvi falar. A respeito de ti. E… e de Lorde Atherbourne.
Vitória franziu o cenho.
—Quem estava falando de nós?
—Lady Colchester disse à Lady Rutherford que Lorde Atherbourne e você
nunca deveriam terem sido convidados, que só trariam mais vergonha sobre o
nome de Rutherford.
—E qual foi a resposta de Lady Rutherford?
Jane olhou nervosamente ao seu redor, então escondeu o queixo e
sussurrou: —Disse que era esse precisamente o ponto. Ela os convidou por
causa do escândalo.
Aliviada, Vitória inalou profundamente e deixou escapar uma risada
suave.
—OH, Jane. Tinha me preocupado. Ela bateu na mão de sua amiga com
doçura. Sabíamos que essa era a razão do convite.
O sorriso de Vitória logo se converteu em uma expressão de desconcerto
quando Jane sacudiu a cabeça freneticamente e disse: —Essa não é… não é a
parte terrível. Quer dizer, é horrível, mas...
Ao ver a profunda preocupação e confusão em seus olhos escuros, Vitória
tragou.
—Diga-me.
Os dentes do Jane mordiscaram seu lábio inferior, seus olhos evitando os
de Vitória.
—Talvez não devesse fazê-lo.
—Jane. O tom firme de Vitória fez com que o olhar de sua amiga
disparasse para encontrar-se com o seu. Diga-me.
Ruborizando, Jane respondeu com uma pergunta: —O que sabe da senhora
Knightley?
~~*
Capítulo 22
"Uma mentira é mais eficaz quando se planta no chão da verdade." —A
Marquesa Viúva do Wallingham ao Lady Berne sobre as notícias do talento
oculto de Lorde Tannenbrook para a difusão de intrigas.
Os novos rumores estão certos, já vejo.
Ante o comentário sarcástico, Lucien deixou de observar Vitória através
do salão de baile onde estava imersa em uma intensa conversação com Jane
Huxley.
Ele elevou uma sobrancelha.
—Chatham. Que rumores são esses precisamente?
Magro e pálido, o enfastiado lorde se apoiava negligentemente contra uma
coluna branca, a gravata desalinhada, os braços cruzados sobre o peito. Olhou
ao Lucien.
—Quando Alvanley sugeriu que você mesmo tinha posto os grilhões por
alguma teimosia equivocada pela irmã do Blackmore, pensei que era
ridicularmente ingênuo. O Lucien Wyatt que conheci não se fazia de parvo
por nenhuma mulher. Parece que estava equivocado. Os lábios do Chatham se
curvaram. Estranho. Mas aconteceu.
—Não sabe nada de mim.
—Ah. Então Malby te deve dinheiro, talvez? Uma razão muito melhor
para quase chegar aos punhos com o homem por seu gosto pelos peitos de
sua esposa. Embora sejam encantadores.
A ira de Lucien, firme, intensa e escura, retornou em uma quebra de onda.
Moveu-se mais perto de Chatham, usando seu corpo maior e mais pesado
para intimidá-lo. Embora similares em altura, o corpo do homem era magro
até o ponto da fragilidade depois de anos de dissolução. Ele estava
suficientemente perto para que os vapores pelo que fosse que tinha estado
bebendo chegassem ao nariz de Lucien. Uísque, talvez.
—Mencione qualquer parte de minha esposa outra vez, e porei fim a sua
miséria.
Ante a ameaça dita com dentes apertados, a expressão do Chatham ficou
em branco, seus olhos injetados indiferentes e frios.
—Muitos o tentaram, Atherbourne. Advirto-te, sou estranhamente difícil
de matar. Além disso, não tenho nenhum interesse em sua esposa ou em suas
partes. Entretanto, me parece fascinante que ambos pareçam ser o objeto de
sua fervente... estima, digamos.
Lucien observou ao visconde Chatham atentamente. Com sua
incomensurável inteligência e carisma, poderia ter sido o favorito da alta
sociedade. Em seu lugar, o lorde mais jovem estava consumido por velhos
ódios, hábitos autodestrutivos, e uma profunda falta de vergonha. Em grande
medida, Lucien estava mais entristecido que ofendido ante tão potencial
desperdiçado.
Mas o fato de que Chatham tivesse algum tipo de interesse em Vitória, o
suficiente para falar sobre ela com o Lucien de uma maneira provocadora,
fez-o pensar. Logo estava a amizade do homem com o Colin Lacey. Quanto
da ébria irresponsabilidade de Lacey se devia à influência do Chatham? Em
um momento, o visconde tinha sido amigo do Lucien também, e restos desse
velho vínculo ainda ficavam. Mas não queria Benedict Chatham em nenhum
lugar perto de Vitória ou de seu irmão, não em seu presente estado.
Lucien suspirou profundamente e passou uma mão pela boca, e logo
cruzou os braços. Vendo Chatham, falou em voz baixa: —Há melhores
opções das que escolheste, velho amigo.
Diferentes expressões se sucederam no rosto de Chatman: surpresa,
ressentimento, frieza.
—OH? Talvez pudesse ir depois das glórias da guerra. Arrasar com os
franceses na troca de medalhas foi muito divertido. Por desgraça, ser o único
herdeiro vivo de meu pai tem seu lado negativo. Espera! Já sei. Poderia
arruinar a irmã do meu inimigo, então apanhá-la no matrimônio para castigá-
lo na perpetuidade. Fingiu uma expressão de dissolução. Mas não tenho
nenhum inimigo em particular. E não gostaria de ser acusado de imitação.
Bruscamente, Lucien jogou a cabeça para trás. Como sabe? Era
malditamente impossível. Mas inclusive enquanto o pensava, soube. Chatham
não era simplesmente inteligente, senão também perigoso. Capaz de surrupiar
segredos da mais improvável das fontes, deveria ter estado trabalhando para
os serviços clandestinos. Em troca, utilizava seu talento para manipular e
provocar problemas.
—Tome cuidado, advertiu Lucien com voz sedosa. Quem blande sua
espada incautamente é muito provável que ele mesmo se corte.
Chatham abriu a boca para responder, logo deslizou o olhar por cima do
ombro de Lucien. Elevou uma sobrancelha e sorriu lentamente. Lucien se
voltou para ver o que tinha captado a atenção do visconde. Vitória branca e
trêmula, dirigia-se diretamente para onde se encontravam, perto da entrada do
salão.
Manteve sua expressão cuidadosamente em branco enquanto a observava
aproximar-se, perguntando-se o que ela e Jane tinham estado discutindo para
tê-la perturbado daquele modo. Lhe ofereceu o braço. Ela não tomou.
Em troca, apertou os lábios e dirigiu o cenho franzido ao Chatham,
parecendo notá-lo pela primeira vez. Ele executou uma elegante reverência,
seus olhos turquesa, brilhantes.
—Lady Atherbourne. Ainda não fomos apresentados.
Muito apesar de Lucien, Vitória respondeu estendendo uma mão enluvada,
que Chatham agarrou rapidamente na sua. Não havia nada inapropriado no
intercâmbio, nada ao que pudesse objetar. Mas suas vísceras se esticaram e
flexionou a mandíbula quando uma escura resistência já familiar, surgiu
dentro dele. Lucien não queria que um homem como este tocasse a sua
esposa, nem sequer através de duas capas de luvas.
Decidindo que a forma mais rápida de terminar o contato e averiguar o que
estava incomodando Vitória (porque sem dúvida algo a tinha inquietado, e
muito), era terminar a apresentação e ficar a sós com ela, disse: —Benedict
Chatham, visconde do Chatham. Minha esposa, Lady Atherbourne.
Chatham se inclinou de novo sobre sua mão e sorriu com admiração.
Imediatamente, o homem se transformou de um esbanjador a um arrumado
cavalheiro com um encanto magnético. Surpreendente, de verdade. E
inquietante de se ver.
—Que prazer conhecer a mulher que roubou o coração de Lucien, milady.
Certamente, posso ver o que o tem tão... encantado.
Os olhos do Lucien se estreitaram. A serpente poderia haver se desfeito de
uma pele e deslizar-se dentro de outra, mas seguia sendo uma serpente.
Vitória lhe devolveu o sorriso, parecendo deslumbrada pelo canalha.
—Um prazer conhecê-lo também, milord. É amigo de meu marido?
O enfático "não" de Lucien foi afogado pela resposta do Chatham:
—Estivemos juntos em Eton. Temo que depois nossos caminhos se
separaram. Olhou ao Lucien, seus olhos zombadores. Só recentemente
tornamos a nos encontrar.
Com a intenção de pôr fim ao intercâmbio com a maior rapidez possível,
Lucien manteve seus olhos no rosto do Chatham enquanto se dirigia à
Vitória.
—Casualmente Lorde Chatham estava a ponto de procurar a sua mãe
quando chegou, querida. Ele envolveu um braço ao redor da cintura de
Vitória e a atraiu para seu corpo. Ela ficou rígida, mas não resistiu. Chatham,
dará à Lady Rutherford nosso agradecimento pelo convite. Por desgraça,
temos que ir cedo, já que Lady Atherbourne tem dor de cabeça. Ele sentiu o
surpreso giro de cabeça de Vitória.
Fazendo uma nova reverência à Vitória, Chatham respondeu com secura:
—É óbvio. Espero que logo se sinta melhor, milady. Dirigiu ao Lucien um
sorriso de cumplicidade. Atherbourne.
Uma hora mais tarde, Lucien e Vitória chegaram à Casa Wyatt em um
tenso silêncio.
Depois de vários intentos por persuadir a sua esposa de lhe dizer o que a
havia perturbado, Lucien estava preparado para golpear alguém.
Preferivelmente ao Chatham ou a Malby.
