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Copyright

@2021 por Ariane Fonseca.



Capa: Will Nascimento
Diagramação: Ariane Fonseca
Revisão: Barbara Pinheiro
Análise crítica: Danielle Barreto, Beatriz Menezes e Pollyana Fonseca

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados.

É proibido o armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte desta obra
através de quaisquer meios sem o consentimento da autora.

A violação autoral é crime, previsto na lei nº 9.610/98, com aplicação legal pelo
artigo 184 do Código Penal.

Se você chegou aqui pelo romance e o conteúdo erótico, tenha em
mente também que se trata de um livro de ficção científica.

Se você veio pela ficção científica, saiba que vou desenvolver o
relacionamento íntimo entre um dos experimentos e a biomédica que ajuda a
salvá-lo.

Tentei encontrar um meio-termo entre aquecer o coração dos leitores com
o casal, sem deixar de lado todo o cenário que explica a mutação genética no
sangue de cinco garotos e quais são os interesses escusos por trás de trancafiá-
los por anos em um laboratório.

Quem me acompanha há algum tempo já sabe que eu não consigo
escrever histórias sem aprofundamento, eu amo mergulhar de cabeça nos
universos que crio. Sendo assim, com Experimento não será diferente.

Baseei-me o máximo que consegui dentro de aspectos da ciência,
contudo, com liberdade poética para inserir ideias da minha mente fértil. Termos
e técnicas que os cientistas usam, bem como o funcionamento do corpo dos
experimentos, podem não representar a nossa realidade atual.

Foi uma aventura intensa e desafiante escrever a história de amor — e de
liberdade — entre Dylan e Elisa. Mesmo que ficção científica não seja sua
preferência de leitura, espero que dê uma chance e se envolva com a trama e
todo carinho que coloquei nessas linhas.

Aperte os cintos, e viaje comigo!

SUMÁRIO

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
















Dedico este livro a todos que, em algum momento da vida, se sentiram
trancafiados — por outras pessoas ou por sua própria mente.


Acorde meu interior
(Não consigo acordar)
Acorde meu interior
(Me salve)
Chame meu nome e me salve da escuridão
(Me acorde)
Faça meu sangue correr
(Não consigo acordar)
Antes que eu me desfaça
(Me salve)
Me salve desse nada que me tornei

Bring me to life (Evanescence)



Sento-me na poltrona reclinável do laboratório e estico meu braço
aguardando a coleta de hoje. Logo White se aproxima com o toque gelado da sua
luva e a picada da agulha na minha pele antes que eu possa abrir a boca para
desejar bom dia. O desconforto que sentia no início foi substituído no decorrer
dos anos por costume. Não é algo que me incomoda mais.

Não isso, pelo menos.

Decido pelo silêncio ao notar o homem de cabelos brancos e olhos azuis
com o semblante sério e os dedos rígidos segurando a seringa. De todos que
ficam aqui conosco, ele e o doutor Russell são os que menos interagem e os que
mais perdem a paciência com frequência. Aprendi a perceber os sinais da
irritação e evito provocá-la ainda mais. Não suporto gritos.

Fico observando as manchas pequenas no teto enquanto o espero encher
dois tubos. Tento focar em algo aleatório, como no fato dos componentes do
nosso sangue se reporem no organismo dez vezes mais rápido que de um
humano comum, contudo, é impossível reprimir da mente a única lembrança que
tenho do meu pai.

Sinto tanta raiva por ser uma memória barulhenta e confusa. No flash que
me recordo, ele discute com algumas pessoas dentro de uma sala fechada
enquanto estou do lado de fora, desenhando algo disforme e rabiscado numa
folha sulfite. Tapo os ouvidos à medida que as vozes aumentam e o vejo jogar
alguns papéis no chão pelo vidro da janela.

Não entendi nada da conversa, tampouco enxerguei com quem estava
falando. É apenas uma tortura frequente na minha vida, que aumenta ainda mais
minha angústia por respostas. Talvez sejam os homens que o mataram e eu
sequer consigo me lembrar para ajudar a fazer justiça.

“Você era apenas uma criança, esqueça isso. Você vai salvar muitas
vidas, Dylan, e seu pai terá orgulho onde estiver.”

Respiro fundo, jogando minha cabeça mais para trás na poltrona. O
doutor Patterson contou que minha mãe morreu no parto e meu pai cuidou de
mim em tempo integral até os três anos. Essa aproximação o fez notar alguns
sinais estranhos no meu corpo, como o fato de nunca adoecer. Peter era um
biólogo renomado e decidiu investigar, descobrindo que meu sangue é de um
tipo raro denominado Bombaim — local onde foi descrito pela primeira vez, na
Índia.

Essa condição faz com que o indivíduo não possua o antígeno “H”
comum aos grupos sanguíneos conhecidos A, B, AB e O. Uma em cada 250 mil
pessoas tem esse fenótipo no mundo e, dentre eles, apenas cinco foram
descobertos até agora com uma mutação capaz de criar glóbulos brancos em uma
velocidade tão rápida e tão potente que pode curar vários tipos de doenças. Essas
células circulam pelo meu sangue e atuam como uma frente de proteção, que age
de forma específica contra cada tipo de invasor.

De alguma forma, que ainda não entendemos como, gente gananciosa
soube dos testes que estavam sendo feitos e foram atrás do meu pai exigindo
respostas. Ele nunca disse que meu sangue era o responsável por curar doenças e
acabou morrendo por isso.

Sabendo que eu estava em perigo, fui deixado aos cuidados dos seus
amigos antes do pior acontecer e é, por isso, que estou escondido aqui, desde
então. Para todos lá fora, meu pai morreu e eu estou desaparecido. Não é seguro
ainda me mostrar ao mundo. Não até que as pesquisas sejam finalizadas e
divulgadas da forma certa; para o bem das pessoas, não por dinheiro.

Noto a agulha sair do meu braço e ser substituída pelo aparelho de
pressão que aperta meu músculo. Faço o exame de glicemia com uma picada no
dedo, também tenho os batimentos cardíacos auscultados antes de receber uma
bandeja de medicamentos. Todo dia de manhã eu tomo cerca de dez
comprimidos de vitaminas e suplementos.

Basicamente, o dia passa entre comer, fazer exames, realizar testes, me
exercitar, estudar, ler e dormir. Nada além disso.

— Mande o E2 vir e vai ficar um pouco no sol — White fala, pela
primeira vez, depois de longos minutos.

— Tudo bem. — Obedeço, levantando-me e saindo da sala sem estender
o diálogo.

Não gosto desses apelidos, prefiro que nos chamem pelo nome. Cada um
ganhou uma numeração à medida que foi chegando. Eu sou o número 1 e estou
aqui há 25 anos; Thomas o 2, há 23 anos; Jimmy o 3, há 20 anos; Matthew o 4,
há 16 anos; e Ethan o 5, há 9 anos. O E usado é uma abreviação de experimento.

Apenas eu cheguei um pouco mais velho, os demais vieram bebês.
Acompanhei o crescimento de todos. James falou que posso ser considerado uma
espécie de irmão mais velho, mesmo que não tenhamos a mesma família.

Fico feliz em saber que não estou sozinho nessa. Se já é ruim ficar aqui
trancado, sem os garotos seria insuportável. A presença deles torna as horas mais
toleráveis.

Avisto Thomas na cozinha e sigo apressado até ele. Para variar, deve ter
acordado atrasado e só agora foi tomar o café da manhã.

— O White está te chamando e, adianto, não está de bom humor hoje.

— Quando ele está? — Thomas revira os olhos e larga o prato de ovos
com bacon em cima da mesa pela metade. — Esse homem vive irritado. Se eu
pudesse subir e respirar ar fresco um pouco, seria o cara mais feliz do universo.

Aceno em concordância ao mesmo tempo que o senhor ranzinza grita, o
chamando. Tapo o ouvido por reflexo e balanço a cabeça, evitando que a voz
aguda se reverbere pela minha mente e traga as memórias de novo.

— Vai logo, ou ele não vai parar de gritar — peço, incomodado.

— Estou indo — diz, de boca cheia, virando o resto do copo de suco de
laranja pela garganta.

Thomas segue na direção que eu estava e eu vou na oposta, onde fica o
único lugar aqui de baixo com acesso ao mundo lá fora. Gesticulo para Jimmy
no caminho, na direção do laboratório de exames, para que fique atento que será
o próximo.

Eu também daria tudo para subir e respirar um pouco de ar fresco. Queria
sentir a brisa fria do vento, a densidade da chuva e ver todos os locais que
aprendemos nas aulas. Nunca nos privaram de saber o que há por trás dessas
paredes. Muito pelo contrário, estudamos diariamente para conviver na
sociedade assim que sairmos daqui.

Ando prestando atenção em cada local, pela milésima vez. Quando não
temos como ocupar o tempo, qualquer mera distração ajuda. Nosso lar é grande
e espaçoso, com branco por todo lado e divisórias separando os ambientes.

A ala direita é onde ficam os laboratórios e equipamentos para realizar os
testes e os cuidados com nossa saúde. São muitos, de todo tipo, e de última
geração como gosta de gabar o doutor Russell. À esquerda, temos os quartos,
banheiro, cozinha, academia, sala de estudos, sala de lazer e a área do sol. O
doutor Patterson explicou que estamos no subterrâneo e há a continuação dos
laboratórios na parte de cima.

Ninguém pode nos ouvir, nem nos ver. É tudo protegido por isolamento
acústico. A equipe está tentando descobrir uma forma de replicar a nossa
habilidade de cura nas pessoas doentes do lado de fora e, enfim, nos apresentar
para a humanidade.

Confesso que essa espera é que tem me deixado mais agoniado. Estou
cansado de ficar aqui, fazendo todo dia as mesmas coisas, do mesmo jeito, com
as mesmas pessoas. Eu adoro a companhia dos garotos, do James e do Oliver,
jamais quero perder isso, só que não me parece mais suficiente.

Chego ao meu destino e me sento, fitando os raios de sol através do
painel solar. Estico o braço inutilmente, como se pudesse tocar de alguma forma
a superfície. Eu sou alto, mas seria impossível alcançar. Está muito acima de
mim.

— Você não perde essa mania. — Viro-me e vejo James sorrir parado na
minha frente.

Realmente, sempre que venho aqui estico o braço para o alto. O meu
inconsciente quer tanto sair que tenta se apegar ao que pode. Desço-o e o apoio
na madeira para relaxar enquanto o calor queima minha pele. Entre os garotos,
Matthew é o que possui o tom mais escuro, seguido por mim. Dos responsáveis
por nós, James é o único da cor preta. Todo o resto é branco.

Nas aulas que temos, descobri que existem vários tipos de tom de pele,
gêneros e etnias. Não vejo a hora de conhecer todos e de ver tudo que o mundo
tem para mostrar.

— Como está o dia lá fora hoje? — Às vezes gosto de saber para me
martirizar ainda mais.

— Estamos no verão, então, bem quente, barulhento e cheio de turistas.
Acabei de passar em frente a uma livraria de rua e trouxe pra vocês.

Pego o livro que estende na minha direção e observo os detalhes da capa
em azul e laranja: “Viagem ao centro da Terra”, de Júlio Verne. Ele e Oliver, que
insistem que o chamemos pelo primeiro nome, sempre trazem exemplares
diferentes para lermos — embora o doutor Russell odeie que a gente perca
tempo com literatura de ficção ao invés dos livros técnicos sobre saúde, química
e biologia.

Se dependesse dele, as nossas aulas iam ser 100% sobre esses temas e
saberíamos muito pouco sobre o restante. “Vocês serão modelos para o mundo
quando saírem daqui, precisam entender como o corpo funciona, o poder que
têm dentro de vocês.”

— Obrigado, estou precisando mesmo de uma distração nova. Do que se
trata? — O meu preferido até agora é “Os três mosqueteiros”.

— Este é um dos principais clássicos do século 19! — explica, animado,
movendo as mãos de um lado para o outro. — Um enigmático pergaminho cai
nas mãos do professor Lidenbrock, que pede ajuda ao sobrinho Axel para
desvendá-lo. A mensagem que descobrem faz com que partam de Hamburgo em
uma arriscada expedição rumo à Islândia, em busca do centro da Terra.

— Mais um de aventura — comemoro, cansado dos livros técnicos.

— Eu sei que são seus preferidos! — Ele sorri mais uma vez e bate no
meu ombro. — Aproveite para começar a ler enquanto toma o seu sol. Preciso ir
agora, o doutor Russell quer que eu leve alguns documentos na sede.

Aceno, me despedindo e ele some da minha vista, tão rápido como
chegou. James é biólogo como meu pai, e Oliver é engenheiro químico. Ambos
são responsáveis pela cozinha, pela limpeza junto com a gente e pelas aulas.
Nunca os vi reclamar do trabalho fora da sua área de atuação.

Os doutores Russell e Patterson são médicos especializados em
imunologia, o ranzinza do White é farmacêutico e tem ainda o Smith que
também é químico. Esses, por sua vez, sempre ficam irritados quando precisam
fazer algo que não gostam. Vide o senhor de olhos azuis agora há pouco
enfiando a agulha com raiva no meu braço.

Somente esses profissionais têm acesso aqui embaixo. Raramente estão
todos ao mesmo tempo, eles costumam se dividir em escalas para nunca nos
deixarem sozinhos.

Abro o livro e começo a ler para passar o tempo. Enquanto não tem outro
jeito, continuo viajando e conhecendo o mundo por meio das palavras. Antes ter
isso, do que nada.


Ajeito as pastas debaixo do braço e tento procurar a chave do
apartamento no meio da bagunça da minha bolsa. Enfio a mão bem no fundo,
afastando diversos objetos, sem sucesso. A luz do sensor do corredor apaga e eu
bufo antes de balançar o corpo para a direita buscando que se acenda novamente.
O movimento faz com que duas pastas caiam no chão e os papéis se espalhem
por todo lado.

— Ótimo jeito de terminar o dia, Elisa! — resmungo comigo, revirando
os olhos para a minha sorte.

É impressionante como nos últimos meses o universo ri da minha cara
em cada oportunidade que pode. Irritada, agacho-me e apanho tudo de qualquer
jeito, aproveitando a posição para virar os itens da bolsa no carpete e procurar o
que preciso.

O metal pequeno e amarelado desponta na minha visão e eu o pego com
raiva, lembrando-me mais uma vez que preciso comprar um chaveiro grande
para facilitar a busca. Assim que recolho tudo e consigo entrar, o silêncio da sala
me invade em cheio.

Inspiro fundo, sentindo aquele aperto incômodo no peito. A verdade é
que, se eu pudesse, passava as 24 horas do dia na universidade. Nunca gostei de
ficar sozinha e essa tem sido uma realidade recorrente na minha vida agora.

Tudo está quieto e monótono do mesmo jeito que eu deixei hoje de
manhã. Tiro meus sapatos e jogo a bolsa no aparador, caminhando com as pastas
na direção da mesinha no canto da sala. Ainda vou reavaliar alguns relatórios
antes de dormir.

O lugar é apertado, mas suficiente para alguém que não divide o
ambiente com outra pessoa. Escolhi o apartamento por ser minimamente
mobiliado e perto do meu trabalho, necessitando apenas que eu caminhe algumas
quadras para chegar. Tem supermercado, farmácia, lavanderia, hospital... tudo
próximo.

Quando vim de Nova Iorque para Chicago, há um ano, não trouxe
nenhum bem material fora as minhas roupas, meus livros e meu computador.
Pelo estado em que me encontrava, seria mais sensato ter voltado ao Brasil, para
perto da minha família, só que meu subconsciente implorou para aguentar firme
e enfrentar meus medos aqui.

Não é como se meus pais fossem uma família normal, no final das
contas.

Coloco os documentos em cima da mesa e sigo para a cozinha a fim de
procurar alguma coisa para comer. Depois do almoço só forrei o estômago com
uma maçã e são quase dez e meia da noite. Sempre que a senhora Moore não
está por perto, obrigando-me a descansar e ter uma vida fora da academia, eu
perco a noção do tempo nas pesquisas.

Abro a geladeira e observo com certo desânimo as opções saudáveis que
a dietista me passou a fim de ajudar na redução dos 20Kg que engordei nos
últimos meses. Dietista seria o equivalente a nutricionista no Brasil, assim como
a minha profissão de biomédica também é vista de outra forma por aqui.

Geralmente, os profissionais que atuam na análise e pesquisa de doenças,
para o desenvolvimento de medicamentos e vacinas nos Estados Unidos, não são
formados em biomedicina, e sim em áreas de ciência básica, como química e
biologia.

Eu terminei a graduação de cinco anos e me especializei em hematologia
por mais dois anos, antes de vir para cá. Passei por todo processo extenso e
burocrático de validação do diploma, assim como do visto, e comecei a trabalhar
na área de pesquisa, na qual esse profissional é mais requisitado em solo
americano — também é a minha grande paixão.

Vai fazer seis anos que me mudei e me acostumei tanto que não pretendo
voltar, mesmo depois de todas as memórias ruins que criei neste país.

Pego alface, tomate, pepino e dois ovos da geladeira levando tudo para a
pia. Coloco água para ferver a fim de cozinhar a proteína e começo a cortar os
demais ingredientes da minha salada quando ouço o celular tocar.

Pelo horário, devem ser as minhas amigas Amber ou Emma confirmando
nossa saída amanhã à noite. Estou zero animada para esse happy hour no meio
da semana, mas não tive muita opção de escolha. As duas são bem convincentes
quando querem.

Largo tudo em cima do mármore e sigo apressada para pegar o aparelho
dentro da minha bolsa. A animação que eu já não tinha se esvai de vez ao notar
no visor o nome de Madalena, minha excelentíssima mãe.

A vontade de deixar cair a ligação é grande, mas ela não me liga com
frequência e está ainda mais tarde no Brasil. Não telefonaria a essa hora se não
fosse sério. Pode ser algo com a minha irmã Ingrid. O simples pensamento me
faz apertar o botão de atender antes de pensar qualquer outra coisa. Se me sinto
um pouco Montemor, é por causa dela.

— Boa noite, mãe. Está tudo bem aí? Aconteceu algo? A Ingrid está
bem?

— Que demora pra atender esse telefone, Elisa — ela reclama e eu passo
a mão na testa, já arrependida. — Quem vê pensa que é muito ocupada, que fica
horas dentro de um centro cirúrgico salvando vidas ao invés de sentada em frente
a um computador o dia todo.

Madalena e Olavo nunca concordaram com a minha escolha pela
Biomedicina. De uma família de cirurgiões, os dois consideram uma opção
preguiçosa porque tem menos tempo de estudo e um campo calmo de atuação,
segundo suas palavras.

Ele é neurocirurgião, ela cirurgiã ortopedista e a minha irmã mais velha
cirurgiã pediátrica. Antes disso, meu avô materno havia sido cirurgião
cardiovascular e os dois avós paternos neurocirurgiões também. Imagina a
pressão em cima de mim por não querer seguir a tradição. Isso, com certeza,
influenciou muito que eu não pensasse demais para aceitar vir morar a
quilômetros de distância.

Meu pai não concorda, no entanto, raramente expressa seu
descontentamento. A minha mãe, pelo contrário, em qualquer oportunidade que
encontra me cutuca com suas palavras ácidas.

— Está tudo bem, mãe? — volto a perguntar, ignorando seu comentário.
Se eu retrucar, a discussão não acaba nunca.

— Estou te ligando pra lembrar que amanhã é o primeiro dia do seu pai
como chefe de setor no Albert Einstein — fala, apressada, como se quisesse
desligar logo. — Ele batalhou muito por isso, está empolgado com o início dos
trabalhos. Não custa você fingir que se orgulha e dar os parabéns. Estamos tristes
que sua irmã foi para o Sul participar de um congresso e não poderá comemorar
conosco na recepção que daremos à noite.

Tem tantos problemas nessa fala que preciso me sentar no sofá para não
deixar o aperto no peito tomar conta de tudo e desencadear uma crise assim que
ela desligar, provavelmente, nos próximos segundos.

Minha mãe sabe muito bem o inferno que passei e sequer questiona como
estou. Amanhã é meu aniversário, mas é claro que ela não se lembraria de uma
data tão insignificante quanto essa.

O único motivo de ter me ligado é para implicar comigo e esfregar na
minha cara, mais uma vez, que a Ingrid é mais importante para eles do que eu.
Não é ciúme da minha irmã. Juro, passa muito, muito longe disso. Eu a amo e
sou muito grata por termos laços sanguíneos.

O problema é a falta de carinho que sinto por aqueles que me geraram.
Na infância, eu falava demais, na adolescência era quieta demais, depois escolhi
a profissão errada, casei com quem não queriam, fiquei grávida fora de hora e
agora sou um zero à esquerda por estar gorda e largada aqui.

Minha mãe teve a Ingrid com 27 anos na época, mas agora acha o
cúmulo a mulher que fica grávida antes dos 40. Se colocar nós duas uma do lado
da outra, a maioria das pessoas pensa que somos irmãs. Aparência e status se
tornaram primordiais na sua vida.

— Claro que ligarei, estou realmente orgulhosa por ele. A conquista está,
inclusive, na minha agenda. Eu não esqueci. — “Como você se esquece de
mim”... a frase fica martelando pela minha mente, contudo, se nega a sair pela
minha boca.

— Sei... — comenta, com desdém. — Você não consegue organizar nem
sua comida que dirá uma agenda respeitável. Enfim, estou de plantão e tenho um
paciente para salvar daqui a pouco. Ligue para o seu pai amanhã, Elisa!

— Boa n... — A frase morre com o barulho da ligação caída
reverberando pelo meu ouvido.

Ela realmente não se lembrou do meu aniversário daqui a poucas horas.
No fundo, bem no fundo, eu sempre fico esperando que estou errada e vou
quebrar a cara. Infelizmente, esse dia ainda não chegou...

— Ela não me ama — completo o pensamento sussurrando, a voz
amargurada, embora por dentro reverbere em alto e bom som por cada célula.

Acalme-se, Elise! Você não pode ficar nervosa!

Esfrego o peito com força, afastando a pressão que se formou ali e quer
subir pela minha garganta. Vou até a cozinha terminar a minha salada fazendo
exercícios curtos de respiração. Meus olhos estão embaçados pelas lágrimas, no
entanto, forço que fiquem onde estão e não ousem cair.

Não hoje. Não agora. Estou cansada de chorar sozinha nesta casa.

Coloco os dois ovos na água fervendo e pego a faca para cortar o tomate
a fim de acalmar meu coração acelerado, mas como o universo não colabora,
acabo cortando o dedo no processo. O sangue vermelho-vivo escorre na pia no
mesmo instante que as lágrimas que tentava reprimir descem como cachoeira
pela minha bochecha muito mais fofa do que antes.

Desligo o fogo e jogo os alimentos no chão, brava com a minha mãe,
com a faca, com o mundo, comigo... Pena que ficar brava e chorar não resolvem.
Nunca resolvem. Notando que o peito não vai parar de me sufocar, volto a abrir
a geladeira e procuro pelos cantos qualquer coisa que eu possa comer com
açúcar para aplacar a angústia dentro de mim.

A terapeuta que eu frequento, desde que cheguei aqui, disse que não
posso manter perto de mim os alimentos que acionam minha compulsão
alimentar porque, sempre que tiver uma crise, é neles que irei recorrer.

Que inferno! Maldita hora que fui ouvir a mulher. Não encontro nada na
geladeira, nem nos armários. Corro para a escrivaninha do meu quarto, onde
escondo algumas barras de chocolate, mas até delas eu me livrei depois das
últimas sessões.

Eu estava me controlando... estava, até Madalena conseguir me tirar do
eixo.

Volto para a cozinha e bagunço tudo à procura de algo, qualquer coisa,
que possa me ajudar a acalmar. Encontro um pote de achocolatado em pó no
fundo do armário e o apanho com força, pegando uma colher na gaveta para
comer puro mesmo.

Escorrego o peso do meu corpo no chão frio da cozinha e engulo, sem
nem sentir o gosto, uma colher atrás da outra, em busca de alívio.

Vai funcionar, daqui a pouco meu cérebro entende o estímulo e irá me
deixar mais animada por algum tempo. O triste será o arrependimento e a aflição
três vezes maior que irá me atingir mais tarde.

Com mais tarde, eu vou ter que lidar depois. Necessito do imediato, da
solução rápida. Agora eu só preciso tentar aplacar essa dor que me acompanha
há anos e piorou com a bagunça que se tornou minha existência.


Apoio as duas mãos na ampla janela de vidro da sala e fico observando
com aflição Ethan tremer em cima da cama e tossir tão alto que dá para ouvir do
lado de cá, mesmo pelas paredes grossas do local. Seu peito está buscando ar de
forma desenfreada, o que torna difícil a tarefa de continuar olhando para ele. Eu
sei muito bem como é essa sensação, já vivenciei experiências como essa mais
vezes do que consigo contar, mas quando é com os garotos o sentimento é pior.

Dá uma impotência, um aperto no peito por não poder tirar a dor deles e
colocar em mim.

Ethan é o caçula, porém, tem se mostrado o mais forte de todos. Seu
organismo produz os anticorpos ainda mais rápido e de forma mais concentrada,
aguçando a curiosidade dos médicos por respostas do motivo de isso acontecer.
Em uma pessoa comum, a produção de anticorpos específicos para combater um
patógeno demora de uma a duas semanas, enquanto no garotinho são poucas
horas.

Hoje ele recebeu uma alta dose de Klebsiella pneumoniae
carbapenemase (KPC) para verificar em quanto tempo será o combate do seu
corpo ao intruso. Também conhecida como superbactéria, nos humanos comuns
muitas vezes ela é fatal por ser resistente à maior parte dos antibióticos
disponíveis no momento. Acompanho o doutor Russell se aproximando dele na
cama coberto dos pés à cabeça com uma roupa branca que o protege de ter
qualquer contato. Além do traje especial, ainda há luvas, óculos, máscara e
protetor facial.

Com um tablet nas mãos, ele vai anotando as informações preliminares
que os aparelhos acoplados ao Ethan mostram. Essa checagem é feita a cada dez
minutos para monitorar a reação do corpo. Tudo é minimamente registrado para
que os outros profissionais possam esmiuçar e tentar achar um padrão depois.

É a sala mais sofisticada e a única que exige essas roupas especiais aqui
embaixo. James me explicou que, por testarem muitas vezes vírus e bactérias
altamente contagiosos, é necessário esse cuidado maior para que não se prolifere
no ar ou nos objetos e afete o ambiente lá de fora. Todos que entram precisam
passar por um tubo de vidro, grudado à porta, para fazer a descontaminação ao
sair.

— Queria que tivesse outra forma de desenvolver os anticorpos que não
fosse colocar essas coisas dentro de nós. — Matthew para ao meu lado e fita
com raiva a mesma imagem que eu.

Ethan ainda está tossindo muito, seu rosto pálido nada faz lembrar o
garotinho animado que tem sempre um sorriso para nos oferecer. Não é uma
cena bonita de se ver, por isso, raramente os outros garotos ficam acompanhando
quando um está passando pelos testes.

— Eu também queria, mas, infelizmente, não é possível — lamento,
colocando uma das mãos no seu ombro. — Temos que focar no lado bom, que é
salvar milhares de vidas em breve.

Essa é uma das primeiras lições que aprendemos nas aulas. O corpo
reage diariamente aos ataques de bactérias, vírus e outros micróbios por meio do
sistema imunológico. Essa barreira é composta por milhões de células de
diferentes tipos e com diferentes funções, responsáveis por garantir a defesa do
organismo e o manter funcionando livre de doenças.

Na maior parte das pessoas os remédios e as vacinas ajudam os glóbulos
brancos a eliminar esses microrganismos, mas nós não precisamos de nada disso.
Criamos a barreira sozinhos e combatemos em tempo recorde os intrusos. Só
que, para saber como vamos combater, precisamos ter tais microrganismos
dentro de nós. É uma parte incômoda, é verdade, porém, por sorte, o desconforto
dura poucas horas e logo ficamos curados. Esse é o grande diferencial que
temos.

Quando eu recebi o KPC precisei de 10 horas e 47 minutos para
conseguir expulsá-lo completamente. Ethan deve demorar metade desse tempo
pelos últimos resultados que obteve. As reações desagradáveis são sinal de que
está no ápice do combate e logo sairá vitorioso.

— Você acredita muito nisso, Dylan, eu não tenho tanta certeza de que
vamos mesmo conseguir ajudar as pessoas um dia. Já faz tanto tempo, eles
nunca conseguem... — Seu semblante fechado muda para um mais triste,
cansado.

— Se eu não acreditar que vai dar certo, tudo que passei nos últimos 25
anos terá sido em vão. Tudo que você vem vivendo há 16, também! — pondero,
desviando o olhar dele para o Ethan. — Eu não consigo viver com isso, seria
impossível aguentar sem esperança. Eu quero acreditar por mim, por nós, pelo
meu pai.

Matthew é o mais questionador e o que demorou mais tempo para aceitar
nossa missão. Ele odeia ficar trancado aqui embaixo e já teve várias crises pela
ansiedade de terminar logo as pesquisas e podermos, pelo menos, pisar lá fora.

Os médicos já descobriram que somos capazes de desenvolver anticorpos
contra todas as doenças que testaram em nós, falta agora conseguir amplificar
essa habilidade em larga escala para beneficiar outros pacientes.

Muitas enfermidades ainda não possuem medicamentos adequados para a
sua cura e nós vamos poder gerar isso. O sistema imune tem uma habilidade
incrível de se lembrar dos patógenos que já encontrou para que, na próxima vez
que for atingido, os anticorpos específicos sejam produzidos depressa evitando
que eles se multipliquem.

As vacinas fazem esse trabalho, lembrando o sistema imune da doença,
sem precisar ficar doente. Só que elas são apenas para determinadas patologias,
não englobam uma gama maior. Os médicos querem usar a nossa memória
imunológica superpotente nos indivíduos e abastecê-los de proteção de uma vez
só, para todas as enfermidades existentes.

Imagine um mundo que ninguém irá sofrer nem morrer por nenhuma
doença. O esforço vale a pena, eu sei que vale!


Deixo a água gelada cair no meu corpo para relaxar os músculos depois
de uma sessão extensiva de exercícios. Quanto mais minha cabeça fica cheia de
preocupações, mais eu desconto nas barras. Esfrego o corpo com sabão e lavo a
cabeça com xampu rapidamente, querendo terminar logo para acompanhar mais
um pouco os testes do Ethan.

Menos de cinco minutos depois, estou limpo e vestido com uma regata e
uma bermuda fina de malha. Nem o ar-condicionado no talo dá conta do calor
que sinto às vezes. Saio do banheiro e assusto-me ao ver Oliver entrar no quarto,
carregando o garotinho no seu colo.

— Já terminou? — Jimmy arregala os olhos e se senta na cama,
abandonando o livro de biologia que estava lendo no lençol.

— Sim, 4 horas e 5 minutos — Oliver comenta, orgulhoso. — Está
completamente limpo e descontaminado antes do almoço.

— Que bom que foi rápido. — Apresso o passo até a cama dele e puxo a
coberta para aquecê-lo, assim que seu corpo é colocado de forma delicada no
colchão.

É um alívio enorme quando vejo as luzes daquela sala sendo desligadas.
Mesmo que nunca tenha acontecido, sempre dá um certo medo de que alguma
hora nosso corpo não vai aguentar e a doença realmente vai nos afetar de forma
irreversível.

Não sei o que faria se um deles morresse lá dentro. Não quero nem
pensar nisso!

— Parece que demorou uma eternidade — Ethan brinca, tentando sorrir,
mas os tremores de frio não deixam.

Além da proteção que nosso organismo desenvolveu, nós cinco também
geramos outras habilidades que não são comuns nos demais humanos. Quando
somos estimulados mais do que o normal, por exemplo, após os testes e até
mesmo durante a atividade física, Thomas, Jimmy, Matthew e eu ficamos com a
temperatura corporal muito alta, sem que isso signifique algo ruim. Também
ficamos mais fortes, conseguindo fazer um grande esforço sem nos cansarmos.

Ethan, por outro lado, fica com a temperatura corporal muito baixa e com
os cinco sentidos mais aflorados. O doutor Russell e o doutor Patterson ainda
não descobriram por que isso acontece.

— Descanse um pouco, vou lá ajudar o Thomas finalizar o almoço. —
Oliver faz um carinho no cabelo loiro do garotinho e some pelo corredor.

— Você saiu da academia, né, Dy? — pergunta, olhando para o meu
cabelo molhado. — Pode me ajudar a aquecer? Este cobertor não adianta de
nada!

— Claro que posso! — Deito-me ao seu lado na cama e abraço seu corpo
junto com a coberta.

Mesmo estando com calor, gosto da sensação de ser útil e importante
para ele. Um porto seguro com quem pode contar. Ethan é doce e carinhoso,
sempre que pode quer ficar o mais próximo possível de nós.

— Você podia ler uma historinha com aquela voz engraçada, né, Jim? Eu
ia melhorar mais rápido ainda.

— Aposto que sim, seu espertinho! — O rapaz alto, de olhos claros e
cabelo naturalmente bagunçado, sorri para o pequeno. — Você não perde a
chance de explorar o meu dom.

— Não custa nada! — Entro na provocação, piscando para o menino que
está começando a ficar mais corado de novo.

Quando Ethan chegou, a maioria de nós já era bem mais velho e tinha
completa noção da realidade aqui embaixo. Isso naturalmente nos fez ficar
protetores com o caçula. Para mim a sensação é como se tivesse vivido a dor de
cada teste cinco vezes.

— A sua sorte é que você é o meu preferido, moleque! — Jimmy se
levanta para guardar o livro que estava lendo e vai à estante no fundo do quarto
para procurar um infantil.

Este é o cômodo mais espaçoso daqui. As camas são enfileiradas rente à
parede e cada um tem um armário e uma escrivaninha. Ele volta segurando um
exemplar de “O pequeno príncipe”, o livro que Ethan mais ama, e o garotinho dá
um pulo animado do meu lado.

— Imite a raposa primeiro, a raposa!

— Não se empolgue tanto, seu corpo precisa descansar — digo, sorrindo,
trazendo-o para mais perto de mim.

— Tá bom, vou ficar quietinho, prometo.

Jimmy começa a narrar a história com suas vozes engraçadas e Ethan vai
da euforia aos olhos sonolentos à medida que faço um cafuné no seu cabelo e a
sua temperatura vai se normalizando.

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”

Independentemente do que acontecer, se a gente sair daqui logo, como
acredito, ou se as preocupações do Matthew se tornarem realidade, esses garotos
sempre serão minha família e jamais vou abandoná-los.

Olho para o reflexo no espelho do banheiro e bufo, arrancando o vestido
do meu corpo o mais rápido que consigo. Ficou horrível! Marcou demais a
cintura e o busto, além de apertar no braço. Não sei por que estou guardando
essas roupas que, provavelmente, não usarei mais. Volto para o quarto e jogo a
peça em cima da cama, onde outras sete já estão abandonadas.

— Não tenho mais nada pra sair! — lamento, com os olhos
lacrimejando, e passo a mão na barriga saliente.

Eu não devia ter perdido o controle ontem. Não devia! Estou mais
inchada hoje porque comi um pote inteiro de achocolatado em pó e fritei quatro
ovos com manteiga. Não satisfeita, saí de casa àquela hora e dei uma volta no
quarteirão, procurando qualquer estabelecimento aberto que pudesse vender
guloseimas.

O resultado foi três pacotes de chips, duas barras de chocolate e um pote
de sorvete. Devorei tudo antes da meia-noite. Meu cérebro doentio acha que, se
eu saí da dieta mesmo, devo aproveitar o máximo que consigo antes de virar o
dia.

Por um momento, me senti feliz, mas às 00h05 eu estava no banheiro
vomitando pelo exagero e chorando de forma descontrolada de arrependimento.
Toda vez é esse mesmo ciclo, parece uma droga da qual estou viciada e vivo
tendo recaída.

Engulo o choro, esfregando o rosto, e volto para o guarda-roupa. Vou ter
que vestir uma calça social, das que uso para trabalhar, e uma blusinha larga,
senão irei me atrasar. Daqui a pouco a Emma bate aqui e não quero estender a
noite além do necessário.

Coloco as peças e sigo até o banheiro novamente para conferir. Não ando
muito fã de espelhos, o único que tem na casa inteira é este. O reflexo ainda não
me agrada, no entanto, não tem o que fazer. Pareço mais que estou de luto do
que comemorando meu aniversário de 32 anos de preto dos pés à cabeça.

Faço uma maquiagem leve, enaltecendo apenas os meus olhos azuis com
um delineado, e jogo meus longos cabelos loiros para o lado, passando um
pouco de reparador nas pontas. Termino no exato momento que escuto uma
batida na porta. Guardo os poucos utensílios que tenho na gaveta, espirro
perfume no pescoço e apanho a minha bolsa no cabideiro do quarto antes de ir
para a sala. Abro a porta com um sorriso no rosto, fingindo que nada de mais
tem acontecido.

Fingindo que estou feliz pela minha vida, pela data e por aceitar sair esta
noite, depois de tanto tempo. Eu demorei para melhorar, odeio admitir quando a
reincidência aparece. A grande maioria das vezes sofro sozinha sem contar para
ninguém o que se passa na minha mente.

— Ahhhhhhhhh, parabéns, amiga. — Emma pula no meu pescoço e me
abraça, assim que apareço no seu campo de visão. — Feliz aniversário!

— Obrigada, não precisava! — agradeço quando se afasta e me entrega
uma caixa de presente espalhafatosa com laço e brilho.

Emma é a alegria e a animação em forma de gente. Temos nove anos de
diferença de idade e um ritmo de vida bem diferente. Enquanto ela ama as
noitadas e curtir o máximo que pode, eu sou mais quieta e reservada.

Sempre fui na minha.

Talvez nunca fôssemos amigas se o destino não a tivesse colocado como
a minha vizinha de andar aqui no prédio. Quando cheguei a Chicago, ainda
estava muito abalada por tudo que havia acontecido e ela me ajudou demais com
seu jeitinho extrovertido. Não esperava que uma conversa despretensiosa no
elevador com a morena bonita de olhos verdes fosse render tanto.

Abro o pacote e encontro um vestido vinho com um decote em V que
valoriza os seios. O problema é que pelo jeito vai ficar supercolado ao corpo,
enaltecendo demais partes indesejadas.
— Trouxe vinho pra mudar um pouco a cor do seu guarda-roupa, tem
muito preto. — Ela olha para o meu traje e arruma o tecido da blusa para ficar
mais justo. — Se eu tivesse essa cintura fina com um quadril enorme e a sua
bunda, querida, eu ia esbanjar pra todo mundo ver.

Emma poderia ser facilmente confundida com uma modelo pelo corpo
magro e a sua beleza. Ela vive dizendo que queria ter mais curvas, como eu, mas
não sei até que ponto isso é verdade ou se fala apenas para me agradar.

Não consigo achar bonito ter peitos, bunda e quadril grandes. É verdade
que minha cintura é fina e minha barriga não tem tanta gordura, mesmo assim,
ainda não consegui aceitar essa versão que me tornei.

Não ajuda ter uma mãe que vive implicando com o fato de eu ter
engordado, nem um ex-marido que ficou sem me tocar por meses porque odiou a
mudança que passei. Mark não gostava das curvas e não conseguia disfarçar
nada bem.

— É lindo, Emma, muito obrigada.

— Coloque pra gente sair agora, tenho certeza de que irá arrasar! —
Tenta me incentivar, no entanto, volto a dobrá-lo e guardo na caixa.
Provavelmente, não irei usar tão cedo.

— Estamos em cima da hora, não podemos deixar a Amber esperando lá
no bar. Ela ia sair da redação e ir direto.

— Você não vai me enrolar, não, viu, Elisa?! — Emma arqueia a
sobrancelha e me fita com atenção, sorrindo. — Do final de semana não me
escapa. Venho aqui te pegar pra assistir à minha apresentação de dança e vai
vesti-lo. De lá emendamos para outro barzinho.

— Tá bom — concordo, apenas para não gerar discussão.

É claro que no final de semana terei um compromisso inadiável da
universidade que vai me impedir de acompanhá-la. É essa desculpa que dou na
maioria das vezes. Não que eu não goste de assistir às apresentações de dança da
minha amiga, já fui a várias, é que não suportarei outra noite em barzinho.

Estou indo hoje estritamente por ser meu aniversário e, com isso, não
consegui fugir. A verdade é que já estou velha para barulho alto e muita gente
aglomerada. Prefiro mil vezes um programa caseiro.

Sem contar tudo isso, depois que engordei, ainda tem o fato de eu sempre
me sentir desconfortável nos ambientes, como se todo mundo estivesse me
olhando, colocando defeito no meu corpo e no meu jeito de vestir.

Deixo o pacote em cima do sofá e saímos juntas para chamar um táxi.
Menos de vinte minutos depois, estamos na frente do bar que Emma jurou que
era maravilhoso. Tenho vontade de pedir para voltar para casa ao notar o tanto de
gente do lado de fora esperando para entrar. Dá para ouvir perfeitamente a
música, mesmo ainda mal tendo estacionado.

— Você vai amar, aqui é maravilhoso! — Emma me puxa pelo braço,
assim que pagamos a corrida.

Temos concepções bem diferentes do que é ser maravilhoso. Será uma
noite longa, com certeza. Avistamos Amber encostada na entrada de tijolo à
vista, para variar vidrada no seu telefone, e seguimos na sua direção.

— Deixe de ser workaholic! — A morena tira o celular da mão da loira
e joga dentro da sua bolsa. — Nada de celulares. As duas!

— É a minha assistente, eu preciso...

— Não vai morrer se esperar algumas horinhas pra responder. Estamos
aqui pra celebrar os 32 anos da Elisa. Sem trabalho agora.

Amber revira os olhos e vem me abraçar, desejando parabéns. Ela
também me entrega um embrulho de presente, no entanto, bem mais discreto que
a caixa com brilho e laço. Sorrio e agradeço ao ver o título do último lançamento
na área de imunologia. Estava doida por este livro.

Nós duas somos bem mais parecidas. Com um ano de diferença apenas,
nos conhecemos quando a jornalista foi fazer uma matéria com a senhora Moore,
lá no departamento, dois meses depois que cheguei à cidade. Fiquei de
encaminhar algumas informações extras sobre o currículo da professora e
acabamos próximas. Foi pelas visitas recorrentes em casa que conheceu a Emma
e nos tornamos amigas.

Reparo na sua calça jeans e blusa simples e me sinto melhor pela escolha
da roupa. Tudo bem que ela veio direto do trabalho e eu tive mais de uma hora
para me arrumar porque, finalmente, saí no horário hoje, mas tento esconder essa
informação do meu cérebro para me sentir melhor. Só Emma está produzida para
esse happy hour com um vestido laranja longo que tem uma abertura fatal nas
pernas.

Daqui a pouco começa a chover homem atrás dela. A cada semana conta
uma história diferente das suas conquistas passageiras.

Vamos para a fila e, quando conseguimos entrar, caminho logo para a
direção das mesas de madeira no fundo do bar. Com um visual rústico, o local
possui um palco na frente onde tem um homem bonito, na casa dos seus 20 anos,
se apresentando, e o balcão onde são servidas as bebidas. Parece pequeno do
lado de fora, mas é bem amplo aqui de dentro.

— O que vocês querem beber? Vou lá pegar uns drinks e pedir uma
porção de petisco.

— Eu quero gin tônica pra começar! — Amber diz, esfregando as mãos
com um sorriso no rosto.

Algo que não temos em comum é o fato dela amar beber. Eu só faço
social, não sou muito chegada a álcool.

— Assim que eu gosto! E você, Elisa?

— Margarita, por favor. Se possível, com uma tequila não muito forte.

— Olha, eu vou respeitar seu gosto duvidoso hoje porque é seu
aniversário, viu?! — brinca, batendo no meu ombro antes de sair.

Ela mal vira as costas, o olhar minucioso de Amber me fita com atenção.
Por mais que eu queira, é difícil esconder as coisas dessa mulher. Não é à toa que
é uma ótima jornalista.

— Esse sorriso aí não me engana... o que foi que aconteceu?

Ajeito a postura na cadeira, desviando meu olhar para as pessoas ao meu
redor. Não queria ter que falar disso, mas acabo contando sobre a situação com a
minha mãe. Deixo de lado a recaída da comida.

No fundo, eu tenho vergonha de assumir minha total falta de controle dos
meus impulsos.

— O dia inteiro, nem ela nem seu pai te ligaram?

— Nada... nenhuma mensagem. Só minha irmã Ingrid que lembrou.

— Você falou com seu pai pra dar parabéns sobre o trabalho e ele nem se
tocou? — reforça, inconformada.

— Já estou acostumada, amiga. — Infelizmente, estou.

Balanço a cabeça, tentando evitar pensar nisso por tempo demais. Não
quero ter uma nova recaída. Vou me controlar desta vez, não vou beber nem
comer demais. Eu preciso conseguir!

— Meu Deus, fico puta da vida dos seus pais e os pais da Emma serem
assim. Venho de uma família tão carinhosa, chega a não fazer sentido tanto
desprezo gratuito.

Conectei-me com a Emma no início porque ela também viveu a pressão
da família, desde a infância. Quando decidiu seguir o seu sonho e não fazer
faculdade, optando pela carreira de dançarina, foi praticamente deserdada pelos
pais.

Eles têm muito dinheiro, moram em Indiana e nunca mais entraram em
contato desde que se mudou para Chicago, há cinco anos. Para os dois, ser
dançarina é sinônimo de ser prostituta. Uma visão completamente distorcida.

— Ela está voltando com os drinks, vamos mudar de assunto. Emma
sempre fica brava ao se lembrar dos pais.

— É verdade, eles nem merecem ser assunto das nossas conversas.
Desculpe te encher com isso, só queria saber se estava bem.

— Obrigada por se preocupar. — Pego sua mão debaixo da mesa e a
aperto, em um gesto sincero de gratidão.

Começamos a falar de assuntos aleatórios e, embora esteja sorrindo, há
uma guerra na minha mente o tempo todo controlando o tanto de bebida que
ingiro e a quantidade que como. Tento disfarçar falando bastante, assim elas não
percebem que estou mal.

A vontade de chutar o balde de novo e comer o prato inteiro de batata
frita é gigante, só que não aguentarei duas noites seguidas chorando debruçada
no vaso sanitário.

— Tem um gatinho ali no balcão olhando pra você, Elisa! — Emma
comenta, já alegrinha pelo álcool, apontando para um moço que realmente está
fitando a nossa mesa.

Com certeza não é para mim, com essas duas beldades ao meu lado.

— Eu passo, obrigada — desconverso, arrumando a blusa para não
marcar as gordurinhas enquanto estou sentada.

— Está na hora de você se permitir conhecer outros caras, além do
babaca do seu ex, amiga — Amber encoraja, tomando sua sexta dose. — Quanto
tempo faz que não sai com alguém?

— Está dando conselhos que não segue? — Emma gargalha para a loira
que ajeita seus óculos de grau, fazendo um bico. — Você também não anda
saindo com ninguém, desde que terminou com o carinha lá da redação.

Aproveito que o foco sai de mim e brinco com Amber para não precisar
responder à sua pergunta. Faz exatamente 1 ano e 7 meses que não saio com
ninguém, nem tenho relações sexuais.

Quando eu era mais magra, tinha uma vida sexual bem ativa. Nunca fui
de ter muitos caras, no entanto, não mantinha reservas com aqueles com quem
me envolvia por mais tempo. Eu gostava da sensação de liberdade do orgasmo,
do poder na cama.

Mark também amava isso em mim, até nos perdemos de vez. Mesmo
quando estava na mesma casa que ele, ainda casada legalmente, já não tínhamos
mais nenhum contato físico. Ficamos sete meses dessa forma, antes de me mudar
para Chicago e o divórcio sair.

Conheci meu ex-marido em uma feira de produtos de saúde, no Brasil,
quando trabalhava em um laboratório de remédios brasileiro. Ele é representante
de uma grande empresa farmacêutica americana que exporta medicamentos para
o mundo inteiro. Seu estande era ao lado do meu e acabamos saindo todos os
dias durante a semana que passou lá.

Quando precisou vir embora, ainda mantivemos contato e o sentimento
foi crescendo rápido demais. Cerca de cinco meses depois, aceitei o seu convite
e me mudei com a cara e a coragem para os Estados Unidos. Consegui o visto
para trabalhar temporariamente como consultora na área de pesquisas em
hematologia da empresa que representava.

Três meses após a mudança, nos casamos e eu comecei a fazer cursos no
país para adaptar o meu diploma de biomedicina à realidade daqui. O casamento
teve altos e baixos como qualquer um, até que eu fiquei grávida e tudo desandou
de vez.

Não foi nada planejado, mas Mark achou que eu fiz de propósito porque
sempre comentei o meu desejo de ser mãe. Eu concordava com ele que ainda era
cedo, que ambos estávamos focados nas nossas carreiras.

Nossa vida virou um tormento por causa da gravidez, resultando em
muitas brigas com ele e com minha mãe, que não cansava de jogar na minha cara
que nem devia ter me mudado. Com todo estresse, acabei desenvolvendo uma
pré-eclâmpsia, que culminou na morte do bebê quando tinha 23 semanas. A
tristeza foi tão profunda que fiquei com depressão pós-aborto e comecei a
descontar na comida toda amargura que tinha dentro do meu peito.

Foram dias sombrios, nos quais não queria saber de nada, nem mesmo as
pesquisas que tanto amo.

Esfrego a mão no peito, sentindo como se alguém tivesse enfiado uma
faca ali dentro e a remexesse de tempos em tempos amplificando a minha dor.

Lembrar-me da curetagem, da sensação de ver a criança morta, tão
formada com mãozinhas, pezinhos... Inspiro fundo, fechando os olhos por um
minuto para não surtar. Não posso lidar com essas memórias.

Antes que a primeira lágrima caia, eu me levanto e aviso que preciso ir
ao banheiro. Graças ao álcool, elas estão animadas na conversa e nem percebem
a minha voz embargada e o desespero estampado no meu rosto.

A maioria das mulheres está retocando a maquiagem no espelho, então,
aproveito para entrar em uma cabine e a trancar. Assim que estou sozinha, longe
dos olhares das pessoas, o choro vem sem controle.

Fico em pé, encostada na parede, tentando manter a respiração regular,
sem sucesso. O único alívio é saber que, com esse barulho, ninguém vai nem
notar que tem alguém quebrada aqui dentro.

Deveria ser um dia de celebração pela minha vida, mas meu passado
insiste em trazer à tona todos os motivos que eu tenho para lamentar.




Inclino o corpo para frente na mesa, concentrado no conteúdo que estou
lendo pelo notebook. Estamos no horário dos estudos e hoje o James nos passou
um artigo científico sobre a transfusão de plasma, que é a parte líquida e
amarelada do sangue onde se concentram os anticorpos.

O texto aponta que ele foi utilizado para ajudar pacientes infectados na
pandemia mundial de Covid-19. Quem se curou doou para ajudar a melhorar a
imunidade de quem ainda estava hospitalizado. Os primeiros usos foram testados
contra a difteria, em 1892, e na gripe espanhola, em 1918. É uma técnica
centenária muito interessante.

Nós cinco fizemos os testes do vírus e fomos bem-sucedidos no combate
em poucas horas. Na época que começou, o doutor Russell passou semanas bem
estressado, escutei uma discussão dele ao telefone sobre a urgência de finalizar
os estudos de uma vez por todas. Imagine aparecermos logo quando a
humanidade mais precisava, poderíamos ter salvado milhões de pessoas.

Pena que não foi possível a tempo. Por sorte, desenvolveram vacinas
antes que ficasse ainda pior.

— Se produzíssemos plasma em abundância, talvez pudéssemos usar
essa técnica — comento com James, que está fazendo anotações no seu iPad ao
meu lado. — Pelo que estou vendo aqui, são necessárias doações de muitas
pessoas para atender a uma parcela dos doentes.

As aulas que recebemos são de acordo com a idade. James sempre fica
comigo, Thomas e o Jimmy que somos mais velhos. Oliver passa os conteúdos
para Matthew e Ethan. Estamos em uma mesa do outro lado da sala de estudos
para não atrapalhar os menores.

— Seria humanamente impossível apenas cinco pessoas atenderem aos
mais de 7 bilhões de habitantes do planeta, mesmo que produzissem plasma
como água brota da cachoeira. — Ele sorri e me fita, animado para explicar. —
Mesmo que a gente fosse a público agora, tentar encontrar mais gente igual a
vocês, ainda assim, não seria suficiente. O tipo de sangue Bombaim já é raro,
estimamos que apenas 5% dentro do fenótipo tenha características parecidas. E
eles podem estar espalhados por todos os continentes, difícil de identificar em
um curto espaço de tempo. Isso sem contar todas as agravantes que podem
acontecer nessa busca.

O doutor Patterson me explicou, uns anos atrás, que os homens do lado
de fora são bem desconfiados e que, em um primeiro momento, podem ter medo
da nossa habilidade por ser muito diferente. Devido a isso, somente eu e o Ethan
seremos apresentados inicialmente quando tudo estiver pronto. Eu, por ser o
mais velho e o primeiro a identificar a anormalidade no organismo; e o caçula
por ter características diferentes dos demais.

Só quando a poeira baixar e formos mais bem aceitos, com outros como
nós aparecendo, é que eles também poderão sair do laboratório. Não gostei nada
dessa ideia, mas os médicos entendem melhor do mundo lá fora do que nós.
Vamos ter que torcer para dar certo rápido.

Estamos estudando e aprendendo tudo que é possível sobre nossa
condição para auxiliá-los a mostrar que só queremos ajudar. O doutor Patterson
costuma dizer que seremos a cara da empresa mundo afora junto com ele e o
doutor Russell, iremos viajar sendo porta-vozes da boa nova. Nossa vida será
dedicada à ciência, porém, com a possibilidade de estar do lado de fora e
realmente fazendo a diferença.

— E o plasma no caso é usado quando o paciente já está doente, né? —
Thomas entra na conversa. — Os anticorpos da pessoa curada entram para
ajudar os anticorpos naturais do enfermo. Seria uma imunização passiva, não
ativa como vocês querem obter, certo? Não seria preventivo, apenas paliativo.

Relembro-me das aulas que já tivemos antes sobre esse assunto. Ao
contrário da imunização ativa, que estimula a produção interna, como as vacinas,
a imunidade passiva é imediata, ou seja, administram-se anticorpos externos, que
conferem a imunidade de forma temporária.

— Isso mesmo! Na imunização passiva não ocorre a ativação da célula
de memória pelo paciente. Ele apenas recebe, melhora, mas não adquire a
imunidade de fato. Algumas semanas após o recebimento, o nível de anticorpos
diminui novamente e ele pode, inclusive, ser reinfectado se for um vírus. —
James se ajeita na cadeira e desliga o iPad para focar apenas em nós. — Como
eu disse, não temos plasma suficiente de vocês, repleto dos mais diversos
glóbulos brancos, para atender em larga escala. O que poderíamos conseguir um
pouco mais são soros a partir desse plasma, mas ainda assim seria insuficiente.
Tentamos no passado replicar o plasma, porém, são inúmeras células diferentes
de anticorpos presentes nele, resultando em um trabalho gigante. Descartamos
porque queremos ajudar quem está doente e, ao mesmo tempo, o saudável como
prevenção.

— Mas, James, pensando no bem de quem tem câncer, por exemplo, que
você mesmo nos ensinou que é um mal que afeta milhares de pessoas lá fora,
não seria melhor a gente doar o plasma e pelo menos curar o máximo de
pacientes que conseguirmos enquanto as pesquisas avançam? — Jimmy
questiona, fazendo todos os olhos se dirigirem para o homem preto que fica em
silêncio por um minuto antes de responder. — Seríamos mais úteis, estaríamos
colaborando mesmo que de forma menor.

Às vezes, ele fica assim, como se não soubesse a resposta e buscasse no
fundo da mente. Seus olhos procuram o de Oliver do outro lado da sala, sua
garganta sobe e desce.

— É... é que... — Passa a mão na sua careca e depois esfrega o rosto. —
O mundo corporativo lá de fora é complicado. Se a gente aparecesse com esse
plasma poderoso, com possibilidade de curar qualquer doença, teríamos que
mostrar vocês antes da hora. Não é só chegar e começar a usar, tem todo um
processo burocrático, aprovações... Outras empresas poderiam... Bem, não seria
seguro ainda. Não valeria a pena por apenas uma enfermidade. Eu tenho fé que,
em breve, iremos conseguir fazer funcionar da forma que temos tentado.

Atualmente, a principal linha de estudo dos cientistas é extrair do nosso
sangue resistente um ativo acelerador que irá ajudar as pessoas comuns a
produzirem anticorpos mais rápido. Como temos uma gama alta de memória
celular dentro de nós, das centenas de doenças que vencemos, seria como passar
um filme na velocidade máxima para achar uma cena específica. Não é nada
parecido com o que existe hoje, seria uma tecnologia totalmente nova e
moderna. Nossas células seriam como uma impressora, ajudando o organismo do
paciente a fazer cópias de glóbulos brancos por si só. Esse ativo precisaria ser
atualizado vez ou outra, de acordo com o surgimento de novas enfermidades e a
resposta positiva da nossa parte.

A opção queridinha do doutor Russell, no entanto, é um pouco mais
complexa. Ele quer inserir a nossa mutação genética direto nas células-tronco
dos indivíduos comuns para modificá-los até ficarem como nós. São elas as
responsáveis pela produção de todas as células sanguíneas no interior da medula
óssea.

Essa segunda opção faria a população mundial dar um salto na evolução,
segundo o doutor Russell, pois habilidades que já foram identificadas em nós,
como força excessiva e os cinco sentidos aflorados, também poderiam se
desenvolver nesses indivíduos.

“Imagine um exército com soldados especiais desta forma, tipo o
Capitão América da vida real. Os Estados Unidos seriam uma potência ainda
maior.”

Ele fica animado quando fala da possibilidade de replicar essas
habilidades. Nunca entendo muito bem o que quer dizer com isso, o homem de
cabelo branco e semblante fechado não é de muitas palavras com a gente.
Nossos professores de estudo também nunca sabem explicar, mudam de assunto,
fazem uma cara parecida com a que James fez agora.

Acredito que sua vertente predileta seja a mais demorada a obter um
resultado. Ouvi da sua própria boca que é um processo ainda mais lento, a longo
prazo e que pode perdurar durante o resto da sua vida.

— Se você ficasse muito doente hoje, nós poderíamos te salvar — Jimmy
retruca, encarando-o com atenção. Thomas e eu fazemos a mesma coisa. — As
pessoas doentes lá de fora também merecem essa chance. Elas podem estar sem
tempo.

— Eu... eu... é...

— Estou cansado dessa gente inútil! — A voz brava do doutor Russell
interrompe a nossa conversa. Olho para o lado de fora da sala de estudos e o vejo
caminhando na direção do seu escritório, acompanhado do doutor Patterson e de
um Smith ainda mais sério do que normalmente. — Temos 25 mentes
exclusivas, que supostamente deveriam ser inteligentes, e elas não conseguem
fazer um avanço decente sequer. Você está controlando esse povo direito, Smith?
Vou ter que largar tudo aqui e ficar de babá?

Pelo que entendi, os outros profissionais que trabalham nos laboratórios
de cima não fazem ideia da nossa existência. Eles apenas recebem o material
para analisar sem saber a fonte. James comentou que é comum a alta
confidencialidade em empresas dessa área, por questões de segurança. Mesmo
entre os próprios funcionários há hierarquias que são muito respeitadas. O Smith
passa um bom tempo coordenando as coisas por lá.

— Calma, Billy! — Somente o doutor Patterson chama seu parceiro pelo
primeiro nome. — Você vai almoçar com a chefia e sempre volta pilhado.

— É claro que eu volto pilhado! — ele responde, ainda mais estressado,
gesticulando com o braço. — Quem ouve as merdas sou eu, quem é pressionado
ao extremo sou eu. Mandaram a gente reavaliar técnicas antigas, pesquisar
novas... dar um jeito, urgente!

— Isso seria um retrocesso enorme! — Smith coça sua barba ruiva
grande, balançando a cabeça de forma negativa freneticamente. — Perderíamos
tempo atirando no escuro, sendo que estamos focados agora em possibilidades
reais.

— E você acha que sou idiota e não sei? Falei isso, mas há outras
questões de força-maior envolvidas que não vem ao caso agora. — O doutor
Russell está mais nervoso do que de costume. — Eles querem uma solução de
qualquer jeito, o tempo está apertado e não dá mais pra segurar. Seu grande
projeto está pra acontecer.

— Que projeto? De quem? Por que tempo apertado? O que não dá pra
segurar? — Olho para o lado e vejo Matthew em pé, cochichando enquanto
escuta atentamente a discussão.

Na verdade, todos nós paramos para ouvir.

— Aí não é lugar de conversar, pessoal. — É Oliver quem alerta os
outros três sobre nossa atenção redobrada.

— Voltem aos estudos, agora! — Russell mais uma vez se altera, pisando
duro rumo ao seu escritório. — Alguém tem que fazer algo direito neste lugar.

A porta bate com força quando ele entra com o outro médico e deixa
Smith do lado de fora.

— Do que eles estavam falando? — Matthew não deixa sua curiosidade
passar. — Tem algo acontecendo que não sabemos?

— Não tem nada, nós sempre mantemos vocês informados — Oliver
responde, sem olhar para nenhum de nós e passa a mão no cabelo castanho. —
Volte para a sua cadeira, todos devemos continuar estudando.

O garoto até tenta mais uma vez, porém, diante do olhar sério de James,
que geralmente é bem calmo, resolve obedecer e se sentar de novo.

Coloco a mão no coração sem entender por que ele está batendo mais
acelerado do que o normal e por que meu corpo está ficando quente do nada.
Parece uma sensação... uma sensação esquisita de que alguma coisa vai
acontecer.

Só não sei se será bom, ou se vai desaparecer de vez com as nossas
esperanças de subir.




Olho no relógio do computador e me assusto que já está na hora do
almoço e eu sequer comi algo no café da manhã. Desde a comemoração do meu
aniversário, anteontem, perdi o apetite e estou tendo que me esforçar para ingerir
alimentos saudáveis antes que a tristeza me afunde em açúcar, como aconteceu
no começo da semana.

Chega a ser engraçada essa dualidade. Eu fico sem fome por dias, e
depois a ânsia por comida vem de forma desenfreada.

Apesar da tentativa de Amber e Emma, a noite de celebração foi um
fiasco. Depois que recordei do aborto, foi uma dificuldade imensa voltar para a
mesa. Cheguei em casa antes da uma da manhã, com a desculpa da universidade
no dia seguinte, no entanto, a verdade é que eu não aguentava mais fingir que
estava bem. O empenho por sorrir, quando quero chorar, acaba comigo. Precisei
tomar um remédio para conseguir dormir sem os fantasmas do passado virem me
atormentar de novo.

Faço um coque frouxo no cabelo e decido ficar só mais um pouquinho
antes de sair para o almoço. Faltam apenas dois slides para finalizar a
apresentação e é melhor terminar de uma vez, com a mente fresca e o silêncio da
sala.

— Por que será que eu tinha certeza que iria encontrá-la aqui, Elisa? —
Levo um susto ao virar para trás e ver a professora Moore sorrindo para mim.

Não ouvi a porta da frente ser aberta. Resvalo o olhar para a tela do
computador e vejo que se passou uma hora e nem percebi.

— Estava concentrada no arquivo final da apresentação da tese.

— Você tem sempre um motivo para trabalhar duro, por isso eu digo, é a
melhor orientanda que eu já tive. Tenho que mandar essa mulher descansar,
acredita? Se eu não falo nada, ela dorme aqui.

A professora olha para um homem ao seu lado e só então noto a presença
de outra pessoa na sala. É um senhor simpático, que está sorrindo para mim
também.

— Muito prazer, eu sou James Davis. — Pego sua mão estendida e me
levanto para cumprimentá-lo.

— O prazer é meu! Sou Elisa Montemor.

— Ah, eu sei muito bem quem você é, senhorita Montemor. A Abigail
está te elogiando faz mais de uma hora pra mim. — É a primeira vez que eu
escuto alguém chamá-la pelo primeiro nome.

Por um instante, quase pergunto quem é Abigail. Os dois devem ser
amigos ou conhecidos de longa data para essa intimidade.

— Fico honrada com os elogios, eu adoro trabalhar no departamento com
a professora Moore. Pode me chamar de Elisa, por favor.

Eu acho superesquisito esse costume dos americanos de tratar todo
mundo pelo sobrenome. Não parece nada caloroso, sem contar que evito ficar
me lembrando da minha família a cada instante.

— O James fez graduação comigo há o quê? Mais de 30 anos? — Os
dois sorriem um para o outro e algo me diz que fizeram mais do que estudarem
juntos. — Encontrei com ele sem querer nos corredores mais cedo, nem sabia
que estava morando aqui em Chicago ainda.

— Tempos bons aqueles!

Quando a gente passa a esconder as coisas dos outros, consegue
identificar rapidamente quando alguém também faz isso. Não conheço nada
desse homem, mas seus olhos pretos, opacos e meio perdidos, trazem marcas
como os meus.

— Foram mesmo, James. Maravilhosos! — Moore disfarça as memórias
que, com certeza estão na sua cabeça neste instante, e volta a focar em mim com
o rosto corado. — Enfim, durante nossa conversa descobri que ele trabalha na
Bioimmune agora e falei um pouco da sua pesquisa ousada sobre os plasmas.
James ficou interessado, há um projeto em andamento na empresa que iria se
beneficiar muito do seu conhecimento.

— Sério? Nossa, meu Deus! — Fico tão eufórica que nem sei direito o
que dizer. Essa empresa de biotecnologia é muito reconhecida por suas pesquisas
avançadas na área de saúde.

Aqui nos Estados Unidos é comum o próprio orientador conseguir a
verba que pagará a bolsa dos estudantes com a iniciativa privada. As empresas
investem muito nos alunos para aplicar pesquisas em problemas reais dos seus
negócios. Por isso, conseguir a atenção de um é tão fundamental. Eu conheci a
professora Moore lá em Nova Iorque, quando ela prestou uma consultoria rápida
para a indústria farmacêutica que eu trabalhei com meu ex-marido.

Assim que decidi que queria me mudar, entrei em contato com ela e falei
do meu interesse em ser sua orientanda. Não havia vagas para doutorado na
época, então, eu segui primeiro para o mestrado. Vim antes de iniciar as aulas e
comecei a ajudá-la como uma espécie de auxiliar — mesmo que não ganhasse
para isso.

Eu só precisava ocupar minha mente o máximo possível, o que vem
acontecendo até hoje. Minha dedicação nos aproximou muito e, apesar de ainda
não conseguir chamá-la de Abigail, considero que também nos tornamos amigas.
Como sempre fui muito econômica e tenho uma boa poupança, a questão
financeira não foi problema. Eu me mantenho no país com o que tenho guardado
e com o que recebo da bolsa.

— Eu gostaria de conhecer mais da sua proposta, a Abigail disse que
você já tem uma pronta, que estavam tentando financiamento — o homem fala e
me tira do estupor.

Passo a mão no cabelo e desfaço o coque que tinha feito de qualquer
jeito, desesperada para parecer uma mulher séria e confiável para ele.

Em menos de um mês, eu vou ter encerrado oficialmente meu mestrado.
O slide que estava fazendo é para a apresentação da tese que, inclusive, já foi
reconhecida em um importante congresso no país. Durante as pesquisas para
esse estudo, não deixei de me aprofundar em uma outra vertente mais complexa
que venho avaliando desde que estava no Brasil.

A ideia da orientadora era de conseguir uma nova bolsa para mim, agora
de PhD, para que eu pudesse colocar em prática esta outra vertente, contudo, por
ser algo muito moderno não houve ainda nenhuma resposta positiva de
financiamento. É um projeto arriscado.

— Claro, eu tenho, sim. Posso mostrar agora mesmo, se quiser —
ofereço e o senhor Davis se senta ao meu lado, balançando a cabeça em positivo.

A professora Moore se senta do outro e a reunião acontece
informalmente na minha sala mesmo, entre os livros espalhados na mesa. Abro a
nova apresentação de slide tentando controlar o frenesi no meu peito e as mãos
trêmulas de ansiedade.

— Ansioso para ouvir suas ideias! — o homem incentiva, esfregando as
mãos.

— Bom, eu sou brasileira e, enquanto estava na graduação lá, estagiei
por quase três anos em um instituto que fazia soro para tratar picadas de animais
peçonhentos, como serpentes, aranhas e escorpiões.

— Brasileira? Que interessante! — ele comenta, atento. — O Brasil é
uma das principais referências do mundo para esse tipo de soro.

— Exatamente, e trabalhar tão de perto com essa área me fez criar uma
paixão muito grande pelo processo. — À medida que vou falando, o nervosismo
vai dando lugar à minha paixão pela pesquisa. — Quando estava no estágio,
fiquei sabendo sobre o caso de uma garotinha de cinco anos que morreu porque
foi picada por um animal peçonhento à noite, estava sozinha no quintal de casa e
não soube dizer o que era. Os pais a levaram para o hospital, mas não houve
tempo de descobrir antes da sua morte. Esse fato me motivou a pesquisar uma
forma de fazer um soro único, que pudesse abranger todos os tipos de antígenos
peçonhentos e evitar mortes como essa. Os soros atuais geralmente são feitos
com base nos anticorpos de cavalos, e apesar dessa extração ser segura, eu
também queria ver uma forma de replicar o plasma sem precisar injetar tanto
veneno nos animais.

— Motivos muito nobres! — ele elogia, e noto que realmente há orgulho
no seu tom de voz.

— Eu amo trabalhar com pesquisas, fico muito feliz de contribuir para a
melhoria de vida tanto de humanos como de animais — afirmo e a professora
Moore dá um tapinha no meu ombro, sorrindo, também orgulhosa. — Ainda não
consegui finalizar os estudos de replicar o plasma, mas estou muito, muito
mesmo, perto de conseguir. Só preciso de mais investimento. A mistura dos
antígenos já foi possível e deu certo nos testes com camundongos obtendo
excelentes resultados. Mesmo que meu mestrado tenha sido de outra vertente, a
professora Moore sempre acreditou nesse projeto e tem me auxiliado como pode
desde que cheguei aqui.

O senhor Davis pede para ver os resultados que alcancei e o observo ficar
muito surpreso na cadeira com um arquivo impresso que entrego na sua mão.
Acho que ele não estava esperando que realmente eu iria ter porcentagens tão
boas.

— Nossa, os camundongos não apresentaram nenhum problema com
relação ao excesso de anticorpos no organismo. Nós já tentamos fazer soro com
vários anticorpos uma vez e esse foi um dos maiores empecilhos. Temos um
outro projeto em andamento, parecido com o soro, que também dá esse embate
— comenta, passando as páginas de forma ávida. — Sem contar que nossas
tentativas de replicar plasma foram em vão, muito trabalhosas.

Fiquei muito preocupada com a autoimunidade desde o início dos
estudos, não queria causar uma falha no sistema imunológico que impedisse o
corpo de diferenciar os invasores de anticorpos externos ou até mesmo de suas
próprias células, órgãos e tecidos saudáveis.

— Sobre os anticorpos, eu consegui uma fórmula para o organismo
identificar apenas aqueles que precisa, na quantidade necessária para a cura, e
descartar os demais, sem nenhum prejuízo para o paciente — explico, sem dar
muitos detalhes. — A réplica dos plasmas também não fui para o jeito mais
convencional, minha mente é um pouco fértil para ideias diferentes.

Continuo mostrando os slides com o máximo de informação que posso
dar para chamar a sua atenção, sem apresentar demais. É difícil me conter e não
falar tudo de uma vez, mas aprendi ainda quando estava no Brasil que não
podemos correr o risco de ter nossos projetos roubados por grandes empresas. O
primeiro laboratório que trabalhei assim que me formei pegou um grande projeto
de pesquisa meu sobre melhorias em bancos de sangue e implantou como se
fosse deles, sem dar nenhum crédito a mim. Mesmo buscando na justiça depois,
não tinha como lutar contra pessoas tão poderosas.

Nessa época, os xingamentos da minha mãe ficaram maiores do que
nunca. Ela não se conformava com a minha burrice. Sua preocupação era o
dinheiro que poderia ter ganhado; nunca me importei com isso, nem com fama.
A única coisa que espero é que meu trabalho árduo seja reconhecido como meu.

— Elisa, eu realmente estou muito surpreso — ele diz, assim que termino
de mostrar o último slide. — Vim à universidade conversar com o diretor, sondar
se havia algum estudo promissor na área de imunologia e, do nada, encontro a
Abigail e esse projeto incrível. Seu estudo é inovador, mas tem um grande
potencial. Parabéns!

— Muito obrigada, de verdade, senhor Davis. Eu fico honrada por ter nos
dado sua atenção por tanto tempo. — Com os outros possíveis financiadores, a
professora Moore não conseguiu nem manter meia hora de conversa.

O relógio do computador mostra que estamos há mais de duas falando
sem parar.

— Eu vou mostrar seu projeto na Bioimmune Future, o doutor Russell
ficará surpreso com sua linha de pesquisa tanto quanto eu. Nós precisamos de
uma mente brilhante como a sua!

— Não tenho nem como agradecer... — As palavras ficam presas na
minha garganta.

A professora Moore também agradece e continua conversando com o
homem, mas minha mente se transporta para uma outra realidade.

Essa é a grande pesquisa da minha vida, que venho me dedicando a
estudar em cada momento vago do meu dia, e ter o respaldo positivo de alguém
que trabalha em uma empresa tão reconhecida nos Estados Unidos deixa meu
coração cheio de esperança.

Em meio a dias ruins, talvez esse seja o empurrão para me tirar de vez do
fundo do poço em que me meti.



A luminosidade no painel solar começa a diminuir e eu sei que já
estamos chegando ao fim de mais um dia. Se aprendi direito a entender os
reflexos na parede e a quantidade de luz que entra, deve ser por volta das cinco
da tarde. Temos um relógio e um calendário na cozinha, mas eu gosto de tentar
adivinhar tanto as horas, como as estações do ano. Ajuda a passar o tempo,
distrai a minha cabeça.

Eu deveria estar na academia com os outros, para o terceiro round de
exercícios do dia, só que fiquei com vontade de ler e aproveitei que o doutor
Patterson e o White estão entretidos nos seus afazeres para dar uma fugidinha. A
área do sol é o meu lugar preferido aqui de baixo, com certeza, por ser o que me
deixa mais próximo do mundo lá fora. Não vejo a hora de sentir o calor direto na
minha pele, sem a interferência desse teto.

Sei que preciso me levantar e me juntar aos meninos, no entanto, decido
ler só mais um capítulo antes de ir. Pela oitava vez, estou viajando na história de
Athos, Porthos, Aramis e D'Artagnan em “Os três mosqueteiros”. Finalizei a
edição de “Viagem ao centro da Terra” e voltei para o meu queridinho.

Fico tão entretido na aventura dos quatro amigos que, quando me dou
conta, já não consigo enxergar direito as palavras. Escureceu completamente,
preciso ir antes que os meninos não tenham mais desculpas, caso tenham notado
minha falta. Geralmente, ao dar essas fugidas, eles me encobrem dizendo que
estou no banheiro ou em qualquer lugar bem longe das vistas. Levanto-me
depressa, mas a figura de duas pessoas passando pelas portas de segurança faz
com que eu estanque no lugar.

Pela voz séria, acompanhada de outra mais mansa, é o doutor Russell e o
James. Eles não notam de antemão a minha presença, então, encosto-me
próximo à pilastra que tem um vaso grande de planta ao lado. Se o médico
perceber que estou lendo ficção, ao invés de treinar, vai ficar bravo comigo.

— Você podia apenas ouvi-la, conhecer um pouco do seu projeto. É
muito inovador, vale a pena! — O doutor Russell para de andar bem na entrada
da área do sol. Inclino o corpo para baixo, tentando ficar o mais escondido
possível ao fundo da sala.

— O que você foi fazer na universidade? Eu te pedi pra ir lá atrás de
alunos, por acaso?

— Eu sei que você não pediu, mas diante do ultimato deles, achei que
seria válido tentar qualquer coisa. — Afasto as folhas das plantas para tentar
enxergá-los melhor. Sei que não deveria bisbilhotar, porém, a vontade de saber
do que estão falando é mais forte do que eu. Às vezes, sinto que, por mais que
digam o contrário, não estão nos contando tudo. — O diretor é meu amigo de
longa data, eu faria o contato discretamente só pra sondar mesmo. Por fim, nem
cheguei a falar com ele. Encontrei a Abigail e caiu no meu colo esse projeto da
Elisa.

— A Moore quase fez você desistir do projeto lá atrás, Davis, já te disse
que mulher só atrapalha. Somos da ciência, apenas dela. Não estou gostando
nada disso!

Nunca tivemos contato com uma mulher, embora, saibamos como sejam
por causa das aulas. Desde que me lembro, quem tem acesso aqui são só os seis
homens.

O doutor Russell sempre nos fala que nosso foco nunca pode deixar de
ser da ciência. “Algumas pessoas constituem família, outras são dedicadas
exclusivamente ao trabalho. Nós somos desse último grupo.”

Apesar de não nos aprofundarmos muito na disciplina, aprendemos que o
óvulo de uma mulher encontra o espermatozoide do homem e isso cria um bebê.
Foi assim que fomos criados. Infelizmente, não tenho nenhuma recordação da
minha mãe. O doutor Patterson disse que todos nós somos órfãos. Quando
sairmos daqui, não haverá ninguém da nossa família nos esperando.

Iremos dedicar 100% do nosso tempo a levar a novidade pelo mundo e
tentar encontrar outras pessoas como nós.

— Não tem nada a ver com a Abigail, Russell! — James responde, sério,
mas noto suas mãos se mexendo inquietas ao lado do corpo. — Não estou
fazendo isso pra me reaproximar dela de alguma forma, já deixei isso pra trás há
muitos anos. Sequer sabia que lecionava na universidade. Foi uma coincidência
que a aluna dela seja tão boa.

— Mesmo que eu acredite nisso, ainda tem o fato de que não trazemos
gente nova para o projeto. Esqueceu? Não podemos correr riscos com algo tão
grandioso. Mal confio nas 25 pessoas que estão lá em cima, Davis, e elas estão
conosco há quase 30 anos.

Essa informação eu não sabia! Então, quer dizer que os profissionais que
trabalham na busca por respostas estão na empresa desde a época do meu pai. É
bastante tempo.

— A gente poderia fazer um contrato de confidencialidade como os
outros tem, ela receberia a mesma informação que os demais.

— Tem hora que eu não sei se você é burro, ou se faz de idiota, Davis! —
Russell vocifera, irritado. — Uma coisa é manter com a gente pessoas que estão
conosco desde o começo e sabem muito bem como a empresa nasceu e quem a
controla. O medo faz coisas inacreditáveis, cala qualquer curiosidade por saber
exatamente como temos o material que mandamos lá pra cima. Agora outra
completamente diferente é pegar uma garota qualquer e enfiar aqui dentro. O
primeiro relatório que dermos na mão dela, vai surtar com certeza com o poder
desses anticorpos. Mesmo que a gente use a desculpa da confidencialidade, ela
vai ficar ávida por respostas. Não gosto de pessoas curiosas, nem um pouco.

James fica quieto por alguns segundos e eu chego a pensar que vai
desistir de convencê-lo, mas logo ele volta a falar.

— Assim que saí da sala da Abigail, fui pesquisar sobre a Elisa. Ela
trabalhou por anos na Globalmed, começou prestando consultoria assim que
chegou do Brasil e depois era do time de pesquisa.

Lembro-me de estudar sobre o Brasil. Tem lindas imagens sobre a
natureza do país no computador. Com certeza, é um lugar que gostaria de visitar.

— Na Globalmed? Tem certeza? — Já ouvi falar muitas vezes o nome
dessa indústria farmacêutica por aqui. Ela ajuda bastante a Bioimmune nas
pesquisas.

— Sim, parece que ela era casada com um dos funcionários. Sondei com
um contato que tenho lá e me disseram que a Elisa é uma excelente profissional,
muito inteligente e nunca deu problema. — Pela primeira vez, Russell parece
cogitar a ideia porque suas feições mudam. — Só saiu mesmo porque se separou
do marido e quis se mudar de Nova Iorque.

— Trabalhar com o nosso principal parceiro de negócios deu um ponto
pra ela, mas ainda é extremamente arriscado.

— Você podia apenas chamá-la para uma conversa, na sede do centro que
fica bem longe de nós. Quando ver sua pesquisa, vai mudar de ideia.

— Por que está insistindo tanto, Davis? — Sinceramente, também estou
curioso. Nunca tinha visto o James tão insistente com algo. — É fora de
cogitação patrocinar uma pesquisa desse porte dentro da universidade. A garota
não vai desistir de um PhD assim, do nada.

— Esta semana o Jimmy fez uma pergunta que mexeu demais comigo.
Tem pessoas doentes lá fora, eu ainda não perdi meu principal objetivo desde
que entrei nesse projeto. Quero ajudar na cura, quero resolver logo isso. — Ele
passa a mão na cabeça e desvia o olhar para dentro da área do sol. Encolho-me
mais, com medo de ser pego. A falta de luminosidade é uma grande aliada neste
momento. — O projeto da Elisa tem potencial, merece uma tentativa. O fator
que ela descobriu para não gerar anticorpos em excesso pode servir para o nosso
ativo acelerador. Se no pior das hipóteses não der certo, podemos ir para o soro
porque a jovem tem um estudo avançado de replicar o plasma. Eu sei que não é
o que a gente queria, mas é melhor do que nada. Já será um avanço como nunca
visto na história da humanidade.

— Continuo odiando essa ideia, mas também sei que, se realmente for
verdade, esse fator dela pode acabar com os entraves do nosso projeto. Não
aguento mais cobranças de todos os lados.

— Só uma oportunidade... ouve o que ela tem a dizer e depois você
decide como fazer dar certo. Não irá se arrepender.

Não consigo mais ouvir a conversa porque os dois começam a andar.
Meu coração fica acelerado novamente, como aconteceu dias atrás. Abro um
sorriso ao constatar que não era por algo ruim. Eu estava prevendo uma boa
notícia.

É por ela, a mulher que pode nos tirar definitivamente daqui.

Desço do táxi esforçando minhas pernas a caminharem sem ficarem
bambas. Confesso que a conversa que tive com o senhor Davis me deixou
esperançosa, mas não esperava um retorno tão rápido. Na sexta-feira, ele pediu
que eu enviasse o documento da apresentação para mostrar ao doutor Russell e,
no sábado de manhã, ligou de novo marcando uma reunião para hoje cedo. Não
iriam pedir que eu viesse se não estivessem interessados, só estranhei o fato de
solicitarem apenas a minha presença. Queria a professora Moore ao meu lado,
ela acha que querem sondar melhor o terreno antes de tomarem uma decisão.

O que está me deixando mais nervosa é que a conversa terá a presença da
CEO da Bioimmune Future, Madelyn Scott. De acordo com as minhas pesquisas
do fim de semana, a mulher é muito ocupada e administra filiais em vários
cantos do país. Só aqui em Chicago tem a sede e outros dois laboratórios de
pesquisa. Um deles é mais afastado, por causa do nível de biossegurança.

Caminho pela calçada dando um passo de cada vez para não correr o
risco de tropeçar com este salto alto. Acabei indo ao shopping no domingo para
comprar um terninho e sapatos novos. Quero parecer a mais séria e
comprometida possível com esse projeto, e sei que a aparência conta muito —
mesmo que a minha não ande das melhores ultimamente.

Chego à frente do prédio cinza-escuro de seis andares e sinto meu
coração acelerar ao ler o nome em alto relevo estampado na parede. Antes de
entrar, dou uma olhada no reflexo do vidro para ver se está tudo em ordem.
Passei um batom vermelho depois de meses e, apesar de ter achado bonito, ando
tão insegura que tudo me deixa receosa.

Vai logo, Elisa, você consegue esse financiamento!

Inspiro fundo e passo pela porta giratória, tentando bloquear tudo ao meu
redor e focar apenas na recepcionista que me atende com um sorriso simpático.
Logo sou direcionada para o último andar. Assim que desço do elevador e
observo o requinte do hall de espera meu peito vai ficando mais agitado ainda.

Eu já trabalhei em grandes empresas, como a Globalmed, mas não é tão
luxuosa como esta. Parece que, além de investirem no que há de mais moderno
em biotecnologia, também gastam bastante em decoração. Os quadros da parede,
os lustres, os objetos... tudo é de muito bom gosto. Sento-me em uma daquelas
poltronas macias, e com design inovador no formato de bola, e fico esperando
até ser chamada. Repasso cada detalhe do discurso que treinei na cabeça para
não ficar mais nervosa do que já estou.

— Senhorita Montemor? — Uma jovem bonita aparece no hall minutos
depois para me chamar.

— Bom dia!

— Bom dia, acompanhe-me, por favor. Eles estão esperando a senhorita.

Sigo a morena alta de corpo esbelto por um amplo corredor. Não vi
ninguém passar por onde estava, deve ter outra forma de chegar aqui mais
reservada. Pelo que entendi a recepcionista falando, este andar todo é só da
CEO, por isso, tem pouca gente.

Assim que chegamos à sala, assusto-me ao ver um quadro da Frida Kahlo
pendurado bem no centro da parede. Mark adorava arte e eu acabei apreciando
também durante o tempo que ficamos juntos. Pela ostentação do lugar, eu tenho
certeza de que é uma obra de arte original que, com certeza, custou milhões de
dólares. Não é todo dia que se encontra um leilão da artista mexicana que se
tornou símbolo do feminismo.

— Elisa, é um prazer revê-la! — A primeira pessoa que aparece no meu
campo de visão é o senhor Davis. Ele está parado próximo à porta, como se
estivesse me esperando.

Aperto sua mão estendida e tento sorrir. Nossa, fazia muito tempo que
não ficava tão ansiosa. Eu já estou acostumada a lidar com esse meio
corporativo, não estou entendendo por que tanta afobação. Mesmo sendo o
projeto da minha vida, sei lá... parece que tem algo a mais.

— O prazer é meu, obrigada por ter conseguido agendar essa reunião.

— Senhorita Montemor, sente-se conosco, por favor! — A voz firme de
uma mulher me faz virar o rosto na sua direção.

A senhora Scott é uma loira de meia-idade, muito bonita pessoalmente e
bem-arrumada, como vi pelas fotos. Seu terninho é completamente alinhado, não
tem um fio de cabelo fora do lugar. Instintivamente, passo a mão no meu para
conferir se está arrumado. Obedeço ao seu convite e me junto a ela na mesa de
reunião, cumprimentando-a. Há outros dois homens ao seu lado.

— Esse é o doutor Billy Russell. — Estico minha mão para ele também.
Pelo que Davis deixou a entender, a sua aprovação ao meu projeto é fundamental
para conseguir o financiamento. — E esse é o doutor Arnold Patterson. Nossos
melhores imunologistas. O biólogo James Davis você já conheceu.

Saúdo o outro senhor também, que aparenta ser bem mais simpático que
o primeiro. Billy tem os cabelos brancos e não abriu um sorriso sequer até agora.
Arnold usa óculos e acho que passa tintura porque deve ter a mesma faixa etária
do Russell.

— Eu sou muito direta, então, vamos conversar sobre o seu projeto — a
mulher avisa, sem rodeios e eu ajeito minha postura na cadeira. — Vimos a
apresentação e realmente parece uma pesquisa muito promissora, como Davis
disse. Anotamos algumas dúvidas e gostaríamos de esclarecer com você.

— Claro, estou à disposição.

Por cerca de uma hora, eu vou esmiuçando partes da metodologia do meu
estudo para os quatro presentes. O doutor Russell é o que mais faz perguntas,
porém, em nenhum momento me pedem informações mais detalhadas sobre
como eu cheguei ao produto final.

Pelas minhas pesquisas, vi que a Bioimmune Future é uma empresa
muito fechada. Achei vários artigos criticando o fato de não submeterem suas
pesquisas ao escrutínio de outros pesquisadores independentes. Todos os seus
estudos são trancados a sete chaves, imagino que sejam bem rígidos com
confidencialidade. Logo, também não iriam exigir de mim mais do que posso
falar em uma apresentação de prospecção.

— Surpreendente! — Patterson elogia. — Com certeza, é um viés muito
possível de ser aproveitado no nosso projeto.

— Obrigada, eu tenho me dedicado a ele, mesmo que não de forma
integral, há muitos anos.

Observo Russell e a senhora Scott se entreolharem e depois cochicharem
algo que não consigo ouvir. Ela me fita, enquanto ele fala, como se tivesse uma
visão raio-X de mim. Passo a mão na calça do terninho, incomodada com a
atenção tão direcionada.

— Senhorita Montemor, quanto quer por seu estudo?

— Como? — Pisco para entender direito sua pergunta.

Comprar? Comprar o meu projeto de vida? Esfrego a mão na calça com
mais força.

— Nós apoiamos algumas pesquisas pelas universidades do país,
inclusive, muitas na Universidade de Chicago. Porém, para esse projeto em
específico que seu estudo pode ajudar, não há nenhuma chance de liberarmos
fora do nosso laboratório.

— Eu... eu... — Tento encontrar as palavras certas para dizer.

— Dê o seu preço! Dinheiro não é problema para nós — reforça,
olhando-me de forma incisiva.

Eu definitivamente não gosto do jeito fixo e penetrante que ela me
encara. Faz o nervosismo ficar ainda maior, é tão forte que é como se eu não
tivesse opção além de aceitar o que me oferece.

Começo a entender a sua apreciação pela Frida. Madelyn Scott é uma
mulher de negócios implacável, que com certeza não deixa o mercado machista
da indústria farmacêutica a abalar.

— Senhora Scott, eu fico honrada que tenham interesse no meu trabalho,
mas ele não está à venda — digo, de forma educada. Se minha mãe ouvisse isso,
seria bem capaz que me deserdasse de vez. — Minha paixão pela ciência é muito
maior do que qualquer quantia. Não ficaria em paz comigo se me desfizesse
dessa pesquisa sem acompanhar como pode ajudar milhares de pessoas.

— Eu imaginei que diria isso pela forma como nos contou sobre ela. Vejo
o idealismo nos seus olhos. — Seu semblante sério volta a me fitar daquela
forma profunda. Engulo em seco, atenta às suas próximas palavras. — Quero
convidá-la, então, para trabalhar conosco neste projeto. Fiquei sabendo que seu
mestrado está para terminar, consigo adiantar sua defesa da tese em no máximo
duas semanas e você ficaria livre para se juntar a nós.

Essa mulher é mais poderosa do que pensei, se consegue interferir no
cronograma da universidade sem nem pestanejar.

— Trabalhar direto no laboratório com eles? — Viro o rosto para olhar
Davis e os demais, porém, o semblante confuso do biólogo me faz fixar a
atenção nele por mais tempo.

O homem parece surpreso com essa proposta, como se fosse muito
inviável e inesperada.

— Você trabalhará no laboratório, contudo, com acesso limitado a uma
parte do estudo. Somente a isso e nada mais! Nós temos cláusulas de
confidencialidade muito rígidas. — Scott aumenta um tom de voz, para deixar
muito claro esse ponto, e desvio o olhar do Davis. — Não escolhemos qualquer
funcionário. Se estamos dando uma oportunidade, é porque já sabemos do seu
histórico.

— Imagino que sim.

Não duvido nada que tenham mesmo investigado cada ponto da minha
vida. Capaz até que saibam de questões pessoais, como o aborto e o divórcio.
Não estou lidando com qualquer corporação.

— O seu salário será muito maior do que qualquer bolsa que poderia
ganhar de PhD e a sua experiência com nossa tecnologia será um diferencial
enorme no seu currículo — continua explicando, e todos os outros ficam em
completo silêncio. — Como você deve saber, a Bioimmune Future é referência
no mercado. Você quer ajudar a ciência, terá a oportunidade de fazer parte de um
projeto grandioso como jamais visto.

A última frase é a única que realmente tem o poder de me fazer pensar na
sua proposta. Não gostei muito do jeito dela, muito menos, do doutor Russell
que continua sem esboçar um sorriso. Os únicos que me parecem mais acessíveis
são o Davis e o Patterson.

Estou acostumada a lidar com a confidencialidade nos projetos da área, é
bem comum. Porém, algo me diz que nesse eu vou ser ainda mais podada de
informação por estar chegando só agora. Estou disposta a isso? Eu vou conseguir
trabalhar bem desta forma? Vale mesmo a pena?

— Vou dar 48 horas para pensar sobre isso, senhorita Montemor. — Scott
se levanta do nada, com o poder que tem de iniciar e encerrar a reunião quando
bem entender. — Avalie bem, é uma proposta que muitos profissionais dariam
tudo para ter. Caso tenha interesse, retorne aqui dentro desse período que toda
questão legal estará providenciada. Foi um prazer conhecê-la, espero que
façamos negócio.

— O prazer foi meu! — Levanto-me também e aperto sua mão estendida.
— Obrigada pela atenção e pela proposta, eu vou sim pensar com carinho.

A despedida com os outros presentes na sala é tão rápida e esquisita
quanto. Esfrego o peito ao sair no corredor, novamente guiada pela morena
bonita que surge de repente na minha frente.

Estou com uma sensação sufocante de que preciso dizer sim, mesmo
quando todos os meus instintos gritam que não.

O que eu faço agora?


Termino de lavar as folhas de alface e as coloco em uma vasilha junto
com o repolho, o tomate e a cenoura que já havia preparado. Thomas está no
fogão finalizando o purê de batata e a carne em cubos com vagem. Ele aprendeu
a cozinhar com o Oliver quando tinha 12 anos e, desde então, é responsável
pelas nossas refeições. O garoto ama a cozinha, como eu busco nos livros uma
forma de aguentar firme aqui embaixo.

— Já posso temperar ou você prefere fazer? — É melhor perguntar
porque Thomas é exigente com a comida.

— Pode deixar, vou fazer um molho de limão, mostarda e azeite. Arrume
a mesa, por favor.

— Tá bom. — Aproximo-me dele, instigado pelo cheiro gostoso que sai
das panelas. — Isso está com uma cara boa, eu podia dar uma experimenta...

— Tire a mão daí, Dylan! — Levo uma tapa antes de conseguir roubar
um pedaço da carne. — Nada de beliscar antes da hora.

Sabendo que não conseguirei convencê-lo, desisto da panela e sigo para o
armário a fim de separar os pratos e os talheres. Fazemos quatro refeições no dia
e seguimos uma dieta saudável, montada pelo doutor Russell para manter nosso
organismo em alto funcionamento. Assim que começo a dispor os utensílios na
mesa, Ethan chega esbaforido, me puxando pela blusa.

— James, Russell e Patterson acabaram de chegar e estão discutindo
sobre aquela moça que você contou.

— Onde?

— O que estão falando? — Thomas entra na conversa, afoito, deixando
tudo no fogo.

— Estava passando no corredor e ouvi o nome dela, vim correndo te
contar. Pelo que entendi, estiveram com a Elisa hoje.

Eu disse aos quatro o que tinha ouvido e que tinha esperanças de que ela
poderia ajudar nas pesquisas. Pedi a todos que ficassem de olho nos médicos
para saber se iriam falar alguma outra coisa. Até que enfim conseguimos novas
notícias, faz dias que ninguém menciona o assunto.

— Vai lá ver o que é, Dylan, antes que parem. Eu termino de arrumar a
mesa.

Aceno com a cabeça, notando meu coração acelerar de ansiedade, e sigo
com o caçula na direção da sala do doutor Russell. Para disfarçar, caso White
saia do laboratório de exames com Jimmy, paro perto da parede do lado de fora e
me ajoelho, fingindo arrumar o cadarço do tênis do Ethan.

— Eu não vou ficar perdendo meu tempo com você, Davis, não tenho
paciência para os seus surtos de consciência repentinos. — A primeira voz que
eu escuto é a do Russell.

— Não vou engolir isso fácil, você me deu um sermão de que não
poderia trazer gente nova para a pesquisa e do nada oferecem um cargo a ela.
Não é do seu feitio, muito menos da senhora Scott.

— James, você está arrumando confusão à toa. Quem a apresentou foi
você, insistiu pela conversa — o doutor Patterson tenta apaziguar. — Deveria
estar feliz, não desconfiado desse jeito. Já é, no mínimo, a quarta vez que nos
acusa em menos de uma hora, desde que terminamos a reunião.

— Não gostei de nada naquela reunião. A postura, o tom da conversa, a
proposta de comprar o estudo da vida da Elisa... não estou com um bom
pressentimento.

— Você não precisa achar nada, Davis! — Russell volta a falar, enérgico.
— Você só precisa fazer o seu trabalho. Está aí todo esquentadinho porque a
mulher está envolvida com a Moore. O seu pressentimento é seletivo!

— Não tem nada a ver com a Abigail. O problema é que eu conheço
muito bem do que vocês são capazes. Não esqueço por nenhum momento tudo
que já fizeram... — Há um breve silêncio na sala após a frase. Engulo em seco e
entreolho Ethan que está tão concentrado na conversa quanto eu. — O que vão
fazer com a pesquisa dela? Qual é o plano desta vez?

Como assim, o que vão fazer? Meu peito se aperta sem ao menos
entender do que estão falando. Se James não gosta, eu tampouco. Dos que estão
aqui conosco, ele e o Oliver são os que mais criaram ligações com a gente.

— Vocês não, meu caro. Trate de incluí-lo nessa equação. Se um paga,
todos pagarão. — Será que eles já fizeram algo ruim? Será que James também
fez? O que poderia ser? — Não venha com falso moralismo pra cima de mim a
essa altura. Faremos o que for necessário, como temos feito há 25 anos.

Uma onda de perguntas sem respostas começa a se formar na minha
mente. Pela primeira vez em anos, deixo o lado questionador que Matthew
sempre tem de falar mais alto em mim do que o meu dever com a ciência.

— Parem já, essa discussão não vai nos levar a lugar algum — o doutor
Patterson sentencia e o barulho de pés se movendo me faz levantar e pegar a
mão do Ethan. — Temos discutido muito aqui dentro, chega disso! Daqui a
pouco os experimentos começam a ouvir e desconfiar de tanta briga. Vamos
focar no que interessa, estou confiante que desta vez vai dar certo!

Saio com o garotinho, de volta para a cozinha, com o peito apertado. Está
tudo confuso demais, nunca tive tantas sensações diferentes junto. O que isso
significa, eu não faço ideia. A única coisa que tenho certeza no momento é que
não gostei dessa conversa.

O que mais eles falam quando pensam que não estamos ouvindo?


Mexo o garfo no prato, mas não pego nenhum alimento para comer.
Apesar de ser a comida de sempre, o gosto está descendo amargo pela minha
garganta. Não consigo parar de pensar na conversa de minutos atrás, jamais
pensei que chegaria a ficar tão desconfiado um dia.

Tento resgatar na memória outras interações dos médicos no passado, que
eu aparentemente não achei nada de mais, contudo, não consigo fazer nenhuma
ligação relevante. É uma dualidade horrível: ao mesmo tempo que quero
continuar acreditando que está tudo bem, como sempre achei; há um desconforto
formigando a minha pele e me pedindo para ficar de olhos bem abertos.

— Eles não falaram mais nada? — Thomas pergunta baixo novamente
para o Ethan, que já repetiu duas vezes o que eu contei assim que nos sentamos
para almoçar.

Geralmente, sempre comemos sozinhos, são raras as vezes que alguém
nos acompanha e quando isso acontece, é James ou Oliver. Agora somente o
doutor Russell está na sua sala, os demais saíram.

— Tivemos que sair antes que percebessem nossa presença, não deu pra
ouvir mais.

— O Smith passou lá no laboratório enquanto eu fazia exames com o
White e parecia irritado. Comentou algo sobre mais uma tentativa falha da
equipe — Jimmy compartilha, remexendo no prato como eu.

— Eu acho que a gente deveria dar um jeito de subir e ver o que tem do
lado de fora. Tudo que sabemos é com base no que nos dizem. Já pararam pra
pensar que pode ser mentira? — Matthew, que até então estava calado, resolve
manifestar sua opinião.

— Mas e se for verdade? — Thomas pondera, passando a mão no cabelo.
— A gente correria risco de vida. O pai do Dylan morreu tentando preservar
nossa mutação. Eu realmente estou desconfiado, mas não a ponto de achar que
tudo é uma farsa. Acredito que o mundo lá fora é exatamente como nos
disseram.

— Se eles fossem pessoas más, não nos ensinariam tanto, né? Nos
ensinaram a falar, a ler, temos tantas aulas... Somos bem-tratados, nos dão
comida, cuidam da gente...

— A questão é que pode ter muito mais que isso do outro lado, Ethan.
Pode ter mais comida, mais gente disposta a nos ajudar, pode ser que nos
compreendam, que nos ensinem algo que nem imaginamos — Matthew volta a
falar.

Há menos de uma semana, eu iria discordar de tudo que ele diz,
relembrando do nosso objetivo e reforçando que não há por que duvidar do que
estamos fazendo aqui. Agora não consigo abrir a boca.

“Eu conheço muito bem do que vocês são capazes. Não esqueço por
nenhum momento tudo que já fizeram...”

“Faremos o que for necessário, como temos feito há 25 anos.”

“Daqui a pouco os experimentos começam a ouvir e desconfiar de tanta
briga.”

As frases ficam reverberando na minha cabeça, buscando um sentido
plausível para terem sido ditas sem que isso leve a um resultado ruim. A mente
tenta justificar, mas meu corpo parece saber de algo que não sei. Meu peito
permanece apertado, trazendo reações que soam como um alerta.

— Digamos que a gente concordasse com a sua ideia, mesmo assim, não
daria pra subir nunca sem um deles — Jimmy comenta, encarando Matthew. —
Todas as vezes que entram e saem daqui usam a retina para passar pelas portas
que levam ao andar de cima. Eu já tentei uma vez colocar os meus olhos, só pra
ver o que acontecia, e aparece a mensagem “acesso negado”.

— Eu já tentei também, por curiosidade, e aparece isso — Thomas
complementa.

— Eu sei desse problema, também testei, teríamos que achar outra
maneira. Tentar descobrir uma falha no sistema — Matthew avisa, buscando
meu olhar.

Desvio o foco para o garfo, remexendo a comida de novo. Saber que três
dos meus quatro companheiros já tentaram, seja por qual for o motivo, passar
por aquelas portas me deixa ainda mais incomodado. Sou o mais velho e nunca
tentei, nunca passou pela minha cabeça desobedecer às instruções do doutor
Russell e do doutor Patterson.

— O que você tem a dizer depois dessas novas descobertas, Dylan? —
ele me instiga a falar. — Você sabe que eu tinha minhas desconfianças sobre a
pesquisa, agora acho que pode ser pior do que eu pensava. O que vamos fazer?

— Sinceramente? — Minha voz sai baixa, não por medo de ser ouvido,
mas porque estou me sentindo impotente, fraco. — Eu não faço ideia do que
devemos fazer.

Talvez esteja me machucando tanto pensar que eles estão escondendo
algo importante, justamente, porque eu confiei 100% em tudo que nos passaram.
A minha vida toda é baseada nas palavras deles.

Se for mentira, eu sou uma mentira.


Já se passaram quase 36 horas do prazo que a senhora Scott me deu,
para decidir o que fazer com a minha pesquisa, e eu ainda estou bem indecisa. O
fato de trabalhar com a alta tecnologia da empresa e ajudar a ciência me
instigam, porém, manter contato com aqueles profissionais e desistir do meio
acadêmico pesam muito contra.

Passo a mão na altura do peito, que continua agitado sem que eu faça
ideia do motivo. Desde a reunião, estou com uma intuição estranha que não me
deixa em paz. Quase posso ouvir uma briga da minha consciência: de um lado
“vai, Elisa” e do outro “corre que é cilada”.

Passo pela catraca de entrada e aceno para o porteiro da noite, sentindo a
brisa quente do verão atingir meu rosto assim que estou do lado de fora da
universidade. Escuto o toque do meu celular e atendo, enquanto continuo
andando. Todos os dias eu faço o trajeto a pé, é bem perto de casa.

— Oi, Ingrid, não precisava ter ligado, eu já estou chegando em casa e ia
ver seu e-mail — digo feliz ao perceber que se trata da minha irmã. — Você vai
pagar uma fortuna na conta do hotel por fazer ligação internacional.

— É claro que precisava ligar pra minha irmãzinha, desculpa não ter
conseguido antes. O dia foi exaustivo no congresso. Cheguei ao quarto só agora.

— Está gostando?

— Aí, é maravilhoso, Eli. Estou amando!

Faz três dias que Ingrid está participando de mais um evento de formação
da sua área. A veia estudiosa atingiu em cheio nós duas, ela também ama
aprender e descobrir coisas novas. Mandei uma mensagem logo que saí da
Bioimmune Future ontem, tentando uma palavra amiga para ajudar na escolha,
mas fiquei sem resposta até à noite, quando mandou um e-mail avisando que
estava sem o celular. O seu quebrou durante a viagem do congresso e ainda não
conseguiu comprar outro por falta de tempo.

Ficamos em um desencontro enorme. Passei a noite lendo o livro novo de
imunologia que a Amber me deu de presente de aniversário e não conferi as
mensagens. Quando vi e respondi de manhã, ela já estava ocupada novamente
com o evento e eu fiquei na correria da rotina da universidade.

— Mas não vamos focar essa conversa em mim, não, o que importa é
você — ela volta a falar, animada. — Menina, eu acho que você deve aceitar a
oferta de emprego. Dei uma pesquisada no Google e vi que eles possuem muito
investimento, é tudo que você precisa pra fazer acontecer a sua pesquisa. Não
acho que será fácil conseguir financiamento para o PhD tão cedo.

— Pior que eu acho isso também, conversei muito com a professora
Moore e ela foi bem sincera quanto à dificuldade da verba.

Ficamos praticamente a tarde inteira ontem falando sobre as minhas
opções. Não conseguimos nada até agora, e a probabilidade de aparecer um
financiador para esse tipo de pesquisa está baixa. Se eu recusar a proposta,
ficarei longos meses afastada da academia até surgir uma nova oportunidade no
próximo semestre. Isso, se surgir.

Não quero ficar parada em casa, trancada 24 horas por dia naquele
apartamento. Se eu disser sim, estarei bem ativa e com muitos afazeres — algo
que aprecio veemente nos últimos tempos. Já dizia minha finada avó que “mente
vazia é oficina do diabo”.

A Moore não gostou nenhum pouco de terem oferecido dinheiro para
comprar o estudo, nem do fato deles conseguirem interferir tão facilmente no
cronograma da universidade. Contudo, no fim, também me incentivou a
considerar a oferta.

— Sobre não ter gostado do pessoal da empresa, eu te conheço muito
bem, maninha. Você é tão focada que mal vai interagir com eles. Lembra quando
ganhou aquele kit de experiências na feira de ciências da escola? — Sorrio com
a lembrança, eu queria tanto que cheguei a sonhar com os utensílios durante um
mês inteiro. — Você virou uma obcecada, não comia, não dormia, precisava ser
obrigada a ir para as aulas e largar o brinquedo. A mãe ficou louca da vida!

— Eu amava aquele kit, instigou ainda mais minha veia de pesquisadora!
— confesso, saudosa.

Eu pedi durante dois Natais seguidos o kit para a Madalena. Para variar,
desde aquela época, ela ignorava meus desejos e fazia exatamente o que queria.
Não sei nem dizer quantos brinquedos de médico eu ganhei durante a infância.
Ela odiou o prêmio da feira, que conquistei por mérito meu, aos oito anos de
idade. Acredito que só não deu fim no objeto porque a escola inteira presenciou
a alegria que eu fiquei ao ser anunciada em primeiro lugar. As aparências são
muito importantes para a minha mãe, não iria decepcionar a filha na frente dos
outros.

Atravesso a avenida, atenta ao semáforo fechado, e continuo andando na
direção de casa. Para uma pessoa normal, essa seria uma excelente situação para
receber aconchego e conselho dos pais. Só que nem me iludo mais com isso, já
me acostumei a tê-los afastados da minha vida. Se soubessem da proposta, o
dinheiro seria a única coisa importante na equação. Estão pouco se lixando para
os meus sentimentos.

— Quando começou a universidade, você nem curtiu como qualquer
outro ser humano normal. Só queria saber de livros. — Agora é ela quem ri.
Ingrid é estudiosa, mas não é bitolada. Aproveitou muito mais do que eu. —
Quando você ama alguma coisa, se dedica 100% naquilo, independente do que
esteja acontecendo à sua volta. Essa pesquisa é a sua pupila, não tenho dúvidas
de que nada irá te atrapalhar, Eli.

— Obrigada por sempre acalmar meu coração — agradeço, sincera. —
Eu te amo!

— Eu também te amo, muito! Aceite esse desafio, vai lá e mostre para os
gringos o quão foda uma brasileira pode ser. Aproveita, e vê se acha um
minutinho pra dar uma foda de verdade com um cientista gostosão. —
Gargalhamos juntas ao telefone, a minha irmã não perde uma oportunidade de
me mandar transar.

— Eu tenho dó do meu cunhado, viu! Renan deve ralar pra dar conta do
seu fogo.

Minha tática sempre que alguém entra no assunto é tirar o foco de mim e
colocar em qualquer outra coisa. Os dois estão casados há cinco anos e são
perfeitos um para o outro. Um relacionamento de verdade, que já não tenho mais
nenhuma ilusão de conseguir.

— Que nada, ele adora usar a mangueira pra apagar!

— Ingrid do céu! — Dou uma risada mais alta e duas pessoas que estão
passando ao meu lado me olham com desconfiança.

Provavelmente, tanto pelo grito do nada, como pelo idioma diferente. É
até estranho falar português quando ligo para alguém da família. O inglês está
intrínseco em mim pelo tempo que moro nos Estados Unidos. Peço desculpas
acenando com a mão livre e sigo a caminhada. Falta apenas uma quadra para
chegar ao meu destino.

— Merda, estão batendo na porta aqui. Conheci uma estudante de
medicina no congresso, a garota é apaixonada como nós pelo que faz. Disse que
poderia passar no meu quarto mais tarde, se quisesse trocar figurinha, mas não
pensei que fosse realmente vir.

— Uma médica renomada te oferece conhecimento e você vai negar? Só
se ela fosse louca. E não reclama, não, que eu sei que você gosta. Daqui uns
anos, aposto que vai seguir pra área acadêmica também.

— Pior que gosto, viu! — Tenho uma sensação estranha de ter alguém
olhando para mim e viro o rosto para trás. Não encontro nada suspeito. — Vou
ter que ir mesmo, maninha. Qualquer coisa, me manda e-mail. Eu tenho certeza
de que vai arrasar, é a sua cara esse emprego.

— Tá bom, eu mando, sim. — Observo ao meu redor de novo, porque a
sensação aumenta, e noto que tem um carro preto andando mais devagar do que
o normal. — Obrigada, Ingrid.

Ela fala mais alguma coisa antes de desligar, porém, já não estou mais
prestando atenção. Apresso os passos para chegar logo à portaria. Aqui no meu
bairro é tranquilo andar à noite pelas ruas, mas nunca é bom abusar. Assim que
piso na calçada do prédio, esbarro com um corpo que quase derruba o celular da
minha mão.

— O que foi, amiga? — A voz suave da Emma me faz soltar o ar que
nem reparei que havia prendido. — Você está pálida.

Olho pela terceira vez para trás e percebo que o veículo se foi. Caramba,
será que foi uma viagem da minha cabeça? Não sou de sentir essas coisas, e
ultimamente tenho andado toda sensível.

— Credo, eu podia jurar que tinha alguém me olhando, sabe, como se
estivesse sendo vigiada?!

— Nossa, sei muito bem. Essa é a pior sensação do mundo. — Minha
amiga me abraça pelos ombros e dá uma sondada ao redor antes de entrar
comigo no prédio.

Quero perguntar se já aconteceu algo com ela, que ainda não me disse,
mas estou tão elétrica pelo susto que subo o elevador em silêncio.

— Quer que eu fique um pouco com você na sua casa? — ela indaga,
preocupada, quando chegamos ao andar.

— Não precisa, foi só um susto. Vou tomar banho, comer alguma coisa e
deitar cedo, porque amanhã vou na Bioimmune Future comunicar minha
decisão.

— Vai aceitar a proposta? — questiona, sorrindo com orgulho antes
mesmo da resposta.

— Ainda tem alguma coisa esquisita que me prende, mas eu vou aceitar,
sim — digo, procurando a chave do apartamento na bolsa. — É o meu sonho,
vale a pena pela pesquisa.

— Que bom, amiga. Fico muito feliz por você.

Amber, ela e eu conversamos muito sobre a proposta por FaceTime no
meu horário de almoço, ontem. Eu sabia que as duas tinham compromisso à
noite e não poderiam vir aqui em casa falar pessoalmente. A opinião delas
também era importante, e as duas me motivaram a seguir em frente.

— Tomara que sim, espero que saia do papel essa ideia e ajude muitas
pessoas!

— Não tenho dúvidas do seu potencial, vai ser um sucesso! Manda
mensagem pra Amber avisando da novidade, ela vai ficar feliz também.

— Vou mandar, sim, na verdade, eu decidi totalmente não faz nem cinco
minutos.

— Se você não precisa que eu fique, eu vou indo, então. — Emma deixa
um beijo na minha bochecha assim que abro a porta. — Tenho um happy hour
com o pessoal da companhia de dança, estava chamando o táxi quando percebi
que saí sem meu batom. Voltei ao apê pra pegar, não tem como ficar a noite
inteira sem retocar a maquiagem.

— Vai lá, amiga, aproveite sua noite! — Sorrio, tendo certeza de que ela
vai aproveitar.

Assim que fico sozinha no apartamento, o aperto no peito que está
ficando costumeiro volta a despontar. Se isso não for ansiedade de me arriscar
em algo novo, tenho até medo de pensar o que significa.

Se bem que, mais fundo no poço que fui, creio que é impossível chegar.
Qualquer situação que eu viva lá não pode ser pior do que tudo que já passei.


Nove dias.

Quase não dá para acreditar que a senhora Scott realmente conseguiu
adiantar minha apresentação final da tese e finalizar todo processo burocrático
na universidade em tão pouco tempo. A mulher tem contatos, e contatos dos
bons. Bem se vê todo seu poder em apenas uma hora de conversa. Aquele dia
fiquei impressionada da sua firmeza em uma sala com três cientistas.
Infelizmente, essa área ainda sofre com o machismo estrutural e não é fácil
ganhar espaço. Nesse aspecto, eu tiro o chapéu para ela. É decidida, não se
intimida, falou quase que 80% da reunião sem ser interrompida uma vez sequer.

Pago o motorista e desço do táxi, observando curiosa a fachada do
laboratório que irei passar grande parte do tempo a partir de hoje. O lugar é
afastado da pomposidade do centro e bem mais discreto que a sede. Vim de táxi
por ser o primeiro dia, mas terei que aprender a rota do metrô porque está longe
de casa. Bem longe.

Se bem que dinheiro não será um problema tão cedo. A Bioimmune
Future paga muito bem, mais do que imaginei que seria.

De dois andares, o prédio cinzento combina com a pacacidade da rua. Na
lateral tem uma pilastra maior que parece aquelas torres de palácios antigos. Dá
para ver no topo um painel solar apenas nessa área. Quase não se escuta barulho
de nada, pelo que fui informada pelo RH, todos os profissionais que estão nesse
laboratório são focados apenas na pesquisa da qual fui contratada para ajudar.

Sigo para a entrada com as batidas do coração ressoando pelo meu corpo.
Meu Deus, quando essa sensação esquisita vai passar? Mal passo pela porta e
sou surpreendida ao ver a senhora Scott parada na recepção, falando ao celular.

— Ela acabou de chegar.

Seu olhar percorre meu corpo de cima a baixo e fico preocupada se me
atrasei. Olho discretamente no relógio do meu pulso e percebo que estou quinze
minutos adiantada. Fico parada, encarando-a de volta.

— Farei isso. Sim. Pode deixar, ficarei pessoalmente atenta — diz ao
telefone para sabe-se lá quem.

Pessoalmente atenta em mim? A possibilidade de tê-la me observando
me deixa ainda mais tensa. Tudo nessa mulher exala poder.

— Bom dia, senhora Scott — cumprimento-a quando a ligação termina.
— Não imaginei que iria vê-la por aqui.

— Nós somos muito rigorosos com os funcionários, senhorita Montemor.
Você foi uma exceção enorme aos nossos protocolos internos. Quis reforçar,
mais uma vez, as regras para que não haja nenhum mal-entendido.

Tive que assinar tantos documentos de confidencialidade que quase
fiquei tonta. Não chega nem aos pés da Globalmed nesse quesito — e olha que lá
também havia bastante preocupação com isso.

No dia que aceitei a oferta não cheguei a me encontrar com a CEO. A
secretária estava com tudo adiantado, como se a mulher tivesse certeza de que eu
iria dizer sim. Só nos encontramos dias depois, ainda lá na sede, com a presença
do doutor Russell, para deixar bem claro essas tais regras.

Basicamente, eu não posso fazer perguntas demais, não posso exigir
nenhuma informação além daquelas que me forem oferecidas, nem xeretar em
locais que não tenho acesso. De forma alguma, posso compartilhar nada que eu
veja aqui dentro com ninguém do mundo exterior. Há uma multa milionária na
cláusula, caso eu descumpra esse item. Não tenho nenhuma dúvida que eles
moverão céus e terra para fazer valer, se eu abrir a boca.

— Vem, vou te mostrar o laboratório, os limites de acesso e a sua sala. —
Ela entrega um crachá na minha mão e começa a andar na direção de um
corredor. — Queremos te deixar a par da pesquisa o quanto antes, temos pressa
nos resultados. Já demoramos tempo demais.

A cada lugar que sou apresentada, ou a cada vez que ela reforça alguma
das suas regras rígidas, um alerta enorme se acende na minha cabeça. É como
um apito, bem alto e chamativo. Engulo em seco, desviando-me do olhar curioso
das pessoas que me fitam descaradamente com espanto. É notável que não entra
ninguém novo aqui há muito tempo.

Ah, merda! Mal cheguei e já acho que não fiz uma boa escolha.






Acelero as passadas na esteira à medida que minha mente vai trazendo à
tona todas as preocupações que tenho tido desde que ouvi a conversa entre
Russell, Patterson e James. Há dias estou exausto por pensar, pensar, pensar e
não ter nenhuma resposta concreta para as minhas perguntas.

É horrível a sensação de que nem tudo pode ser o que você sempre
acreditou que era. Estou um misto de vazio pelo medo do desconhecido e
ansiedade de descobrir qualquer mísera informação que pode nos ajudar a
entender melhor o que exatamente estamos fazendo aqui e o que há lá fora.

— Eu acho que descobri algo. — Diminuo a velocidade da corrida
quando Matthew sobe na esteira ao lado. — Já reparou que em algumas paredes
têm uma grade de alumínio próximo ao chão?

— Sim, na cozinha tem uma, na sala de estudos e nas salas de exames
também.

Ele deixa a sua garrafinha de água no suporte e liga o aparelho para
disfarçar, caso alguém apareça aqui para nos espiar. Apesar de eu não ter certeza
do que deveríamos fazer, decidimos investigar as lacunas do lugar e continuar de
olho nas conversas paralelas. Os últimos dias não foram animadores em
nenhuma das tarefas, infelizmente.

Estamos em uma fortaleza e os médicos ficaram mais quietos do que de
costume. Queria saber se Elisa já chegou, se está trabalhando no andar de cima e
se realmente pode finalizar a pesquisa. A opção com ela me parece a mais segura
para sair daqui.

— Estava enchendo minha garrafa na cozinha agora e comecei a reparar.
Elas são grandes, se conseguirmos tirar a grade tenho certeza de que dá pra eu
passar.

— Mas passar como? Você nem sabe o que é, o que tem lá. — Paro de
correr e começo a caminhar, encarando-o. — Pode entrar e não conseguir sair, é
muito perigoso.

— Eu não tenho medo de me arriscar, Dylan — responde, sério, não
desviando meu contato. Eu admiro a coragem dele. — Não aguento mais tantas
dúvidas, quero ter uma certeza.

Matthew nem conseguiu disfarçar o alívio quando todos os meninos
ficaram animados com o nosso novo objetivo. É como uma missão importante
das aventuras que eu leio nos livros. Ele estava sozinho com as suas dúvidas, e
agora ganhou novos motivos para conquistar aliados. As falas misteriosas,
principalmente do James que gostamos tanto, ativaram um sinal de alerta em nós
que foi impossível ignorar.

— A gente combinou que iria buscar uma saída, desde que fosse seguro.
— Não quero ser o garoto receoso o tempo todo, mas não consigo evitar. —
Temos que pelo menos tentar descobrir o que é isso. Perguntar ao James e ao
Oliver está fora de cogitação, podem achar estranho.

— E se tentássemos pesquisar no notebook na hora da aula? — Jimmy
sugere, deixando de lado os pesos que estava levantando para entrar na conversa.
— Ter pelo menos uma noção do que é aquilo.

Faço um sinal para Thomas e para Ethan virem fazer algum exercício
próximo a nós. Sempre gosto de compartilhar tudo com todos.

— O que está acontecendo? — o caçula pergunta e Matthew resume o
que me contou e a ideia do Jimmy.

— Eu posso atormentar o Oliver, fazer um monte de perguntas pra me
explicar e não ficar de olho no Matt.

— É mais fácil distraí-lo do que o James. É uma boa ideia do Ethan —
Thomas elogia, secando o rosto com uma toalha antes de se posicionar na barra.
— Não tem como eles saberem o que a gente pesquisa no notebook, né?

— Eu acho que não, nunca vi nenhum deles mexendo nos computadores.
Só a gente mesmo que usa — Jimmy pondera, fingindo fazer abdominais no
colchonete perto de mim. — Além do mais, nunca demos motivos pra
desconfiarem.

— Bom, é um risco que vale a pena correr. Vamos torcer pra não terem
acesso — Matthew afirma, decidido. — Eu vou tentar encontrar hoje, no horário
dos estudos, qualquer informação sobre essas grades na parede.

Fico calado, evitando dizer algum outro comentário pessimista que tire o
sorriso de esperança do rosto dos demais. Queria muito ser destemido como
Matthew, sem me preocupar com o fato de que Oliver pode ver ou, ainda pior, os
médicos descobrirem e desconfiarem das nossas novas intenções.

Não sei o que poderiam fazer se soubessem que queremos sair daqui
antes da pesquisa finalizar.


Quando eu tinha sete anos fiquei por meses fissurado nos pássaros que
aprendi nas aulas sobre a fauna da Terra. Lembro-me perfeitamente de uma
curiosidade que James me contou sobre o coração do beija-flor poder chegar a
1200 batidas por minuto. É claro que eu sei que é impossível o coração humano
chegar a tal batimento, mas o meu está tão acelerado neste momento que a
impressão que dá é de que estou quase lá.

Eu sou péssimo em disfarçar, estou brigando com meus olhos para não
encarar Matthew e estragar o nosso plano. Já reli o primeiro parágrafo do texto
de hoje umas cem vezes e não consegui absorver nada. Estou muito nervoso.

O mais surpreendente é que Ethan tem apenas 9 anos e está tagarelando
com Oliver, para distraí-lo, como se fosse a coisa mais normal do mundo. O
garotinho também é corajoso, se não soubesse, nunca iria imaginar que está
fingindo.

Os minutos passam no relógio do computador se arrastando. Quando
esfrego o rosto pela décima vez, a fim de me obrigar a focar nas palavras,
percebo que James está me encarando. Caio na besteira de fitá-lo de volta e
quase sou engolido pelos seus olhos pretos. Eles estão diferentes, como se me
questionassem em silêncio. Disfarço e volto a olhar para a tela. Praticamente não
me movo mais até que o horário da aula termine.

— Por hoje chega, pessoal. Podem tomar o lanche e se prepararem para
uma nova rodada na academia.

Abaixo a cabeça para não chamar atenção e respiro fundo, aliviado. Foi
uma tortura pior do que receber vírus e bactérias no meu corpo. Pelo menos, com
eles, eu sei que nada de ruim pode acontecer com quem eu gosto. Essa ideia
podia ter dado errado de várias formas diferentes. E ainda nem terminou. Muita
coisa ainda pode acontecer.

Não seja pessimista, Dylan. Não seja medroso!

Levanto-me e começo a andar na direção da saída. Matthew se encontra
comigo e dá uma piscada tentando esconder o sorriso nos lábios. Ele conseguiu
achar algo! Pelo menos, valeu a pena toda a tensão.

— Preciso falar com você um minutinho! — Dou um pulo de susto ao
sentir uma mão no meu braço e a voz do James.

Thomas e Jimmy passam por mim com os olhos arregalados, como se
implorassem para que eu não diga nada suspeito, enquanto sou levado
discretamente para o canto da sala de estudos. James espera Oliver e Ethan
também saírem para começar a falar.

— O que está acontecendo, Dylan? — O disparo do beija-flor volta com
tudo no meu peito. — Você está esquisito há dias, quase não olha nos meus
olhos. Hoje, então, está mais estranho ainda.

— Nad... não aconteceu nada. — Fito o chão e tento focar nos detalhes
do tênis que estou calçando para buscar um pouco que seja de calma para ter
essa conversa.

— Tem certeza? — ele insiste, tocando meu ombro e me obrigando a
encará-lo. — Você sabe que pode dizer qualquer coisa pra mim, né?

Eu posso, você que não pode. O diálogo com os médicos volta com tudo
na minha cabeça, deixando-me nervoso com o fato de que talvez não conheça
nada do homem que considerei um amigo por tanto tempo.

Russell foi bem direto quando mencionou que James está envolvido na
trama deles. “Vocês não, meu caro. Trate de incluí-lo nessa equação. Se um
paga, todos pagarão.”

— Eu sei que posso contar com você, não é nada mesmo. Fica tranquilo.

Também toco no seu ombro e faço um esforço enorme para abrir um
sorriso. Definitivamente, sou péssimo nisso. James me observa com atenção
mais uma vez e, por fim, me libera para comer. Quando noto que não está me
observando, praticamente corro até a cozinha. Todos os meninos estão próximos
à mesa, fingindo que arrumam um lanche enquanto Matthew está falando.

— O que o James queria? — Thomas questiona, afoito, e todos me
encaram, curiosos. — Ele ficou te olhando a aula inteira. Você tava parecendo
muito ansioso.

— Eu estava quase entrando em colapso, meu coração não parava de
acelerar. Aventura pra mim só nos livros, mesmo — confesso, juntando-me a
eles e pegando um pão para disfarçar. — Ele perguntou se havia algum
problema, eu disse que estava tudo bem. Se não acreditou, não me disse nada.

— James sempre foi preocupado com a gente, qualquer coisinha
diferente fica em cima. Não acho que desconfiou do nosso plano — Jimmy
opina, passando pasta de amendoim no seu pão integral.

— É verdade, pode ser só preocupação rotineira. Continue contando o
que descobriu, Matt. — Queria ter a capacidade do Thomas de se acalmar tão
rápido. Ainda estou elétrico por dentro com tanta adrenalina.

— Depois de muitas tentativas falhas, eu consegui descobrir o que é
aquilo. Chama tubo de ventilação, é muito usado nos prédios. Se foi projetado
como eu vi, com certeza, consigo chegar ao andar de cima.

— Como podemos abrir? — Jimmy indaga, animado.

— Eu vi uma imagem que a pessoa tirava puxando as laterais com a
ajuda de um objeto pontiagudo. Acho que a faca dá. — Olho na mesma direção
que ele, para o tubo de ventilação perto do armário. — Aquele dali é a nossa
melhor opção porque tem pouco movimento na cozinha. Temos que tentar à
noite, quando geralmente só um fica aqui com a gente.

— O White sempre passa a maior parte do tempo testando coisas no
laboratório que tem perto da sala especial dos nossos testes — Ethan fala, pela
primeira vez, desde que me juntei a eles. — É afastada da cozinha e ele é o único
que não fica vindo nos ver.

— Boa lembrança, garoto! — Matthew faz um carinho no cabelo do
caçula. — O White é perfeito, só temos que esperar o próximo dia da sua
vigilância noturna.

— Será que todos conseguimos passar? O Dylan, por exemplo, é bem
mais forte e alto que você.

— Só eu vou dessa primeira vez, Jimmy. Quero ter certeza de que é
seguro, dependendo do que eu encontrar do outro lado, nós pensamos o que
fazer a seguir.

— E se... — Paro o que ia dizer ao notar os olhares se direcionarem para
mim. Querendo ou não, como sou o mais velho, os demais sempre levam em
consideração minhas palavras. — Vai dar certo, você vai voltar bem.

Engulo o meu medo e deixo só para a minha cabeça preocupada as
opções negativas: e se ficar entalado? E se tiver alguma coisa dentro do tubo? E
se não conseguir voltar?

Tenho que aprender a controlar esse lado meu. Talvez esteja agindo dessa
forma porque nunca cogitei outra realidade fora a que foi me ensinada.

Preciso aprender a conviver com essa hipótese a partir de agora.


Sugo o resto da Coca-Cola pelo canudo e jogo a latinha na lixeira que
tem na calçada, próximo à entrada do laboratório da Bioimmune. Eu não deveria
ter cedido à tentação de almoçar fast-food, mas estava me sentindo tão sufocada
dentro daquele lugar que se não comesse, iria surtar de vez. Antes de entrar, abro
as embalagens dos dois bombons que comprei e mastigo rápido para não me
atrasar.

Tem várias placas espalhadas pelo local sobre a proibição de alimentos
de qualquer tipo. O engraçado é que não pode comer lá dentro, porém, nos
quatro dias que estou trabalhando na minha pesquisa não percebi ninguém
saindo.

Praticamente não vejo o doutor Russell, o doutor Patterson e o Davis, os
três passam grande parte do dia no subsolo — uma área que eu nem chego perto
de ter acesso. Aliás, eu reparei que nessa questão eu não sou a única. A minha
sala fica de frente para o corredor e, ao final dele, tem um elevador exclusivo
que transporta para baixo. Eu contei: só seis pessoas têm autorização para descer
e ainda com ativação pela retina. Eles não brincam com a segurança por aqui.

Engulo o último pedaço do chocolate e apresso o passo para voltar ao
trabalho. Preciso me adaptar à nova rotina logo, já faltei em duas sessões de
terapia e uma consulta com a dietista. O nervosismo com o novo desafio está
ativando a minha ansiedade, e logo, ando descontando na boca o que minha
mente não suporta.

Não quero regredir em todo esforço que já alcancei contra a compulsão
alimentar. Eu estava indo bem até a véspera do meu aniversário. Depois daquele
dia, foi ladeira abaixo. Pode ser meu inferno astral em ação.

Passo pela recepção e uso meu crachá para entrar na área das salas de
pesquisa. O espaço é bem grande e tem várias repartições divididas em subáreas
do estudo para o projeto que eu sequer consegui entender direito. Sou focada no
trabalho, mas o pessoal aqui está em outro nível. Ingrid ficaria surpresa em quão
bitolados são. Só recebo acenos discretos de cabeça quando passo perto de
alguém, fora isso é uma quietude assustadora. Até agora só três pessoas tiveram
contato mais constante comigo.

— Senhorita Montemor, o senhor Smith pediu pra avisar que terá que
cancelar a reunião de hoje à tarde, de novo. Ele teve que fazer uma curta viagem
a trabalho e retorna em três dias — Turner me dá uma péssima notícia assim que
me sento na minha mesa.

— Ah. — É impossível esconder o meu descontentamento. — Tudo bem.

— Estou terminando um relatório e já volto para ajudá-la com o ensaio.

Aceno com a cabeça e me ajeito na cadeira, desconfortável. Turner é
química e foi designada exclusivamente para me auxiliar no que eu precisar,
junto com o biólogo Bell. A senhora Scott liberou um estudo clínico registrado
em camundongos e coelhos para que eu possa obter autorização em breve para
testar meu soro potente em humanos. Fiquei chocada em como eles são rápidos e
não perdem tempo. Definitivamente, é uma empresa conceituada no mercado e
com ótimos contatos.

A tecnologia que a Bioimmune possui aqui é fascinante. Não é à toa que
tem “Future” no seu nome. Os programas de computador para acompanhar o
estudo nas cobaias são de última geração como nunca tinha visto. Mesmo em
poucos dias, também consegui dar seguimento na minha pesquisa sobre replicar
o plasma.

Eu deveria estar radiante por ter tamanho apoio e até uma equipe para
trabalhar, só que a sensação de algo errado está se amplificando cada vez mais.
Eu vim aqui para ajudar no projeto deles, mas só consegui uma explicação muito
sucinta do que se trata.

A empresa quer fazer um ativo acelerador que ajuda o organismo a criar
anticorpos mais rápido contra os mais diversos tipos de doenças. Achei
fantástico e cheguei a ficar boquiaberta quando a senhora Scott me disse no
primeiro dia. Só que ficou nisso. Não faço a mínima ideia de como será feito e
de que maneira chegaram a esse produto. Não tive acesso a mais nada com
relação ao estudo.

“Vamos explicar tudo.” “A seu tempo.” “Uma coisa de cada vez.”

Alegaram que querem atestar que minha fórmula funciona para depois
agregar as duas pesquisas, só que não estou confortável com a decisão.
Pressionei o senhor Smith, que é o responsável pela equipe e, desde então, é
desculpa atrás de desculpa para cancelar nossa reunião que vai me mostrar de
forma mais ampla o que estão tentando fazer.

Quero acreditar que é apenas uma coincidência e que eu estou neurótica
demais, porém, algo dentro de mim não me deixa ir por esse caminho por mais
do que cinco minutos.

O Davis tinha dito no dia que o conheci que o principal problema do
projeto era o excesso de anticorpos no organismo. Agora eles têm acesso à
fórmula que eu descobri e podem controlar isso. Mesmo que eu tenha contratado
um advogado para me representar, e que haja uma cláusula no contrato que
pontua que não devem usar nada do meu estudo sem a minha anuência e
participação, fico receosa.

Tenho medo de que toda essa bondade seja apenas uma distração para
que os cientistas daqui usufruam do meu conhecimento e me deixem de fora.
Não vou aceitar ser usada dessa forma, de jeito nenhum, mesmo que tenha que
lutar contra uma empresa tão poderosa. Entendo as questões de
confidencialidade e hierarquia, contudo, já que fui contratada, quero ter o
mínimo de informação para saber onde estou pisando.


Desço no ponto de ônibus conferindo a mensagem que a Amber me
mandou no celular. Ela e a Emma combinaram de passar em casa hoje depois do
expediente para saber as novidades do emprego novo. Não posso compartilhar
quase nada, mas confesso que fiquei feliz de ter a companhia das duas para ver
se me animo um pouco.

Traz uma pizza mais saudável. E deixa que faço um suco natural.

Digito a mensagem, mesmo sabendo que almocei Big Mac, tomei
refrigerante de 1 litro, tomei sorvete e ainda comprei uma latinha e dois
bombons para petiscar no caminho de volta ao trabalho. Inspiro fundo e guardo o
aparelho na bolsa, virando a esquina que dá para a quadra do meu prédio.

Comecei a usar ontem a rota do metrô e do ônibus para ir e voltar do
laboratório. O trajeto leva quase quarenta minutos, mas pelo menos não fico
gastando dinheiro a rodo com táxi. Acostumei-me a ser econômica e prefiro
continuar dessa forma. Nunca se sabe o dia de amanhã.

Sinto um frio na espinha e viro para trás, de novo com aquela sensação
de estar sendo vigiada. Há uma fila de carros parada no semáforo e avistar um
veículo preto faz meu coração disparar. Eu sei que essa cor é muito comum, no
entanto, meu cérebro não faz essa ligação no momento.

Aperto a bolsa na lateral do corpo e ando o mais depressa que consigo até
alcançar a portaria. Durante o caminho até o meu andar, mando um e-mail
remarcando a consulta com a terapeuta. Preciso urgente conversar com ela sobre
essas coisas. Acho que meu corpo está entrando em colapso. Algumas questões
realmente merecem a minha atenção, como a situação na Bioimmune, outras
podem ser fruto da minha cabeça.

Carro preto tem em todo lugar. O tempo todo.

Tomo um banho para ver se alivia o cansaço mental e, antes que consiga
ajeitar a sala, as duas tocam a campainha. Demorei mais do que pretendia com a
água fresca escorrendo pelo meu corpo. Talvez esteja mais exausta do que
admito estar.

A conversa com as meninas flui facilmente, então, fico me controlando
para não soltar nada de mais. Confio nelas, contudo, também respeito os
contratos dos quais me comprometo. Tento focar apenas nas sensações que o
lugar me causa.

— O pessoal é muito esquisito. Tipo, muito, muito, mesmo —
compartilho, mordendo a terceira fatia de pizza. Pedi uma saudável para Amber
e estou comendo a de bacon. — Devem ter cerca de trinta funcionários no local,
todos na faixa etária acima dos 50 anos.

— Não há nenhum jovem? Tipo nem estagiário? A recepcionista também
é mais velha?

— Nenhum, Emma. Eu achei surreal isso. Além dessa discrepância,
ainda tem o fato de apenas cinco serem mulheres. A maioria esmagadora é
homem.

— A parte das mulheres, infelizmente, não é uma surpresa tão
assustadora — Amber diz, ajeitando seus óculos. — Agora, não ter nenhum
jovem com tanto investimento que eles fazem em projetos universitários é
estranho.

— A senhora Scott me falou, quando tentou comprar o meu estudo, que
estava fora de cogitação compartilhar o projeto no âmbito acadêmico. Pela
grandeza do pouco que fiquei sabendo, realmente é algo inovador.

— Você não pode compartilhar nadinha? Nadinha mesmo com a gente?
— Emma se remexe no sofá, serelepe.

— Desculpe, não posso.

— Temos que respeitar — Amber me defende, encarando a morena
curiosa. — É o trabalho dela.

— Tá bom, perdão. O que mais você pode falar? O prédio é grande? É
moderno mesmo?

— Muito moderno, os equipamentos que eles possuem são de ponta. E é
tudo muito seguro. Há câmeras de monitoramento em cada parte. — Inclino na
mesa e coloco mais suco no meu copo. — Todo mundo tem um crachá e só
consegue entrar nos lugares onde ele te dá acesso. Como sou nova, não tenho
acesso a quase nada ainda. Eles têm até um subsolo!

— Meus Deus, que chique! — Emma parece uma criança empolgada. —
Imagina se é tipo um laboratório secreto, igual ao da Hidra, onde fazem
experimentos de índole duvidosa. O Soldado Invernal e o Capitão América
sofreram.

— Credo, menina, que mente fértil! — Sorrio, balançando a cabeça em
negativa.

Nem de brincadeira quero imaginar uma loucura dessa.

— Você está assistindo muito a Marvel, amiga. — Amber também ri.

— Resumindo, o espaço lá é bem-equipado e estou recebendo bastante
atenção para a minha pesquisa. Queria estar feliz, só que tem uma coisa... —
Coloco a mão no peito, encarando as duas. — Uma coisa parece errada demais
lá.

— Olha aí, pode ser um laboratório secreto gente!

— Ela tá falando sério, Emma! Pare com isso — Amber recrimina. — O
que está te incomodando?

— A senhora Scott é muito intimidadora, os médicos são muito fechados,
o pessoal lá dentro é estranho, sem contar o fato de ficarem enrolando para me
explicar a pesquisa deles... Estou tão neurótica que dei pra imaginar que estão
me seguindo.

— Você sentiu aquilo de novo? — Emma muda a postura de brincalhona
para séria.

— Hoje, quando estava chegando. Até marquei uma consulta na
terapeuta, acho que é coisa da minha cabeça.

— Não gosto disso, não gosto nenhum pouco.

— Estou pra te perguntar desde aquele dia que me viu chegando, já
aconteceu isso com você? — questiono, fitando a morena que desvia o olhar.

— Uma longa história... um dia conto detalhadamente pra vocês. Não
gosto desse assunto.

Encaro-a por mais alguns segundos, tentando entender as expressões
tristes que transpassam no seu rosto, mas Amber fica viajando na conversa e
pede para que eu explique direito o que houve. Conto o que aconteceu outro dia,
quando Emma presenciou meu primeiro vislumbre de perseguição.

— Pode ser tudo coisa da sua cabeça, mesmo, mas nesse ponto eu fico
mais neurótica como a Emma. — Ela se inclina no sofá e toca minha perna. —
Se você quiser, posso dar uma pesquisada mais a fundo na Bioimmune, amiga.
Lá na redação temos acesso a muito conteúdo. Eu faço isso nas horas vagas, sem
expor nada.

— Se começou justo quando você teve contato com aquele pessoal, pode
ter uma ligação — a outra complementa.

— Jura que faz tudo na surdina, sem chamar a atenção? — pergunto,
receosa. — Morro de medo de estar sendo paranoica e estragar essa
oportunidade.

— Claro, pode deixar. Tomarei todo cuidado, vou tentar levantar o
máximo de informações que conseguir sobre eles desde o início de
funcionamento. Se puder descobrir os nomes completos dos principais
funcionários, ajuda também.

— Tá bom, amanhã eu já vejo isso e te passo.

Meu coração fica acelerado novamente, como tem se tornado comum nos
últimos dias, só que agora traz algo diferente para o meu corpo. Uma queimação
na pele, como de antecipação por uma grande descoberta que pode mudar o
rumo da minha vida para sempre.

Para o meu bem, eu gostaria muito que tudo isso fosse realmente só coisa
da minha cabeça.






A comida não desce pela minha garganta de jeito nenhum, parece que
tem uma bolota invisível dificultando, inclusive, respiração. Mas hoje não sou
apenas eu que estou tenso. Os outros quatro garotos também não mexeram no
prato, ficamos ora encarando o relógio e ora observando cada um que vai
embora. Depois de quatro dias, finalmente, chegou a vez do plantão do White e
colocaremos o plano em ação.

Não sei dizer se foram os quatro dias mais longos, ou os mais rápidos da
minha vida. Ao mesmo tempo que quero que aconteça logo para sair essa aflição
do meu peito, gostaria que postergasse para não corrermos riscos. É exaustivo
policiar a minha mente o tempo todo para não ser medroso. Como uma tentativa
de melhorar, cheguei até a reler os trechos das principais aventuras de “Os três
mosqueteiros”, implorando para adquirir a coragem deles. Estou tentando ficar
otimista que tudo vai dar certo e que, se não der, o nosso lema também será "um
por todos e todos por um".

Se, por acaso, descobrirem nossa tentativa de sair, o jeito será abrir o
jogo e exigir a verdade. Toda ela, sem esconder nada.

— Só falta o Russell e o Patterson, que devem ficar mais umas duas
horas antes de ir embora — Thomas diz, quebrando o silêncio. — Repararam
que os dois estão trancados na sala deles praticamente o tempo todo esta
semana? Sondei algumas vezes pelo vidro, pareciam eufóricos mexendo nos
seus computadores.

— Eu vi isso também, eles estão até sorridentes. — Um som anasalado
como se engasgasse com a risada sai do Jimmy. — Acho que nunca tinha visto o
Russell sorrir daquele jeito.

— Será que a tal Elisa chegou e está realmente ajudando na pesquisa? —
Ethan pergunta.

— Se for, por que não desce aqui? Por que não trabalha com eles? James
falou tanto da moça, depois brigou com o Russell, mas nunca a trouxeram pra
nos conhecer. Essas coisas que me deixam ainda mais intrigado.

Concordo com Matthew, tenho concordado cada vez mais com suas
dúvidas. Se ela realmente é tão importante como pareceu, por que ainda não veio
aqui? Nunca tinha achado nada de mais sobre o fato dos cientistas que ficam em
cima não saberem de nós. Entendia o argumento do James sobre
confidencialidade. Agora me soa tão esquisito, sem sentido.

Nós cinco terminamos o jantar — embora quase ninguém tenha
realmente comido — e ficamos enrolando nas mais diversas atividades possíveis
que nosso pequeno espaço permite. Ao contrário do palpite do Thomas, apenas
três horas e meia depois é que os médicos vão embora e nos deixam a sós com
White.

— Todos pra cama, é hora de dormir! — O farmacêutico mal-humorado
aparece no quarto para avisar e já sai logo em seguida.

Nunca fomos de desobedecer, e isso é algo a nosso favor. Ninguém está
desconfiando da nossa intenção. Se Matthew conseguir passar, temos boas
chances de descobrir mesmo o que tem lá fora.

Aguardamos dez minutos agoniantes, para garantir que tudo está calmo, e
seguimos de volta para a cozinha. Para evitar aglomeração e uma possível
desconfiança com tantos de nós em pé a essa hora, caso White nos veja,
decidimos que apenas Matthew e eu iremos para a missão.

Ele vai entrar no tubo de ventilação e eu ficarei de vigia, garantindo que
tudo saia bem. Em circunstâncias normais, não iria me voluntariar para tal
desafio, mas a gana por desvendar a verdade está borbulhando dentro de mim.

Também quero deixar de ser passivo com relação a tudo aqui dentro.
Quero ter essa energia questionadora dentro de mim, mesmo que esteja suando
frio e meu peito esteja apertado neste momento com receio do que pode
acontecer. Quero lutar contra isso, desafiar essas sensações que têm aparecido e
eu não entendo.

Andamos na ponta dos pés, fazendo o mínimo de barulho. Enquanto ele
procura uma faca pontiaguda no armário, eu fico de olho no corredor que leva
para a sala que o nosso vigilante está.

— Acho que essa serve, está bem afiada — ele cochicha e aceno com a
cabeça.

De forma ainda mais cuidadosa, Matthew ajoelha próximo à grade e
começa a tentar desprendê-la da parede. Não é tão simples como a gente
pensava, demorando cerca de cinco minutos para sair. O som agudo do metal me
faz passar a mão no cabelo e olhar aflito dele no chão para o corredor.

— Está tudo bem aí? — Observa-me, preocupado, e noto sua garganta
subir e descer.

Mesmo que ele seja corajoso, é inegável que Matthew está mexido com a
grandiosidade do que está prestes a fazer.

— Sim, não tem ninguém à vista no corredor. E você, está bem? Tem
certeza de que quer ir?

— Eu vou ficar bem, Dylan.

Sem dizer mais nada, e não perdendo tempo, Matthew inclina seu corpo
magro e entra pelo buraco. Não é tão folgado, os braços, tronco e pernas cabem
ali na medida certa. Eu, com certeza, não conseguiria passar devido aos ombros
largos e músculos fortes.

Assim que seus pés somem de vista, eu corro para o local e ajeito a grade
na parede para que o buraco não fique tão visível. Minhas mãos estão trêmulas e
minha respiração tão entrecortada que o peito sobe e desce desenfreado. O lugar
é escuro, pequeno e apertado. Perigoso demais.

— Que Matthew fique bem, por favor, por favor, por favor! — suplico
para o ar, levantando o pescoço para conferir o corredor.

Longos segundos se passam sem saber o que está acontecendo. Não dá
para ver nem ouvir um mísero som. De repente, um barulho estrondoso irrompe
o ambiente, do nada, fazendo-me cair de bunda no chão. Tapo os ouvidos,
assustado em quão alto e potente o ruído fica.

— O que é isso?

— Cadê o Matthew?

Thomas e Jimmy aparecem na cozinha, desesperados. Ethan vem logo
atrás, chorando assustado e tapando os ouvidos como eu. Levanto-me e pego o
garotinho no colo, afagando as suas costas.

— Eu não sei, começou a disparar do nada, ele ainda está lá dentro. —
Tento falar mais alto que o barulho, brigando com a ardência na garganta.

O medo toma conta de cada partícula do meu corpo. Matthew pode estar
machucado, o som irritante pode ser porque ficou preso. Como iremos tirá-lo
daqui?

— Que porra vocês fizeram, seus idiotas? — White chega à cozinha tão
vermelho e irritado que me faz dar um passo para trás, com medo de que avance
em cima de nós.

A sua irritação rapidamente se transforma em choque quando nota a
grade aberta e um pé voltando a aparecer. Meu coração acelera, aliviado pela
cena.

— Matthew, você está bem? — Thomas agacha, mas é empurrado por
White que puxa o seu pé com tudo para fora.

O barulho para do nada, como se tivesse sido desligado.

— Não faz isso, você vai machucá-lo! — brado, ainda com Ethan no
colo, que continua resmungando.

— Essa é a intenção, é machucar mesmo! — ele grita, assustando-nos. —
Puta que pariu, eu não acredito que vocês fizeram isso. Onde estavam com a
cabeça? Que inferno pretendiam?

White é irritado por natureza, porém, jamais a esse ponto transtornado.
Até seu palavreado está diferente. Quando Matthew é trazido completamente
para fora, todos nós nos abaixamos para verificar como ele está.

O seu rosto e a sua roupa estão sujos de poeira e há um corte enorme no
seu braço, manchando a camiseta de sangue.

— Eu estraguei tudo, me desculpe! — ele pede, esfregando o rosto. —
Tinha uma luz vermelha no caminho, assim que passei por ela, disparou.

— É claro que tinha, seu imbecil! — White o pega pelo braço
machucado e o puxa para cima com tudo. — É um sensor infravermelho, temos
por todo lado, assim como câmeras de monitoramento. Quando este lugar foi
projetado, eles pensaram em tudo, cada mísero detalhe. Nunca imaginei que
iriam tentar sair pelo tubo de ventilação. Mais de 25 anos tranquilos para
resolverem fazer merda justo agora. O Russell vai...

— Eu vou matar vocês! — A voz do médico surge ainda mais
tempestuosa que a do companheiro. — Principalmente você, E4. É claro que
esse caralho tinha que ser ideia sua, eu sabia que não demoraria pra se rebelar.

— Não foi ideia dele, foi de todos nós! — Coloco Ethan no chão e me
posto na frente do Matthew, tirando a mão do White do seu braço. — Só
queríamos saber o que realmente tem lá fora, estamos cansados de ficar aqui
com meias-verdades. Temos ouvido algumas conversas que não gostamos
nenhum pouco. Sabemos que não nos contam tudo.

— Você é meu preferido, E1, não me decepcione! Não se deixe
influenciar pela mente fértil do seu amiguinho.

— Ele não inventou nada, fui eu mesmo que ouvi! — A resposta o faz
fechar a cara, ainda mais irritado. — Quem está pressionando vocês para
finalizar o estudo logo? Qual a real intenção com a pesquisa da Elisa? Ela já está
aqui? O que vocês já fizeram para James dizer que sabe do que são capazes? O
que todos pagarão? O que exatamente é fazer o necessário, que tem sido feito há
25 anos?

As perguntas saem uma atrás da outra quase sem respirar. Pelo canto de
olho, noto Matthew me encarando com um sorriso orgulhoso no rosto mesmo
diante da tensão de termos sido pegos.

— Merecemos a verdade, nós já passamos por muita coisa — Thomas
diz, juntando-se a mim.

— Não queremos mais ficar aqui embaixo sem a verdade, Russell —
Jimmy complementa, também parando ao meu lado.

— Vocês são um bando de ingratos, isso sim! — O médico ri, mas sem
humor nenhum. — Eu dediquei minha vida a esse estudo. Não tenho família,
quase não conheço os cômodos da minha casa porque vivo mais aqui do que lá.
E não só eu, os outros cinco homens que me ajudam também abdicaram das suas
vidas por vocês, pela ciência, pela cura da humanidade. Nós criamos um
ambiente seguro pra protegê-los do mundo, ensinamos vocês, cuidamos de
vocês... e é desconfiança que recebemos em troca? Se passarem por aquela porta
sem nós, não vão sobreviver nem um dia sequer lá fora. Todos, todos irão morrer
como o seu pai morreu, E1.

A menção ao meu pai faz meus olhos lacrimejarem, no entanto, não me
movo do lugar.

— É tudo culpa do E4, Russell! — White instiga. — Esse garoto enfia
merda na cabeça dos outros. Sempre questionador, sempre desconfiado.

— Já disse que não foi ele...

— Cale a boca, E1! — o médico explode, passando a mão na cabeça. —
Eu não quero mais ouvir a voz de nenhum de vocês. Estou exausto porque
trabalhei arduamente o dia todo, estava no meio do caminho para a minha casa
quando recebi o alerta no meu telefone do alarme. Eu queria acreditar que tinha
sido um ladrão a nos invadir, do que ter a decepção de saber que tentaram fugir.

— Você está enrolando... falou um monte e não respondeu o mais
importante. Está nos enrolando como sempre fez! — Matthew passa por nós e o
desafia. — Eu nem acredito mais que realmente exista um mundo lá fora como
vocês falam.

— Ah, você não acredita, E4? — Ele se aproxima do garoto até quase
encostar o peito no dele. — Fique aqui com os outros, White, manda todo
mundo ir dormir. Esse merdinha vai dar uma volta comigo.

— Russell... o que você vai fazer? — Pela primeira vez, a voz do White
vacila.

— Nada... só mostrar um pouco da nossa dura realidade.

Protestamos quando Russell o empurra para frente, mas nada adianta. O
próprio Matthew começa a caminhar de bom grado e acena para que a gente
fique calmo.

— Eu vou ficar bem — ele grita, quando está indo na direção da porta
que nenhum de nós tem acesso.

Da última vez que ele disse isso, minutos atrás, deu tudo errado. Meu
corpo inteiro grita de volta que essa não é uma boa ideia.




Estranho não encontrar a recepcionista assim que chego ao laboratório.
Passo meu crachá e fico ainda mais espantada ao notar um burburinho próximo à
sala de reuniões do prédio. Tem umas dez pessoas reunidas, gesticulando e
falando como nunca tinha visto desde que cheguei.

— Aconteceu algum problema, Bell? — Paro ao lado do senhor franzino
de óculos e encaro os demais.

— Pela primeira vez, desde que estou trabalhando aqui, os alarmes
soaram. Alguém tentou invadir.

— Meu Deus! — Tapo a boca, assustada. — Conseguiram levar algo?

— Nós não sabemos! — a recepcionista entra na conversa. — Só quem
fica até mais tarde são os cientistas que têm acesso ao subsolo. Nenhum deles
apareceu ainda. Ou estão lá embaixo antes de eu chegar, ou se atrasaram. Eu só
soube porque moro a três quadras e escutei o barulho alto ontem à noite. Nessa
vizinhança calma, é impossível não ouvir.

— A polícia com certeza foi acionada, devem estar investigando.

— Pior que não, isso que estava comentando com o pessoal — ela
continua explicando e passa a mão no rosto. — Os alarmes são de última
geração, estão por cada parte do local e não disparam à toa. Se ligou foi porque
algo aconteceu, com certeza. Eu nunca ouvi tocar, e fui transferida para esta
unidade há 25 anos. Eles têm uma linha direta com a polícia em caso de invasão
e nenhuma viatura apareceu. Cheguei a vir ver se encontrava algum dos
médicos, mas o alarme parou e tudo ficou silencioso.

É verdade que o prédio está em um local calmo, só que, mesmo assim,
estranhei não ter um guarda ou segurança por perto. É tudo pelas câmeras de
monitoramento e esses tais alarmes. Pensar nisso me faz lembrar que também
não vi nenhuma equipe de limpeza durante o dia. O único funcionário que não
faz parte da pesquisa é a recepcionista.

— Será que são concorrentes tentando roubar nossos estudos?

— Podem ser ladrões comuns querendo fazer dinheiro nos equipamentos.
Temos máquinas milionárias aqui.

— Até parece! O que temos pesquisado valeria uma fortuna inimaginável
na mão de pessoas erradas.

Fico olhando para as três vozes que entram na discussão, não fazendo a
mínima ideia de quem são ou o que fazem. Deve ter sido algo muito fora do
comum mesmo para gerar tanta comoção em pessoas demasiadamente focadas
no trabalho.

— Por que você mesmo não acionou a polícia pra avisar? — questiono,
incomodada com algo que não parece se encaixar nessa história. — Pode ter
dado algum erro na comunicação.

— Você não recebeu as normativas da empresa? Tem uma cláusula lá que
diz que não podemos interferir em nenhuma questão de segurança do prédio. —
Eu recebi, li e assinei, contudo, confesso que é impossível guardar o calhamaço
de informação. — Os seis responsáveis pelo subsolo têm alertas interligados no
aparelho celular. Ao mesmo tempo, todos foram avisados e só eles podem tomar
alguma atitude. Ninguém mais.

— E se o prédio estiver pegando fogo? Se entrarem metralhando o lugar
e nenhum deles estiver? Ficamos parados só observando? Não faz sentido isso!

— Senhorita Montemor, faz pouco tempo que chegou. — Turner vem
pelo corredor e se junta a nós. Seu semblante está fechado, parece preocupada.
— Vai aprender em breve que não é um bom caminho questionar ordens aqui
dentro. Se aceitou fazer parte, respeite e ponto final. Aliás, isso vale para todos.
Se o doutor Russell aparece e vê esse...

— Que aglomeração é essa aqui? Estão sem trabalho? — Assusto-me
com a voz estridente que surge do nada, vindo da direção do corredor que tem o
elevador para a parte de baixo.

Corpos começam a se mexer, desesperados, como se morressem de medo
do homem. O que será que Turner quis dizer com não é um bom caminho
questionar ordens? Uma coisa é respeitar hierarquia, outra diferente é ver um
incêndio e ficar parado sem agir porque não posso chamar os bombeiros. Pelo
jeito, o autoritarismo é uma forma de intimidar os funcionários. Não tem um
minuto que eu fique aqui que não questione a decisão que tomei.

É tudo muito misterioso... muito suspeito. Não sei exatamente o que é
ainda, mas meus instintos não param de alertar.

— Vocês também, vão! De volta aos seus postos! — ele manda,
estressado, encarando a mim e a recepcionista que somos as únicas ainda
paradas no lugar.

Balanço a cabeça, espantando os pensamentos, e me preparo para sair
quando a mulher abre a boca. Meu lado curioso é mais forte do que a cara brava
do doutor Russell.

— Desculpe-me, senhor Russell. Estávamos aqui porque ficamos
preocupados com o som do alarme ontem. Eu escutei de casa e não vi a polícia...

— Vocês não precisam ficar preocupados, essa não é a tarefa de vocês —
o médico a corta, fuzilando-a com o olhar. — Não quero fofoca aqui dentro, os
cientistas têm um acelerador de anticorpos pra fazer funcionar e você telefones
pra atender. — Que grosso! Esse homem é insuportável. — Foi um erro no
alarme, acionou sozinho. Estava aqui no prédio e eu mesmo desliguei. Avisei a
polícia que não precisava se preocupar e chamei um técnico que deve vir hoje
reforçar ainda mais nossa segurança.

“Os alarmes são de última geração, estão por cada parte do local e não
disparam à toa. Se ligou foi porque algo aconteceu, com certeza.”

A frase da mulher retraída, que acena um pedido de desculpas e volta
para o seu posto, reverbera na minha cabeça. Se em 25 anos nunca teve nenhum
problema, qual a chance de acontecer justo agora? Até poderia, mas o doutor
Russell não me passa nenhuma confiança. Eu definitivamente não gosto dele.

— Vamos, senhorita Montemor! Está esperando o quê? — ele me
desafia, observando-me com desdém.

Seu humor está péssimo, como se tivesse tido uma noite daquelas. Conto
até três na minha cabeça e sigo para a sala, evitando arrumar confusão na
primeira semana de trabalho. Quando estou prestes a abrir a porta, noto um
objeto branco e pequeno reluzir no chão. Agacho e semicerro os olhos para
enxergar melhor.

— Isso é um... dente? — resmungo, desacreditada.

O que um dente está fazendo aqui no chão? Não parece de esqueleto
usado em testes.

— O que você está fazendo aí no chão, senhorita Montemor? — Outra
voz mandona me assusta e quase me faz desequilibrar.

Olho para cima e observo um dos homens que tem acesso ao subsolo. Ele
sabe meu nome, mas nunca fomos apresentados. Esses dias atrás o ouvi falando
com Bell, é algo como Whine... Wirfe...

— Desculpe-me, qual é o seu nome mesmo? Acho que tem um dente
aqui, olha! — Levanto-me e aponto na direção dele. — Vou pegar uma luva
pra...

— É claro que isso não é um dente! — Desengonçado, como se tivesse
sido pego de surpresa, o homem chuta o pequeno pedaço branco para frente. —
Deve ser algum resquício de plástico de produtos. Vá trabalhar na sua pesquisa.