Uma vez dentro do vestíbulo, Vitória acomodou seu comprido xale sobre o
braço e de imediato subiu as escadas, sem lhe dizer uma palavra. Suspirando,
Lucien apertou a ponta de seu nariz com o polegar e o índice. Parecia que a
dor de cabeça que havia sido sua desculpa para ir-se agora era real e
palpitando atrás de seus olhos.
No caminho de volta a casa, tinha exigido saber o que acontecia, mas sua
resposta tinha sido um persistente e irritante: —Não passa-se nada.
Simplesmente estou cansada. O que era uma sandice. Depois de seu baile
juntos, Vitória tinha estado radiante de alegria. Jane Huxley havia dito algo a
sua esposa, e isso a tinha alterado profundamente.
Seus punhos se fecharam. O que poderia ter sido, maldita seja?
Olhou a escada. Só uma pessoa sabia a resposta, e ela o tinha ignorado
deliberada e friamente. Odiava-o. Preferia sua ira. Durante vários minutos,
considerou seguí-la até o dormitório e insistir em que lhe confessasse o que
Jane lhe tinha contado.
Com o crânio palpitando e a frustração comendo-o por dentro, dirigiu-se
em troca à biblioteca. Alí se serviu de uma taça de brandy e afundou em uma
cadeira perto da chaminé, onde apoiou os pés. No momento em que se servia
de uma segunda taça, grande parte de sua ira anterior tinha minguado, e a dor
de cabeça havia suavizado.
O matrimônio estava resultando muito mais complicado do que havia
previsto. Não, pensou. O matrimônio com Vitória era mais complicado. Seus
sentimentos por ela eram...
Tomou um comprido gole de brandy, sentindo que lhe esquentava a
garganta. ...inesperados.
—Vais te sentar aí bebendo até ficar inconsciente?
Lucien ficou de pé tão rapidamente que o mundo girou durante vários
segundos antes de endireitar-se. Quando o fez, foi recebido pela visão de sua
esposa de pé na porta, vestida só com uma camisola fina, branca, seus largos
cachos colocados sobre um ombro. Tinha o aspecto de um anjo, a luz do fogo
jogando e acariciando suas curvas.
Então se encontrou com seu olhar. Um anjo vingador, corrigiu. Estava
zangada, seu corpo se mantinha rígido, seus olhos duros e acusadores.
Maldito inferno.
—Necessitaria muito mais que isto, apontou seu copo, para me deixar
inconsciente. Com os olhos entreabertos, ela se aproximou dois passos.
—Não terei um bêbado como marido.
—Vitória…
—Tampouco tolerarei que me tome por tola.
Congelou-se. Ela agora estava a não mais de um metro de distância, o
queixo inclinado agressivamente, seu corpo arrepiando-se de ultraje. Era
inquietante. E inconvenientemente excitante.
Colocando o copo na mesa junto à cadeira, deu um cauteloso passo para
ela. No mesmo instante, ela elevou a mão para detê-lo, deixando-a flutuando
a centímetros de seu peito. Seus olhos soltavam faíscas. Ele parecia ter o
talento pouco comum de enfurecê-la, mas inclusive ele nunca a tinha visto
tão furiosa.
Sacudiu a cabeça.
—O que diz não tem sentido.
—Quem é a senhora Knightley?
Ele piscou rapidamente, desorientado por sua pergunta.
—A senhora…?
—Knightley, cuspiu.
Com o cenho franzido, freneticamente procurou em sua mente o que lhe
dizer. Nenhuma das respostas parecia minimamente adequada para os
ouvidos de sua esposa.
Impaciente com sua vacilação, Vitória continuou: —Digo-lhe isso,
marido? Vendo que parece que não encontra as palavras neste momento. A
senhora Knightley é sua amante. E o foi durante os últimos quatro meses.
Cambaleando-se pela incredulidade, seu fôlego voou de seu corpo.
Respirou fundo três vezes antes de recuperar-se o suficiente para falar.
—Quem te disse isso?
—O que importa quem o fez?
Ele fez ranger a mandíbula.
—OH, importa.
Ela elevou o queixo e um brilho militante resplandeceu em seus olhos. Sua
esposa poderia ser nove partes anjo e uma parte Valkíria, mas essa única
parte tinha uma vontade de ferro forjado a fogo.
—Tudo o que precisa saber, disse entredentes, é que seu plano para me
humilhar ainda mais ao fazer alarde desta prostituta glorificada frente a toda a
sociedade está condenada ao fracasso. Lhe cravou o dedo no peito para
enfatizar suas palavras. Não. Cravou o dedo. Me. Cravou o dedo.
Envergonhará. Cravou o dedo.
—Vitória…
—Alguma vez mais, entende?
—Vitória.
—Não tem idéia de quão miserável posso te fazer. Não duvidarei em fazê-
lo se escutar sequer o sussurro do nome dessa rameira…
Agarrou-lhe o punho e gritou: —Vitória!
Ela puxou seu braço.
—Não me toque.
—A senhora Knightley não é minha amante.
Com um bufido de incredulidade, Vitória usou sua mão livre para
empurrar seu peito.
—Estou te dizendo a verdade.
Nervosa por sua resistência inútil, ela ficou quieta, os olhos brilhantes de
lágrimas e sua garganta tragando saliva com força. O coração do Lucien se
retorceu ante a visão. Ela sacudiu a cabeça, logo a inclinou sarcásticamente.
—Suponho que Lady Rutherford inventou um conto fantástico para Lady
Colchester. Com que fim mentiria?
Lady Rutherford, né? Parece que Chatham tinha encontrado uma maneira
de causar dano depois de tudo. Difundir falsos rumores através de sua mãe
era o mínimo de que o homem era capaz de fazer. Lucien teria que encontrar
uma maneira de lutar com ele. Mas por hora, quão único importava era
reparar o dano com Vitória. Vê-la angustiada era insuportável.
—Não sei. Gosta de criar controvérsia, assim possivelmente isso é tudo.
Em qualquer caso, deve me acreditar quando te digo que não tenho nenhuma
amante. Não olhei outra mulher desde a noite em que te conheci, e muito
menos levei uma à cama.
Ela bufou e o empurrou.
—Tem que pensar que sou uma idiot…
Ele a agarrou pelos ombros, sacudindo-a brandamente.
—Juro-o pela tumba de meu irmão, Vitória.
Silenciada por sua declaração, sua boca abriu e seus olhos aumentaram,
alagando-se com uma avalanche repentina de novas lágrimas.
—Você… sussurrou.
A própria voz do Lucien foi entrecortada.
—Juro-te que é a única mulher que toquei desde àquela noite. Bom Deus,
anjo, estou consumido de desejo por ti. Não fica nada para mais ninguém.
Ele procurou seu rosto, uma lágrima descendo até sua delicada mandíbula.
Esfregou-a com o polegar, acariciou-lhe a bochecha com a gema dos dedos.
Tão suave, pensou. Sua esposa era tão suave como um casulo de rosa. E com
a mesma facilidade se machucava.
—Lucien, eu ... Ela sacudiu a cabeça e tragou saliva.
Ele a tomou em seus braços, envolvendo-a estreitamente contra ele. Ela
colocou a cabeça contra seu peito, justo sobre seu coração. Como deveria ser.
—Talvez não devesse acreditar tão facilmente. É só que eu...
Com um dedo, lhe elevou o queixo para poder vê-la nos olhos.
—O que, amor?
—Não temos... bom, já sabe... por muitos dias.
Grunhiu sua concordância.
—Sinto-o como uma eternidade.
Ela baixou o olhar até seu queixo, e logo a seu peito, escondendo-se dele.
—Eu não gosto da idéia de que tenha uma amante, Lucien.
Ele fez uma careta.
—Isso deduzi. Realmente, sua fúria alegrava seu coração. Talvez ela
cedesse antes do que tinha esperado. Passou uma mão pelos sedosos cachos
que caíam de seu ombro, e se deslizavam sobre seu peito. Quando com a
palma acariciou seu mamilo, ouviu-a conter e acelerar sua respiração.
Agarrando com suavidade seu pulso, levou sua mão à parte dianteira de suas
calças, deixando-a sentir sua dureza, a qual não podia conter embora
quisesse.
—Não tem nada que temer nesse sentido, disse com voz áspera, a familiar
debilidade invadindo seus músculos ante seu contato. Todos seus músculos
exceto um. Ao que parece desejo-te só a ti, anjo.
Seus formosos olhos se elevaram para encontrar os seus. O que viu ali o
fez conter o fôlego. Desejo. Determinação. Ela afastou sua mão.
—Nunca desejei nada como desejo a ti, confessou em um sussurro. Tanto
que me assusta.
A esperança surgiu em seu corpo com tal força, que ele temeu que seu
coração poderia explodir.
—É o mesmo para mim…
—Mas como vou confiar em ti, Lucien? A pergunta pareceu arrancar sua
alma, transpassando um nó em sua garganta. Utilizaste-me para liderar uma
batalha contra Harrison. Faz-o inclusive agora.
Por um momento, ele simplesmente absorveu o impacto de ser
confrontado com a verdade.
—Estou fazendo o que devo. Te machucar nunca foi meu objetivo. Tem
que saber isso.
—E entretanto, esse é o resultado. Sua voz soou pequena e tranqüila. Não
deveria o ter cortado com uma faca. Mas o fez.
Por um momento, a dor o fez reconsiderar. Poderia encontrar outra
maneira de castigar Blackmore? Uma maneira que não implicasse Vitória?
Poderia ela ser simplesmente... ela? Sua esposa. Seu anjo. A mãe de seus
filhos.
Não há outra maneira. Já consideraste outras estratégias. Não, se
Blackmore tiver que responder por seus crimes, deve seguir adiante. Ou,
aceitar o fracasso.
De momento, ela o necessita ao seu lado. Com o tempo, vai entender. Tem
que fazê-lo.
Apertando os punhos com impotência nos flancos, viu como ela se
transladava à entrada da biblioteca, logo se voltava lenta, tristemente, para
enfrentar a ele, a mão apoiada na borda da porta aberta.
—O que mais desejamos sempre tem um preço, Lucien. Deve decidir se o
vale. E eu devo fazer o mesmo. Com essas simples e devastadoras palavras, a
porta fechou com suavidade.
E ela se foi.
~~*
Capítulo 23
"A violência raras vezes resolve os problemas sem criar uns novos. Mas os
homens são excessivamente aficionados a ela, e isso me parece uma fonte
inesgotável de diversão." —A Marquesa Viúva do Wallingham a seu
sobrinho depois de um dia particularmente mau no Clube de Cavalheiros
Jackson.
~~*
Capítulo 24
"Tiremos um pouco de queixo, por favor. A devoção ao detalhe é
louvável, mas não vejo nenhuma razão para assustar às gerações futuras." —
A Marquesa Viúva de Wallingham ao Sir Thomas Lawrence ao ver pela
primeira vez o retrato no cargo de seu filho.
Uma mulher alta, ruiva em um traje de montar de cor verde escura golpeou
o ombro de Vitória enquanto atravessava a estreita entrada de Bowman no
Bond Street. A mulher se desculpou pela colisão, mas Vitória passou
apressada junto a ela com pouco mais que um movimento de cabeça.
Olhou ao redor da pequena habitação da parte dianteira da loja, onde
várias damas estavam sentadas ao redor de uma mesa, murmurando sobre um
desenho de moda. Um dos ajudantes da senhora Bowman, uma moça curvada
com seu cabelo loiro escapando de um coque, colocou de lado a cortina azul
que dava acesso à zona do vestidor. Levava vários cilindros de tecido.
Na metade do caminho à seu destino, Vitória a interceptou para lhe
perguntar pela senhora Bowman.
—Está na parte de trás, milady. O humilde acento de Londres da garota era
inclusive mais pronunciado que o da senhora Garner, seus olhos abertos e
assustados. Procuro por ela?
Vitória assentiu.
—Se pudesse.
—Imediatamente. A garota fez uma reverência e pôs sua colorida carga
sobre uma mesa perto da janela dianteira antes de sorrir insegura à Vitória e
retirando-se uma vez mais atrás da cortina.
Minutos depois, a senhora Bowman fez uma entrada digna de uma atriz do
Drury Lane, afastando as cortinas e avançando rapidamente para saudar
vitória.
—Ah, Lady Atherbourne. Um prazer inesperado. Encantada de vê-la outra
vez. Os olhos escuros da costureira caíram e se elevaram ao longo da figura
de Vitória, uma sobrancelha levantada em crítica contemplação. Ela apontou
casualmente o singelo vestido branco e bordado baixo a entalhada jaqueta
que Vitória usava. Está aqui para, né, melhorar sua seleção de vestidos de
passeio, verdade? Um dedo comprido e elegante levantado o pescoço curvado
de veludo lilás, deixando-o cair de novo em seu lugar. Uma nova jaqueta de
ponto, talvez?
—Uma nova ...? Vitória franziu o cenho ligeiramente, e logo sacudiu a
cabeça ante a implicação da costureira. Gostava do desenho de sua jaqueta de
ponto, mas à senhora Bowman nunca tinha agradado a cor, e tinha costurado
o objeto com objeções. Não, na realidade, não estou aqui para comprar nada.
Ela tomou as mãos da mulher. Senhora Bowman, quero lhe pedir um favor.
Normalmente imperturbável, a costureira italiana parecia realmente tão
surpreendida ela abertura de Vitória que falou em sua língua materna.
—Qual È el problema,signora ?
—Tem outra entrada que poderia usar? Vitória ficou nas pontas dos pés
para olhar por cima do ombro da costureira para a parte traseira da loja.
Talvez na parte posterior, sussurrou.
A senhora Bowman olhou Vitória e inclinou a cabeça como procurando a
resposta a uma pergunta confusa. A mulher piscou, seu cenho mostrou que
compreendia, e ela assentiu. Puxando as mãos de Vitória, murmurou:
—Venha.
Conduziu-a através da cortina, além da zona de provadores onde duas de
suas assistentes estavam ajoelhadas segurando a borda do vestido de uma
matrona de olhos muito abertos, e finalmente a uma pequena habitação
abarrotada de cilindros de tecido, livros de ilustrações de moda, e um
escritório com uma pilha de papéis. A senhora Bowman recolheu um grande
livro de contabilidade de uma cadeira de madeira e o deslizou para uma
prateleira, agitando para indicar que Vitória devia sentar-se, ela mesma se
sentou em uma cadeira acolchoada de cor vermelha frente ao escritório.
A costureira passou a mão com ar ausente do lado de seu elegante
penteado, juntou as mãos, e se recostou contra a cadeira do escritório para
olhar Vitória com atenção.
—Você é uma boa cliente, Lady Atherbourne. Mas esta solicitação, é ...
incomum não?
—OH bem, sim, suponho que sim. Normalmente, nunca lhe pediria algo
assim. Mas temo que circunstâncias extraordinárias exigem respostas
extraordinárias.
—Mmm. E quais são estas circunstâncias extraordinárias?
Vitória piscou, fazendo uma pausa para decidir o quanto dizer à mulher. E
o que precisamente dizer.
—Necessito visitar a residência de meu irmão.
—O duque, verdade? Berkeley Square.
—Sim.
—Por que não vai simplesmente alí em sua carruagem? A senhora
Bowman fez um gesto em direção à rua, onde estava estacionado a carruagem
Atherbourne esperando sua volta.
—Isto é um pouco complicado.
A mulher assentiu compreensivamente, pronunciando outro "Mmm", e
agitando uma mão indicando que Vitória deveria explicar em detalhes.
Vitória suspirou.
—O chofer não vai me levar lá.
—Mas a trouxe aqui.
—Sim.
—Poderia contratar um carro de aluguel.
—Suponho que sim, respondeu a contragosto, se chegar ao meu destino
fosse o único propósito da saída de hoje.
A senhora Bowman de novo assentiu, e logo se sentou em silêncio olhando
Vitória por um minuto completo. Lhe deu vontade de retorcer-se em seu
assento. Mas se não pudesse persuadir à costureira que lhe permitisse o uso
de uma entrada alternativa, veria-se obrigada a abandonar seu plano. E isso
era intolerável.
Finalmente, os dedos da mulher golpearam com firmeza a mesa, e ela
assentiu com a cabeça.
—Seu marido, ele é... amável com você?"
Ela pensou por um momento e logo respondeu com honestidade.
—Sim.
—Você o ama?
Vitória baixou o olhar para suas mãos. As luvas de seda cinza tinham sido
um presente de Harrison. E seu marido tinha decretado separá-la dele. De sua
família. De seu irmão.
—Essa não é a pregunta, disse em voz baixa encontrando o olhar escuro e
pormenorizado da costureira. A pergunta é, ele me ama? Ela tragou para
aliviar uma opressão repentina em sua garganta, o peito apertando um
coração dolorido.
A senhora Bowman sorriu de forma misteriosa que freqüentemente fazia
antes de dizer algo crítico.
—Os homens podem ser... como se diz? Teimosos como uma cabra?
Vitória franziu o cenho.
—Acredito que quer dizer teimosos como uma mula.
Ela fez um gesto desdenhoso.
—Ora. Mula, cabra. É tudo o mesmo. Não deve confundir a estupidez com
a frieza minha cara. Todos os homens são estúpidos às vezes. Isto não quer
dizer que não amem. A mulher de cabelo escuro se levantou e tomou o
cotovelo de Vitória. Venha. Há uma porta que pode usar. Com isso, guiou-a
através de uma curta série de corredores, logo abriu uma porta verde para
revelar um estreito beco lavado pela chuva, ao longode um lado do edifício.
Não se atrase, sim? E quando vier da próxima vez, talvez compre uma nova
jaqueta.
Vitória sorriu à costureira.
—Obrigada, senhora Bowman. Talvez o faça. Desceu quatro escadas de
madeira, logo deu um passo com cuidado ao redor dos atoleiros mais
profundos, tratando de não respirar o ar pútrido. O beco estava cheio de lixo
de todo tipo. Claramente se usava mais como esgoto que como uma via entre
edifícios. Ao fim chegou à abertura do Bond Street pegando-se contra a borda
do edifício e olhando a esquina. Connell estava com o criado que lhes tinha
acompanhado junto à carruagem Atherbourne, a uns dez metros de distância.
Ela calculou sua saída com cuidado, à espera de um grosso grupo de jovens e
suas acompanhantes que se aproximavam antes de sair do estreito espaço à
rua, mesclando-se entre os outros pedestres, afim de não chamar atenção. A
cada passo, estava segura que Connell a veria, exigiria que voltasse para
carruagem, iria correndo alertar ao Lucien. A idéia lhe acelerou os batimentos
do coração e seus pés. Queria que Lucien soubesse que tinha sido frustrado,
mas não no momento. Não enquanto ainda podia detê-la.
Felizmente, girou na Bruton Street sem levantar nenhum alarme. Voltou a
cabeça para estar segura de que ninguém a seguia, e chocou-se diretamente
contra uma parede óssea alojada em um casaco muito pesado para o clima
temperado do verão.
—Uf! Levou um momento estabilizar-se e ver com o que tinha se chocado,
que resultou ser um homem bastante desalinhado que levava um chapéu de
aba larga que escondia seu rosto.
—Perdão, milady. Não a vi, disse sem olhá-la nos olhos. É óbvio, ele era
muito mais alto que ela, mas parecia que tinha pressa, já que rapidamente a
sujeitou com uma mão sob seu cotovelo, retrocedeu e com nervosismo tratou
de evitá-la.
Ela girou quando ele passou, agarrando sua manga.
—Espere! Conheço-o, verdade? Parece-me familiar.
Ele negou com a cabeça e a tirou de seu agarre.