Não é plástico nem ferrando. Eu tenho certeza de que aquilo era um
dente. Tenho vontade de revirar os olhos e bufar, no entanto, simplesmente
obedeço porque a confusão parece me perseguir neste lugar.

Entro praticamente como um foguete e me sento na mesa. Assim que
aperto o botão de ligar do computador, noto que o homem ainda está parado
perto da minha porta acenando para frente. Russell aparece no meu campo de
visão e os dois seguem na direção que o objeto branco foi jogado.

Esquisito é pouco para este lugar. Estou começando a ficar com um medo
real dos segredos que estão guardados aqui.


Bruce Smith, Oliver Taylor e Richard White. Esses são os nomes, junto
com James Davis, Billy Russell e Arnold Patterson, que eu já sabia, dos seis que
têm acesso ao subsolo. Se tem algo aqui para se descobrir, é inegável que se
passa por esses homens.

Foi difícil conseguir essa simples informação. Depois da cena que o
doutor Russell fez de manhã, os funcionários ficaram em um silêncio sepulcral.
Pensei que um bom caminho seria tentar fazer amizade com a recepcionista, já
que se mostrou apta a conversar mais cedo, no entanto, ela ficou séria o resto do
dia e não me deu nenhuma abertura. Algo me diz que vai ficar quieta por um
bom tempo.

O burburinho foi como um lapso de memória nas pessoas, e a chamada
do chefe os fez voltarem ao normal. Fingindo apenas curiosidade para conhecer
a equipe, perguntei de dois nomes para o Bell e apenas um para Turner, em
horários distintos.

Não vejo a hora da Amber começar a investigar, contudo, decidi que não
vou deixar o trabalho apenas para ela. Também irei tentar desvendar o que eu
puder. Se a minha escolha foi uma cilada, eu preciso descobrir antes que seja
tarde demais.

— Oi, senhora Moore! — Levanto da cadeira e a cumprimento com um
abraço. — Obrigada por arrumar um tempinho pra mim entre uma aula noturna
e outra.

— Imagina, Elisa, eu já estava com saudade de você. Como estão as
coisas?

Abigail conhece o James há muitos anos, talvez eu consiga levantar algo
útil com ela, mesmo não podendo falar muita coisa. Mandei uma mensagem
verificando sua agenda de tarde e vim direto do trabalho para uma cafeteria que
fica em frente à universidade.

Eu poderia ter perguntado por telefone, mas estou ficando tão paranoica
que resolvi não o usar para esse fim, nem o e-mail. Saindo daqui, ainda passarei
na minha amiga para deixar pessoalmente os nomes que consegui.

Olho para os lados, para conferir se todos à volta estão concentrados nas
suas conversas particulares, e me inclino na mesa falando mais baixo, mesmo
que tenha escolhido uma mesa afastada no fundo.

— Você sabe que eu não posso falar muito por causa dos contratos, né?
— digo e a professora balança a cabeça, em afirmativa. — Resumindo, as coisas
vão bem esquisitas. Não gosto daquele lugar, Moore.

— Nossa, Elisa, e você é tão adaptável. Se não gostou, deve ser
realmente um ambiente desagradável.

— Se fosse só desagradável, acontece cada... — Inspiro fundo, olhando
novamente para os lados. Odeio quando me sobe esse frio na espinha e tenho a
sensação de estar sendo observada.

Fito as pessoas próximas e ninguém parece estar atento em mim. Merda,
só me faltava ficar obsessiva com isso.

— O que foi? — A professora olha nas mesmas direções que eu.

— Nada, eu só ando bem ansiosa e fico imaginando coisas... — Esfrego
as duas mãos na minha calça social e tomo um gole do meu café. Enquanto a
esperava, já consumi três fatias de bolo e duas canecas de 400 ml de café. —
Enfim, eu peço desculpas de antemão por não poder falar muito, no entanto,
gostaria de saber o que você pode me contar sobre o Davis.

Ficamos quietas quando o garçom vem verificar o que ela deseja. Assim
que vira as costas, ainda espero mais um segundo até que suma de vez.

Estou, de fato, virando uma paranoica.

— Estou ficando preocupada com você, Elisa. Tem certeza de que está
tudo bem?

— Queria checar algumas coisas, pra ter certeza de que estou só
nervosa... com a nova fase da minha pesquisa. Te peço pra não comentar nada
com ele dessas perguntas, por favor.

— Atualizamos nossos telefones, mas desde aquele dia na universidade
não nos falamos nenhuma vez. Fique tranquila, não irei comentar nada.

— Como o Davis era? Tem alguma coisa relevante da sua personalidade?

— Ele era um jovem muito esforçado, inteligente, sonhava em ser um
grande cientista e ajudar as pessoas. — Moore não consegue disfarçar o brilho
no olhar. — Acho que você percebeu que temos uma história, chegamos a ficar
juntos por um tempo, mas daí tomamos caminhos diferentes, após o fim do
curso. Ele ficou por aqui e eu fui fazer uma especialização em Harvard para
focar na área acadêmica. Morei alguns anos em Massachusetts.

— É uma pessoa calma? De boa?

— Muito, James é superpaciente, um cara que se dedica de corpo e alma
no que faz. Ama a pesquisa como nós duas. Ele te fez alguma coisa? —
questiona, assustada.

— Não! — respondo de prontidão. — Ele não, mas o ambiente lá... é
muito... misterioso. Não gosto daquele Russell. Não sei se é uma coincidência
terem acontecido algumas coisas, justo quando eu cheguei. Quase não vejo o
James, ele fica o dia todo em uma área restrita.

O garçom volta com o café da Moore e novamente ficamos quietas,
entreolhando uma à outra enquanto ele não vai embora. Falo o nome dos outros
cinco que têm acesso ao subsolo para ver se a professora os reconhece da época
da universidade. Talvez eles tenham um elo antigo.

— Nossa, o Oliver Taylor também trabalha na Bioimmune? Ele não
mencionou comigo aquele dia. — Moore toma um gole de café e coloca seu
celular dentro da sua bolsa. — Se bem que nos vimos tão rápido que nem deu
para colocar tantos anos de conversa em dia.

— Para ser sincera, nunca nem falei com ele. Só o vejo de longe, pelo
ângulo da minha sala no corredor.

— Era da nossa época! — A professora sorri, saudosa. — Apesar de não
fazer o mesmo curso, ele, James e Peter eram inseparáveis.

— Peter? Acho que esse não trabalha lá, pelo menos, não na área
importante.

— Peter Lewis era um grande biólogo, infelizmente, faleceu. — O
sorriso some do seu rosto. — Foi uma história triste, com muita manchete na
mídia da época.

— O que houve? — Ajeito minha postura na cadeira, atenta em cada
palavra.

— Eu não sei direito porque muitas coisas aconteceram nos anos que eu
fiquei em Harvard, mas justo na semana que ele morreu tinha vindo passar o
feriado com minha família em Chicago e fiquei sabendo. — Aquela intuição
volta a me incomodar, pedindo para que eu não banalize essa parte da história.
— No velório, James me contou que o Peter tinha sido assassinado por causa de
algo grandioso que descobriu. Não entrou em detalhes comigo, só que tempos
depois vi no noticiário que a polícia acreditava ter sido um crime por informação
privilegiada, dentro da indústria farmacêutica.

— Meu Deus, algum culpado foi detido?

— Que eu saiba não, o caso ficou sem solução até onde acompanhei. —
Passo a mão no peito, sentindo a ardência que tem aparecido com frequência. —
E o pior você não sabe, o Peter já vinha passando por uma barra enorme. O
James me disse no velório que a esposa dele havia falecido no parto e ele tinha
um filhinho de três anos, na época, e que desapareceu no dia do assassinato.

— Credo, que história horrível! Os assassinos mataram o pai e levaram o
filho.

— Muito, fiquei triste demais quando soube. O Peter era um rapaz
incrível. A polícia acredita que o garotinho também foi assassinado, mas nunca
encontraram o corpo.

Continuo conversando com a professora Moore, para não parecer uma
louca que sai correndo de repente, mas a minha vontade é pegar um táxi e ir
direto para a casa da Amber. Esquece os outros, ela precisa focar nesse cara.

Algo me diz que Peter Lewis está envolvido de alguma forma na minha
cisma com a Bioimmune.






Fecho os punhos, notando meu corpo mais quente do que costuma ficar.
O sangue parece borbulhar na minha pele e meu maxilar está dolorido com o
ranger constante dos dentes. Eu nunca senti algo tão forte, não sei nem qual
palavra usar para nomear essa turbulência. A única coisa que tenho certeza é de
que não é bom, é um sentimento que sufoca e me deixa agoniado.

Eu não acredito... ainda não acredito que...

Soco uma mão na outra, ansiando extravasar de alguma forma a chama
que arde no meu peito. O barulho não acorda Matthew, mas faz ele se virar na
maca ficando na direção que eu e Thomas estamos olhando.

— Eu não aguento mais, não dá... — Ele se levanta e anda de um lado
para o outro, como fez praticamente o dia inteiro. Suas mãos estão no cabelo
bagunçado, o peito sobe e desce como o meu. — Parece que estou ficando sem
ar nesta sala. É muito triste vê-lo assim.

— Vai lá ver se o Ethan precisa de algo, ajude o Jimmy a distraí-lo. Eu
vou dormir aqui com o Matthew hoje, de novo.

— Desculpe não conseguir mais... é que não... não tá me fazendo bem.

— Eu entendo, pode ir. — Levanto-me e toco no seu ombro. — Qualquer
coisa, eu chamo você lá no quarto.

— Tá bom, pode chamar, mesmo. Se quiser comer algo daqui a pouco,
me chame também que fico no seu lugar.

— Fique tranquilo, eu não estou com fome.

Aceno com a cabeça e o observo sair da sala com os ombros caídos e o
semblante cansado. Mesmo com o tanto de teste que já fizemos, com certeza, as
últimas 24 horas foram as piores que já passamos aqui embaixo.

Volto a sentar na cadeira e fito com os olhos ardendo o rosto desfigurado
do Matthew. Os cortes na altura da boca e da sobrancelha só não chamam mais
atenção do que os tons em roxo e amarelo contrastando na sua pele inchada.
Deve ter doído tanto cada soco que levou... queria ter podido defendê-lo de
alguma forma, ter evitado isso.

Não deve ter demorado nem trinta minutos a saída dele com Russell
ontem à noite, depois que fomos pegos no flagra, no entanto, foi o suficiente
para tamanho estrago. No final das contas, como eu previ, não ficou nada bem.

Russell disse que é assim que os pais educam os filhos do lado de fora.
Que eles erraram em passar tempo demais nos agradando, que um pouco de
realidade às vezes é bom para que possamos acordar. Pelas poucas memórias que
restaram do meu pai, eu duvido que iria me bater desse jeito.

Eu estou com tanta raiva do médico que não consigo nem ficar no
mesmo ambiente que ele. Por sorte, não passou aqui nenhum minuto durante o
dia todo. É como se não tivesse feito nada de mais, e ainda mudou várias regras
alegando ser um castigo pela nossa ousadia de tentar sair.

Não podemos usar a sala de lazer nem a área do sol, também ficaremos
sem o notebook para as aulas. Tiraram todos os nossos livros que não são da área
de saúde. O médico conseguiu acessar o histórico de navegação do Matthew
para descobrir o que eram aquelas grades próximas ao chão. Ouvi White dizendo
algo sobre aumentar a restrição de conteúdo, o que me fez pensar que talvez os
nossos computadores não sejam como os de fora. Eles já são mais limitados.

Russell não quis restringir, já tirou de uma vez e avisou que iremos
estudar com apostilas a partir de amanhã. Minha vontade é contestar cada coisa
que diz, mas eu tenho medo de provocá-lo e algo parecido acontecer com os
outros.

Imagina o Ethan, tão pequeno, machucado dessa forma... Nunca iria me
perdoar. O garotinho ficou transtornado quando viu Matthew ensanguentado. O
seu choro dolorido durou horas para cessar.

Noto o corpo ferido se mover na maca e me levanto para ajudá-lo. Com
dificuldade, ele consegue abrir os olhos e me encarar.

— Tente dormir de novo, posso te dar outro remédio até a dor passar.

— Não... eu quero... sent...

— Entendi, vou ajudar. Peraí. — Tentando fazer evitá-lo falar muito,
começo a sentá-lo na maca.

Ontem, todos apareceram à noite depois que o alarme desligou. O
Patterson foi o primeiro, ainda quando Russell estava do lado de fora com
Matthew. Se entendi direito, há algum dispositivo com eles que avisa se algo der
errado por aqui.

Não sabia sobre as câmeras, muito menos desses alarmes. A sensação de
que estou sendo vigiado 24 horas por dia, em cada movimento, não é nada boa.
Faz um gosto amargo descer pela garganta.

Russell verificou as câmeras depois que chegou e fez questão de nos
mostrar reunidos na academia dias antes e toda tensão até o plantão do White.
Não há som, mas as imagens falam por si só. Ele ficou furioso! Seu tom foi duro
e bravo, desafiando-nos a tentar de novo. Agora o monitoramento deve ficar
ainda mais intenso do que antes.

James e Oliver foram os últimos a chegarem e os únicos que brigaram
com Russell pelo que fez. James o trouxe para esta sala de exames e ajudou a
cuidar das feridas, mostrando-me um remédio que poderia dar para amenizar a
dor. O medicamento fez Matthew dormir quase que o dia todo.

Hoje não o vi por aqui, o que me faz pensar que realmente Russell estava
certo aquele dia quando disse que todos são iguais. Não perguntou nenhuma vez
se o garoto tinha melhorado. Oliver também tem me decepcionado muito, do que
adianta brigar e depois ficar em silêncio aceitando cada mando e desmando?

— Tome um pouco de água. — Pego o copo na mesa ao lado da maca e
levo até a sua boca. Matthew dá apenas duas goladas e acena a cabeça em
negativa. — Está com fome? O Thomas fez uma sopa ralinha mais cedo, para
quando acordasse.

— Eu não quero... obrigado.

O movimento da sua boca me faz ver o buraco que ficou do dente lateral
que caiu com o impacto dos ferimentos. Fecho o punho novamente, sem deixá-lo
perceber como olhar para ele está mexendo comigo.

— Está muito ruim? — pergunta, notando de alguma forma meu
desconforto.

— Está doendo ainda? — respondo com outro questionamento. Está
ruim, muito ruim, e temo que demore semanas para cicatrizar tudo.

— Um pouco... — Matthew engole em seco e se remexe na maca. Eu
puxo o travesseiro mais para trás a fim de acomodá-lo melhor. — Você vai achar
que é loucura, mas valeu a pena ter apanhado.

— Como assim, valeu a pena? — Arregalo os olhos, assustado. — Eu
estou possesso de raiva, o Russell não tinha o direito de fazer isso com você.

— Ele deu uma volta comigo de carro na vizinhança. Tem um laboratório
mesmo em cima, muitas salas e equipamentos... — Matthew fala com
dificuldade por causa dos machucados na boca e no pescoço. Quero sugerir para
ficar em silêncio e contar depois, mas a curiosidade fica grande demais. —Tem
casas do lado de fora como vimos nos livros... tinha gente na rua. Pessoas
sorrindo, felizes.

Fico em silêncio por um segundo, sem saber ao certo como reagir a essa
informação. Mesmo que fôssemos ser liberados amanhã, ainda assim, não teria
valido a pena esse rosto inchado e marcas pelo corpo.

— A sensação do vento batendo no rosto é indescritível. O céu é tão
cheio de estrelas, não faz jus aos livros, Dylan. — Seus olhos brilham tanto que
são capazes de ofuscar as marcas. — O que o Russell não tem direito é de nos
privar daquilo tudo. É desumano passar anos trancafiado com tanto do outro
lado. E isso porque vi um pequeno pedaço, um vislumbre.

Tenho vontade de perguntar como e quando o médico começou a bater
nele, contudo, acho que são lembranças que Matthew não quer e nem precisa
reviver mais.

— Não vão nos deixar nem sonhar sair... — digo baixo, constatando um
fato inegável. — Já nos passaram vários castigos, com certeza Russell e
Patterson ficarão em cima. Estou com tanta raiva, que eu poderia cavar com
minhas mãos essas paredes. Só que temo começarem a tornar essas surras algo
costumeiro. Se machucarem o Ethan, ele ainda é muito...

— É, eu sei, eu sei... — ele concorda, antes mesmo de concluir a frase.
— Agora que sabemos mais do que são capazes, não dá para arriscar a vida dos
outros, principalmente do nosso caçula. Russell vai nos punir onde mais dói.
Teremos que ter paciência, algo que é muito difícil pra mim. Admito que fui
muito impulsivo nesse, o próximo vai ter que ser melhor planejado, mesmo que
demore.

— Se o laboratório existe, a tal Elisa que mencionaram quando pensaram
que ninguém estava ouvindo também pode ser real. Ela deve trabalhar no
projeto.

— Sim, eu pensei nisso. Pela estrutura que vi em cima, é tão sofisticada
como aqui. Vamos torcer pra ser verdade. — Matthew segura no meu braço e
encara meus olhos. — Eu sei que você acredita na ciência e quer ajudar as
pessoas, mas eu acho que não é tão simples assim. Você e Ethan vão sair
primeiro, temos que ter um plano para tirar todos daqui ao mesmo tempo. Eu
acho que deveríamos fugir dos médicos e tentar analisar pelo lado de fora tudo
que está acontecendo, como realmente é.

— Eu concordo, não confio mais no Russell no instante que te vi
passando cambaleante pela porta. Pode contar comigo! Se eu sair daqui
primeiro, vou tirá-los também.

Nós temos que cuidar um dos outros em primeiro lugar, antes de tentar
ajudar a humanidade.

Eu juro que vamos sair e ficar seguros. É isso, ou irei morrer tentando.

Idiota, como eu sou idiota!

Fissurados como são no projeto, eu devia ter pensado melhor antes de
falar da pesquisa da Elisa para Russell e Patterson. Estava óbvio que não iriam
aceitar fácil uma jovem brasileira de 32 anos chegar de repente pegando as
glórias de um trabalho de mais de 25. Billy é aquele tipo de patriota doente que
acha que só os Estados Unidos são fodões e devem se destacar no mundo.

Desde a reunião com a senhora Scott, estou desconfiado que tem algo
muito errado. Foi fácil demais, em um dia o médico me dá um sermão que não
pode envolver pessoas de fora e na mesma semana a mulher tem uma oferta de
emprego irrecusável. Se algo acontecer com ela, a culpa será minha.
Exclusivamente minha.

— Você está vendo o mesmo que eu, Patterson? — A voz do Russell
parece muito animada, mesmo com os chiados e o som do ambiente. — Os
resultados preliminares foram ótimos. Precisamos de alguns ajustes, mas,
finalmente, creio que chegamos à resolução do acelerador. Nossa equipe vai
conseguir trabalhar a partir daí sem ela.

Achei estranho terem dito que o Smith foi viajar e ontem o homem
aparecer após o alerta do alarme. Inventaram de propósito, para enrolar a
senhorita Montemor e não explicar para ela como funciona a pesquisa. Eu fui
proibido de me intrometer, visto que é responsabilidade do ruivo os cientistas
que ficam no laboratório de cima.

Como estava desesperado com a situação do Matthew, não cheguei a
questionar a sua presença. Foi só hoje de manhã, quando resolvi comprar uma
escuta e colocar na sala do Russell, é que meu cérebro se deu conta que o
aparelho pequeno poderia ser mais útil do que pretendia.

Estava desconfiando, mas não queria acreditar que os dois teriam
coragem de roubar o estudo da biomédica para comparar com o nosso sem a sua
autorização, mesmo com a cláusula que há no contrato proibindo tal medida.
Eles querem usar seu conhecimento, porém, não aceitam compartilhar a vitória.

Isso e a surra estão sendo a gota d’água para mim.

Já aguentei muita coisa desde que aceitei fazer parte dessa equipe seleta,
mas o que vi ontem extrapolou todos os limites. Matthew ficou desfigurado,
fiquei com medo da raiva contida dentro do médico para ter coragem de feri-lo
daquela forma. Meu primeiro instinto foi gritar com ele e, nossa, eu fiquei muito
bravo. Oliver também me ajudou, reclamando sobre a forma como resolveu a
tentativa de fuga.

Mas depois, eu pensei friamente e decidi que preciso ser mais esperto e
garantir que algo assim não vai se repetir. Quero saber o que se passa na cabeça
do Russell para ficar tão violento, do nada. As marcas amareladas no rosto do
garoto que vi crescer me incentivaram a ir até uma loja especializada em
aparelhos de escuta. Não foi difícil encontrar anúncios na internet.

Voltei para o laboratório antes do horário que Russell costuma sair para
almoçar e disse que queria falar com ele. Dentro da sua sala, discretamente
coloquei o objeto atrás de um troféu que tem na mesa e não tira por nada.
Ganhou quando foi reconhecido pela Sociedade Americana de Medicina com
uma pesquisa inovadora sobre células-tronco. Não é à toa o seu fascínio de
conseguir um dia replicar a habilidade dos meninos em outros humanos através
da medula óssea.

Inventei que não estava me sentindo bem em ver o Matthew daquele
jeito, mesmo entendendo que colocaram a vida de todos em perigo tentando
fugir. De forma sutil para não ser pego pelas câmeras de segurança, caso Russell
tenha ficado paranoico como eu imagino e comece a averiguar cada canto
daquele lugar, deixei a escuta lá. Fui dispensado para fazer umas pesquisas em
casa até o pior do inchaço passar, mas não toquei em nenhum arquivo. Faz horas
que estou ouvindo cada palavra que conversam na sala.

Inclino para frente e pego a caneca de café em cima da mesinha de
centro. O sol já se pôs há um bom tempo e a noite deu lugar a uma madrugada
gelada. Acho que nunca passei tanto tempo sentado nos últimos anos como hoje.

Elisa foi o assunto prioritário, embora, tenha um garoto de 16 anos
espancado na sala ao lado. Russell não parece sentir nenhum remorso ou
preocupação com o que fez — e isso me preocupa muito.

— Nem acredito que vai dar certo! — Patterson comemora, pelo barulho
de teclado estão mexendo no computador. — Estava com medo de ter que partir
para o soro, seria uma descoberta bem menos glamurosa. O estudo da Montemor
de replicar o plasma também é bem viável.

— Não estamos investindo tanto tempo e dinheiro para um soro sem
graça, saindo o acelerador vou dedicar cada minuto do meu tempo para fazer
meu projeto número 1 funcionar. — A ganância e ambição dele são coisas que
sempre me incomodaram. Parece mais preocupado com o status do que
realmente a cura das pessoas doentes. — Só consigo pensar no nosso exército
poderoso.

— Você precisa lembrar que assim que mostrarmos para o mundo os
meninos, outros países também vão procurar os seus próprios prodígios. Não
seremos só nós a brilhar. — Patterson ri.

— Até eles conseguirem, meu amigo, nós já brilharemos há muitos anos.
Começar do zero não vai ser fácil.

Sinceramente, eu acho essa ideia do Russell muito arriscada e perigosa.
Sempre torci para que não desse certo e até agora realmente não deu. Ainda
creio que vai demorar muito tempo para colocar em prática. Se eu pudesse
escolher, jamais replicaria em outros humanos.

O que pode ser usado para o bem, facilmente também pode ir para o mal.

— E a decisão sobre a biomédica é aquela, mesmo?

Ajeito meu corpo no sofá ao perceber o tom de cautela na voz do
Patterson.

— Sim, será nos próximos dias. A Scott não vai voltar atrás e eu também
acho melhor resolver de uma vez por todas.

“De uma vez por todas.” A frase reverbera pela minha cabeça até causar
uma dor no peito e me deixar sem ar. Foi a mesma frase... a mesma frase que
usou...

Uma enxurrada de memórias começa a dançar na minha frente, fazendo
os meus piores arrependimentos virem à tona. Quando Peter perdeu a esposa,
perdeu também o emprego que tinha em uma farmacêutica. Eu consegui uma
vaga para ele com o Patterson porque a Bioimmune tinha um ótimo auxílio para
educação dos filhos e até para babá.

Sempre penso que talvez ele estivesse vivo se não tivéssemos descoberto
o que Dylan tinha. Será que a perda de algumas vidas justifica salvar milhares?
Esfrego a mão no rosto, notando os dedos trêmulos.

É a pergunta que eu sempre me faço.

Peter contou para Russell e Patterson sobre o menino e os três se
aproximaram demais. Em pouco tempo, vimos que era algo grandioso e que
poderia ajudar muita gente. Também era perigoso, visto que nas mãos erradas
poderia ser usado apenas para conquistar poder e influência.

Eu estava viajando para o outro lado do país a trabalho com Oliver
quando soubemos do assassinato. Já vinham acontecendo algumas coisas
estranhas naquelas semanas, Peter me disse várias vezes que parecia estar sendo
seguido e que seu computador estava ligando e desligando, do nada.

Sorte que a polícia encontrou o Dylan em um galpão abandonado dias
depois do assassinato, eu não me perdoaria se os dois morressem. Para a
segurança da criança, a senhora Scott conseguiu um acordo para mantê-lo em
segredo. Há muitos anos, essa mulher esbanja poder e contatos. Sejam quem
forem os culpados pela morte do meu amigo, não descobriram que o trunfo era o
menino.

Foi a partir desse assassinato que a senhora Scott resolveu construir o
laboratório em um local mais afastado. Ele foi levantado em tempo recorde, com
uma tecnologia de ponta e segurança avançada para proteger Dylan de futuros
ataques.

Eu não gostei da ideia de trancafiar o garotinho no subsolo, mas estava
tão consumido pela dor da perda que comecei a ficar desesperado de perdê-lo
também. A polícia não daria cobertura para sempre. Levá-lo para lá trouxe a
curiosidade de encontrar outras pessoas com o mesmo poder de cura.

No começo, não tínhamos o tanto de informação que temos hoje e
cometemos erros. Erros terríveis. Russell achava que todas as pessoas com o tipo
raro de sangue denominado Bombaim podiam ter a capacidade de criar os
glóbulos brancos em velocidade rápida. Essa suposição nos fez perder uma vida
inocente que me assombra diariamente.

Rachel tinha apenas 15 anos e um histórico que nos enganou por nunca
ter ficado doente, mesmo vivendo nas ruas da Califórnia. Era uma coincidência.
Ela não aguentou nem uma rodada de testes e ficou muito doente. Só mais tarde
desvendamos a mutação específica que Dylan possui. Também descobrimos que
só acontece no sexo masculino.

“O problema está resolvido de uma vez por todas”, foi o que escutei da
senhora Scott quando soube da morte da menina. Por não ter família e nem
ninguém para brigar por ela, a morte foi empurrada para debaixo dos tapetes.

Só a encontraram no sistema de saúde porque Rachel sofreu um aborto e
foi parar no hospital. Até hoje não sei como, mas a senhora Scott consegue ter
acesso a dados importantes de muitos cidadãos pelo histórico médico. Tem coisa
que eu prefiro nem saber, minha consciência é pesada demais para novos
problemas.

Milhões de vidas serão salvas. As pessoas vão parar de sofrer. Não vão
sentir dor. Esses são alguns dos mantras que eu digo a mim mesmo para
continuar no projeto.

Com a promessa de uma quantia generosa em dinheiro se colaborasse
com as pesquisas da Bioimmune, Rachel veio sem pestanejar. A causa da sua
morte não foi alterada, o problema é que não teria morrido se nós não tivéssemos
inserido o vírus na garota.

Eu quase saí da empresa depois disso, cheguei muito perto. Encobrir uma
morte pelo bem de outras vidas não me parecia certo, mas fui convencido por
Patterson que Dylan ia precisar de mim. Eu devia aquilo ao Peter, precisava
cuidar do seu filho. Com o passar dos anos, fomos descobrindo outras crianças.

Não sou eu quem tenho acesso a esses dados, no entanto, Russell garante
que vem monitorando 20 garotos no país, nos mais diversos estados, com a
mesma mutação. Eles descobriram com a ajuda da Scott devido ao histórico
médico. Essas pessoas não fazem ideia do poder que possuem dentro de si. Fora
o Dylan, temos só quatro conosco porque eles foram abandonados e iam entrar
no sistema de adoção. O médico acha perigoso envolver familiares, muitas
pessoas iriam saber do projeto. Consequentemente, iria chamar a atenção e
colocá-los em risco. Só iremos procurá-los quando a pesquisa estiver pronta e
divulgarmos para o mundo.

Para diminuir um pouco meu pesar, resolvi dedicar todo meu tempo aos
cinco, sou o que mais fica no subsolo. Gosto de ensiná-los, de presenteá-los com
livros, fui eu que insisti para o Russell inserir a área de lazer e a do sol. Quis
deixar o mais próximo possível da realidade que vão encontrar quando saírem.

Eu sei que também sou cúmplice dos erros que cometemos,
principalmente da Rachel. Espero que essa escolha de palavras tenha sido uma
infeliz coincidência porque não vou tolerar nem compactuar com outra morte.

Jamais colocaria Abigail no meio disso. Apesar de não ser americana e a
sua família morar longe, Elisa não está sozinha aqui. Sua professora e mentora
não vai sossegar até descobrir o que aconteceu.

— Depois que resolvermos esse problema, teremos outro. Um maior e
mais desafiador: E4 não vai parar de arrumar confusão. — Volto a prestar
atenção na conversa dos dois quando mencionam o Matthew pela primeira vez
no dia.

Odeio esses apelidos que deram aos meninos, não tem graça nenhuma
chamá-los por números como se fossem insignificantes.

— Se é assim aqui dentro, quando sair vai ser um tormento. Capaz que
motive todos os outros contra a gente — Patterson comenta.

— Não tenho dúvidas! Vamos precisar dar um jeito nisso também, um
jeito que seja bem convincente para os demais.

O quê? Levanto do sofá com tanta brusquidão que derrubo a caneca de
café no chão. O barulho da porcelana se espatifando compete com o som alto do
meu coração. A falta de ar e a dor no peito me fazem cambalear para o lado,
desequilibrado. Apoio a mão na parede e tento respirar pausadamente, sem
sucesso.

Não! Eles não teriam coragem. Meu Deus, não teriam coragem de matar
o garoto só porque é questionador.

Se eu estou entendendo certo, Elisa e Matthew podem ter o mesmo
destino de Rachel. Se eu estou entendendo certo, matar é algo simples e
corriqueiro para alcançar os seus objetivos. Merda! Se eu estou entendendo
certo, eu posso ter entendido tudo errado esses anos todos.

Não... não pode ser... eu não teria sido tão idiota... meu Deus, eu poderia
ter sido tão influenciado assim?

Russell e Patterson nunca diriam isso na minha frente, eu jamais
descobriria sem a escuta. White e Smith compactuam com isso? Oliver teria
coragem? O que mais estão escondendo? Minha cabeça ferve, repassando em
flashes o que aconteceu desde que Peter chegou.

Peter... Uma lágrima escorre dos meus olhos ao imaginar que o
assassinato pode não ter sido exatamente como contaram.

Eu... eu não vou... me perdoar jamais.





Desligo o celular para não ver mais nenhuma mensagem dela. Estou
cheia de problemas para resolver e minha mãe não para de me encher o saco
porque eu disse que não poderia viajar ao Brasil no final do mês. Além de ter
acabado de entrar em um emprego novo, tem ainda a investigação que estou
fazendo com a Amber sobre a Bioimmune. Fico feliz pelas bodas de casamento
dos meus pais, porém, sinceramente, nem que pudesse ir estaria animada.

Posso imaginar perfeitamente a enxurrada de falas sem noção que
receberia durante a festa épica que vão promover. Os dois não perdem uma
oportunidade de se exibir para a sociedade.

“Nossa, Elisa, como você engordou.”

“Sinto muito pelo bebê, Elisa, mas foi bom para conhecer seu ex de
verdade.”

“E aí, já descobriu algo importante ou ainda está tentando?”

Eu odeio essas festas, só aparecem pessoas vazias que pagam de ricas e
educadas, mas adoram fazer críticas disfarçadas de preocupação ou interesse
singelo. Não fui nenhuma vez ao Brasil desde que perdi meu filho e a vontade é
cada vez menor. Se eu for sincera, a única pessoa de lá que realmente se
preocupa comigo é a Ingrid.

Dou uma olhada ao redor e noto a sala quase vazia. Tem apenas uma
senhora do outro lado, entretida com a televisão ligada. Noto que a recepcionista
também está ocupada e decido abrir minha bolsa discretamente para pegar um
pedaço da barra de chocolate que eu comprei na lanchonete que parei antes de
vir para cá.

A verdade é que eu quase cancelei de novo a consulta, só para poder
correr para a casa da Amber como fiz ontem, assim que me despedi da senhora
Moore. Só não fiz isso porque sinto que estou saindo do controle de novo.
Minhas emoções bagunçadas me deixam muito agoniada, e sem a saúde mental
em dia não vou conseguir fazer nada direito.

Jogo o chocolate na boca e mastigo rápido para ninguém ver. Antes que
eu possa terminar, a terapeuta aparece na porta me chamando. Assusto-me e dou
um pulo na cadeira, tentando engolir o resto de uma vez. Ela percebe o que estou
fazendo. Claro que percebe. Sigo-a até o seu consultório em silêncio absoluto,
envergonhada de ter sido pega no flagra.

— Como você está, Elisa? — a mulher de meia-idade pergunta de forma
direta, assim que entramos e eu me sento na poltrona.

— Tenho tido dias difíceis — confesso, sem encará-la, cutucando o couro
preto da poltrona. — Desde o meu aniversário, sinto que regredi bastante.

— Aconteceu alguma coisa que acionou seu gatilho? — Noto barulho no
outro estofado e sei que ela se sentou também.

Continuou envergonhada, sem coragem de fitá-la nos olhos.

— Minha mãe ligou um dia antes do aniversário e, para variar, não se
lembrou da data. — Engulo em seco, falar dela sempre me deixa incomodada. —
Depois disso, veio uma sequência de situações: cortei o dedo cozinhando, comi
um pote de achocolatado, me entupi de doces, saí com as meninas e tive
lembranças do bebê e do Mark, terminei o curso da universidade, comecei a
trabalhar em uma empresa de biotecnologia, estou meio paranoica...

— Vamos pelo início! O que você sentiu quando sua mãe se esqueceu do
aniversário?

— Eu não quero falar dela, queria comentar sobre a falta de controle que
ando tendo de novo e o estresse que tenho passado no trabalho. — As palavras
saem depressa da minha boca.

Faz meses que a terapeuta tenta aprofundar no assunto Madalena
Montemor, mas sinceramente não consigo nem começar.

— Tudo bem, só quero pontuar uma coisinha, Elisa, para sua reflexão.
Desde que você chegou a Chicago e começou a fazer terapia comigo, tem
evitado falar da sua mãe. Tratamos sempre de forma superficial, estou
respeitando seu tempo, porém, se a gente fizer um retrospecto, 90% das vezes
que teve uma recaída o gatilho foi alguma situação com ela. — Olho-a de
relance e volto a cutucar o braço da poltrona. — No fundo, a sua depressão e
ansiedade dizem muito mais sobre sua mãe, do que sobre seu bebê. É claro que
você tem a dor do luto, mas fica claro para mim que a sua dor maior é a de ter
supostamente falhado com a criança. Você queria uma chance de fazer diferente
e isso foi arrancado de forma inesperada e dolorosa de você.

Pior que é verdade. Eu queria tanto ter uma família perfeita que me
apeguei demais ao Mark. Quando ele não aceitou bem a gravidez, comecei a
questionar se eu realmente não era suficiente, se eu não merecia ser feliz, se eu
seria uma mãe ruim como ela.

Eu queria tanto ser diferente. Tanto.

A morte do bebê foi a gota d’água para a minha sanidade. A minha
tristeza foi a culpada da sua morte? As minhas dúvidas? E se eu fosse uma
pessoa normal... e se eu fosse a Ingrid... isso aconteceria? Parecia uma piada sem
graça do destino, rindo e esfregando na minha cara que eu não era digna.

Nunca fui, e nunca seria.

— Você a culpa pela relação ruim que tiveram e por tudo que isso causou
na sua vida. Só que, ao mesmo tempo, seu subconsciente anseia a atenção e o
carinho. É isso que te deixa em conflito — a mulher continua falando e um bolo
se forma na minha garganta. Encaro o chão com força impedindo uma lágrima
de cair. — É um tabu em nossa sociedade aceitar que haja pais que não gostem
de seus filhos, mas isso é mais real e frequente do que gostaríamos de admitir.
Como tudo aquilo que é difícil de aceitar e digerir, tendemos a negá-lo. Vejo
diariamente no consultório vítimas de pais tóxicos, lutando para preencher um
buraco de infelicidade que arrastam desde a infância e que, na maioria dos casos,
nem vem à consciência porque dói falar dele.

“Você nem devia ter nascido, era pra eu ter tido apenas uma filha.”

“Maldita hora que escutei seu pai e transamos no meu resguardo. Você
foi um acaso.”

Gritos, chineladas, impaciência, ausência nos eventos da escola. Uma
sequência de imagens invade minha cabeça, mesmo que eu tente a todo custo
espantá-las para o fundo novamente. A verdade é que a filha planejada foi
somente uma, para cumprir o papel que a sociedade espera de uma mulher de
família respeitada. Eu fui um lapso, algo que não estava nos planos e atrasou o
retorno para a sua carreira brilhante.

Balanço a cabeça e me ajeito na poltrona, desviando-me do olhar
atencioso da terapeuta.

— A forma que ela trata você não é e nunca foi culpa sua, Elisa —
afirma, de forma serena e não consigo mais segurar o choro. — A morte do seu
bebê também não foi culpa sua. Você não falhou com ele.

Apoio as duas mãos no rosto, deixando as lágrimas escorrerem sem freio.
Os ombros tremem e meu corpo se afunda cada vez mais na poltrona macia. É
difícil acreditar em certas afirmações, quando você passou a vida inteira sendo
apontada como a errada.

Não gosto de falar sobre minha mãe nem com a Ingrid, ela não sabe
metade das coisas que passei. Ainda não me sinto confortável em abordar o
assunto com a terapeuta também, mesmo que ela considere tão crucial na minha
melhora.

— Desculpe, ainda não tô pronta pra esse assunto.

— Não precisa pedir desculpa, Elisa. Eu te compreendo, não quero forçar
nada. Quando você quiser, nós voltamos a abordar essa questão. — Sinto um
toque suave no meu braço e ficamos em silêncio por alguns segundos. — Você
quer falar sobre a compulsão?

— Sim... estou há dias sem conseguir parar de comer. Acho que você viu
agora há pouco eu com a barra de chocolate na boca. Não aguento mais a culpa
que sinto por me sabotar.

— O alimento vira combustível para apaziguar emoções e dar
tranquilidade aos sentimentos em desequilíbrio. — Ela não fala nada, mas eu sei
que no fundo quer dizer que esse ciclo vai se repetir até que eu trate o real
motivo. — Você está conseguindo ir à dietista?

— Faltei em algumas consultas nesses dias, mas antes eu estava. Na
medida do possível, estava tudo indo bem antes do meu aniversário.

Nos primeiros meses, após a perda do bebê, fiquei muito mal porque
além da tristeza ainda sofria com as opiniões negativas da minha mãe. Ficamos
alguns meses sem conversar e automaticamente também melhorei no controle da
compulsão. Foi ela ligar na véspera do aniversário para desencadear novamente
o problema.

Não estava 100% bem, mas também não havia regredido tanto.

— Você comentou quando chegou sobre o trabalho e mudanças. Houve
uma grande carga de estresse em pouco tempo, é comum que gere uma
sobrecarga no organismo.

— Nossa, eu sinto como se estivesse enlouquecendo. O trabalho não está
sendo como eu imaginei, eu fico muito nervosa no meio das pessoas de lá. Tudo
parece estranho. Cheguei ao ponto de imaginar que estou sendo seguida.

Sem dar detalhes sobre a Bioimmune, converso com ela sobre o que ando
sentindo nas últimas semanas desde a conversa com James na universidade até a
contratação. É o assunto que mais rende, gastando praticamente todo tempo da
minha consulta de hoje.

Estou virando uma obcecada por tudo que diz respeito à empresa. Ontem
saí da casa da Amber já eram quase duas horas da manhã do tanto que
conversamos sobre o que descobri de Peter Lewis.

Hoje, durante o expediente, eu parecia uma espiã infiltrada olhando para
todas as pessoas e todos os cantos com desconfiança. Quase não consegui me
concentrar na minha pesquisa, o motivo pelo qual estou lá.

— É ruim a dualidade dentro de mim. — Passo a mão no peito e a
encaro, sendo sincera. — Ao mesmo tempo que um lado meu grita para
continuar desconfiando porque tem uma coisa muito errada lá; a parte da razão
me alerta que estou criando confusão e perdendo a chance de investir na minha
pesquisa. O que eu faço? Continuo ou desencano?

— Eu não posso responder essa pergunta por você, tem que avaliar
dentro de si quais batalhas quer lutar. — Eu adoro a voz serena dela, mesmo
quando diz algo muito sério que vai depender apenas de mim. — O que eu posso
te dizer é que está lidando com várias situações ao mesmo tempo. O seu passado,
o seu presente e o seu futuro estão colidindo dentro de você. Precisa tomar
cuidado redobrado com seu emocional porque isso irá se refletir na sua
compulsão. Lembra que eu te falei da Terapia Cognitivo-Comportamental em
grupo?

— Eu lembro sim, tinha resolvido adiar por causa da reta final do curso.

— Eu sei que agora está mais ocupada ainda, porém, seria interessante se
arrumasse um tempinho para fazê-la, aliando a agenda comigo e a dietista. — Eu
morro de vergonha de compartilhar meus problemas com outras pessoas, o curso
foi só uma desculpa. — Eu acho que vai te ajudar demais ter contato com outras
pessoas que passam pelo o que você tem passado. Pensa com carinho nisso, tá
bom?

— Tá bom, eu vou pensar, sim.

Eu queria muito que a terapia fosse um passe de mágica, capaz de
resolver todos os nossos problemas. Depender de nós mesmos é que torna tudo
difícil e tão desgastante.


Dentro do elevador do meu prédio, encosto na parede e fico de cabeça
baixa pensando em tudo e em nada, ao mesmo tempo. Sempre que eu volto da
terapia sinto que minha cabeça pode explodir de tanto que faz reflexões. O apito
alerta que cheguei ao meu andar e continuo cabisbaixa procurando a chave na
bolsa.

— Nossa, que bom que você chegou! Já estava ficando preocupado. —
Dou um pulo para trás e quase tropeço de susto com a voz grave que vem na
minha direção.

— Meu Deus, que susto, senhor Davis! — Coloco a mão no peito e olho
para o homem que está parado perto da minha porta de blusa de frio e boné,
mesmo com o calor que faz. — Como entrou aqui? Aconteceu alguma coisa? Eu
saí da Bioimmune e fui para a terapia.

— Podemos conversar lá dentro? — Ele observa ao redor, parecendo
paranoico como eu. — É importante!

Eu não deveria deixar um estranho, ainda mais um estranho tão suspeito,
entrar na minha casa desse jeito. Porém, além da senhora Moore confiar nele, eu
também admito que gosto do James. Ele não me parece uma pessoa ruim.

Abro a porta e o permito entrar. Ficamos em silêncio até que eu a tranque
novamente e me sente no sofá, convidando-o a fazer o mesmo.

— Primeiramente, peço desculpas por aparecer assim — diz, tirando o
boné e a blusa. — Estava de olho no seu prédio e entrei despercebido atrás de
uma moradora para não chamar a atenção, caso estejam vigiando você. Não é o
prédio mais seguro do mundo, Elisa, o que me deixou apreensivo.

— Como assim, me vigiando? — Todas as vezes que senti que estava
sendo seguida ou que vi o carro preto me voltam à mente.

— Eu sinto muito por ter te colocado no meio disso, Elisa, pensei muito
durante o dia de hoje o que eu devia fazer e não vi outra solução a não ser te
contar.

— Você está me assustando, Davis, o que está acontecendo?

— Você está em perigo — ele diz, depois de um longo suspiro, fazendo
meu coração saltar no peito. — O Russell e o Patterson estão usando a sua
pesquisa sem você saber e querem dispensá-la depois.

— Me dispensar... me dispensar como? — A voz sai trêmula,
preocupada.

É muito, muito pior do que eu estava imaginando!

— Eu tenho medo de pensar como, sério. Morro de medo! Está tudo
acontecendo muito rápido, eu juro que nunca iria envolver você e, muito menos,
a Moore se soubesse a história mais a fundo. Estou descobrindo tudo agora, não
sei direito o que fazer, como agir — fala rápido, seu tom transtornado. — Eu
comecei a desconfiar no dia que falei de você para o Russell. Ele odiou a ideia
de admitir uma pessoa nova no time, mas poucos dias depois já havia mudado de
ideia e parecia muito empolgado. Daí começaram a te enrolar e as suspeitas só
aumentaram. O Smith não está viajando coisa nenhuma e sei que fizeram até um
teste já da sua pesquisa com o nosso acelerador.

— Eu sabia que tinha algo errado naquela empresa, merda, eu senti desde
o começo. — Levanto do sofá e começo a andar em círculos na sala pequena. —
Me fale de uma vez por todas, Davis, o que é essa pesquisa? O que tanto
escondem naquele laboratório?

O homem fica parado, encarando meu corpo ereto fitá-lo de volta. Sua
garganta sobe e desce em um movimento claro de nervosismo. Ele parece duelar
entre me contar logo ou fugir daqui.

— Eu tenho medo de te contar e te afundar ainda mais comigo nessa —
afirma, baixando a cabeça e encarando o chão. — Não sei o que fazer, de
verdade. Fiquei o dia todo ouvindo a escuta pra saber se iriam dizer mais alguma
coisa sobre o que pretendem fazer. Eu sabia que não podia deixá-la no escuro,
tinha que te alertar de alguma forma. Não consigo dormir, não consigo comer,
não paro de pensar em todo absurdo que isso se tornou.

— Escuta? Que escuta?

— Eu coloquei uma escuta no escritório do Russell, no subsolo. Eu tinha
que saber o que se passava na cabeça dele depois de... — Ele para de falar e noto
suas mãos se remexerem no sofá, inquietas.

— Olha, Davis, mais envolvida que estou é impossível. — Volto a sentar
no sofá, próximo dele. — O que mais ele está aprontando? O que está
acontecendo? Eu acho aquele lugar estranho desde o dia que conversei com a
senhora Scott. Nunca vi um laboratório mais macabro, tem tantos cientistas mais
velhos, nenhum jovem, quase não tem mulher. Sem contar aquele subsolo
secreto. As pessoas parecem ter pavor do Russell. E eu tenho certeza de que
achei um dente lá ontem. White quase entrou em colapso quando mostrei.

Davis não fala nada, mas posso ver seu corpo tremer na minha frente. De
raiva. Ele fecha os dedos em punho e puxa o ar com força.

— Eu não sei o que fazer! — Começo a ficar agoniada com o desespero
no semblante dele. — Acho que tudo que acreditei nos últimos 25 anos está
errado. Cometi erros terríveis que não sei como consertar. Não quero que nada
aconteça com você, com a Moore, nem com os meninos.

Davis coloca as duas mãos na cabeça e noto seus olhos lacrimejarem.
Deve ser algo muito sério.

— Que meninos? — questiono e o vejo ficar pálido. — Que meninos,
Davis? Me conte de uma vez.

Eu não sei ao certo o que esperava quando ele abrisse a boca, mas com
toda certeza do mundo não era o que ouvi. Quase tenho vontade de jamais ter
perguntado, pois é uma informação perturbadora.

Chocada, levanto-me de novo à medida que James explica o que é a
pesquisa que tanto escondem naquele lugar e como conseguiram chegar ao tal
acelerador de glóbulos brancos. Há somente cientistas mais velhos porque são os
de confiança da Scott, da época que construíram o laboratório e o subsolo.
Mulheres foram evitadas porque podem ser mais curiosas, dão vazão com
frequência à emoção. E realmente são. Eu fiquei lá poucos dias e já estava ávida
por descobrir.

Cinco garotos. Meu Deus! Cinco garotos trancafiados. Fico mais
desesperada ainda ao saber que o dente que vi realmente era humano, de um dos
meninos que apanhou ao tentar fugir pela primeira vez do local.

— Esses anos todos eu me apeguei ao fato de estarmos fazendo algo bom
para a humanidade, que iríamos salvar vidas. Os meninos vivem lá embaixo com
conforto apesar de tudo, eles estudam, tem área de lazer, leem... Mas falando em
voz alta isso pra você parece o maior absurdo da face da Terra tentar justificar o
injustificável. — Uma lágrima escorre pelo rosto do homem e tenho certeza de
que não está fingindo. Davis parece muito arrependido e assombrado pelo que
fez. — O pior de tudo é que o filho de um dos meus melhores amigos está lá, foi
com ele que tudo começou, e eu apenas deixei acontecer.

— O filho do Peter Lewis? — questiono, espantada. — O filho dele que
acham que está morto?

— Como você sabe do filho do Peter?

— A Moore me contou, como eu disse, estava ficando mega desconfiada
de tudo naquele lugar. Estava tentando entender o que acontecia por lá.

— Depois do assassinato do Peter, encontraram o Dylan em um galpão
abandonado. A polícia nos ajudou a encobri-lo por causa do poder que ele tinha.
A senhora Scott tem muitos contatos, você não faz ideia de quantos. — Ah! Eu
posso imaginar que sim. — Construíram o laboratório depois disso, a ideia era
proteger ele e os garotos que encontramos depois. Esse acelerador é uma ideia
muito inovadora, que envolve muito dinheiro. Imagina o que as pessoas erradas
fariam por isso.

O que a senhora Scott também faria para ter o nome da sua empresa em
cada canto deste planeta? Ela não me parece santa, nenhum pouco. Pelo que
conheci dela, não acho que esteja fazendo isso porque quer ajudar os doentes.

A minha vontade é fazê-lo contar cada detalhe do que sabe, varando a
madrugada aqui na minha sala. Mas a única coisa que passa na minha cabeça são
aqueles meninos presos no subsolo por tantos anos.

— Você disse que Russell ficou muito agressivo depois que tentaram
fugir. Se estão querendo sair, é porque não estão bem lá, Davis. O que vamos
fazer em relação a isso?

— Vamos? — Ele me observa com atenção. — Eu não posso envolvê-la
mais nisso do que já está, Elisa. Precisa dar um jeito de sair da Bioimmune. Eu
sei que é a pesquisa da sua vida, mas se eu fosse você dizia que mudou de ideia e
quer vender para a senhora Scott. Precisa ficar o mais longe possível deles. Eu
vou dar um jeito... não sei como..., mas vou dar. Vou descobrir toda a verdade.
Volte para o seu país por um tempo, suma de perto daquelas pessoas.

O medo que fiquei todas as vezes que senti estar sendo seguida preenche
meu corpo de adrenalina. O melhor realmente seria eu me afastar disso, contudo,
o melhor está longe de parecer o certo.

— Você disse que tem um menino de 9 anos lá dentro. É apenas uma
criança. Os demais já perderam sua infância, não dá pra ignorar isso.

Esfrego o rosto, atordoada. Imagina se fosse um filho meu nessa
situação? Impossível não me abalar.

— Eu sei... — Ele abaixa a cabeça, parece envergonhado por fazer parte.
— O problema é que não faço ideia de como resolver isso sem se tornar
perigoso.

— Eu tenho uma amiga jornalista que está me ajudando a pesquisar sobre
a Bioimmune desde que comentei como o lugar é estranho. Talvez ela possa nos
ajudar, tem contatos, é esperta.

— Você confia tanto nela assim pra algo dessa magnitude?

— Eu confio demais, tenho certeza de que ficará do nosso lado.
Precisamos pelo menos tentar pensar em algo. Uma tentativa.

— Tudo... tudo bem — concorda, suspirando fundo. — Três cabeças vão
pensar melhor do que uma.

Meu lado racional está implorando para que eu não pegue o telefone da
bolsa e ligue para Amber. É quase como escutar a voz da minha mãe gritar “nem
pense nisso, Elisa”.

Não escuto o medo, pelo menos por ora. Faço a ligação sem raciocinar
demais em quão perigoso realmente isso pode ficar.


Os raios de sol despontam pela janela, iluminando ainda mais a sala. As
horas passaram voando e nem nos demos conta que amanheceu. Amber veio
assim que a chamei e nem pestanejou em ajudar, mesmo com os diversos alertas
que James fez sobre os riscos que estaríamos correndo.

Ela tem o jornalismo aflorado demais dentro de si para fugir de algo
assim. Sabia que podia contar com seu senso de justiça.

Estamos, desde então, tentando pensar em um plano viável para tirar os
garotos de lá, mas por enquanto nada parece seguro o suficiente. Russell
aumentou a segurança e, mesmo que a gente conseguisse pelo elevador, eles vão
nos caçar em qualquer lugar que formos.

A empresa está muito perto de conseguir o que tentaram por 25 anos.
Não vão ceder de forma alguma. Algo que ficou claro é que sair do subsolo será
o início de uma guerra.

— Olha, estava evitando falar dessa ideia porque é um pouco arriscada.
Mas tendo em vista que já pensamos em tudo e temos pouco tempo, acho que
não há outra opção.

— Que ideia, amiga? — questiono, curiosa, e inclino meu corpo para
frente, na sua direção.

— Com o que tenho aqui, consigo fazer uma matéria investigativa bem
ampla. Nós jogamos a merda no ventilador e convocamos o máximo de mídia
para replicar a notícia. Consigo movimentar pessoas pelas redes sociais, um
movimento grande — ela conta e eu e James ficamos em silêncio, ouvindo. — A
Bioimmune será atacada em várias frentes na mesma hora, não vai ter reação
imediata. Eles podem comprar algumas pessoas, mas não vão conseguir comprar
todo mundo para abafar o caso. Lembra-se do meu amigo Chris Schumer, que
trabalha no escritório do FBI em Chicago e chegou até a ficar com a Emma?

— Sim, eu lembro. — Balanço a cabeça, em afirmativa.

— Eu confio nele, é um garoto do bem. Seus pais são amigos dos meus,
ele é idealista e pode nos ajudar a fazer uma armadilha. Soltamos tudo na
imprensa e entramos lá em seguida com os policiais pra verificar a denúncia.

— Eu temo que a polícia pode não ser confiável, ele vai ter que contar
para os superiores, vai ter que conseguir um mandado. Vai abrir a boca e pode
chegar ao ouvido da Scott — James comenta, receoso. — Esqueci de contar um
detalhe importante: o irmão dela é senador aqui do estado. Não é tão ativo na
empresa, não no laboratório, pelo menos. Às vezes o vejo na sede.

— É, eu sei, por isso eu disse que é arriscado. Os pais do Chris estão
envolvidos na política também, são do partido adversário e podemos conseguir
apoio para ir fundo nas investigações. Talvez até outro senador para brigar de
frente. Teremos que fazer esse jogo pra alcançar nosso objetivo.

Amber me contou ontem sobre o senador John Scott, irmão de Madelyn
Scott. A Bioimmune é uma herança familiar, mas o homem deixou o legado para
ela quando decidiu seguir carreira política.

Praticamente não acompanho o noticiário do Congresso americano, mas
a minha amiga disse que John é discreto e nunca expõe sua vida pessoal. Até por
isso ela não fez a ligação familiar dos dois de primeira.

Não é à toa a mulher ter tantos contatos, não me parece que faria tudo
isso escondido dele. Tenho certeza de que o senador sabe dos meninos
trancafiados.

— Mas isso não vai demorar, Amber? Não temos como esperar semanas
pra agir.

— Dependendo da gravidade do caso, e do escândalo que pode gerar,
eles agem muito rápido. Será que você consegue alguns documentos, Davis? Se
conseguisse algumas fotos do laboratório também, ajudaria muito para
corroborar as denúncias.

— Eu posso tentar, tenho alguns documentos comigo da pesquisa. Tenho
uma escuta que fiz também, é ilegal e eles não dizem nada que possa realmente
incriminá-los, porém, é possível ver a rotina do subsolo. — Noto que ele está
assustado e empolgado ao mesmo tempo com a luz no fim do túnel. — Vamos
supor que esse plano maluco dê certo, o que vamos fazer depois? Além da
Bioimmune, teremos milhares de outras pessoas de olho nos garotos. Pessoas
ávidas por poder e dinheiro. Não só dos Estados Unidos, como de outros países
também.

— Teremos que manter a mídia, a polícia e os adversários do Scott a
nosso favor — Amber afirma. É impressionante como ela não aparenta estar
com nenhum pouco de medo. — Com a cobertura mundial do caso em massa,
ninguém vai ter coragem de agir. Pelo menos, por agora. É muita exposição,
Davis. É algo magnífico para a humanidade, vai ter gente pra proteger também.

— Será que isso vai dar certo? — O medo é claro na sua voz. — Não
seria melhor tentar o programa de proteção à testemunha, já que você tem
contato no FBI?

— Nesse caso, expor é a saída mais segura, na minha opinião. Vou
marcar com o Schumer e a gente conversa melhor. Se forem tão influentes como
pensamos, sem o apoio popular e da mídia, pode ser que consigam reverter.
Acho que eles ficariam mais seguros com o mundo todo de olho.

— Eu não vou mentir que não estou com medo, estou com bastante medo
— digo, olhando para os dois. — Mas sinto como se estivesse destinada a essa
missão. Por isso estava me sentindo tão diferente, por isso o coração acelerado e
a percepção para as coisas mais aflorada. Eu vou ligar na Bioimmune e dizer que
fiquei doente. Do jeito que estão me evitando, vão adorar e sequer desconfiar da
desculpa. Assim, fico segura de momento. Vamos colocar esse plano em vigor o
quanto antes, James.

— Tá... — Ele engole em seco, e estica a mão para nós. Aceitamos e a
apertamos, em apoio. — Não tenho nem como agradecer arriscarem as suas
vidas pra me ajudarem nisso. Eu sei que errei muito, e irei pagar por isso. Mas
aqueles meninos não merecem mais viver daquela forma.

Não. Não merecem, mesmo!

A terapeuta disse que eu devia escolher quais batalhas lutar. Essa pode
acabar com o resto da saúde mental que me restou, e até a minha carreira, mas é
impossível virar as costas e fingir que não sei. Aqueles meninos precisam de
mim.



Se antes já não tinha muito o que fazer, nos últimos dias se tornou um
tédio enorme. Sem lazer, sem ler os livros que estou acostumado desde a
infância e sem frequentar a área do sol que tanto gosto, só sobraram as
atividades chatas. Temos feito mais testes clínicos desde o episódio da tentativa
de fuga. Não sei se faz parte da punição do Russell ou estão avançando na
pesquisa.

Ele e Patterson continuam trancados no escritório a maior parte do tempo
que passam aqui. Não que seja algo ruim, tendo em vista que meu sangue ainda
ferve toda hora que me lembro da imagem do Matthew entrando ensanguentado
pela porta.

— O tempo parece que não passa. É um martírio! — Jimmy reclama,
olhando para o teto.

— Acho que nunca foi tão devagar — Ethan concorda, jogando uma
bolinha que fez com meia de uma mão para outra.

— Até quando será que vai esse castigo? — Thomas também entra na
conversa. — Estou descobrindo que não tenho muita paciência.

— Bem-vindo ao clube. — Viro o rosto na direção de Matthew,
incomodado com as manchas roxas e amarelas que insistem em permanecer ao
redor dos seus olhos.

Nunca vou me acostumar ou achar isso tolerável. O inchaço melhorou
bastante, no entanto, ainda é bem visível as marcas da agressão pelo seu corpo.

Estamos nós cinco deitados nas nossas camas aguardando o horário das
aulas. Já almoçamos, fizemos duas rodadas de academia e coleta de sangue.
Parece que andamos, andamos, andamos e não saímos do lugar. É uma sensação
horrível.

Conversamos por cerca de vinte minutos até que Oliver vem nos chamar
para a sala de estudos. Minha relação com ele e James está péssima. Mal consigo
trocar meia dúzia de palavras. Até mesmo o Ethan que é uma criança não age
mais como antes. Tudo ficou estranho e fora do lugar.

Vamos para o outro cômodo em silêncio. Sem os notebooks, nossas aulas
são maçantes demais. Tinha até desacostumado a escrever à mão por causa do
computador. Duas horas lendo uma apostila de biotecnologia parecem dez.

O tempo passa arrastado, é preciso forçar o cérebro a trabalhar.

— Amanhã teremos um debate, como estão com tempo livre vão precisar
ler esse texto e se preparar. — James entrega uma apostila menor na minha mão,
do Thomas e do Jimmy. Nós três bufamos, mas não retrucamos. — Usem o
período da noite, que era dedicado à sala de lazer, para isso.

Ele já fez esse tipo de atividade várias vezes. Eu até gostava antes, agora
sinto um incômodo imenso de cada detalhe aqui. Pegamos a tarefa e saímos na
mesma quietude que entramos. Oliver também já terminou e está se retirando
com Ethan e Matthew.

— Dylan, esse trabalho é muito importante! — James para ao meu lado
quando os meninos vão um pouco à frente e Oliver some pelo corredor. —
Preciso que você leve a sério o texto.

Arqueio a sobrancelha, achando estranho a posição que ele fica parado,
como se estivesse mostrando a apostila para a câmera que agora eu sei que está
posicionada no corredor que leva da sala de estudos para os nossos quartos. Sua
cabeça está levemente flexionada e sua voz mais baixa.

— Ok.

— Finja que está com uma dúvida, abra a apostila na primeira página e
me aponte algo. — Não estou entendendo nada, mas resolvo obedecer quando
noto a força com que está segurando o pedaço de papel. — As câmeras não têm
som, mas vou ser sucinto pra não chamar a atenção do Russell. Tem uma carta
minha aí na última página de extrema importância. Preciso que você leia hoje
sem falta porque vai acontecer amanhã. Abra só à noite, durante o suposto
trabalho, pra não ficarem muito ansiosos e causarem desconfiança. Leia a carta e
depois passe para os dois como se fosse uma parte da atividade. Chamem o
Matthew em algum momento e o deixe ler também. Na hora que você estiver
colocando o Ethan para dormir, resuma brevemente só pra deixá-lo a par. Eu fiz
questão de avisá-los pra não se assustarem, no entanto, é fundamental ter
discrição. Por favor, pode estragar tudo!

—Do que você está falando, James?

Estava o evitando nos últimos dias, contudo, as vezes que nos
esbarramos achei James bem esquisito. Seu semblante denotava um nervosismo
e uma ansiedade constante. Pensei que estivesse desconfortável com tudo que
aconteceu com Matthew.

— Eu sei que não estou merecendo isso, mas preciso que confie em mim.
Leia!

Sem dizer mais nada, ele sai e me deixa segurando a apostila. Meu
coração acelera no peito com aquela sensação diferente que tem despontado com
frequência. O que será que vai acontecer amanhã?


James disse para eu não ler antes, a fim de não ficar ansioso, e o
resultado foi completamente oposto. Estou inquieto há horas esperando o
momento de saber o que tem naquela carta. Achei melhor não falar nada aos
meninos por enquanto e seguir suas instruções. Ele me decepcionou, mas ainda é
o homem que nos viu crescer e sempre cuidou de nós. James merece um voto de
confiança sobre esse suspense todo.

— Vamos fazer o trabalho? — chamo os garotos, afoito.

Quem vê até parece que estou animado com o debate.

— Fazer o que, né. — Thomas dá de ombros e guarda o último copo no
armário.

Terminamos de jantar e lavamos a louça cedo, pois agora é obrigatório
permanecer no quarto após às nove da noite por ordens do Russell. Ainda são
oito e meia, porém, se eu esperar mais um minuto, capaz que tenha um colapso
de ansiedade.

Seguimos para o quarto, pegamos as apostilas e eu me sento na minha
cama, convidando Thomas e Jimmy para ficarem perto com a desculpa de
discutir os assuntos do texto. A verdade é que preciso ser discreto como James
pediu.

Matthew e Ethan vão para os fundos do cômodo, sem nada melhor para
fazer, e se deitam na cama do caçula para brincarem de jogo da velha com os
fósforos que pegaram na cozinha.

Mal abrimos a apostila, Smith entra no meu campo de visão observando
o que estamos fazendo. Não diz nada, só olha. O plantão hoje é dele e do
Patterson. Desde o acontecido, estão ficando sempre dois no período noturno.
Diferente da liberdade que nos davam antes, agora eles ficam o tempo todo
rondando e verificando o que estamos fazendo.

— Não é livro de ficção, é uma apostila pra debate na aula amanhã. —
Levanto a capa com medo de ele chamar o médico e nos tirarem por causa do
castigo.

— James falou — responde, seco, saindo em seguida.

Respiro, aliviado, ao vê-lo sumir pelo corredor. Enfim, vou poder ler essa
bendita carta. Distraídos, Thomas e Jimmy nem reparam como estou nervoso.
Preciso molhar a ponta do dedo com saliva para conseguir passar as páginas.

Encontro uma folha colada e reconheço a letra do James no pedaço de
papel. Pisco para que meus olhos se foquem, o coração dispara no peito antes de
conseguir ler a primeira palavra grifada.

Não reaja ao que estiver escrito, eles podem estar de olho pelas
câmeras!

Primeiramente, sinto muito por tudo que aconteceu nesses últimos dias.
A raiva e a decepção serviram para abrir meus olhos para todos os problemas
que a Bioimmune tem. Estou tentando me redimir e o primeiro passo será dado
amanhã: vocês vão sair daí.

O quê? Amanhã? Sair daqui?

Passo a mão no rosto, fazendo um esforço enorme para controlar a
respiração e não reagir de forma suspeita. Meu peito está batendo tão forte que é
quase como se o coração pudesse sair.

— Está tudo bem aí? — Jimmy pergunta, percebendo meu rompante.

— Si... tudo certo. — Ajeito a postura na cabeceira da cama e volto a
prestar atenção na apostila.

Engulo em seco, contando até dez mentalmente antes de focar no texto
da carta.

Não tenho como dar detalhes agora de como vai funcionar, só quero que
saibam que Elisa e eu estamos preparando tudo para protegê-los. Não será
fácil, vamos iniciar uma guerra, mas tenho convicção de que é o certo a ser
feito. Vocês cinco serão libertados desse cativeiro para sempre.

Desculpa por não ter acordado antes, darei minha vida para salvá-los,
se for preciso. Preparem-se para o primeiro dia, do resto de suas vidas.

Leio três vezes para ter certeza de que não entendi errado antes de passar
aos meninos. Tentamos disfarçar o máximo que dá para as câmeras, fingindo
discutir o trabalho, mas de perto é possível acompanhar cada suspiro, cada pelo
arrepiado, cada voz contida.

A vez de mostrar ao Matthew é a mais emocionante para mim. Ele lê
impassível, perfeito no papel de fingir, até o momento que levanta a cabeça e nos
encara com um sorriso no rosto. Seus olhos estão tão brilhantes que dizem mais
do que milhões de palavras.

Nós vamos sair daqui. Amanhã!

As frases de alegria e alívio que não podem ser ditas em voz alta, gritam
na minha mente. As lágrimas embaçam meus olhos, fecho-os por um minuto
para impedir que elas caiam.

Não posso de forma alguma estragar isso. Eu nunca pensei que queria
tanto sair daqui, quase posso sentir a brisa do vento no meu rosto. Tomara que
esse plano dê certo, não importa as consequências que vierem depois.

James e Elisa vão conseguir.

Elisa.

Essa mulher... No fim das contas, eu estava certo sobre a sensação que
tive dela.


Quatro dias.

Tivemos apenas 96 horas para organizar um plano complexo e
extremamente arriscado. Praticamente não dormi e estou vivendo de café e
glicose para permanecer em pé. Russell deu graças a Deus quando eu disse que
estava doente e precisaria ficar em casa. Não desconfiou de nada possibilitando
o start na nossa estratégia.

Desde o instante que decidimos nos arriscar, temos trabalhado com
empenho para que tudo dê certo, apesar do pouco tempo. Até aqui eu fiquei
segura, longe deles, a partir de agora caminharemos no escuro aguardando o
contra-ataque. E ele virá, com certeza. Vamos mexer em um vespeiro onde é
impossível sair ileso.

Roo as unhas, tirando o resto do esmalte que faltava. Daqui a cinco
minutos Amber vai publicar a matéria investigativa que fez sobre a Bioimmune
para o mundo inteiro ter acesso. Não tenho certeza se estou respirando neste
momento, meu corpo inteiro está trêmulo e gelado de ansiedade pelo que está
por vir.

James conseguiu algumas fotos e áudios do lugar. Estão um pouco
tremidas e embaçadas porque foram feitas escondido, e não dá para ver o rosto
dos meninos direito, mas é possível observar a estrutura do ambiente. É um
laboratório enorme, coitado dos garotos, nunca tiveram noção do que é um lar.
No fim das contas, Emma disse brincando, mas estava certa sobre o subsolo ser
usado para pesquisas secretas obscuras. Amber até aproveitou esse gancho no
início do texto para chamar a atenção do leitor.

A matéria ficou chocante, é impossível não desencadear uma onda de
indignação. Somente o editor do jornal sabe do conteúdo até agora, porém,
deixou de sobreaviso toda a equipe para entrar logo cedo e estar a postos para
bombar a manchete do dia. Preparamos conteúdos para viralizar nas principais
redes sociais. Vamos focar em levantar a hashtag #elesnaosaoexperimentos e a
minha amiga também ficará ao vivo pelo Youtube do periódico atualizando toda
a operação.

Escolhemos esse horário da manhã de propósito, para que os primeiros
jornais televisivos de notícias possam ter tempo de cobrir e ajudar a amplificar a
informação. O editor da Amber tem uma rede enorme de contatos e está
intermediando essa parte para garantir que no máximo em trinta minutos uma
multidão de repórteres esteja na porta da Bioimmune. Ele até acionou colegas
internacionais para estarem atentos à bomba que sairá em instantes.

Russell e companhia não vão ter tempo de reagir ao bombardeio de todos
os lados. Não por ora.

Chris Schumer está sendo fundamental para colocar a nossa ideia em
prática. Além de levar o caso para o FBI, também conseguiu o apoio do senador
Anthony Wright, adversário do Scott, que milagrosamente fez nosso plano entrar
em vigor em quatro dias. Agora eu entendo a importância de ter bons contatos.
Eles fazem toda a diferença.

Schumer também achou que, neste caso, o programa de proteção à
testemunha poderia não ser o melhor caminho. Ter a mídia e a população como
aliadas pode fazer o caso ter mais visibilidade e apoio para o nosso lado. Se
quando tudo terminar, os garotos quiserem recomeçar com outras identidades
será uma escolha que poderão optar.

Temos um mandado e uma equipe de policiais cercando o perímetro
apenas esperando autorização para agir. Alugamos uma casa no quarteirão da
empresa para fazer a cobertura completa e facilitar a ação. Wright gostou tanto
do escândalo que está aqui pessoalmente acompanhando.

Não que eu ache que está 100% preocupado com os garotos, ele está é
feliz de destruir a imagem do seu oponente, principalmente, depois que Scott
anunciou anteontem suas pretensões de concorrer nas eleições primárias para
presidente.

As primárias são uma espécie de processo seletivo aqui nos Estados
Unidos, uma seleção que evita uma eleição inflada com dezenas de candidatos,
alguns com certa irrelevância política e midiática, como acontece no Brasil.

Quando eu vi essa notícia, incomodou-me muito o fato do senador Scott
ter 26 anos de carreira pública. Pode ser uma coincidência enorme, ou não, o
fato de ter iniciado justo na época que Peter descobriu e contou para membros da
Bioimmune sobre o sangue raro do seu filho.

Com a correria do planejamento para hoje, acabei não comentando isso
com ninguém, mas depois verei para que possamos averiguar a fundo como foi a
trajetória dele na política.

— Meu Deus, eu acho que vou vomitar! — James para ao meu lado, com
uma mão na boca e outra no estômago. — Dizer que estou nervoso é um
eufemismo dos grandes. Estou quase entrando em combustão.

Observo-o apenas o instante necessário para balançar a cabeça em
concordância, no entanto, logo volto a ficar estática atrás da mesa da Amber com
os olhos vidrados na tela do computador. O dedo já está quase sangrando do
tanto que comi a unha. Pelo reboliço no meu estômago, tenho certeza de que
também seria capaz de vomitar.

— Eu vou postar, pessoal! — Amber avisa alto, com o mouse em cima
do botão de publicar.

Respiro fundo, sentindo meu peito subir e descer de forma desenfreada.
Estamos a segundos de mudar a realidade de muitas vidas. Dos cinco garotos lá
embaixo e as nossas. Todos que estão na casa se aglomeram próximos da cadeira
para ver o momento exato da postagem.

Caramba, acho que nunca fiquei com tanta adrenalina correndo pelas
veias como agora. Fecho os olhos e suspiro fundo quando finalmente está no ar.

— Está feito, vamos esperar alguns minutos para a matéria reverberar e
termos a mídia aqui a nosso favor. — É Schumer o primeiro a falar depois do
silêncio que se fez para acompanhar os movimentos da mão da Amber no
teclado. Abro os olhos novamente e o fito com atenção. O coração ainda
acelerado no peito pela adrenalina. — Não creio que dará tempo de os Scott
fazerem algo, mas se tentarem tirar os meninos dali em tempo recorde, agimos
antes. Ninguém sai daquele laboratório sem ser conosco.

Fiquei com medo do subsolo ter uma saída secreta que frustrasse nosso
plano, mas James garantiu que isso não há. Eles pensaram em tudo quando
construíram aquela fortaleza, no entanto, nunca imaginaram que iriam ser pegos.
Se bem que 25 anos é quase uma vida, passaram tempo demais ilesos.

Assim que retirarmos os cinco do local, vamos transportá-los em
segurança para uma das casas de campo do Wright, aqui mesmo em Chicago, a
fim de facilitar a proteção da equipe do Schumer, que é de confiança. O senador
ofereceu e eu confesso que achei ótimo ter um espaço amplo e que já possui uma
alta segurança para que eles possam ficar.

Imagina sair de um cativeiro e ficar trancafiado em um apartamento?
Seria horrível! Sabe-se Deus quanto tempo vamos demorar para provar a culpa
da Bioimmune e conseguir paz para os garotos.

Estar sob os cuidados do senador adversário do Scott também irá fazê-lo
ter cautela na hora de agir. O homem não vai arriscar invadir um espaço privado
para se tornar o vilão e seu oponente o herói da história.

James e eu também vamos ficar morando lá até que tudo se ajeite. Não
fomos ao local, no entanto, nossas malas já foram enviadas para agilizar a
acomodação. Davis sabe o tamanho dos meninos e comprou roupas para todos
com seu próprio dinheiro. Ele parece muito arrependido por ter feito parte da
pesquisa.

Descobri uma saída nos fundos do meu prédio, utilizada apenas pelos
funcionários, e a usei esses dias todos para despistar, caso alguém continue me
vigiando. Quando aceitei ajudar, sabia que teria que entrar de cabeça. Quero só
ver o que meus pais vão achar quando verem fotos minhas estampadas pelo
mundo afora.

Tenho certeza de que minha mãe irá surtar, não de um jeito bom, é claro.

Do meu círculo de contatos, as únicas pessoas que sabem além dos que
estão aqui agora são a Emma e a minha irmã. Pedi sigilo total e, apesar de
estarem preocupadas, ficaram felizes pelo meu gesto corajoso. Nem mesmo a
professora Moore foi comunicada. James quer envolvê-la o mínimo possível
nisso tudo. Fica claro para mim que ainda há sentimento de ambas as partes.

Fico andando de um lado para o outro na casa por minutos que parecem
horas. Esfrego a mão na calça diversas vezes para conter o suor que se acumula
ali. Ouço burburinho por todo lado, mas não consigo focar em nenhuma
conversa.

Só quero que esse dia termine logo. E bem, pelo amor de Deus.

— Dois carros importados acabam de estacionar na frente do laboratório.
É a Scott em um deles, temos que agir agora — Schumer avisa alto, tirando-me
dos meus devaneios. — Vamos pegá-la de surpresa, com certeza não está
esperando um mandado tão rápido. Não deu tempo de a mídia chegar, a filha da
puta veio em exatos nove minutos desde a publicação. Deve ter tomado multa de
sinal vermelho pela cidade inteira. Quando estivermos saindo, o pessoal já terá
chegado.

Nove minutos? Pareceu uma eternidade aqui esperando.

Mal tenho tempo de piscar e todos estão saindo sincronizados em direção
à entrada da casa alugada. Amber está com um microfone na mão, ao lado de um
cinegrafista, também se prepara para a transmissão ao vivo.

— Vamos pessoal, é agora! — Olho para o lado e percebo que James está
estagnado no lugar como eu. — Vocês não vão entrar junto com a polícia para
acalmar os meninos como combinado?

— Ahh, sim, claro. É. — James parece fora de órbita, igualzinho a mim.
A adrenalina está tão alta que nos deixa abobalhados.

— Sim, nós vamos. Estamos indo. — Coloco a minha mão na sua, gelada
tanto quanto, e começamos a seguir o fluxo dos demais.

— Eu vou ficar acompanhando daqui — o senador Wright comunica,
antes que estejamos na rua. — É melhor não ir agora, vai parecer questão
política e o foco não é esse.

Ninguém dá muita atenção para as suas palavras, Schumer continua
caminhando e nós vamos o seguindo. Eu fiquei receosa quanto a isso assim que
conseguimos a ajuda dele. Se parecesse uma briga política, a opinião pública
poderia ficar contra nós. Não diz respeito a Scott x Wright.

A nossa desculpa perfeita, e que justificará até o asilo em uma residência
sua, é que, por sorte, o homem possui um grande projeto de sua autoria contra os
abusos dentro da indústria farmacêutica. Wright tem até uma ONG contra o uso
de animais em testes para desenvolver novos remédios.

Se ele dispensa tanta energia com animais, é mais do que plausível fazer
tanto por humanos sendo usados como cobaias.

Quando estamos perto da calçada da Bioimmune, observo com atenção a
aglomeração de homens e mulheres vestidos de preto, com o emblema amarelo
em destaque. Parece que estou em uma cena de filme hollywoodiano. Até colete
à prova de balas fizeram James e eu vestirmos porque iremos entrar. Os agentes
estão com suas armas à vista, prontos para agir se assim for necessário.

Ninguém acha que seremos recebidos com balas, até porque a empresa e
principalmente o Scott têm uma reputação a zelar, no entanto, é o protocolo da
polícia e eles precisam seguir.

O tempo não amanheceu muito bom hoje, está um vento frio apesar de
estarmos no verão. É uma pena os meninos não saírem com o céu azul e o sol em
destaque. Depois de tanto tempo lá embaixo, não consigo nem imaginar como é
pisar deste lado pela primeira vez.

— Fiquem por último, atrás de todos — Schumer pede a James e eu e,
depois disso, tudo acontece muito rápido.

Do fundo, consigo ver o desespero no rosto da recepcionista quando o
agente do FBI fala com ela e mostra um documento, que acredito ser o mandado.
Olho para trás por um instante e percebo Amber em gravação, capturando a
entrada dos policiais.

Confesso que não ando muito religiosa nos últimos tempos, no entanto,
faço o sinal da cruz e respiro fundo antes de entrar também. Logo que passo pela
entrada é possível ver a senhora Scott com uma postura inabalável, como se o
mundo não estivesse desmoronando nas suas costas neste instante.

Ela nem conseguiu fazer nada pela rapidez que chegamos. Russell está ao
seu lado, deve ser dele o carro que veio junto. James contou que quem havia
ficado de plantão era Smith e Patterson. Observo com atenção ao meu redor e
não os vejo. Os demais funcionários estão apavorados encarando a situação.

— Não faço ideia de como conseguiram esse mandado com base no
depoimento de apenas dois funcionários nossos em uma matéria tendenciosa,
que sequer ouviu o nosso lado. Um deles mal foi contratado. Isso é ridículo,
parece uma armação! — Seu tom é controlado e sério, esbanjando todo seu
poder. — Vocês vão se arrepender disso, vão se arrepender quando colocarem a
vida desses meninos em risco.

— Então, você assume que tem um laboratório no seu subsolo e que há
garotos trancafiados lá embaixo? — Schumer argumenta, ligeiro.

O som de susto dos demais presentes me faz acreditar que realmente era
um segredo. Ninguém sabia. Eu duvido que em todos esses anos não houve uma
alma para desconfiar das esquisitices deste lugar, só que foram medrosos demais
e apenas fizeram seu trabalho.