—Nunca a conheci, madam. Deve ir, agora. Afastando-se com um andar
miserável, o homem alto e magro parecia ansioso para escapar. Mas agora
sabia com certeza o que só uma retratista podia ter: ele era quem tinha visto
nesse dia fora da casa de Jane e que ela suspeitava que tinha estado seguindo
fazia algum tempo.
—Sei que o contrataram para me vigiar, gritou. Isso o deteve em seco, lhe
dando a oportunidade de lhe alcançar. Tudo o que desejo saber é quem
contratou seus serviços. Foi Lorde Atherbourne?
A contragosto, o homem encontrou seus olhos. Os dele estavam cansados
e vermelhos em um rosto enrugado, não arrumado. Parecia como se não
tivesse dormido em semanas.
—Não, milady.
Ela inclinou o queixo.
—Qual é seu nome?
Ele olhou ao redor da rua com desconforto.
—Drayton, madam.
—Quem o contratou, Drayton?
Ele suspirou e esfregou a ponta do nariz.
—Suponho que não importa se o digo, contanto que não volte para o
Atherbourne. Vitória cruzou os braços e lhe lançou um olhar espectador.
—Blackmore me contratou para vigiá-la, milady. Para assegurar-se de que
você não sofresse nenhum dano.
—Meu irmão o contratou? Ela tinha pensado que certamente Lucien o
havia feito para assegurar-se que cumprisse os seus desejos. A idéia de que
fosse Harrison não lhe tinha ocorrido. Por que ele simplesmente não veio me
visitar e vê-lo por si mesmo?
Murmurou a pergunta para si mesma, mas Drayton respondeu: —Acho que
o tentou, milady. Umas quantas vezes, de fato. Rechaçaram-no na porta.
Com a comoção alagando-a, observou ao despenteado senhor Drayton
mover-se de um pé ao outro, como se necessitasse desesperadamente visitar a
privada. Ele olhou furtivamente ao redor do Bruton Street.
—Tem pressa, senhor Drayton?
—Para ser honesto sim, madam. Devo ir agora. Ele tirou o chapéu
despedindo-se dela distraídamente enquanto retrocedia afastando-se. Vitória
o observou com desconforto, enquanto ele lançava uma advertência sobre seu
ombro. Melhor que se apresse, milady. Nunca se sabe com quem pode
encontrar-se na rua. Dobrou a esquina e desapareceu.
Levando em conta seu conselho, e com vontade de encontrar respostas, ela
não perdeu tempo em atravessar Bruton Street e chegar à Berkeley Square.
Em questão de minutos, estava subindo os degraus da Casa Clyde-Lacey, o
familiar edifício de tijolo e de filas de janelas altas e simétricas causando uma
quebra de onda de comodidade e bem estar. Distraída, quase entrou sem
chamar, mas se deteve com a mão batendo sobre a aldrava. Esta já não era
sua casa. O pensamento era ao mesmo tempo triste e estranho. Chamou à
porta e esperou, trocando seu peso de um pé ao outro, baixando o olhar ao
seu vestido para assegurar-se que não tinha sujado a saia em seu percurso
através do ignominioso beco.
A porta se abriu.
—Lady Vitória! Quero dizer, Lady Atherbourne. Que prazer vê-la.
Vitória dirigiu ao Digby, o loiro e engomado mordomo do duque, um
radiante sorriso. Como sempre, o homem estava impecável, sem um cabelo
desconjurado. Tipicamente rígido como um vento do norte, sempre tinha tido
uma debilidade por ela, seus olhos marrons agora brilhando com genuíno
prazer.
—Não quer entrar, milady?
—Obrigada, Digby. Uma vez dentro, surpreendeu ao homem com um
rápido abraço. Sentia falta dele. Puxou a lapela de brincadeira, do modo que
o fazia quando tinha dez anos.Vejo que ainda não aceitou a oferta de
emprego do Conde do Dunston.
Isso é bom para o duque, mas talvez não muito sábio.
Digby deu uma piscada estranha e respondeu: —Alguém deve evitar que o
reino caia no caos. Temo que esse dever recaiu sobre mim.
Ela riu.
—O duque está aqui? Tenho que falar com ele.
O sorriso do mordomo suavizou em uma expressão de desculpa.
—Temo que Sua Graça saiu milady, e não se espera que chegue durante
horas. Ele ficará muito angustiado por não vê-la.
Seu estado de ânimo desabou ante a notícia, a decepção muchando-a como
uma chuva fria sobre uma barra de pão. Tinha estado tão segura de que se
pudesse chegar à Casa Clyde-Lacey e falasse com o Harrison, tudo ficaria
bem. Seu irmão tinha uma maneira de fazer que tudo voltasse a ficar bem.
Sacudiu a cabeça tratando de conter o nascente enjoo de emoção, tratando de
reprimir as lágrimas. Não seria bom chorar diante do Digby.
O mordomo esclareceu a garganta.
—Bem, suponho que é inútil esperar então. Ela suspirou, passeando o
olhar pelo vestíbulo de entrada, observando distraídamente as familiares
paredes verdes e o chão de mármore branco e negro. Harrison gostava de
verde. Também ao Colin, para todo caso. Era uma das poucas coisas que
tinham em comum.
Ela fez uma pausa e um pensamento lhe ocorreu.
—Digby, Colin está?
Digby vacilou antes de responder: —Sim, acredito que sim milady. Talvez
goste de esperar na sala. A senhora Jones levará um pouco de chá, enquanto
informo a sua senhoria de sua chegada.
E de qualquer jeito, seu ânimo saiu da chuva.
—Seria maravilhoso, Digby. Simplesmente maravilhoso.
~~*
O barro salpicou suas botas quando Lucien desmontou, mas apenas se deu
conta. Passou a mão pelo flanco do Hugo e bateu no lombo do cavalo com
afeto. O cavalo castrado assentiu com a cabeça e soprou brandamente. Lucien
sorriu sem nenhuma razão em particular e entregou as rédeas ao moço do
estábulo.
Seus nódulos e suas costelas estavam um pouco adoloridos, mas no geral,
sua sorte era muito melhor do que tivesse previsto há um ano. Vitória era
dele. O duque havia sido castigado. Ocupou-se do Chatham. Logo, voltariam
para Thornbridge, e ele se dedicaria em deixar Vitória grávida.
Ante a idéia, a antecipação lhe percorreu as costas. Sim, ele desfrutaria vê-
la florescer com seu bebê. Ela seria uma mãe maravilhosa, carinhosa e suave.
E uma vez que tivesse uns pequenos para cuidar, a própria família, sua
determinação em reunir-se com seus irmãos se desvaneceria. Estava seguro
disso.
Com passo ligeiro e enérgico, entrou em casa chamando Billings. O
curvado mordomo se aproximou arrastando os pés no salão.
—Bem-vindo à casa, milord. Como foi no Jackson?
Lucien sorriu e estendeu a mão com o chapéu e as luvas.
—Muito me animou. Encontrei-me com um velho amigo. Com efeito, dar
ao Chatham uma lição sobre os perigos de propagar mentiras havia valido a
pena o dano que o outro homem tinha lhe infligido. Flexionando os dedos
para provar a dor,
olhou para a escada de caracol, perguntando-se se Vitória ainda estaria
pintando como quando ele se foi.
—Lady Atherbourne está em seu estúdio?
Billings fez uma pausa, longos segundos se passaram antes que
respondesse.
—Não, milord.
Lucien franziu o cenho, girando lentamente para enfrentar ao seu
mordomo.
—Então, onde está? perguntou com suavidade.
Tragando de forma visível, o velho se endireitou e respondeu: —Acredito
que está visitando sua costureira.
Algo em sua conduta (o ligeiro tremor em sua voz, a cuidadosa expressão
em branco) causou que o temor se estendesse dentro do peito de Lucien como
a geada sobre um cristal.
—Levou a carruagem então?
—S-foi, milord.
—E ela só pediu para visitar sua costureira? Nenhum outro lugar?
Billings vacilou.
—Connell é muito consciente de seus desejos, milord. Assegurei-me disso
antes que partissem. Ele não a levaria a Berkeley Square, embora ela desse a
ordem diretamente.
Lucien apertou os dentes, suas vísceras esticando-se em uma onda de ira e
alarme.
—Assim pediu para visitar a Casa Clyde-Lacey, disse com gravidade. O
mordomo esclareceu a garganta, mas não respondeu.
—Billings! ladrou Lucien.
O homem suspirou, a derrota aparecendo em seus olhos.
—Sim, milord.
Maldita seja.
Uma semana, diabos. Isso era tudo o que ficava da temporada. Uma
semana mais, e ele a teria levado à Thornbridge. Mas deveria ter sabido que
não ela não renunciaria facilmente, que simplesmente não o esqueceria.
Bem querida, pensou sombrio quase correndo para recuperar seu cavalo.
Isso é algo que temos em comum.
Porque agora que Vitória era dele, renunciar a ela era a última coisa que
faria.
~~*
Capítulo 26
" Os bêbados só são úteis como oponentes em uma partida de whist. Do
contrário, não são melhores que os parasitas que infestam nossas residências.
E devem ser tratados da mesma maneira. " —A Viúva marquesa do
Wallingham a seu sobrinho ao descobrir sua associação com o visconde do
Chatham.
~~*
Capítulo 28
" Há alguns segredos que é melhor que sigam sendo segredos. Não me
refiro , por suposto. A não ser em termos gerais. " —A Marquesa Viúva do
Wallingham a seu filho, Lorde Wallingham, ao inteirar-se de seu incrível
esconderijo de conhaque francês.
~~*
Capítulo 29
" Como se atreve senhor?! A gente só pode ser considerada uma
"intrometida" se não possuir um julgamento superior ao de todos os outros. O
qual, é óbvio, não é o caso." —A Marquesa Viúva do Wallingham ao Duque
do Blackmore, ao ser acusada de ultrapassar os limites da maneira mais
deplorável.
~~*
Capítulo 30
" Sim, suponho que Londres é fantástica, se a gente prefere respirar ar
nocivo e estar rodeada de sujeira. E isso é nos limitar aos seus residentes. " —
A Marquesa Viúva de Wallingham a Lady Rumstoke durante um passeio ao
longo do Rotten Row.
A luz de Londres era sempre um pouco fraca, mas hoje era realmente
tênue. A névoa cobria as ruas, causando que o término da manhã se sentisse
mais como o anoitecer. Vitória suspirou enquanto olhava o retrato de Lucien.
Apesar da pouca luz, notou com satisfação que o colete agora era de um azul
intenso, muito atrativo, graças a seu pigmento azul ultramar.
Na semana da confrontação na Casa Clyde-Lacey, tinha visitado seu
antigo lar duas vezes, uma para recuperar seus materiais de arte e outra para
falar com o Harrison. Felizmente, Lucien tinha perdido o interesse em lhe
impedir de ver seus irmãos.
Infelizmente também tinha perdido o interesse nela. Depois de voltar nesse
dia à Casa Wyatt, ela tinha se retirado à sua sala de estar necessitando umas
quantas horas de solidão para digerir o que tinha ocorrido. Lucien não tinha
voltado a tocá-la ou a falar com ela. De fato, ele tinha se encerrado na
biblioteca até bem depois da meia-noite.
Ficou dormindo sem ele. Ainda não tinha voltado para sua cama.
Abraçando-se para amortecer um calafrio, aproximou-se das janelas de seu
estúdio, seu olhar perdido no cinza do dia. O estalo surdo das rodas de uma
carruagem podia ouvir-se através do cristal, mas o único que ela podia ver era
a névoa. Era estranho de verdade; saber que algo estava tão perto, mas ser
incapaz de vê-lo. Respirando fundo para tratar de acalmar a sensação de
desespero, pôs rígida a coluna. Lucien a tinha evitado durante a última
semana, passando a maioria dos dias fora de casa, suas noites em uma das
habitações de convidados.
Em duas ocasiões o tinha surpreendido em sua saída, tinha tratado de falar
com ele a respeito de Colin e Harrison, discutir o que aconteceria com seu
matrimônio. Em ambas as ocasiões, comportou-se como um estranho:
distante, educado, inclusive aborrecido, tirando-lhe de cima como o faria com
um vendedor de fruta muito agressivo. À princípio, foi compreensível. Logo,
irritante. Agora, ela estava zangada. Se pensava que podia ignorá-la para
sempre, era o maior dos parvos.
Na noite passada foi a quinta noite que Cook tinha servido pescado para o
jantar. Ele não havia dito nada, embora a intenção de Vitória tinha sido
suscitar algum tipo de reação. Tragou saliva contendo uma quebra de onda de
náuseas. Inclusive ela começava a cansar-se dessas coisas.
Requeria-se uma mudança de tática, isso era tudo. Ele teria que falar com
ela, maldição. Sim, iam resolver isto de uma forma ou de outra. Deviam fazê-
lo. Do contrário, ela temia muito
que seu matrimônio continuaria deteriorando-se até converter-se em pó.
Possivelmente essa era sua intenção, pensou. Ainda era possível que ele não
sentisse nada por ela, que a vingança tinha sido sua única razão para estar
com ela, e ela já não era útil para ele. Depois de tudo, agora que Colin tinha
confessado sua participação na morte de Marissa, tudo tinha mudado.
Ou não? Lucien poderia, neste momento, seguir com a intenção de fazer
justiça com Colin. Uma parte dela o entenderia se o fazia. O que tinha feito
Colin tinha sido desprezível, e como sua irmã, estava de uma só vez
envergonhada e furiosa com ele. Não só aproveitou-se de Marissa, mas tinha
permanecido em silêncio enquanto Harrison participava de um duelo pelas
conseqüências de suas ações.
Olhando para trás, estava claro que Colin se sentia culpado pelo incidente.
Suas bebedeiras tinham aumentado dramaticamente durante esse tempo, e
tinha sido uma desgraça a seguir. De verdade, a imprudência de seu irmão e
sua falta de honra tinham posto uma série de desastres em movimento. E isso
era difícil de perdoar, inclusive para as pessoas mais próximas a ele.
Mas era ele o único culpado? Marissa tinha certa responsabilidade, sem
dúvida. Vitória tratou de imaginar-se a si mesma na mesma situação:
profundamente apaixonada por um homem que a tinha abandonado. Caída
em desgraça. Solteira. Grávida.
Sua mão se moveu à seu ventre.
Ela Vitória, optaria por tomar sua própria vida e a de seu filho não
nascido?
Não, decidiu imediatamente. Nem em um milhar de vidas ela se entregaria
voluntariamente a tal dor fazendo sofrer àqueles que a amavam, ou privaria a
seu filho da oportunidade de nascer. Tão desolada como estaria se Lucien a
tratasse dessa maneira, sempre escolheria a vida sobre a morte.
Marissa fez uma escolha diferente, e isso tinha sido devastador.
A mão que tinha em seu ventre se fechou em um punho. Imaginou um
bebê crescendo dentro de seu corpo. O filho de Lucien. Talvez com seu
cabelo escuro e traços fortes. Uma onda de amor e desejo a percorreu em um
quente formigamento. Endireitando-se, apertou os dentes e levantou o
queixo. Talvez seu matrimônio fosse uma farsa. Talvez à Lucien ela
importava-lhe nada. Mas em algum ponto entre a decisão de desafiar a ordem
do Lucien e decidir acompanhá-lo de retorno à Casa Wyatt, deu-se conta de
que provavelmente ele era o único marido que teria, o único que poderia lhe
dar filhos. Podia ser que não a amasse, mas ele se casou com ela, e não ia
escapar de suas responsabilidades com tanta facilidade. Ele não escaparia
dela com tanta facilidade.
Voltou-se surpreendida quando Billings gritou da porta: —Milady, Lorde
Tannenbrook chegou. Digo-lhe que entre?
—Por favor, Billings. Obrigada.
Ele assentiu e desapareceu. Vitória cobriu rapidamente o retrato e recolheu
seu caderno de desenho da mesa de trabalho. Passou uma mão por sobre sua
suave coberta de couro, esboçando um meio sorriso. Se Lucien não queria
falar com ela, ela faria o que devia.
Momentos mais tarde, Lorde Tannenbrook enchia a porta de seu estúdio…
literalmente. Seus ombros roçavam a ombreira de qualquer lado. O homem
era tão grande como uma montanha. Vestido simplesmente com um casaco
de lã de cor marrom escuro, colete verde e calças de montar de cor canela, ela
imaginou que ele preferia usar as cores individualmente. James Kilbrenner
lhe recordava as Terras Altas da Escócia que tinha visitado quando menina:
incondicional, intimidante e inescrutável.
Ela sorriu em sinal de boas vindas, agradecendo por vir.
Salvo pela forma ligeiramente incômoda que se parecia na porta, era tão
ilegível como sempre.
—Sua nota dizia que Lucien requeria minha ajuda. Olhou fixamente ao
redor da habitação. Ele vai chegar tarde, Lady Atherbourne?
Pergunta direta implicava que ela tinha feito algo indevido. Talvez o
houvesse feito. Convidar a um homem que não era seu marido para reunir-se
com ela em privado. Mas maldito seja, devia ter respostas, respostas que
Lucien não estava disposto a proporcionar.
Houve um tempo quando simplesmente tinha aceito as regras da
sociedade, desempenhando o papel que lhe atribuiram por nascimento,
posição e expectativa. Mas depois do escândalo, tinha começado a dar-se
conta de quão arbitrário às vezes eram essas normas, em particular para as
mulheres.
Curiosamente, foi seu matrimônio com Lucien que lhe tinha dado coragem
para lutar por aquilo que queria, em lugar de permitir aos outros escolherem
seu destino. E se os últimos dias de cortesia fria tinham sido de alguma
utilidade, é que a tinham obrigado a reconhecer o que mais desejava: ao
próprio Lucien.
A esse diabo exasperante, manipulador, galhardo, inteligente, romântico e
asquerosamente bonito.
Ela sacudiu a cabeça, molesta consigo mesma. Nem sequer podia sustentar
uma boa crítica contra o homem em sua própria cabeça.
Tannenbrook tomou seu gesto como uma resposta à pergunta a respeito de
se Lucien se uniria a eles, e se moveu como se se preparasse para ir-se.
—Não estou seguro de que entendo então. Talvez devéssemos esperar para
falar disto até que Lucien esteja disponível.
Ela se dirigiu para o amigo de Lucien, abraçando seu caderno de desenho
contra seu peito com uma mão e fazendo um gesto para um par de cadeiras
com a outra.
—Por favor, Lorde Tannenbrook. Não quer sentar-se e falar comigo?
Prometo que minhas intenções são exatamente as que se descrevem em
minha nota: ajudar ao Lucien.
Uns agudos olhos verdes se encontraram com os seus, estudaram-na
durante vários segundos. Logo lentamente, Tannenbrook entrou na habitação,
o golpe dos saltos de suas botas contra o chão de madeira ecoando na
habitação bem vazia. Deteve-se perto da esquina junto à chaminé e ficou ao
lado de uma das cadeiras que ela tinha indicado.
Vitória sorriu agradecida e se sentou, esperando que o gigante loiro escuro
fizesse o mesmo. Enquanto ia sentando na cadeira, perguntou-lhe: —Milady,
me perdoe, mas não lhe preocupa o que seu marido poderia dizer se souber
que nos reunimos em privado?
Ela acariciou a capa de seu caderno de desenho, logo o abriu alegremente
e tirou um lápis do bolso de seu avental.
—Um nada, respondeu ela. Você está aqui para que eu possa desenhá-lo.