Russell e Scott conseguem ser bem intimidadores.

— Vinte e cinco anos... Estamos há 25 anos protegendo algo que pode
mudar a humanidade. Mas que também pode atrair o pior dos homens. Não
somos os monstros aqui. Vocês vão se arrepender de terem exposto minha
empresa dessa forma e colocado a vida deles em perigo.

Seus olhos vêm diretamente para os meus, mesmo que estejamos a
metros de distância. Sinto um arrepio na coluna com a ameaça velada por trás
das suas palavras. Ela também observa James com seu semblante feroz.

Acho que se tivéssemos sido recebidos por balas não seria tão assustador.
Eu sabia que não iria ser fácil, mas ter a confirmação absoluta traz o medo do
que está por vir. Não estou arrependida, de forma alguma, porém, não posso ser
falsa ao dizer que estou preparada para enfrentar as consequências.

Temo que elas sejam piores do que sequer tive imaginação para pensar.

Observo Russell ao lado dela e seu rosto está vermelho de raiva. Ele está
apertando a boca com força, como se estivesse se segurando para não explodir.
Scott deve ter o proibido de fazer um escândalo. Com tantas evidências em fotos
e áudios na matéria, e com um mandado de busca autorizado, ela não seria louca
de ir contra.

A CEO está perdendo essa batalha, como prevíamos, mas aposto que as
próximas jogadas já estão fervilhando na sua mente perspicaz. Só espero não
termos um xeque-mate depois.

— Nós vamos entrar lá embaixo, permita o acesso, senhora Scott. Esse
discurso você não deve fazer para mim, mas para a justiça depois.

Schumer dá sua cartada final e aponta na direção do corredor onde tem o
elevador, indicando que não quer mais perder tempo. Scott ainda ajeita seu
terninho e arruma a postura antes de mandar o médico liberar a passagem.

Passo a mão no peito, buscando controlar inutilmente o turbilhão do meu
coração.

É agora.

Nós vamos salvar aqueles garotos.


Nós não dormimos um segundo sequer a noite toda. Tivemos que ficar
em silêncio, fingindo descansar, mas ao sermos deixados sozinhos foi possível
ouvir cada respiração pesada e suspiro de alívio. O choro também. Protegidos
pela coberta, pudemos colocar para fora a emoção que nos invadiu ao ler o
bilhete.

Eu ainda mal posso acreditar que hoje, a qualquer momento, estaremos
do lado de fora.

Desde criança imagino como seria esse dia. Eu fiz até uma lista aos 9
anos dos locais que queria conhecer assim que pudesse, com base nas histórias
que James me contou: a Biblioteca Pública de Chicago, o arranha-céu Willis
Tower e o Navy Pier do Lago Michigan despontavam nos primeiros lugares.
Sorrio ao lembrar que nessa idade achava que podia encontrar um primo distante
do monstro do lago Ness, lenda do Reino Unido, no lago daqui.

Como será que vai ser agora?

Tenho a impressão de que não poderemos andar livremente por aí tão
cedo. A saída será brusca, repentina. O Russell e o Patterson ficarão furiosos,
com certeza, como ficaram quando tentamos fugir. Se os perigos que sempre nos
alertaram tanto forem verdade, teremos a Bioimmune e o desconhecido para nos
preocupar.

Lavo a boca e guardo a escova de dente dentro do armário, secando o
rosto em seguida. Pode ser a última vez que estou fazendo isso aqui. Estou
ansioso para ir e com medo de ir, ao mesmo tempo. Quero sair porque já não
acredito mais em quem nos mantém neste lugar. Só que também não sei quem
serei lá fora além de um experimento, como gostam de nos chamar.

Fui ensinado durante os últimos 25 anos a fazer um papel que nem sei
mais se um dia farei. Será que se James nos tirar daqui agora a pesquisa corre
risco? Pode acontecer tanta coisa do lado de lá.

Saio do banheiro em direção à cozinha, mesmo sem fome para tomar o
café da manhã. Um outro pensamento me vem à mente, um que nunca tinha
refletido antes. Será que se a gente quiser seguir um caminho longe da ciência
nos será permitido agora que estaremos longe de Russell?

Acredito que se essa proposta fosse dada ao Matthew, ele seria o primeiro
a querer. Confesso que ainda acredito no lado bom do projeto, apesar de tudo
que aconteceu nos últimos dias. Eu gostaria de poder ajudar de alguma forma as
pessoas doentes que estão sofrendo. Principalmente, se o estudo não estiver mais
ligado a quem nos manteve no subsolo.

Encontro Jimmy sentado na mesa, parecendo aéreo como eu, e Thomas
fazendo panqueca no fogão. Ele pega um copo de suco que estava na pia e
coloca na boca assim que me aproximo.

— Será que vai demorar? — Sua voz sai sussurrada dentro do copo. —
Estou à beira de um infarto.

Finjo que vou beliscar a panqueca e me inclino um pouco para frente,
longe do foco da câmera que tem na cozinha.

— Não faço ideia. Espero que não.

Arrumo minha comida e me sento também. Tomamos o café na maior
parte em silêncio, junto com Matthew e Ethan que chegam em seguida.
Tentamos puxar conversas aleatórias para disfarçar, no entanto, é visível nas
nossas feições o desespero e a ansiedade.

Tadinho do caçula, seu rostinho está animado e assustado desde que
contei. Nem tive como explicar direito o plano do James.

— Vamos, E1, está na hora dos seus exames! — Smith para na entrada da
cozinha, sério como de costume. — Não demore, vai acabar meu plantão.

Levanto-me para deixar a louça na pia e obedecê-lo, quando escuto o
barulho de apito do elevador. Estagno no lugar e todas as cabeças se viram para
o corredor. É quase como se a cena fosse congelada, em câmera lenta. A única
coisa rápida é meu coração, que dispara com tudo, novamente como o beija-flor.

A primeira pessoa que aparece no meu campo de visão é o James.
Arregalo os olhos e respiro fundo ao notar a quantidade de pessoas atrás dele.

Vai. Acontecer. Agora.

Smith grita alguma coisa e Patterson aparece afobado na porta da sua
sala. Antes que façam qualquer coisa, homens de roupa preta e colete se
espalham rapidamente pelos ambientes apontando armas na sua direção.

Sinto os meninos se levantando e parando ao meu lado, mas fico tão
paralisado que nem consigo mexer o pescoço para encará-los. Meus olhos não se
desviam da reta, onde James, uma mulher loira e um outro homem de preto estão
vindo.

Uma mulher loira. Elisa. Essa deve ser Elisa.

— Não precisa ficar com medo, deu certo. — James levanta as mãos para
cima e se aproxima de nós, um misto de riso e lágrimas estampando seu rosto.

Ainda não consigo me mexer, e pela falta de movimentação ao meu lado,
eles também não. Uma coisa é você querer e achar que vai conseguir algo. Outra
é a sensação que vem quando realmente acontece.

Minutos. Minutos nos separam do lado de fora. Até mesmo Matthew está
sem reação.

— Oi! Eu sou Schumer, agente do FBI. — O homem de preto dá um
passo à frente e sorri para nós. Já estudamos sobre isso, são pessoas que
protegem o país. — Eu sei que é tudo muito novo e assustador, mas estou aqui
para garantir a segurança de vocês.

— A Elisa também veio. — James aponta para a mulher loira atrás dele,
percebendo que ainda estamos quietos. — Ela vai ficar conosco o tempo todo,
até tudo se resolver.

— Oi, meninos! — A voz suave me faz observá-la com mais atenção.

Eu não sei bem como eu pensava que seria ver uma mulher
pessoalmente. É bem diferente do que imaginei pelas aulas. Elisa é bonita, seus
longos fios caem pelos ombros e seus olhos são mais azuis que os do White. O
tom da voz é tão diferente do nosso, tão doce.

Nossos olhares se encontram e noto o pranto se acumulando ali. Ela nos
observa com a garganta se movendo desenfreadamente. Percebo o desconforto
principalmente na direção do Matthew, que ainda está muito machucado.

— Obrigado. — É Ethan o primeiro a se mover e a falar. Sua voz
embargada me faz puxar o ar com força. Ele para na frente da mulher e
inesperadamente dá um abraço nela e no James ao mesmo tempo, com seus
braços pequenos. — Elisa, desde que Dylan ouviu seu nome, a gente sempre
achou que seria você a nos tirar daqui. Significa muito sua ajuda.

— De nada. — As lágrimas que ela estava segurando saem sem
cerimônia com o gesto do garotinho. — Estou com vocês, não vamos deixar
nada de ruim acontecer. Eu prometo!

Elisa o aperta com força e observa a cada um de nós, que continuamos
parados, para reforçar sua promessa. Apesar da inércia dos meus pés e da minha
boca, meu peito retumba com seu compromisso.

Não sei por que, não sei como... Eu confio nela.


Enquanto os policiais vistoriavam todo ambiente e retiravam documentos
e computadores das salas, James, Elisa e Schumer ficaram o tempo todo
sentados com a gente na cozinha explicando o que fizeram e quais são os
próximos passos.

Matthew já saiu do modo assustado e fez várias perguntas que
sinceramente nem consegui prestar atenção. Thomas, Jimmy e eu ainda estamos
deslumbrados, observando atentos toda a movimentação de pessoas, o jeito
diferente de andar, as armas, as conversas.

É tudo tão novo, tão diferente. Não de um jeito ruim, de um jeito
desafiador e curioso. E isso porque sequer saímos do subsolo.

— Se estiverem prontos, já podemos subir — James avisa, levantando-
se. — Como explicamos, provavelmente o local já está tomado por jornalistas.
Eles são importantes para nós. Não vamos deixar ninguém falar com vocês
agora, no entanto, temos que permitir que os filmem e fotografem. Quanto mais
repercussão, mais difícil para a Bioimmune contra-atacar.

— Não vejo a hora de respirar o ar de fora de novo, tive um vislumbre
tão pequeno.

— Eu sei que foi horrível o que o Russell fez com você, Matthew, mas
recomendo que seja o primeiro da fila. As pessoas ficarão abaladas como nós ao
ver você dessa forma — Schumer opina.

— Tudo bem, tudo que puder ajudar eu apoio.

— Eu também já quero ir — o caçula fala, dando um pulo da cadeira,
animado. — Vamos gente? Vamos? — pergunta, encarando a nós três que não
respondemos.

Thomas e Jimmy acenam com a cabeça, ficando de pé.

— Estou pronto! — Minha voz sai mais alta e rouca do que pretendia.

Elisa e Schumer olham para mim com o susto e a mulher sorri em
seguida, seus olhos azuis me fitando com orgulho. Nossas coisas foram
arrumadas e serão enviadas depois da perícia policial para a casa que vamos
viver, por enquanto. Não tenho certeza se estou realmente pronto, mas eu quero
muito sair e ver o que me espera.

Meu coração vai aumentando as batidas à medida que chego perto do
elevador. Quando entro no elevador. Quando as portas do elevador se fecham.
Encosto no metal gelado, paralisado.

Está. Realmente. Acontecendo.

— Você vai ficar bem, Dylan — Elisa comenta, próximo a mim.

O som do meu nome, no seu tom de voz suave, me traz
momentaneamente uma paz no peito turbulento. Balanço a cabeça em
concordância, inspirando fundo, no entanto, logo a ansiedade retoma com a luz
forte que invade meu rosto e a quantidade absurda de vozes ao nosso redor.

Vários policiais ficam próximos assim que o elevador abre na parte de
cima, fazendo uma espécie de círculo protetor. Continuo andando sem saber se o
que está mais alto é o barulho das pessoas ou do meu coração. Thomas tenta
falar alguma coisa comigo, só que é impossível ouvir.

Pisco, tentando acostumar meus olhos com a luminosidade muito mais
forte do que do subsolo. Não consigo identificar se Russell, Patterson e os outros
estão por aqui. É impossível também fixar a atenção em uma única coisa, com
tantos estímulos ao mesmo tempo.

Andamos por um corredor, que dá direto a uma porta onde é possível ver
um número ainda mais absurdo de pessoas e vozes. Schumer para de caminhar
por um minuto assim que pisamos do lado de fora.

Aconteceu. Isso. É real.

Flashes, flashes mais curtos e rápidos, começam a vir de forma
desenfreada na nossa direção. A respiração fica curta por tentar assimilar tudo
que está acontecendo e mal conseguir enxergar. Isso devem ser os jornalistas que
James falou.

Tenho que permanecer firme, já que são importantes para nós. Eu
consigo.

Forço minhas pernas acompanharem o movimento dos demais, que vão
um pouco mais para frente, até que um movimento rápido balança meu cabelo e
minha blusa.

Mais uma vez. Mais uma vez.

No terceiro movimento meu cérebro entende que isso deve ser o vento, a
brisa gostosa que James sempre comentou e que Matthew disse que era
indescritível.

Uau! É tão leve, fresco, calmante... O aumento da velocidade me faz
abrir um sorriso que eu não estava conseguindo dar há dias.

Sem poder controlar meu corpo, levanto minhas mãos e as estico para
apreciar melhor a sensação na pele. Arrepia os pelos, faz cócegas.

O som ao meu redor cessa. Parece distante, longe demais. É como se só
eu estivesse aqui, como se fosse um sonho.

Mas eu sei que não é. Eu sei que é real porque estou sentindo. Sentindo o
vento.

Fecho os olhos e o sorriso se amplia nos meus lábios. As lágrimas
descem pelo meu rosto, trazendo junto a mais genuína alegria que já vivenciei. A
aceleração no meu peito me faz lembrar de novo do beija-flor, só que desta vez
das suas asas.

Como ele, também quero poder voar.













É como se as paredes estivessem desmoronando
Às vezes, sinto vontade de desistir
Mas eu não posso
Não está no meu sangue
Preciso de alguém agora
Preciso de alguém agora
Alguém para me ajudar

In my blood (Shawn Mendes)












2 semanas depois

Encho um copo de refrigerante e guardo a garrafa na geladeira. Sei que
está cedo para isso, mas preciso de um pouco de açúcar no organismo. Pego
também uma fatia de bolo de chocolate na bancada antes de retornar para a sala.
Minha compulsão segue em alta e prevejo que não terei controle nenhum dela
até que isso se resolva. Essas duas primeiras semanas foram uma correria de
depoimentos à polícia e à promotoria, adaptação, conversas com os meninos,
atendimento à imprensa, acompanhamento dos passos da Bioimmune...

Estou ficando 24 horas por dia nesta casa. No momento, é mais seguro
estar aqui protegida do que lá fora.

Toda vez que penso sobre essa questão fico com o coração pequeno pelos
garotos. Mesmo sendo um lugar mais amplo e arejado do que o subsolo, e com
certeza melhor do que um apartamento, ainda assim, é uma espécie de prisão.
Nenhum deles pode andar livremente pelas ruas atrás desses muros.

Temo pensar quanto tempo terão que viver dessa forma com o mundo
para explorar. É uma sensação indescritível acompanhá-los deslumbrados com
cada descoberta nova. Pequenas coisas, que passam despercebidas pela maioria
de nós, tornam-se incríveis sob suas óticas.

Sentir o vento, apreciar o sol na pele, ver uma borboleta, tocar a grama
verdinha, pular na piscina, comer algo novo... Ontem, eu quase chorei quando
Ethan tomou sorvete pela primeira vez. O caçula arregalou seus olhos claros
para mim com um sorriso tão genuíno e grande que era impossível não se
emocionar. Segundo me contou, no subsolo eles tinham acesso apenas a uma
alimentação regrada e saudável. Jamais chuparam uma bala sequer.

James e eu achamos melhor deixá-los livres para conhecer o que
quiserem aqui — tanto em relação à comida quanto a pesquisas on-line. O
acesso dos meninos era restrito no laboratório. É verdade que aprenderam
bastante, no entanto, apenas o que era interessante para a Bioimmune.

Nós dois nos sentamos com os cinco e contamos tudo que descobrimos e
nos levaram à decisão de arriscar com esse plano de tirá-los de lá o quanto antes.
Não queremos esconder nada, mesmo que seja difícil de engolir. Já basta o que
enfrentaram esses anos todos.

Não queremos cometer os mesmos erros da Bioimmune.

Somente Matthew não pareceu nenhum pouco surpreso. Embora
estivessem decepcionados com os últimos acontecimentos, os demais ficaram
abatidos pelas declarações. Principalmente, o mais velho, Dylan. Imagino como
deve ser frustrante acreditar que a sua vida serve a um propósito e depois tudo
ser colocado à prova.

Eles ainda estão bem perdidos — tanto na mente como nas ações. Vira e
mexe perguntam se não vamos fazer exames, se precisam ir para a academia, se
tem que dormir em tal hora. A rotina mais flexível é uma surpresa e tanto. Às
vezes os pego encarando o céu por horas, parados como estátuas. Meu peito
aperta ao imaginar o que se passa naquelas cabeças.

Esta semana eles começaram a receber apoio psicológico de um contato
confiável do senador Wright. Achei fundamental uma ajuda profissional para
conseguir enfrentar melhor esse choque de realidades.

Mastigo o último pedaço do bolo e sigo pelo corredor em direção à sala
de estar, tomando o refrigerante. Ando devagar, apreciando os quadros
pendurados na parede. A casa de campo do senador é muito bonita! Toda de
madeira, possui janelas grandes possibilitando uma iluminação maravilhosa em
cada cômodo. São ao todo cinco quartos com suíte, sala de jogos, sala de
cinema, biblioteca e uma cozinha maior que meu apartamento. Do lado de fora,
há piscina, academia e uma pequena trilha rodeada de árvores que dá para um
lago particular dentro da propriedade. Tudo é cercado por muros altos
embelezados por trepadeiras.

Há jornalistas do mundo todo que acampam nas redondezas querendo um
furo de reportagem, mas não conseguimos vê-los, tampouco ouvi-los aqui
dentro. Sinto-me protegida com o muro, a segurança particular do senador e o
reforço de uma equipe do Schumer no local.

Ouço a voz de Amber e Emma por perto e apresso o passo. Sorrio assim
que nossos olhares se cruzam na sala. Minhas amigas estão sendo muito
importantes para me dar apoio nesse processo, elas vêm aqui sempre que podem
para verificar como estou e oferecer ajuda.

— Como passou a noite? Conseguiu dormir? — É a loira quem me
cumprimenta primeiro.

Além da compulsão aflorada ando tendo crises de insônia que não me
deixam dormir direito de jeito nenhum. Meu rosto está horrível com olheiras
fundas e escuras.

— Nada ainda, Amber, essa noite fiquei horas vendo a repercussão da
entrevista com os meninos nas redes sociais.

Abraço Emma e as convido para sentarem-se no sofá. Dou mais uma
golada no refrigerante e coloco o copo em cima da mesa de centro, pegando o
notebook que deixei ali.

— Foi muito emocionante a entrevista, estava no intervalo de um ensaio
e assisti pelo celular.

— Foi mesmo, Emma, pena que tiveram alguns repórteres bem
tendenciosos. — Abro um arquivo de Word com os prints que separei. Estou
documentando tudo que sai com relação aos meninos. — Vi algumas pessoas
defendendo o argumento de serem bem-tratados no Twitter. Levantaram a
hashtag #acuraeurgente, que ficou em quarto lugar. A que montamos
#elesnaosaoexperimentos permanece em primeiro desde o dia do resgate.

Assim que foi divulgado o poder do sangue deles, houve um alvoroço de
pacientes e familiares ávidos por uma cura. Há relatos emocionantes de pessoas
em estágio terminal que imploram para a pesquisa continuar — enquanto estiver
sendo investigada, a Bioimmune não pode fazer nada com relação a ela.

Quando estamos sofrendo, tendemos a minimizar o sofrimento dos outros
para preencher as nossas lacunas. Eu entendo e realmente sinto muito por cada
pessoa que está doente neste instante, porém, não há como compactuar com um
cativeiro que ceifou a vida de cinco garotos.

Vinte e cinco anos não são 25 dias. Nem consigo imaginar como tiveram
sanidade mental para aguentar tanto tempo.

Além desse grupo pedindo a cura, vem crescendo outras duas vertentes
que não gostei nenhum pouco: primeiro de fanáticos religiosos que os
consideram aberrações por serem diferentes; e um outro que diz que jamais
usaria nada que viesse dos garotos porque isso alteraria seu DNA e é um plano
secreto do governo para alienar os cidadãos.

Bizarro!

Viro a tela na direção das meninas e aponto para mostrar tudo que
arquivei. Ontem foi a primeira vez que os garotos apareceram publicamente para
uma entrevista coletiva. Esperamos alguns dias no novo ambiente antes de
qualquer atitude. O depoimento deles é fundamental para manter a Bioimmune
longe, mas o bem-estar vem sempre em primeiro lugar.

Organizamos uma tenda na entrada da residência, para que ninguém
entrasse aqui, e sorteamos os veículos que iriam fazer perguntas. Como tinha
muita gente, era impossível e desgastante demais responder tantos
questionamentos.

James, Schumer e eu não saímos do lado dos meninos em nenhum
momento. O senador Wright disponibilizou uma equipe de comunicação para
nos auxiliar com tudo. Eles chegaram até a treinar os meninos. Mesmo com todo
esse cuidado, alguns jornalistas os sabatinaram questionando se era verdade que
tinham acesso ao estudo, que eram bem alimentados, que praticavam atividade
física, que liam livros de ficção... como se isso justificasse tudo que sofreram
nesses anos.

Não sendo uma mentira, os meninos acabaram confirmando antes que
pudéssemos interromper sem parecer que estávamos escondendo ou mentindo
sobre algo. Usaram isso a favor da empresa sem, é claro, mencionar todas as
vezes que receberam doenças seríssimas nos seus organismos e passaram horas
agonizando até o corpo combatê-las.

— Isso tudo está sendo orquestrado brilhantemente pela Bioimmune —
Amber explica, ajeitando seus óculos no rosto. — Eles ficaram em silêncio
depois da declaração da Scott no primeiro dia, mas agem com primor nos
bastidores. Estão preparando o território para contra-atacar. O objetivo é causar
apelo emocional também, mostrando que estavam protegendo os cinco e se
dedicaram esse tempo todo por algo grandioso pela humanidade. Ter esses
grupos do contra é tudo que mais precisam, pois alegaram justamente que seria
perigoso mostrá-los na hora errada.

— O pessoal já está esquecendo o olho roxo do Matthew? O choro de
emoção do Dylan ao sentir o vento? — Emma comenta, revoltada. — Saiu em
todos os noticiários, em capas de revista, nas manchetes de jornais... é
impossível o povo esquecer e não se comover.

Eu fiquei muito mexida ao ver o que fizeram no rosto do Matthew. Sorte
que os ferimentos já melhoraram e seu dente foi restaurado por uma equipe que
o atendeu aqui na casa.

Presenciar o semblante do Dylan tão sublime, sentindo o vento nos seus
braços, também foi emocionante. Acabei não contendo as lágrimas e chorei
junto com ele na calçada do laboratório. Ficou uma foto perfeita que resume
muito o sentimento de liberdade que estão vivendo pela primeira vez.

— Não deixamos esquecer, estamos trabalhando as matérias com esse
foco. Mas a Scott anunciar o afastamento do Russell por causa do seu “impulso
nervoso com medo de algo pior acontecer” foi engolido por boa parte das
pessoas. — Amber faz sinal de aspas com as mãos, imitando o discurso da CEO.

Quase quebrei a televisão quando apareceu no noticiário a desculpa
esfarrapada que deram para justificar os machucados do Matthew. Pelo pouco
que conheço do Russell, eu duvido que ele realmente tenha sido afastado. Acho
que anunciaram isso apenas para acalmar os ânimos. E funcionou. A imprensa
do lado da Bioimmune tem enfatizado que esse foi um caso isolado, jamais
haviam levantado a mão para os garotos, em 25 anos.

— Já prevíamos isso, eles sabem jogar o jogo. Se com toda essa
exposição ainda conseguem reverter e fazer uma boa relações públicas, imagina
se a gente seguisse qualquer outro plano, tipo invadir o local e fugir com os
meninos? — Volto a colocar o notebook na mesa e coço os olhos, cansada. —
Iria ser um inferno, sem um grande apoio da mídia, da polícia e de agentes
públicos poderosos.

— Seria impossível! Essa vai ser uma batalha árdua, mas acredito muito
que foi o melhor caminho que podíamos seguir.

— O que será que estão aprontando? Queria ver o povo da empresa
colocando a boca no trombone, ninguém fala nada.

— A Bioimmune não vai deixar ninguém falar, pode esquecer. E do jeito
que a Elisa disse que pareciam apavorados, os funcionários vão obedecer e
pronto. — Emma encosta no sofá e bufa com a resposta da Amber. — A
promotoria já está em andamento com o caso, é fato que não haverá nenhum
acordo. A Bioimmune só deixou os meninos saírem para não gerar um escândalo
diante do circo que montamos.

Não tenho dúvidas disso. Nosso medo com o plano era vazar alguma
informação e eles conseguirem tirá-los de lá ou agirem antes de nós. Influência
no meio ficou óbvio que tinham, graças a Deus fomos nas pessoas certas. Como
não vazou, ficou tudo dentro do programado. Agora teremos que esperar a
reação para continuar a luta.

Ficamos conversando na sala até que somos interrompidas pelo falatório
dos meninos voltando da piscina. Olho no relógio da parede e percebo que está
quase na hora do almoço. Apesar do senador ter oferecido funcionários para
ajudar na manutenção da casa, os próprios disseram que não precisaria porque
estavam acostumados aos afazeres domésticos também. Achamos melhor não
inserir mais pessoas desconhecidas na rotina.

Thomas cozinha brilhantemente, faz questão de cuidar de todas as
refeições.

— Nossa, nem vi vocês chegando, meninas. — James para na frente
delas para cumprimentar. Ao fundo, todos acenam com as mãos e um sorriso
tímido. — Almoçam conosco?

— Desculpe, estou em cima da hora. Vou entrar no turno da tarde —
Amber explica, colocando a mão no ombro do homem.

— Eu também não vou poder, tenho ensaio. Mas com certeza fica para
uma próxima. — Noto Emma olhar para a frente e sorrir mais abertamente na
direção do Thomas.

Desde o primeiro dia que pisou aqui, ela nem disfarça o jeito que observa
o coitado do rapaz. Com as bochechas avermelhadas, ele sorri de volta e abaixa a
cabeça.

— Aliás, vou usar o banheiro rapidinho e já vamos mesmo, tá, Emma?

A minha amiga acena em concordância e Amber sai conversando com
James pelo corredor até o seu destino. Os garotos seguem juntos, na direção dos
quartos para, provavelmente, tomar um banho.

— Puta que pariu, o requisito pra ter essa mutação no sangue com
certeza é ser bonito. Olha esses meninos, meu Deus! — ela sussurra próximo a
mim, apontando para as costas desnudas que continuam caminhando.

Realmente, todos são muito bonitos. Eu teria que ser cega para não ter
reparado. No entanto, estou tão ocupada com tudo que vem acontecendo que
nem fico pensando muito nisso.

— Você está é de olho no Thomas, né, sua safada?

— Quem aguenta aquela carinha tímida, amiga? Lindo demais! Podia
ensinar tantas coisas a ele... ainda mais agora que estão livres daquela merda.

Fecho a cara ao me lembrar do que James nos contou assim que reparei
os meninos meio estranhos no quarto dia na casa. São tantos detalhes que havia
esquecido de mencionar esse antes. Enquanto estavam no subsolo, Russell dava
todos os dias um inibidor de libido a eles, junto com vitaminas e suplementos.

O médico queria o foco 100% na ciência, sem distrações de nada —
muito menos mulheres, que sempre acreditou atrapalharem. É por isso que havia
tão poucas na parte de cima do laboratório trabalhando na pesquisa.

Agora que não estão tomando mais o remédio, o corpo está começando a
reagir de forma diferente. Até mesmo o Ethan estava tomando o medicamento.
James confessou que era dado a partir dos 8 anos e que ele concordava porque
tinha medo dos garotos acabarem se relacionando entre si por curiosidade, sendo
que foram criados praticamente como irmãos.

Esfrego o rosto para não ficar pensando nisso. Tem tanta coisa errada
nesse período que ficaram trancafiados que é capaz de me deixar doida de vez.

— Mas não sou só eu que ando de olho não, viu! — Emma volta a falar
diante do meu silêncio. — O Dylan não tira os olhos de você, amiga. Todas as
vezes que estou perto e vocês dois estão no mesmo ambiente, o rapaz está te
devorando.

— Até parece, não viaja!

— Estou falando sério, Elisa. Neste instante que o James falava com a
gente, o rapaz estava ali nos fundos quase hipnótico observando-a. — Emma
toca no meu braço e me faz encará-la. — Você tem estado tão neurótica com seu
corpo que não repara os homens te desejando. No dia do seu aniversário tinha
vários no bar. Você é linda, amiga, é mais do que natural atrair esses olhares.

Tenho vontade de revirar os olhos, não faz sentido nenhum. Faz muito
tempo que deixei de ser atraente, Dylan bonito e musculoso daquele jeito jamais
iria me ver dessa forma. É viagem da cabeça dela, com certeza. Sem contar que
eu sou quatro anos mais velha.

— Primeiro, que não acho que isso seja verdade. Segundo, se de alguma
forma está me encarando, com certeza é de curiosidade por nunca ter visto uma
mulher.

— Ele não fica olhando assim pra mim, nem pra Amber. Você está
inventando desculpas.

— Vamos, Emma? Não posso me atrasar. — Graças a Deus, Amber volta
a tempo de me salvar dessa conversa. — Amanhã eu dou uma passadinha de
novo, tá?

— Tá bom, amiga, obrigada por tudo. — Dou um beijo e um abraço nela,
ignorando a morena.

— Eu vou indo, mas pensa bem no que eu te disse, mocinha — ela não
desiste e fala baixinho perto do meu ouvido. — Só repare uma vez e diga se
estou certa ou errada.

Fico parada vendo as duas acenarem e saírem pela porta da frente. Passo
a mão no cabelo, tentando tirar da mente essa maldita ideia. Dylan só está
impressionado por não conviver com mulheres.

Não tem a mínima chance de ser por outro motivo... não é?




Sigo pela pequena trilha tocando o casco de todas as árvores que tem
pelo caminho. Eu gosto da textura diferente nos meus dedos e de apreciar a sua
extensão e grandiosidade, pintando a minha visão de verde. No laboratório eu
tinha uma área preferida, e aqui também está sendo igual. Todos os dias, sem
exceção, venho observar o movimento calmo da água e o canto dos pássaros que
fizeram um ninho bem próximo ao lago.

É tudo tão, tão lindo. A cada minuto eu pareço descobrir um universo
único e rico.

Chego ao meu destino e me sento na grama macia, encostando-me no
tronco. Thomas não quis ajuda para fazer o almoço e resolvi vir aqui para relaxar
um pouco a cabeça, nem que seja por poucos minutos. Gosto de ficar sozinho
para refletir. Não consigo parar de pensar no que James nos contou enquanto
estávamos na piscina.

Eu gosto muito que ele esteja sendo sincero em tudo, porém, saber
implica em preocupação. A repercussão da entrevista ontem teve seus prós e
contras. Só pelas batidas fortes do meu coração eu sabia que aquela sequência de
perguntas dos jornalistas sobre sermos bem-tratados no subsolo ia dar em algo.

É horrível ficar diante de tantas câmeras, não me acostumei com os
flashes. Foram tantos questionamentos seguidos que eu não sabia o que falar. Em
partes, o que disseram era verdade. Só que uma parte da verdade muito pequena,
agora consigo enxergar isso.

Passo a mão no peito, sentindo um aperto incômodo. Toda vez que
lembro como acreditei cegamente em tudo a culpa vem me atormentar. Se eu
fosse como Matthew, talvez tivéssemos saído bem antes. Talvez tivesse tido a
oportunidade de ver o céu antes. Como mais velho, influenciei os meninos a
também colocarem a ciência em primeiro lugar.

Tenho a impressão de que ajudei a Bioimmune de alguma forma. Por
isso, Russell disse que eu era o seu preferido. Essa constatação não me faz nada
bem, ainda mais depois dos motivos que fizeram James e Elisa agirem. Um
abandonou tudo, a outra colocou em risco sua carreira para nos salvar.

Se algo der errado e precisarmos voltar para os braços de quem nos
prendeu por todo esse tempo, não sei o que será de nós. Cada vez menos acredito
nas histórias que nos foram ditas naquele lugar. Parece que eu não sou mais eu.
Quase como se tivesse nascido há duas semanas.

É muita informação nova para assimilar e mal tenho reconhecido meu
próprio corpo. Parece que, quando saí do subsolo, um novo Dylan veio à tona,
um do qual ainda estou aprendendo a entender.

Pelo menos uma coisa que falaram, é verdade. Nem todos estão nos
recebendo bem. Fiquei com medo do grupo que nos chamou de aberrações,
nunca imaginei que algumas pessoas poderiam ser tão maldosas por trás de uma
tela de computador.

E se os insultos começarem a ser presenciais? E se quem acha que vamos
mudar seus DNAs nos machucarem? E se a Bioimmune conseguir reverter o
jogo?

Pego algumas pedrinhas no chão e jogo no lago como James nos ensinou.
Gosto de observar o jeito que ela resiste e não afunda de imediato. É assim que
eu preciso ser, independente do quanto o medo e os problemas que vão surgir
tentem me atormentar.

Jogo tantas, vidrado no movimento da água, que perco a noção do tempo.

— Dy, o Thomas já terminou o macarrão com queijo. Vem que tá
quentinho e derretendo, parece a comida mais gostosa do mundo. — Escuto a
voz do Ethan e me viro para trás.

Ele está parado no começo da trilha, pulando e me chamando com
entusiasmo. Sorrio ao observá-lo tão animado. Por sorte, nosso caçulinha vai
poder vivenciar uma infância melhor do que a nossa.

No fim das contas, mesmo com tudo tão novo, a parte boa é com certeza
muito melhor do que a ruim. Nada paga essa sensação de liberdade.


Matthew, Ethan e Elisa não param de conversar sobre o Brasil, país onde
ela nasceu. Queria dizer que estou prestando atenção no assunto, mas a verdade
é que toda minha concentração está no movimento suave dos seus lábios se
mexendo e no jeito que sua cabeça inclina para o lado toda vez que sorri. É
impossível também não reparar no seu pescoço desnudo com poucos fios loiros
caindo sobre a pele. Adoro quando prende o cabelo no alto, desse jeito meio
bagunçado.

Toda vez que Elisa está por perto, minha atenção não consegue se desviar
para outro lugar a não ser ela. Eu posso estar preocupado com dezenas de
questões que tudo parece ficar em segundo plano.

Esfrego a mão livre na bermuda jeans que estou vestindo, notando o
sangue ferver dentro de mim. Agora está assim, a minha temperatura aumenta
sem eu sequer estar em atividade como acontecia antes.

— Não é, Dy? — Pisco e olho na direção do caçula, que está me
chamando.

— O quê? — Remexo o garfo no prato, fingindo que estava comendo. —
Desculpe, não prestei atenção no que disse.

— A Elisa comentou que o Brasil é o país com a maior biodiversidade do
mundo. Eu disse a ela que você adorava essa aula, que com certeza teria vontade
de conhecer o país.

— Ah, sim, claro, eu ia amar. As poucas árvores e animais que
conseguimos ver aqui na casa já me deixam atônitos.

Sem conseguir conter a vontade de observá-la de novo, meu foco volta
para a loira que desta vez está me encarando. Engulo em seco e fico parado,
incapaz de desviar da sua imensidão azul. Não é um olhar igual aos outros que já
trocamos... tem alguma coisa... algo que não compreendo nele. Mais intenso,
mais firme, talvez.

A sensação deliciosa que me causa, contudo, não dura muito. Assim que
percebe o que está fazendo Elisa balança a cabeça sutilmente e fita seu prato.
Imito sua reação, sem saber por que meu coração acelerou, do nada.

É estranho acompanhar como a mulher mudou na minha cabeça em tão
pouco tempo. Quando a vi pela primeira vez, só a enxerguei como a nossa
salvadora, não havia algo me cutucando por dentro, pinicando minha pele. Com
o passar dos dias cada gesto ou movimento seu tomou uma proporção enorme
em mim. E é só com Elisa. Não acontece quando olho para Amber e Emma,
tampouco com as jornalistas que fizeram perguntas ontem ou com as que vemos
pelo computador.

O James explicou que nosso organismo iria começar a reagir de outra
forma porque paramos de tomar um remédio que impedia a nossa libido.
Confesso que não entendi muito bem o que isso significa, só a parte de trazer
sensações que causam prazer. Anteontem voltamos a ter algumas aulas, sem
horário fixo por enquanto, apenas para adequar à nova realidade fora do
laboratório. E o primeiro tópico abordado foi com relação a isso.

Eu perdi o sono esta noite e acordei bem cedo. Fui para a varanda
apreciar o amanhecer e aproveitei para ouvir música em um aparelho que a
Emma deixou com a gente. Estava completamente imerso em sons novos e
instigantes, até que a notei cruzando o jardim com uma roupa que nunca tinha
visto nela ainda. Era um short pequeno, que deixava à vista suas pernas grossas e
brancas. Eu estava a uma distância razoável, mas consegui perceber que o tecido
estava justo na pele, enaltecendo suas curvas. Elisa também vestia uma blusa de
manga curta que valorizava a parte da frente do seu corpo.

Seios. É esse o nome que aprendemos nas aulas do corpo humano.
Nossa, ela estava tão linda que eu cheguei a salivar de vontade de me aproximar
e tocá-la. Não fiz isso, é claro. Fiquei em silêncio para que não me notasse e eu
pudesse continuar apreciando a visão. Depois desse episódio, não consegui me
concentrar em nenhuma atividade. Quero aproveitar o espaço livre para
caminhar, o computador sem restrição para pesquisar... quero fazer muitas
coisas, só que nada é maior do que o desejo de pensar nessa mulher.

Isso não deve ser normal. Estou com vergonha de perguntar ao James e
não sei exatamente como procurar conteúdo a respeito na internet.

O restante do almoço segue com mais conversas, no entanto, a loira não
volta a me encarar como da primeira vez. Depois que terminamos e arrumamos a
cozinha, Thomas, Jimmy, Matthew e eu seguimos para a varanda enquanto Elisa
e Ethan vão para a sala de cinema. Ela prometeu que mostraria ao caçula um
filme de animação que é sucesso mundial, algo com leões, se não me engano.
Como James não vem conosco, e pega seu computador para trabalhar no quarto,
decido puxar assunto com os meninos.

Eles estavam no mesmo lugar que eu, vivenciaram as mesmas coisas,
devem estar passando por algo parecido.

— Gente... sobre aquele negócio do remédio... — Sento em uma das
redes e os observo se acomodando em poltronas e até mesmo no chão. — Vocês
estão sentindo algo diferente? Perceberam mudanças?

— Minha temperatura anda ficando elevada de repente, sem que eu esteja
em atividade — Thomas compartilha, passando a mão no cabelo, e eu aceno em
concordância mostrando que também acontece comigo.

— Eu reparei que meu membro amanhece duro há uns dias — Matthew
afirma, cutucando a grama ao seu lado. — Pesquisei na internet e vi que isso se
chama ereção matinal. É comum em todos os homens.

— Como você pesquisou? Queria dar uma olhada em várias coisas, mas
não sei o que perguntar.

— Ué, coloquei “o que significa amanhecer com pênis duro”. Na hora
apareceu vários artigos.

— Assim, tão literal? — volto a questionar, tentando aprender.

— Sim, já fiz centenas de questionamentos bem diretos dessa forma e
sempre encontro muitos resultados. Nosso acesso era limitado demais antes,
agora podemos conhecer o mundo pela tela do computador.

Também tive essa tal de ereção matinal. Demorou um pouco para o
negócio baixar e voltar ao normal. Assim que terminar essa conversa, quero
fuçar no computador e ver o que descubro.

São tantas perguntas que vou precisar fazer uma lista.

— E sobre... tipo... a Elisa. Vocês notam algo diferente... assim quando
olham para ela? — As palavras saem com dificuldade da minha boca.

Minha mente está implorando para ninguém dizer que sim. Sei lá, eu não
quero ter que dividir essas sensações com ninguém. Queria que fossem só
minhas.

— Com a Elisa não, mas a Emma sim. — Thomas solta um suspiro longo
e forte e eu solto junto, de alívio. — Ela é tão linda, o sorriso, os olhos...

— É só com a Emma e mais ninguém? Nem a Amber ou mulheres que
vê na internet ou na TV?

— Eu acho algumas bonitas, mas ter essas reações extremas só com ela.

Exatamente como acontece comigo. Sorrio ao perceber que não sou o
único perdido por aqui.

— Temos tantas coisas para explorar, embora ainda haja um espaço
limitado. Quero andar por cada canto desta casa, conhecer coisas novas, no
entanto, minha mente não para de trazer Elisa à tona. — Esfrego o rosto com as
duas mãos e me deito na rede. — Às vezes parece que só tem aquela mulher aqui
dentro. E foi tão repentino isso. Esqueço até da Bioimmune e dos problemas que
temos que enfrentar.

— Não estou assim como vocês, não. — Matthew também sorri. — Elas
são bonitas, sim, mas não me causam essas coisas. Minha mente está muito mais
preocupada em ver e aprender tudo que eu fui proibido esses anos todos.

— Será que é uma coisa de idade? — reflito em voz alta. — Tipo quanto
mais velho, mais sensações? Você ficou quieto, Jimmy. Não anda percebendo
diferenças no seu corpo?

O garoto nos encara parecendo assustado e balança a cabeça três vezes
em negativa.

— Estou igual ao Matt, de boa. — Seus olhos não fitam os meus
enquanto responde.

Trocamos mais experiências por cerca de meia hora. Quando a minha
curiosidade não aguenta mais esperar, peço licença e corro para a sala a fim de
pegar o meu computador.

Agora que sei que não é algo que acontece só comigo, preciso descobrir
por que disso e como fazer para resolver essa inquietação.


Abro os olhos com tudo e observo assustado ao redor. Respiro fundo ao
notar a escuridão do quarto e Thomas dormindo tranquilo na cama ao lado.
Estou ensopado de suor, meu corpo tão quente que sinto como se pudesse
queimar.

Eu sonhei. Com ela.

Até quando eu consigo dormir aquela mulher está invadindo meus
pensamentos. Pior que dessa vez eu fui além, imaginei que estava tocando os
seus seios grandes. Eu apertei, senti a maciez, o volume... Arfo, esfregando o
rosto. Isso está ficando fora de controle.

Se ela soubesse que estou tendo essas imaginações a seu respeito, será
que iria ficar brava comigo? Será que eu deveria pensar em alguém dessa forma
sem seu consentimento?

Totalmente desperto, decido me levantar e ir ao banheiro. Consegui
descobrir várias coisas durante minha pesquisa, passei mais de cinco horas no
computador essa tarde. O problema é que nem sempre as respostas são tão
objetivas e eu continuo na dúvida. Por exemplo, não encontrei uma solução para
a pergunta “como parar de pensar em uma garota?”.

Afasto o lençol e vejo que estou duro de novo. De acordo com o que li, o
pênis se enche de sangue para ficar ereto, reação que acontece quando
acordamos ou recebemos algum estímulo erótico. Com certeza, os seios da Elisa
são um estímulo e tanto para mim.

Tento ajeitá-lo na bermuda folgada e ando devagar em direção ao
banheiro do quarto. Thomas ressona baixo, jogado na cama. Estamos divididos
em dois por cômodo. É um espaço bem amplo e decorado, completamente
diferente do que tínhamos no subsolo. A única pessoa que fica sozinha é a
biomédica. James comentou que mulheres precisam ter sua privacidade.

Entro no banheiro, que é no mínimo quatro vezes maior do que o do
laboratório, e lavo o rosto com a água gelada da pia. Tento fazer xixi para ver se
o membro diminui de tamanho, no entanto, não sai uma gota. Não é esse o
motivo de estar assim.

Observo a banheira branca e espaçosa no fundo e decido enchê-la para
me refrescar do calor. Já usei três vezes desde que chegamos, é muito bom. Acho
que não vai fazer muito barulho. Se bem que do jeito que Thomas tem o sono
pesado não iria acordar nem se quebrasse o espelho e jogasse os cacos do lado
dele.

Tranco a porta e tiro a roupa enquanto espero a água subir. Minha pele
bronzeada está até brilhando de tantas gotículas de suor. Quando o
compartimento enche pela metade, jogo um pouco das pedrinhas coloridas que o
James disse que servem para relaxar e entro sentindo o líquido me resfriar.
Encosto a cabeça na borda e passo a mão pelo corpo espalhando a sensação boa
por toda parte.

Ao chegar no vão das minhas pernas, paro por um instante. Vi nas
pesquisas que uma das formas de aliviar a ereção é fazer uma coisa chamada
masturbação. Basicamente, é a estimulação dos órgãos genitais. Olho ao redor,
como se minha mente quisesse garantir que estou mesmo sozinho, e decido
tentar.

Seguro o membro com firmeza e começo a movimentar para cima e para
baixo, como dizia no texto, por toda a extensão. De imediato não acontece nada,
e chego a fazer uma careta quando puxo a pele da cabeça com força demais.

Não estou fazendo isso certo.

Ajeito a postura na banheira, apoiando o braço na borda, e tento de novo.
Volto a mexer de forma ritmada, evitando tocar na parte sensível de cima. Mais
uma vez, nada acontece.

Inspiro fundo e fecho os olhos para me concentrar. É quando, de forma
ligeira, a imagem de Elisa volta a povoar a minha cabeça. A cena é a de ontem à
noite, quando estava caminhando pelo quintal com seu short justo e a blusa
decotada. Começo a imaginar como seria se eu tivesse me levantado e ido na sua
direção.

Se ela deixasse eu me aproximar, com certeza iria tocar o seu pescoço
desnudo e colocar o fio solto do seu cabelo atrás da orelha.

Iria roçar o meu dedo pelo seu rosto e confirmar se a pele é tão macia
como penso.

Eu iria encarar seus olhos azuis de pertinho para ter certeza de que se
parecem com a imensidão do céu.

Arqueio o corpo para trás com o impulso que começa a latejar dentro de
mim. Abro os olhos e percebo que continuei movimentando a mão enquanto
pensava nela. Deve ser assim o jeito certo. Aumento a fricção, apertando firme a
carne que ficou ainda mais dura e grande do que estava. Há veias sobressaltadas
e a ponta ficou mais rosada. Isso é... tão... bom.

A respiração fica irregular e noto que sons indecifráveis saem pela minha
boca sem controle. Mordo os lábios, obrigando-me a ficar em silêncio, no
entanto, sem parar o que estou fazendo.

Nem que minha vida dependesse disso não conseguiria parar agora. É
uma sensação inexplicável, muito gostosa. Pensei que nada superaria sentir a
brisa do vento, mas estava enganado.

Muito enganado.

Imagino como seria tocar os seus seios, como fiz no sonho, e intensifico
ainda mais a velocidade. Eu começaria por cima da blusa fina, circulando todo o
volume, e depois desceria uma mão até a sua cintura e a colocaria por baixo do
pano.

Subiria bem devagar, aproveitando cada centímetro da sua pele. Quando
enfim chegasse ao meu destino, iria apertá-los entre meus dedos até que ela
arfasse como está fazendo comigo neste instante.

Meu peito sobe e desce e abro mais as pernas. Tiro a outra mão da borda
da banheira e acaricio a parte debaixo do meu membro, onde ficam as bolas. No
texto dizia que todos os órgãos genitais causam prazer.

É a melhor decisão que eu tomo.

Os dois estímulos ao mesmo tempo, e o barulho da água se mexendo
agitada na banheira, vão deixando minha imaginação ainda mais fértil. É como
se Elisa estivesse aqui, agora, parada na minha frente me encarando.

O impulso aumenta e o meu sangue vai borbulhando. De um jeito
gostoso demais, viciante demais. Não paro, sedento por algo que nem sei o que
é.

Quando a sensação parece chegar ao ápice, deixando-me totalmente
atordoado, solto um gemido rouco e jorro algo para fora de forma intensa. Meus
pelos ficam arrepiados e minhas pernas esticam automaticamente tentando
prolongar seja lá o que for isso.

U.a.u. Nunca... nossa... delicioso.

Meu coração dispara no peito e minha boca solta uma lufada lenta e
desesperada no ar. Olho para baixo e noto um líquido esbranquiçado e pegajoso
se misturar com a água, melecando a minha mão.

Orgasmo, deve ser isso que disseram aliviar a ereção.

Eu jamais iria imaginar que trouxesse uma comoção interna tão forte...
tão única. Encosto a cabeça na borda e abro um sorriso bobo no rosto, sentindo-
me cansado e relaxado ao mesmo tempo.

Se cogitar tocá-la causa tudo isso em mim, realmente fazer deve ser o
paraíso.


Desligo mais uma chamada. Perdi as contas de quantas foram nos
últimos dias. Minha mãe não para de ligar desde que a notícia se espalhou pelo
mundo e jornais do Brasil inteiro começaram a falar sobre a participação de uma
Montemor no resgate de cinco garotos trancafiados em um laboratório secreto.

É claro que a dona Madalena não está feliz pelo ato da filha. Sua única
preocupação é a repercussão absurda do caso — tanto para o bem, como para o
mal. Ao invés de focar no lado positivo, fica apavorada que as críticas possam
atrapalhar o recém-conquistado posto do meu pai, como chefe de setor no Albert
Einstein.

“Se queria aparecer, saísse pelada com uma melancia no pescoço que
faria menos estrago.”

Ela me disse isso. Minha mãe teve coragem de resumir todo nosso
esforço nesta frase grosseira, como se tivesse algo a ver comigo. Não perguntou
nenhuma vez sequer como estou, não questionou sobre o bem-estar dos meninos,
nada. A única coisa que importa é o nome da família no meio de uma
tempestade.

Desde que me disse isso, não a atendi mais. Nem ela, nem o meu pai. A
única pessoa que estou falando do Brasil é a minha irmã. Ingrid está muito
orgulhosa da minha atitude e liga todos os dias para saber novidades. Queria
largar tudo e vir aqui ficar conosco, eu que não deixei.

Jogo o telefone na cama do quarto e continuo observando o movimento
dos braços do Dylan na estação de musculação da academia, que fica bem na
direção da minha janela. Ele não pode me ver porque está de costas, concentrado
na atividade, mas a minha visão é privilegiada pelas paredes de vidro. As veias
saltadas na pele bronzeada são quase hipnotizantes. O rapaz é muito forte e alto,
cada parte do seu corpo parece esculpida com perfeição.

Pensar nisso me faz lembrar de algo importante: eu vou matar a Emma!
Vou esganar essa garota em mil pedacinhos por colocar coisas na minha cabeça.
Se não bastasse todos os problemas que estamos enfrentando, agora preciso lutar
contra a curiosidade de observar Dylan.

Tenho perdido miseravelmente nas últimas horas, desde que cedi e o
peguei me encarando de volta ontem. Hoje no café da manhã foi tão intenso que
cheguei a ficar com falta de ar. Nossa! Parecia uma mistura de curiosidade com
algo a mais, algo que eu não sei decifrar.

Foi sorte a minha amiga não ter retornado aqui ainda porque senão, com
certeza, iria se ver comigo.

Ele está há horas dentro desse lugar. Thomas e Jimmy foram assistir a
outro filme com Ethan, que está ficando viciado na Disney; e Matthew está
focado nas suas pesquisas. James saiu pela primeira vez hoje com Schumer para
prestar mais esclarecimentos sobre a Bioimmune. Ficar aqui sozinha sem outras
pessoas para conversar não está ajudando no meu autocontrole.

Percebo-o largando a barra bruscamente e se inclinando para frente,
como se estivesse tonto. Sem pensar demais, pulo a janela grande e baixa e corro
o mais rápido que consigo na sua direção.

— Você está bem? — pergunto, esbaforida, assim que abro a porta da
academia de forma desajeitada.

Dylan me encara, perdido, seus olhos naturalmente puxados estão ainda
mais cerrados. Ele está tonto mesmo. Caminho até onde está sentado, respirando
fundo para retomar o fôlego pela corrida breve.

— Está sentindo tontura? A visão está embaçada? — Encosto a mão no
seu ombro para ajudá-lo a se levantar e dou um pulo para trás, assustada com a
temperatura extremamente elevada.

O James disse que ele tem essa característica, porém, não imaginei que
fosse tão quente.

— Eu te machuquei? Você se queimou? — Dylan tenta se levantar
sozinho e acaba tombando levemente para o lado. Não vai ser uma boa ideia
ficar em pé neste momento. — Me... desculpe.

— Não me machuquei, fique tranquilo. Só assustei. — Volto a tocar o
seu ombro e o auxílio a sentar novamente no banco.

Repreendo veemente o arrepio que sobe pelo meu corpo ao sentir o
músculo firme e a temperatura elevada. Eu não deveria — definitivamente não
deveria — estar sentindo isso.

Vou matar a Emma!

Fiquei meses sem ter nenhum pensamento nesse sentido e acontece justo
com alguém que não posso, e não vou me envolver de forma alguma. Além do
fato de ele nunca ter visto uma mulher antes, e a minha presença ser apenas
novidade, tem o fato de estar aqui para ajudá-los como biomédica.

O foco é a segurança dos meninos. Apenas isso.

— Estou muito tonto, minha cabeça está doendo — ele explica, tirando-
me dos devaneios que nem deveria estar tendo. — Parece que eu fiz um
daqueles testes com bactérias, meu corpo está exausto.

— Você está há horas aqui na academia, praticamente a tarde inteira.
Esforçou demais. — Percebendo que ainda estou o tocando, tiro a mão da sua
pele disfarçadamente. Finjo não reparar que suas costas se contraem com o
afastamento. Estou vendo coisas. Já disse que vou matar a Emma? — Sem
contar que está experimentando muitos alimentos novos, que podem alterar o seu
organismo. Você estava acostumado a fazer tanta atividade física lá no subsolo?

— Não seguido dessa forma — Dylan explica, desviando o olhar pela
primeira vez desde que cheguei. — A sequência deve ter elevado demais o calor
no corpo.

— Por que resolveu estender dessa forma hoje? — questiono,
preocupada.

— É que... eu... — Ajeito a postura, trocando o peso de uma perna para
outra diante do seu jeito desconcertado. Ele está olhando praticamente para a
academia inteira, menos para mim. — O exercício me ajuda a manter a cabeça
distraída...

A forma que sua voz sai baixa me traz aquele aperto no peito que se
tornou familiar. Queria ter o poder de mudar o destino desses garotos, para que
nunca tivessem precisado passar por tudo isso.

— Eu não consigo nem imaginar como está se sentindo com tantas
mudanças. — Sento-me na estação de musculação ao lado da sua e viro-me na
sua direção. — Mas saiba que eu, James, Schumer, Amber, Emma... todos
estamos aqui para ajudar vocês. Pode conversar com a gente sobre qualquer
coisa, não guarde só pra si que faz um mal danado. Eu sei que é difícil, sou
mestre em fazer isso, no entanto, vai se sentir melhor em conversar. O terapeuta
pode te ajudar muito nisso.

— Na verdade, não me sinto muito confortável com ele... — Seu olhar
volta a se encontrar com o meu. — É estranho falar sobre mim com alguém que
não me conhece nenhum pouco.

— No começo é esquisito mesmo, mas logo você se acostuma. Eu tenho
uma terapeuta fora daqui e ela tem me ajudado demais a enfrentar meus
fantasmas.

— O pior pra mim está sendo não saber lidar com a minha mente. —
Dylan abaixa a cabeça e mexe uma mão na outra. — Fico preocupado com o
futuro e o que a Bioimmune pode fazer, ao mesmo tempo que tento ser uma
pessoa diferente do medroso do passado que aceitou tudo sem questionar.

— Você não foi medroso, não se enxergue assim, por favor — digo,
sincera. Minha mão comicha para tocar a sua e oferecer conforto. Odeio que
pense isso sobre si mesmo. — Você foi muito corajoso por aguentar tanto tempo
naquele lugar. A sua vida inteira foi condicionada a pensar de uma forma.

— Matthew viveu no mesmo lugar e sempre foi mais questionador. — É
visível na sua voz a cobrança pelas suas atitudes.

— Existe um texto muito popular, escrito pelo filósofo Platão há centenas
de anos, conhecido como Mito da Caverna. — Recordo da história e decido
resumi-la porque se encaixa perfeitamente com a realidade deles. — Platão
descreve uma hipótese para reflexão, em que alguns homens, desde a infância, se
encontram aprisionados em uma caverna. Nesse lugar, não conseguem se mover
em virtude das correntes que os mantêm imobilizados. Atrás deles há uma
parede pequena, onde uma fogueira permanece acesa. Por ali passam homens
transportando coisas, mas como a parede oculta o corpo dos homens, tudo o que
os prisioneiros conseguem ver são as sombras desses objetos transportados.
Essas sombras projetadas no fundo da caverna são compreendidas pelos
prisioneiros como sendo tudo o que existe no mundo.

— Como a gente lá no subsolo. — Ele entende a minha referência. —
Achávamos que o mundo se resumia ao que nos ensinaram.

— Exatamente isso! Na hipótese de Platão, um dos homens consegue sair
e ver que o mundo lá fora é maior do que imaginavam, mas quando retorna para
contar aos demais, ninguém acredita nele porque estão confortáveis naquele
local, geração após geração. — Inclino meu corpo para frente, para tentar ficar o
mais próxima possível e ser compreendida. — Vocês não ficaram confortáveis,
Dylan! O James me contou tudo, disse que tentaram fugir, que se rebelaram
contra a surra que Matthew levou. Mesmo com medo, vocês não se acostumaram
à escuridão, queriam mais.

— O problema é que eu demorei muito apreciando só as sombras na
parede da caverna — confessa, cabisbaixo. — Às vezes, fico pensando que
poderíamos ter vivido isso antes, se eu tivesse aberto meus olhos no começo.

— Eu tenho essa péssima mania, e vou te falar de coração, Dylan: não vá
por esse caminho. Não fique pensando nos “se” que poderiam ter acontecido. —
“Se meu bebê estivesse vivo”, “se eu tivesse me cuidado mais na gravidez”...
essas possibilidades me engolem viva. — Você fez tudo que era possível, com a
realidade que lhe foi apresentada. É vítima, jamais se esqueça disso.

— É difícil lutar contra o medo do futuro e as sombras do passado. —
Aceno com a cabeça, concordando. Não há verdade mais certa do que essa. —
Além disso, tem ainda as centenas de novidades que aparecem a cada minuto do
dia. Coisas que jamais imaginei que existiam. Meu corpo age de forma diferente,
meus pensamentos... eles ficam sem controle. Fico preocupado de pensar o que
não deveria.

Engulo em seco diante da forma como crava seus olhos em mim.
Exatamente como fez essa manhã no café. Dylan arruma a postura no banco e
noto seu corpo se mexer, inquieto. Fico parada, incapaz de falar. Agora sou eu
quem estou com medo. Medo de continuar essa conversa e ouvir algo que acabe
piorando esse cisma que criei perto dele.

Antes que possamos fazer qualquer coisa, ouvimos um barulho na porta.
Viro-me para frente e avisto James entrando, apressado. Eu poderia agradecer de
joelhos a interrupção não fosse a palidez no seu rosto e a forma como parece
sem fôlego, igual eu fiquei quando cheguei correndo aqui, minutos atrás.

— Estava tentando te ligar, não me atendeu. — Ele passa a mão no rosto,
secando as gotículas de suor que se formaram ali.

— Desculpe, deixei o telefone na minha cama. Estava na janela e vi o
Dylan passando mal, corri aqui pra conferir. — Levanto-me e o espero se
aproximar de nós. — Aconteceu alguma coisa?

— Passando mal? O que você tem? — Por um instante, James parece
esquecer os problemas e foca apenas no garoto que viu crescer.

— Não foi nada, excesso de exercício me deixou tonto. Agora já estou
me sentindo melhor, conversar com a Elisa ajudou.

Não o encaro. Não seria capaz de lidar com aquela intensidade de novo
em um espaço de tempo tão curto.

— Aconteceu alguma coisa? — volto a perguntar, curiosa.

— Sim. — O peso do mundo todo parece recair na simples palavra pelo
jeito que sai da sua boca. — Schumer ficou sabendo, antes de me deixar aqui,
que a Bioimmune entrou com um processo contra nós dois por quebra de
confidencialidade.

— O quê? — questiono, atônita. — Pensei que não iriam se expor dessa
forma devido à repercussão do caso. Vai parecer que estão querendo nos calar
pelo bolso.

— Eu também achei que não, pensei que iriam deixar o processo correr.
Pelo menos, até saber um veredicto. — Solto um suspiro longo, começando a
entender na prática o contra-ataque deles. Está apenas começando. — Durante
esses dias, para ganhar mais apelo da mídia, acabamos falando muita coisa sobre
os bastidores da empresa que estavam garantidos pelo sigilo contratual.
Chegamos a mencionar até o acelerador de glóbulos brancos, que é um produto
deles.

— Meu Deus, isso é tão injusto. — Começo a andar de um lado para o
outro, esfregando o rosto com as duas mãos. — Nós os acusamos de manter
ilegalmente cinco meninos trancafiados e nos processam de volta com
indenização. Deveria ser proibido aceitar um processo desses.

— Eles vão pedir uma indenização milionária, não tenha dúvida. Os
contratos eram enormes e cheios de pormenores, por isso, nunca ninguém abriu a
boca naquele laboratório. Talvez também estejam fazendo isso pra assustar os
demais e mantê-los calados.

— Com certeza é uma possibilidade! — concordo, preocupada com o
fato de nos Estados Unidos levarem muito mais a sério que no Brasil, questões
como o know how das empresas, seus conhecimentos e capacidade competitiva
no mercado.

Essa questão da confidencialidade pode ser um grande problema. Era só
o que faltava. Confesso que não tinha chegado a pensar nessa possibilidade.
Imaginei que pegaria mal nos processarem no meio de uma crise de imagem.
Devem estar aproveitando que uma parte do público está a seu favor para dar
essa cartada.

— E o que vamos fazer agora? Vocês vão ter que pagar? Como vão
conseguir esse dinheiro? — A voz do Dylan fica agitada, deixamos o garoto
assustado com essa conversa.

— Calma, não se preocupe com isso, não. — Coloco a mão no seu
ombro e o encaro. O olhar agora está cheio de apreensão, o corpo permanece
quente. — James e eu teremos como nos defender das acusações.

— Eles podem nos cobrar um bilhão de dólares, Dylan, não vamos nos
arrepender de tirá-los de lá.

— Jamais — garanto, firme.

Valor nenhum vale a vida de ninguém, muito menos, de cinco inocentes.
Nós vamos dar um jeito.

Não chega a ser a Biblioteca Pública de Chicago, pelo menos de acordo
com o que vi por fotos, mas com certeza é um acervo de respeito que o senador
Wright tem aqui na sua casa de campo. O cômodo é forrado de fora a fora — do
teto ao chão — por prateleiras de madeira que guardam centenas de livros. Há
uma poltrona grande no centro do espaço, com um pufe para os pés e uma mesa
pequena de apoio. Para alcançar os exemplares que estão no alto, tem ainda uma
escada disponível na lateral da porta. A iluminação é toda diferenciada para
trazer calmaria e conforto ao local.

Depois do lago, com certeza, é o meu segundo lugar preferido.

Vou até a poltrona, pego o livro que deixei na mesa e me sento para
continuar a leitura que comecei esta manhã. Escolhi “Orgulho e preconceito”, da
Jane Austen, porque fui fisgado pelo casal da capa. É uma história muito
diferente das que eu costumava ler no subsolo. Percebi, em pouco tempo
fuçando a estante, que há um universo incrível de gêneros e formatos que nem
imaginava.

“Encontravam-se a cerca de vinte jardas um do outro, e o seu
aparecimento fora tão repentino que se tornara impossível a Elizabeth esconder-
se. Os seus olhares imediatamente se cruzaram e ambos coraram de modo
intenso. Ele teve um sobressalto e por momentos a surpresa o paralisou.”

Logo no primeiro parágrafo que leio minha imaginação volta a fluir,
fértil. Embora não estejamos no mesmo século, tampouco tenha vivido alguma
situação semelhante ao que é narrado, não consigo evitar cogitar-me como o sr.
Darcy e a Elisa como Elizabeth Bennet.

Estou tentando não pensar nela dessas formas diferentes, no entanto, tem
se tornando praticamente impossível. Sou incapaz de reprimir tais imagens que
se formam como se fossem reais. A cada vez que nos esbarramos nesta casa
meus olhos ganham vida própria e meu peito toma um ritmo único.

O momento que tivemos a sós na academia ontem, depois de se
preocupar comigo e ir conferir meu estado, foi o mais incrível desde que
chegamos aqui. Adorei conversar sobre o que anda passando pela minha cabeça
e de conhecer um pouco mais sobre o que se passa na dela.

Quase... por muito pouco não confessei o que fiz. Gostaria de ter certeza
de que não é um equívoco, queria permissão para continuar. Perdi o sono de
madrugada, mais uma vez, e não resisti a repetir o feito na banheira.

É uma sensação boa demais para ser errada. Estou torcendo no fundo da
alma para que não seja.

Se James não tivesse chegado, talvez eu criasse coragem para comentar.
Elisa não me parece alguém que ficaria brava comigo, caso eu não possa fazer o
que estou fazendo. Acho que iria me explicar como resolver, como parar de
reparar em cada detalhe dela. Não consegui ter uma resposta exata pesquisando,
no entanto, parece ser algo normal do ser humano. Só não tínhamos antes porque
tomávamos aquele remédio.

Espero voltar a ter oportunidade de interagir mais vezes com ela sozinho.
Depois que saímos da academia não consegui mais nenhuma vez. Fiquei muito
preocupado com essa questão de indenização, e pelo jeito os dois também,
apesar de tentarem me dizer que ficaria tudo bem. Ambos passaram horas hoje,
em conversa por videoconferência, com advogados discutindo esse assunto.

— Posso entrar? — Ouço uma batida na porta e viro-me para ver a
cabeça de Jimmy sondando. — Só quero devolver este livro e pegar outro.

— Claro! Se quiser ler aqui, eu posso ir para o quarto ou algum lugar do
jardim. Já passei a manhã nesta poltrona. Sei que é mais gostosa a experiência
neste lugar.

— Não, até parece. Eu prefiro ler lá no jardim.

Jimmy entra e segue para a prateleira a fim de guardar o exemplar que
está na sua mão. Fico parado, aguardando-o ir embora para continuar a leitura.
Sempre gostei do silêncio para ler tranquilo.

Reparo que sua mão começa a passar por vários livros, no entanto, seu
olhar não parece acompanhar. É como se nem estivesse vendo os títulos.

— Está tudo bem, Jim? — pergunto, realmente preocupado. — Tenho
reparado que está bem pensativo. Está triste com algo? Quer falar comigo?

De todos nós, ele parece que está sendo o que mais tem dificuldade para
se adaptar. Não está brincalhão e calmo como costumava ser, tem ficado quieto a
maior parte do tempo, observador.

— Triste não — responde, de prontidão, olhando para mim. — Estou
muito aliviado de estar do lado de fora daquele lugar. É só difícil assimilar tudo,
me compreender, sabe.

— Sei perfeitamente bem. Ontem mesmo conversei sobre isso com a
Elisa. Vou começar a tentar me abrir mais com o psicólogo, ela comentou que
ajudará muito nessa nossa adaptação.

— Eu não me sinto à vontade de falar certas coisas. — Ele desvia o
contato e volta a passar o dedo indiscriminadamente pelos livros da prateleira.

— Entendo, eu também não. Mas quero mudar isso. As pessoas vão
entender nossas dúvidas, mesmo que pareçam bobas ou a gente faça errado.
Ficamos muito tempo vivendo outra realidade.

Jimmy não responde nada por alguns instantes, acena com a cabeça e
continua andando pelo ambiente. Quando penso que vai desistir de conversar, ele
pega um livro — que parece ter sido escolhido de modo aleatório — e passa
perto da poltrona que estou sentado.

— Você acha... — Noto-o puxar o ar e desviar mais uma vez o olhar. —
Você acha que esses computadores que deixaram com a gente aqui também são
monitorados de alguma forma? Como o Russell fazia lá? Podem ver o que
pesquisamos?

— Não, tenho certeza que não! — falo, com convicção. — Mesmo que
de alguma forma o próprio computador registre nosso histórico, não tenho
dúvidas que jamais James, Elisa ou qualquer outro que tenha contato conosco vá
lá bisbilhotar.

— Às vezes, quero ver sobre alguns assuntos, mas fico... com vergonha,
com receio de irem lá ver e me julgarem de alguma forma.

— Pode confiar, sei que é difícil depois de tudo que passamos, mas nesse
quesito estou tranquilo. Estamos liv...

Paro a frase no meio ao ouvir um grito de Ethan vindo de dentro da casa.
Geralmente o barulho alto iria me paralisar, mas como se trata da voz do caçula,
me deixa agitado. Mal precisamos nos entreolhar para perceber que tem alguma
coisa errada. Largo o livro de qualquer jeito na mesa e saio correndo com Jimmy
ao meu lado.

Encontramos o garotinho acuado no canto da sala com as duas mãos
tapando os ouvidos. James, Elisa e Matthew estão ao seu lado, tentando
confortá-lo, e Thomas anda em círculos ao redor, parecendo incomodado.

— O que houve? Você está bem, Ethan?

— Tem manifestantes lá fora protestando. Pra nós é difícil escutar
porque a acústica é muito boa, mas Ethan ouviu tudo — James explica, sem me
encarar, dando atenção para o caçula. — Ele estava brincando com Thomas no
jardim e o exercício ativou sua audição. A segurança está tentando tirá-los daqui.

Às vezes, até esqueço que as habilidades do Ethan são diferentes do
restante de nós.

— Manifestantes do quê? O que estão dizendo? — Matthew questiona.

— Thomas, você não quer levar o Ethan para tomar sorvete lá na
cozinha? — Elisa muda de assunto, acredito que seja para não deixar nosso
garotinho mais assustado. — Vai acalmá-lo um pouco, depois te atualizo de
tudo. Pode ser?

— Tá... eu levo sim.

Todos observamos os dois saírem juntos. Só quando passam pelo
corredor é que a biomédica volta a falar.

— É aquela turma que acha que vocês são ratos de laboratório, cobaias
criadas para modificar o DNA humano. — Ela bufa e esfrega o rosto, irritada.

Acompanho-a com o olhar caminhar até a televisão da sala, pegar o
controle e ligar o aparelho mudando o canal até encontrar algum que esteja no
noticiário. Não demora a aparecer a fachada da casa na tela. Ficamos em silêncio
para acompanhar o que a repórter está dizendo.

“A polícia está tentando impedir uma manifestação pacífica em frente à
casa de campo do senador Anthony Wright neste instante. Um grupo protesta
contra os cinco garotos, retirados do subsolo de um dos laboratórios da
Bioimmune Future, há duas semanas. Eles acreditam que os experimentos
possam ser um risco para a população e não os consideram humanos.”

— Odeio quando nos chamam de experimentos — resmungo,
incomodado. — Deviam protestar na frente da sede da Bioimmune, não aqui!

— Pois é, e só esse canal está noticiando, parece até armado para entrar
no ao vivo — Elisa concorda com minha linha de pensamento.

— Aquele outro grupo, da hashtag #acuraeurgente, abriu uma petição
on-line para conseguir assinaturas em prol do uso da pesquisa em pessoas em
estágio terminal — James conta, aproximando-se da televisão. — Vi mais cedo
na página do Facebook criado pelo movimento.

— Eu fico morrendo de pena, queria muito poder ajudar todos — Jimmy
fala pela primeira vez.

— Imagino que sim, mas não fique com esse peso nas suas costas. —
Elisa coloca a mão no ombro dele. — É impossível, com o que temos no
momento, atender todas as pessoas doentes, mesmo que só focasse nos que estão
morrendo.

— Aumente o volume, ouçam isso! — Todos paramos diante do aumento
na voz do James, interrompendo a conversa.

Elisa direciona o controle que está na sua mão e o obedece. Ficamos
novamente em silêncio para escutar, desta vez, o âncora do noticiário, que divide
a tela com a repórter parada ali fora.

“Soubemos em primeira mão que a Bioimmune apresentou documentos
que comprovam a guarda dos cinco garotos que mantinha sob sua proteção. A
CEO Madelyn Scott é a responsável legal deles e contou com o apoio de
policiais de Chicago para mantê-los em segredo devido à importância dos
experimentos para o futuro da humanidade.

Todos são órfãos de famílias desconhecidas, em regiões pobres do país,
exceto Dylan Lewis, que é filho do ex-funcionário Peter Lewis, pioneiro na
descoberta. O sangue Bombaim, que eles possuem, foi identificado pela
primeira vez em 1952, na cidade de Bombaim, na Índia. A maior incidência do
fenótipo acomete áreas rurais do Sul e Oeste indianos, de pessoas mais humildes
e onde a frequência de casamentos consanguíneos também é maior. Ainda não
se sabe se a mutação dos garotos está relacionada com esse tipo de
relacionamento.

Embora o FBI agora esteja envolvido, o caso é antigo e pode trazer uma
grande reviravolta na defesa da empresa. Há 25 anos, Dylan foi resgatado de
um galpão abandonado, na época do assassinato do seu pai, e os policiais
permitiram que a Bioimmune o mantivesse escondido.

Esses policiais também sabiam da existência dos demais meninos e
ajudaram na obtenção da guarda em prol do bem maior.”

— Você sabia disso da guarda? — Elisa pergunta, encarando James,
assustada.

— Não, nunca soube — ele afirma, também parecendo assustado. — Só
da parte que encobertaram o resgate do Dylan, como tinha te contado aquele dia
que decidimos tirá-los do subsolo.

— Eles terem a guarda significa que vão poder ficar conosco de novo?
Só o Dylan e o Thomas são maiores de idade, eu não quero voltar a ficar perto
daquela gente, de jeito nenhum!

— Não, calma, Matthew! É impossível, nenhum juiz vai permitir isso
depois da exposição negativa da empresa. Eles estão ganhando apoio, mas ainda
é muito menor do que aqueles que estão a nosso favor — James explica.

— Esses policiais que ajudaram, pode ser bom mesmo para a defesa
deles como a repórter disse? — Passo a mão no cabelo e me sento no sofá.

Perdi até o rumo com tanta informação ao mesmo tempo.

— Pode ser, não sabemos até que ponto estão envolvidos nisso, o que
está em jogo — Elisa responde, sincera. Gosto muito de saber que não preciso
mais lidar com meias-verdades o tempo todo. — Vou ligar para a Amber e ver
com ela para pensarmos em novas estratégias para a mídia. Temos que cutucar
algumas coisas que não estão sendo explicadas direito, como, por exemplo, o
meio ilegal da Scott conseguir informações médicas dos pacientes. Não
chegaram nos meninos por intervenção divina. É preciso fuçar ainda no passado
desses policiais, investigar melhor como tudo começou.

James, Elisa, Matthew e Jimmy também se sentam e começamos a
levantar questões que merecem ser exploradas. A Bioimmune, definitivamente,
não brinca em serviço. Esperou duas semanas e agora está revidando sem pausa,
nos pegando desprevenidos por dois dias seguidos.

Temos que dar um jeito de surpreendê-los novamente e ficar na frente.






Que dia exaustivo! Parece que nunca termina. Mal me recuperei da
possibilidade de pagar uma indenização milionária e já tivemos que lidar com
manifestação contra os meninos e a Bioimmune surpreendendo no noticiário.

Graças a Deus, o Schumer veio aqui assim que ficou sabendo das
novidades e garantiu que é impossível qualquer juiz aceitar um possível pedido
da Scott para retomar a guarda dos que são menores de idade. Eu iria perder o
chão se isso acontecesse. Até que o processo acabe, ficaremos todos juntos. O
depois que ainda é incerto.

Para os mais novos é provável que seja direcionado um abrigo. Não
gosto dessa opção. Talvez possamos ir atrás de qualquer familiar para que a
transição seja menos dolorosa. Não estou deixando minha mente pensar em
nenhum momento que nossa luta vai dar errado.

Precisa dar certo para nunca mais os cinco terem que lidar com a
empresa de biotecnologia.

Pego a caneca de café na mesinha de centro e viro o resto do líquido pela
garganta. O segurança da portaria acabou de interfonar avisando que a Amber
chegou. Estão faltando poucos minutos para a meia-noite e só agora minha
amiga conseguiu passar aqui. A sua rotina na redação está alucinante.

Os meninos queriam ficar para a conversa, mas caíram no sono.
Colocaram uns colchões na sala de cinema para distrair o Ethan e dormiram no
meio do filme. Sorrio ao lembrar como o caçulinha está viciado em animações,
desde que o apresentei ao Rei Leão. Vamos deixá-los passar a noite por lá
mesmo, fui dar uma espiada e estão juntinhos, descansando serenos.

— Insista pra Amber dormir aqui depois que acabarmos, vai ficar tarde
pra sair por aí. — James volta para a sala com uma caneca de café também e se
senta ao meu lado no sofá.

— Eu vou insistir, mas duvido que ela fique. Está acostumada com esses
horários doidos, vai dizer que não é nada de mais. Aposto!

— Se não fosse por ela, tenho até medo de imaginar o que seria de nós,
Elisa. — James parece que envelheceu uns cinco anos nas últimas semanas de
tão abatido. — Se está difícil com toda essa estrutura, imagina sem?

— Tem coisa que eu não gosto nem de pensar pra não dar desespero,
viu?!

— Oi, gente, desculpe, só conseguir aparecer a essa hora! — Amber abre
a porta e nós dois nos levantamos para cumprimentá-la.

— A gente podia ter deixado pra amanhã, deve estar pregada.

— Até parece, Elisa, eu não ia conseguir dormir em paz com essas
questões pendentes. A Bioimmune está atirando sem parar, precisamos atirar
também.

Sem rodeios, sentamo-nos de volta e já começamos a falar sobre o que
foi divulgado na imprensa durante o dia e a repercussão nas mídias sociais. A
cartada dos policiais que ajudaram a Bioimmune desde o começo caiu bem para
eles. Aumentou o nível de confiança nas suas ações.

Tem hora que eu passo muita raiva vendo comentários na internet. As
pessoas são muito influenciáveis, qualquer coisinha mudam de lado.

— Estava conversando com meu editor essa tarde, o produto que eles
estavam criando naquele laboratório iria movimentar milhões e milhões de
dólares pelo mundo todo — Amber explica, enchendo a mão com o amendoim
que deixei na mesa para que pudéssemos beliscar. — Mesmo que outras
indústrias concorrentes tentassem entrar no mercado, por anos só daria a
Bioimmune como a única vendedora de uma solução milagrosa de cura para
qualquer doença. Isso com certeza chamou a atenção de muita gente que
financiou pela surdina as pesquisas durante esses 25 anos. Não foi barato, pode
ter certeza. Tem gente influente nos bastidores, além do senador Scott, e não vão
querer perder a galinha dos ovos de ouro.

— Por falar no Scott, eu fiquei de comentar com vocês e até esqueci. —
Lembro-me do tópico que me deixou incomodada. — Segundo a matéria que
fizeram no dia que ele anunciou que queria disputar as prévias, antes de
resgatarmos os garotos, o senador tem 26 anos de carreira pública. Achei uma
coincidência estranha bater com a época que o Peter estava vivo e descobriu a
mutação do Dylan.

— Nossa, eu nunca tinha reparado nisso antes, realmente é esquisito —
James explana e suas feições ficam cabisbaixas. — Eu deixei passar tanta coisa,
me sinto tão culpado por ter feito parte daquilo. Acreditei muito no que me
diziam, agora estou duvidando de cada detalhe. Tenho certeza de que escondiam
informações de mim, tive uma confirmação pequena quando coloquei a escuta.
Faz dias que não falo com Oliver, mas eu acho que ele é como eu e não sabe de
tudo. Russell e o Patterson com certeza coordenam cada passo. Talvez o Smith
também, que ficava responsável pelo pessoal de cima. Acho que não se livraram
de mim no começo porque precisavam de mentes inteligentes e confiáveis para
fazer o projeto acontecer. Eu sabia da mutação mesmo, porque era muito amigo
do Peter, assim como Oliver. Eles uniram o útil à necessidade.