Enquanto o faço, limitaremo-nos a passar o tempo conversando. Dirigindo-
lhe um sorriso de cumplicidade, alisou uma página em branco e
imediatamente começou com traços largos e amplos de seu lápis, seus olhos
movendo-se rapidamente entre ele e a imagem emergente.
Embora em um primeiro momento ele parecesse surpreso, logo cético, ela
vislumbrou o que parecia ser um leve meio sorriso. Bem, bem. O conde de
rosto pétreo parecia conformado, ao menos o suficiente para permanecer em
seu lugar. Isso era bom, porque tinha perguntas que deviam ser abordadas.
—Quanto tempo faz que conhece meu marido? começou casualmente.
A cadeira rangeu quando trocou de posição, a débil luz das janelas fazendo
coisas interessantes com o sulco de seu cenho.
—Desde que herdou o título. Quatorze anos mais ou menos. As terras
Tannenbrook limitam-se com o Thornbridge no norte.
—Você conhecia seu irmão Gregory também, suponho? E a Marissa...
Os traços do lápis sobre papel sussurraram no longo silêncio antes que sua
voz profunda e retumbante, finalmente respondesse: —Sim.
—Como eram eles?
Ele inclinou a cabeça sutilmente, considerando a pergunta.
—Marissa era inocente. Um pouco selvagem talvez, mas como uma corça.
Delicada.
—E Gregory?
—Bom.
Suas sobrancelhas se arquearam interrogantes.
—Bom?
Tannenbrook grunhiu afirmativamente.
—Bom homem. Bom irmão. Bom amigo.
Ela assentiu, percebendo a emoção do conde no que se referia à morte do
Gregory. Para a maioria, seu rosto pareceria inexpressivo. Mas enquanto ela
desenhava suas feições, podia ver mudanças quase imperceptíveis: o desvio
de seus olhos, o tic dos músculos que puxavam para baixo as comissuras de
sua boca. A dor estava alí, só que bem oculta.
—E como descreveria ao Lucien? continuou.
—Isso é mais complicado.
Vitória lutou por um momento com o sombreado da têmpora do
Tannenbrook, centrando-se no esboço. Ele era um tema difícil de capturar
bem, já que seu rosto trocava radicalmente em função da luz, de sinistro a
acalmado, curtido e tosco a surpreendentemente elegante. Era desconcertante,
como se sua identidade trocasse momento a momento.
Voltando para a conversação, lhe perguntou com ar ausente: —Como é
isso?
A cadeira do homem rangeu de novo enquanto se movia.
—A morte o mudou muito.
Os olhos de Vitória voaram para encontrar os do Tannenbrook.
—Refere-se às mortes de Marissa e Gregory.
—Sim. Mas também antes disso. Waterloo. Lucien era um capitão dos
Dragões, a cavalaria pesada. Durante um ataque das forças de Napoleão,
dispararam em seu cavalo. Ele foi apanhado com o cavalo por cima, ficando
inconsciente durante horas. Grande parte de sua unidade foi dizimada. Mais
tarde, foi capaz de unir-se à batalha, e ele mesmo brigou como se sua vida
não significasse nada. Supostamente Wellington disse que Lucien ou possuía
uma coragem extraordinária ou desejava morrer.
O frio cobriu sua pele, causando um estremecimento doentio. Sabia que
tinha sido soldado, sabia que tinha estado em Waterloo, sabia que tinha
lutado com valentia. Mas ao dar-se conta de que quase tinha morrido, que
muitos de seus homens tinham caído em torno dele, e ele tinha sido incapaz
de fazer nada a respeito. Ela apertou os lábios e baixou o olhar para sua mão
onde estava agarrando o lápis em cima de seu esboço.
Sentia tristeza pelos homens que se perderam ou resultaram feridos.
Queria chorar pela culpa que devia ter impulsionado Lucien para arriscar-se
de maneira tão irresponsável. Mas, sobretudo, sentia-se agradecida. Que ele
tivesse sobrevivido. Que a ela tivesse concedido a oportunidade de amá-lo.
A voz do Tannenbrook se introduziu uma vez mais.
—Eu o conheci antes de que ele fosse capitão ou visconde, simplesmente
era Lucien Wyatt. Era bom, igual ao seu irmão. Ria o tempo todo. Não podia
parar de fato.
Um dos lados de sua boca se curvou em um meio sorriso. Gregory o tentou
um par de vezes. Dizia que Luc teria que tomar a vida à sério em algum
momento. O sorriso se desvaneceu. E logo Waterloo. Acredito que se esse
tivesse sido o único golpe, poderia havê-lo suportado. Mas retornou a
Inglaterra quebrado, só para descobrir que sua irmã e seu irmão tinham
morrido. Foi... deteve-se, aparentemente incapaz de continuar.
—Era muito para suportar para qualquer um, expressou em voz baixa.
Os olhos do Tannenbrook, do verde escuro de um bosque depois do pôr do
sol, converteram-se em cavernas que recordavam a dor do passado.
—Sim, disse com voz rouca. Luc se perdeu. A dor o consumiu por
completo.
Vitória segurou seu trêmulo lábio inferior e tragou com força, reprimindo
as lágrimas que ardiam para serem liberadas. Agora não era o momento de
desmoronar. Ela voltou a focar em completar o desenho.
—Como…? Ela se esclareceu garganta. Como se recuperou? Encontrou a
forma de… como dizê-lo? Ser ele mesmo, verdade?
Uma vez mais, a cadeira rangeu quando Tannenbrook trocou de posição.
Ela levantou a vista brevemente, mas ele não encontrou seus olhos.
Parecia muito incômodo.
—Milord?
Desta vez, foi Tannenbrook que esclareceu a garganta.
—Não o fez.
—O que quer dizer?
Depois de uma longa vacilação, suspirou, resignado ao que parecia.
—Luc estava em muito mal estado.
Ela abriu a boca para pedir mais detalhes, mas ele a deteve com um
severo: —Melhor deixarmos as coisas assim.
Sentindo que era provável que não ia ceder em relação ao amparo da
privacidade do Lucien, ela assentiu com a cabeça e fez um gesto para que
continuasse.
—Fiz o que pude para ajudá-lo. Passamos um bom tempo no Thornbridge.
De vez em quando, parecia que estava melhorando. Montávamos juntos.
Falávamos do imóvel. Mas então ele desaparecia de novo. Comecei a se
desesperar um pouco, temo. Voltou a cabeça para ver os traços de névoa
flutuando além das janelas. Sabia que fui o padrinho de Gregory?
Ela sacudiu a cabeça, mas ele não a viu. Levou a mão ao papel,
sombreando e resombreando enquanto a luz se movia sobre o rosto do
homem.
—Luc é meu amigo. Neguei-me a perdê-lo também. Assim sugeri que ele
pensasse quem procuraria justiça para o Gregory e Marissa se ele morresse...
Seu olhar voltou para ela. Foi o quão único pareceu revivê-lo. Nunca o tinha
visto tão cheio de determinação.
Vitória entendeu.
—Deu-lhe uma razão para seguir adiante. Para viver. Por eles.
Suas grandes mãos se fecharam em punhos nos braços da cadeira.
—Durante a maior parte do ano, esta declaração de vingança foi a única
coisa que o manteve inteiro. Eu estava muito preocupado. É por isso que
permaneci em Londres.
Ela ficou olhando seu esboço perguntando-se se o conde do Tannenbrook
sabia como transparente ele era, quando alguém tinha a idéia de estudar seu
rosto com os olhos de um artista. Estava tudo alí: força, lealdade, compaixão.
Segredos.
—Meu imóvel no Derbyshire se encontra em meio de consideráveis
reparações. Depois que ele casou e vi como estavam juntos, pensei que talvez
poderia voltar alí. Fiz planos para ir esta tarde. Então recebi sua nota.
Os olhos de Vitória voaram para seu rosto uma vez mais.
—Por que nos ver juntos aliviou sua preocupação milord?
Ele piscou duas vezes, parecendo confundido.
—Não sabe?
Ela lançou um suspiro de exasperação.
—Por que supõe que lhe pedi que viesse aqui? Não tenho idéia de como se
sente Lucien.
Voltou-se para trás, parecendo desconcertado por seu arrebatamento.
—Talvez devesse falar com ele.
—Lorde Tannenbrook, se por sorte pudesse obter a informação de meu
marido, já o teria feito antes. Ele não quer falar comigo.
O conde parecia agora claramente incômodo, flexionando os dedos, uma
mão atando-se à sua gravata que envolvia seu grosso pescoço. Seus olhos se
dirigiram para a porta.
—Agora bem, continuou ela com firmeza. Abordemos o motivo de minha
nota. Lucien queria vingar-se de meu irmão, por isso criou um escândalo e
me convenceu a casar com ele. Logo tentou me afastar totalmente da vida do
Harrison, e deste modo ao mesmo tempo humilhava ao duque e o privava de
sua irmã. Tenho razão?
Tannenbrook ficou imóvel, seus dedos agora agarrando os braços da
cadeira. Assentiu.
Ela sorriu tensa.
—Bem. Só tenho mais uma pergunta. Lucien me quer, ou isto sempre se
tratou de vingança e nada mais?
O momento tinha chegado. Sem dúvida, era melhor saber a verdade. As
palmas de suas mãos umedeceram, fazendo escorregar o agarre de seu lápis e
do caderno de desenho. Esta resposta poderia mudar tudo. Seu matrimônio,
sua vida, ela mesma. E ele estava tomando um tempo terrivelmente longo
para responder. O sangue bombeou em seus ouvidos, lhe esticou o ventre, lhe
gelou a pele. É melhor saber, repetiu-se. Se ele simplesmente me dissesse…
Finalmente, ele se inclinou para diante, abriu a boca para falar, fechou-a, e
logo respondeu: —Ele não disse que a ama.