— Como foram escolhidas aquelas pessoas seletas que ficavam no andar
de cima? — indago, curiosa. — Nunca ninguém falou nada esse tempo todo?
Não achavam esquisito o subsolo?

— Foram escolhidos os cientistas mais racionais, que estavam
preocupados com resultados e apenas isso. A própria Scott selecionou a dedo
com o Russell — James conta, tomando mais um gole do seu café. — Salários
altíssimos e chance de ter o seu nome na história mexem com muitas pessoas. Os
que, porventura, pudessem ficar curiosos no decorrer do tempo, logo desistiam
ao se lembrar de um excelente químico que estava conosco no começo. Ele
começou a fazer perguntas demais e foi demitido. Nunca mais conseguiu um
emprego sequer na área, nem como cientista independente. A carreira do homem
foi enterrada.

— Intimidação é uma prática mais do que comum há tempos por lá,
então — Amber comenta, revirando os olhos, e eu bufo. — Sobre o Scott, o
senador pode ter se aproveitado da descoberta do Peter para conseguir apoio e
alavancar sua candidatura ao primeiro cargo disputado. Ele vivia dizendo antes
que o sonho da sua vida era ser presidente dos Estados Unidos um dia. É tão
obcecado que, mesmo diante dessa exposição dos meninos, não retirou seu nome
das prévias. Está convicto que a empresa da sua família é inocente, bate toda
hora na tecla de que tudo irá ser explicado e que estavam protegendo um bem
para a humanidade. Vou fazer um levantamento sobre isso, quando e como
começou na política, quem foram seus principais apoiadores.

Davis comentou comigo esta semana que está com medo da versão
oficial da morte do Peter não ser verdadeira. Não quisemos falar nada ainda
perto do Dylan porque seria um choque para o rapaz, mas diante dessa análise da
minha amiga, começo a cogitar ser uma hipótese provável ele ter sido
assassinado.

Tinha muito dinheiro e ambição em jogo, qualquer passo em falso do
Peter pode ter feito ele ser tirado de cena.

— Eu me lembrei de uma coisa aqui agora! Pouco tempo antes da Elisa
ser contratada, eu estava dando aula para os meninos e escutamos uma discussão
do Russell, Patterson e Smith. Russell tinha ido almoçar com alguém e estava
reclamando que o pressionaram para andar logo com a pesquisa porque não
podiam mais esperar. Ele estava bravo com a cobrança. — James se levanta e
começa a andar em círculos na nossa frente. — Caramba, muita coisa está se
encaixando! Dias depois desse acontecido, eu conheci a Elisa por meio da
Moore e comentei com o médico sobre a pesquisa promissora dela. Eu sabia que
não gostavam de contratar pessoas de fora, no entanto, fiz a tentativa com base
nessa pressa que estavam. Inicialmente, Russell odiou a minha sugestão, só que
em tempo recorde já havia mudado de ideia. Isso me deixou com muita pulga
atrás da orelha. Quando decidi colocar a escuta, comprovei minhas suspeitas de
que estavam usando a Elisa apenas para se aproveitar do estudo dela. Iriam,
enfim, dar andamento no produto.

— Pouco tempo depois que você confirmou os planos deles na escuta,
Scott anunciou seu nome para as prévias. Foi antes de saber que a gente ia agir e
tirar os garotos. O produto poderia alavancá-lo na política ainda mais, rumo ao
objetivo final da presidência — completo sua linha de raciocínio.

— Exatamente! Pode ter sido tudo milimetricamente calculado. — Pego
uma mão cheia de amendoim e coloco vários na boca. Essa história nunca
melhora, só vai ficando mais complexa. — Em 26 anos, ele deve ter passado por
muitos cargos públicos a fim de criar uma bagagem que desse mais força ao seu
nome. Contudo, outras eleições se aproximam e Scott pode não querer esperar
mais um ciclo terminar. Devia ser ele quem estava pressionando o Russell.

— Imagina uma família em que o irmão é o presidente dos Estados
Unidos e a irmã a CEO da empresa responsável pelo produto que vai gerar a
cura de milhões de cidadãos pelo mundo? — Amber pontua, fazendo anotações
no seu celular.

— Eles seriam o poder em pessoa! Imbatíveis — falo, de boca cheia.

— Iam dominar o mundo, literalmente. Além da carreira do Scott, vou
pesquisar sobre os policiais que ajudaram no começo de tudo e levantar uma
discussão na rede sobre a forma que a Bioimmune soube que os outros quatro
meninos tinham a mesma mutação do Dylan. Se a gente fizer o povo ficar com
medo e não confiar na segurança dos seus dados médicos, será ótimo para nós
porque vai atingi-los. — Eu sei que o FBI vai investigar tudo, mas fico feliz de
ter alguém inteligente e com meios para nos manter a par. Ficar esperando no
escuro seria um tormento. — Quero aprofundar ainda nessa questão de serem
órfãos. Não soa estranho que quatro meninos não tenham família?

— Quando o Matthew apareceu no laboratório, eu estranhei, já tinham
vindo dois órfãos antes. Mas é real aquela informação que deram no noticiário
sobre o sangue Bombaim ser comum em áreas rurais da Índia onde famílias mais
carentes se relacionam com primos, tios e outros parentes — James explica,
voltando a se sentar. — Não temos certeza se a mutação tem alguma ligação com
isso, até porque o sangue em si é raro e ainda há poucos estudos sobre ele.
Porém, diante do que sabemos hoje, fez sentido serem órfãos, poderiam ser de
famílias humildes e desestruturadas.

— Entendo, mesmo assim, vale uma investigação mais aprofundada.
Estou esperando tudo da Bioimmune.

— Com certeza, Amber, temos que investigar sim. Não sei o quanto é
real, porque apenas Russell tinha acesso, porém, a Bioimmune sabe da existência
de mais pessoas em vários cantos dos Estados Unidos.

— Essas pessoas sabem disso? Estão sendo monitorados? — questiono,
diante da informação inédita.

— Não! Elas não fazem ideia de que possuem o sangue, tampouco a
mutação. O médico não quis envolvê-los no estudo justamente por conta de
terem vínculos familiares. Seria expor o projeto na hora errada.

Por não possuírem os carboidratos “A” e “B” na membrana das
hemácias, alguns laboratórios podem identificar incorretamente o Bombaim
como sendo um indivíduo do grupo O. Estava pesquisando e vi que ele é
chamado, inclusive, de Falso O. É bem possível mesmo que muitas pessoas que
o possuem nem saibam.

Para descobrir se é verdadeiro ou não, é necessário um teste de
laboratório simples em que aplicam o anticorpo anti-H em uma gota de sangue.
Quem tem o fenótipo não produz a proteína H (ao contrário do O verdadeiro),
sendo assim, se não houver aglutinação a pessoa é portadora.

A questão de não ficar doente pode ser visto pelos familiares desses, que
não fazem ideia da mutação, apenas como boa imunidade. Isso até deve afastá-
los de médicos, o que dificulta ainda mais desconfiar que tem um sangue raro.

— Precisamos ver um jeito de usar essa informação, vai ser bom para o
nosso lado — Amber sugere.

— Eu já contei na promotoria e para o FBI, assim como admiti sobre a
Rachel que havia comentado antes com vocês. Só que eles precisam encontrar
provas para levar adiante, é a minha palavra contra a deles. Sei muito pouco nos
dois casos. Nem onde está o corpo da garota faço ideia, nunca quis saber porque
a culpa me consumia. — Coitada dela! Fico pensando o que mais a Bioimmune
já fez e ainda não fazemos ideia. — Sem contar que eu acho perigoso a gente
jogar isso na mídia, imagina se começa uma caça às bruxas por esses garotos?
Tanto desses loucos que protestaram aqui essa tarde como de empresas mesmo?
Do pessoal que está no leito de morte e exige ser salvo?

— Eu acho perigoso também — opino, prendendo meu cabelo em um
coque alto pelo calor que está fazendo esta noite. — É melhor deixar o FBI
averiguar e achar provas.

— Tá, concordo com vocês.

Precisamos ter muita cautela em cada passo.

Não vou aguentar mortes nas minhas costas por causa dessa história. Já
basta a culpa que eu sinto pelo meu filho.


A Amber foi embora faz cerca de vinte minutos. Não adiantou eu insistir
para dormir aqui comigo e sair cedo. James foi deitar e eu estou esperando-a me
mandar uma mensagem para avisar que chegou bem. Quero tentar descansar,
nem que seja um pouco esta noite. A insônia está me deixando exausta!

Dou uma sondada na porta do meu quarto e constato que está tudo
silencioso. Vesti meu pijama de calor e estou com preguiça de trocar. Ele é curto
e justo demais, não quero correr o risco de que ninguém me veja dessa forma.

Saio de fininho em direção à cozinha para beliscar alguma coisa
enquanto aguardo. Ficar parada esperando está me deixando ansiosa de novo.
Queria mesmo era uma Coca-Cola, mas vai ser uma má ideia para quem quer
pegar no sono.

Acho a sobra de um empadão que o Thomas fez na geladeira e pego o
prato junto com a jarra de suco de laranja. Coloco tudo no balcão e apanho um
copo e um garfo também na prateleira. O pedaço está pequeno, acho que não vai
sobrar mais nada. Nem vou esquentar para não fazer barulho de micro-ondas.

Inclino-me sobre o mármore gelado e fico zapeando no celular enquanto
como. Tem umas 40 mensagens da minha mãe que continuo ignorando.
Respondo apenas a Ingrid e a senhora Moore.

Minha antiga professora está preocupada com toda essa situação, sempre
fico atualizando-a das novidades. O James não quer de jeito nenhum que ela se
envolva, tem medo de retaliação da Bioimmune para feri-lo. Segundo ele, o
Russell sabe muito bem o quanto Abigail é importante.

Seguro o copo de suco, prestes a responder a Emma, quando escuto um
suspiro forte atrás de mim. Viro-me assustada e acabo derrubando o líquido todo
no chão. O espanto é tão grande de encontrar Dylan me encarando com as
pupilas dilatadas que tento desviar dele e quase escorrego e me espatifo com o
vidro na mão.

Deus, como eu sou desastrada.

Meu Deus, que mãos fortes!

Pisco várias vezes para me situar e estagno no lugar ao perceber que
Dylan não me deixou cair e está me prensando contra o balcão com seus braços
musculosos. A sua intenção com certeza era apenas me ajudar a manter o
equilíbrio, mas o seu corpo próximo demais está me deixando sem ar.

Ele está bem quente, o calor que sai de si parece entrar como brasa pela
minha pele desnuda que sente de uma forma que não deveria cada milímetro da
sua presença.

— Me desculpe te assustar. — A voz sai grave, rouca demais.

Engulo em seco, tentando ficar ereta novamente. Ele acompanha o
movimento, mas não afasta suas mãos da minha cintura. Caio na besteira de
olhar nos seus olhos mais uma vez e tenho a impressão de que paro de respirar
por alguns segundos.

Nossa. Parece que... ele está diante... da coisa mais magnífica do mundo.

Não conseguiria achar palavras certas para descrever a intensidade que
encontro na sua íris castanha. É como se quisesse descobrir todos os meus
segredos, beijar minha alma só com o brilho dos seus olhos.

Eu tenho plena convicção de que nunca ninguém me olhou dessa forma.
É lindo e assustador ao mesmo tempo.

— Tá... tá tudo bem — respondo seu pedido de desculpas, tentando com
todas as forças quebrar esse momento.

Eu não deveria estar pensando nessas coisas sobre Dylan, deveria ter me
afastado completamente. Só que não consigo. Meu corpo não se mexe.

— Você é tão linda. — Seu elogio vem com um toque suave dos seus
dedos no meu rosto.

Arqueio o corpo para frente. Assustada e agitada ao mesmo tempo. Meu
coração começa a galopar no peito tão forte que seria capaz até do Ethan escutar
lá na sala de cinema, se o seu organismo estivesse ativo.

Ele pega uma mecha do meu cabelo, que a essa altura deve estar uma
bagunça só, e coloca atrás da orelha. Em nenhum segundo desvia o foco de mim.
Enquanto está fitando apenas os meus olhos mantenho um mínimo de
compostura, no entanto, o instante que recai sobre meus lábios é a minha vez de
soltar um suspiro involuntário.

Ai merda, a gente não devia fazer isso.

Eu não deveria incentivá-lo a nada. O coitado nem sabe o que está
fazendo.

Sai daí agora, Elisa! Se mexa! Praticamente grito em silêncio para a
minha mente, que não obedece.

— Dylan, nós...

— Elisa, eu... — falamos ao mesmo tempo e me calo assim que reparo
sua outra mão apertar firme a minha cintura.

Puta merda! Não deve ter passado nem um minuto entre meu quase
escorregão e isso aqui. No entanto, é tudo tão intenso que parece uma eternidade.

Antes que possamos dizer mais alguma coisa, ou fazer algo do qual eu
possa me arrepender muito, o telefone vibra no balcão chamando a minha
atenção. Aquele dia na academia foi o James, agora é a Amber. Só pode ser o
destino me dando um pouco de juízo. Não sei o que anda acontecendo comigo.

— Preciso atender, com licença. — O barulho do aparelho me tira do
transe e eu, enfim, me afasto, como deveria ter feito desde o começo.

Apanho o celular e tento abaixar um pouco o short, arrependida de ter
vindo na cozinha vestindo tão pouca roupa. Não era para ele ter me visto assim.
Vou para o outro lado do balcão disfarçadamente, mantendo um mínimo de
distância.

Dylan não se move do lugar. Desvio o olhar dele para o mármore do
balcão assim que noto seu peito subir e descer de forma desenfreada.

Ele sentiu alguma coisa. Ele me sentiu.

— Oi, Amber! — atendo, para tirar esse pensamento logo da minha
cabeça. — Você chegou bem?

Não podemos sentir nada disso. É errado! Eu sou biomédica, ele é apenas
uma pessoa que estou ajudando. Sou mais velha, sou experimente. Dylan nunca
se envolveu com ninguém, sou apenas algo novo aos seus olhos curiosos.

— Amiga, eu cheguei. — Noto um tom de choro na sua voz e fico ereta
imediatamente.

— O que aconteceu? Por que você está chorando? — Ao perceber meu
tom de voz, noto o vulto de Dylan se mexendo.

— Passei na farmácia da esquina de casa pra comprar um remédio de dor
de cabeça, quando estava saindo fui abordada por dois homens. — Coloco a mão
na boca, trêmula ao ouvir os primeiros relatos. — Meu Deus, nunca senti tanto
medo na minha vida. Eles estavam encapuzados, de preto e tinham uma arma na
mão. Vieram com tudo pra cima de mim.

— Assalto, minha Nossa Senhora, Amber! Você está bem agora? Eles te
fizeram alguma coisa? Estou indo agora aí!

Encaro Dylan de relance, pronta para sair da cozinha, e percebo que seus
olhos já estão como os meus: focados em Amber. Todo o clima se dissipou e
agora há apenas preocupação.

— Não, você não vai sair daí de jeito nenhum, Elisa! Estou bem agora,
eu falei com a Emma e ela vem aqui dormir comigo. Por sorte, um ex-militar
que mora no meu prédio estava atravessando a rua bem na hora e me
reconheceu. Ele veio pra cima dos dois e conseguiu desarmar o que tinha uma
arma.

— Eles foram pegos? Chamou a polícia? — questiono, aflita.

— Eles fugiram, a arma ficou com esse meu vizinho. Chamamos a
polícia e estamos aqui esperando. Está com o número de série riscado, vai ser
difícil rastrear. Eles usavam luvas.

— Eu disse pra você dormir aqui, amiga! — A culpa vem me dominar.

Eu deveria ter insistido mais. Ou melhor, nem deveria ter pedido para vir
sabendo da sua agenda corrida na redação.

— Não é culpa sua, amiga, nem começa a cogitar. Isso nunca aconteceu
aqui no meu bairro, é supertranquilo. Não estava preocupada.

Conversamos mais um pouco até eu escutar as sirenes da polícia. Assim
que desligo, conto brevemente o que aconteceu para o Dylan. Fico pensativa
com o fato de nunca ter acontecido no seu bairro antes. Será que pode ser coisa
da Bioimmune?

Meu Deus, que não seja isso!

— Você ainda parece muito preocupada — ele comenta, notando minhas
feições.

— Estou com um mau pressentimento, como eu fiquei quando achei que
estava sendo seguida. — Coloco a mão no peito, tentando diminuir o aperto. —
Se a Bioimmune fizer algo para a Amber ou para a Emma, eu nunca iria me
perdoar.

— Você sempre fala isso pra nós, e vou repetir pra você agora: vai ficar
tudo bem. Elas vão ficar bem, todos nós vamos.

— Amém, Dylan! Eu espero muito que sim.

James está protegendo a Moore e eu trouxe as minhas únicas amigas
verdadeiras para o meio do furação. Sei que estão ajudando pelo bem dos
meninos, e que jamais se arrependeriam disso.

Amo-as ainda mais por essa bondade.

Só que enquanto estou aqui dentro, protegida, as duas estão sozinhas do
lado de fora. Pode ser perigoso de um jeito irrevogável.


A mesa do café da manhã está silenciosa demais. Olho para a cadeira
vazia da Elisa pela décima vez, nos últimos minutos, forçando a panqueca descer
pela minha garganta. Ela é uma das primeiras a levantar e até agora não
apareceu. Estamos todos preocupados.

É possível que esteja com sono, afinal, dormiu tarde, no entanto, minha
mente só consegue pensar que ainda está preocupada com a Amber e quer ficar
sozinha; ou pior, que está evitando me ver porque fiz algo de errado antes de
sermos interrompidos pelo telefonema da sua amiga.

Eu só queria um copo de água gelada. Acordei suando na sala de cinema
abafada e fui para a cozinha, sem imaginar que iria encontrá-la debruçada no
balcão. A visão do seu bumbum redondo e empinado me deixou com a boca
ainda mais seca. Seu corpo distraído ficava se mexendo de um lado para o outro
enquanto ela olhava no celular e comia um pedaço de torta.

Não sei se deveria ter a encarado tanto sem que soubesse da minha
presença logo atrás dela. Percebi que tem uma pintinha preta atrás da coxa
direita e o desenho de uma borboleta na altura do quadril. A blusa do seu pijama
estava um pouco levantada por causa da posição atraindo-me como um predador
faz com sua presa.

Eu queria tocá-la. Queria desesperadamente tocá-la.

A vontade foi tão grande que me fez soltar um suspiro forte. O barulho a
assustou e quase a fez escorregar no líquido que caiu do copo que segurava. Sei
que estou errado, mas fiquei feliz que se desequilibrou porque isso me fez matar
o desejo que estava me consumindo por dentro.

Agarrei-a sob meus braços sentindo a maciez da sua pele fria em
contraste com a minha temperatura elevada. Elevada por causa dela. Mesmo
quando se recuperou e ficou ereta novamente, não consegui me afastar. Minha
mão parecia ter vida própria apertando a carne macia da sua cintura.

Tão de perto eu fui capaz de ver cada nuance do seu rosto, as manchinhas
na bochecha e a imensidão do seu olho azul. O cheiro vindo dela estava me
deixando maluco, eu tive que contar mentalmente para conter o impulso louco
de avançar em Elisa.

Queria colocar meu nariz na sua pele e sentir esse cheiro de mais perto.
Queria lamber para saber o gosto. Não resisti e toquei a mecha do seu cabelo que
caía no rosto. Ela é tão linda, a sua boca tão rosada. Queria... nossa, eu queria
muita coisa.

Pego o copo de suco e tomo o líquido de uma vez só. A simples
lembrança faz minha temperatura aumentar de novo e meu coração retumbar no
peito. Se não tivéssemos sido interrompidos, mais uma vez, eu teria conversado
com ela sobre tudo isso que causa em mim.

Eu preciso falar. Ao mesmo tempo que me deixa extasiado, sinto-me
culpado por não saber se deveria ter essas reações. Além do fato de ter nos
salvado e abdicado de muita coisa para ficar aqui conosco, eu gosto dela e não
quero que se afaste de mim. Não quero magoá-la.

— Elisa não está se sentindo bem hoje, meninos, vai ficar no quarto até
melhorar. — James volta para a cozinha depois do que parece uma eternidade
que saiu para conferir o que houve.

— O que ela tem? Vai ficar boa? Será que posso ficar com ela? — Ethan
faz um monte de perguntas antes que eu consiga abrir a boca.

O garotinho tem se apegado muito na biomédica. Também, é impossível
não se sentir bem na sua presença.

— Elisa disse que é uma dor de estômago, acredito que logo vá ficar bem
sim. Garantiu que tomou um remédio — ele explica e se senta na mesa com a
gente. — Vamos deixá-la quietinha. Pode ser de nervoso também por causa da
Amber.

James acabou acordando com a movimentação pela casa na madrugada e
Elisa contou sobre a tentativa de assalto. Ele se mostrou preocupado de que
possa ser alguma tentativa de intimidação da Bioimmune. Por precaução, os dois
avisaram ao Schumer e a jornalista vai ficar com respaldo policial por uns dias.

Entendo o medo da Elisa. Amber e Emma são suas amigas e quer
protegê-las, assim como quero cuidar do Thomas, do Jimmy, do Matthew e do
Ethan.

O resto da manhã passa arrastado sem a presença dela. Tento me distrair
arrumando a casa e lendo, mas não adianta. Depois do almoço, James sai
novamente para prestar esclarecimentos do caso na promotoria e os meninos se
dividem em atividades de lazer.

Percebo que a janela do quarto da Elisa fica aberta pela primeira vez no
dia e decido ficar na academia e tentar observá-la de longe. A vista é perfeita
daqui, dá para enxergar bem por causa do vidro.

Quase meia hora se passa e nada. Praticamente não fiz um exercício certo
na barra porque meu foco está muito mais no jardim do que no aparelho. Noto
uma movimentação no quarto e me assusto ao ver Elisa correndo no cômodo.
Saio apressado da academia e sigo até a sua janela para verificar se está tudo
bem. Ela já fez isso por mim, é o mínimo retribuir.

— Elisa, estava na academia e vi você se levantar apressada. Está tudo
bem?

Escuto um barulho alto vindo da direção da suíte do quarto e não penso
nem duas vezes para pular a janela e ir verificar o que está acontecendo.

— Estou entrando...

— Não! — ela grita em resposta. Sua voz está fraca. — Fica aí, eu...

Outra vez o som ecoa pelo ambiente. Isso é vômito. Elisa está realmente
passando muito mal.

— Deixe eu te ajudar! — Sem obedecê-la desta vez, abro a porta e a
encontro com o corpo jogado em cima da privada.

Pego seu cabelo caindo no rosto e o levanto para não sujar. Inclino-me ao
seu lado e acaricio suas costas até que tudo saia. Perdi as contas de quantas vezes
auxiliei os meninos dessa forma no laboratório. Às vezes os testes nos causavam
náuseas de dias seguidos.

— Pode ir, Dylan. — Elisa vira o rosto para o lado, como se quisesse se
esconder de mim. — Isso é nojento, não precisa ficar.

— Eu não vou deixá-la desse jeito, não tem nada de mais. — Levanto o
cabelo no alto quando uma nova ânsia aparece.

Por alguns minutos ficamos em silêncio. Percebo que não está à vontade,
então, não forço uma conversa. Assim que o vômito cessa, ofereço uma mão
para que se levante e Elisa vai direto para a pia lavar o rosto e a boca.

— Obrigada. — Sua voz sai embargada e logo percebo que está chorando
pelo corpo que se inclina para frente, apoiado no balcão.

— Por que você está chorando? — questiono, agoniado com a cena. — É
a dor de estômago ainda? Quer que eu pegue outro remédio? Lá no laboratório a
gente mastigava gengibre quando tinha náusea, ajudava bastante. Posso pedir
pro segurança da portaria comprar.

— Essa dor é tudo culpa minha, eu que causei me entupindo de comida
ontem. O estresse com a Amber só piorou.

Pela primeira vez, ela se vira na minha direção e percebo seus olhos
inchados. Não foi a única vez que chorou nas últimas horas. Inspiro fundo,
notando meu peito ficar apertado com a visão. Queria tirar essa dor dela.

— Tem alguma coisa que eu posso fazer pra ajudar? — Às vezes eu
odeio não saber como agir.

— Infelizmente, não, Dylan. Se você tivesse o superpoder de voltar no
tempo, talvez eu conseguisse ser diferente.

Elisa segue de volta para o quarto e eu vou atrás dela, cada vez ficando
mais aflito com o seu semblante cabisbaixo. Acompanho-a com o olhar se sentar
na cama e cutucar a camiseta preta larga que está vestindo junto com uma calça
de ginástica.

— Por que você quer ser diferente? Eu te acho uma mulher incrível
exatamente como é — digo, sincero.

— Você diz isso porque sou a única mulher que convive por mais tempo.
— O sorriso que sai no seu rosto é triste, não se parece em nada com aquele que
adoro vislumbrar. — Estou bem longe de ser incrível.

— Você é bonita, inteligente, bondosa, altruísta... se isso não for ser
incrível, então, não entendo o significado dessa palavra. — Sento-me ao seu lado
na cama, desesperado para fazê-la acreditar nas minhas palavras. — Nem nos
conhecia e arriscou sua carreira pra nos tirar daquele subsolo.

— Me sinto ridícula por estar aqui reclamando da vida com você. — Ela
funga e passa as costas da mão no rosto para secar novas lágrimas que caem. —
Logo você que passou 25 anos sendo usado como cobaia, sem a chance de
conhecer o mundo. Me desculpe por isso.

— Desculpa? Você não precisa se desculpar por estar triste. — Mesmo
não sabendo se deveria, não resisto a pegar na sua mão que está apoiada na
perna. — Não entendo muito sobre como é a vida aqui do lado de fora, mas
tenho certeza de que um sofrimento não é maior do que o outro.

Elisa não se afasta do meu toque. Ao contrário, seus dedos se remexem
na minha palma e eu os acaricio com cuidado. Aquela adrenalina viciante, que
parece me acender por dentro como uma lâmpada, vem forte fazendo meu
coração acelerar.

— Por que você está triste? — Tento puxar assunto diante do seu
silêncio. Não quero acabar com esse momento. — Desde que chegamos aqui,
você tem nos ensinado, nos escutado, está sempre pronta pra ajudar na
adaptação. Talvez eu possa ajudá-la agora, nem que seja apenas como um ombro
amigo.

Ela permanece quieta e, por um instante, penso que não vai dizer nada.
Quando a primeira palavra sai da sua boca, uma lágrima quente dos seus olhos
pinga na minha mão.

— Eu perdi um filho. — Não entendo direito como deve ter acontecido,
no entanto, seu semblante abatido me diz tudo que preciso saber. — Depois da
morte dele, eu desenvolvi uma depressão e comecei a ter compulsão alimentar.
Em resumo, sempre que fico ansiosa ou triste demais desconto na comida a
minha frustração.

— Sinto muito por sua perda, de coração. E sinto muito também que
tenha desenvolvido esse problema.

— Obrigada, Dylan. Foi um baque muito forte, e agora morro de medo
de perder outra pessoa importante pra mim. Ontem aquele assalto da Amber me
deixou transtornada. Quero acreditar que vai ficar tudo bem, mas nem sempre
minha mente deixa.

— Não tem nada que você possa fazer pra melhorar essa angústia que
você sente? É muito ruim te ver abatida assim. Eu gosto tanto do seu sorriso.

Elisa olha para mim de um jeito diferente, que faz meu peito retumbar
ainda mais. Adoro as reações que causa em mim. Adoro sentir essa avalanche de
coisas novas.

— Eu faço terapia, mas agora não estou conseguindo ir às sessões. —
Delicadamente, ela retira sua mão da minha e esfrega o rosto. Sinto falta do
toque no mesmo instante. — Também tem um remédio que eu posso tomar para
me ajudar a dormir e relaxar, só que tenho evitado. Ele me deixa muito dopada.
Ficar o tempo todo sob pressão não está me ajudando a controlar a compulsão.
Quando percebo, já comi um monte de comida e estou empanturrada.

— Não ajuda conversar com a terapeuta que está nos auxiliando?

— A prioridade é atender vocês. E outra, eu tenho uma dificuldade
enorme de falar de mim. É preciso tempo pra eu me abrir. Conversei com a
minha terapeuta mais cedo por telefone, ela vai me encaixar em algumas sessões
on-line enquanto estiver aqui. — Ela abre um sorriso verdadeiro e me deixa
vidrado nos seus lábios. — Você conseguiu um milagre aqui hoje, me fazendo
falar. É culpa da TPM que me deixa sensível demais.

— O que é TPM? — questiono, curioso, sem desviar o foco do seu rosto.

— É uma sigla para “tensão pré-menstrual”. As mulheres têm uma série
de incômodos antes da menstruação descer, uma delas é ficar com as emoções à
flor da pele. Você sabe o que é menstruação?

— Tivemos um pouco dessas aulas no subsolo, quando era explicado
como nós nascemos.

Talvez não seja o melhor momento para falar disso, visto que minutos
atrás Elisa estava chorando, no entanto, a deixa do assunto é perfeito para
começar a perguntar sobre a minha dúvida.

Eu não vou sossegar enquanto não ficar com a consciência tranquila.

— Estou com uma dúvida que, estranhamente, não me sinto à vontade de
esclarecer com o James, mas parece certo dizer a você — começo a contar,
passando a mão no cabelo.

Ela me olha antes de cutucar a barra da camiseta. Noto suas bochechas
ficarem um pouco rosadas.

— Qual é... — Elisa limpa a garganta. — Qual é a sua dúvida?

— Eu peço desculpas desde já, se o que eu fiz é errado, não sabia e
simplesmente aconteceu. — Respiro fundo junto com a loira, que fica estática ao
meu lado aguardando o resto da frase. — Tem algum problema você não sair da
minha cabeça o dia todo? Não consigo controlar.

— Como... como assim, não sair da sua cabeça? — Sua voz fica um
pouco entrecortada, e seu olhar desvia do meu. — Tipo, você fica pensando nas
nossas conversas, em momentos que passamos juntos aqui na casa?

— Também, mas não apenas assim. — Fecho os olhos por um instante.
Espero que o que eu disser não a deixe diferente comigo. — Eu me imagino
tocando você, como aconteceu essa madrugada na cozinha. Penso em você todas
as vezes que preciso me... sabe... me aliviar da ereção.

— Você pensa em mim pra se masturbar? — A pergunta sai alta demais.
Elisa fica em pé, boquiaberta, e dá voltas na minha frente. — Eu? Eu mesma?

— É, em você. — Fico em pé também, sem saber o que fazer. Ela passa a
mão no cabelo várias vezes seguidas e rói as unhas. — Espero que você não
fique brava comigo, me perdoe. Eu não quero que fique diferente. Só te contei
porque estava me fazendo mal não saber se era certo. Não sei se tenho permissão
pra te imaginar dessa forma.

Elisa para de caminhar e me fita com atenção. Faço o mesmo, engolindo
em seco diante dos seus olhos que parecem ainda mais azuis depois que chorou.

— Não precisa se sentir mal, Dylan. Eu entendo, é uma coisa natural do
ser humano ter esse tipo de desejo. Ainda mais depois que parou de tomar o
remédio. Não estou brava, tá bom? Fique tranquilo. Eu só fiquei um pouco
surpresa... — Noto seu peito subir e descer, mas tento fazer meus olhos não
focarem muito nesse local. — Não deve reprimir esse tipo de sensação, é
comum. Porém, você está... está tendo... esses pensamentos comigo porque
passamos mais tempo juntos. Só por isso. — Elisa volta a se sentar e a cutucar a
beira da camiseta. — Enquanto estiver aqui dentro, não tem muito como permitir
que viva... sabe... essa parte da vida. Mas tem outras formas que pode ir
experimentando enquanto resolvemos tudo com a Bioimmune. O James pode
ajudá-los mais nessa questão. Vou conversar com ele, sem citar o seu nome, tá?!
Não precisa ficar com vergonha de não saber.

— Essas outras formas vão me ajudar a parar de pensar em você?

— Com certeza vão, fique tranquilo! — ela garante, ainda sem me fitar.
— Foi só uma reação natural do seu corpo porque eu estava mais próxima.

Não tenho muita certeza de que foi isso. Também temos contato com a
Emma e a Amber e não pensei nas duas uma vez sequer.

Eu gosto das reações que Elisa causa em mim, mas se ela não está
confortável com isso, vou tentar respeitá-la. Espero que minha mente me ajude
nessa missão.




Olho para o tom alaranjado do céu, apreciando a vista do fim de tarde
que se aproxima. O lago é o local mais relaxante de toda propriedade, se eu
pudesse com certeza ficaria mais tempo por aqui. Encosto em um tronco de
madeira e permaneço em silêncio pensando na conversa que tive com minha
terapeuta.

Hoje fizemos a primeira sessão on-line e eu gostei bastante. Estava
precisando do seu apoio, a TPM não ajudou em nada a manter minhas emoções
no lugar. Segundo ela, tenho que encontrar um suporte enquanto estiver nesta
casa para manter o mínimo de equilíbrio diante dos problemas.

Minhas pesquisas eram o meu suporte lá fora, só que aqui não tem como
trabalhar. Na verdade, no momento, nem tenho cabeça para pensar nisso. Preciso
encontrar alguma outra coisa.

— Ela está bem ali! — Dou um pulo, assustada com a voz do Dylan.

Desde que me disse que eu não saio da sua cabeça, o rapaz fez morada de
vez na minha. Meu Deus, não sei mais que orações eu faço para que pare com
esses pensamentos impróprios em relação a ele.

Viro para trás e o vejo parado no final da trilha com Amber e Emma.
Nem sabia que as duas viriam. Levanto-me e vou na direção dos três. Não sei se
estou mais feliz ou preocupada por vê-las aqui a essa hora.

— Está escurecendo, não deviam ter vindo. Fica perigoso voltar pra casa
depois, mesmo sendo domingo e com as ruas mais tranquilas. — Abraço as duas,
estava com muita saudade.

Na última semana, por causa da agenda cheia, não nos vimos com muita
frequência. Pedi para que não venham mais no período noturno a fim de tentar
garantir a segurança delas.

— Aproveitamos uma carona rápida com o Schumer, ele precisava falar
com a equipe que está na segurança — Amber explica, acariciando as pontas do
meu cabelo solto. — O senador Wright conseguiu aprovação de um projeto que
proíbe aglomeração, no raio de 1km da casa, até que as investigações sejam
concluídas devido à importância do caso.

— Que excelente! Não teremos mais problemas com as manifestações.

— Não, e nem com os jornalistas acampando no muro. — Minha amiga
bufa, ajeitando os óculos. — Ficar aqui plantado na porta não adianta nada, não
conseguem falar com ninguém mesmo. Seriam mais úteis na redação fazendo
matérias contra a Bioimmune. Ou lá de vigia na sede da empresa.

Depois da primeira entrevista coletiva, decidimos não expor mais os
meninos para o público externo. A cada dia que passa, mais tempo de planejar os
inimigos têm e mais perigoso se torna aparecer. Estamos gravando boletins sobre
o estado deles, e algumas outras informações necessárias, para publicar em um
site que fizemos a fim de angariar apoio à nossa luta.

— Eu vou deixar vocês a sós, com licença, meninas. — A voz dele me
faz novamente remexer o corpo.

Ai que merda! Será que não vou mais conseguir ficar normal na sua
presença? Não queria estar diferente, Dylan não fez nada de errado. O problema
é a minha mente ter dado vida às suas palavras. Tenho fugido dele como diabo
foge da cruz.

Uma coisa é um garoto que nunca viu uma mulher ter pensamentos
eróticos comigo. Outra bem diferente sou eu, uma marmanja que já foi casada e
tem bem mais experiência, ficar remoendo essa confissão.

— Obrigada por trazê-las — agradeço, olhando brevemente nos seus
olhos.

Ele parece abatido, seu semblante desanimado como no dia que me
confidenciou que se sente culpado por terem permanecido tanto tempo no
subsolo. Não gosto de vê-lo dessa forma.

— De nada. — Acena com a cabeça e dá meia-volta, retornando de onde
veio.

Fico estática por um momento, acompanhando suas costas largas
sumirem de vista. Não ajuda em nada ele ser tão lindo e fofo. Fiquei mexida
quando disse que queria me perguntar por que não sabia se podia pensar em mim
daquela forma sem permissão.

Além desse gesto, ainda me ajudou durante o vômito sem nem
pestanejar. Durante os primeiros meses da gravidez, Mark mal chegava perto de
mim alegando que o cheiro impregnava no meu corpo.

— Eu perdi alguma coisa aqui, gente?! — Emma entra na minha frente,
sorrindo. — O que foi isso, amiga?

— Isso o quê? — disfarço, voltando para o tronco da árvore. — Não foi
nada.

— Que nada, Elisa! Tá pensando que a gente é cega? — Amber também
ri, acompanhando-me. — Tinha uma química aqui no ar mais forte que o loiro
no meu cabelo.

— Nossa, como vocês são ridículas! — Nós três nos sentamos e acabo
não resistindo a sorrir com a comparação.

— Você reparou como ele olhava pra você, né? — Emma pergunta,
cutucando meu ombro. — Eu te disse, mulher, aquele homem mal consegue
disfarçar como você mexe com ele.

— Me atualizem da fofoca, eu tô por fora.

A cupido faz questão de contar todos os detalhes que havia notado e da
conversa que tivemos, dias atrás, para Amber. Ao contrário do que imaginei, a
jornalista fica tão empolgada quanto a outra com os relatos.

Por ser mais séria, pensei que nem daria conversa para esse assunto.

— O que mudou pra estarem desse jeito agora? Você deu um fora no
rapaz? Tadinho, Elisa, ele tava com uma carinha tão triste.

— Triste, mas fez questão de nos acompanhar até o lago. — Amber entra
na farra da Emma. — Ele queria te ver, com certeza, nem que fosse um
pouquinho.

As duas começam a fazer um monte de perguntas que não me deixam
outra escolha senão contar o que aconteceu. Começo falando do instante que
apareceu no quarto para me socorrer de uma crise de náusea e do momento que
contei mais sobre mim.

É muito difícil eu me abrir com alguém, mas com ele fluiu naturalmente.
Só ficou embaraçoso quando tocou no assunto dos seus pensamentos.

Meu Deus, pensei que teria uma síncope na sua frente. Não queria
parecer brava e culpá-lo por algo que é biológico, entretanto, ao mesmo tempo
fiquei muito surpresa.

— Oh, meu Deus, ele disse na sua cara que tava se masturbando
pensando em você? — Emma fala alto e dou um tapa na sua perna, pedindo
silêncio. Olho para os lados, preocupada que tenha alguém nos ouvindo.

Comentei com James por cima, é claro, sem dar detalhes e sem dizer
quais dos garotos me procurou com dúvidas a respeito. Ele imaginou que o
remédio ia demorar um pouco mais de tempo para parar de fazer efeito no
organismo. Sugeri que explicasse melhor sobre essa questão da sexualidade
masculina e mostrasse como podem sentir prazer enquanto estiverem aqui na
casa. Só o Ethan ainda é muito novo, os demais com certeza vão precisar
extravasar os hormônios acumulados no corpo.

— Eu sou a única mulher que passa o dia inteiro aqui com eles, só por
isso estava pensando em mim. Não se empolga, não!

— Será que era só por isso, Elisa? — Amber pondera. Filha da mãe! Está
se bandeando de vez para o outro lado. — Você me parece mexida com essa
história. Também ficou afim, né? Saiba que não tem nada de imoral ou errado
nisso. Se rolar algo, não fique pensando bobeira. Química, como eu já disse, não
falta aí nessa equação.

— Eu estou pensando merda por causa da Emma que colocou minhoca
na minha cabeça! — esbravejo, irritada. — Estava tudo bem até que me fez olhar
para o garoto de forma diferente. Isso não deveria estar acontecendo, eu sou
mais velha, mais experimente, estou aqui como biomédica para ajudá-los.

— Amiga, você viaja demais! — Emma pega minhas duas mãos e me faz
encará-la. — O que tem a ver ser mais velha e mais experiente? São todos
adultos, o Dylan ficou privado de muita coisa, mas não é burro, não. Você não
vai abusar do rapaz ou qualquer outra merda que está passando nessa sua
cabecinha.

— É verdade, Elisa. Eu concordo com a Emma. Essas desculpas que está
inventando não tem nada a ver. E, se eu bem te conheço, afastou o Dylan depois
que ele te confidenciou isso. Não é?

— Não foi por mal, eu não quero que se sinta culpado por ter me falado
nem por pensar. Sei que é biológico, instintivo. — Desvio o olhar para o lago,
sentindo-me culpada por deixá-lo triste. Eu deveria ter sido mais madura. — Só
que isso tomou conta da minha cabeça, e eu me sinto mal por ficar pensando
nele dessa forma.

— Pensa no lado dele, amiga! — Amber também segura a minha mão.
— O cara criou coragem pra te contar algo pessoal e depois você deu um gelo.
Mesmo que não queira deixar rolar, acho que deveriam conversar e resolver esse
clima estranho. Vão conviver por bastante tempo juntos ainda, não precisa ser
assim.

— Eu sei... o vacilo foi meu. Não quero reprimi-lo de nada, já passou
tanto tempo limitado. Estávamos criando um laço de confiança antes de me
afastar.

— E bota confiança nisso! — Emma endossa. — Você não é de contar da
sua vida pra ninguém e se soltou com ele. Significa alguma coisa. Você nos
mandou mensagem de tarde contando que sua terapeuta sugeriu que tivesse um
ponto de equilíbrio na casa. Pode ser o Dylan.

— Não quero usar ninguém como válvula de escape para os meus
problemas.

Eu me sentiria ainda pior se me reaproximasse dele apenas com o
objetivo de tentar manter minha ansiedade em níveis adequados. Seria usá-lo e
Dylan não merece isso.

— Quem está falando em válvula de escape, Elisa? — Amber retruca
minha afirmativa. — Estamos falando de duas pessoas que podem se ajudar
mutuamente. Que podem se tornar amigas ou quem sabe algo mais. Não estou
pedindo pra forçar nenhuma relação, só quero te alertar pra não fugir, caso
aconteça.

— Você é tão lógica, tão certa nas coisas. Não pensei que fosse ficar do
lado da Emma nessa loucura.

Estava imaginando que seria a primeira a me dar razão e pedir que eu dê
um fim nesses pensamentos intensos.

— Não tem nada de errado, amiga, é você quem está colocando
empecilhos. Loucura pra mim é deixar de viver coisas incríveis por medo. —
Tento desviar o olhar de novo, mas ela segura meu queixo com delicadeza e me
faz observá-la. — Já passou da hora de você viver. Perdeu muito tempo sofrendo
pelo Mark e tudo que sucedeu àquele relacionamento. Não temos o melhor
cenário aqui, com uma investigação em andamento, mas quem disse que há
momento certo para essas coisas?

— E se ele tem essas reações só porque nunca viu uma mulher antes e eu
fui a primeira? E se eu acabar me envolvendo e me decepcionar?

— E se ele estiver mesmo afim? E se você encontrar o amor onde menos
esperava? — Emma devolve minhas perguntas com outros questionamentos.

Fico em silêncio, sem saber o que responder. Quando me joguei de
cabeça nessa situação, jamais passou pela minha mente que algo semelhante
pudesse acontecer.

Quero pedir desculpas por ter me afastado, mas mesmo depois dessa
conversa, tenho medo de que essa decisão traga consequências que não estou
preparada para assimilar.


O vento fresco da noite faz os fios do meu cabelo esvoaçarem pelo meu
rosto. Prendo-os no alto e continuo andando em direção ao lago. Vi pela janela
do meu quarto que a lua está cheia e não resisti em contemplá-la no espaço da
casa que tem o ângulo mais bonito para o céu.

Não é como se eu estivesse com sono mesmo e fosse conseguir dormir.

Paro quando chego ao limite da terra e aprecio com um sorriso no rosto
a silhueta branca, espelhada no movimento suave de vaivém da água. É muito
relaxante! Com certeza, a paisagem ajuda a esquecer um pouco toda a tensão
que temos vivido.

— Oi, Elisa! — O tom de voz rouco, perto demais de mim, eriça os pelos
do meu braço.

Equivocadamente, arqueio o corpo para trás e encontro seus músculos
fortes se encaixando na minha pele. Uma de suas mãos se embrenha, sorrateira,
no tecido da blusa do pijama e a outra acaricia com a ponta dos dedos o meu
pescoço.

É impossível controlar a sensação boa do arrepio que se espalha como
fogo em mim. Instantâneo, potente.

— O que você está fazendo, Dylan? — sussurro, implorando
mentalmente que não pare de se aproximar.

Não sei de onde esse homem surgiu a essa hora da noite, deveria pedir
para que voltasse para o seu quarto. Eu deveria voltar para o meu.

Ao contrário do que meus instintos mandam, entretanto, não saio do
lugar.

— Eu não consigo mais ficar longe de você. Quero te tocar, quero te
sentir, quero te provar... o tempo todo. Estou ficando louco! — Meu Deus! Eu
não tinha reparado antes como a sua voz é sexy e firme. — Por favor, pare de
fugir de mim.

— Nós não podemos... não podemos nos relacionar dessa forma. É
melhor ficarmos distantes um do outro.

— Por que não?

O seu hálito quente soprando a minha nuca e a mão apertando mais
firme a carne da minha cintura não ajudam em nada a me concentrar em uma
resposta convincente.

Inspiro fundo e reúno todas as minhas forças para me afastar do seu
toque e ficar de frente para ele. Dylan é um homem muito lindo. Aprecio por um
momento suas sobrancelhas grossas, o rosto quadrado, o nariz comprido, a
barba que cresceu e caiu perfeitamente bem no seu rosto... Seus olhos castanhos
são o que mais chamam a atenção pelo brilho que me fita de volta.

Quando sair desta casa, não resta dúvidas de que ele poderá ter
qualquer mulher do mundo.

Mulheres muito mais interessantes do que eu.

— Estou aqui como biomédica pra ajudá-los a ficarem livres. Além disso,
sou mais velha, mais experiente. Sinto como se estivesse abusando da sua
inocência se me deixasse levar por essa atração — confidencio, sincera. — Você
nunca conviveu com uma mulher antes, eu sou apenas uma curiosidade que seu
corpo agora livre dos remédios anseia. Tem muita gente pra conhecer ainda.

— O que tem a ver você ser mais velha? Ser biomédica que me salvou
me deixa ainda mais atraído, isso não é um empecilho. — Dylan dá um passo
para frente e volta a me tocar no pescoço. Agora com sua mão inteira, fazendo
minha cabeça pender instantaneamente para o lado do seu braço. — Posso não
ter convivido com outras mulheres antes, só que desde que cheguei aqui todas as
outras que vejo não causam nem 1% das sensações que tenho com você.

— Dylan, não...

Sem pedir permissão, e interrompendo minha fala, ele pega a minha mão
e leva na altura do seu peito. As batidas fortes ecoam pelo meu sistema nervoso
até alcançarem as minhas próprias, que estão agitadas da mesma forma.

— Nenhuma traz esse rebuliço no meu peito. É diferente com você, tenho
certeza que é.

Abro a boca e fecho. Não sei o que dizer. Não tenho mais desculpas para
lutar contra isso. A verdade é que eu até teria, se eu quisesse. A questão aqui é
não querer. Por mais que saiba todos os contras, minha mente quer se apegar à
pequena esperança do talvez.

O “e se” com Dylan soa tentador. Tentador demais.

Aproveitando meu silêncio, ele corta de vez o resto da distância que nos
separa até que seu nariz toca o meu. De forma carinhosa, roça a minha pele
espalhando sua respiração quente pelo meu rosto. Meu peito se expande e se
comprime em velocidade máxima. Tão perto assim sou incapaz de raciocinar.

— Por favor, pare de fugir de mim — volta a pedir, olhando nos meus
olhos, ainda mais urgente do que antes.

— E se der tudo errado? — Meu lado negativo não resiste a uma última
tentativa de me tirar desse estupor.

— E se der certo?

O seu pensamento é bem parecido com o da Emma e da Amber. Três
pessoas importantes para mim conseguem enxergar o lado positivo.

Dylan desvia seu foco para a minha boca e o resto de resistência que me
restava se esvai. Passo a mão no seu queixo e me aproximo devagar da sua
boca. O toque inesperado faz o seu peito subir e descer desenfreado desta vez.

— Eu vou te beijar — aviso, em um fio de voz.

Sem esperar sua reação, e nem um possível arrependimento da minha
escolha, enlaço seu pescoço e toco nossos lábios bem devagar. O choque da
minha boca gelada pelo vento fresco, e da sua, quente por causa da temperatura
elevada, causa um frenesi pela minha corrente sanguínea.

Meu coração acelera e a minha língua ganha vida, ávida por explorar
cada milímetro dele. Quando cai em si do que está acontecendo e me pega de
novo pela cintura, imitando os movimentos dos meus lábios, sinto-me como
alguém sendo puxado para a superfície depois de um longo tempo submerso na
água.

É assustador. É libertador. É incomparável.


Sento-me na cama de repente, sentindo meu coração reverberar por cada
célula do meu corpo. Coloco a mão no peito para tentar amenizar a aceleração
crescente e me dou conta de que estava dormindo. Eu consegui dormir, depois de
dias de insônia. Eu até sonhei! Com Dylan.

Acendo a luz do abajur e pisco para me acostumar com a luminosidade,
ainda tentando assimilar a intensidade do que aconteceu. Pareceu tão real. Não
consigo nem me lembrar quando foi a última vez que relaxei tanto ao ponto de
fantasiar dessa forma.

Olho na direção da porta e é inevitável imaginar se Dylan está na cozinha
de novo, ou se poderia encontrá-lo pelo corredor se me levantasse neste instante.

Uma força poderosa dentro de mim quer muito que tudo que aconteceu
nesse sonho se repita.


Sem conseguir prestar atenção em uma palavra sequer, fecho o livro e
o jogo na grama. Se “Os três mosqueteiros” não está me distraindo, começo a
ficar preocupado com meu estado mental. Até nos piores dias do subsolo a
história me empolgava, nem que fosse o mínimo possível.

Ando disperso desde que Elisa se afastou de mim. Ela tenta disfarçar,
interage um pouco, mas eu sinto que está diferente. Assim que faz as refeições
na mesa e ajuda a arrumar as coisas, inventa uma desculpa para sair em seguida.
Não fica por perto quando alguém nos deixa sozinhos no mesmo ambiente de
jeito nenhum e a janela do seu quarto só fica encostada.

Não preciso ser expert para entender que não me quer por perto. Essa
constatação está me matando por dentro porque tudo que mais anseio é me
aproximar. Um desejo insano que jamais imaginei ter. No subsolo eu tinha medo
de descobrir coisas novas, tinha medo de me aventurar, e aqui não.

Com ela, não.

Continuei procurando respostas na internet para essas novas sensações e
acabei caindo em um artigo que me deixou preocupado. Talvez eu esteja
obcecado por Elisa. Não me pareceu algo bom — tanto para quem sente como
para quem é o alvo dessa loucura intempestiva. A última coisa que eu quero é
sufocá-la, por isso, tenho respeitado seu afastamento e não tento puxar assunto.

James conversou com a gente e nos mostrou as tais formas que ela
garantiu que iriam me ajudar. Foi um fiasco enorme que só serviu para me deixar
frustrado! Levei o computador para o quarto, como sugeriu, e tentei me
acostumar com as dezenas de vídeos que saltaram aos meus olhos. De fato,
tenho muito o que aprender sobre a vida. Vi cenas que nunca passaram pela
minha cabeça que podiam ser feitas entre duas pessoas. Havia mulheres bonitas
e atraentes, mas eu sempre acabava mudando na minha cabeça a imagem da
pessoa na tela para a Elisa, minutos depois de dar o play.

É surreal como ela se impregnou em mim. Não sobra muito espaço para
outras questões.

O desespero de fazer algo, que pareceu não a deixar confortável, me fazia
brigar com os meus pensamentos e o ato esfriava antes do clímax. Foram dez
tentativas fracassadas na última semana que só geraram dor lá embaixo.

Estou quase desistindo e me conformando. Uma hora isso tem que passar
e vou voltar ao normal.

Sentado com as pernas dobradas, pego algumas pedrinhas no chão e as
arremesso no lago. Não são nem nove horas da manhã ainda, preciso dar um
jeito de fazer o tempo passar.

— Sabia que você estaria aqui! — Olho para trás e pisco várias vezes
para ver se Elisa está realmente parada atrás de mim.

Não estranharia se começasse a criar miragens da mulher por todos os
cantos.

— Posso me sentar? — ela pergunta diante do meu silêncio.

Balanço a cabeça em concordância, ainda não crente o suficiente de que
seja real este momento.

— É você mesmo, né? — Coço os olhos e a observo com mais atenção
quando sua perna roça sem querer na minha. — Parece uma eternidade que não
nos falamos dessa forma.

O seu cabelo está molhado e solto. O vento faz questão de trazer o cheiro
doce do xampu direto para o meu nariz. O universo não conspira a meu favor.

— Me desculpe, Dylan, é justamente por isso que estava te procurando.
Eu tenho sido imatura, não soube lidar bem com a enxurrada de... — Ela puxa o
ar para os pulmões e desvia o foco para o lago por breves segundos. — Algumas
coisas são novas pra mim também, como são pra você. Quer dizer, tem
acontecido depois de muito tempo, já não estava mais acostumada, então
parecem novas.

— Como assim? Que tipo de coisas?

Elisa me fita com aquela imensidão azul e consigo enxergar dúvida
refletida ali. É como se estivesse em um duelo interno para responder minha
pergunta ou não.

— Você é um homem bonito e atraente — diz, por fim, fazendo meu
coração acelerar. — Eu também me pego pensando em ti.

Sorrio abertamente, sem reação às suas palavras. Eu... não estava
esperando por isso. Passo a mão no rosto, esfrego o jeans da minha bermuda...
Desta vez, acho que meu coração pode mesmo sair do peito.

— Eu estou tão feliz que nem sei o que dizer.

— Você ficou com as bochechas vermelhas. — Ela ri, soltando um som
gostoso que faz as batidas aumentarem mais do que parece possível. — Somos
mais parecidos do que imaginei.

— Isso é algo ruim? — pergunto, confuso.

— Não, de forma alguma! Eu acho fofo. O problema é que estou dividida
entre te falar coisas assim, e parar de vez de alimentar isso. Pesa demais eu estar
aqui como biomédica, ser mais velha, mais experiente...

Começo a cutucar a grama sem saber o que fazer. Elisa copia o meu
gesto, tão concentrada no chão como se ali estivesse a coisa mais importante do
mundo. Ambos ficamos alguns segundos em silêncio.

— Essa conversa... de agora... — Crio coragem para voltar a puxar
assunto. — Quer dizer que você vai parar de fugir de mim?

— Acredita que eu sonhei essa noite com você, aqui no lago, e me dizia
exatamente essa frase — ela conta e noto seu rosto corar assim como aconteceu
comigo. Tenta disfarçar e pegar algumas pedrinhas. — Quer dizer, é isso sim.
Vim aqui pra pedir desculpas e a gente voltar ao normal.

— Você sonhou comigo? — Essa é a única parte da frase que meu
cérebro assimila.

Seus olhos azuis cruzam brevemente com os meus e o rosado da sua pele
se acentua. Elisa parece tão sem graça que poderia se levantar e sair correndo
daqui neste instante.

— S... sim. — A palavra curta sai com dificuldade.

— Eu já sonhei com você inúmeras vezes, perdi até as contas —
confesso, buscando seu olhar. — Aliás, me desculpe, estou tentando refrear
meus pensamentos só que dormindo não está dando certo. Não que acordado
esteja funcionando, enfim... estou tentando.

— O James não falou com vocês?

— Falou, juro que tentei, mas tem sido um fiasco. Não chegou nem perto
de funcionar, como disse. Nada chama a minha atenção. Só você.

Acompanho o movimento na sua garganta e seu peito se expandir. Os
lábios levemente entreabertos fisgam minha atenção completamente. Com Elisa,
basta um simples gesto para me atrair.

Eles são tão carnudos, parecem macios. Queria fazer o que eu assisti em
alguns vídeos. Beijar é o termo. Acho que é algo gostoso, queria testar.

— Preciso me acostumar em como você é direto ao falar. — Ela sorri,
sem jeito, e coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Não é muito fácil
manter minhas metas assim.

— Que metas você quer manter? — questiono, ainda atraído pelo
movimento da sua boca.

Elisa me encara de verdade pela primeira vez, desde que chegou, e sinto
que posso parar de respirar diante de tanta intensidade. Eu adoro quando ela me
olha desse jeito.

— Metas como essa distância mínima que temos no momento. — Sua
voz sai baixa, carregada.

— Você também quer me tocar, como eu anseio tanto fazer em você? —
Estico a mão para a frente, ávido por senti-la em meus dedos, mas não chego a
tocá-la. — Aquela madrugada na cozinha fica repetindo em looping na minha
cabeça.

— Como diria o poeta Fernando Pessoa: “querer não é poder”. Não acho
uma boa ideia.

— Se é pra usar uma citação, prefiro o trecho de “Orgulho e
preconceito” que terminei recentemente — opino e volto a mão esticada para
próximo da minha perna. — “Em vão tenho lutado comigo mesmo; nada
consegui. Meus sentimentos não podem mais ser reprimidos.”

— Nossa, Dylan... — O tom de urgência com que diz o meu nome
acelera mais uma vez as batidas do meu coração. — Você falando de livros de
romance é golpe baixo. Isso e o fato do meu sonho ficar repassando na minha
mente não estão ajudando em nada a resistir.

— A última coisa que eu quero é resistir — comento, cutucando o jeans
da bermuda para segurar o desejo de colocar os meus dedos na sua pele. — E,
sinceramente, eu daria tudo pra você também não resistir mais. Não sei de nada,
não faço ideia do que virá adiante... só sei que o ímpeto de agora é quase
incontrolável.

— Um sinal... Senhor... por favor, me dê um sinal. — As palavras
desconexas saem em sussurro da sua boca, mas consigo ouvi-las.

Elisa arfa profundamente e o barulho se torna o meu preferido no mesmo
instante. Porque com o som eu consigo sentir que para ela também está ficando
incontrolável.

Ela quer, quer me tocar. Não consigo esconder o sorriso que estampa o
meu rosto. A comichão para cortar a nossa distância se amplifica, junto com a
ansiedade pelo que virá nos próximos minutos.

Elisa vai ceder ou vai resistir? Por favor, por favor, escolha a opção um.

Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, somos surpreendidos por
uma borboleta azul que passa voando muito próximo dos nossos rostos. O bater
das asas assusta Elisa e ela acaba dando um pulinho para o lado, ficando ainda
mais perto.

As pernas voltam a roçar, nossos braços se tocam sutilmente.

Amo como meus pelos correspondem ao seu toque tão rápido, como meu
corpo começa a esquentar de forma imediata.

— Era uma borboleta azul? — questiona, chocada, e eu aceno em
afirmativo com a cabeça. — Nossa, Deus, assim tão rápido o meu sinal? É sério
que é pra deixar isso rolar?

Fico parado acompanhando-a, divertido, falar sozinha olhando para o
céu. Não estou entendendo essa interação solitária, mas gosto da forma que sua
voz fica mais leve e seu semblante mais suave.

A diversão, porém, logo se torna um rebuliço no meu peito quando Elisa
desce seu olhar para o meu rosto e me encara tão fixamente. Respiro fundo e
correspondo no mesmo fervor.

— O que a gente fez no seu sonho? — A pergunta sai da minha boca sem
que eu pense demais.

Mais um suspiro profundo dela, mais uma melodia para os meus ouvidos.

— Eu... beijei você.

Pisco, tentando assimilar o que diz com o que vi brevemente nos vídeos
que James passou. Parece melhor, bem melhor, do que só tocá-la. Eu poderia
tocá-la, e sentir os seus lábios carnudos.

— Vo... vo... você quer me beijar agora? Por... porque eu gos... gostaria
muito — gaguejo, sem conseguir juntar as palavras em uma frase. — Tipo
muito, muito mesmo.

— Tem mil motivos que me fariam gritar que não, Dylan. Só que
nenhum é mais forte do que a vontade de dizer sim.

O que acontece depois do “dizer sim” eu não assimilo direito porque
minha mente fica anuviada ao notar que seus dedos gelados estão tocando o meu
rosto. Ela os mexe com timidez de início, como se quisesse se acostumar com o
gesto.

Olhando para mim, Elisa contorna cada detalhe da minha silhueta
causando-me uma sensação extraordinária na pele. Os dedos passam pelos meus
olhos, meu nariz, meu maxilar, minha barba... minha boca.

O último local agraciado é o meu queixo, que ela segura ao apoiar o
polegar no meu lábio inferior. A textura do dedo na pele sensível, fazendo uma
leve pressão e espalhando saliva de um lado para o outro, me deixa com a
respiração entrecortada.

Sedento por repetir cada movimento nela, estico a mão e peço permissão
com o olhar. Elisa arqueia o corpo para frente, soltando um ar quente em mim, e
acena em concordância, abaixando a sua.

Como um bom aluno que sempre fui, faço exatamente igual incentivado
pelas arfadas e murmúrios que saem dela. A sua pele é macia, os dedos deslizam.
Saber que estou causando essas reações na mulher à minha frente me deixa mais
excitado do que quando eu mesmo as vivencio.

Movido por uma força interior, que parece implorar para sair de dentro
de mim, corto o restante do espaço entre nós e fico ainda mais perto. Quase
grudado.

— Você pode me ensinar a te beijar? — sussurro a centímetros do seu
rosto. — Eu quero... aprender tudo com você.

— Posso. — Ela inspira fundo, e coloca sua mão de novo em mim.
Agora no meu pescoço.

Cedo a cabeça para frente, inebriado, assim que sobe um pouco mais
passando pela nuca e alcançando os fios do meu cabelo.

— Você gosta assim?

— Muito... faz de novo, por favor — suplico, encostando a minha testa
na dela.

Escuto Elisa sorrir e meu coração se enche. Obediente ao meu pedido,
estremeço ao sentir o arrepio na nuca e seus dedos apertando mais firmes uma
pequena mecha que apanha.

Assim que consigo me recompor o mínimo possível da sensação
incrivelmente gostosa, refaço a mesma coisa nela. Seu cabelo ainda está
molhado. A temperatura mais fria, misturada ao calor que exala do meu corpo,
traz um choque bom à tona.

Mexo meus ombros para frente quando ela geme diante da puxada leve
dos seus fios loiros. Nossa... como eu amo isso... o barulho, o gesto... Nossos
narizes se roçam e a respiração acelerada se mistura.

— É normal esse frenesi interior, Elisa? — questiono, afoito, mal
reconhecendo minha voz. — Sinto como se pudesse transbordar, tem um desejo
insano aqui de te apertar, te puxar, te grudar em mim.

— Você está com tesão — responde, seu tom mais rouco do que o
normal. — É isso que esse sentimento doido significa.

Prendo mais firme meus dedos no seu cabelo e ela puxa minha nuca,
encostando seus lábios nos meus. Primeiro ficamos só roçando pele com pele,
trocando respirações pesadas. Depois sua boca se entreabre, inclinando para a
direita. Fico tão ansioso para o momento que acabo me virando para o mesmo
lado e meu nariz bate com força no dela.

— Desculpe, me desculpe — peço, sem jeito, afastando-me um pouco.
— Estava tão bom, eu pensei que tinha que virar junto.

— Ei, não tem problema. — Elisa sorri e acaricia minha barba com a
mão livre. Acho que ela gosta, é o lugar que mais está tocando. Deixei crescer
depois que saímos do subsolo e gostei do resultado. — Essas coisas acontecem,
você vai se acostumando. Para encaixar melhor o beijo, fica um nariz de cada
lado e aí deixamos as bocas se tocarem. As línguas começam a se entrelaçar e
podemos aumentar ou diminuir o ritmo.

Com paciência, ela volta a se aproximar e a roçar meus lábios até que o
clima de antes se restabeleça. Não demora nada para mim, de tão afoito que
estou para beijá-la. Assim que inclina a cabeça eu faço como recomendou e vou
para o outro lado.

A boca entreaberta se une à minha que também deixo do mesmo jeito. A
junção da maciez e da saliva é deliciosa e me instiga a chegar mais perto. Desço
a mão que estava no seu pescoço para a cintura e me apoio ali.

Sinto como se precisasse de algo para segurar, senão posso perder o
equilíbrio com tanta emoção.

Assim como disse que faria, a sua língua busca a minha. Lenta, bem
devagar. Por um momento, fico preocupado sobre exatamente como movimentá-
la, tenho medo de fazer de novo algo errado e estragar nosso momento único.

Meus devaneios, porém, se esvaem à medida que Elisa entra mais fundo
e explora toda minha boca. Seus movimentos se tornam mais urgentes, atrevidos.
Estufo o peito e aperto a carne da sua cintura, sem controle dos sentimentos que
borbulham no meu sangue.

Sem pensar muito, também começo a mexer a minha língua. Parece um
duelo com a sua. Um duelo em que os dois vencem. Os gemidos baixinhos que
saem da sua garganta me instigam a continuar até ouvi-los de novo... de novo... e
de novo.

Nossa... eu não imaginei que... nossa.

Isso é bem gostoso.

Não quero parar, não quero parar nem quando começo a ficar sem ar e os
dedos das minhas duas mãos fincam mais fortes na sua cintura. Será que estou
fazendo direito? Será que estou machucando?

Cessando meus pensamentos, Elisa morde meu lábio inferior e puxa a
pele lentamente, talvez como uma estratégia para levar ar aos pulmões. Não
funciona para mim porque só faz aumentar o tesão que, a essa altura, parece
estar reunido todo no volume enorme que aperta minha bermuda.

Ataco-a de novo, com mais voracidade, conforme o membro lateja e
cresce. Exploro cada canto da sua boca, mordo-a também, trago-a mais para
perto. Se eu pudesse nos fundir, com certeza faria.

Só diminuo a velocidade quando realmente já não consigo mais respirar.
Mesmo devagar, nós dois ainda demoramos a nos afastar, como se um ímã
impedisse a separação.

— Dylan... — Ela apoia a mão no meu ombro e aquele sorriso gostoso
volta a me encantar. — Uau, caramba, homem! Você aprende rápido, hein.

— Desculpe se eu te machuquei em algum momento, se... — Afasto-me
o suficiente para poder encará-la.

Meus olhos, contudo, prendem-se na sua boca inchada e avermelhada.
Parece dolorida, não deveria me causar uma vontade absurda de tê-la de novo na
minha.

— Foi perfeito, juro, incrível! — Ela nem me deixa terminar a frase. —
Você fez tudo certinho, eu... nossa, eu acho que nunca tinha beijado alguém
assim... com tanto apetite.

— Você gostou, então? — Uma alegria enorme toma conta do meu peito.

— Sim... eu gostei muito.

— Não se arrependeu, né? Prometa que não vai fugir de novo, por favor!

— Não me arrependi, seria impossível — confessa, ajeitando o cabelo
que ficou bagunçado durante nosso embate. — Minha cabeça está mais
bagunçada do que antes, mas prometo que não vou fugir. Seja lá no que isso vai
dar, acho que teremos que viver pra descobrir.

Eu quero muito viver para descobrir o quanto mais meu coração é capaz
de disparar, meu sorriso é capaz de surgir com sua simples presença e meus
olhos são capazes de apreciá-la sem cansar.

Eu preciso descobrir por que Elisa é tão diferente das outras para mim.

Encaro o reflexo do espelho mal reconhecendo a mulher que vejo ali.
Mais corada, com os olhos mais brilhantes e um sorriso bobo que não sai do
rosto. Consegui fazer uma alimentação saudável no almoço e não cedi a
nenhuma compulsão por enquanto. Os níveis de estresse estão controlados hoje.
Guardo a escova de dente e seco a boca com a toalha, balançando a cabeça para
espantar a imagem fixa de Dylan ecoando pela minha mente.

Não posso ser emocionada desse jeito, meu Deus! Só se passaram
algumas horas. Preciso ser a sensata nessa equação. Foi só um beijo, um beijo
incrivelmente bom, mas um beijo. Imagina se a gente... Elisa do céu! Saio do
banheiro esfregando o rosto e volto para o quarto a fim de colocar um casaco. O
tempo mudou de repente e deu uma boa esfriada.

Amber ligou e disse que tem novidades sobre suas pesquisas. Como não
confiamos em telefones, vai dar uma passadinha aqui em instantes. Será bom
parar de pensar naquele homem um pouco e me concentrar na Bioimmune.

Abro o guarda-roupa no intuito de escolher a peça, no entanto, minha
mente me recorda como foi reconfortante passar o resto da manhã com a
ansiedade mais leve, dividindo o peso nas costas de salvá-los com todas as
sensações novas que nossa conversa me trouxe.

“Quem está falando em válvula de escape, Elisa? Estamos falando de
duas pessoas que podem se ajudar mutuamente. Que podem se tornar amigas ou
quem sabe algo mais. Não estou pedindo pra forçar nenhuma relação, só quero
te alertar pra não fugir, caso aconteça.”

Lembro-me das palavras da minha amiga e suspiro fundo, encostando na
madeira. Merda! Eu ainda vou ficar louca com essa dualidade de certo e errado.
Temo que seja uma constante essa dúvida a partir de agora, pois não acredito que
irei conseguir resistir a novos beijos, novos toques, novas descobertas com ele.

Como eu disse mais cedo, acho que teremos que viver para descobrir e
seja o que Deus quiser. Só preciso aprender a ficar com os pés no chão.

Escuto o aparelho tocar e desisto de pegar o casaco por enquanto, indo
ver quem é. A imagem da minha irmã desponta na tela em uma chamada de
vídeo. Sento-me na cama, sorridente, e a atendo no quarto toque.

— Oi, Ingrid, que saudade! — cumprimento-a, animada.

— Oi, maninha, eu também tô morrendo de saudade, mesmo vendo sua
cara o tempo todo no noticiário.

— Ainda está com bastante cobertura aí no Brasil sobre o caso? —
pergunto, curiosa.

— Muitoooo, em todos os meios de comunicação. Aliás, estou te ligando
agora porque acabou de passar na TV uma matéria sobre um projeto controverso
do Governo que vai pra votação no Congresso.

— Ai, meu Deus! Que tipo de projeto? — Ajeito a postura e dobro uma
das pernas na cama.

— Querem descobrir quantas pessoas do sangue Bombaim têm no país e,
pra isso, vão fazer testes em massa em quem é diagnosticado com O para
confirmar. Depois desse levantamento, acho que vão tentar encontrar a tal
mutação dos meninos em quem for.

— Pra quê? Qual intuito de deixar essas pessoas em evidência neste
momento? — Ingrid está de jaleco, deve estar no horário de trabalho. Entra em
uma sala e fecha a porta. — Já não basta o inferno que os cinco passam? Não é
seguro expor outros!

Se o Brasil que nem é um país desenvolvido está avançando nesse
sentido, o que deve estar acontecendo em outras nações mais ricas? Solto o ar
com força, preocupada com a segurança de pessoas inocentes pelo mundo afora.

Se não for feito do jeito certo, vão criar outras cobaias como a
Bioimmune fez por 25 anos. Não é porque estão aprovando projetos e fazendo
tudo de cara limpa que é certo. Ninguém sabe como funciona o sangue, vão
explorar e abusar de quem encontrarem.

— Achei um absurdo também! Ouvi um burburinho da área médica de
que o Governo está montando um grupo de especialistas para começar estudos
sobre esse assunto. Eles mesmo vão comandar o andamento. Chegaram a sondar
comigo se você não voltaria para o Brasil e faria parte com eles.

— Nunca abandonaria os garotos, nem faria parte de algo assim. Aposto
que é politicagem apenas. Nem estão pensando na segurança das pessoas.

— Eu disse exatamente isso a quem me perguntou! O grupo dos
pacientes doentes e seus familiares ficou em polvorosa, vi pelas redes sociais
que estão empolgados e elogiando a atuação do Governo.

— Elisa! — Uma batida na porta me fez desviar a atenção da tela do
celular. Pela voz, é o James. Ele nem chega a abri-la. — A Amber acabou de
chegar.

— Ah, sim, muito obrigada. Já estou indo — respondo alto para que
possa ouvir e olho para a minha irmã. — Ingrid, infelizmente, vou ter que
desligar. Uma amiga que está nos ajudando passou aqui, só que está no meio do
expediente de trabalho e não pode demorar.

— Tudo bem, maninha, fique tranquila. Também estou aqui no hospital,
não posso demorar na chamada. Só liguei pra avisar rapidinho das novidades do
lado de cá.

— Obrigada por avisar, vou conversar com o pessoal sobre como
podemos agir de forma global para evitar que coloquem vidas em risco. Talvez o
senador Wright tenha contatos na ONU, sei lá, pode ser uma saída.

Estamos tão focados nos Estados Unidos porque é aqui que o caso foi
descoberto. Mas não podemos deixar que outros Dylan, Thomas, Jimmy,
Matthew e Ethan se proliferem por aí.

É preciso agir antes que saia de controle.

— Ótimo, tenho certeza de que vai pensar em algo. Se precisar de ajuda
pra qualquer coisa, só me avisar. Estou muito orgulhosa de você! — O sorriso de
Ingrid não se estende muito na tela. Conheço sua testa enrugada e o ar de
preocupação, ela vai falar da Madalena. — Só tenta arrumar um tempinho pra
conversar com nossos pais. Sei que estão sendo superprotetores, e ficam te
enchendo de questionamentos, mas é só coisa de pai e mãe, mesmo. Estão
preocupados.

Às vezes eu me arrependo de não conseguir me abrir totalmente com ela
sobre a família. Se Ingrid tivesse o real panorama de tudo que já aconteceu e o
que acontece agora, talvez pudesse me ajudar a lidar melhor com isso.

— Tá bom — respondo, de forma resumida, sem me estender. — Um
beijo, preciso ir, mesmo. Te amo, viu.

— Também te amo!

Desligo o aparelho proibindo a minha mente de se enveredar para os
problemas com Madalena. Não tenho tempo para isso agora. Apanho o primeiro
casaco que vejo no guarda-roupa e saio do quarto apressada em direção à sala.

Todos já estão sentados no sofá conversando. Até mesmo Ethan está por
perto desta vez, brincando distraído no tapete com um quebra-cabeça. Por sorte,
o caçulinha está enfrentando tudo isso de um jeito mais tranquilo, fazendo o que
realmente importa que é ser criança.

— Desculpe o atraso, gente, minha irmã estava me atualizando sobre o
que anda acontecendo no Brasil com relação ao caso. — Sento-me entre James e
Amber para conseguir ficar concentrada na conversa. — Vocês não vão acreditar
no que o Governo de lá pretende fazer.

Conto tudo que descobri a eles e a preocupação fica evidente de que
vidas inocentes possam estar em perigo. James sugere o mesmo que eu pensei,
sobre falar com o senador para uma ação em conjunto com a ONU.

— Como funciona essa Organização das Nações Unidas? Ela tem poder
pra impedir que essas pesquisas avancem? — Matthew indaga, questionador
como sempre.

— Em tese, impedir não, mas tem como intermediar com os chefes de
Estado e criar protocolos seguros, por meio do órgão deles especializado em
saúde, que chama OMS — explico, observando-o. — É um órgão muito
respeitado e a maioria dos governos obedece, como ocorreu na época da Covid-
19.

— Talvez se os estudos fossem concentrados nas universidades dos
países, com colaboração mútua e conhecimentos compartilhados com cientistas,
chegássemos a uma forma segura de usar essa mutação do sangue sem sacrificar
mais ninguém. Recursos para investir em tais pesquisas a nível mundial a ONU
consegue — Amber sugere e eu amo a sua ideia. — O seu projeto de replicar o
plasma, por exemplo, é perfeito, amiga! Poderia ser usado em larga escala e não
iria sobrecarregar os garotos. Muitas cabeças pensantes com certeza iriam chegar
a outras opções viáveis.

— Consigo vislumbrar laboratórios de universidades de todo o mundo
com estudantes ávidos e coordenadores empolgados como a Moore era comigo.
Eu realmente amei a sua sugestão, Amber!

— Se a solução do problema vier a nível mundial, o usufruto dos
produtos criados também pode ser nessa escala de forma igualitária. A
Bioimmune nunca foi uma empresa que compartilha seu know how, está
totalmente focada em lucro. — Amber ajeita os óculos e pega um tablet da sua
bolsa. — Inclusive, a novidade que eu vim contar é que descobri que nos 26
anos de carreira pública do Scott, ele teve muito apoio para crescer da indústria
farmacêutica. Ainda não consegui ver tudo pelo tempo, mas avaliei que houve
bastante doação de empresários do ramo, inclusive, o CEO da Globalmed.

— Uma das únicas coisas que chamaram a atenção do Russell quando
contei da Elisa foi o fato de ter trabalhado lá, faz tempo que são parceiros da
Bioimmune — James acrescenta.

Apenas por essa constatação não temos como provar nada, afinal, a
doação é um meio legal. No entanto, assim como senti que tinha algo errado
antes de descobrir o subsolo, agora me vem o mesmo sentimento. Alguma coisa
não bate nessa história.

— Vou investigar mais e trocar figurinha disso com o Schumer. Eu acho
que esses empresários teriam benefícios após o lançamento do acelerador de
anticorpos. É a cara da Bioimmune criar uma panelinha e dominar todo mercado
mundial. Imagina o lucro disso!

— Amber, lembra que levantamos da última vez a questão sobre como a
Scott tinha acesso aos dados médicos dos pacientes? — Matthew fala e todos
prestamos atenção nele. — E se for por meio dessas empresas parceiras que
também financiam o seu irmão na política?

— Excelente ponto, Matt! — minha amiga comemora, sorridente, e
começa a fazer anotações no seu tablet. — São empresas grandes, que com
certeza teriam acesso a muitos dados. A Globalmed mesmo é uma gigante
multinacional.

— O exame para identificar se o sangue é O ou Bombaim é simples,
porém, não é algo comum que o médico peça sem desconfiar. Devem ter criado
algum parâmetro pra duvidar de pacientes específicos e fazerem os testes. — O
semblante do James fica cabisbaixo. — Não faço ideia de como agiram, deveria
ter questionado mais. Eu nunca quis saber muito pra consciência não pesar
depois do que houve com a Rachel.

A culpa dele é a mesma que Dylan me confidenciou ter. O homem
participou ativamente de muita coisa, mas eu acredito nele quando diz que não
sabia de várias atrocidades e de que quer o bem dos meninos.

Nos últimos dias, alguns jornais e programas de TV têm atacado
especificamente sua índole, como se mudasse de lado por interesses escusos.
Não acho, meu instinto gosta do James.

— Anotei aqui, vou a fundo nisso também, podem deixar. Essas
empresas acenderam um alerta gigante na minha cabeça, tem coisa aí! — Adoro
como nossa sintonia é boa e interligada, estamos intrigadas com a mesma
questão. — Desde 2010, grupos que são independentes dos candidatos podem
arrecadar fundos, sem limites, e não são obrigados a revelar a origem desse
dinheiro aqui nos Estados Unidos. Chamam de Super PACs. Foi justo na época
que os financiamentos do Scott mais aumentaram e seus cargos foram ficando
mais importantes. Ninguém faz nada de graça, estou muito propensa na hipótese
da panelinha dos lucros. Eles iam monopolizar tudo.

Conversamos mais um pouco sobre as possibilidades até que chega a
hora da Amber voltar para o trabalho. A coitada tirou a sua hora de almoço para
nos encontrar, comeu um lanche no caminho de qualquer jeito.

Quando me levanto para acompanhá-la até o jardim, o celular que
coloquei no bolso, depois que encerrei a chamada com a minha irmã, escorrega
do jeans e cai no chão. Dylan se agacha e o pega antes que eu mesma faça. Pode
ser que esteja demorando demais o contato da sua mão na minha, assim como a
nossa troca de olhares e o sorrisinho discreto que damos.

Agradeço e a contragosto me afasto. Continuo andando com uma Amber
desesperada para fazer perguntas ao meu lado. Eu sei que percebeu e não vai
deixar passar.

— Amiga de Deus, rolou algo de ontem pra hoje, né? — pergunta, antes
mesmo de colocarmos os pés na varanda. — Não adianta mentir que a cara de
vocês entrega.

— Muito na cara?

— Quase desenhado de tão claro!

Esfrego a mão no cabelo e caminho mais para frente para me afastar do
barulho da sala. Vou precisar criar coragem e contar ao James sobre o que
aconteceu, não quero fazer nada escondido para aumentar ainda mais a cisma da
minha cabeça que é errado.

Espero que ele entenda e não me julgue.

— Nós nos beijamos essa manhã no lago — confesso, por fim. — Eu fui
pedir desculpas por ter me afastado e acabou rolando. Fica difícil resistir com o
Dylan sendo tão fofo.

— Ahhh, nem acredito, que bom, amiga! Fico tão feliz por você.

— Estou morrendo de medo, mas segui o seu conselho.

Fiquei mexida com suas bochechas coradas ao afirmar que o achava
atraente. Depois, foi impossível ignorar o fato que teve milhares de mulheres
mais lindas e gostosas do que eu à sua disposição e não se interessou pelos
vídeos on-line.

Ainda acho que é algum tipo de encanto por eu ter sido a primeira que
viu, mas minha cabeça ignorou isso naquele instante crucial que mudou tudo
entre nós.

Fiquei tão imersa no momento que parecia que só havíamos nós dois no
mundo. Esqueci-me completamente dos outros meninos, do James e dos
seguranças que às vezes rondam a propriedade pelo lado de dentro.

Só Dylan e eu importávamos.

— Fez muito bem, não tem nada errado! — repete o que já me falou
outras vezes e pega no meu braço, animada. — Me conte melhor isso. Como foi?
Gostou? A Emma vai ficar doida quando souber!

— Foi surpreendente, menina, eu não pensei que daria um beijo tão... é...
tão...

— Uau, foi tão sem palavras assim? — ela brinca, rindo.

— Pior que foi, viu?! Intenso é a melhor palavra que encontro.

Deve ter sido o recorde mundial de pessoa que acaba de aprender a beijar
e, segundos depois, beija incrivelmente bem. Assim como no sonho que tive, ele
pareceu assustado no começo, no entanto, logo fez direitinho e seguiu o ritmo.

Arrisco até a dizer que foi ele quem ditou o ritmo, houve um momento
em que me perdi completamente, fiquei absorta no que estava causando em mim.

Sua mão na minha cintura, o aperto firme, a língua afoita... nossa!
Arregaço a manga da blusa, de repente sentindo calor.

— Aí, se eu pudesse me sentava aqui nesta grama e te fazia me contar
tim-tim por tim-tim. À noite vou fazer uma chamada de vídeo com você e a
Emma pra explicar tudinho, mocinha.

— Tá — concordo, tímida.

O pior — ou o melhor — é que estou mesmo me sentindo uma mocinha.
Coração acelerado, mãos suando e borboletas no estômago não eram algo que eu
esperava sentir de novo.

Há minutos estávamos todos tensos, e agora Amber e eu sorrimos ao
falar do Dylan. Não é que a Emma estava certa? Ele pode, realmente, se tornar
meu equilíbrio neste lugar.

Resta saber se, ao final de tudo, isso terá sido bom ou vai terminar de me
destruir de vez.

Eu queria que esse dia não acabasse. Meu coração ficou o tempo todo
agitado e a vontade era passar cada segundo ao lado de Elisa. De preferência,
tocando o seu corpo e a beijando de novo. De novo. E de novo. Essa vai acabar
se tornando minha palavra preferida porque estou sempre querendo mais daquela
mulher.

Não sei nem dizer quantas vezes revivi a cena do lago na minha cabeça,
sentindo um frio gostoso na barriga.

Vou ter que aprender a controlar essa vontade louca, ainda me preocupo
com a questão da obsessão. Sei que ela tem suas coisas para fazer, e eu tenho as
minhas. Não é porque estamos na mesma casa que iremos ficar, literalmente,
todos os momentos juntos. Quero que Elisa goste de mim, não que se afaste por
excesso de Dylan.

Durante minhas pesquisas, eu vi que tal obsessão pode levar a níveis
alarmantes de violência física. Eu prefiro morrer a levantar um dedo para Elisa.
Há coisas que vejo, do mundo de fora do subsolo, que me assustam um pouco.
Alguns hábitos não faço questão nenhuma de aprender. Jamais.

Coço a cabeça e me deito em uma das redes da varanda. A conversa de
hoje à tarde com Amber me fez lembrar de uma informação que, na época, não
me causou nenhuma reação, mas agora eu não gosto nenhum pouco. No dia que
ela contou que perdeu um filho também não me veio à mente.

Quando ouvi Russell e James escondido na área do sol do subsolo, ele
disse que Elisa tinha sido casada com um dos funcionários da Globalmed.
Lembro-me de separação e mudança de Nova Iorque também no assunto, só que
minha mente está focando demasiadamente no “casada”.

Eu sei o que isso significa. É o que casais fazem quando querem
constituir uma família, aprendemos isso ainda nas aulas do laboratório. Será que
foi com ele que teve o bebê que perdeu? Era algo que nunca iríamos fazer
porque nossa missão era apenas a ciência.

Será que deveria estar sentindo esse gosto amargo na boca ao constatar
que ela já quis isso com outra pessoa que não sou eu? Será que estou
exagerando? Ela nem sabia que eu existia.

Tentei imaginar outro homem apertando sua cintura, mordendo seus
lábios e acariciando sua nuca e quase quebrei as louças do jantar que estava
lavando. Meu sangue ferveu ao cogitar, e não é de um jeito bom. Veio à tona
uma sensação ruim de perda, medo, não sei explicar.

Passo mais alguns minutos deitado, pensando na Elisa e nos assuntos
importantes que foram discutidos sobre o nosso caso, até que ouço passos de
alguém se aproximando. Permaneço do mesmo jeito, crente que é algum dos
meninos, quando um rosto sorridente, emoldurado por fios loiros, segura a ponta
da rede e me fita com atenção.

— Oi! — Sento-me de prontidão, notando as batidas acelerarem.

— Estava ali na sala fazendo a anotação das matérias importantes do dia
sobre vocês e foi impossível não te ver aí largado na rede. — Seu sorriso é o
mais lindo de todos, caramba, como eu amo. — Tá pensando na morte da
bezerra?

— Hãm? — Passo a mão no cabelo e estreito os olhos, sem entender. —
Como assim?

— É uma expressão que usamos muito no Brasil pra indicar que alguém
está pensativo e distraído — explica, divertida. — Está tudo bem?

O tom da sua voz é calmo, Elisa parece mais leve hoje do que nos outros
dias. Gosto de pensar que é pelo mesmo motivo que me deixou flutuando.

A última vez que fui sincero e me abri com ela, pareceu não dar muito
certo de início, e culminou em algo maravilhoso. Talvez eu a assuste dizendo o
que tenho pensado sobre o seu casamento, mas prefiro ser sincero. Quero
conhecer tudo a seu respeito, e isso inclui outras pessoas que passaram por sua
vida mesmo que me doa.

— Não sei se é um assunto que quer falar comigo, e espero que não me
ache invasivo — digo de uma vez, sem pensar muito. — Estava aqui lembrando
que ainda no subsolo ouvi uma conversa sobre você ter sido casada. Não sei bem
como me sinto sobre isso.

— Vem, vamos lá para o meu quarto que teremos mais privacidade. —
Ela olha para os lados, atenta à presença dos outros. — James foi se deitar com
dor de cabeça e não consegui lhe contar sobre nós, ainda. Depois de informá-lo,
também quero contar aos meninos. Não vou fazer nada em segredo.

Aceno em concordância e a acompanho pela casa até seu quarto. Não
falamos mais nada até chegar lá, nem esbarramos com ninguém. Meu peito fica
agitado esperando o teor da conversa. Não sei se sua resposta foi brava ou
normal, ainda não consigo identificar bem algumas coisas. Elisa fecha a porta e
me convida para sentar.

— Você não precisa falar disso se não quiser, tá?! — aviso, antes que
diga alguma coisa. — Eu só comentei porque você perguntou. Gosto de ser
sincero.

— Eu adoro que você seja sincero, pode falar qualquer coisa comigo,
Dylan. — Ela se senta ao meu lado e apoia uma das pernas dobradas na cama. —
Eu já tinha te falado isso desde que chegamos à esta casa. Tanto para você como
para os outros, estou aqui para ajudá-los na adaptação e sei que muita coisa é
nova. Ainda mais agora que estamos vivenciando outro tipo de relação entre
duas pessoas.

— Sim, eu sei. É que é inevitável ficar com receio de te assustar às vezes,
falar ou fazer coisas que não gosta. Eu não quero que você se afaste de novo.

— Quando for algo muito pessoal que não me sentir pronta, ou quando
eu não gostar, pode ter certeza de que vou comentar com você.

Balanço a cabeça, em sinal de compreensão, e dobro a perna para ficar
como ela, mais confortável na cama. Conto tudo que ouvi da conversa entre
Russell e James e quais sentimentos têm aflorado ao pensar que já foi casada,
que teve outras pessoas.

— Esse tipo de sentimento, nesse nível que está me contando, é normal e
saudável. Chama ciúme. — Fico mais tranquilo quando o sorriso volta para o
seu rosto lindo. — Eu fui casada sim, com o Mark. Mas já estamos separados há
muito tempo, não deu certo. Se não tivesse ficado com ele, não viria morar nos
Estados Unidos. Não teria conhecido o James, entrado na Bioimmune nem
ajudado a tirar vocês do subsolo. Algumas coisas acontecem, como têm que
acontecer.

— É, pensando por esse ângulo, eu tenho que agradecê-lo então por ter
entrado na sua vida. — Passo a mão no cabelo, pensativo.

Mesmo tendo entendido a logística de tudo, ainda continuo me sentindo
mal ao imaginá-lo perto demais da Elisa.

— Tudo tem seu lado bom, Dylan, por mais que às vezes seja muito,
muito difícil de enxergar.

— Como ele conseguiu te perder? — questiono, incrédulo. — Se eu
tivesse me casado com você, jamais iria deixá-la ir.

— Relacionamentos são difíceis, ainda mais do lado de fora desses
muros. Aqui é como se tivéssemos em uma bolha de proteção. Você vai ver
quando sair, não é tão simples.

— Você ainda gosta dele? — Faço uma careta, de repente com medo da
resposta.

Se ela disser que gosta...

— Não! — responde, antes que eu complete meu pensamento. Ufa, que
bom! — Da forma que terminou, ficamos distantes demais. Estava muito
magoada.

— O que ele te fez? — Ajeito a postura, notando meu peito se expandir.

Uma necessidade de protegê-la, de não deixar que se magoe mais, se
apossa de mim. Diferente da outra pergunta, Elisa não responde rápido desta vez.
Abaixa a cabeça por um instante, seu olhar parece perdido.

Fico em silêncio, aguardando. Ela disse que, se for pessoal demais ou
não gostar de algo, irá me dizer.

— Nós tivemos um bebê juntos, aquele que tinha comentado outro dia,
mas Mark não aceitou bem por não ter sido uma gravidez planejada. — A dor no
seu rosto me faz ter vontade de abraçá-la apertado. — Ele já estava bem-
desenvolvido, quando sofri uma complicação no parto e morreu. Foi horrível ver
seu corpinho pequeno sem vida... Depois dessa perda, não conseguimos mais
fazer dar certo.

— Eu sinto muito! — afirmo, sincero. — Se perder um pai e uma mãe
causam uma dor imensa, imagino que perder um filho, ainda tão inocente e
pequeno, seja uma dor incalculável.

— Ainda estou trabalhando nesse luto, alguns dias são mais difíceis do
que outros. — Elisa disfarça que vai passar a mão no rosto, mas sei que está
impedindo que uma lágrima escorra. — Tenho tentado ser forte com a terapia
que te falei que ajuda muito, o trabalho, minhas amigas, minha irmã, agora
vocês. Em homenagem ao bebê, e como forma de me ajudar a superar, também
fiz uma tatuagem no meu corpo de uma borboleta azul. Ela simboliza esperança
e transformação, expressa recomeço... tudo que tenho precisado.

Ah! É o desenho que tem no seu quadril, magnífico! Eu vi aquele dia na
cozinha. Recordo da borboleta azul no lago e sorrio ao me lembrar da sua reação
ao inseto.

— Foi por isso que ficou tão feliz ao ver uma hoje cedo — constato em
voz alta.

Fiquei curioso na hora, só que meu foco estava completamente na
distância curta entre nós naquele momento.

— Na verdade, eu estava pedindo um sinal a Deus sobre o que fazer em
relação a você... Mal pude acreditar quando as asas bateram perto do meu rosto.
Foi o sinal perfeito pra mim, qualquer outro capaz que ainda ficasse na dúvida.

— Deus é tipo um ser superior, né? — questiono, curioso. — Nunca
falamos disso no subsolo, nossa criação foi 100% na ciência. Agora que saí que
vi alguns textos falando sobre.

— Sim, existem diversas religiões diferentes pelo mundo — ela explica,
parece ter gostado da minha pergunta. — Nem sempre o ser superior é
conhecido com o nome de “Deus” especificamente, mas muitas pessoas aqui
acreditam em algo maior do que nós. Eu sempre acreditei, embora, tenha vivido
alguns períodos sombrios com a religião. Na verdade, sombrios em tudo.

— Como na morte do seu filho? Quer falar mais dele? Desabafar?

— Hoje, não. Esse é um daqueles assuntos que ainda não estou
preparada, sabe? Talvez um dia te conte melhor.

— Claro, eu entendo perfeitamente. — Minha mão comicha para tocar
nela em conforto, mas não me mexo.

— Se você quiser, depois posso te mostrar alguns links dessas religiões
pra saber como são, o que pregam. — Elisa volta para o outro assunto antes que
o clima fique triste de novo.

— Claro, eu quero sim, vou adorar saber mais. — Sorrio e mordo o lábio
inferior, recordando do nosso beijo. — Só tenho a agradecê-Lo pelo sinal e o que
veio depois. Eu amei!

— Eu também gostei muito. — Elisa sorri de volta e coloca uma mecha
do seu cabelo atrás da orelha.

Nossos olhares se cruzam e é impossível refrear o desejo de repetir a
dose. Passei cada minuto do dia esperando por esse momento novamente.
Vidrado na sua língua que espalha a saliva de forma discreta pela sua boca eu
inclino o corpo para frente e seguro seu pescoço, trazendo seu rosto para mais
perto do meu.

Elisa arfa e entreabre os lábios, soltando ar quente em mim. Adoro essa
proximidade e o jeito que suas pupilas se dilatam criando uma bola preta no
meio da imensidão azul. Sorrimos um para o outro e roçamos os narizes,
sentindo as nossas peles juntas.

É tão, tão bom.

— Eu quero te beijar de novo. Posso? — Minha voz sai rouca e baixa.

— Por favor, pensei que não ia pedir. — A dela vem em um sussurro.

Sorrio de novo e me viro para o lado esquerdo, tomando a iniciativa desta
vez de começar. A maciez que me recebe e o gosto de bala de menta não me
deixam iniciar de forma lenta. Confesso que é mais gostoso quando nossas
línguas estão ávidas e um parece querer acabar com a capacidade de respirar do
outro.

No bom sentido, é claro. No ótimo sentido da palavra.

Elisa corresponde minha intensidade fazendo meu coração acelerar e
minhas mãos ganharem vida própria. Escorrego uma do seu pescoço para a nuca,
enquanto a outra puxa sua cintura para ficar mais perto de mim.

Ela se afasta um breve segundo da minha boca para soltar um gritinho
que me deixa ainda mais louco. Parece uma mistura de susto com o movimento
brusco e excitação. Seus dedos se infiltrando desesperados no meu cabelo e a
mordida no meu lábio inferior são a prova de que gostou.

Sinto-me formigando de um jeito diferente, como se tudo em mim
estivesse concentrado nesse beijo. Aperto sua cintura e mordo sua boca também,
voltando a me emaranhar na sua língua em seguida.

Nossa, esse... esse está conseguindo ser ainda mais incrível que o
primeiro.

Um gemido escapa da minha garganta e ela joga um pouco o seu corpo
para frente, sem se desgrudar de mim. Não sei se deveria fazer isso, mas um
instinto inexplicável me incentiva a aproveitar esse movimento e puxá-la na
minha direção, para ficar sentada no meu colo.

A distância ainda estava longa demais.

— Eu... eu sou pesada. — Sua voz sai entrecortada por causa da falta de
ar.

— Claro que não é. Só quero ficar o mais perto que puder. Posso?

A pergunta é feita comigo a puxando de novo pelo pescoço, doido pela
sua boca. É um desejo incontrolável. Eu não consigo ficar longe. Elisa parece
um pouco confusa, mas acaba colocando uma perna de cada lado do meu corpo e
corresponde ao beijo.

Isso só fica melhor.

Com ela em cima de mim, o que era bom se torna prazeroso de uma
forma insana. Noto que meu membro infla na bermuda e meu coração dispara
ainda mais. Subo as mãos pela lateral toda da sua cintura, acariciando suas
costas em seguida. Abraço-a até que seus seios encostem no meu peito. Em
nenhum segundo afasto minha boca da sua.

Tê-la assim dessa forma, parece tão certo, tão perfeito.

Não sei quanto tempo exatamente ficamos perdidos nessa sensação
deliciosa, desafiando nossos pulmões a aguentar o ar escasso.

— Dylan... — Elisa geme baixinho meu nome, inspirando fundo quando
já não aguentamos mais segurar a respiração.

Seu peito sobe e desce, consigo sentir as batidas fortes do seu coração na
minha pele. Eu amo essa sensação. Antes mesmo que eu tenha a chance de
retomar o fôlego, ela desce sua boca para o meu rosto. A temperatura aumenta e
os pelos se arrepiam a cada centímetro da trilha que faz até o meu pescoço.

Finco meus dedos na sua cintura mais uma vez e forço seu corpo para
baixo. O movimento do seu quadril no meu membro é alucinante. Mil vezes
melhor do que o estímulo da minha mão quando tento me aliviar sozinho. Não
tem nem comparação.

Tentando me deixar louco de vez, ela respira pesadamente no meu
ouvido e depois deixa uma mordida de leve na orelha.

— Elisa, você vai fazer meu coração explodir e minha pele queimar de
tão quente. — Minha voz sai completamente diferente do normal, grossa e
urgente.

Ela sorri daquele jeitinho que parece estufar uma parte do meu peito e
repete a ação para me provocar. Instintivamente meu corpo se move para frente e
eu percebo que consigo amplificar a sensação boa se me mexer junto com ela.

Essa descoberta é minha perdição.

Afasto meu rosto do dela apenas o suficiente para inverter o jogo. Deixo
beijos molhados no seu queixo e em toda extensão do seu pescoço. As minhas
duas mãos descem um pouco para baixo, apoiando-se no seu quadril para ajudar
no movimento e aumentar a fricção.

Mordo sua orelha como fez comigo e ela joga a cabeça para o lado,
soltando murmúrios que sou incapaz de ouvir de tão absorto que estou em
aproveitar a pele exposta. Se na orelha é bom, deixar leves mordidinhas no
pescoço também deve ser.

Faço uma tentativa e Elisa se remexe mais, rebolando em cima de mim.

— Como você aprende rápido... meu Deus... eu não... — Ela para de
falar quando deixo escapar um novo gemido baixo e coloco minhas duas mãos
na sua nuca.

Preciso beijá-la de novo.

Aquela turbulência prazerosa está se concentrando no meu membro, ele
lateja desesperado por ela. Duelo com sua língua, sem parar de me mexer contra
o tecido fino da sua calça de moletom.

Mais rápido. Mais rápido. Mais...

— Dylan... — Elisa cessa o contato, sem fôlego. — Nossa, eu nem
acredito que vou dizer isso, mas é melhor a gente ir devagar.

— Eu fiz algo errado? Te machuquei? — pergunto, afoito.

Meu peito sobe e desce, buscando ar. Estou com a boca inchada, o
membro pulsando forte e o coração disparado, mas não me movo mais. Fico
parado, observando-a com atenção. Seu semblante não parece bravo. Pelo
contrário, ela está uma bagunça linda, seus olhos estão brilhantes.

— Você está fazendo é certo demais. — O seu sorriso me faz ficar calmo.
— É só que... a gente se beijou pela primeira vez hoje de manhã, ainda mal me
acostumei com isso e já estamos aqui... quase... entrando em combustão.

— Desculpe, eu não sei o que aconteceu comigo, saí do controle
totalmente.

— Pare de se desculpar por tudo, homem! — Elisa passa a mão na minha
barba e acaricia meu rosto. — É normal, você estava com tesão. Inclusive, é...
pode acontecer que... que você fique um pouco dolorido se a gente começar a
fazer coisas assim e não... não chegar aos finalmente. — Ela fica muito bonitinha
com a bochecha avermelhada. — Se quiser, sabe... tipo... se masturbar pensando
em nós, se os vídeos não derem certo, vai ajudar a não sentir dor.

— Os vídeos não funcionam — afirmo, enfático. — Só você!

Elisa sorri, tímida, e eu coloco uma mecha do seu cabelo atrás da orelha
sorrindo junto. Estou feliz por ter permissão de pensar nela de novo dessa forma,
porém, isso nem se compara ao turbilhão de emoções que sobem do meu peito e
parecem travar a minha garganta, dificultando engolir.

Eu não entendo, mas sei que ela está começando a significar muito mais
para mim do que só pensamentos, toques e beijos.



O céu voltou a ficar azul e a temperatura mais quente esta manhã. Tiro
uma gotícula de suor da testa e continuo caminhando com James ao meu lado
pelo jardim de entrada da casa, próximo ao muro com as lindas trepadeiras. O
projeto contra aglomeração ao redor da propriedade começou a valer e só há
silêncio por toda parte. Os seguranças e a equipe do Schumer são tão discretos
que, por vezes, me esqueço da presença deles.

Falei mais cedo que precisávamos conversar em particular, mas agora
estou parecendo uma garotinha tímida que não sabe como contar aos pais que
fez arte. Um lado meu sente vergonha ao imaginar o que James vai pensar sobre
mim. Morro de receio que me ache uma aproveitadora da inocência do rapaz.

— É melhor eu falar de uma vez antes que perca a coragem — aviso,
decidida a ser mais objetiva. Estamos andando faz uns cinco minutos e eu já
conversei de tudo, menos o que interessa neste momento. — Eu gostaria de te
avisar que eu... bom... eu e o... Dylan estamos... digamos... nos conhecendo
melhor.

Não sei ao certo que reação eu esperava; no entanto, não imaginei
contemplar os dentes brancos do James se mostrando para mim em um sorriso
amplo.

— Bem que eu percebi os olhares dele pra você. Se a Emma ficar mais
tempo aqui, logo o Thomas também não resiste — ele diz, brincalhão, passando
a mão na sua careca. — Os meninos têm bom gosto.

Fico quieta, totalmente surpresa com sua resposta divertida. Podia jurar
que ia me dizer algo sobre não ser a hora nem o momento para distrações desse
tipo.

— O que foi? Achou que eu ia brigar? — pergunta, parando de andar.

— Pra ser sincera, sim. — Paro também e fico de frente para ele. — Eu
mesma já briguei tanto comigo interiormente, não queria me distrair com
questões assim, nem explorar a curiosidade instintiva dele, mas acabou sendo
mais forte do que supus.

— Eu perdi o amor da minha vida por ir pela cabeça dos outros e dar
ouvidos aos meus medos, ao invés de seguir o coração. — O sorriso morre no
seu rosto e eu sei que está falando da professora Moore. — Se eu pudesse voltar
no tempo, Elisa, você não faz ideia de quanta coisa iria fazer diferente.

— Você sabe que nunca é tarde demais, né? Não foi pra ajudar os
garotos, não é pra ela também.

James apenas acena com a cabeça, não parecendo muito animado. Eu sei
que ele se sente culpado por tudo que aconteceu na Bioimmune e que agora não
se vê como uma pessoa merecedora de nada bom.

O homem está tentando disfarçar, porém, fica visível no seu semblante
ainda mais cansado nos últimos dias como as matérias seguidas na mídia sobre
sua índole e suas reais intenções estão mexendo com sua cabeça.

— Estou feliz por você e pelo Dylan. — Ele foge do assunto e voltamos
a caminhar. — É um rapaz incrível, merece um suspiro de felicidade. Vou ficar
torcendo pra darem certo e essa aproximação se tornar algo maior.

— Vou viver um dia de cada vez, vamos ver o que acontece.

Conversamos mais um pouco e eu digo que quero contar aos demais para
que ninguém ache que estamos escondendo informações, como acontecia com
frequência no subsolo. Se porventura nos pegarem juntos em algum momento,
não ficarão confusos ou espantados. Voltamos para a casa e eu aproveito que
todos estão na sala assistindo à TV para comunicá-los.

Com eles, não fico nervosa porque o pior já passou. Sabia que não iriam
achar estranho ou me julgar, afinal, mal entendem o que eu digo na prática. A
única coisa que me deixa sem graça é o olhar e o sorriso exuberante de Dylan
para mim.

Caramba, esse homem sabe como deixar uma mulher estremecida.
Ontem no meu quarto precisei reunir todo meu autocontrole para frear a nossa
empolgação. Temos que ir com calma. E olha que ele não sabe quase nada ainda,
imagina quando aprender.

Por isso, preciso reafirmar todos os dias a mim mesma para manter os
pés no chão. Ele está conhecendo uma parcela muito pequena do mundo, há
muito o que ver quando tudo isso passar.

Às vezes, também tenho medo de baixar a guarda demais por carência —
física e emocional —, afinal, terminei um casamento de forma traumática e
passei meses mal ficando no mesmo ambiente que outros homens. Não quero
que isso aconteça.

— Ahh, eu também quero a Elisa. — Ethan faz bico e cruza os braços
quando termino de falar, tirando uma risada de todos nós.

— Daqui a uns anos, rapazinho, vai aparecer alguém legal no seu
caminho! — James adverte, bagunçando o seu cabelo de forma divertida.

— Você não vai mais ver filme comigo? — A sua carinha triste me
olhando aperta meu peito. — Nem me ajudar nos desenhos ou ler as historinhas?
O Dy também vai parar de ficar comigo?

— Claro que não, meu amor. — Ajoelho no tapete onde está montando
quebra-cabeça e deixo um beijo na sua bochecha. — Não vai interferir em nada
os nossos momentos, nem com os do Dylan. Vai continuar igual.

— Se for assim, então tá bom. — Como a criança que é, sua tristeza
some em um piscar de olhos. — Não quero perder vocês dois, nunca.

Engulo em seco, emocionada com suas palavras. Independentemente do
que acontecer comigo e com o Dylan, uma coisa é certa: esses garotos entraram
na minha vida de uma forma tão avassaladora e estamos criando uma relação tão
verdadeira que será impossível esquecê-los.

De uma forma ou outra, estarão sempre comigo e, também, não quero
perdê-los.


Sorrio, cúmplice, para James ao ver Emma, Thomas e Matthew
conversando animados na mesa da cozinha. O rapaz mais velho mal pisca de tão
concentrado no rosto da minha amiga. Desde que contei a todos sobre Dylan e
eu, no começo da semana, percebi que a aproximação dos dois ficou ainda
maior.

Talvez tenhamos a possibilidade de um novo casal se conhecendo em
breve. Tanto é que a espertinha não perde uma oportunidade de vir aqui quando
tem uma folga durante o dia — as visitas noturnas continuam suspensas para a
segurança dela e da Amber. Saiu de um ensaio e nem passou em casa para tomar
banho. Está vestindo um collant verde que deixa seus olhos da mesma cor mais
destacados.

Emma está radiante por mim, exigiu ser a dama de honra do casamento,
por causa da sua operação cupido, e deu um sermão no coitado do rapaz sobre
não me magoar. Pelo amor de Deus, é uma exagerada!

Estou deixando rolar e a cada dia me aproximo mais do Dylan. Estamos
indo devagar como sugeri e nos tornando amigos acima de tudo; sua companhia
é bem agradável. Mas é só isso. Nada de planos além do hoje.

— Você jura? Jura que vai conseguir uma bola pra mim? — Matthew
pergunta, empolgado.

— Claro, ainda vou tentar que seja assinada pelo LeBron James. Meu tio
era de Akron, em Ohio, a cidade natal dele, e amava basquete também. — Além
da dança, esse esporte é uma grande paixão da minha amiga. Ela começou a falar
do assunto com o menino ontem e ele já deve ter assistido no computador umas
dez horas de jogo. Ficou apaixonado. — Apesar do meu tio ser mais velho, os
dois brincavam juntos na quadra e têm contato até hoje. O cara é gente boa.

— O King James? — Fica boquiaberto e ainda mais animado. — Uau,
esta noite eu nem durmo de ansiedade.

— Você é novo ainda, quem sabe quando tudo isso acabar, vire um
grande jogador de basquete?! — James sugere, entrando na conversa.

— Ser jogador eu não sei, tem tanta coisa que quero conhecer, mas com
certeza irei virar fã e assistir a todos os jogos possíveis.

Sorrio com a interação deles e termino de lavar a louça que usei para
fazer o meu lanche com salada de frutas. Estou conseguindo ficar focada nos
últimos dias e isso me deixa mais leve, com menos peso na consciência.

Vejo a tela do meu celular piscar na bancada e estico o pescoço para
conferir que se trata de uma mensagem da minha irmã. De manhã ela me disse
que ia tentar obter o telefone de uma médica que está coordenando um grupo
grande de outros profissionais de saúde que são contra a medida do governo
brasileiro. O senador Wright tem uma reunião com o pessoal da ONU amanhã
cedo, quero tentar reunir toda ajuda possível a favor de medidas preventivas
contra novos cativeiros.

Seco minha mão no pano de prato e saio pela porta dos fundos da
cozinha para mandar um áudio para ela. Assim que viro para seguir na direção
do jardim, trombo com Dylan e Ethan pendurado no seu cangote.

— Oi! — cumprimento, sorridente. — Estão fazendo bagunça, é?

— O Dy tava me ensinando a fazer flexão na academia. Eu já sou
grande, preciso aprender pra ficar forte e bonito como ele. Não quero ser
magrelo igual ao Matt, não.

Aumento a risada, achando graça na cara séria do garotinho. Meus olhos
traiçoeiros, no entanto, se fixam no suor escorrendo pelos braços fortes do
Dylan. Adoro como as veias dele ficam sobressaltadas o tempo todo.

Subo o olhar e o observo me encarando com intensidade de volta. Ele
tem um sorrisinho de lado, que deixa sua bochecha um pouco levantada de
forma charmosa. Essa barba também é outra perdição. Eu adoro quando me beija
e os pelos roçam na minha pele.

— Peguei no jardim pra você. — Fico por um instante sem reação ao me
estender um botão de rosa vermelha.

— Ele até cortou o dedo no espinho pra pegar isso aí. — Ethan sorri,
divertindo-se à custa do Dylan.

O rapaz dá um tapa na perna do caçula, rindo junto, mas não desvia seus
olhos dos meus.

— Obrigada, eu amei! — agradeço, sincera.

Pegando-me novamente de surpresa, ele se inclina mesmo com o menino
no seu colo e me dá um beijo na testa. Sorrio de novo, mais tímida desta vez,
com seus gestos de carinho. Ontem estávamos no quarto e, depois de beijar todo
meu rosto, comentei que achava muito fofo o beijo na testa.

É a segunda vez que faz isso. Hoje de manhã já havia me cumprimentado
com bom dia dessa forma.

— De nada, linda. Vou tomar um banho e depois podemos ir lá no lago
ler mais alguns capítulos de “A hora da estrela” antes de escurecer. O que acha?

— Tá bom, combinado.

Encontrei uma edição em inglês da autora brasileira [1]na biblioteca e
comentei com Dylan a respeito. Estava lendo no quarto e acabei falando um
trechinho em voz alta. Segundo ele, tenho uma voz maravilhosa para se escutar.
Desde então, passamos algumas tardes lá no lago. Eu encosto na árvore e ele se
deita no meu colo enquanto vou narrando a história.

Antes de seguir com Ethan para dentro da casa, ainda recebo um carinho
no rosto que faz meu coração dar uma acelerada. Merda! Ele não precisava ser
tão perfeito.

Balanço a cabeça, espantando os devaneios, e decido continuar andando
para ver a mensagem da minha irmã. Por sorte, ela ainda está on-line no
aplicativo e ficamos trocando áudios. Para me exercitar um pouco enquanto
conversamos, começo a dar voltas pela grama e chego a entrar na trilha de
árvores que dá para o lago.

Paro uma gravação no meio e me assusto ao avistar Jimmy escorregar e
cair de uma árvore alta perto do muro. Saio correndo na sua direção, aflita e com
medo de ter se machucado. O garoto fica branco igual leite ao perceber que
presenciei a cena.

— Meu Deus do céu! Você está bem? Consegue se levantar? — Abaixo e
coloco seus braços apoiados no meu ombro, deixando o telefone completamente
de lado.

— S... sim... eu estou... bem.

Olho o menino de cima a baixo e reparo que, aparentemente, há apenas
alguns arranhões na sua mão por se proteger na queda.

— O que você estava fazendo no alto da árvore, Jimmy? É perigoso,
poderia ter se machucado feio.

Ele se afasta do meu braço e finge que está limpando a roupa. Nenhuma
das desculpas sobre curiosidade de ver um pássaro, e depois vontade de ver a
vista do alto, que dá gaguejando e encarando o chão, me convencem.

— Olha, você não precisa mentir — aviso, tocando seu ombro. — Estou
aqui pra ajudar na adaptação, pode confiar em mim. Quero o bem de vocês. Se
tem algo acontecendo, eu gostaria de saber pra te auxiliar.

O menino finalmente me encara e eu vejo que há sofrimento nos seus
olhos. Eles estão cheios de lágrimas não derramadas, o que traz um aperto no
meu peito. Sua garganta se move várias vezes, no entanto, nada sai da sua boca
por longos segundos.

— O que houve? — questiono, comovida. — Por favor, pode se abrir
comigo. Qualquer coisa que tiver pra falar, estarei aqui.

Jimmy se senta na grama de repente, e flexiona as pernas e os braços
para cobrir o rosto. Aposto que as lágrimas caíram e não está querendo me
deixar vê-las. Sento-me ao seu lado e faço carinho nas suas costas, em silêncio,
aguardando-o tomar uma decisão se quer ou não comentar.

— Se eu te contar uma coisa, você jura que não vai dizer a ninguém, nem
mesmo para as suas amigas, e principalmente para o Dylan e o James? — Noto
todo desespero nas suas palavras.

Seja o que for, é algo que tem guardado por vários dias e o está
incomodando demais.

— Claro, eu juro! Não vou falar nada do que me disser aqui.

Silêncio.

Ainda com a cabeça escondida nas suas pernas, Jimmy fica o que
parecem vários minutos sem dizer nada. Continuo acariciando suas costas para
saber que estou do seu lado e pode contar comigo.

— Não aguento mais... guardar dentro de mim. — Ele levanta a cabeça e
noto que estava realmente chorando pelos olhos avermelhados. — Eu me sinto...
tão errado, fora do padrão...

— Por que se sente errado? O que houve?

— Depois de dias com medo de acessar o computador e minhas
pesquisas ficarem registradas, enfim, tive coragem para descobrir e fiquei ainda
mais assustado. — Ele não responde às minhas perguntas de forma direta e fico
confusa sobre o que está falando. — Tanta gente sofre por isso do lado de fora,
morre por isso. Mesmo quando descobri, ao invés de tentar reprimir o que sinto,
eu fico alimentando mais e mais. Sem controle.

— Por que você estava na árvore? O que está sem controle? — indago,
de forma diferente.

— Eu... eu... não... — Jimmy inspira fundo e volta a esconder o rosto nas
suas pernas flexionadas. — Eu não sinto nenhuma atração... não sinto nada por
mulheres. Mas... com...

— Com homens. Você se sente atraído por homens, é isso? — Respiro,
aliviada, ao saber que é esse o ponto.

Já estava com medo dele estar pensando em fugir da casa e se virar
sozinho pelo mundo antes de tudo se resolver.

— Sim! — Sua cabeça se inclina para o lado, ainda meio incerto com
meu tom calmo de voz.

— Isso é normal, jamais se sinta esquisito ou errado, por favor! Pode ser
que aqui na casa não tenha, mas no mundo há milhares de pessoas que também
se sentem atraídas sexualmente fora do padrão da sociedade.

— Eu estava lendo umas notícias sobre assassinatos, morte de pessoas
como eu. Fiquei tão assustado!

— Infelizmente, ainda há preconceito sim, confesso pra você. — Jimmy
fica ereto e me observa com atenção. — Mas também há muita gente lutando
contra e eu acredito que o movimento só tem a se fortalecer em busca de
respeito. Vou te passar uns links mais positivos, pra conhecer melhor a causa e o
depoimento de quem passou pelo medo que está enfrentando.

— Dylan e Thomas ficam falando de você e a Emma, o James explicou
sobre o site de vídeos de mulheres... Me senti uma aberração por não ser igual
aos outros. Fomos criados no mesmo lugar, da mesma forma.

— A forma como foi criado não tem nada a ver, está dentro de você! —
Aponto para o seu coração e o observo respirar mais calmo. — Cada pessoa é
única e age de forma diferente na vida. Ninguém deve ser igual a ninguém,
muito menos seguir o padrão fingindo ser algo que não é. Entendo que está com
medo, e vou respeitar o seu pedido de não comentar, mas eu duvido que iriam te
julgar aqui dentro.

— Não quero falar... ainda! — ele responde, de imediato, a voz mais
aguda. — Tenho medo de mudarem comigo, de acharem que estou sentindo algo
por eles... Juro, eu nunca senti nada por nenhum deles. São como irmãos para
mim, respeito o James como uma figura paterna. O meu... o meu ponto fraco é
um dos guardas que fica vigiando a propriedade. Por isso estava na árvore, hoje
é dia dele ficar no plantão.

— Hummm! — incentivo, sorrindo. — Vocês já conversaram? Ele se
mostrou interessado também?

— Não, nunca nos falamos! Eu só fico olhando de longe, morro de
vergonha. Sem contar o medo de falar algo e me tratar mal, como vi na internet
que acontece muito.

Entendo toda a preocupação do Jimmy e fico triste por essa ser nossa
realidade em pleno século 21. Há muita gente preconceituosa que trata com
desprezo quem age diferente do que acha moralmente correto.

— Naqueles sites que o James falou também têm vídeos de homens se
relacionando, sabia? — aviso e ele arregala os olhos, surpreso. — Você pode ver
à vontade pelo seu computador, nós nunca iremos conferir o seu histórico de
navegação pra fuçar o que anda fazendo. Pode ficar tranquilo.

Está tão enraizado na nossa sociedade que homem deve ficar com mulher
que nem passou pela cabeça do James comentar as outras possibilidades. Ele não
cogitou que alguns dos garotos tivessem outra orientação.

— Obrigado por me ouvir, me sinto como se um peso de 100kg saísse
das minhas costas — Jimmy agradece, pegando minha mão. — Obrigado
também por respeitar o meu pedido. Eu vou tentar me acostumar com isso e
depois vejo como dizer. Não gosto de esconder nada deles, os amo demais!

— Não precisa agradecer, eu fico muito, muito feliz de poder te ajudar.

Foi por momentos como esse que decidi ficar aqui. Quero que os
meninos recuperem o tempo perdido e se descubram verdadeiramente sem as
paredes daquele subsolo os sufocando. Nada, nem ninguém, deve detê-los de
viver plenamente.

Estamos sentados na sala há mais de uma hora escutando o senador
Wright contar os detalhes da reunião dele com a ONU e o presidente dos Estados
Unidos, na sexta-feira. O chefe de Estado está preocupado com o número cada
vez maior de pessoas que exigem uma cura para seus familiares doentes em
estágio avançado. O país praticamente parou desde que fomos retirados do
subsolo, o assunto principal da mídia e da população é referente ao caso e seus
desdobramentos.

A ideia de criar um protocolo mundial e concentrar as pesquisas em
grandes universidades pré-selecionadas, a fim de garantir a segurança de pessoas
como nós, foi vista com bons olhos. Doaríamos nosso próprio material genético
para o início dos estudos e, depois, com cautela, outros poderiam ser
identificados. Todo processo poderia ser acompanhado com mais controle e até
sugeriram criar um canal para denúncias contra abusos fora desse protocolo. O
problema é que a notícia vazou na mídia antes de ser aprofundada e o final de
semana se transformou em um caos.

Amber acha que a Bioimmune ficou revoltada com a informação de que
os estudos vão continuar de forma independente, antes que ela consiga se safar
na justiça, e deu seu jeitinho brilhante de colocar fogo na situação.

Diversas empresas da indústria farmacêutica espalhadas pelo mundo
estão questionando a ideia e não querem ficar atrasadas no que pode lhes render
muito dinheiro. O objetivo é que os estudantes e cientistas, vinculados às
universidades, se concentrem primeiro e unicamente em encontrar soluções
seguras e viáveis. Só depois poderiam ser produzidos os produtos — é fato que
esse processo não será tão rápido porque existem questões burocráticas que
devem ser seguidas.

Governos ou empresas que optassem por explorar cidadãos como nós a
seu dispor, com certeza, sairiam na frente. Mas é justamente o que queremos
evitar.

— A equipe da Bioimmune é foda, eles agem muito rápido para se
defender e, ao mesmo tempo, atacar. Eu aposto que estão inflamando todos os
discursos pra virar essa bagunça — a jornalista continua dando sua opinião, ela é
muito inteligente. — Os contrários são perfeitos para reafirmar a defesa de que
esconderam os garotos para protegê-los esses anos todos; os exigentes pela cura
são ótimos porque as pessoas têm pressa e o produto deles é o que está na fase
mais avançada. Diante dessa nova possibilidade das universidades, eles
precisavam movimentar as empresas para garantir o seu lado.

— Eu acredito nessa hipótese também, Amber, ótima colocação. — O
senador se levanta do sofá e caminha em círculos pelo tapete. Acho que já se
levantou e se sentou umas vinte vezes desde que chegou, é hiperativo. — O
irônico é que, essas mesmas empresas da indústria farmacêutica, ficariam em
polvorosa se o produto da Bioimmune tivesse saído como planejavam antes do
escândalo. Milhares de remédios já não seriam mais necessários, visto que a
população teria uma imunidade muito avançada, e iriam demorar para fazer um
produto concorrente. Agora se unem por puro interesse.

— Como diz um ditado popular muito comum no Brasil: “águas passadas
não movem moinhos” — Elisa comenta, entrando na conversa. — As situações
vividas no passado não ajudam a modificar o presente no caso deles. O foco é
lutar com o que der pelo futuro.

— É um mercado muito competitivo e poderoso, se realmente quiserem
barrar essa ideia acho que podem conseguir. — O abatimento do James tem me
deixado preocupado. Ele está mais magro e mais pálido do que nunca.

Ontem as fofocas de que estava vendendo a tecnologia da Bioimmune
aumentaram e um jornal de Chicago garantiu que, em breve, trará uma notícia
bombástica que pode alterar o rumo das investigações.

Schumer disse que não deveríamos nos preocupar com isso, mas ele não
pareceu ouvir a sugestão do agente do FBI.

— Temos um fator importante ao nosso lado — Wright rebate, animado.
— O processo eleitoral para o próximo mandato já está fervilhando nos
bastidores. O presidente demonstrou interesse nessa ideia das universidades,
levando os Estados Unidos como exemplo para outros países também aceitarem
ajudar a ONU. Se começarem as pesquisas, vai acalmar as pessoas que pedem
pela cura, ao mesmo tempo que vai agradar a multidão que é contra os
experimentos abusivos. É um público grande para eleição que vai ajudá-lo em
uma área que foi criticada neste mandato.

— É um processo demorado, não sai até às próximas eleições!

— Vai ser demorado se for para criar um produto complexo igual era o
acelerador, James. De imediato, precisamos de algo mais simples e que resolva
uma parte do problema. Por exemplo, podemos investir no projeto de replicar o
plasma da Elisa e fazer um soro. No começo, nem precisamos juntar vários
anticorpos diferentes porque irá torná-lo mais complexo. Focamos em grupos
específicos e vamos dando por doença. — Olho na direção da Elisa, mesmo
ciente de que está concentrada demais para sequer desviar a atenção do homem
de terno. Tenho muito orgulho dela. — O soro é paliativo, não será tão potente
nem vai prevenir nenhuma doença como o acelerador faria, mas é um começo
para acalmar os ânimos.

— Pode ser uma boa saída sim, se o presidente está interessado em
ajudar, mesmo que seja pensando nas eleições, temos que aproveitar — Amber
pondera.

Não faz tanto tempo que convivo com Elisa, mas já sou capaz de
identificar algumas das suas nuances. Pelo jeito que seus lábios estão repuxados
e pelo vinco na sua testa, eu sei que não considera a melhor das saídas, porém,
não temos muito o que fazer.

— A pedido do presidente, aproveitei minha influência na área da
educação e já estou sondando com o MIT, a Universidade de Stanford e a de
Harvard sobre o interesse de serem os três pilares americanos nessas pesquisas.
Não podem ser muitas por país porque senão fica bagunçado e sem controle.
Elas são as melhores dos Estados Unidos, vão trazer confiança para a população
e credibilidade. Começamos aqui assim que a ONU definir os protocolos de
segurança e, se conseguirmos resultados positivos no plasma, vai atrair a atenção
dos outros. Daí novas universidades somam na força-tarefa a nível mundial para
ir melhorando o produto final. — O senador caminha até a parte do sofá que
Elisa está e se senta ao seu lado. — Você está disposta a abrir seu projeto para a
comunidade acadêmica e científica, caso esse caminho seja definido como o
melhor? Sei que está cheia de assuntos pendentes aqui, mas poderia se mudar
para a base no MIT e ajudar na coordenação de tudo, se quiser.

— Me mudar? — ela repete as palavras do homem que estão
reverberando pela minha cabeça.

O mesmo choque no seu rosto acontece no meu. As batidas do meu
coração aceleram e prendo a respiração, na ansiedade por sua resposta. Só de
cogitar que ela aceite isso e nos deixe aqui... Não consigo nem finalizar o
pensamento. Elisa desvia o olhar do Wright e me encara em silêncio, depois foca
nos outros meninos que a observam com atenção.

Ethan está com os olhos cheios de lágrimas.

— Depois de tudo que passamos para garantir a segurança dos meninos,
eu não vou conseguir sair daqui agora. Preciso ter certeza de que eles ficarão
bem primeiro — anuncia, por fim, fazendo meu pulmão voltar a agir. — É a
pesquisa da minha vida, mas com certeza eu daria permissão para ser aberta à
comunidade acadêmica e científica.

— Elisa não pode trabalhar daqui? Pelo computador, por exemplo? —
sugiro, odiando saber que tem que escolher uma coisa ou outra. Sei que a
pesquisa é importante para ela. — Talvez também pudessem criar um laboratório
na propriedade.

— Criar um laboratório vai ser mais difícil, além da logística pode gerar
um burburinho ruim dizendo que estamos fazendo testes com vocês aqui — o
homem responde, focando em mim e depois nela. — Mas a parte de contribuir
com videochamadas pode ser bem viável. Até porque ninguém conhece melhor o
seu estudo do que você.

— Por mim, está ótimo! Eu ia adorar fazer parte de alguma forma.

Os demais continuam falando, mas perco totalmente o foco ao perceber
olhos azuis me fitando com intensidade. As batidas do meu coração aceleram de
novo, mas desta vez de alegria, ao receber um lindo sorriso.

Foi uma sugestão simples, mas que parece tê-la deixado feliz.

Se Elisa está feliz, eu sou o homem mais feliz deste mundo.


Continuo passando a mão pelos fios longos do seu cabelo, sentindo a
maciez entre meus dedos. Anoiteceu e, como tenho feito nos últimos dias, fico
no seu quarto até ela pegar no sono. É a hora mais aguardada por mim, confesso.

Estou encostado na cabeceira da cama, com os pés esticados no colchão,
e Elisa está deitada com a cabeça no meu colo respondendo, animada, a pergunta
que fiz sobre quando começou a se interessar por biomedicina. É impressionante
ver a alegria no seu rosto com a possibilidade da sua pesquisa, finalmente, sair
do papel para ser usada em algo bom e não com a Bioimmune.

Desde que o senador foi embora, no final da tarde, há um brilho diferente
em seu olhar. Já me agradeceu umas três vezes por ter sugerido sobre o trabalho
remoto. Ela não quer se mudar de forma alguma, o que me deixa radiante, no
entanto, gostaria de fazer parte da aplicação do estudo da sua vida.

— Eu não estava com cabeça nenhuma pra pensar em trabalho alguns
dias atrás. — Ela se levanta depois de um longo tempo na mesma posição e fica
de frente para mim. — Agora não vejo a hora da ONU anunciar os protocolos e
as universidades iniciarem as buscas por respostas. Obrigada por tornar os meus
dias mais leves.

— Eu que tenho que agradecê-la por tornar os meus incríveis.

Faço um carinho na sua bochecha rosada e me inclino para frente a fim
de deixar um beijo na sua testa. É bonitinho ver como fica sem graça com
elogios, parece nunca saber exatamente o que fazer.

Conhecer Elisa melhor está sendo como vivenciar de novo aquelas
sensações avassaladoras da brisa do vento pela primeira vez, só que todos os
dias. Eu amo quando a gente se beija, quando a gente conversa, quando lemos
juntos, quando damos risada à toa ou simplesmente quando ficamos parados em
silêncio bem pertinho.

Não tem nada que não se torne memorável ao lado dessa mulher.

Com nossos rostos pertos demais, Elisa roça o nariz na minha barba e
sobe seus dedos delicados da nuca até alcançar uma mecha do meu cabelo. Eu
adoro quando ela faz isso, dá um arrepio tão gostoso na pele.

Começamos a nos beijar, daquela forma que eu pareço nunca me cansar,
e logo noto seu corpo se movimentando para se sentar no meu, como fizemos no
dia que pediu para irmos devagar. Não havíamos repetido essa posição
maravilhosa; não na realidade, pelo menos.

Como deu permissão para me aliviar pensando nela, não perco a
oportunidade. Sempre que saio daqui vou direto para a suíte do quarto que
divido com Thomas gozar com a sua imagem rebolando em mim. É bom, só que
nem chega aos pés do tesão que borbulha pelo meu sangue neste instante.

Em pensamento não consigo replicar com precisão o som da sua
respiração entrecortada, nem a vontade com que duela com a minha língua e,
muito menos, a intensidade que esfrega seu quadril contra o meu.

— Acho que nós podemos avançar um pouco mais hoje — avisa, rouca,
próximo do meu ouvido. — Você quer?

— Se... eu... se eu quero? — Finco meus dedos na sua cintura e a ajudo a
se movimentar. — Acho que isso te responde.

Ela não precisa nem de um minuto para me deixar duro. Sei que sente a
ereção porque um gemido delicioso preenche o quarto e a sua mão me ataca com
mais ferocidade no cabelo. Voltamos a nos beijar e eu mordo o seu lábio inferior,
ansioso para saber como exatamente vamos avançar.

Só nos separamos quando o ar fica escasso. Ela ainda deixa alguns
beijinhos rápidos nos meus lábios e no meu queixo antes de procurar o meu
olhar.

— Tem algo que sente vontade de fazer? — A sua voz baixa e carregada
é uma tentação.

— Eu fantasio em tocar os seus seios há um tempão — respondo, de
imediato. — Acho tão grandes, parecem macios.

Elisa não está de pijama hoje, ainda veste a mesma roupa que recebeu o
senador, exceto pelo casaco preto que cobria os seus braços. A blusa vermelha de
alcinha que está agora sob o meu olhar, apesar de não ser decotada, enaltece
ainda mais o volume cheio.

Passo a língua pela minha boca, sentindo-me salivar com o desejo insano
de tirar essa peça e vê-los por inteiro sem nada para me atrapalhar.

— Eu posso tirar a blusa? — Minhas mãos, sem controle, rapidamente
passam da cintura para a beirada do tecido.

Só não levanto a peça porque as suas correm até as minhas e não me
deixam continuar o movimento. Olho-a, preocupado de ter feito alguma coisa
errada.

— Você pode ver... só não... não precisa tirar a blusa. Tá?

Não entendo o desconforto que enxergo passar brevemente nos seus
olhos azuis tão transparentes.

— Você quer parar? A gente pode parar, não tem problema nenhum por
mim.

— Não, eu não quero. É só... é só a blusa mesmo. Não precisa tirar tudo.

Antes que eu diga mais alguma coisa, ela estica o braço para o lado e
diminui um pouco a luminosidade do abajur. Penso em avisar que prefiro como
estava, para enxergá-la melhor, no entanto, perco a capacidade de fala quando
deixa seu corpo ereto no meu colo e abaixa uma alça e depois a outra.

O movimento é lento e sedutor, fazendo meu coração pulsar desenfreado.
Seu olhar não desvia do meu durante os movimentos; e os meus se intercalam
entre os dela e uma peça menor que aparece. Fecho a mão em punho no colo
para evitar tocá-la antes que diga que eu posso fazer isso.

— Você pode pegar — avisa o que parece uma eternidade depois,
passando as alças pelo braço e deixando-as se amontoar com o restante da blusa
logo abaixo dos seios.

O consentimento aumenta o volume na minha bermuda furtivamente.
Para me ajudar, ela levanta minhas mãos e as direciona para o tecido branco
delicado e cheio de detalhes. Aperto por cima da peça, sentindo o peso e o
tamanho. Vidrado e quase sem respirar, passo o dedo indicador por toda a borda
do centro apreciando a visão da carne grande e macia. São maiores do que
imaginei.

Lindos como Elisa é, por inteira.

— Eu quero tocar sua pele sem nada me impedindo. — Já notei que
minha voz vai ficando mais grossa à medida que meu tesão aumenta.

Ela balança seus cílios longos para mim, inspira fundo e leva os braços
para trás sem dizer nada. Acompanho sem piscar seus movimentos para soltá-lo.
Assim que as faixas laterais escorregam em cima da blusa imagino que tudo vai
cair, no entanto, Elisa ainda fica segurando a parte da frente com as duas mãos.

Seu rosto está voltando a ter um tom rosado e seus olhos transpassam
aquele desconforto que vi agora pouco.

— É... acho que... é importante dizer... que eu não sou nenhum pouco
parecida com as mulheres que possa ter visto nos vídeos. — Seu olhar se desvia
para o colchão e para a sua perna em cima de mim. — Meus seios não são tão
empinados e meu corpo é bemmmm diferente.

— Eu já disse que não consegui fazer nada vendo aquilo. — Toco seu
queixo e o viro na minha direção. Quero olhar nos seus olhos. — Eu acho você
linda, muito mais atraente do que qualquer uma delas.

— Ah, eu não sou mesmo... — Tenta argumentar, mas nem a deixo
terminar a frase.

— Você precisa se enxergar com os meus olhos, Elisa. Neles, só há você.

Inclino o corpo para frente em busca dos seus lábios. A intenção era
apenas deixar um beijo carinhoso, contudo, alguma coisa a faz avançar na minha
direção, soltando a peça no mesmo instante que intensifica nosso contato.

Subo as mãos por suas costas, adorando sentir pele com pele. Estou
usando uma camiseta mais fina e é impossível não notar o bico pontiagudo
roçando no meu peito. Empurro seu corpo para frente, tirando qualquer resquício
de distância entre nós.

Levo uma das mãos para o seu pescoço e a seguro ali para manter o ritmo
dos nossos lábios. O seu quadril começa a se esfregar em mim de novo e eu me
movimento junto para amplificar a sensação gostosa.

Sem parar o beijo, Elisa puxa a mão que estava nas costas para frente e
leva até seu seio esquerdo nu. A palma é grande e mesmo assim não consigo
segurá-lo inteiro. Aperto-o entre meus dedos e me afasto ofegante para ter a
visão que tanto ansiei.

— Perfeita! — elogio, encarando-os com desejo e explorando cada
centímetro pelo tato.

Minha boca volta a salivar e fico com uma vontade enorme de lambê-los,
como vi em um dos vídeos que tentei assistir. Elisa joga a cabeça para trás,
soltando sussurros incompreensíveis pelo ar, e eu aproveito esse momento para
passar a língua no bico durinho que fica bem na minha cara.

— Ah, meu Deus, Dylan! — O seu grito de susto já não me deixa mais
preocupado.

Eu sei que desse ela gosta. Continuo passando a língua enquanto o outro
seio recebe os estímulos da minha mão. Aperto firme, com vontade. Funciona
porque Elisa passa a rebolar no meu colo, friccionando com força na ereção que
está mais dura do que pedra neste instante.

— Chupe... abocanhe... o centro e faça... movimento de sucção.

Levanto a cabeça, sem tirar minha boca dela, e a visão dos seus lábios
carnudos e o cabelo bagunçado por minha causa me trazem uma sensação nova e
poderosa demais para ser contida.

É como se um animal selvagem rugisse dentro de mim, em alto e bom
tom, que eu jamais posso perder essa garota.

O olhar intenso do Dylan me deixa vulnerável todas as vezes, mas agora
está tão mais forte e significativo, que eu me sinto em um avião, a quilômetros
de distância do chão, sendo convidada por ele para pular de paraquedas.

Ao mesmo tempo que a experiência é incrível, também é assustadora
demais. Passar 24 horas no mesmo ambiente faz parecer que um dia é um mês e
tudo toma um novo significado. O devagar acaba se tornando rápido dentro
desses muros.

Ele obedece a cada um dos meus pedidos sem desviar a atenção do meu
rosto, deixando-me completamente extasiada. Eu ainda fico boba em como esse
homem tem a capacidade de aprender. Primeiro Dylan passa sua língua comprida
de baixo para cima e depois abocanha o centro com fome.

Fome de verdade, sedento.

O barulho da sucção entra como melodia nos meus ouvidos e faz minha
calcinha, já molhada, ficar encharcada de desejo. Arqueio o corpo para trás e ele
desvia a mão que estava no meu pescoço para segurar melhor os dois seios,
como se não pudesse abandoná-los de forma alguma.

Parecendo descontrolado e completamente imerso nos movimentos,
Dylan passa a intercalar chupadas e lambidas. Dá atenção em cada um. A sua
boca está quente e a saliva molha na medida certa minha pele que está adorando
sua atenção.

— Que gostoso, você parece que nasceu sabendo fazer isso.

Sinto o seu sorriso em mim, o que me faz sorrir também. Nos últimos
dias, eu tenho sorrido bem mais ao seu lado. É inegável que está me fazendo
bem, como Emma disse que faria. Fico feliz por ter escutado minhas amigas e
dado uma chance para nós. Mesmo que, no fim, isso tudo tenha um prazo de
validade.

Gemo quando ele suga mais forte e me esfrego no seu membro duro,
fazendo movimentos ritmados para frente e para trás. O jeans da sua bermuda
torna o toque ainda melhor, nunca imaginei que aos 32 anos iria gostar de
reviver os amassos que dava na adolescência.

É tão bom esse friozinho que sobe na barriga e a sensação de descoberta
—mesmo que para mim não seja nada novo.

Dylan flexiona um pouco seus joelhos para cima e me aperta na cintura,
jogando meu corpo para frente. Eu sou pesada, mas pareço uma pena sob seus
braços fortes que me movem facilmente de um lado para o outro.

Não satisfeito em me deixar louca com chupadas, ele volta a me dar
lambidas e a me cheirar quando não consegue respirar de tanto esforço. Os
movimentos começam nos seios, que estão pesados, e vão subindo sem pressa
pela clavícula, o pescoço e o queixo até chegar à minha orelha.

Uma de suas mãos apanham um punhado do meu cabelo e ele me vira
para o lado sem cerimônia, exigindo livre acesso.

— Você é cheirosa, é macia, tem um gosto agridoce maravilhoso na sua
pele... minha imaginação nunca chegaria aos seus pés — elogia, rouco, falando
bem baixinho no meu ouvido. — Essa, com certeza, foi a melhor experiência
que já tive na minha vida.

Sorrio boba, tentando não me afetar com suas palavras. Eu sei que é
sincero, mas não existe nenhum parâmetro para ele comparar. Sem contar, que
ainda nem chegamos às melhores partes do nosso contato íntimo.

Suspiro só de imaginar o seu membro duro, que aposto ser cheio de
veias, penetrando bem fundo dentro de mim.

— Ainda tem muitas coisas pra você descobrir. — Seguro sua nuca e
afasto-me o suficiente para enxergar seus olhos. As pupilas dilatadas me fazem
morder os lábios. — Essa experiência não vai durar muito tempo sendo seu top
1.

— Sendo com você, eu não duvido de nada. Estou louco pra descobrir
tudo! — Ele acaricia minhas costas nuas e volta a apertar um dos meus seios,
menos afoito desta vez. — Mas tenho certeza de que aqui continuará na lista de
prioridades para chupar sempre que possível.

— Não vou reclamar disso! — Sorrio, passando os dedos da minha mão
livre pela sua camiseta.

Apalpo seu peitoral, sentindo o músculo pulsar e a temperatura quente
alcançar minha pele. Eu já me acostumei com esse calor todo e confesso que até
acho mais estimulante. Desesperada para tirar qualquer pedaço de pano que me
atrapalhe, olho nos seus olhos e puxo a peça para cima.

Dylan me ajuda a tirá-la e quase não pisco apreciando a beleza de cada
centímetro bem esculpido. Seu peito é liso, sem nenhum pelo, e a pele é
naturalmente bronzeada. Tem tantos gominhos no seu abdômen que poderia
aposentar o tanquinho de lavar roupa.

Devagar passo a mão nas veias sobressaltadas dos seus braços, que não
somem dali mesmo quando não está fazendo alguma atividade física, e vou
descendo pelo peito até alcançar o cós da bermuda. Ele suspira mais forte
quando brinco com o jeans.

Da forma como estou molhada e cheia de tesão, nós poderíamos
facilmente transar hoje. Mas ainda não me sinto pronta para esse passo. Talvez
seja o tempo sem fazer nada; ou a mais provável: insegurança com meu corpo.

Não estou preparada para ficar completamente nua na sua frente.

Decidida a não avançar tanto, mas também não querendo parar o nosso
momento ainda, eu me inclino sobre ele e dou um beijo no vão do seu peito.
Dylan aperta minha cintura do jeito que amo e empurra meu quadril para baixo.

— Você também pode sentir muito prazer aqui, sabia?! — pergunto,
levando minha boca na direção do bico. — Muitos homens têm vergonha de
admitir que sentem prazer nos mamilos, mas esta é uma região masculina
altamente sensível. Quer experimentar?

— Cl... clar... claro — responde com dificuldade à medida que começo
circulando o mamilo com a língua. — Eu já disse: tudo com você... tudo que
quiser... me ensinar.

O fato de não ter sido criado dentro de uma sociedade machista o torna
um desbravador nato, que não tem vergonha de provar tudo que puder.

Empolgada com sua receptividade, subo a cabeça para o seu pescoço e
desço dando mordidinhas de leve para aumentar a sua expectativa. Os gemidos
do Dylan começam a ficar mais frequentes e eu posso senti-lo inflar embaixo de
mim.

Ao voltar para os mamilos dou toda a atenção que merecem, sempre
buscando fitar os olhos castanhos que não desviam o foco dos meus movimentos
por nada. É muito excitante acompanhar a sua entrega, a boca entreaberta e a
descoberta de cada nova sensação.

Dou uma lambida mais firme e, em seguida, assopro levando Dylan à
loucura. O puxão no meu cabelo e os dedos fincados na minha cintura são a
melhor resposta que poderia ter.

— Elisa... — Ele morde os lábios, seu rosto extasiado é um tesão. —
Aquela... aquela coisa forte que me puxa antes de gozar está vindo muito
intenso. Eu não... não sei...

— Deixa vir! — instigo, doida para vê-lo nesse momento tão entregue.
— Vai sujar a sua calça, mas você pode se limpar aqui no meu banheiro antes de
voltar para o seu quarto. Aí você passa por todas as fases, todo homem tem uma
história assim pra contar.

Ele balança a cabeça em afirmativo, topando tudo que eu sugiro, e me faz
abrir um outro sorriso no rosto. Uma parte de mim — uma parte maior do que
estou disposta a admitir — está adorando participar dessa nova fase com Dylan.

Inclino-me de novo para continuar lambendo seu mamilo, mas ele me
surpreende ao me puxar pela nuca e atacar a minha boca com furor. Sua língua já
aprendeu exatamente quais caminhos percorrer e o faz com maestria. Mordo seu
lábio e volto a me mover onde ele precisa de alívio.

Segurando-me pela cintura e pelo pescoço, Dylan vai ficando mais
ofegante e dita o ritmo com o qual meu corpo se esfrega ao seu. Não estava
pensando em gozar também — não na sua frente, pelo menos —, mas o filho da
mãe consegue sem querer achar o ponto perfeito para estimular meu clitóris
perto do zíper.

Rebolo, jogando a cabeça para o lado quando nos separamos por falta de
fôlego e ele arranha sua barba no meu pescoço e na minha clavícula.

— Você também... linda... você vai... — Suas palavras saem
entrecortadas, mas eu entendo a tentativa de pergunta.

— Sim... — Continuo friccionando, sem conseguir controlar o meu
desejo.

Fisgada no seu olhar, a sensação que já é boa parece triplicar.

— O que eu... o que eu faço pra ajudar? Quero você... junto comigo...

— Só continua nessa posição, nesse pontinho... ahhh, Dylan! — Mordo
os lábios para não fazer barulho e ele apalpa um dos meus seios para aumentar o
tesão, impulsionando seu corpo junto com o meu.

— Você fica... ainda mais linda dessa forma, Elisa.

— Você tam...

Não termino a frase porque é no exato momento que seus olhos se
expandem e a força da sua mão que está na minha cintura aumenta. Rebolo mais,
esfrego nele sem nenhum pudor até notar seu membro inchar e murmúrios
indecifráveis saírem da sua boca bonita. Ele não disfarça o gemido rouco, não
tenta me esconder o que está sentindo.

É tão visível... tão cru... tão bom! Meu Deus, esse cara é a personificação
da palavra gostoso.

Acompanhá-lo gozando, unido ao calor que emana do seu corpo e a cara
de prazer com que me observa, levam meu tesão a um outro patamar. Não
consigo resistir... não quero resistir.

Como Dylan, eu me entrego sem reservas e deixo vir: forte e revigorante,
acelerando as batidas do meu coração e arrepiando os pelos do meu corpo.


Entro na cozinha distraído e me deparo com Elisa de costas para mim,
mais uma vez aérea mexendo no celular. Infelizmente, não tenho a mesma visão
de antes, com aquele pijama curto e sensual, mas ela também fica linda com
calça de moletom e as blusas largas que adora vestir. Aproximo-me devagar,
para pegá-la de surpresa, e a enlaço pela cintura, trazendo seu corpo para o meu
abraço.
— Meu Deus, que susto, Dylan! — Sua reprimenda vem com um sorriso
e seu quadril se movendo para aconchegar em mim.

Parece que fomos feitos para ficar encaixados dessa forma. Inspiro o
cheiro gostoso do seu cabelo molhado e a viro de frente com apenas um
movimento. Primeiro dou um beijo na sua testa e depois um selinho nos seus
lábios, empurrando-a sutilmente contra o balcão.

— Bom dia!

— Ótimo dia! — Ela larga o celular e uma caneca de café no mármore,
acariciando a minha barba.

Tão pertos um do outro, não resisto a ficar apenas em um toque sútil e
peço passagem na sua boca para explorá-la com minha língua que acordou com
saudade. Foi difícil me despedir ontem e sair daquele quarto. Foram muitas
experiências novas e incríveis no mesmo dia. A imagem dos seus olhos cravados
nos meus, e do seu lábio inferior sendo mordido para evitar fazer muito barulho
ao chegar ao ápice, ficarão para sempre na minha memória.

Não vejo a hora de continuar desbancando meu preferido com outras
descobertas. Gozar com ela passou a ser o top 1, seguido de chupar os seus seios
e ser chupado. Esses dois últimos, para ser sincero, praticamente empatados.
Não tenho dúvida que ainda vou me surpreender muito com essa mulher.

— Bom dia, bom dia, bom dia! — Afastamo-nos depressa ao escutar a
voz empolgada do Ethan. — Já tem café da manhã pronto? Tô com fome! O
Thomas ainda não se levantou? Quem vai fazer minhas panquecas? O Matt sabe
fazer com carinha, mas tá tomando banho.

— Alguém levantou elétrico hoje! — Elisa dá uma piscadinha para mim
e faz um carinho na minha barba, de novo, antes de se afastar na direção do
caçula. — Não faço panquecas igual ao Thomas, mas enquanto ele não vem,
posso improvisar um bolinho de caneca igual aquele dia. Você quer?

— Ahhh, eu quero! Eu quero! — responde, sentando-se na mesa para
esperar. — Ficou delicioso.

— Acho que ele perdeu a hora, estava deitado quando me levantei. Ao
chegar ontem ao quarto para... para tomar banho... — Solto um suspiro ao me
lembrar da calça suja pelo orgasmo delicioso. Elisa me fita fazendo o mesmo
enquanto abre os armários em busca dos ingredientes que precisa. — Ele estava
no computador falando com a Emma. Peguei no sono e ainda estavam
conversando.

— Com a Emma? Olha que espertinha! Nem me contou que estava
conversando com o Thomas fora daqui.

— Será que eles também vão se conhecer melhor? — Ethan se intromete
no assunto e eu me sento ao seu lado, bagunçando seu cabelo, divertido. —
Temos que arrumar alguém para o Jim e o Matt, coitados!

Jimmy chega logo que seu nome é anunciado e fica sem graça com as
brincadeiras do menor sobre escolher a Amber. Não me passa despercebido a
troca de olhares com a Elisa, o que novamente traz aquela sensação de posse
para o meu peito como aconteceu com seu ex-marido.

Ele anda tão esquisito desde que chegamos. Será que está interessado
nela também e não quer contar? Passo a mão no cabelo, espantando esse
pensamento da mente. Não pode ser! Amo o Jimmy, mas isso é algo que nunca
dividira.

Ela é minha. Só minha! Imaginar Elisa fazendo tudo que faz comigo com
outro traz uma pulsação horrível no meu peito.

Antes que eu continue enveredando por esse caminho perigoso de
suposições, escuto um barulho alto de objeto quebrado e me levanto na mesma
hora. Jimmy e Elisa também escutam, pois logo estamos nós três e o caçula
correndo pelo corredor.

Não demora para perceber que se trata do James na sala. Acho que nunca
o vi tão bravo como agora, há uma jarra estilhaçada no chão e seu corpo se
movimenta sem controle na frente da televisão. As duas mãos na cabeça e a
respiração acelerada nos mostram que não deve ser uma boa notícia.

Que beleza! Hoje vamos começar cedo com os problemas, pelo jeito.

— O que foi, James? Você está bem? — É Elisa quem se aproxima dele,
afagando suas costas.

James não diz nada por alguns segundos, continua andando alterado com
o olhar fixo na TV. Observo a fonte do seu foco e noto uma chamada enorme no
noticiário com a sua foto em destaque: “O segredo oculto por trás do escândalo
da Bioimmune”.

— Eu tive um pesadelo horrível essa noite, acordei assustado e faz mais
de uma hora que estou aqui em frente à televisão. — O desespero na sua voz me
faz aproximar também e colocar a minha mão do outro lado do seu ombro. —
Foi um sinal pra me avisar, a matéria bombástica que estavam anunciando saiu.
Eles estão dizendo que eu vendi a tecnologia da Bioimmune para a China. Para a
China! Tem noção disso?

— O quê? Como assim? — Elisa pega o controle e aumenta o volume do
aparelho.

Não entendo muito o semblante assustado dos dois, mas tento prestar
atenção na fala do apresentador.

“Em meio a uma guerra comercial, quando o governo tenta conter o
avanço dos produtos made in China para fortalecer a indústria nacional
estadunidense, a nossa equipe descobriu uma grande traição ao país.

James Davis, ex-funcionário da Bioimmune, aparece em uma chamada
de vídeo comprometedora repassando informações da tecnologia criada pela
empresa para um homem chamado Yao Han.”

— Chamada de vídeo? Mas eu nunca falei com ninguém na China! —
James cambaleia para trás, tonto, e eu o ajudo a se sentar.

— Calma, você vai acabar passando mal! — Jimmy o alerta, sentando-se
ao seu lado.

— Vou na cozinha pegar um copo de água. — Ethan nem espera
ninguém o autorizar, sai correndo de volta pelo corredor.

Para o desespero de James, realmente aparece um vídeo seu na tela onde
ele aparenta estar de frente para o computador falando com alguém em inglês. O
interlocutor tem um sotaque diferente, mas também fala no nosso idioma. São
cerca de 3 minutos de áudio que me deixam atônitos porque até Elisa entra na
jogada.

“— Já está tudo certo com a biomédica, Yao. Estou arquitetando o plano
com Donald. Ela aceitou o pagamento e vai repassar o estudo completo para
que vocês possam adiantar a parte final do produto.

— Vai resolver o problema e torná-lo comercial de uma vez por todas,
certo?

— Pode confiar, seus profissionais vão conseguir terminar com o estudo
da Elisa. Quando Russell descobrir algo, vocês já estarão bem à frente e a
Bioimmune cai. No máximo, em algumas semanas nós vamos armar o escândalo
para eles saírem como vilões, enquanto nos preparamos para faturar bilhões em
um futuro breve.”

— Eu juro, nunca gravei esse vídeo! Nunca falei disso! Não faço ideia de
quem seja Yao, muito menos Donald.

— Eu sei, James! Eu sei! — Elisa está pálida, aproximo-me dela e a
trago para se apoiar nos meus braços. — Nunca fiz parte de nada disso também.
Tem que ter alguma explicação, estão fazendo parecer que tiramos os meninos
do subsolo por interesse. O pior é que foram certeiros, inventando logo com a
China que anda em um confronto com os Estados Unidos na briga de maior
potência internacional. Tirar o brilhantismo de um produto como esse daqui e
deixar o maior rival ganhar as glórias seria crucial para abalar a economia.

— O que vamos fazer? Como vamos provar que é mentira? É o meu
rosto ali, meu rosto perfeitamente!

— Tomem a água, gente! — Ethan volta com dois copos. — Trouxe pra
você também, Elisa. Escutei da cozinha como está nervosa.

Ela chega a se afastar de mim e toma um gole, mas se engasga e quase
cospe o líquido com a imagem de um homem de terno e bem-vestido que
aparece na televisão.

— O que Mark está fazendo aí? — questiona, aflita. — Aumente mais o
volume!

Não sei quem faz o que ela pediu porque um ódio enorme se apossa do
meu corpo ao escutar o que o babaca começa a dizer. Elisa mal ouve duas frases
e treme sem controle.

Trago-a de novo para os meus braços, mesmo com medo de machucá-la
por causa da temperatura que avança mais forte do que nunca. Se eu pudesse sair
daqui... se eu pudesse... com certeza iria atrás desse homem.

“— Elisa sempre foi ambiciosa, veio para os Estados Unidos quando mal
nos conhecíamos direito a fim de ganhar o visto e um emprego decente à minha
custa. Eu me deixei envolver, mas com o passar dos anos, as máscaras foram
caindo e decidi me separar. Foi aí que tentou me prender com uma gravidez, eu
não cedi e ela acabou matando meu filho ao ver que não ia conseguir o que
queria.”

— Eu vou matar esse idiota! — brado, sentindo meu peito explodir. Elisa
só consegue chorar, o que faz a raiva subir fervorosa em mim. — Como ele ousa
dizer uma coisa dessas?

— Eles estão indo baixo demais! — James lamenta, ainda mais abatido
ao ver a reação da mulher nos meus braços. — Mexemos com o pior tipo de
gente. Eu sinto muito, muito mesmo, Elisa.

Suas lágrimas aumentam e ela me aperta na cintura, molhando minha
camiseta sem dizer uma palavra. Passo a mão no seu cabelo e deixo um beijo na
sua cabeça, sussurrando no seu ouvido que isso não vai ficar assim e que
daremos um jeito de provar que tudo é uma grande mentira.

Não faço ideia de como, mas vamos. Eu não vou deixar que sujem a
carreira e a índole da minha mulher desse jeito.


Desligo o telefone e tomo um gole de café, contemplando a linda vista
do lado norte de Chicago pela sacada do meu apartamento. Por ser na cobertura
de um dos prédios mais cobiçados da região, a imagem também é deslumbrante,
mesclando o céu azul, o verde das árvores e a singularidade de cada imóvel lá
embaixo.

Ouço vozes alteradas de Madelyn, Russell e Patterson e constato que
estão assistindo à reportagem que vai garantir a nossa virada gloriosa no jogo.
No fim das contas, a traição do Davis vai me levar à presidência dos Estados
Unidos mais fácil do que do modo tradicional.

— John, venha ver! O apresentador começou chamando James de traidor
da nação — minha irmã avisa, sorridente.

Continuo tomando meu café e caminho devagar até o sofá onde estão
sentados. Pensaram que iriam nos derrubar quando tiraram aqueles garotos do
subsolo, mas, na verdade, só nos fizeram acionar o plano B. Que, admito, está
saindo melhor do que imaginado.

Seria muita inocência do Davis achar que, quem planeja algo tão
importante e complexo por anos, não tem várias cartas na manga. Além de
possuirmos contatos com grandes empresas do ramo farmacêutico, policiais,
militares e até juízes, ainda contamos com um fator fundamental: eu e a minha
irmã somos muito bons no que fazemos.

Juntos, formamos um time imbatível que deixaria nossos pais orgulhosos,
se estivessem vivos. Ela como uma CEO irredutível, e eu como um político
sagaz, dominaremos o mundo em breve. Muito em breve.

Desde que a Bioimmune estampou os noticiários de forma negativa, eu
pensei em reverter o quadro contra o próprio Davis. Há milhares de minutos de
gravações dele nos nossos laboratórios — sejam em atividades cotidianas ou em
vídeos feitos no computador relatando experiências realizadas com os garotos.
Usei todo esse banco de dados imenso dos seus trejeitos, voz, entonação e
manias para manipular um discurso com deepfake.

Se já existe inteligência artificial para fazer vídeo falso realista com
aplicativos de celular, causando grandes transtornos para os envolvidos, imagina
se você tem recursos para investir em um dos melhores profissionais do mercado
ilegal? Nem o FBI vai conseguir encontrar falhas naquele vídeo, ficou perfeito
porque tínhamos muito material para processamento.

E se encontrarem ou suspeitarem, nunca poderão chegar até nós porque
temos laranjas prontos para assumirem a culpa, infiltrados nos grupos contra a
mutação no sangue. Gente da nossa equipe que finge não gostar de nós e nada
fora do normal que inclua a Bioimmune.

Desgastamos nossa imagem um pouco durante as últimas semanas, mas
não será nada comparado aos frutos colhidos depois. Foi tudo friamente
calculado.

Incluir uma história inventada com a China foi uma ideia brilhante do
meu amigo e, provavelmente, futuro vice-presidente general Douglas Stack.
Estava conversando com ele na sacada há pouco e nosso cenário está
melhorando a passos largos. O atual presidente está desesperado, sem saber
como conter a ânsia dos que querem o produto e a fúria dos que não querem.

Aquela ideia de focar nas universidades não tem futuro nenhum. Ele
pode até tentar, mas o barulho que incitamos nas empresas do ramo será maior.
Se o seu plano era usar a Elisa, por exemplo, já vai por água abaixo depois dessa
matéria. Que credibilidade uma mulher que ajuda um traidor a vender nosso
produto para o inimigo tem?

Como apoiador antigo do nosso projeto, principalmente no que tange ao
visionário estudo para criar soldados mais potentes com as habilidades dos
experimentos, Stack sempre está participando das grandes decisões e é quem
mais me fornece contatos preciosos. Devido ao atual cenário de conflito
comercial com o país, o governo vai ter dor de cabeça para investigar nossa
mentira, sem contar o desgaste internacional ainda maior com a exposição dessa
matéria.

Por mim, quero mais é que o circo pegue fogo. O tempo que vão perder
investigando, e as dúvidas que o conteúdo falso irá levantar, é o que importa para
nós.

— O Mark terminou de tampar o caixão daquela dupla! — Russell
comemora a nova imagem na tela e vira para me fitar. — Davis já era! Quando
os outros jornais confirmarem o casamento rápido e a declaração de óbito da
criança, Elisa também vai perder a credibilidade e as coisas vão começar a virar
com gosto para o nosso lado.