Seu coração rasgou. O sangue abandonou sua pele, causando uma quebra
de onda de gelo.
Estava equivocada, pensou. O conhecimento é muito pior que não saber. É
uma verdadeira agonia.
—Entretanto…
Nessa só palavra, todo seu ser se deteve. Sem pensá-lo, ela se adiantou e
agarrou o punho do homem, seu lápis caindo no chão com um suave repico.
—Entretanto?
Ele olhou para onde seus dedos tentavam rodear seu punho. Nem sequer
podiam tomar a metade da circunferência.
—Entretanto, vou dizê-lo: nunca vi Lucien mais feliz desde que se casou
com você. Não em todos os anos que o conheço.
A revelação fez que seu coração quebrado só momentos antes, pulsasse
com força e desse voltas e realmente saltasse.
—De verdade? perguntou sem fôlego.
Uma reação de pleno sorriso transformou o rosto do Tannenbrook.
—De verdade. Pegou a mão que ainda agarrava seu pulso, retirou
brandamente seus dedos, e a pôs novamente no regaço de Vitória.
Ela apenas se deu conta.
—O asseguro, o homem foi um maldito idiota durante semanas. Me
atreveria a dizer que se ele não a quiser, não só é tolo, mas também deve pisar
nas pranchas do Drury Lane.
O sol tinha aparecido repentinamente entre as nuvens. A música tinha
quebrado um longo e solitário silêncio. A chuva tinha chegado à terra
ressecada. Esperança. Havia esperança de novo.
Vitória sorriu ao conde, logo contendo-se para não saltar nos braços do
homem.
—Lorde Tannenbrook, isto foi... não posso expressar... Esforçou-se para
reprimir as lágrimas. Bem, talvez o mais simples seja melhor. Obrigada,
milord, Você foi muito útil.
Ele inclinou a cabeça e disse: —Não há de que, Lady Atherbourne.
Ela se levantou para vê-lo e ele ficou de pé, seu enorme corpo imponente
na sua altura. Ele pousou os olhos em seu caderno de desenho.
—Terminou então?
Olhou a capa de couro e logo a ele.
—Com o desenho? Sim na realidade, sim.
—Posso vê-lo?
Apesar de ter que estirar o pescoço para fazê-lo, ela o olhou nos olhos.
Algo alí parecia-se com o olhar de um menino tímido. Ela sorriu.
—É óbvio. Voltando rapidamente as páginas até dar com a de seu retrato,
lhe entregou o caderno aberto. Ele o tomou com cuidado em suas grandes
mãos, o rosto escurecido e inescrutável enquanto examinava seu trabalho.
Um ligeiro cenho franzido na testa.
—Algo… algo está mau? Ela se aproximou mais, colocando-se a seu lado
para poder ver a página ela mesma. Tive problemas com sua testa, mas pensei
que o fiz bem no final.
—Não, não está nada mau, disse. Está bom. O melhor que vi de fato.
Um estremecimento lhe percorreu o corpo ante o elogio inesperado. Não
era freqüente que escutasse essas coisas de ninguém, além do Harrison ou de
Lady Berne. Ficando na ponta dos pés, saltitou de felicidade, sorrindo
radiante ao amável e óbviamente perspicaz Lorde Tannenbrook.
A porta da habitação se fechou com força, ecoando na habitação.
—Bem, esta não é uma imagem enternecedora, disse seu marido com
sarcasmo. Meu melhor amigo e minha esposa.
Capítulo 31
"Não me dirija esse olhar ameaçador, querido moço. Não sou eu a que
guarda segredos. " —A Marquesa Viúva do Wallingham ao conde do
Tannenbrook durante uma discussão particularmente irritante.
Lucien nunca tinha desfrutado matar. Como soldado, tinha sido necessário
às vezes, mas ele não havia sentido nenhum prazer ao fazê-lo. Até agora. Se
imaginou despachando Tannenbrook com a mesma brutal eficiência que tinha
empregado contra os franceses. Foi... satisfatório.
Ver vitória parada a uns meros centímetros de James, sorrindo-lhe com
resplandecente alegria, suas pequenas curvas quase abraçadas pelo homem
muito maior, foi como ácido corroendo suas veias. Fechou os punhos
desejando uma espada, uma pistola, algo para romper a conexão entre eles.
Esse olhar pertencia a Lucien. Ele deveria ser a causa de seu sorriso
angelical. Ele a fazia rir e dançar nas pontas dos pés. Ninguém mais.
—Lucien, exclamou sua esposa. Uma cor rosa a alagou acendendo suas
bochechas enquanto dava um passo para trás, acrescentando vários
centímetros de espaço entre ela e James.
Melhor, pensou obscuramente. Mas nem de perto suficiente.
—Eu… nós... quer dizer, Lorde Tannenbrook e eu... .balbuciou Vitória,
sua voz um pouco mais alta do que o normal. Algo na expressão do Lucien
deteve sua explicação.
Parecendo molesto, James colocou o caderno que sustentava na cadeira
atrás dele e dirigiu-se para Lucien, seus ombros retos como se se preparasse
para uma briga nos Cavalheiros Jackson.
—Não seja tolo homem, advertiu seu amigo. Ela me pediu que posasse
para meu retrato. A porta estava aberta.
Ele apertou os lábios.
—Ficou sentado para ela. Nada mais?
Inclinando ligeiramente a cabeça, James bufou.
—Um pouco de conversação.
—Conversação. O tom de Lucien era mortal.
—Talvez devesse ir.
—Talvez devesse ter ido há muito tempo, replicou Lucien.
James assentiu, esboçando um seco meio sorriso. Seus passos ressonaram
com força na habitação enquanto lentamente se aproximava de Lucien, que
estava na frente da porta fechada. Ao passar deteve-se, batendo com força no
ombro de Lucien.
—Tome cuidado amigo, murmurou James para que só Lucien pudesse
ouvir. Faria bem em reconhecer a jóia que tem na palma de sua mão,
inclusive se a razão pela qual a possui é menos que nobre.
Com uma última e dura palmada, James saiu fechando a porta com um
suave estalo.
Com os olhos fixos em Vitória, Lucien observou como se movia pela
habitação, primeiro à sua mesa de trabalho, logo ao seu cavalete, para logo
depois voltar à mesa. Levando as mãos atrás das costas, desatou e tirou o
avental manchado de tinta, revelando um vestido de manga larga rosa pálido,
de singela musselina.
Seus olhos pousaram em seus peitos, cheios e exuberantes. Estavam
cobertos com modéstia, mas não podia evitar perguntar-se se James os tinha
notado. E como não fazê-lo? pensou Lucien com nó no estômago. Ela era
deliciosa.
Sentia saudades de sua pele. Seu doce aroma floral. A sensação de seus
lábios em seu corpo. A onda da paz quando ele jazia com a cabeça sobre seu
coração, sua bochecha pousada em seus peitos ruborizados pelo prazer.
Quase grunhiu ante a lembrança.
Ela tampou uma garrafa de vidro de pigmento azul e o colocou
cuidadosamente em uma caixa de madeira. Umas mechas de cabelo
escaparam do singelo coque enrolado atrás de sua cabeça, caindo na
passagem do marco de sua mandíbula.
Ele sentiu esticar-se sua própria mandíbula. O que esperava que fizesse?,
perguntou-se com amargura. Como ia se sentir sabendo que planejou afastá-
la de sua família, que a usou para seus próprios fins, e só se arrependeu
quando descobriu que havia focado no irmão errado?
Zangada. Devia sentir-se zangada. E o tinha deixado claro.
Sentiu uma quebra de onda de náuseas. Ela tinha servido pescado cada
noite da confrontação na Casa Clyde-Lacey. Primeiro, ela tinha fugido à sua
sala de estar sem dizer uma palavra. Logo tinha dormido sem ele. Logo tinha
comunicado seu descontentamento através do menu do jantar.
Percebendo que ela desejava um pouco de distância, ele tinha se retirado.
Dormiam separados, passavam a maior parte do dia separados,
essencialmente viviam separados. Pouco falavam. Fora os escuros meses
depois de Waterloo, havia sido a pior semana de sua vida.
—É muito afortunado sabe, disse ela com suavidade, revolvendo um
pincel em uma pequena taça de dissolvente. Lorde Tannenbrook é um amigo
muito leal.
Lucien cruzou os braços sobre o peito, a irritação arrepiando-o.
—O que significa isso?
Ela passou um pano pela escova limpa, e logo o colocou cuidadosamente
junto a uma fila de outras escovas.
—Simplesmente que parece ter sido uma âncora para ti em meio de
grandes tormentas.
Quando seus olhos se encontraram com os dele, azul esverdeados e
inquebráveis, deu-se conta de que era sincera. Sua honesta avaliação do
James era que tinha sido um amigo incondicional para Lucien. E isso era
certo. Mas, como ia ser para ela?
—Estiveste te reunindo regularmente com ele, verdade? perguntou em voz
baixa.
Ela fechou os olhos.
—É óbvio que não. Hoje foi a primeira vez . Sua expressão se tornou
triste, simpática Ele me explicou o que aconteceu no ano passado. Alagou-o
um terror denso e paralisante. Quanto lhe tinha contado James?
—Sofrer tantas perdas de uma vez, disse ela com voz suave. Não posso
nem imaginar como o suportou.
O ar escapou de seu corpo, seus pulmões ardendo. Ela sabia. OH, meu
Deus. Ela sabia da escuridão. Da loucura. Não. Não, não, não, não. Era sua
maior vergonha, sua incapacidade para escapar do fundo negro. Se ela
soubesse...
—Entendo melhor agora, Lucien. Acreditaste que Harrison era o
responsável. A vingança se converteu em seu propósito. Mas agora tem que
ver sem dúvida que este caminho só pode terminar em uma maior destruição.
Para ti. Para mim. Supõe que isso é o que iriam querer Gregory ou Marissa?