Balanço a cabeça em concordância, tomando mais um gole de café. Não
tenho nenhum problema em forjar provas convincentes, no entanto, confesso que
fico feliz quando as próprias circunstâncias da realidade ajudam nos meus
planos. O caso da senhorita Montemor era perfeito e foi preciso só uma ligação
para expô-lo ao mundo. A garota ter trabalhado na Globalmed, nossa principal
aliada, tornou essa parte da tarefa fácil demais.

O ex-marido não gostou muito da ideia de mudar um pouco os fatos, mas
nada que uma boa ameaça não resolvesse. Sabemos ser intimidantes, tanto é que
nenhum outro funcionário da empresa ousou ir contra nós. Os dois abusados, que
agora vivem nas asas do meu concorrente, vão gastar uma pequena fortuna em
processos para corroborar nosso modus operandi.

— Foi muito bom agir inflamando todos os lados, mudou o foco
principal de nós e agora está nos humanizando mais — Patterson comenta,
tirando os óculos para limpar a lente na sua blusa. — Por um momento, achei
que poderia não dar certo essa estratégia ousada.

— Temos a melhor equipe de relações públicas de Chicago do nosso
lado, os melhores advogados, os melhores contatos... — Russell elenca,
ostentando um sorriso orgulhoso. — Eu fiquei com ódio no dia que fomos
descobertos, mas depois nem hesitei em confiar em todas as decisões.

Russell, Patterson e eu fomos amigos de universidade e nos
aproximamos ainda mais quando eles passaram a trabalhar na Bioimmune.
Gosto como se sacrificam pelo andamento do projeto, mesmo que isso signifique
que sua imagem seja manchada por um tempo.

Devo muito aos dois por descobrirem que um dos nossos funcionários na
época tinha um filho especial que fez ser possível o nome da família Scott ser
tão importante para a história deste país. Quando Russell me falou do E1, não
hesitamos em fazer todo o possível para colocar nosso plano em prática.

Tivemos que anunciar a sua demissão para acalmar os ânimos, contudo,
em nenhum momento ele se afastou das resoluções. Como tenho um elevador
privativo e sem câmeras, os dois principais médicos dessa missão têm acesso
direto à minha casa sempre que é preciso conversarmos sozinhos.

— Depois que esse vídeo do James reverberar e Elisa for desmoralizada,
não teremos novas surpresas, né? — Noto Patterson engolir em seco, encarando-
me com afinco. — O Peter, a Rachel, os demais experimentos... tudo está bem
amarrado, certo?

— Não teremos surpresas — respondo, com convicção.

Por mais esforços que coloquem nessa investigação, eles vão sempre
rodar em círculos sem conseguir provas contundentes. Desde o início desse
projeto eu tinha em mente que existiria a elite e os efeitos colaterais, aqueles que
seriam peões necessários no nosso jogo.

Até mesmo entre nossos contatos importantes controlamos o nível de
informação. Sabemos que não temos como ganhar sozinhos, porém, não somos
burros de correr riscos à toa.

Confesso que com a Rachel fomos um pouco descuidados pela
empolgação de encontrar um novo experimento; mas merecemos um desconto
por ter sido bem no início. Davis e os demais nem deveriam ter descoberto sobre
a morte dela. Embora não façam ideia de que foi incinerada, sem chance de
encontrar um fio de cabelo sequer da garota, é uma informação que podem soltar
por aí sem necessidade.

Deveríamos ter sido mais detalhistas como no teatro armado com Peter.
Aquilo lá foi digno de Oscar, até galpão abandonado para o garoto inventamos
para não criar suspeitas com os demais que nos ajudavam e eram amigos do
homem.

Garantir que tudo corresse bem por tantos anos me trouxe alguns cabelos
brancos, mas nada que não conseguimos contornar com suborno ou medo. O ser
humano é muito fácil de lidar: ou quer dinheiro, ou tem pavor de algo ruim
acontecer. Para esse último, temos uma equipe especializada para apavorar um
pouco nossos alvos.

Peter quem o diga, foi tão vigiado no período que quis desistir de nos
entregar seu filho que estava paranoico. A senhorita Montemor também já estava
entrando em choque. Adoro acompanhar o pavor estampado no rosto deles.

— Em breve, vamos acabar com tudo de uma vez por todas — continuo
falando calmamente, ainda tomando meu café.

— Você vai colocar aquele plano em ação? — Russell pergunta, com um
sorriso e eu confirmo com um aceno de cabeça.

— Quem com ferro fere, com ferro será ferido!

— E a ideia do blog, você vai levá-la adiante também, John? Acha que
precisa, mesmo com essa mudança favorável no cenário para nós? — minha
irmã questiona, ajeitando a gola do seu terno.

O blog é outra ideia brilhante do general Stack que vai alimentar a
desconfiança dos grupos contrários. Sem rastros, com apoio dos hackers da
nossa equipe, vamos lançar um blog com vários documentos falsos que
corroboram todas as loucuras que esse povo acredita. Vai parecer que é algo
secreto de um ex-funcionário tentando nos desmascarar, quando, na verdade, é
tudo orquestrado por nós.

— Claro! Agora é a hora de gerar revolta e caos para instigar os grupos
do contra agirem violentamente. Começamos com as manifestações, o próximo
passo é algo mais chamativo até culminar em um ato extremo. — Levanto-me
para deixar a caneca na cozinha e me preparar para mais um dia no Congresso.
— Os experimentos já não nos servem para mais nada. Temos como terminar
nosso produto com o conhecimento adquirido da fórmula da biomédica e temos
outros garotos na nossa mira, sem o governo fazer ideia de quem são.

E1, E2, E3, E4 e E5 serviram aos seus propósitos, no entanto, tornarem-
se descartáveis, junto com James, Elisa e aquela jornalistazinha intrometida que
já deveria estar morta.

Se eles sumirem do mapa por causa de tais grupos, o discurso que demos
desde o início vai fazer ainda mais sentido: queríamos proteger e os colocaram
em risco.

É o cenário perfeito!


Já vomitei três vezes. Nunca fiz de propósito, mesmo quando cheguei
ao ápice do peso que estou agora. É uma reação natural do meu corpo ao
exagerar na alimentação ou ficar nervosa demais.

Neste caso, o nervosismo tem nome e sobrenome.

Não estou acreditando que Mark teve coragem de aparecer na televisão
dessa forma para me descredibilizar. Resumiu todos os anos que ficamos juntos
em nada. O pior de tudo foi usar o nosso bebê como moeda de troca.

Eu jamais vou perdoá-lo por isso!

Quando me recuperei das lágrimas assisti ao vídeo de novo pelo site do
jornal e ficou claro que estava desconfortável na declaração. Por que, então, faria
isso comigo? Com a memória de uma criança inocente?

Depois da decepção enorme, veio a fúria. Fiquei tão brava que tentei
ligar e tirar satisfação mais de vinte vezes. É claro que não me atendeu em
nenhuma. Também tentei deixar mensagem nas suas redes sociais, mas o filho da
puta me bloqueou. Só não saio daqui e pego um avião direto para Nova Iorque
porque pode piorar ainda mais minha imagem.

— Eu pedi para o segurança que traz nossas compras arrumar gengibre
pra você. Vai ajudar a melhorar a náusea. — Dylan faz um carinho nas minhas
costas enquanto lavo a boca e escovo os dentes.

— Obrigada. — Tento sorrir através do espelho, notando seus olhos fixos
em mim.

É a segunda vez que me socorre dessa forma. Dylan passou a manhã
inteira ao meu lado, preocupado comigo. Ele não sabe muito da minha história
com Mark, no entanto, ficou visivelmente transtornado com o que aquele infeliz
disse.

— Pessoal, o Schumer chegou! — Matthew chama alto, provavelmente
da porta do meu quarto.

— Já vamos! — respondo na mesma altura.

Agilizo o que estou fazendo e me preparo para sair do banheiro quando
braços musculosos me puxam para si e me apertam carinhosamente. Não luto
contra a vontade de abraçá-lo de volta, afundando minha cabeça no seu peito
forte.

— Eu sinto muito pelo que teve que passar — diz baixinho para mim. —
Independente do que Schumer disser agora, jamais vou sair do seu lado e deixar
de acreditar em você e no James. Ainda não sei como, mas vamos dar um jeito
de resolver isso.

— Significa muito pra mim! — agradeço, sincera, sentindo minha
garganta embargar de novo.

Ainda ficamos alguns segundos na mesma posição, em silêncio, antes de
voltar para a realidade dos problemas. Chego à sala com Dylan ao meu lado e
damos de cara com o agente do FBI e o senador Wright. Os dois já estão
conversando com James e os meninos.

— Existe uma técnica de manipulação de vídeos que está ficando muito
famosa no mundo inteiro, é chamada de deepfake — Schumer explica, acenando
para mim com a cabeça como um sinal de que me viu. — Ele tem feito muitas
vítimas, em sua maioria, famosos e políticos. Nosso setor de cibernética me
disse que já pegou criminosos passando-se por CEOs para aplicar golpes em
empresas também.

— Então não precisamos nos preocupar com o conteúdo daquela
matéria? Vocês sabem que não é real? — James esfrega o rosto, não tem como
disfarçar como está cansado.

— Infelizmente, não é tão simples assim. Foram alegações sérias e,
embora eu acredite em vocês, enquanto a gente não provar que o vídeo é falso,
teremos também que investigar tudo que foi dito. — Suspiro fundo e me sento
no sofá, achando que estava fácil demais para ser verdade. — Passei com
urgência para a equipe de cibernética verificar e eles me disseram previamente
que, se for o caso de deepfake, foi muito bem-feito. Há riqueza de detalhes, não
foi algo produzido de repente. É até surpreendente uma qualidade tão alta do dia
que saíram do laboratório para hoje.

— Então quer dizer que, no mínimo, eles pensaram nisso desde que
tiramos os garotos do subsolo?! — É uma pergunta e uma constatação ao mesmo
tempo.

A Bioimmune é surreal! Cada dia mais constato que não estão de
brincadeira nessa guerra.

— Acredito que sim, já estavam planejando essa virada há semanas. Por
isso, se preservaram tanto no começo. Estão agindo apenas nos bastidores.

— Vocês falam tanta coisa que eu até me perco! — Ethan comenta de
forma despretensiosa, brincando com seu quebra-cabeça no tapete.

— Acho que é justamente o que querem, trazer muito trabalho e
dispersar pra ganhar tempo — Matthew opina.

O garoto seria um ótimo jornalista também, como a Amber. Se estivesse
aqui, com certeza, ela daria várias opiniões certeiras. As minhas duas amigas
passaram mais cedo, assim que a reportagem foi publicada, e ficaram por cerca
de uma hora comigo antes de voltarem para os seus trabalhos.

— Também acredito nisso, e está funcionando. Nossa equipe está
abarrotada de trabalho só desse caso.

— Elisa, eu sinto muito em ter que dizer isso, mas essa nova realidade
trouxe um problema. — Wright se vira para mim, mudando de assunto, e suas
feições já denotam que é uma má notícia antes de terminar. — O presidente me
ligou e disse que não podemos vincular a sua imagem ao projeto das
universidades no momento, nem mesmo em algo remoto. Poderia se tornar mais
negativo do que positivo.

— Eu... eu entendo. — Sinto meu coração pulsar na mesma hora que a
mão do Dylan se apoia nas minhas costas.

Balanço a cabeça em concordância, tentando conter as lágrimas que
querem despontar mais uma vez. Estou emotiva demais para receber notícias
ruins.

— Tem mais uma coisa, não queria ter que dizer, só que não há muita
saída! — Dylan mexe o corpo para o lado, ficando ainda mais perto de mim.
Agora sua mão realmente me enlaça na cintura, não disfarçando o toque. O
senador observa, mas parece não ligar para isso no momento. — Descobri
quando estava sondando para o nosso plano que o MIT tem uma área exclusiva
para estudar o plasma desde a pandemia de Covid-19. No vídeo que foi ao ar, e
nas matérias que costumam dar destaque, a mídia fala mais sobre a questão do
agente que ajuda a conter a quantidade excessiva de anticorpos do acelerador;
não nessa outra parte do seu estudo.

— Eu já disse que tudo bem o projeto ser aberto para à comunidade
acadêmica e científica.

— Sim, mas no caso, agora não podemos vincular seu nome a nada. Não,
até tudo isso acabar completamente, pelo menos. Seria divulgado como uma
conquista do MIT. Temos como justificar uma possível agilidade no processo
porque a área já existia lá.

Engulo em seco, notando meu peito apertar. Eu sei que é por uma boa
causa, ainda assim, não consigo refrear a dor de abandonar algo que lutei com
afinco para alcançar.

Foram tantas horas, tantos dias de trabalho naquilo.

— Não tem outra solução? Um outro jeito de resolver isso? — Dylan
ainda tenta argumentar, diante do meu silêncio momentâneo.

— Não temos outra escolha. Sinto muito.

— Eu quero que tudo isso melhore. — Solto o ar com força, limpando o
rosto antes que o choro venha. — Se é o único jeito no momento, então, que
seja.

O senador Wright agradece, os meninos tentam me confortar, Dylan me
abraça mais forte, Schumer garante que o vídeo será esclarecido... Escuto e sinto
o movimento ao meu redor só que, por dentro, é como se estivesse presenciando
mais uma parte do meu coração se quebrar.

Como tudo na minha vida, cá estou eu perdendo mais uma coisa
importante para mim.


Noto o nome da minha mãe no visor do celular e coloco no silencioso,
virando a tela para baixo. Desde que o vídeo sobre a China e o Mark foram
publicados, há três dias, ela liga sem parar querendo falar comigo. Se eu
soubesse que era para me deixar melhor, para me confortar, eu realmente
atenderia. Mas não sou inocente a esse ponto. Sei muito bem das suas intenções
e como irá me julgar.

Falei com a Ingrid todos os dias depois do acontecido e a deixo
informada sobre meu estado. Se quiserem mesmo saber, podem falar com ela.
Duvido muito que perguntaram algo, fora para reclamar que eu não atendo às
suas chamadas.

Ajeito o casaco no ombro e continuo me balançando na rede da varanda.
Apesar de ter esfriado de vez, por causa da mudança de estação para o outono, o
tempo está gostoso para apreciar o cair da noite.

Até hoje de manhã eu ainda estava bem abatida com os últimos
acontecimentos, principalmente, por causa das lembranças do meu bebê e as
palavras duras do meu ex-marido. Mas não quero mais deixar aquele idiota
estragar a minha esperança de que tudo ficará bem. Ele não merece minhas
lágrimas e minha tristeza.

Quanto mais energia positiva eu colocar para vencermos a Bioimmune,
mais rápido meu nome será limpo e eu poderei me dedicar novamente às
pesquisas.

— Ah, desculpe-me, não sabia que estava aí! — Olho para trás com a
voz do Jimmy e o vejo retornando para a casa.

— Pode ficar aqui, vem me contar se gostou dos links que te mandei.

Acabou que aconteceu um monte de coisas e não conversamos direito
após o episódio que caiu da árvore e me confessou o que sente. Ele olha para os
lados, como se quisesse garantir que não há ninguém por perto, e para próximo
da rede.

Afasto-me para o lado e o chamo para se sentar comigo, é bem espaçoso.
Parecendo avaliar se deve ou não, o garoto ainda demora um pouco para decidir.

— Venha logo, Jimmy, não vou te morder, não. — O meu sorriso parece
convencê-lo e ele atende ao meu pedido. — Está todo mundo entretido, ninguém
vai nos ouvir, se é isso que te preocupa.

— Fico feliz que está mais animada hoje — comenta, assim que se
acomoda.

— Obrigada. Algumas coisas são difíceis, mas é melhor enfrentar de uma
vez do que se deixar afundar, sabe? Eu já estive no fundo do poço e não quero
retornar pra lá.

— Eu gostei dos links — Jimmy volta ao assunto que puxei para não
precisar enfrentar seus próprios dilemas com o meu comentário. — Aprendi
muito, adorei conhecer sobre as diversas orientações sexuais e as identidades de
gênero. Pelo que entendi, eu sou... — Diminui o tom de voz, quase sussurrando:
— Eu sou... gay, certo?

— Quando estiver livre vai poder se conhecer ainda melhor e descobrir
se sente atração apenas por homens, ou também por pessoas que se identificam
de outras formas — explico, falando baixo para que não fique preocupado. — O
importante é entender que não tem nada de errado nisso, você não é uma
aberração por ser diferente. É justa toda forma de amor!

— Linda, você não vai acreditar! Eu achei outro livro da Clarice
Lispector lá na biblioteca, estava fora de or... — Jimmy fica em silêncio ao notar
que Dylan chegou à varanda.

Olho na direção da porta da sala e o vejo estático com o resto da frase
presa na sua garganta. A cara que ele faz, observando nós dois, é tão nítida que
nem dá para disfarçar o ciúme. Fico com vontade de sorrir, não é a primeira vez
que tem esse tipo de sentimento por mim.

— Eu... é... eu... vou lá na cozinha ajudar Thomas no jantar, depois te
mostro o livro.

— Tá bom, daqui a pouco me junto a vocês.

Dylan ainda dá mais uma olhada na rede e nos nossos corpos próximos,
suspirando fundo antes de sair.

— O que foi isso? — Até mesmo Jimmy ri da cena.

— Acho que ele pensa que você pode estar interessado em mim.

— Nossa, mas de onde ele tirou isso? Nunca fiz nem disse nada.

— Homem com ciúme fica cego e imagina coisas, Jimmy, vai se
acostumando. — Bato no seu ombro com o meu, sorrindo. — Esses dias
estávamos conversando e ele me contou que sente falta da sua animação do
subsolo. Parecia que estava mais feliz lá do que aqui. Talvez esteja confundindo
porque você anda quieto demais e não se abre.

— Não é isso, já disse que estou feliz. É só esse peso... nas minhas
costas.

— Como eu disse agora há pouco, “é melhor enfrentar de uma vez do
que se deixar afundar”. — Não tenho nenhuma dúvida de que será bem recebido
por todos e se sentirá bem mais leve. Apesar de ter certeza, não quero que se
sinta forçado a nada. — Às vezes colocar pra fora é tudo que precisamos.

— Eu vou pensar... vou pensar com carinho nessa possibilidade de contar
aos demais.

— Eu, mais do que ninguém, entendo perfeitamente que todos nós temos
um tempo específico para digerir certos assuntos. Só estou conversando mesmo,
te mostrando as possibilidades. O resto é com você!

— Eu sei, Elisa, você é uma ótima amiga. Obrigado por tudo.

Seguimos conversando mais um pouco na rede até que a noite chega de
vez e decidimos entrar. Vou para a cozinha ajudar no jantar e Dylan passa a
arrumar desculpas para me tocar a cada cinco minutos, como se quisesse marcar
território. É muito bonitinho a forma que seu semblante parece necessitado de
mim.

— Você está com ciúme do Jimmy, né? — pergunto, assim que fecho a
porta do meu quarto e ficamos sozinhos, horas depois.

— Eu... é... eu...

Deixo o copo de suco e o potinho com morangos que trouxe da cozinha
na mesa de cabeceira e me sento na cama, convidando-o a fazer o mesmo. Tive
algumas recaídas de doce anteontem e ontem, mas hoje voltei a ficar focada.

— Somos apenas amigos, estávamos conversando. — Sorrio e pego a sua
mão percebendo que está com vergonha de admitir. — Eu sei que é tudo novo e
amplificado pra você, mas não precisa se sentir assim. O que nós temos aqui, é
só entre nós e mais ninguém.

— Me desculpe... eu não queria parecer obsessivo, mas foi mais forte do
que eu ficar te pegando a noite inteira. — Dylan entrelaça os seus dedos nos
meus e faz um carinho na minha bochecha com a mão livre. — Eu amo o Jimmy,
mas confesso que na hora que vi vocês juntos naquela rede tive vontade de
arrancá-lo de lá à força. Perto demais... só não fiz nada porque sei que é errado,
que era exagero da minha parte.

— Você não está sendo obsessivo, fique tranquilo. — Amplio o sorriso e
me aproximo mais dele. — É só uma questão de se adaptar aos novos
sentimentos que está aprendendo a lidar. Significa muito ter controle, saber que é
errado e não agir.

— Mesmo assim, me desculpe, tá? Se uma hora eu exagerar demais em
alguma coisa, por favor, me avise.

— Pode deixar, eu aviso sim. — Acaricio sua barba e passo o polegar no
seu lábio inferior. — Hoje não foi exagerado, eu meio até que gostei de você me
tocando o tempo inteiro. Estava com saudade já disso.

Não fizemos nada nesses últimos dias, apenas conversamos aqui no
quarto até chegar a hora de dormir. Dylan é um amor nesse aspecto, muito
companheiro e compreensivo. Sequer fez uma tentativa, soube entender que eu
não estava no clima.

— Eu estou morrendo de saudade também, muita, muita, mesmo.

Puxo seu rosto para frente e o beijo no meio de um sorriso. É fácil
demais me deixar levar por sua pegada firme e sua temperatura quente. À
medida que nossas línguas avançam ele me conduz para o seu colo e eu tiro sua
camiseta para sentir melhor a pele.

Se tem alguém obcecada aqui, sou eu, por esses gominhos perfeitos e as
veias evidentes. Remexo e mordo sua boca ao pensar como deve ser gostoso
explorá-las em cada parte do seu corpo.

— Você quer mudar o seu top 1 hoje? — pergunto, sem pensar demais,
tentando retomar o fôlego.

— Com certeza!

Empurro-o para trás com tudo e tiro seu sapato, fazendo o mesmo com o
meu. Seus olhos arregalados de expectativa, sempre cravados nos meus, me
deixam com ainda mais certeza de que quero mesmo avançar.

A cada dia mais tenho perdido o receio de me deixar envolver.

Inclino próximo à mesinha para diminuir a luz do abajur e peço para que
fique encostado na cabeceira da cama. Dylan obedece com a respiração
acelerada, ajeitando seu corpo grande de forma ansiosa sobre o meu lençol.

— Vamos precisar tirar essa bermuda — aviso, quando já estou bem
perto dele e com as mãos no zíper.

Sem conseguir dizer nada no momento, apenas acena a cabeça várias
vezes em concordância. Sorrio e começo a me desfazer da peça com a sua ajuda,
apreciando com desejo suas coxas grossas e bem-torneadas saltarem na minha
visão.

— Você é tão lindo! — O elogio escapa em voz alta e o faz soltar um
gemido baixo.

Desço a peça devagar, aproveitando para explorar com mãos ávidas cada
centímetro de perna que tenho a oportunidade de venerar.

— Sua mão está gelada... é uma... é tão... é muito bom o contraste com o
calor que sai de mim.

Lembro-me do suco que eu trouxe para o quarto e tenho uma ideia para
deixar essa experiência ainda melhor do que poderia ser. Termino de puxar a
bermuda e me levanto apressada para ver se resta alguma pedra de gelo no copo.

Sorrio ao enxergar uma de tamanho médio inteira no meio do líquido.
Tomo um pouco de suco e a coloco na boca, voltando para a cama.

— O que... o que você está fazendo? — pergunta, inquieto, não
entendendo nada.

— Só, sente, Dylan. — Abro sua perna e fico no meio.

Como não sou boba, e sei que vou amar a experiência tanto quanto ele,
começo a explorar pela sua canela. Fico de quatro no colchão e me inclino até
tocar o gelo na sua pele.

— Ahhh! — O gemido um pouco mais alto me faz encará-lo cheia de
tesão. — Elisa!

— Sente!

Escolho a perna direita para passar o gelo e a esquerda para apertá-lo
com meus dedos afoitos. Vou subindo lentamente, sem deixar de estimular os
dois lados ao mesmo tempo.

Dylan entreabre os lábios de uma forma muito sexy e me encara com sua
pupila dilatada. Como a pedra de gelo não é muito grande eu consigo passar e
ainda lamber cada cantinho que desbravo.

Ao chegar à coxa, minha calcinha já está completamente molhada porque
Dylan não economiza em murmúrios e reações. Seu peito sobe e desce, ele
geme, suspira, chama meu nome diversas vezes.

Os homens deveriam aprender com ele a se entregarem sem reservas.
Não tem nada mais broxante do que ficar com alguém que não corresponde aos
seus estímulos.

— Tá gostando? — pergunto, mesmo sabendo a resposta.

— Amando... Você está deixando cada terminação nervosa do meu
corpo, arrepiada.

Como o gelo está terminando e não temos mais, paro próximo à virilha e
deslizo-o em uma linha reta bem rente ao tecido da sua cueca. Dylan aperta o
lençol entre seus dedos e inclina o corpo para frente, mostrando-me o quanto
está duro. Seguro o elástico e deixo o último pedaço escorregar.

— Ops, caiu! — Pisco, adorando apreciar seu rosto surpreso. — Agora
eu vou ter que procurar.

Puxo a cueca sozinha porque Dylan fica tão sem reação que nem se
mexe. Como eu imaginei, seu membro é grande, grosso e cheio de veias. Mordo
o meu próprio lábio com força, salivando de vontade de chupá-lo logo.

Procuro seus olhos cheios de lascívia e seguro a base, aproveitando a
água gelada que derreteu para facilitar os primeiros movimentos.

— Elisa... você assim... — Ele pega uma mecha do meu cabelo e a
segura firme. — É a visão mais linda que já vi.

— Acho que vai ter uma que você vai gostar mais — aviso, molhando
meus lábios com saliva.

Arrumo minha posição no vão das suas pernas e desço o abocanhando
antes que tenha condição de raciocinar. Não desvio o olhar, apreciando com
deleite seu gemido rouco e um monte de palavras incompreensíveis escaparem
da sua boca gostosa.

Começo lambendo a cabeça e a deixando bem úmida. Apesar da sede ao
pote, faço os movimentos com a língua devagar até que se acostume. Ao mesmo
tempo que chupo continuo mexendo minha mão para cima e para baixo.

Dylan puxa meu cabelo com mais força e sei que está amando quando
deslizo o máximo que consigo e preencho a minha boca com seu volume.

— Elisa... porra! Que delícia.

Sorrio ao perceber que é a primeira vez que o escuto falando um
palavrão. Normalmente, Dylan é bem correto no uso do vocabulário pela forma
que foi criado. Confesso que adoro ouvir sacanagens na hora do sexo, então,
decido ensiná-lo alguns termos a mais.

Estava com saudade desse meu lado que ficou escondido por tantos
meses, depois da decepção no casamento.

— Você pode me chamar de safada... — Minha voz sai entrecortada,
cheia de desejo. — Pode me mandar mamar no seu pau, te foder gostoso com
minha boca... Pode me dar ordens, nesse momento, que eu vou adorar.

— Chupa de novo até o fim! — exige, ávido. — Enfia meu pau inteiro
na sua boca e me fode, sua gostosa.

Ah! Eu amo como esse homem aprende rápido.

Aperto minhas pernas, sentindo-me pulsar com seu tom mandão.
Abocanho-o mais esfomeada do que nunca, chupando sem parar. Engulo até
engasgar, sentindo seu membro duro tocar minha garganta.

Dylan me compensa com mais gemidos e um puxão forte de cabelo.
Quando minha boca cansa e não consigo respirar, saio devagar molhando-o
bastante com saliva para que minha mão trabalhe na velocidade certa.

Enquanto uma se concentra no comprimento ereto, a outra estimula seus
testículos bem devagar. Percebo que os dois movimentos juntos não vão fazê-lo
aguentar por muito mais tempo.

— Elisa... que... gos... — Dylan estufa o peito para frente e se mexe,
completamente extasiado. — Vai... não vou...

— Hoje vamos dar um salto... da calça para a minha boca. — Inclino-me
de novo, apoiando meus lábios perto da cabeça enquanto continuo nas outras
duas tarefas.

— Na... na sua... na sua boca? — Ele desce a mão do meu cabelo para a
lateral do meu rosto. — Pode mesmo?

— Pode gozar, vem...

Não preciso falar de novo para entender. Acelero os movimentos e
acaricio com a ponta da unha a parte interna da sua coxa, usando a mão que
estava nos testículos. Olho para o seu rosto acompanhando o momento exato que
o orgasmo vem com força e me inunda.

O cheiro, o gosto, o seu corpo entregue... A cena com certeza nunca mais
vai sair da minha memória.

Dylan é tão intenso que é muito fácil me acostumar com ele na minha
vida. Sinto meu coração acelerar e fico com medo da parte física não ser a única
coisa que terei dificuldade para esquecer.

A visão de cima, da sua boca em mim, é algo surreal que não saberia
explicar em palavras nem se quisesse. Tento puxar ar para os pulmões,
retomando o fôlego, mas meu coração está batendo tão acelerado que quase não
raciocino direito.

O barulho é alto e ecoa por todos os lados, me deixa anestesiado.

Devagar, Elisa se afasta dando uma última chupada antes de se levantar
novamente. A imagem da sua garganta se movendo, engolindo o meu orgasmo, e
da sua mão limpando o canto da boca, faz um turbilhão poderoso preencher o
restante do meu peito.

Aquela sensação de que tem um animal selvagem rugindo dentro de mim
volta ainda mais potente do que antes e me faz pegá-la pela cintura e chocar os
nossos corpos. Escuto seu gritinho assustado quando já estou com a minha
língua duelando com a sua.

O gosto é diferente, mais salgado, porém, só de saber que é por minha
causa faz o desejo por ela ficar alucinado. Fecho uma das minhas mãos na lateral
do seu pescoço e a outra vai para a cintura que amo segurar.

Avanço mais fundo, sem saber ao certo aonde quero chegar. Só sei que
preciso ir mais. Bem mais.

Elisa termina de sentar-se no meu colo e aperta meus braços com força,
subindo seus movimentos até meu cabelo. Sinto os fios ficarem bagunçados à
medida que corresponde a impetuosidade do meu contato.

Mesmo tendo acabado de gozar, noto que começo a ficar duro de novo.
Elisa também percebe, pois seu corpo gostoso se esfrega com volúpia ao meu.
Não tem nada de delicado na forma que a beijo, a aperto e a trago mais para
cima. Só não fico preocupado porque ela demonstra estar anestesiada tanto
quanto eu.

— Você... você também tem orgasmo... assim? — A pergunta sai abafada
porque não consigo me desviar dos seus lábios.

Falo sem parar de atacá-la, sem tirar a minha mão do seu corpo.

— É diferente para as mulheres. Temos lubrificação, só que não sai assim
em grande quantidade. Algumas conseguem ejacular parecido, mas a maioria
tem apenas a sensação boa.

— Eu preciso fazer o mesmo em você.

— Não precisa... — responde, com dificuldade, apertando os dentes na
minha boca. — Não...

— Eu quero, eu quero saber o gosto que sai de você.

Ela ainda continua o beijo por mais alguns segundos antes de procurar o
meu olhar. Percebo todo o frenesi que está dentro de mim passando nela ao
vislumbrar a intensidade da sua íris azul. Seus lábios estão inchados, o cabelo
bagunçado, o peito sobe e desce.

Reações idênticas.

Só fico com a impressão de que está em um embate interior. Fazer ou não
fazer algo.

— Você não quer? Se não quiser...

— Meu Deus, eu quero muito! — responde, antes que eu termine a frase.
— É só que... eu não... eu não faço isso há bastante tempo. E... eu... é, estou
diferente de antes. Meu corpo...

— Você é linda, Elisa. Não consigo imaginá-la mais perfeita do que
agora, neste instante. Eu quero ter tudo de você.

Ela cora com o elogio e abre um sorriso tímido, acariciando minha barba.

— Eu também quero... estou adorando vivenciar esses momentos com
você.

— Isso é um sim, então? — Sorrio, tocando seu nariz.

— É um sim. — Ela sorri também, ajeitando seu corpo no meu colo.

— Você me ensina? Como eu tenho... como faz? — pergunto, afoito,
sentindo saliva se acumular na minha boca de tanta vontade. — É como chupar
os seus seios? Fazer sucção?

— Não, tem que ter mais paciência. Dosar mais a velocidade e explorar
os cantinhos certos. Peraí, acho que consigo explicar melhor com um exemplo.

Ela para de falar e se inclina para o lado, sem sair do meu colo. Primeiro
aumenta a luz do abajur no máximo e, depois, pega o potinho com morangos que
havia trazido da cozinha.

Acompanho, sem me mexer, ela voltar a ficar ereta e morder a fruta com
seus lábios carnudos, encarando-me com um semblante divertido.

— O meio do morango parece uma vagina. — Ela tira da boca e vai
apontando com o dedo. — Para dar prazer no oral, você tem que explorar essa
parte maior, que seriam os grandes lábios; e essa menor, representando os
pequenos lábios. Tá vendo que tem uma pontinha aqui em cima e um buraquinho
no centro?

— Aham. — Balanço a cabeça, atento à sua explicação.

— Essa parte de cima é a que mais traz prazer para a mulher, se chama
clitóris. O buraco é a entrada da vagina, se você penetrar ali com um dedo ou
mais, enquanto chupa, vai ser o paraíso.

— Eu começo pelo clitóris então, a pontinha de cima, que dá mais
prazer?

— Se você se dedicar a passar a língua primeiro nos grandes e pequenos
lábios, com bastante saliva, enquanto acaricia a parte interna da minha coxa, vai
ser um começo melhor. — Finco meus dedos na sua cintura ao me mostrar
visualmente cada palavra que ensina. Um gemido escapa da minha garganta e
minha respiração fica entrecortada. — Você pode abusar do seu rosto e da sua
respiração aqui, aumenta a excitação. Use a língua sem parcimônia. Para cima
ou para baixo, em círculos, de lado a lado, com tremidas... Pode sugar devagar,
deixar beijos.

— Era pra ficar com tesão em ver você com esse morango? — Minha
voz sai rouca e eu forço seu quadril contra mim, esfregando-me nela. — Porque
eu estou muito... muito duro agora.

Elisa rebola e sorri, lambendo-o de baixo para cima com toda a extensão
da sua língua.

— Lembra que você chupou sorvete de casquinha nos primeiros dias e
amou? — Aceno novamente em concordância, apertando-a ainda mais na
cintura. — Repita aquele movimento, com gosto, da entrada da vagina ao
clitóris. Chegando ao pontinho, você endurece um pouco a língua e dá lambidas
mais rápidas e curtas. Pode fazer isso afundando seu dedo em mim, desse jeito.

Meu coração acelera quando demonstra na fruta o que deve ser feito e o
líquido do morango espirra no meu rosto. Passo a língua ao redor da minha boca,
imaginando que é o seu sabor nos meus lábios.

— Tá bom... eu já aprendi... aprendi o sufi... suficiente. Me deixe te
provar agora.

Começo a virar o seu corpo para ficar de costas na cama, mas Elisa sorri
e se desvencilha de mim.

— Calma, garotão! Deixe eu diminuir essa luz de novo e tirar a minha
calça.

— Só a calça? Eu queria te ver inteirinha nua, de preferência com a luz
do quarto acesa e não o abajur.

— Ahh... eu... — Ela se senta na beirada da cama e diminui a
luminosidade no mínimo. — Vou ficar mais confortável dessa forma. Tá bom?

— Tudo bem, como você achar melhor, linda.

Deixo um beijo na sua bochecha e acompanho vidrado o movimento da
sua mão tirando o casaco que estava vestindo e a calça jeans. As duas peças
voam para algum lugar do chão, junto com as minhas roupas. Ela volta a subir
na cama apenas de calcinha e uma blusa mais larga que estava por baixo.

Não consigo enxergar com perfeição de detalhes, mas é possível ver
perfeitamente a sua silhueta deliciosa se acomodando ao meu lado.

— Eu vou me deitar de costas e você se deita de frente. Daí pode colocar
sua cabeça aqui. — Ela aponta para o centro das pernas e eu inspiro fundo,
ansioso para experimentá-la. — Geralmente, as mulheres tiram a calcinha, mas
eu confesso que tenho um fetiche pessoal e adoro quando coloca só de ladinho.
Desta vez, não tem nada a ver com o meu corpo, eu gosto mesmo.

— Ah, tá... tá bom — respondo, abobalhado, obedecendo-a assim que
começa a se deitar.

Meus olhos estão concentrados demais em apreciar a grossura da sua
coxa e o quadril largo que parece atrair minha atenção como um ímã. Elisa deixa
as pernas abertas e um pouco flexionadas, apoiando os pés no colchão.

Antes mesmo que diga algo, eu me inclino para frente e passo o nariz no
tecido, atraído pelo cheiro maravilhoso que sai dali. Noto que o pano está
molhado, como a minha cueca fica quando estou excitado demais.

— Você tá molhadinha para mim? — pergunto, esfregando meu nariz de
cima a baixo.

— Dylan do céu! Nossa Senhora! — Ela se remexe, colocando a mão no
meu cabelo.

— O quê? Eu fiz errado? — Afasto-me o suficiente para procurar o seu
olhar. — Não podia assim?

— Não, errado... não. Nossa, podia. É que você sempre me surpreende.
Aprende muito rápido. Pode continuar falando, fazendo... está perfeito.

— O seu cheiro é tão gostoso, Elisa. Você é gostosa demais! — elogio,
passando minhas mãos grandes por suas coxas até a beirada da sua calcinha.
Contorno toda a lateral do tecido com o dedo. — Saber que está molhadinha por
minha causa está deixando meu pau ainda mais duro do que estava.

— Ahhhh! — ela geme, se remexendo de novo. — Como você consegue?
Mal me tocou e estou em êxtase.

Sem conseguir me controlar mais, afasto a calcinha para o lado e começo
a colocar em prática seus ensinamentos. O primeiro contato da minha língua
com seu gosto me faz soltar um som grave pela garganta e puxá-la para mais
perto de mim.

Elisa suspira fundo e rebola na minha cara, lambuzando-me ainda mais
dela. Faço exatamente tudo que falou, guiado pelos seus dedos afoitos
controlando a minha cabeça ora mais fundo, ora mais afastado.

Tem um movimento que acho que é o seu preferido, pois sempre geme
mais quando entro com a língua na ponta do seu buraquinho e sugo o clitóris em
seguida. Amando o som que sai da sua boca, levanto seu quadril a fim de
conseguir repeti-lo melhor por mais vezes.

— Ai, Dylan, isso, assim... Exa... exatamente aí.

Ela levanta uma das pernas mais para cima e eu uso uma das mãos para
ajudá-la a ficar nessa posição. Com a bunda grande empinada bem na minha
frente não resisto a apalpá-la com a outra, fazendo movimentos circulares na
pele macia.

— Dá um tapa... me bate com essa mão pesada.

Inspiro fundo, notando meu peito acelerar com o pedido, e obedeço sem
deixar de sugar o clitóris. O seu gemido fica mais alto e me leva à loucura.
Acaricio em círculos e bato de novo, e depois de novo com um pouco mais de
pressão. Elisa arqueia o corpo e a vejo agarrando o lençol ao meu lado.

Notando sua lubrificação muito maior, deixo a língua mais rígida e faço
os movimentos curtos que explicou, aumentando a velocidade gradativamente.

— Goza na minha boca, sua gostosa! — Afasto a mão da sua bunda
apenas para afundar um dedo nela.

Que delícia a sentir me receber úmida e quente.

— Faz mais rápido agora, bem no pontinho, e coloca mais um dedo.

Com prazer, obedeço, posicionando minha cabeça de um jeito que
consiga ver o exato momento em que vai chegar ao ápice.

Não há visão mais perfeita no mundo do que Elisa vulnerável e com seus
lábios entreabertos. Eu quero ficar horas, dias, meses, anos... desbravando cada
centímetro dessa mulher.

Não tem como algo tão forte e poderoso ficar apenas entre os muros
desta casa.


Sento-me em uma das poltronas da varanda, acompanhando com um
sorriso, Elisa e Matthew brincarem com Ethan no jardim em uma quadra de
basquete improvisada. Emma trouxe ontem à tarde a bola assinada que prometeu
e o garoto não desgruda mais, de jeito nenhum.

Noto meu coração disparar quando a loira me flagra a admirando e dá
uma piscadinha, mordendo os lábios. As últimas horas têm sido ainda mais
maravilhosas do que já eram. Não conseguimos ficar muito tempo longe um do
outro e, vira e mexe, escapamos pelos cantos da casa para trocar beijos ou
amassos.

Na noite passada, assim que terminamos de jantar, já nos trancamos no
quarto para recapitular todos os aprendizados. Amei mamar nos seus peitos e
depois na sua boceta encharcada. Sabendo que Elisa gosta de ouvir sacanagens,
pesquisei um repertório inteiro só para ela e estou adorando usar cada palavra.

É realmente excitante tanto falar como ouvir.

Balanço a cabeça disfarçadamente, para espantar os pensamentos e não
ficar de pau duro, quando Jimmy chega à varanda e se senta ao meu lado.

— O James tá melhor? — pergunto, colocando a mão na frente da minha
calça.

— Tomou um remédio, o Thomas ficou no quarto com ele até passar a
tontura.

Elisa conseguiu melhorar, mas James segue muito abatido desde a notícia
falsa do vídeo na televisão. Para ajudar, hoje de manhã surgiu um blog
publicando um monte de documentos que, supostamente seriam da Bioimmune,
e corroboram todas as loucuras que os grupos de ódio acreditam.

O pessoal do contra ficou em polvorosa nas redes sociais para discutir
pontos como alteração do DNA para controle do governo dos Estados Unidos.
Por sorte, esse tipo de conteúdo não é levado a sério por muita gente, porém,
inflama ainda mais a crença dos que não nos apoiam.

— Dylan, eu... eu queria te falar... — Jimmy se remexe ao meu lado,
encarando o chão.

— Desculpe aquele dia ficar esquisito — interrompo-o, antes de concluir.
— A Elisa reforçou que são apenas amigos. É que eu tenho um sentimento muito
forte por ela e parece que às vezes não raciocino direito. Não devia ter
desconfiado da sua palavra.

— Tudo bem, eu entendo. Estamos conversando mais ultimamente
porque ela... ela... é... — Encaro-o ao perceber que sua voz ficou agitada e a
respiração rápida.

— O que foi? Você está se sentindo bem?

— Quero te contar uma coisa, mas meu coração está quase saindo pela
boca aqui de medo.

— Medo? — questiono, assustado. — Medo de mim? Por que, Jimmy?

Ele não responde de imediato, esfrega a mão no rosto e depois no cabelo.
Preocupado, aproximo-me mais e o abraço pelo ombro.

— Sempre fomos muito próximos no subsolo e não quero perder esse
laço de jeito nenhum. Seja o que for, pode contar comigo.

— Eu sei, é exatamente por isso que quero te falar primeiro, antes dos
outros. A Elisa já sabe, descobriu sozinha e me fez enxergar que somos uma
família e eu não devo ter medo de ser quem sou de verdade.

— Jamais deve se esconder! Me fale o que aconteceu. É por causa disso
que está tão triste nos últimos dias?

Jimmy começa a me contar e meu coração vai ficando apertado por todo
estresse que viveu desde que saímos do laboratório. Principalmente, quando
narra que seu maior medo era não ser aceito pela gente ou que achássemos que
estava atraído por algum de nós.

As perguntas que fiz sobre o remédio, as brincadeiras do Ethan de juntá-
lo com a Amber... Sem saber, acabamos o oprimindo ainda mais e o fazendo se
sentir diferente.

Abraço-o mais forte, arrependido de não ter enxergado antes que
realmente não estava bem. Foram tantas mudanças quando chegamos que é
difícil conciliar tudo que devemos dar atenção.

— Pare com isso, Dylan, não precisa me pedir desculpa por nada. — Ele
me encara nos olhos pela primeira vez e sinto que está sendo sincero. — Se você
tivesse insistido antes, eu ia continuar dizendo que tava tudo bem. Não me sentia
preparado para falar.

— Mesmo assim, quero pedir desculpas de coração.

— Nos primeiros dias, foi apavorante notar que me sentia atraído pelos
seguranças que ficam fazendo a ronda. Tem um em especial que me deixa com
cara de bobo igual você tava aí babando antes de eu chegar. — Sorrimos juntos,
não tenho como negar um fato.

— E vocês estão se conhecendo melhor também? Já experimentou coisas
novas com ele?

— Não! Só aprecio de longe, mesmo. Infelizmente, a realidade de
pessoas que gostam do mesmo sexo do lado de fora não é tão segura. Morro de
receio de demonstrar algo e ser ofendido.

Jimmy me fala sobre as pesquisas que fez na internet com relação à
violência que homossexuais sofrem e fico chocado. Por sorte, também tem o
lado bom que Elisa está mostrando para ele. Conversamos por quase uma hora e
o instigo a abrir o coração de vez para contar aos demais. Não tinha dúvidas que
todos iriam acolhê-lo e foi justamente o que aconteceu.

Durante o jantar, meu amigo revelou o segredo que estava o machucando
e foi recebido com abraços e novos pedidos de desculpas; todos ficaram
incomodados por não terem insistido antes em desbravar o motivo da sua tristeza
ou por algum comentário inadequado.

— Eu estou muito aliviado por ter me aberto com vocês. — Jimmy
coloca a mão na altura do coração, visivelmente emocionado. — Obrigado por
estarem na minha vida.

Procuro a mão da Elisa por debaixo da mesa e entrelaço nossos dedos.
Olhamos um para o outro e sorrimos. Faço um carinho na sua pele e engulo em
seco quando me dou conta que estou completamente rendido por essa mulher.

Eu espero que, um dia, os meninos tenham a chance de encontrar alguém
tão especial que faça o mundo inteiro ao seu redor ser mais vivo.



Visto o casaco do meu terninho e dou uma última olhada no espelho
para ajeitar o cabelo e conferir o batom. James e eu teremos que ir a uma
audiência de mediação com a Bioimmune hoje sobre o processo de quebra de
confidencialidade. É uma perda de tempo enorme, visto que não acreditamos que
irão aceitar um acordo, mas é um trâmite burocrático necessário.

Temos advogados que o senador Wright nos arrumou, no entanto,
sabemos que os da empresa serão ainda mais competentes e vão nos comer vivos
para servir de exemplo aos demais funcionários. Nossa esperança é conseguir
reverter no tribunal depois, mostrando toda a importância do caso a nível
mundial.

O outro processo, que trata do cárcere privado e abuso dos garotos, é
separado e mais complexo. Apesar dos Estados Unidos julgarem muito mais
rápido que no Brasil, por exemplo, ainda assim vai demorar um pouco ainda até
estarmos diante do júri.

— Tem certeza que precisa ir? Eu não estou com um bom
pressentimento. — Dylan me abraça por trás, puxando minha cintura, e deixa um
beijo no meu pescoço.

Os meninos e eu só saímos para prestar depoimento ou resolver alguma
questão jurídica no início. Quem costuma ausentar-se para esses fins é o James,
que entre nós é o que mais tem conhecimento de como funcionava a Bioimmune
de verdade, logo, o mais útil para as investigações e o andamento do processo.

— Vai ficar tudo bem, o Schumer se ofereceu pra nos acompanhar. —
Viro-me de frente e acaricio sua barba que está um pouco mais cheia.

Dylan parecia um garoto assustado quando chegamos a esta casa e agora
é um homem e tanto. Lindo, por fora e por dentro.

— Tá, vou tentar acalmar meu coração. — Ele coloca uma mecha do
meu cabelo atrás da orelha e beija a minha testa. — Boa audiência, ficarei com
saudade de olhar pra você.

Inspiro fundo, buscando seus lábios para um selinho. Não está sendo
fácil manter os pés no chão nos últimos dias.

— Obrigada, eu também vou.

Saímos de mãos dadas do meu quarto e encontramos James pronto na
sala. Despedimo-nos de todos, mas Dylan faz questão de me acompanhar até o
portão de entrada, onde o agente do FBI nos espera com uma equipe.

Tenho pensado cada vez mais em como vai ser me acostumar com sua
ausência quando tudo isso acabar. Ainda acho que para ele será fácil, pois terá o
mundo aos seus pés para explorar; o problema será comigo. Mesmo que eu saiba
que não devo me apegar, não é tão simples na prática.

Fazemos o trajeto sem nenhum imprevisto. Há poucos jornalistas
próximo ao fórum que irá acontecer a mediação e, por orientação dos advogados,
não falamos com ninguém.

Na sala da reunião, preciso conter a vontade de subir na mesa e dar uns
bons tapas na cara sonsa da senhora Scott. Ela veio acompanhada com sua tropa
e permaneceu com o mesmo semblante hostil de sempre durante os 43 minutos
que tive que aguentá-la. Graças a Deus, foi só ela pelo menos. Nada de engolir
Russell e Patterson.

Eu cronometrei cada maldito segundo, pois foi uma tortura sem tamanho.

— E aí, como foi? — Schumer pergunta, assim que termina a audiência e
voltamos para o corredor onde ficou esperando.

— A maior perda de tempo — James lamenta, esfregando o rosto. — O
caso vai ser levado ao tribunal mesmo.

— Que merda! Dispensei a equipe que veio comigo para outra missão
porque estava tudo bem calmo. É melhor a gente voltar logo.

Aceno com a cabeça e o acompanho pelo corredor em direção à saída.
Sinto como se estivesse sendo observada e olho para trás, notando Scott me
encarando com um sorriso vencedor no rosto.

Ela não vem pelo mesmo caminho que a gente, segue por outra direção.
Passo a mão no peito, notando uma sensação incômoda, e corto nosso contato.
Não suporto essa mulher! Continuo andando e, assim que saímos e viramos para
a área do estacionamento, aparece o triplo de repórteres que havia antes.

Os flashes e as perguntas não nos deixam ver direito o que há por trás
deles. Quando nos damos conta, dezenas de pessoas com cartazes surgem do
nada protestando contra os experimentos e pedindo a preservação dos seus
corpos contra manipulações do governo.

— Para trás, pessoal! Nos deixem passar! — Schumer grita, mostrando
sua identidade do FBI e tentando abrir espaço na multidão.

Não adianta muito, eles continuam falando ainda mais alto e exibindo os
cartazes para as câmeras.

Olho desesperada para todos os lados, sem entender como essas pessoas
apareceram tão rápido. Parece até que foi... Scott, filha da mãe! Ela não saiu pela
porta de entrada. Tenho certeza de que sabia desse protesto e está preservando
sua imagem.

Paro de caminhar por um instante, atordoada com a constatação, e é justo
quando alguém inicia um empurra-empurra. Vários corpos vêm para frente e eu
acabo tropeçando e caindo no chão sem tempo para reagir.

Sinto o impacto na minha testa, em algo pontiagudo, e fico
momentaneamente tonta, precisando piscar várias vezes.

— Elisa! Você está bem? — James corre até onde estou, desvencilhando
da multidão agitada. — Seu rosto está sangrando! Eu vou te ajudar a se levantar.

Tudo vira uma bagunça.

James tenta me pegar, mas sou pesada demais para ele. Schumer tira sua
arma do coldre e a aponta para cima, exigindo que todos se afastem. Passo a mão
na altura dos olhos e vejo os meus dedos cheios de sangue. Parece que cortou o
supercílio pelo excesso do líquido vermelho vivo escorrendo na minha blusa.

Antes que eu tome a iniciativa de tentar estancar o sangramento, James
faz isso por mim usando o casaco que estava vestindo. Levanto-me com
dificuldade, notando o meu braço e a minha perna esquerda doloridos porque
joguei todo meu corpo em cima desse lado na queda.

— Vamos sair daqui, venha comigo, Elisa! — O agente do FBI volta para
trás e me ajuda a caminhar colocando o braço bom apoiado no seu pescoço.

As pessoas continuam protestando, mas conseguimos passar e chegar ao
carro. Ao notar todas as câmeras voltadas para mim, eu tenho certeza de que
Scott realmente ganhou uma hoje.

Foi o show perfeito para ela.


Dylan arruma os travesseiros nas minhas costas e sobe a coberta até a
altura do meu peito. Sorrio quando seu corpo grande se aninha ao lado do meu e
ele acaricia agoniado a lateral do meu rosto, perto do curativo no supercílio.

— Foi um corte minúsculo, não precisa ficar preocupado. Esse local tem
uma grande concentração de vasos sanguíneos, por isso, saiu tanto sangue.

— Odeio saber que não estava lá pra te proteger. Foi horrível assistir a
tudo pelo computador, me senti muito impotente.

Nunca o tinha visto tão nervoso quanto na hora que passei pelos portões
da casa. Thomas, Jimmy, Matthew, Ethan, Emma e Amber estavam ao seu lado,
junto com outros quatro seguranças, tentando impedi-lo de sair à minha procura.
Minhas amigas vieram correndo assim que souberam do acontecido.

Em questão de segundos, Dylan invadiu o carro e me tirou de lá
carregada no colo pelo jardim. Seu coração estava tão acelerado e seu corpo tão
quente que fiquei com vontade de chorar, e nem sei o motivo.

Schumer chamou atendimento médico durante o caminho e a pessoa já
estava me esperando. O trajeto até o fórum não é tão rápido. Nem precisou dar
ponto, foi realmente um susto. Até mesmo meu braço e minha perna pararam de
doer.

Foi azar Dylan estar mexendo no computador justo na hora. Se bem que
acabaria vendo de uma forma ou outra. A notícia foi o acontecimento da tarde
nos principais veículos do país. Filha da puta da Scott! O que me dá mais raiva é
que não temos como provar nada, é só intuição de que foi a responsável por
aquilo de alguma forma.

— O importante é que estou bem agora, e você está aqu...

Paro a frase no meio ao notar meu celular tocar, de novo. É o som que
deixei para identificar chamadas dos meus pais. Estico o braço e pego o aparelho
na mesinha de cabeceira, tentada a atender desta vez. Já é a quarta ligação em
menos de uma hora.

Ingrid está dando palestra em um congresso no Amazonas e já tinha me
avisado que só iria conseguir acessar telefone após às dez da noite.
Provavelmente, nem viu o noticiário porque senão, com certeza, teria me
procurado na mesma hora. Deixei um áudio bem grande no aplicativo de
mensagens para que saiba que estou bem, contudo, sem ela para dar notícias a
eles no momento, um lado meu fica com peso na consciência de ignorar a
ligação.

Madalena pode estar preocupada.

Aceno para Dylan que vou atender e respiro fundo antes de aceitar a
chamada. A voz estridente da minha mãe entra com força pelo meu ouvido.

— Até que enfim, Elisa! Que palhaçada ficar me ignorando. Você
esqueceu que tem família, que tem pai e mãe além da sua irmã?

— Eu estou bem, mãe, obrigada por perguntar — respondo, de forma
irônica.

— Não venha com drama, não, garota! Estou tentando te ligar há dias e
você não atende essa merda de telefone. — Madalena parece mais irritada do
que de costume. — Quem vê pensa que tem a agenda lotada! Se não tinha
trabalho antes, agora então só fica vagabundando o dia inteiro nessa casa e
arrumando um jeito de ferrar a nossa vida. Foi lastimável ver a sua cara gorda e
ensanguentada na mídia por causa de um tropeção. Pelo amor de Deus!

Coço os olhos, jogando o meu peso no colchão. É muito cansativo
conversar com minha mãe. Não tem uma vez que não me deixe ansiosa e com o
peito apertado. Uma mistura louca de raiva com decepção por nunca mudar o
seu padrão.

— Eu estou cansada, foi um dia estressante, preciso...

— Você precisa é parar de fazer graça pra se aparecer e voltar agora
mesmo para o Brasil. Não aguento mais ver seu nome manchando a nossa
família mundialmente, só piora essa porcaria! Chega de brincar de heroína
desses experimentos...

— Eles não são experimentos! — Aumento o tom de voz, revoltada com
a palavra usada, e noto Dylan confuso ao meu lado sem entender nada de
português. — São pessoas, seres humanos. Você sabe o que é ser humana,
Madalena?

— Olha o respeito comigo, Elisa! Abaixe esse tom de voz que não tá
falando com qualquer um não. — Ela exige respeito que é uma beleza, agora
dar...

— Madalena, eu vou desligar. Não estou com cabeça pra discutir a essa
hora.

— Não vai desligar coisa nenhuma, escute aqui...

Tu, tu, tu, tu.

Sem nenhuma condição de levar adiante essa conversa, encerro a
chamada e desligo o telefone para não precisar ouvir suas novas tentativas.
Fecho os olhos e faço o exercício de respiração que a terapeuta ensinou.

Recuso-me a chorar por sua causa hoje. Não vou ficar mal por ela, tendo
tanta coisa mais importante para resolver.

— Quem era? Por que você está assim, linda? — Dylan volta a tocar meu
rosto, assustado com minha reação.

— Era a minha mãe...

— Sua mãe? — questiona, mais confuso ainda. — Falando daquele jeito?
Não entendi nada, mas dava pra ver que ela estava brava.

— Nós não temos uma boa relação.

Mordo o dedo, contendo a minha boca dos pensamentos que já querem
me fazer levantar desta cama e ir procurar um pote de guloseimas na geladeira.
Não vou me render à comida também. Não hoje.

Aguente firme, Elisa!

— Quer conversar sobre isso? Se quiser, eu estou aqui. Estou aqui para o
que precisar.

— Eu não quero — respondo, de imediato. — Mas tem uma coisa que
você pode fazer por mim.

— Qualquer coisa!

— Deite comigo na cama e me abrace. Vamos só ficar quietinhos.

Dylan nem me espera dizer mais nada. Sorri para mim, entrando debaixo
da coberta e virando meu corpo de lado para se encaixar no seu.

É o encaixe perfeito!

O som do seu coração acelerado e da sua temperatura quente me
acalmam no mesmo instante.


Abro os olhos aos poucos, acostumando-me com a luminosidade baixa
ao meu redor. Sinto o cheiro e o corpo da Elisa em mim e me dou conta que
acabei pegando no sono e dormindo no seu quarto pela primeira vez.

Levanto a cabeça devagar para não a acordar e vejo pelo relógio que tem
na mesinha de cabeceira que são uma e vinte da madrugada. Lembro-me da
ligação estranha com sua mãe e de me pedir para abraçá-la. Foi tão gostoso
acariciar o seu cabelo e ouvir a sua respiração baixa que relaxamos até demais.
Era bem cedo àquela hora, não devia ser nem oito da noite.

Foi um dia tão estressante que não me admira o organismo pedir
descanso. Nunca senti tanta angústia como ao ver imagens dela jogada no chão,
com sangue escorrendo do seu rosto. Ter a convicção de que posso salvar
milhões de pessoas e, por um minuto achar que não ia salvar a que mais importa,
foi sufocante. Eu fiquei fora de mim.

Estico o braço e acaricio bem lentamente seus fios loiros, incapaz de
controlar a ânsia de sentir a maciez nos meus dedos. A gente se mexeu em algum
momento porque Elisa não está mais de costas e, sim, com a cabeça no meu
peito e as pernas esparramadas em cima das minhas. É uma visão maravilhosa
que me faz abrir um sorriso.

Tão de perto e sem pressa, gasto todo tempo que acho necessário para
apreciar seu cabelo espalhado no meu ombro; a mão despreocupada na minha
barriga; os cílios longos; a pele branca; o nariz pequeno; a boca carnuda e
rosada. Encho o pulmão de ar, notando as batidas do meu coração acelerarem no
ritmo próprio que só essa mulher é capaz de gerar.

Não tem uma parte de mim que não a sinta profundamente.

— Você tá me olhando assim faz tempo? — Ela se remexe instantes
depois, tapando o rosto com a mão.

A sua voz soa divertida e preguiçosa, aquecendo ainda mais meu peito já
barulhento.

— Eu te acordei? Me desculpe, não resisti em mexer no seu cabelo.
Tentei fazer devagarinho.

— Não foi você, não, acho que dormi demais mesmo. Que horas são?

— Quase duas agora. — Assusto-me ao conferir no relógio que passei
tanto tempo encarando-a sem nem me dar conta.

— Nossa, eu não dormia tão bem assim há dias. A insônia judia de mim.
É você e esse calor gostoso que me acalmaram.

— À disposição, quando quiser será um imenso prazer. — Toco seu rosto
e me aproximo para roçar minha barba na sua pele.

Eu sei que ela gosta e surte efeito imediato. Sua respiração acelerada
invade meus sentidos, junto com aquele som maravilhoso de um suspiro longo.
Sorrio e busco seu olhar azul penetrante, que se mantém fisgado no meu durante
a carícia.

— Você me deixa sem ar quando me olha assim, sabia?!

— Você é tão linda, Elisa — enalteço mais uma vez. — É impossível
controlar a vontade que tenho de te olhar o tempo inteiro, me sinto o homem
mais sortudo do mundo.

— Você não devia me falar coisas assim.

— Estou sendo sincero, são palavras que vêm daqui. — Aponto para o
coração e ela morde o lábio inferior, cortando a nossa distância com um beijo.

Correspondo devagar, com medo de machucá-la de alguma forma depois
do incidente no fórum, mas a loira não me ajuda a ser calmo por muito tempo.
Suas mãos atrevidas entram por baixo da minha blusa e brincam com o músculo
do meu abdômen. Sinto um arrepio pela pele e a puxo mais para perto, fazendo o
mesmo nas suas costas.

Entro sorrateiro, pelo tecido largo que está vestindo, e subo com a ponta
do dedo indicador primeiro, obrigando-a a arquear seu corpo para frente.
Acelero o movimento da minha língua na sua boca e vou até o sutiã. Contorno
toda a lateral antes de desprendê-lo.

Uma das minhas dezenas de vícios atuais é abrir a palma da mão nas suas
costas e acariciá-la de cima a baixo. Na bunda também, eu amo sentir a textura
da pele e ouvir sua respiração ficar mais curta.

Aproveito que minha mão está perto do seu quadril e desço mais um
pouco, afastando o tecido do moletom para apalpar a carne volumosa com
vontade. Elisa encaixa a perna na minha coxa e começa a se mexer de forma
cadenciada.

Excitado com sua excitação, faço um movimento rápido e a trago para
ficar em cima do meu corpo. Noto que tenta apoiar o braço no colchão, como se
não quisesse soltar o seu peso em mim, mas a empurro para baixo de novo
ajudando seu quadril a se remexer no meu pau duro.

— Dylan... eu vou te machucar.

— Me machucar? — pergunto, confuso. — Você vai me machucar se
parar de beijar a minha boca. Vem cá!

Sem a deixar dizer mais nada, puxo-a pelo pescoço e volto a sentir minha
saliva deslizar na sua em um beijo quente. Subo a mão que estava na sua bunda
de volta para as costas adorando a trilha lenta que percorre até os seios.

Apalpo, aperto, sinto o peso.

Elisa geme baixinho e eu faço o mesmo, enlouquecido. Quando estou
prestes a levantar sua camiseta para mamar gostoso, ela volta a deitar no colchão
e me direciona para inverter a posição.

Aperto sua cintura e passo o polegar nos seus lábios. Elisa suga o dedo
para a sua boca quente, imitando como faz quando está me chupando. Esfrego
minha perna e movimento meu quadril ao mesmo tempo no centro da sua calça
de moletom, adorando a visão do seu cabelo bagunçado no travesseiro e seu
olhar cheio de desejo para mim.

— Um dia... você ainda vai... — comento, ofegante. — Você vai me
matar do coração.

— Acho que vai ser hoje, então... porque eu quero o seu pau dentro de
mim. Não aguento mais postergar isso.

Paro de me mover por um instante quando meu cérebro assimila o que
está dizendo. Ela me quer dentro dela.

Dentro dela!

— Tem... tem... você tem... certeza? Está bem pra isso?

— Eu estou me sentindo ótima neste momento, por sua causa. Eu quero
você, Dylan! Inteiro, só meu.

— Eu sou só seu, linda! Sempre seu. — Coloco minha mão em volta do
seu pescoço e faço uma leve pressão quando me inclino para beijá-la novamente.

Elisa me corresponde com necessidade, mordendo meu lábio inferior
com força e bagunçando o meu cabelo entre seus dedos pequenos. Meu coração
galopa no peito, ansioso para dar mais um passo com ela. O mais intenso de
todos até aqui.

Não serei mais virgem. Eu serei o seu homem.

Se tudo que vivi até agora me deixou nesse estado de rendição, não sei
mais o que pode acontecer quando estiver dentro da minha mulher.

Elisa tira minha blusa e pede para que eu faça o mesmo com a calça e a
cueca. Arranco de qualquer jeito, afoito pelos próximos passos. Quando estou
completamente nu em cima dela, volto a colocar a mão por debaixo da sua blusa.
Massageio os peitos e roço minha barba no seu pescoço.

— Você não quer ficar nua pra mim também? — sussurro no seu ouvido.
— Eu queria tanto te ver.

Ainda não entendi por que ela se sente tão desconfortável. Não sei como
funciona com outras mulheres, mas parece que é algo pessoal para Elisa.

— Hoje não... — Sua voz sai contida.

Balanço a cabeça em concordância e procuro sua boca para beijá-la de
novo. Enquanto exploro seus lábios levo uma das minhas mãos até o cós do seu
moletom.

— Antes da gente começar, deixa eu ver o quanto você está com essa
boceta molhadinha.

— Ahh... — Ela se contorce e geme mais alto quando a surpreendo
deslizando dois dedos na sua entrada melada.

— Porra, Elisa! — Estoco três vezes seguidas e esparramo a lubrificação
por toda extensão.

Continuo a estimulando mais um pouco, no entanto, é visível que
estamos entrando em combustão rápido demais.

— Eu estou pronta pra ter você. Puxe a calça e me deixe de calcinha.

Antes de obedecê-la, tiro os dois dedos de dentro dela e os levo à minha
boca, chupando todo o líquido salgado. Faço cada movimento encarando uma
Elisa de pupilas dilatadas e boca entreaberta.

Linda.

Assim que arranco o moletom do seu corpo ela se levanta e fica de
joelhos no colchão. Primeiro termina de tirar o sutiã que tinha apenas sido
desabotoado, pela manga da sua blusa, depois olha na direção do abajur como se
quisesse conferir que a luz está baixa.

— Se eu ficar de quatro, acho que vai ser uma experiência gostosa pra
sua primeira vez — ela diz, inclinando-se para alcançar meu rosto. — Tomara
que goste, está começando a me dar palpitação aqui. Nunca desvirginei ninguém.

— Meu coração está desesperado. — Sorrio e pego sua mão para sentir
as batidas. Ela sorri também. — Não tem como não ser maravilhoso, Elisa. É
você comigo.

Coloco a minha mão por cima da sua e trocamos um beijo mais lento.
Quando sua boca se afasta, é para descer me provocando com lambidas e
chupadas até alcançar meu pau ereto e duro.

A língua desce pelo comprimento e me abocanha na cabeça, daquele jeito
de tirar o fôlego e me fazer ficar arrepiado. Seguro seu cabelo apreciando cada
segundo da sua língua quente em mim.

— Seu pau é tão grande e grosso, mal cabe na minha boca. Se deixar, eu
não saio dali — elogia, assim que volta a se levantar e eu a puxo pela cintura,
fincando meus dedos na sua carne. — Mas agora eu estou querendo essas veias
em outro lugar.

— O que eu tenho que fazer primeiro? — pergunto rouco, roçando meu
nariz no seu.

Eu adoro aprender com ela.

— O certo seria a gente usar uma proteção chamada camisinha para
evitar doenças sexualmente transmissíveis e uma gravidez, mas eu não tenho
uma aqui. Como nós dois estamos com exames de saúde em dia e uso um
dispositivo contraceptivo, não vai ter problema nesse caso. — Elisa ajeita a
camisa no corpo e se vira de costas para mim, esfregando-se no meu pau duro.
— Você vai saber o que fazer quando penetrar em mim. É instintivo o
movimento.

Inspiro fundo quando ela se inclina para frente e fica de quatro no
colchão. A imagem do seu quadril se remexendo e da sua bunda grande bem na
minha frente, mesmo com pouca claridade, me faz latejar. Pego o pau e faço um
movimento firme de cima a baixo, sentindo que posso gozar apenas com essa
visão.

— Deliciosa! — Passo a outra mão de forma circular na sua coxa e em
toda a extensão do seu bumbum redondo.

— Coloque a calcinha de lado. — Percebo urgência na sua ordem. — E
direciona ele bem na entrada. Depois é só empurrar um pouquinho que vai
deslizar.

Meu peito sobe e desce à medida que me aproximo, afastando o tecido.
No silêncio do quarto é possível apenas ouvir como a minha respiração está
acelerada. Elisa fica com a cabeça virada na minha direção e me incentiva com
um sorriso a seguir em frente.

Foco no brilho dos seus olhos ao esfregá-lo devagar na sua lubrificação.
Engulo em seco, forçando meu pulmão a puxar o ar. Acho que nunca fiquei tão
ansioso e nervoso na vida.

— Pode vir, você não vai me machucar. Vai ser gostoso.

Elisa rebola e o movimento me faz entrar um pouco mais. Levo minhas
duas mãos para o seu quadril e me apoio ali para deslizar de uma vez.

— Caralo... pora... Elia... — As palavras saem sem sentido quando
enfim todo meu pau é sugado pela sua umidade.

Apertada. Tão, tão molhada.

Fecho os olhos e afundo meus dedos no seu quadril, mordendo a boca
com força para tentar me manter em pé. Se com o dedo a sensação era boa,
agora... Caralho!

Empurro até o fim, sentindo como se a porra dos fogos de artifício do
mundo inteiro estivessem explodindo neste instante dentro de mim. Ir para frente
e para trás aumenta a fricção e a sensação sem precedentes borbulhando no meu
sangue, então, começo em um movimento sem parar de vaivém.

— Isso, mete gostoso! — Abro os olhos de novo ao ouvir o tom de
luxúria da Elisa. — Puxa meu cabelo, me bate...

— Isso é tão... nossa, é tão... é tão bom. — Inspiro forte, deslizando
minha mão por suas costas até pegar uma mecha dos seus fios loiros. — Eu
queria que você ficasse dentro de mim para sempre.

Gemo, jogando a cabeça para trás quando ela volta a rebolar junto com
minhas estocadas. Puxo o seu cabelo para o lado e me mexo mais rápido,
vidrado na sua cara safada me mandando ir mais fundo.

O tesão fica tão grande que começo a perceber tudo amplificado à minha
volta. Dou um tapa na sua bunda e seus gritinhos me deixam ensandecido. Sinto
meu corpo suando, as gotas escorrendo pelo meu abdome.

— Você está muito quente, meu Deus, que delícia!

Nunca senti minha temperatura tão alta como agora. É algo surreal
porque parece que eu sou literalmente um vulcão prestes a entrar em erupção.

— Elisa, eu não... não vou...

— Goza gostoso pra mim, vai.

— E você? Eu quero que a gente... — Ah, merda! Vai ser muito mais
rápido do que imaginei.

Eu não estou aguentando, a sensação está se acumulando avassaladora
demais.

— Depois você me faz gozar com essa boca maravilhosa e seus dedos
habilidosos. Eu quero te ver perdendo o controle. Jorra sua porra na minha
boceta, Dylan!

O seu pedido é... Balanço a cabeça, perdido... É uma ordem.

Seguro seu quadril com as minhas duas mãos e saio quase até o fim só
para estocar mais forte e mais fundo, fazendo o barulho dos nossos corpos
unidos reverberar por todo quarto.

Uma. Três. Cinco... vezes.

A sensação da sua carne quente me espremendo por dentro é a gota
d’água para a minha insanidade. O orgasmo vem mais forte do que nunca,
eriçando os meus pelos e me fazendo soltar um som animalesco que nem sabia
que tinha dentro de mim.

Quando o líquido explode dentro dela fecho os olhos incapaz de
controlar tamanha intensidade de emoções. O prazer do gozo, do seu corpo e do
seu cheiro impregnado em mim, se mistura a um sentimento de pertencimento
que invade meu peito.

Afundo mais uma vez, como se quisesse prolongar o momento por
alguns segundos, e abro os olhos respirando lentamente para retomar o fôlego.
Encontro seu semblante deslumbrado me encarando com um sorriso e sorrio de
volta, diminuindo a pressão dos meus dedos no seu quadril.

Mole, sentindo como se toda a energia do meu corpo estivesse flutuando,
inclino-me para frente e puxo seu rosto para beijá-la.

Um beijo de agradecimento por essa experiência incrível, um beijo cheio
de significado.

Elisa Montemor.

Nossa, essa mulher... ela se tornou, definitivamente, a dona das batidas
do meu coração.


Volto para a sala, justo quando Dylan está falando, e fico totalmente sem
graça ao constatar que todos viraram a cabeça na direção que o rapaz olha sem
nem piscar. O silêncio irrompe o ambiente e sinto minha bochecha arder.

Puxo o vestido mais para baixo e caminho apressada até o sofá para me
sentar e pegar uma almofada. Amber sorri para mim e balanço a cabeça,
implorando mentalmente que continue o assunto pelo amor de Deus.

Respiro um pouco mais aliviada quando volta a falar sobre suas últimas
pesquisas da Bioimmune, ignorando a quietude do Dylan que não encerra seu
pensamento. Eu devia ter trazido mais calças, onde estava com a cabeça quando
coloquei essa peça na mala?

A nossa secadora teve um curto-circuito e parou de funcionar esta manhã,
logo quando resolvi lavar todas as roupas que estavam sujas. Acabei ficando
apenas com uma calça limpa, a que estava no meu corpo, antes de ter a proeza de
derramar uma caneca de café, instantes atrás.

Não lembro quando foi a última vez que coloquei um vestido. Esse é
preto, acinturado, de manga longa e não marca o corpo porque fica soltinho. Tem
um decote discreto e vai até um pouco acima do joelho. Mesmo assim, sinto-me
estranha com ele.

Noto Dylan puxar uma almofada para si também e caio na burrada de
olhar no seu rosto. Ah, merda! Sei muito bem para que precisa de uma ao notar
sua garganta se mover e seus olhos ainda presos em mim.

Um frio perpassa meu estômago pelo jeito primitivo que me encara. Eu
poderia... a gente poderia se pegar aqui se não fosse a plateia. Desde ontem à
noite, quando perdeu sua virgindade, Dylan está em uma espécie de transe no
qual apenas estar perto já gera uma faísca sem precedentes.

Pior que não é só ele.

Estou me sentindo uma cadela no cio que não se satisfaz. Fizemos sexo
duas vezes de madrugada e uma assim que acordamos. Em nenhuma das
oportunidades Dylan conseguiu se segurar para gozar junto comigo, ainda é
difícil controlar a quantidade de reações do seu corpo, no entanto, foi incrível.

Ele jamais me deixa na mão e é bem criativo para me compensar depois.
Mordo o lábio, percebendo meu coração acelerar.

Agora não é só mais uma parte de mim. Eu por inteira estou adorando
participar das suas descobertas e teria que ser cega para não admitir. O
sentimento de alegria é tão grande que não consigo sequer cogitar que fosse com
outra a sua primeira vez.

— Vocês não vão acreditar! — A mudança de entonação na voz de
Amber me faz balançar a cabeça discretamente e desviar o contato. Senhor,
preciso de foco. — Descobri que quatro policiais envolvidos no início de tudo
foram promovidos nos seus cargos menos de um ano depois do ocorrido, na
época que Scott já estava na vida pública. Dois deles são ex-militares e
trabalharam juntos no batalhão de um tal general Douglas Stack. Somente esse
fato isolado não prova nada, mas levantou suspeitas em mim.

— É bem suspeito mesmo, ótimo trabalho, Amber! Depois me passe os
nomes que vou investigar a fundo.

— Pode deixar, mando sim, Schumer. Também continuei fuçando
naquelas doações de empresas para campanha e achei mais envios de dinheiro
por membros de indústrias farmacêuticas. Te passarei junto. — Minha amiga
arruma os óculos e encara os meninos. Como a conheço bem, sinto um pequeno
desconforto, talvez receio de dizer na frente deles. — O que mais me intrigou foi
que, tentando encontrar informações sobre o passado dos garotos, cheguei a dois
orfanatos que não estão mais em funcionamento.

— Do Thomas e Jimmy, né? — O agente do FBI interage e Amber
balança a cabeça em concordância. — Meu pessoal está averiguando. Um
fechou há 23 anos, exatamente na época do nascimento do Thomas, e o segundo
sofreu um incêndio que, inclusive, matou internos, há 18 anos. Estamos tentando
encontrar evidências e informações sobre a época da chegada dos dois.

Troco um olhar com James e Amber e consigo ver pelo semblante que
estão pensando a mesma coisa que eu. Disfarço quando Matthew me observa
sério, ele é muito esperto e pode perceber.

Parece que esses orfanatos foram escolhidos a dedo para encobrir rastros.
Aquela intuição certeira me provoca a acreditar que, assim como Dylan, a
história dos dois pode não ser como acham.

— O meu orfanato e do Ethan ainda existem? Conseguiu entrar em
contato?

— Sim, o de vocês funciona, Matthew. Já pegamos todos os dados
disponíveis do caçula e estamos verificando. O seu ainda aguardamos o envio.
Pelo tempo, a diretora justificou que os arquivos não estão digitalizados e
precisava de uns dias até reunir tudo. Em paralelo, também iremos comparar o
material de vocês no nosso banco de perfis genéticos da polícia e em bancos de
dados genealógicos públicos. — Ajeito minha postura no sofá, adorando essa
linha de investigação. — É claro que não iremos encontrar nada em relação a
crimes, mas pode ser que a gente encontre evidências de familiares no sistema.

— Nossa, perfeito! Vai ajudar muito, tomara que encontrem algo —
comento, animada.

É possível identificar a quantidade de DNA compartilhada entre duas
pessoas, por meio de fragmentos em ambos tidos como “idênticos por
descendência”, ou seja, ligados por um ancestral comum. O programa consegue
identificar ainda o grau de parentesco estimado, dentre as opções pai, filho,
irmão, meio-irmão, avô, neto, tio, sobrinho ou primo até 5º grau.

Isso será bom tanto para elucidação do passado dos meninos, como
também para identificar possíveis parentes com quem possam criar laços após
tudo isso terminar. Mesmo que tenham sido abandonados, é impossível que
nenhum familiar irá acolhê-los.

Continuamos conversando por cerca de meia hora sobre outras questões
que estão sendo investigadas para o caso. Assim que termina, Dylan avisa que
precisa ir ao banheiro e Jimmy e Thomas saem com Ethan para arrumar o café
da tarde.

Apenas Matthew permanece na sala conosco e não hesita em tirar suas
dúvidas.

— Vocês acham que alguns de nós podem não terem sido abandonados
de fato em orfanatos, não é? — pergunta, direto.

— Talvez não — Schumer responde, com cautela. — É cedo ainda para
dizer sobre isso. Não quisemos comentar na frente dos demais porque seria criar
uma angústia em algo que sequer sabemos.

— É a mesma coisa com Dylan, eu estou cada vez mais desconfiado da
versão dada pela Bioimmune do assassinato; só que seria mexer com as emoções
do menino baseado em suposições — James complementa a linha de raciocínio.
— Não é que estamos escondendo nada de vocês, jamais! É só cautela
emocional mesmo.

— Eu entendo, não estou julgando. Seria mesmo um baque.

— Dylan já se culpa tanto por ter uma lembrança vaga do pai discutindo
com outras pessoas, sem saber identificá-las... — o homem continua explicando.
— Mexer nisso sem novas informações só vai machucá-lo.

Ele já me falou sobre Peter, pareceu muito triste por não ter grandes
memórias do pai, em especial, essa. Concordo totalmente que falar sem mais
provas — a qualquer um deles — só vai servir para abalar a saúde mental.

— Sobre o assassinato, não estamos avançando em nada por enquanto;
não achamos pontas soltas. Mas não vamos desistir, continuaremos procurando.
— Schumer se levanta e pega a mochila que tinha deixado no aparador próximo
à porta. — Eu preciso ir agora, estou no limite para entrar no turno. Assim que
tiver novidades, aviso.

— Eu também preciso ir — minha amiga fala, dando um beijo no meu
rosto. — Tirei meu horário de almoço mais tarde pra passar aqui e não posso me
atrasar.

Despedimo-nos e os acompanho até a saída com o coração apertado ao
imaginar que podem ter arrancado crianças à força de pessoas que as amavam.

Por mais que queira resolver logo o caso, algo em mim anseia para que
essa parte não seja verdade. Seria desumano demais até mesmo para a
Bioimmune.


Tomar café da tarde com todos fez a preocupação que estava rondando
minha cabeça se esvair um pouco. Os meninos são muito divertidos e é ótimo
conviver com eles.