Incapaz de sustentar seu olhar, ele se moveu para as janelas, olhando o
redemoinho de névoa cinza. Apoiou as mãos no batente.
—Não era o que ninguém queria, confessou com voz rouca, eu inclusive.
Sua cabeça caiu para a frente, inclinando-se com a tensão de recordar. Mas
nesse momento foi a única coisa que me permitiu dormir.
Vitória não disse nada, mas seu silêncio estava cheio de compreensão. De
pesar. O rocê de seu vestido enquanto se movia pela habitação foi o único
som que ouviu durante muito tempo. Quando por fim ela falou, não estava
mais que uns poucos centímetros atrás dele. Mais perto do que tinha estado
em dias. Ele pensou que possivelmente captou um pingo de sua essência.
Jacinto. Tão doce.
—O baile Gattingford é esta noite. Ainda tem a intenção de me
acompanhar? Sua voz previamente suavizada pela empatia, tinha voltado para
sua cadência normal e tranqüila.
Graças a Deus. Quão último queria era que Vitória o visse paralisado pela
dor ou explodindo em um ataque de ira. Não poderia suportar sua compaixão.
Melhor que o odiasse.
Mas era certo? Se o odiava, ela poderia lhe deixar. Nada poderia ser pior
que isso.
—Lucien?
Seus dedos se fecharam na madeira grafite do batente. Seu peito se sentia
apertado, a dor de seu coração intensificando-se.
—Responda-lhe imbecil.
Sentiu-a aproximar-se, sentiu um formigamento de consciência lhe
percorria as costas, curvando-se ao redor de seus quadris e afundando-se em
sua virilha. Tão perto. Ela pousou brandamente sua mão em seu bíceps.
Queimou-o através das capas de lã e linho, marcou-o como de sua
propriedade.
—Lucien, sussurrou, vai a…?
—Sim, disse com os dentes apertados. É óbvio que vou te acompanhar.
Um segundo. Dois.
Sua mão caiu. Sentiu-a retroceder, ouviu seus passos suaves retirarando-se
pela porta.
—Obrigada disse ela, sua voz mais rouca que antes, como se estivesse
tendo problemas para formar as palavras.
Deve estar muito ressentida comigo, pensou. E deveria está-lo.
Acompanhá-la ao segundo Baile de Gattingford da temporada era o mínimo
que podia fazer. Seria a peça final na restauração de sua reputação. Ele não
era o marido que merecia. Mas podia cumprir pelo menos uma promessa que
lhe tinha feito. Era um risco. Ela só se casou com ele para resolver o
escândalo. Depois desta noite, isso já não seria uma preocupação. Ela não
teria mais necessidade dele.
Esclarecendo a garganta, lhe chamou a atenção mais uma vez.
—Jantaremos aqui antes de sair. O que oferece Lady Gattingford é
simplesmente horrível. Fez uma pausa. Cook tinha planejado servir eglefino,
acredito.
Ele fechou os olhos. Pescado de novo. Bom, vendo o lado bom, supôs que
para Vitória ainda lhe importava o suficiente para estar zangada. Era um sinal
de esperança.
—Entretanto pedi-lhe que preparasse pato assado em seu lugar. Seu molho
de brandy é excelente.
A porta estalou quando ela saiu da habitação.
Possivelmente "esperança" tinha sido um pouco prematuro, pensou
ironicamente. Inclusive tinha renunciado a seus intentos transparentes para
castigá-lo. Só podia concluir uma de duas coisas: ou estava começando a
perdoá-lo, ou já não lhe importava nada.
Sua cabeça caiu quando o desespero o invadiu. Esteve se perguntando
durante dias como fazer para mantê-la em sua vida. Ele sabia que ela não ia
divorciar-se, nunca mais voltaria a convidar a tais escândalos, mas com a
ajuda do duque, poderia viver afastada com tranqüilidade e comodidade.
Separada dele. Para sempre.
Estava disposto a suportar e aceitar sua ira, preparado para advogar por seu
perdão. Mas se tivesse destruído qualquer afeto que sentisse por ele, se ela
não pudesse amá-lo, nada disso importaria.
Passeou o olhar pela habitação com ar ausente. Paredes azuis. Chão de
madeira. A primeira vez que tinha entrado no estúdio de Vitória, tinha ficado
surpreso. Nada de sua irmã permanecia aqui, nem o relógio de bronze sobre a
chaminé ou a mesa onde tinha colocado um vaso de pétulas de rosa. Nem
sequer a mancha de seu sangue no chão. Agora a habitação era totalmente de
Vitória. Isso era bom, pensou. Melhor recordar Marissa em outro lugar,
talvez no jardim traseiro do Thornbridge.
Um inesperado sorriso apareceu em sua boca. Tinha sido uma coisa
selvagem, sua irmã. Seus vestidos sempre tinham estado manchados com a
água da chuva, com pasto, e com a sujeira dos lugares que amava explorar.
Ela tinha o costume de perambular pelo bosque, passeando junto ao arroio
que atravessava suas terras. Dizia que era a única vez que se sentia
completamente em paz.
Ele piscou e sentiu uma lágrima descendo por seu rosto.
—Está em paz agora pequena?
Era uma pergunta que suspeitava que se faria pelo resto de sua vida.
Inclusive se Colin Lacey fosse castigado. Inclusive se Blackmore sofresse por
matar ao Gregory. De alguma maneira sabia que nada disso nunca seria
suficiente, porque não podia desfazer o que tinha acontecido.
Limpando o rosto, perambulou lentamente pela habitação. Sim, era o lugar
de Vitória agora. Ela o tinha feito dela.
Seus olhos pousaram nas cadeiras junto à chaminé vazia.
Com o ressentimento surgindo, recordou entrar na habitação antes, vê-la e
a Tannenbrook juntos. Vitória tinha pedido ao James que posasse para ela.
Não a Lucien. Ao James. Por que? O que havia tão cativante sobre o maldito
James Kilbrenner que ela simplesmente tinha que desenhar ao maldito
gigante?
Ao ver seu caderno de desenho descansando sobre uma das cadeiras,
recolheu-o com brutalidade e abriu a capa de couro marrom.
Sua respiração se deteve, o coração girando dolorosamente. Não era
James. Era ele. Lucien. Estava sentado junto a uma janela, o rosto ainda
fechado e triste. Vazio. Perdido.
Passou os dedos brandamente sobre o esboço, riscando o caminho que
essas mãos delicadas tinham esboçado. Ela devia tê-lo desenhado de cor. As
formas eram excelentes, seus traços audazes e confiados. E entretanto, não
era simplesmente a técnica. O retrato era sensível e matizado, sua empatia por
sua pessoa incrustada no sombreado de luz e escuridão, a inclinação baixa de
seu queixo, a vulnerabilidade de sua mão, que estava aberta e vazia no braço
da cadeira. Uma artista bem dotada,sua esposa.
Foi à página seguinte, seus olhos aumentando pela surpresa.
Era ele de novo. Desta vez, estava deitado em sua cama, sua boca curvada
ligeiramente para cima enquanto dormia, o lençol enrolado ao redor de seus
quadris. O devia ter desenhado depois que fizeram amor.
Outra página, outro retrato dele. E outro. E outro. Dúzias, de fato.
Tinha lhe desenhado em cada pose concebível: nu e vestido, rindo e
melancólico, comtemplativo e apaixonado. Ela tinha feito estudos de toda sua
figura, detalhados esboços de suas mãos, de seus olhos, dos contornos de seu
peito. Parecia especialmente fascinada com a metade inferior de seu rosto:
lábios e mandíbula.
Sentiu-se sorrindo como um parvo. Um tolo apaixonado por sua esposa,
descobrindo que talvez, só talvez ela sentia o mesmo por ele. Tragou saliva,
quase com medo de acreditar.
Ao chegar à última página, viu o retrato que tinha feito hoje, o de James.
Os traços curtidos e francos de seu amigo estavam longe de ser formosos,
mas Vitória havia conseguido captar a aguda inteligência na nitidez de seus
olhos, a obstinada determinação na dureza de sua mandíbula, a escuridão
secreta nas sombras de sua fronte. Era uma brilhante representação do
homem.
Mas uma coisa não mostrava: o entusiasmo do artista com seu sujeito.
Cada desenho de Lucien estava impregnado de adoração. Pelo menos, a pura
quantidade o demonstrava.
Sentindo-se mais esperançado do que se sentiu em semanas, deixou o
caderno de desenho de Vitória em sua mesa de trabalho. Foi então quando
viu seu cavalete coberto com um tecido grande, provavelmente para proteger
a pintura do pó.
Curioso, levantou o tecido, dobrando-o com cuidado para revelar ...
A ele mesmo.
Ou bem, uma versão mais magnífica de si mesmo.
Com o coração golpeando dolorosamente dentro de seu peito, Lucien ficou
olhando seus próprios olhos e de repente compreendeu.
A mulher que pintou isto o via. Conhecia-o até mesmo sua alma. E ela o
amava profundamente. Não poderia ter sido mais claro.
Girando e inclinando-se, seu mundo mudou, expandindo-se para incluir
este novo conhecimento. A alegria, preciosa e frágil, surgiu de uma parte de
si mesmo que havia acreditado perdida.
Ela o amava.
Mas o perdoaria? Pela primeira vez, deu-se conta de que poderia ser
possível. Poderia ganhar seu perdão. Poderia recuperar sua confiança.
Estava longe de estar garantida. Pouco provável, possivelmente. Mas havia
uma possibilidade.
E nada mais importava.
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Capítulo 32
" Os limões são ácidos. Requerem uma quantidade igual de doce para
serem agradáveis ao paladar. Talvez não tenha ouvido isso, querida. " —A
Marquesa Viúva do Wallingham a Lady Gattingford depois de beber
involuntariamente a limonada da dita dama.
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