Thomas está mais sorridente do que o normal porque Emma fez uma
chamada de vídeo com a gente do teatro que irá se apresentar mais tarde. Ela não
tem conseguido vir direto aqui por causa dos ensaios para essa apresentação, no
entanto, não perde o contato com o rapaz on-line.

É a primeira vez que vejo minha amiga envolvida desse jeito.
Geralmente, suas conquistas são apenas de uma noite. Ainda não rolou nada
entre os dois, mas duvido que irão resistir muito tempo. A troca de olhares entre
eles é a mesma que acontece entre mim e Dylan.

Por falar nele... está me encarando com intensidade neste instante, ainda
sentado na mesa. Seu olhar varre meu corpo inteiro, acho que gostou do vestido
porque não é possível tanta atenção assim. Termino de colocar o último talher na
máquina de lavar louças e limpo minha mão no pano de prato.

— Vamos ler um pouco? — sugiro, aproximando-me dele. — Está frio
pra ficar no lago hoje, podemos escolher uma história nova e ler no quarto.

— Tá bom, vamos. — A voz de Dylan vem pesada e com rouquidão,
eriçando os pelos da minha pele.

Saímos em direção ao corredor em silêncio, apenas ouvindo os
burburinhos dos demais ainda conversando na cozinha. Até estranho a sua
quietude. Assim que chegamos à porta da biblioteca, porém, assusto-me quando
ele passa a chave na tranca e me empurra contra a estante de madeira.

— Meu Deus, homem! — Coloco a mão no peito, notando o coração
agitado. — O que você... o que você tá fazendo?

— Elisa! — Meu nome sai com urgência dos seus lábios e eu adoro o
tom que é dito. — Porra, não estava mais aguentando me segurar. Você está...
deslumbrante com essa roupa. Linda! Gostosa demais!

Dylan encaixa sua perna no vão das minhas e me pressiona ainda mais
contra a estante. Respiro fundo, fechando os olhos quando sua mão grande entra
por baixo do tecido, alcança minha coxa e começa a subir lentamente até a borda
da minha calcinha.

— Nós não... nós não podemos... aqui.

— Acho que você não se atentou a um detalhe — diz, enquanto me
arranca suspiros, ao apertar a minha bunda e esfregar meu quadril na sua perna.
— Eu passo muito tempo na biblioteca desde que cheguei e pude comprovar que
tem isolamento acústico pra não atrapalhar a leitura.

— Tem certeza? Se passarem no corredor podem escutar... meu quarto é
mais afastado, agora aqui... — Tento desesperadamente focar nos problemas de
sermos pegos no flagra, mas é difícil com sua mão pesada acariciando minha
bunda. — Sem contar essa claridade toda.

— Eu tenho certeza de que não vão escutar nada, eu juro. E a luz... —
Ele estica um dos braços para o lado e bate no interruptor, sussurrando perto
demais do meu ouvido. Aprendeu direitinho a me atentar! — A luz a gente pode
desligar, se prefere assim.

Todo espaço fica iluminado apenas por uma luminária de chão que está
perto da poltrona, do lado oposto da sala. Gemo baixinho quando Dylan morde
minha orelha e desce deixando uma trilha de beijos do meu pescoço até o decote
dos meus seios.

— Eu acho que você quer, gostosa! — Jogo a cabeça para trás quando
me surpreende entrando com um dedo na minha calcinha. — Você está melada
pra mim.

— Ah, Dylan! — Remexo meu corpo contra sua mão, adorando como
me penetra.

— O que foi, linda? O que você quer que eu faça?

Para me torturar ainda mais, enquanto continua me estimulando embaixo,
passa a roçar sua barba no meu decote. Fico em silêncio por um instante, apenas
apreciando as reações que causa em mim.

— Eu quero que você me chupe... e depois me foda em pé, aqui na
biblioteca.

Com ele, o desejo sempre vence a lógica. Sempre!

— Com todo prazer do mundo. — Ele tira o dedo e lambe minha
lubrificação.

Nossa, como isso é excitante. Amo todas as vezes que faz.

Decidida a deixar rolar, pego sua mão e caminho apressada até a parede
oposta a porta só para garantir que ninguém vai escutar. Dylan fica de frente e
invade meus lábios, apertando com força minha cintura, antes mesmo que eu me
encoste.

Uma das suas mãos sobe para os meus seios e os apalpa com lascívia,
afastando em seguida o tecido para o lado junto com o sutiã. Sua boca cai em
cheio ali, mamando até a sucção fazer um barulho alto que me deixa com ainda
mais tesão. Quando se farta, o outro lado recebe a mesma atenção.

Encaixo minha perna de novo no meio das suas e rebolo. Eu poderia
gozar só de ficar me esfregando nele, mas eu quero mais. Agora que sei o quanto
ele é delicioso, não vou me contentar com menos que seu pau duro estocando
fundo em mim.

Dylan se afasta quando perde o fôlego e vai ficando de joelhos na minha
frente. Puxo o ar com a visão linda da sua mão adentrando o vestido e tirando
minha calcinha bem devagar pela perna.

— Desta vez, isso fica comigo. — Entreabro os lábios quando ele
termina de arrancar e cheira o pedaço de pano, guardando em seguida no bolso
da sua calça.

Esse homem vai ser o pecado em forma de gente daqui uns anos, quando
aprender tudo que foi reprimido e ampliar suas experiências sexuais. Não canso
de me espantar em como aprende rápido, como se deixar envolver.

É fascinante tanto por ele, como por mim. Fazia muito tempo que eu não
me permitia ser a Elisa de antes que gostava de sexo e de apreciar tudo que
quisesse entre quatro paredes.

Mesmo com algumas reservas por estar diferente, é bom ter o vislumbre
novamente.

— Vem experimentar — chamo, sedenta.

Dylan levanta um pouco o vestido e se embrenha lá dentro em uma visão
que é muito sexy aqui do alto. Ele parece ter decorado todas as dicas que eu dei
com o morango porque nunca esquece nenhuma delas.

— Apoie suas pernas no meu ombro, vou te impulsionar pra cima.

Abro a boca para dizer que isso é uma péssima ideia, mas antes que
consiga, ele já está me levantando como se eu pesasse uns 30 kg a menos.
Caramba, eu me esqueço como ele fica forte quando seu organismo está ativado.

Seguro como dá na estante, em uma mistura de tesão com medo de
machucá-lo ou de acabar caindo. Quero pedir para me voltar para o chão, mas a
verdade é que desse jeito é mil vezes melhor para alcançar as partes exatas que
me levam à loucura

Sua boca me maltrata na mesma intensidade que suas mãos apertam
minha bunda. Dylan lambe, chupa, mordisca e beija. Afunda sua língua em mim,
judia do meu clitóris. Para amplificar as sensações, começo a rebolar na sua cara,
lambuzando-o todo.

— Porra, vou te chupar todinha, sua safada.

Ele cumpre.

Não tem pressa.

Degusta como se eu fosse seu sabor preferido no mundo.

Fico pingando de desejo por ele. Quando começo a gemer mais, fora de
controle, Dylan entende que estou quase lá e afasta sua boca de mim, descendo
minhas pernas para a sua cintura e se levantando em seguida.

Murmuro uma reclamação, segurando afoita no seu pescoço, no entanto,
logo esqueço ao receber uma estocada forte e profunda do nada. Que horas ele
abaixou a calça, meu Deus? Uau!

Aperto firme minhas pernas ao seu redor e arqueio o corpo para trás em
um ímpeto tão repentino que dois livros acabam caindo da estante.

— Você mete tão gostoso. Que delícia!

— Agora que está encharcada, prontinha pra mim, vai gozar junto
comigo. Eu não vou parar até você chegar ao orgasmo, linda.

Engulo em seco, presa nos seus olhos que me encaram com desejo cru e
carnal, mas também com carinho e devoção. Ataco sua boca e infiltro meus
dedos no seu cabelo, ajudando-o no movimento para frente e para trás. Adoro
sentir minha excitação nos seus lábios.

Dylan mete fervoroso, como se sua vida dependesse de me fazer gozar.
Eu amo sua impetuosidade, a sua respiração entrecortada, o aperto firme em
mim.

Mordo seu lábio e puxo a carne macia, ouvindo meu gemido reverberar
na sua garganta. Ele me dá um tapa forte na bunda, retomando aquela sensação
deliciosa que estava prestes a emergir durante o seu oral.

— Ahh... Dylan.

Ciente do que está causando, ele inclina meu corpo para trás formando
um ângulo perfeito para conseguir entrar ainda mais fundo. Uma das suas mãos
continua me segurando firme em seus braços e a outra vem para o meu pescoço
me mantendo quietinha enquanto finaliza com primor seu trabalho.

O aperto não me machuca, pelo contrário, faz a pressão necessária para
amplificar todas as reações do meu corpo. Meu coração acelera e meus peitos
saltam na minha visão, tamanha força com o qual estoca.

— Eu... eu... eu...

— Vem comigo, goza gostoso — ordena, rouco, desesperado.

É visível no seu rosto o quanto está se esforçando para me esperar. A
constatação de toda sua dedicação enche meu peito de adrenalina e me faz
chegar ao clímax de forma avassaladora.

Instantes depois de me render, mal conseguindo respirar direito, Dylan
me preenche soltando um gemido maravilhoso de alívio e desejo. Estamos uma
bagunça de suor, cabelos bagunçados e respiração ofegante.

Sem sair de mim ainda, ele me puxa para frente envolvendo-me com seus
braços. Posso ouvir perfeitamente as batidas desenfreadas do seu coração e tenho
certeza de que escuta as minhas.

Não dissemos nada. Mas nosso abraço diz tudo.

Eu... ah, meu Deus! Eu... estou me apaixonando por esse homem.

Estico minhas pernas no tapete e apoio as costas na beirada do sofá para
ficar mais confortável. Prometi ao Ethan que iria ajudá-lo a montar um quebra-
cabeça de mil peças. O caçula está viciado em desvendar todos que encontra pela
frente. Aparentemente, os filhos do senador Wright eram fãs da brincadeira
também porque há centenas de caixas pela casa.

Enquanto converso com o caçula empolgado, não resisto a olhar vez ou
outra para a imagem de Elisa trabalhando na mesa que fica nos fundos da sala.
Ela está separando todo o material da sua pesquisa para enviar ao MIT. A ONU
deve divulgar os protocolos mundiais no começo da próxima semana e a
universidade já vai dar andamento com urgência nos estudos.

Eu ainda odeio o fato de ela não fazer parte disso, depois de tanta
dedicação, mas tento me mostrar forte para que não fique triste. Se a gente focar
em esclarecer as falcatruas da Bioimmune, logo tudo terá sido apenas uma fase
ruim e ela vai poder brilhar com sua pesquisa incrível.

Sorrio, quando ela coça a têmpora com uma caneta e semicerra os olhos
para a tela do computador, concentrada.

Ela é linda séria.

É linda sorrindo.

É linda entregue.

Lembro-me do que fizemos na biblioteca hoje à tarde e as batidas do meu
coração voltam a ficar agitadas como estavam no momento do ato. Chegar ao
orgasmo junto com ela é disparado meu top 1, e duvido que algum outro irá
desbancá-lo. Simplesmente não tem como superar a sensação de estarmos
interligados e compartilhando uma parte nossa com o outro ao mesmo tempo.

Sinto como se ela morasse ainda mais dentro de mim desde que
aconteceu, de uma forma impossível de arrancá-la dali.

— Eu acho que você está apaixonado! — Ethan comenta baixo,
sorridente.

— O quê? — Desvio o olhar dela para ele, sem entender o contexto do
que disse.

— Apaixonado! — repete a palavra, divertindo-se. — Falaram disso no
filme da Rapunzel, que assisti ontem. Ela e Flynn eram um par improvável, já
que os dois só se uniram para conquistar um objetivo: Rapunzel queria ver as
luzes flutuantes, e ele queria ser rico. Mas durante a jornada, os dois acabaram se
apaixonando e encontraram o amor verdadeiro. Parece bastante com você e a
Elisa pra mim.

Arqueio a sobrancelha, raciocinando suas palavras. Eu achava que paixão
era apenas relacionada a coisas ou atividades, como os médicos viviam dizendo
sobre a ciência. Também não imaginei que amor poderia ser usado em um
contexto diferente do que sinto, por exemplo, pelo meu pai, Thomas, Jimmy,
Matthew e Ethan.

O que sinto por eles não é nada parecido ao que Elisa causa em mim.
Com ela, é um sentimento mais desconcertante, que me tira o fôlego e me
desestabiliza.

Será que existem dois tipos de amor e paixão?

Assim como o desenho que o garotinho falou, nós nos unimos por um
motivo e acabamos nos envolvendo durante a jornada. Conhecê-la melhor está
sendo a melhor parte dessa caminhada de liberdade fora do subsolo.

Sorrio para Ethan e olho para Elisa, ainda concentrada, alheia à nossa
conversa e ao meu peito barulhento. Gosto da forma como as palavras soam
bem: meu amor.

— Senhor Davis! — A voz aguda de um dos seguranças interrompe meus
pensamentos. — Senhorita Montemor, preciso dos senhores um minuto.

Levanto-me do tapete e Elisa abandona o computador ao mesmo tempo.
Seguimos ansiosos até a porta que dá para a varanda a fim de entender o que
houve. James aparece em seguida, junto com os outros garotos.

— Está tudo bem? — Elisa é a primeira a perguntar.

— Tem um homem ferido lá na portaria, eu já o mandei ir embora, mas
insiste em falar com o senhor Davis. Disse que se chama Oliver Taylor, implorou
por ajuda.

— Há semanas não temos qualquer notícia dele — James comenta,
passando a mão na sua careca. — Ele disse o que aconteceu? Como se feriu?

— Segundo ele, estava chegando em casa quando dois homens
encapuzados, de preto e com uma arma, anunciaram assalto e partiram para
cima. Falou que tem informações importantes pra compartilhar.

— Foi o mesmo que aconteceu com a Amber! — Elisa sai na varanda e
caminha até o segurança. — Pode ter sido a Bioimmune tentando calá-lo.

— Por que só agora? — Matthew pondera. — Eu acho essa história
esquisita. Aparecer aqui, do nada, no meio da noite.

Confesso que também acho esquisito pelo fato de ter desaparecido desde
que saímos do subsolo, porém, não consigo me esquecer de todas as vezes que se
preocupou conosco. Nossa vida lá só não foi pior por causa dele e do James.
Oliver podia estar apenas assustado, com medo do poder da empresa.

— Ligue para o Schumer e avise o que houve, Elisa. Vamos pelo menos
lá ouvir o que tem a dizer.

Enquanto ela faz a ligação, caminhamos todos em direção ao portão.
James não sai, conversa com Oliver do lado de dentro. Pela fresta, é possível ver
que está com o rosto machucado e sujo de sangue.

— Como conseguiu fugir dos assaltantes? — ele pergunta.

— Ouvimos a sirene da polícia passando perto. Eu aproveitei que os dois
se distraíram com o barulho e tentei desarmar o que tinha a arma. Foi aí que me
bateram e saíram correndo, a sirene se aproximou ainda mais.

— Não falou com a polícia? Não deu queixa?

— A essa altura do campeonato, você sabe muito bem que eles têm
contato em todas as esferas, James! — Observo Oliver esfregando o rosto,
parece realmente cansado. —Fugi de lá assim que os dois caras sumiram de
vista. Não engoli esse assalto, tenho medo de ir à polícia, de tirar satisfação com
Russell... Não aguento mais essa merda! Eu só quero minha vida de volta. Esta
semana havia falado que estava cansado de fazer parte disso, que só queria ficar
na minha e esquecer tudo, e olha no que deu.

— Por que com Russell? Ele não tinha sido demitido? — questiono,
curioso.

— Demitido para as câmeras, só isso. — O seu sorriso sai sem nenhum
humor. — Continua arquitetando tudo com Patterson e os irmãos Scott.

— Schumer mandou a equipe dele revistar Oliver de cima a baixo, se
tiver limpo, pode entrar para contar quais informações são essas que tem. —
Elisa desliga o celular e se aproxima de nós. — Ele chega aqui em meia hora.

Ficamos observando a revista minuciosa e, com a liberação, entramos
juntos e esperamos o agente do FBI na sala. James não deixa de perguntar onde
ele estava esse tempo todo e por que não o procurou. Basicamente, as respostas
se resumem em ficar calado por medo.

Olho para Matthew e o garoto continua sério, encarando o convidado
com atenção, como se estivesse esperando o momento de dar um passo em falso.

Quando Schumer chega, já vai direto ao ponto, sem rodeios. Oliver fala
várias coisas que já sabemos, porém, não temos como usar contra a Bioimmune,
como os dois orfanatos desativados, as doações de campanha da indústria
farmacêutica, a incitação dos grupos de ódio contra os meninos e a armação com
deepfake.

— Você tem alguma prova disso tudo que falou?

— Prova física, não... Eu ouvi escondido em uma reunião com o pessoal
de relações-públicas; estavam discutindo como iriam rebater cada tópico se a
empresa fosse exposta com esses assuntos. — Oliver suspira fundo e massageia
o lado do rosto ferido. — Como sabem, eles não compartilhavam informações
com a gente como imaginávamos. Somos apenas peões ali. Se dependesse de me
contarem, nunca saberia.

— E como exatamente ouviu escondido? Foi na sede? O que estava
fazendo lá? — Percebi que Schumer está fazendo várias perguntas para tentar
captar mentira em Oliver também.

— A Scott já nos reuniu umas três vezes com sua equipe de advogados
para discutir sobre a estratégia de defesa. Eles querem que a gente corrobore
como os meninos eram bem-tratados e a importância do estudo.

— O que exatamente você queria quando veio aqui? O que está
esperando? — O agente do FBI o olha com atenção. — Essas informações são
não novidade para nós, sem provas não ajuda em nada.

— Quero ter paz de novo, e quanto mais rápido isso terminar, melhor vai
ser. Quero fazer um acordo com vocês, ser informante contra a Bioimmune e
tentar alguma imunidade no processo criminal.

— Você não disse agora há pouco que estava com medo, Oliver? Eles
supostamente tentaram te matar e você vai voltar lá como se nada tivesse
acontecido? — Matthew indaga, perspicaz.

— Estou com medo, mas quero me ver livre disso. Do lado de lá nunca
serei! Vão sempre intimidar, sempre mandar... Pesa muito também o fato de
saber que estão acabando com a imagem do James, somos amigos há anos e sei
que nunca fez nada disso que estão falando. — Entreolho Elisa e ela acena com a
cabeça, acho que acredita nele. — Pensei que, como informante, poderia ter
certa proteção da polícia. Eles me encobrem e eu tento achar qualquer
informação útil contra a empresa. Vou fingir que voltei atrás e dizer que quero
cooperar para acabar logo.

Ainda não sei se acredito 100% em Oliver, porque aprendi a ser mais
questionador com relação aos fatos, porém, me parece um bom plano. Schumer
começa a explicar o papel do informante e avisa que só consegue benefícios no
julgamento, caso realmente traga algo útil para o caso.

O agente do FBI aceita avaliar a possibilidade quando Oliver se dispõe a
testemunhar contra a Bioimmune e a favor do James no processo do vídeo.
Como a gente nunca teve ninguém do lado de lá para ajudar, pode realmente ser
útil uma segunda visão de como tudo funcionava.

Antes de ir embora, Oliver pede para lavar o rosto no banheiro e James o
acompanha pela casa. Nós continuamos na sala e Matthew não esconde que
ainda não consegue confiar nele.

— Na minha cabeça, ainda não está fazendo sentido essa história. Parece
que tudo que ele disse foi superficial, apenas para ganhar nossa simpatia sem
comprometer a Bioimmune.

— Ficarei na cola dele, não vou dar mole. No fim, Oliver pode acabar
sendo a peça essencial para mandá-los para a cadeia. — Schumer pega o telefone
do bolso e manda mensagem para alguém. — Se tem uma coisa que aprendi nos
meus dez anos no FBI, é que a maioria dos casos difíceis se resolvem no detalhe,
em uma fração inesperada dentro de toda equação.

— Eu acho que devemos tentar, sim — Elisa opina, colocando uma
mecha de cabelo atrás da orelha. — Ele também pode ajudar o James, coitado, o
homem deu um sorriso verdadeiro hoje, depois de dias. A Moore tinha me falado
que ele e Oliver eram muito amigos do Peter, pai do Dylan. Apesar de tudo,
quero acreditar que é uma pessoa boa.

Se acreditar em Oliver pode fazer a Bioimmune pagar por tudo que nos
fez, nos deixar realmente livres, ajudar James e, principalmente, limpar o nome
da Elisa... Bom, então, eu quero me agarrar a isso com unhas e dentes.

Odeio a sensação de estar em um looping infinito que não nos tira do
lugar. Já se passaram oito dias desde que Oliver veio aqui e acendeu a chama da
esperança em nós, mas até agora não aconteceu simplesmente nada de novo no
caso, pelo contrário, todas as pistas estão estagnadas.

Eu sei que faz pouco tempo, no entanto, parece uma eternidade para
quem está do lado de dentro desta casa.

O setor de cibernética do FBI está destrinchando o vídeo do James e não
consegue provar que é falso. Para ajudar, começou um mal-estar horrível entre
os Estados Unidos e a China por causa do conteúdo exibido na TV.

A polícia foi falar com meu ex-marido Mark e ele confirmou tudo que
disse na entrevista. Estão com a certidão de óbito da criança e meus documentos
mostrando que me casei poucos meses após chegar ao país. Aquele filho da mãe
não me atende de jeito nenhum, covarde! Que arrependimento ter me envolvido
com alguém assim.

Schumer foi investigar os policiais que atenderam à ocorrência do Peter,
mas todas as suas promoções são justificáveis. São homens condecorados,
inclusive, longe de qualquer suspeita. Estaca zero sobre pontas soltas nessa
época.

A diretora do orfanato do Matthew mandou a documentação e
aparentemente é tudo legal, assim como do Ethan. Ainda não conseguimos pistas
concretas sobre os outros dois que estão desativados.

O blog continua postando documentos loucos e sem sentido para incitar o
ódio e o FBI não está conseguindo rastrear o autor. Schumer disse algo sobre
profissionais da deep web. Ontem à tarde houve manifestação em vários estados
contra a mutação dos meninos. Fizeram até pichações em prédios públicos,
chamando-os de aberrações.

As doações de campanha também não estão nos ajudando porque foi
tudo feito dentro da legislação eleitoral do país. Resumindo, qualquer tópico que
já tentamos levantar, durante todas essas semanas, não dá prosseguimento.

Que merda, é uma frustração enorme!

Encho o copo de refrigerante e fico olhando para o vidro, tentando
resistir à gula de repetir. Eu não preciso, eu não estou com fome, eu... Inspiro
fundo e acabo virando garganta abaixo, sem sequer sentir o gosto.

Minha compulsão alimentar deu uma nova recaída. É horrível ficar nessa
montanha-russa de sentimentos que altera o meu humor. Ora tento ser otimista,
ora o pessimismo impera, ora estou feliz, ora estou triste.

Neste momento, estou brava porque o senador Scott apareceu em uma
entrevista na mídia, todo sorridente, como se não houvesse um processo contra a
empresa da sua família em andamento. Ele tem uma cara de sonso que me irrita
demais, não vale nada. Acho que é o mandante de tudo, o que realmente
arquiteta toda a estrutura da Bioimmune.

Aquela gente possui muitos contatos bons. O dinheiro e o poder fazem a
diferença nessas horas, porque não é possível tudo estar tão parado.

Imagina se fosse no Brasil? Já podia pedir a pizza e desistir. O que me
faz permanecer com um pingo de esperança é que o FBI está envolvido e
Schumer é muito correto e persistente.

— Seu celular está tocando, linda, apareceu o nome do Wright no visor.
— Dylan entra na cozinha e vai até o balcão me entregar o aparelho.

Como sempre faz, não resiste a envolver seus braços em mim e deixar
um beijo na minha testa. Estar com ele é uma das poucas coisas boas que tem
acontecido. Adoro como nossa intimidade cresce a cada dia e como consegue
distrair minha mente turbulenta.

— Alô! — atendo, sem me desgrudar do Dylan e faço um carinho no seu
cabelo.

— Oi, Elisa. Estou ligando pra falar que o presidente fará uma entrevista
coletiva da Casa Branca, depois de amanhã, para mostrar os avanços no soro do
MIT. — Não consigo reprimir uma careta surgir no meu rosto. Entendo, mas é
triste ficar distante da minha pesquisa. — Ainda está cedo para fechar algo
concreto no estudo, no entanto, é preciso fazer o marketing para acalmar o
pessoal. O presidente vai divulgar que as primeiras pessoas atendidas serão as
com câncer em estágio terminal.

— Que bom! — digo, sem pensar em algo melhor.

— Ele quer que os meninos entrem ao vivo daí, lá do jardim, para
comprovar que estão bem e livres, que nada de ruim está acontecendo e para
comemorar o início do projeto de forma segura.

— Tudo bem, eu os aviso. Depois me passe certinho todas as
informações de horário e qual será o roteiro.

— Eles podem seguir as mesmas dicas que minha equipe deu na época
da coletiva com os jornalistas, se quiser posso mandar um pessoal aí junto com
os câmeras que vão gravar para acompanhá-los.

— Acho que não precisa, a Amber com certeza pode auxiliar.

— Perfeito, ela é ótima! Ainda vou roubar aquela menina para trabalhar
comigo.

Sorrio ao pensar que Amber jamais aceitaria. Minha amiga ama a
investigação e a adrenalina da redação, não iria querer trabalhar em assessoria de
imprensa nem ferrando. Seu grande sonho é um dia ser contratada pelo New
York Times na área investigativa de grandes reportagens.

Eu não duvido nenhum segundo que vai conseguir, ela é brilhante na sua
área.

Converso mais um pouco com o senador e desligo, contando as
novidades para Dylan. Eu sei que ele não gosta do fato de eu ter cedido minha
pesquisa e acho muito fofo se segurar para não demonstrar e me deixar triste.

— Você está tristinha nos últimos dias, preparei uma surpresa pra te
animar! Tudo bem que eu contei com a ajuda do Google, do Thomas e do Ethan,
mas espero que goste.

— Surpresa pra mim? — Ele balança a cabeça em afirmativo e eu me
aproximo do seu rosto, sorrindo. — Não estou triste com você, jamais! Você é
uma das melhores partes de estar aqui.

— Eu sou, é? — Dengoso, Dylan se inclina e deixa um beijo no meu
pescoço.

É gostoso sentir seu sorriso na minha pele.

— Você é muito especial. — Assim que as palavras saem, ele volta a me
encarar de um jeito tão intenso que minha boca até seca.

Parece que quer me dizer um milhão de coisas, mas não as diz.

Meu coração acelera ao levantar sua mão e acariciar minha bochecha
com carinho, colando nossos lábios em seguida. Ultimamente Dylan e eu somos
como fogo e gasolina, não conseguimos controlar o furor quando nos tocamos.

O sexo é maravilhoso e a gente se entrega, sem se cansar, por horas a fio
na madrugada, repetimos na biblioteca e já fizemos até na sala de cinema e no
vestiário da academia.

Só que agora... agora está muito diferente.

Agora é como uma promessa que essa surpresa vai mudar de novo tudo
entre nós.


Eu estou muito ansioso. Caramba, parece até o dia que James mandou a
carta avisando que sairíamos do subsolo. Esfrego a mão suada na calça jeans e
termino de arrumar meu cabelo no espelho. Escolhi a melhor roupa que tinha e
passei até um perfume que encontrei no armário do banheiro.

Thomas e eu estávamos olhando o galpão próximo ao lago, que guarda
diversos objetos, e encontramos um barco escondido lá no meio das tralhas. Na
mesma hora me veio a ideia de fazer um passeio com Elisa, pois o lugar é
especial para a nossa história.

Quando pedi para James perguntar ao Wright se poderia usar, o senador
me deu uma sugestão ainda melhor: o barco foi construído especialmente para
fazer piqueniques com a sua esposa sobre a água. Por isso, é tão espaçoso. Eu
sou alto e consegui até me deitar confortavelmente.

Como hoje é noite de lua cheia, achei que seria legal passear nesse
horário, assim também poderíamos ficar mais à vontade sem o olhar de ninguém.
Forrei o chão com um colchonete, coloquei almofadas e decorei com algumas
ideias que achei em sites on-line.

Tinha umas lâmpadas pisca-pisca lá no galpão e eu aproveitei para
colocar na borda de madeira a fim de gerar um pouco de iluminação fora o céu.
Peguei também flores do jardim e joguei na parte interna, junto com alguns
corações feitos de papel. Confesso que esse último não ficou tão bonito porque
Ethan e eu não tivemos muita coordenação motora, mas acho que vale a
intenção.

Para tornar o momento ainda melhor, Thomas cozinhou alguns aperitivos
que Elisa gosta, para que possamos comer durante a noite.

— Eu não vejo a hora de ter isso com a Emma. Nossa, meu coração
quase sai pela boca toda vez que ela aparece.

— Não rolou nada entre vocês ainda? Nem um beijinho?

— Não. — Thomas suspira e se senta na sua cama. — A rotina dela é
muito corrida, pensei que ia melhorar depois da última apresentação, mas Emma
acabou chamando a atenção de um olheiro importante e está fazendo testes em
uma companhia maior. Se não bastasse isso, quando ela vem tem um monte de
gente na fila querendo a atenção da minha morena.

— Acho que temos mais um ciumento nesta casa. — Sorrio e saio do
banheiro, caminhando na sua direção.

— Rendido igual você, irmão. — Ele sorri também. — Boa sorte com a
sua garota hoje, tomara que ela goste.

— Obrigado. — Passo a mão no peito, tentando em vão conter um
pouco a ansiedade. — Estou com medo de assustá-la, mas quero ser sincero
sobre o que sinto.

Ajeito minha blusa e sigo para buscá-la no seu quarto. Bato na porta e
quase tenho uma síncope quando sua visão deslumbrante aparece no meu campo
de visão. Elisa está usando aquele vestido lindo que eu amei; colocou também
uma bota de cano longo e um casaco que deixaram o conjunto ainda mais
incrível. A sua boca está mais vermelha e seus olhos mais azuis com um
contorno preto, ela fez alguma coisa ali para destacá-los.

— Uau... nossa... é... — Engulo em seco, sem desviar o foco dela um
segundo. — Você está incrivelmente bonita.

— Obrigada. — Ela morde os lábios e me encara de cima a baixo com
suas pupilas dilatadas. — Você também.

Ofereço a mão e Elisa entrelaça seus dedos nos meus. Nós dois estamos
com a palma fria e suada. Caminhamos em silêncio até a trilha que leva ao lago,
acho que não sou apenas eu que estou nervoso. Assim que nos aproximamos,
peço para que feche os olhos por um instante.

Ela me oferece aquele sorriso lindo de quem está empolgada e a levo até
a beira da água onde o barco está posicionado e todo arrumado.

— Po... pode abrir.

Sua boca se entreabre no mesmo instante e seus olhos varrem o objeto de
madeira à sua frente para mim. Só solto a respiração, que nem tinha percebido
que estava segurando, quando ela me oferece um sorriso ainda maior e choca seu
corpo no meu com um abraço apertado.

— Meu Deus, Dylan... eu... eu amei demais, está perfeito! — Noto sua
voz embargada e me afasto para segurar seu queixo e fitá-la.

— Por que você está chorando? — Seco as lágrimas que começam a se
formar.

— É de felicidade, prometo. Nunca recebi uma surpresa tão linda.

Meu peito se enche de alegria e eu me inclino para deixar um beijo nos
seus lábios. Já se passaram semanas e a sensação ainda é a mesma do primeiro
que trocamos neste lugar. Meu coração sempre acelera e parece que há apenas
Elisa e eu no mundo inteiro.

Quando nos afastamos por falta de fôlego, eu seguro sua mão e a ajudo a
subir no barco. A comida que Thomas fez está em uma cesta de piquenique que
encontrei no galpão. Assim que chegarmos ao centro do lago, o banco que ela
está sentada se torna uma espécie de mesa e ela vem ficar comigo do outro lado
no colchonete que coloquei no chão. Tentei deixar o mais confortável possível e
até testei com Thomas antes.

Meu medo era o barco balançar demais, mas realmente foi construído
para este fim, porque tem uma estabilidade incrível. Não inclina para o lado e
não se move do lugar.

Os sorrisos que recebo enquanto remo até nosso destino faz valer a pena
cada minuto que me dediquei nesta surpresa. Eu faria outras mil vezes, se a
minha recompensa fosse ver esse semblante feliz no seu rosto.

Não tem sido dias muito bons em relação ao processo contra a
Bioimmune, e eu sei que Elisa está esgotada emocionalmente com tudo parado.
Fico radiante de ser um porto seguro para ela, de ajudá-la a se esquecer dos
problemas um pouco, porque é justamente isso que também faz comigo.

Paro onde dá o melhor ângulo para a lua cheia que clareia o céu e ajeito
tudo como tinha planejado. Minha garota continua sorrindo e falando sem parar
sobre como gostou da decoração improvisada, como estou cheiroso, como as
luzes pisca-pisca ficaram charmosas e como a comida está maravilhosa.

— A parte da comida você vai precisar agradecer ao Thomas. Eu até
tento, mas mal consigo fazer uma panqueca sem queimar.

— Não tinha como ser perfeito em tudo, né? É até injusto com outros
reles mortais.

Sorrimos e seguimos conversando em um clima leve e divertido. Elisa
me conta várias histórias sobre a sua infância e um lago que tinha perto da casa
dos seus avós; e eu compartilho alguns sonhos que tenho tido, como cursar
Biologia igual meu pai.

— Que incrível, Dylan, eu tenho certeza de que ele tem muito orgulho de
você de onde estiver.

— Apesar de tudo, eu sempre acreditei e continuo acreditando que nosso
sangue pode ajudar a curar muitas vidas. Se eu for biólogo, posso fazer ainda
mais. Não quero que a Bioimmune estrague isso.

— E nem deve estragar, mesmo! — ela diz, contundente. — Se Deus
quiser, em breve vocês serão livres e poderão fazer suas próprias escolhas. Se
você deseja continuar inserido nas pesquisas, é uma decisão sua.

— Outro sonho que tenho tido é... — Viro-me para o lado e coloco uma
mecha do seu cabelo atrás da orelha. — Levar-nos para muito além dos muros
desta casa. Eu... eu não consigo imaginar uma vida em que você não esteja
inserida nela. — Elisa fica estática me observando com atenção e resolvo falar
tudo de uma vez, antes que perca a coragem. — Ethan me disse que achava que
eu estava apaixonado por você por causa do desenho da Rapunzel, que parecia
que estávamos na nossa jornada pelo amor verdadeiro. Eu não sabia que essas
palavras podiam ser usadas para explicar o turbilhão que você causa no meu
peito... Fui pesquisar mais a respeito e, Elisa, nossa, eu não tenho nenhuma
dúvida... nenhuma... de que é exatamente isso que sinto por você. Você me
salvou daquele subsolo, me ajudou quando eu mais estava perdido... Você é meu
amor, a dona da maior e mais florida parte do meu coração.

— Dylan! — Sua voz sai emocionada e ela sobe com cuidado no meu
colo para cortar qualquer distância entre nós.

Aproximo meu rosto do seu, quando suas pernas se posicionam uma de
cada lado do meu corpo, e fico apenas quieto, sentindo o calor da sua respiração
pesada em mim. Suas mãos enlaçam meu pescoço e fazem um carinho na minha
nuca.

— Eu estou completamente apaixonada por você também, totalmente...
— Abro um sorriso e abraço sua cintura com a declaração. Meu coração dispara
no peito. — Você me desarma como nenhuma outra pessoa consegue, nem
mesmo a minha irmã e minhas amigas. Eu juro que até tentei não misturar as
coisas e não deixar meu coração se envolver, mas foi uma luta em vão. Perdi nas
primeiras batalhas.

— Então você me vê... me vê no futuro com... você? — pergunto, afoito,
notando minha voz também ficar embargada.

Elisa não responde de imediato. Inspira fundo e contorna minha barba
com seus dedos, fazendo o mesmo depois com meus olhos, meu nariz e minha
boca.

— Em um futuro sim, mas talvez não exatamente quando a gente sair
daqui.

— O que isso significa? — Meu peito se aperta ao cogitar se distanciar
dela. No dia que foi no fórum, já fiquei morrendo de saudade.

— Significa que nós dois temos muitas coisas não resolvidas
internamente, que vão precisar de atenção quando a nossa bolha não existir mais.
— Elisa me segura pelo queixo e me faz olhar no fundo dos seus olhos. — Você
nunca teve a chance de viver de verdade, Dylan, você precisa ver o mundo sem
medo e sem ninguém te impedir.

— Mas e se o meu mundo for só você?

— Não deve ser, essa é a principal questão — ela explica calmamente e
uma lágrima escorre pelo seu rosto bonito. — Já errei assim com o Mark, me
apegando desesperadamente nele para abafar outros problemas. A gente primeiro
tem que se conhecer, para depois ser bom para outra pessoa. Eu nem consigo
ficar nua na sua frente, morro de vergonha do meu corpo, vivo em uma
compulsão alimentar que, por meses, achei que tinha a ver com meu bebê, mas,
na verdade, é uma questão ainda mais complexa e antiga com minha mãe... Sou
um tapete empurrando sujeira para debaixo de mim.


No começo, eu achei que a questão da luz era gosto pessoal dela, mas
depois fui percebendo no dia a dia que era muito mais que isso. Nós nunca
ficamos juntos dessa forma de dia em lugares muito claros, Elisa não entra na
banheira comigo de jeito nenhum, não toma banho no mesmo espaço que estou,
não me deixa tirar toda sua roupa, por mais que eu diga sempre como a acho
linda.

Tento respeitar porque não sei ao certo como agir, como fazê-la acreditar
em mim.

— Por mais que a gente ame alguém, temos que ser livres também,
vivenciar outras coisas e descobrir mais motivos que nos deixam felizes — ela
continua explicando, sem desviar os olhos de mim. — Eu espero, do fundo do
meu coração, que a biologia seja um desses motivos para você, assim como
dezenas de outras coisas que irá descobrir sozinho.

— Neste momento, por mais que eu entenda o que diz, não consigo... não
dá pra imaginar...

— Eu sei, meu amor... — Congelo quando me chama dessa forma,
notando meu peito palpitar desenfreado por baixo da blusa. — Eu também não
quero pensar nisso agora, eu amo tanto a nossa bolha de felicidade, ficar com
você... Estou tentando viver um dia de cada vez. Hoje a única coisa que me
importa é apreciar essa surpresa incrível que preparou. Só você e eu, nenhum
problema do passado, do presente ou do futuro.

Várias palavras ficam presas na minha garganta, mas nada me parece
mais urgente do que beijar a sua boca e demonstrar com gestos como ela é
importante para mim e o quão apaixonado estou.

Ultimamente, nós mal podemos nos encostar que tudo se incendeia de
forma intensa e avassaladora. Não que eu reclame ou não goste disso. Eu amo
todos os momentos com Elisa. Só que agora... depois de tudo que dissemos um
para o outro... eu quero que seja devagar.

Não quero que seja só sexo, quero apreciar cada murmúrio que sair da
sua boca, olhando nos seus olhos. Quero que dure o máximo que pudermos
porque é isso que eu desejo para nós.

Desejo que a gente dure, que resista.

Deslizo meus dedos pela sua nuca e trago seu rosto ainda mais perto do
meu. Minha língua entra na sua boca degustando o sabor do vinho que ela
acabou de tomar e do chocolate que comemos com morango. Aprecio a maciez
dos seus lábios resvalando nos meus dentes, a respiração tentando se adequar aos
movimentos e sua mão se apoiando no meu peito.

Eu quero você para sempre, sinta as batidas fortes do meu coração.
Demonstro colocando a minha por cima da sua e fazendo um carinho na pele
gelada.

Continuo me movendo sem pressa, até que fique impossível respirar.
Quando me distancio, é para tirar o seu casaco lentamente, afastando o cabelo do
tecido para deixar um beijo molhado no seu pescoço. Depois subo os beijos para
o rosto, preenchendo cada centímetro de pele com carícias que juram em
silêncio: eu vou ter um futuro esplêndido com você.

Elisa sorri, aumentando ainda mais a ardência no meu peito, e desce a
mão até o cós da minha calça. Em seguida, abre o zíper e eu a ajudo a baixar a
peça o suficiente para que possa matar a vontade de estar no meu lugar
preferido.

Não há sequer necessidade de me estimular porque, embora estejamos
nos tocando sem a tempestuosidade comum, só de estar próximo, sentindo-a tão
profundamente, me deixa duro.

Quando meu pau desponta na sua frente, ela se levanta minimamente do
meu colo, coloca a mão debaixo do vestido e afasta sua calcinha para o lado.
Arfo e arqueio o corpo para trás ao voltar a se sentar deslizando gostoso.

Finco meus dedos na sua cintura e inspiro o ar fresco da noite que nos
rodeia à medida que sobe, desce e rebola devagarinho.

— Elisa... que delícia essa posição, esse jeito... você!

Permanecemos assim longos minutos, trocando respirações curtas, até
que sinto meu peito tão cheio, que é como se meus órgãos estivessem sendo
espremidos pelo sentimento abundante que essa mulher causa dentro de mim.

Seguro seu pescoço com uma mão, afoito por aumentar um pouco que
seja nosso contato, e a outra desce para a beira do tecido do vestido. Meus dedos
entram sorrateiros até conseguirem apalpar a bunda que tanto amo e apertá-la
ajudando nos movimentos.

— Isso, Dylan! Pegue o que é seu... me preencha com o que é meu.

Em um ímpeto possessivo e apaixonado, invado sua boca sem conseguir
manter a calma desta vez. Nossas línguas brigam naquele duelo perfeito por
espaço e nossas gargantas recebem os gemidos um do outro.

Minha mão aperta mais firme sua bunda aumentando as estocadas ao
ritmo dos nossos lábios insanos. Quando percebo que estamos quase lá, afasto-
me ofegante porque eu preciso dos seus olhos.

Não quero perder nenhum segundo do seu primeiro orgasmo depois que
confessamos o que sentimos.

— Obrigada por me desarmar, amor — ela sussurra no meu rosto,
entreabrindo a boca em seguida para soltar um gemido baixo de excitação.

Linda, minha.

— Obrigado por me salvar, meu amor.

Sugada por seu gozo, rendo-me de corpo e alma diante da sua íris azul
entregando-a todo meu coração — independente do que vier a nos acontecer
depois.

A lua está de testemunha que é impossível um dia o meu sentimento
morrer.

Arrumo a gola da camisa polo do Dylan e ganho um beijinho no nariz.
Ele não consegue deixar de me tocar e eu confesso que amo o jeito carinhoso
que me trata. A nossa noite no lago foi perfeita e tem nos tornado ainda mais
íntimos, desde então.

Foi muito fofo a forma que se declarou para mim e eu fiquei feliz de ter
posto o medo de lado um pouco para assumir em voz alta que também estou
apaixonada. Minhas armaduras são antigas e bem densas, não é qualquer um que
consegue me desarmar com tanta frequência como ele alcança dia após dia.

O futuro ainda é incerto, e realmente acredito em cada palavra que disse
sobre o que está por vir, porém, enquanto ele não chega, vou aproveitando tudo
que puder.

— Eu tenho que usar mesmo esse negócio aqui? — Ethan se aproxima de
nós no balcão da cozinha, fazendo bico. — Tá cutucando meu pescoço, é muito
ruim.

— É por pouco tempo, meu amor. — Sorrio e me ajoelho para ajeitar a
sua gola também. — Terminando a entrevista, já pode voltar a vestir sua
camiseta preferida do Batman.

— Ahhh, eu queria colocar agora. Tá feio isso aqui.

— Você está lindo! — elogio, apertando sua bochecha.

— Nossa, concordo com o Ethan. Já não basta essa tipoia no braço... —
Matthew também começa a reclamar.

Ele caiu ontem à tarde jogando basquete e acabou dando mau jeito no
braço. O sangue deles cura qualquer doença que o organismo ataca; mas os
meninos não são de ferro e invencíveis não.

— Ah, pronto! — Rio mais, ajeitando a dele também. — Vão fazer
motim pra reclamar de roupa agora, é? São, no máximo, dez minutos de
gravação e tudo acaba.

— Oi, gente, cheguei! — Amber entra no cômodo, sorridente. — O
pessoal da filmagem estava encostando lá na portaria. Tá todo mundo pronto?

— Tem certeza de que precisa colocar essas blusas, tia Amber? — Ethan
também tenta convencê-la.

O roteiro enviado pelo senador Wright pedia que os meninos se
vestissem dessa forma para ficar descontraído e um pouco formal ao mesmo
tempo no vídeo.

— Pior que vai ter, gatinho! Sinto muito.

Ele faz um bico ainda maior e se senta de cara feia na cadeira.

— A Emma não pôde vir? — Thomas sonda, curioso. — Ela disse que
tentaria pegar uma carona com você.

— Infelizmente, não. A Emma foi chamada de última hora para cobrir
uma colega. Tive sorte de conseguir falar com ela trinta segundos por telefone,
estava na correria. Depois, com certeza te manda mensagem explicando.

— Ah, tá bom. — Sorrio para a minha amiga com a cara de cachorro que
caiu da mudança que Thomas faz.

Esse aí também já se rendeu, antes mesmo de provar.

— Obrigada por ter vindo na sua folga, só eu mesmo pra te atormentar,
né?

— Eu viria aqui de qualquer jeito pra gente destrinchar mais pontos a
serem levantados da Bioimmune, eu não sei descansar. — Ela me dá um abraço
e um beijo na bochecha. — Esse negócio de ficar em casa não é comigo, não.

— Quando inventaram a palavra workaholic foi pensando em você.

— Sou viciada, mesmo! — Ela ri e rouba um morango do meu pote no
balcão. Depois do Dylan, nunca mais consigo ver a fruta do mesmo jeito. —
Tanto sou, que vou lá dar uma olhadinha se o pessoal já entrou pra ajudar a
encontrar o melhor enquadramento. Caíram muitas folhas essa noite das árvores
próximas do muro e o coitado do James tava tentando varrer pra não atrapalhar
o cenário. Daqui a dez minutinhos, no máximo, quero fazer um teste com a
câmera no lugar escolhido, agilizem aí.

— Sim, senhor, capitão! — Bato continência de brincadeira.

Termino de comer rapidinho o restante do meu café da manhã e apresso
os meninos para fazerem o mesmo. Só Jimmy não vai conseguir se alimentar
antes da entrevista, ele teve uma indisposição essa noite e acordou com diarreia.
O coitado estava mais branco que de costume do tanto que passou mal. Ainda
está se arrumando no seu quarto.

— Vão escovar os dentes e... — Paro de falar, assustada com o barulho
alto e agudo que vem do jardim.

Parece o som de um tir...

— Corra, Amber! — Meu sangue congela ao escutar a voz desesperada
do James alertando a minha amiga.

Mal tenho tempo de raciocinar o que está acontecendo e uma sucessão de
eventos desesperadores começam a surgir bem diante dos meus olhos. Mais tiros
são disparados, só que desta vez de forma rápida e constante, como se
estivéssemos em um campo de batalha.

Dylan me puxa pela mão, tirando-me do estupor, e corre para o lado da
biblioteca acompanhado de Thomas, Matthew e Ethan no seu colo. O senador
Wright nos disse que se algum dia acontecesse algum problema de invasão na
casa deveríamos, nos abrigar em um cômodo secreto no subterrâneo que tem
acesso pela estante de livros.

Tento fazer força nas minhas pernas, mas meu coração está tão acelerado
que não deixa a minha cabeça pensar direito. Um estrondo maior vem do lado da
sala e as paredes tremem, fazendo com que o caçula se assuste e pule do colo de
Dylan.

O barulho do seu corpo chocando contra o chão faz meu peito se apertar
ainda mais. Coloco a mão nele para ajudá-lo a se levantar e a pele está gelada
por causa do organismo ativado.

— A Amber está machucada, posso ouvir seus pedidos de socorro vindos
daquela direção. — Ele aponta o dedo para o lado oposto e eu inspiro fundo,
proibindo que o choro atrapalhe que eu aja de forma prática. — E o Jimmy ficou
preso no quarto dele, também na mesma direção. Estou ouvindo sua voz e
barulho de concreto. Ele está tentando tirá-lo para sair.

— E o James? Está ouvindo? — Matthew pergunta e o garotinho balança
a cabeça em negativa.

Mais tiros são disparados no jardim e novamente uma explosão atinge a
casa. O ruído é tão estarrecedor que traz um zumbido automático para o ouvido.
Acho que a equipe do FBI e a segurança do senador estão em confronto com
nossos agressores, enquanto um terceiro está posicionado para acertar a casa.

— Preciso ir ajudar a Amber, não vou deixá-la pra trás — afirmo,
enfática, colocando o Ethan de pé com a ajuda do Dylan. — Nem podemos
deixar o Jimmy.

— Não, você não vai voltar assim. Vou deixá-los lá na biblioteca e eu
venho socorrer os dois.

— Até ir lá, pode ser tarde demais, não temos tempo.

— A Elisa está certa, Dylan — Thomas se intromete na conversa. — Eu
vou socorrer o Jimmy e ela, a Amber, nos encontramos na biblioteca.

— Não, eu não... não... — O rosto de Dylan fica apavorado, seus olhos
intercalando de mim, para os meninos e o corredor.

O barulho de tiros não para nos fundos, aumentando ainda mais nossa
tensão.

— Eu posso ir... eu vou no lugar da Elisa...

— Dylan, temos que agir agora, estamos perdendo tempo. — Seguro seu
rosto e interrompo a fala do Matthew. — Leve os dois menores em segurança
para a biblioteca, meu amor. Matthew sozinho não vai conseguir abrir o acesso
para o bunker e nem tem condições de ficar pra trás com esse braço machucado.
Você precisa pensar com a cabeça, não com o coração. Temos que tentar salvar
todos. Se ficarmos aqui discutindo, vamos morrer.

Ele me olha tão profundamente que meu coração acelera ainda mais; não
de medo desta vez, mas sim de amor. Faço um carinho na sua mão e saio
correndo na direção que Ethan falou, sem olhar para trás. Escuto apenas o
barulho dos pés do Thomas ao meu lado.

Cada segundo conta e eu temo que estejamos ficando sem tempo quando
os tiros ficam mais perto. James... meu Deus! Ele estava lá fora, será que não
conseguiu sobreviver?

Balanço a cabeça em negativa, proibindo meu cérebro de pensar nisso, e
continuo pelo corredor desviando-me de pedaços da parede caídos no chão.
Usaram alguma arma pote...

— Cuidado, Elisa!

Um novo estrondo vem na nossa direção, a poucos metros de distância de
onde tinha acabado de passar. Segundos... cinco passos para trás e eu teria sido
atingida em cheio. Abaixo com as mãos na cabeça e Thomas fica por cima do
meu corpo até os estilhaços pararem de voar pelo ar.

— Socorro! Socorro! — A voz agoniada do Jimmy chega aos nossos
ouvidos mesmo com o caos ao fundo.

Ele está perto de nós. Bem perto.

— Vá atrás dele e o leve direto pra biblioteca — mando, sentindo a
adrenalina percorrer meu corpo. — Eu vou ficar bem, vou procurar a Amber na
sala e sigo pra lá também.

Thomas dá um aceno de cabeça e sai em disparada. Levanto e continuo
andando até enxergar a mesa que fica nos fundos da sala. Além do barulho,
ainda tem fumaça pela casa por causa dos destroços. Coço os olhos e entro no
cômodo, observando atentamente cada ambiente. Se ela veio correndo do jardim,
é o local mais possível de ter se escondido.

Avisto uma perna esticada atrás do sofá e vou apressada verificar quem é.
Respiro fundo, notando as batidas do coração chocarem com a caixa torácica e
os olhos deixarem escapar uma lágrima de alívio, ao perceber que é a Amber.

Seus olhos estão quase se fechando e seu corpo está mole pendido para o
lado. Agacho-me no chão e vou diretamente em direção à mancha avermelhada
no seu abdome.

— Vai ficar tudo bem, amiga. Eu estou aqui, vou cuidar de você — digo
baixinho perto do seu ouvido, contendo o desespero que quer me tomar.

Também vejo um ferimento à bala no seu braço direito e inspiro fundo
para começar a estancar esse sangue. Primeiro arranco meu casaco e o dobro em
duas camadas para poder enrolar ao redor da sua cintura em um torniquete
improvisado. Faço um nó usando o máximo de força que consigo e rasgo um
pedaço da minha blusa de baixo para repetir no outro machucado.

Como se a situação já não fosse ruim o suficiente, escuto passos se
aproximando e a voz de duas pessoas desconhecidas. Pressiono a mão no
ferimento maior do abdome, para garantir que vai melhorar o sangramento, e
levanto a cabeça lentamente para tentar espiar.

Mordo os lábios para não gritar ao enxergar um deles entrando na sala
com uma arma enorme. O cara está com uma camiseta preta escrita “Não às
aberrações!”. É impossível não ler pela cor neon da frase. O capuz na cabeça não
me deixa ver o rosto. Puxo a perna da Amber para trás do sofá e me agarro a ela
para fazer o mínimo de barulho possível.

Meu coração bate tão depressa que tenho medo de nos denunciar.

De repente, mais tiros são disparados e outras vozes se juntam no
ambiente. A imagem das balas se afundando na parede bem na minha frente não
ajuda em nada a me manter calma.

— Nós não vamos morrer, amiga, eu juro. Vamos sair dessa — prometo
baixinho para Amber e para mim também.

Isso não pode acabar assim. Não pode!

Preciso ter fé neste momento, é a única coisa que me resta porque não há
como sair daqui até que tudo isso acabe. Abraço minha amiga, sem deixar de
pressionar seu ferimento, e rezo em silêncio para Thomas e Jimmy já terem
chegado à biblioteca em segurança.

— Plano B! — Seguro a respiração quando o tom rude atravessa meus
ouvidos. Está mais perto, completamente dentro da sala. — Jogue as granadas e
recue! Recue agora! Temos que ir.

Grana...

Não tenho tempo para reagir quando a fumaça atinge meus pulmões e o
ruído alto parece estourar meus tímpanos. Vejo a parede ao meu lado balançar e
a minha última reação é subir em cima da Amber e protegê-la com meu próprio
corpo.

Dor. Dilacerante.

Falta de ar. Sufocante.

Escuridão.

— Porra, Stack! Que merda aconteceu que seus homens agiram antes
da hora? — esbravejo ao telefone, assim que ele atende.

Na TV, imagens mostram o Corpo de Bombeiros, a polícia e os
socorristas dentro da propriedade do Wright retirando corpos em macas.

Corpos ainda com vida! Eu queria era o saco preto e equipes do
necrotério.

Estou vendo o caralho do Dylan em close bem neste momento. Em pé,
andando com apenas arranhões na pele.

— Foi aquele merda do Davis! Meus homens que conseguiram fugir
disseram que ele percebeu uma movimentação suspeita na van dos câmeras e
começou a gritar. Ia chamar muita atenção, não dava para esperar.

— Pelo menos o filho da puta morreu? — Passo a mão no cabelo,
irritado.

— Alvo alvejado, recebeu mais furo que queijo suíço.

Dizem que a vingança é um prato que se come frio. Eu não tive pressa
para destruir esse traidor aos poucos. Primeiro acabei com a sua imagem, virei o
jogo a meu favor à sua custa e agora aniquilei sua vida.

E o melhor de tudo é saber que usei a mesma tática que ele.

Aproveitando do seu laço antigo de amizade com James, arquitetei um
plano para que Oliver aparecesse lá na casa, fingindo ter sido atacado no mesmo
modus operandi que agi contra a jornalistazinha no assalto falso.

Eu imaginei que iriam revistá-lo e que ninguém acreditaria 100% nele,
por isso, o abasteci com um monte de informações que sei que o FBI já tem
sobre nós, porém, estão estagnadas sem provas. Ele fingiu estar colaborando e
com interesse de ser informante apenas para nos dar o tempo necessário até o
plano de hoje.

Queria todo mundo com a guarda baixa, pensando que iria nos pegar.

Desde que Wright conseguiu aprovar o projeto para não gerar
aglomeração ao redor da casa, é muito difícil se aproximar sem levantar
suspeitas. Eu precisava de alguém minimamente atrativo para adentrar. Oliver
foi orientado a ir especificamente na guarita. Enquanto os seguranças atendiam a
um moribundo solitário, que não apresentava perigo, o homem sorrateiramente
deixou uma escuta discreta e de última geração no local.

Eu não precisava saber o que aqueles inúteis discutiam dentro da casa,
mas eu precisava muito saber da rotina dos seguranças e dos agentes do FBI que
faziam a ronda e viviam passando pela guarita.

Convencer Oliver nem foi difícil, a tática do medo funcionou na primeira
tentativa. Descobrimos que ele tinha um caso de sete anos com uma das nossas
químicas, a Turner, que chegou a ajudar Montemor nas pesquisas. Eles até que
fingiram bem dentro da empresa, só que não tem nada que meus investigadores
não descobrem quando preciso.

Ameaçar o seu ponto fraco foi crucial para fazê-lo aceitar qualquer coisa
que eu quisesse.

— Algum homem seu foi pego? — Sento-me no sofá e a minha irmã
entrega um copo de uísque na minha mão.

— Eu te falei que eram os melhores veteranos, são profissionais de elite.
— Ele ri na linha, orgulhoso. — Todos saíram pelos fundos do lago como
planejamos, os dois que ficaram estão mortos. Nosso saldo deve ter sido uns 20
contra 2, fora os que estão entre a vida e a morte indo para o hospital.

— Agora é torcer para pelo menos uns três experimentos estarem nessa
lista aí, junto com aquela jornalista enxerida e a Elisa.

Passamos os últimos dias ouvindo meticulosamente todas as conversas
dos seguranças para traçar o nosso plano de ataque. Oliver confirmou uma
suspeita que já tinha de que a casa era muito grande por dentro e com vários
quartos, facilitando possíveis fugas. Rico e influente como Wright é, também
podia apostar que haveria um cômodo secreto em algum lugar.

A melhor estratégia era pegá-los todos de surpresa na parte da frente da
casa. Se uma equipe entrasse pela portaria e a outra pelo lago não teriam para
onde fugir antes de serem alvejados.

Foi aí que tivemos a ideia de acionar um de nossos contatos na Casa
Branca, que trabalha diretamente na equipe de comunicação do presidente. Foi o
garoto quem sugeriu uma coletiva de imprensa sobre os avanços na pesquisa
universitária e a participação dos experimentos para garantir que estava tudo
bem com eles.

Com a ajuda do nosso contato, nos infiltramos na van dos câmeras e
entramos com grande parte do arsenal militar em um fundo falso do carro. Ele
convenceu o presidente que seria mais fácil contratar uma equipe local de
Chicago ao invés de levar uma de Washington apenas para gravar alguns
minutos.

O horário da coletiva foi pensado para cair bem no período de troca de
turno dos agentes do FBI na ronda e a van se atrasou de propósito alguns
minutos do combinado, só para chegar alegando congestionamento no trânsito e
emergência em atender ao presidente.

Com pressa e na troca de turno, não iriam perceber o fundo falso das
armas. Todo mundo tem medo do presidente dos Estados Unidos. É por isso que
quero ser um.

Tínhamos em mente um plano A, um plano B, um C e até um D. Eu
preferia que a porra do James não tivesse estragado a minha primeira opção de
dizimar todos de uma vez no jardim, mas infelizmente não foi possível.

Desligo a chamada com Stack justo quando o presidente aparece na tela
da televisão fazendo um pronunciamento. Pego o controle para aumentar e
acompanhar de camarote sua voz tentando soar firme — no entanto,
completamente desesperada –— de que não medirá esforços para punir os
responsáveis pelo ataque.

Como bom político eleitoreiro, não deixa de mencionar a pesquisa,
mesmo assim, e afirma que não irão desistir de salvar as pessoas. Coitado, pode
sonhar, por enquanto! Esse estudo com viés universitário não vai longe.

— Será que o ataque contra Elisa e James, aquele dia no fórum; o blog;
as constantes ameaças nas redes sociais e as manifestações recentes vão ser o
suficiente para acreditarem que essa chacina foi coisa dos grupos de ódio? —
Madelyn questiona e noto um vislumbre de medo nos seus olhos.

— É claro que vão, pensamos em cada detalhe, fechamos todas as pontas
soltas. O que é isso, minha irmã?! Está com medo a essa altura do campeonato?

— Eu... eu... — Noto sua garganta se mexer e seus olhos fitarem o chão.
— Eu tive um pesadelo horrível essa noite, não estou com um bom
pressentimento.

— Você está de brincadeira, né? — Encaro-a de cima a baixo, com
desdém. — Está com medo por causa da droga de um sonho?

— É sério, John, estou preocupada. — Ao contrário do que sempre faz,
ela desalinha seu terninho ao invés de alinhar e caminha até a sacada do
apartamento para tomar um pouco de ar. — O pesadelo começou naquele dia que
discutimos com Peter sobre os testes mais agressivos que queríamos fazer com o
Dylan e ele jogou tudo para o ar, gritando a plenos pulmões que jamais aceitaria
e que iria embora. O garotinho tinha só três anos, é claro que um pai não ia
aceitar seu filho único ser feito de cobaia.

— Sem esses testes, nunca teríamos chegado até aqui, Scott! — digo,
sem paciência. — Não comece com crise de consciência agora, eu não esperava
isso de você. Matamos o Peter porque tínhamos que matar para avançar nas
pesquisas. Simples assim, foi um efeito colateral necessário.

— No pesadelo, o Peter ficava gargalhando igual a um louco e jogava
vários papéis na minha cara. Algumas eram as fichas dos garotos que temos
acompanhado com a mutação à distância. — Esfrego o rosto, cansado dessa
historinha de merda. — Sei lá, pareceu um sinal de que vai acontecer algo ruim.
Você sabe que não sou medrosa, só que desta vez me assustou. Deveríamos
voltar a pensar naquela nossa rota de fuga.

— Madelyn, eu só desistiria de tudo se uma bomba gigante explodisse no
nosso colo e não houvesse mais chance de reverter. Você sabe qual a
probabilidade de isso acontecer? 1%. 1% e olhe lá!

Depois que estávamos com Dylan no laboratório, surgiu a necessidade de
expandir as pesquisas e avaliar diferentes organismos. O primeiro passo foi
acionar a Globalmed para nos ajudar a ter acesso a dados médicos de milhares de
americanos — tanto por seus medicamentos como pelas clínicas e hospitais que
é parceira — a fim de tentar achar outros com o fenótipo Bombaim.

Apareceram poucos resultados na nossa busca por ser um sangue raro,
dentre eles, a Rachel que foi uma experiência ruim. Como não podíamos
começar a matar pessoas por engano e levantar suspeitas, desmembramos a
mutação do Dylan para o erro com ela não se repetir.

Descobrimos, por exemplo, que a mutação estava ligada ao cromossomo
Y e que os componentes dos glóbulos brancos (neutrófilos, eosinófilos,
basófilos, linfócitos e monócitos) repetiam sempre, sem exceção, os mesmos
números em vários testes de hemograma, mesmo quando o organismo estava no
ápice do combate a uma infecção. Os anticorpos potentes gerados pela mutação
para eliminar o intruso permaneciam fantasmas no corpo, sem chamar atenção
em exames.

As alterações no organismo, como a temperatura elevada e a força, só
começaram a aparecer depois de uma sucessão de testes no subsolo.
Basicamente, fomos nós que estimulamos, não nasce com a pessoa. Por isso, é
fácil os outros Bombaim com a mutação ficarem camuflados na sociedade. Eles
não andam por aí com poderes exóticos, nem exibindo milhares de anticorpos
em exames.

Levanto-me do sofá e vou até o bar ao lado da cozinha encher mais meu
copo de uísque.

Como a lista inicial de quem tinha o fenótipo raro não atingiu nosso
objetivo, começamos a usar esse parâmetro descoberto para procurar pessoas
que poderiam ter sido diagnosticadas erroneamente com o falso O. Quando o
paciente era homem e apresentava todos os componentes dos glóbulos brancos
iguais em mais de dois exames da sua ficha, nós mexíamos os nossos pauzinhos
de forma criativa para fazer a aglutinação e confirmar.

As primeiras pessoas que deram positivo eram mais velhas e com vínculo
social desenvolvido, dificultando a nossa ação de forma segura. Elas não iriam
cair na nossa lavagem cerebral e ficar trancafiadas em um subsolo. Inventamos a
desculpa para James e companhia, que o objetivo era não expor o projeto antes
da hora por causa dos vínculos familiares deles, mas a verdade era apenas
porque adultos não são manipuláveis aos nossos objetivos.

Decidimos apenas vigiá-los de longe e, ao longo dos anos, até
descobrimos que duas mulheres com cromossomos XY possuem a mutação —
não é exclusivo de homens. Somente eu, minha irmã, Russell e Patterson
sabemos quem são os demais e ficará assim até que nosso produto possa ser
comercializado.

Diante desse problema com adultos, decidimos agir com bebês, porque
desde o nascimento seria fácil manter o controle do que fazê-los acreditar. O fato
de o sangue Bombaim ser divulgado no meio científico como comum em áreas
pobres da Índia, com muitos casos de relacionamentos consanguíneos, foi a
desculpa perfeita que tínhamos para criar uma história de órfãos de famílias
desestruturadas.

Embora Russell já tenha descoberto que no caso da mutação não tem
nada a ver com isso, o que precisamos é do mundo pensando o contrário. Só
Ethan realmente é órfão, Thomas, Jimmy e Matthew sequer têm esses nomes de
verdade.

Ethan foi espancado e abandonado em uma lixeira. Como ficou vários
dias internado, o médico responsável percebeu que seu organismo estava
reagindo muito rápido. A novidade chegou aos nossos ouvidos, comprovamos a
mutação e conseguimos sua tutela com a mesma desculpa que usamos para
Dylan. Ele é o único que o papel da guarda não é falsificado com muito dinheiro
e contatos envolvidos.

Thomas e Matthew tiveram o azar de nascer justo em uma das dezenas
de hospitais que a Globalmed é parceira, facilitando a nossa identificação da
mutação e o roubo na maternidade.

Já Jimmy chegou um pouco mais velho, com quatro meses, depois de ter
sido sequestrado da babá, quando identificamos o fenótipo por causa de um
exame de DNA que a mãe fez para descobrir a paternidade da criança.

Ter uma parceira multinacional gigante fez toda a diferença, sem ela não
teríamos como conseguir esses meninos.

Por serem limpos e sem um passado que os condena, é que planejamos
que apenas Dylan e Ethan sairiam primeiro do subsolo. Também não tem nada a
ver com a história que falamos para o James sobre os dois terem poderes
diferentes no organismo ativado.

Sabíamos que o produto teria apelo mundial de cobertura e não
queríamos dor de cabeça à toa. Quando começássemos a divulgar outras pessoas,
os demais que foram roubados entrariam no meio sem tantos holofotes.

O zelo não serviu para nada quando o defunto nos apunhalou pelas costas
e jogou os cinco no mundo. Agora tenho que ficar ainda mais atento para
garantir que a identidade deles nunca seja descoberta. Escolhemos de propósito
dois orfanatos que já estavam fechados para burlar os documentos e o outro
precisou ser no suborno para não ficar suspeito apenas o do caçula estar aberto
até hoje.

Além dos pagamentos em dia, fico de olho se aparece compatibilidade do
material genético dos três roubados em bancos da polícia, públicos e de
empresas privadas que temos contato. Não quero surpresas com familiares sendo
descobertos de repente.

O DNA da família do Jimmy, da época da verificação de paternidade,
sumiu das buscas há anos para não ser ligado jamais a ele agora. Sempre damos
o nosso jeitinho, mas é cansativo.

Por isso, ansiava tanto pela chacina dessa manhã. Ainda prefiro todos
mortos para ter um pouco de paz e me concentrar no que realmente importa.



Pisco várias vezes, tentando acostumar meus olhos com a claridade
ofuscante. Paredes brancas entram no meu campo de visão e noto minhas pernas
imobilizadas em cima de uma maca. Inspiro fundo ao escutar o bipe comum dos
hospitais e viro a cabeça lentamente para constatar o monitor de sinais vitais ao
meu lado.

Tiros.

Explosão.

Sangue.

Am...

Meus batimentos cardíacos aumentam preenchendo a sala com o barulho
alto do aparelho. Movo-me na cama, desesperada por ar. Tudo o que aconteceu
na invasão da casa volta à minha mente ao mesmo tempo.

— Calma, meu amor. Respire fundo, eu estou aqui. Você está no hospital,
foi sedada nas últimas horas para se recuperar.

Lágrimas escorrem pelo meu rosto sem controle, quando sinto uma mão
segurar a minha e uma cabeça se levantar depressa do colchão. Fito Dylan
debruçado na cama, com os olhos inchados e ainda menores, olheiras profundas
e vários arranhões pela pele..., mas está vivo!

Meu Dylan está vivo.

Uma enfermeira aparece imediatamente na porta para conferir o motivo
do monitor ter aumentado, mas eu aceno com a mão para dizer que estou bem.

— Qualquer coisa, é só acionar o botão ao lado da cama que eu venho
em seguida.

Agradeço e volto a observar Dylan. Só quero um minuto a sós com ele,
preciso... eu...

— Amber... — Inspiro e expiro, tentando manter a calma. — Amber,
James e os meninos? Todos estão... todos...

— Amor, eu preciso que você se acalme primeiro.

— Por favor, não minta pra mim. Eu preciso... preciso saber.

Dylan não responde de imediato. Esfrega a mão no seu rosto cansado e
desvia o olhar para o chão.

— James não resistiu. — Tapo a boca com a mão, sentindo meu peito se
apertar e o choro vir com mais intensidade. — Ethan e Matthew saíram ilesos;
Jimmy levou um tiro na perna e quebrou um braço, mas está bem; Thomas
sofreu um corte profundo nas costas, está estável. Amber é... Amber...

Meus ombros se mexem sem controle antes mesmo de terminar de falar e
meu corpo se inclina para frente. Os soluços entrecortados reverberam pelas
paredes brancas do quarto.

— Me fale... por favor.

— Ela está... em coma. — Ele me abraça forte e leva minha cabeça até
seu peito, afagando meu cabelo.

— Co... coma? — A dor é tão dilacerante que sinto como se alguém
abrisse meu peito e espremesse os órgãos entre seus dedos. — Mas é... é muito
grave? Ela vai... ela vai sobr...

Não consigo concluir a frase. Uma culpa enorme se apossa de mim, pois
nem era para Amber estar naquela casa.

Eu a chamei. Eu pedi. Ela está nisso desde o começo porque eu a
envolvi.

Dylan me aperta mais forte e deixa um beijo na minha testa, chorando
junto comigo.

— Eu sinto muito, meu amor.

— Ela vai... ela vai... sobre... sobreviver? — Tomo coragem para
perguntar entre um soluço e outro.

— Seus ferimentos foram muito graves, os médicos ainda não sabem.

— Meu Deus! É tudo culpa minha. Minha! Minha! Minha! — Bato na
minha cabeça, chacoalhando o corpo para tentar acordar desse pesadelo.

Isso não pode estar acontecendo. Não pode. Amber é tão boa, tão
inteligente, tão linda, tão nova... tinha tantos sonhos. E se ela nunca conseguir
trabalhar no New York Times?

Tento lembrar qual foi a última coisa que eu disse para ela e minha
cabeça começa a latejar. Eu falei “sim, senhor, capitão!”... Eu fiz a merda de uma
brincadeira idiota... eu não... eu não disse que a amava. Não falei como é
importante para mim.

Agarro a pele na altura do meu peito, fincando minhas próprias unhas no
local. Faço força para que a dor física seja maior do que a tristeza que me
consome por dentro.

— Elisa, olhe aqui para mim. Elisa! — Dylan segura meu rosto com as
duas mãos e me faz encará-lo. Seus olhos estão ainda mais vermelhos, eu sei que
está sofrendo também. — Meu amor, a culpa não é sua. Nunca mais repita isso!
Se não fosse por sua causa, ela já estaria morta. Nem teria uma chance. Você a
salvou quando estancou o sangue. Você a salvou quando se jogou em cima dela e
amorteceu a queda de destroços da parede com seu próprio corpo. Você quebrou
as duas pernas fazendo isso, Elisa. Você fez tudo que podia, por favor, não se
culpe.

Olho para as pernas imobilizadas, mas elas não ajudam em nada a me
sentir melhor. Se pudesse trocar de lugar com Amber, eu faria sem nem pensar.

— Eu não consigo tirar a culpa daqui. — Minha voz sai rouca e baixa
pelo choro que não cessa quando aponto para o coração. — Eu a coloqu...

— Ela é minha filha! — Paro de me mexer e de falar ao ouvir o tom
autoritário que tanto me faz mal em um inglês cheio de sotaque. — Eu vou vê-la
agora, você que não ouse ficar na minha frente.

— Acalme-se, mãe!

Não. Não. Não.

A última coisa que eu preciso é de Madalena. Nem escutar o tom
apaziguador da Ingrid me deixa aliviada.

Antes que eu possa raciocinar o que está acontecendo, as duas e a
enfermeira que veio há pouco aparecem na porta.

— A sua mãe insiste em vê-la, senhorita Montemor. Tudo bem? — Fico
tão paralisada que minha boca não consegue gritar o grande “não” que tenho
vontade.

Ao invés de mandá-la embora, apenas aceno em concordância como a
boa idiota que sou. De maquiagem perfeita, cabelos alisados e corpo impecável,
Madalena só espera a mulher virar as costas para começar a me atacar.

— Isso tudo é culpa sua, Elisa! — Fecho os olhos e engulo em seco
quando a frase que estava reverberando na minha cabeça sai da sua boca. —
Quantas vezes eu te falei para voltar ao Brasil e parar de querer aparecer?
Quantas?

— Mãe, pare com isso, Elisa não precisa de sermão a essa hora. —
Minha irmã me observa com carinho e segura o braço de Madalena, tentando
afastá-la da cama.

Dylan se levanta do banco que estava sentado e leva meu corpo para
mais próximo dele. Embora não esteja entendendo uma palavra do português, ele
com certeza percebeu pela entonação que algo bom não é.

— Eu não mandei você vir comigo, Ingrid, esse assunto é entre sua irmã
e eu. Estou cansada dessa palhaçada. — É a primeira vez que presencio a minha
mãe tão estourada na frente da minha irmã. Ela geralmente disfarça muito bem
seus rompantes. — Vou providenciar a papelada e você vai voltar com a gente,
chega de ver seu rosto gordo na televisão. Se estava insistindo tanto para ficar
aqui por causa desse gostosão de guarda-costas aí do seu lado, não seja ridícula e
cresça! Na primeira oportunidade de ficar livre daquela casa, ele vai encontrar
uma bem mais bonita que você.

Acompanho em câmera lenta Ingrid ficar branca e sem reação com as
palavras duras, que estou tão acostumada a ouvir, e meu peito se fechar
impossibilitando completamente a passagem de ar.

Dylan percebe no mesmo instante e se inclina para segurar a minha mão.

— Inspira, expira. Inspira, expira — ele repete o mais calmo que
consegue várias vezes, imitando os movimentos.

— Ela está fazendo drama, isso é o seu showzinho pra ganhar atenção.

O erro da Madalena é dizer essas palavras em inglês. Ciente do conteúdo,
Dylan se transforma em um touro bravo e desgovernado. Eu já o tinha visto fofo,
preocupado, e surpreso de formas intensas, mas nada se compara quando fica
com raiva.

As veias naturalmente saltadas aparentam querer explodir da sua pele e a
força com que fecha os dedos em punho faz parecer que pode quebrá-los.

— Saia deste quarto agora ou eu não respondo por mim — ordena, dando
um passo para o lado.

— Eu sou mãe dela, não vou sair coisa nenhuma!

— Eu não faço a mínima questão de saber quem você é, senhora. Não
tem uma vez que ligou, mandou mensagem ou falou com Elisa que não a deixou
nesse estado. Eu não tenho mais mãe, mas tenho convicção de que é muito
melhor não ter nenhuma a ter alguém como você.

Engulo em seco, sentindo meus pulmões voltarem a funcionar e meu
peito se encher de gratidão pelas palavras dele. Palavras essas que nunca
consegui dizer, mas deveria ter dito. A terapeuta estava certa: existem pais
tóxicos que nunca vão mudar e sempre irão atrapalhar a vida dos seus filhos.

— Escute aqui, rapa...

— Saia da porra deste quarto agora, Madalena! — A voz de Ingrid vem
raivosa como nunca tinha ouvido antes. — Saia senão eu mesma vou arrancar
você daqui pelos cabelos.

Com fúria no olhar, ela encara o dedo apontado para a porta e ainda me
olha mais uma vez. Tenho convicção de que só vai mesmo porque já deu show o
suficiente para um dia e exposição é a última coisa que quer.

— Eu largo mão de você, Elisa. Quer se ferrar, vá com gosto para o
fundo do poço.

Minha irmã abre a boca para discutir mais uma vez, no entanto, eu
levanto a mão e peço para que não perca tempo com discussões. Não vai
adiantar nada, conheço muito bem a peça.

Dylan volta a se sentar no banco e acaricia meu cabelo, deixando um
beijo na minha bochecha. Sua temperatura está fervendo. Acaricio sua barba e
sem precisar dizer nada sei que entende meu agradecimento pelo que fez.

— Elisa, me perdoa por nunca ter percebido que a relação era tóxica
nesse nível. — Ingrid vem afoita se sentar na beira da maca e pega a minha mão
livre. — Meu Deus, como fui cega! Por que nunca contou que ela te tratava
desse jeito absurdo? Eu pensava que tinham algumas implicâncias pelas
personalidades diferentes.

Seus olhos azuis me fitam em desespero e cheios de lágrimas. Aperto a
mão da minha irmã de volta e faço um carinho na pele macia.

— Eu acho que eu tinha medo de admitir em voz alta para outra pessoa
— respondo, sincera, permitindo que mais lágrimas caiam. — Dizer em voz alta
torna real. No fundo, eu sempre tentei fingir que ia passar, que ficaria tudo bem.

Agora a dor de tudo que está acontecendo está mais forte do que a dor de
confessar essas palavras, mas eu sei que terei ainda o meu momento de luto e
aceitação pelo fim do relacionamento com a minha mãe.

Preciso dar um basta nisso de vez.

— Me perdoe! Por favor, me perdoe por não ter enxergado! Não quero
que isso estrague a nossa relação.

— Jamais vai estragar, Ingrid! Você sempre foi e vai continuar sendo
minha verdadeira família. Eu te amo demais.

Quando ela me puxa para si em um abraço emocionado, o choro vem
ainda mais forte e aperta meu peito.

Amber...

Ela também é minha família. Espero que ainda tenha a chance de dizer o
quanto a amo.

Fecharam uma ala do hospital para atender exclusivamente os feridos
do ataque. Todo o perímetro está cercado por policiais e apenas pessoas
autorizadas podem entrar. É triste ver a quantidade de quartos ocupados e mais
ainda quando o bipe irritante para de soar e dá lugar ao barulho contínuo no
monitor.

Além de perder nosso querido James, que tanto se esforçou para se
redimir do que acreditou a vida inteira, muitos seguranças e agentes do FBI
também partiram.

Esfrego a mão no peito, tentando acalmar a agitação que não cessa desde
que ouvi os primeiros tiros ontem. Entre deixar Matthew e Ethan em segurança
na biblioteca e voltar para resgatar Elisa e os outros, pensei que fosse entrar em
colapso.

Qualquer medo que eu tenha sentido antes não chegou nem perto da real
iminência de perigo que aquele cenário trouxe. Foi sorte eu estar próximo da sala
quando jogaram a última granada e a parede perto da minha garota cedeu.

Se eu... se eu não estivesse ali para arrancar os destroços de cima dela em
tempo recorde, quebrar as pernas poderia ter sido o menor dos problemas.

Balanço a cabeça, não conseguindo sequer imaginar como seria perdê-la.
Se eu pudesse protegê-la de tudo e de todos, se pudesse nunca mais sair do seu
lado, com certeza faria.

Meu coração ainda está acelerado de raiva daquela mulher que se diz sua
mãe. Não faço ideia de como uma pessoa tão incrível nasceu de um ser
desprezível daquele. Não bastasse suas feridas e a dor pelas notícias de James e
Amber, Elisa ainda teve que aguentar seu desprezo.

Não precisei entender a conversa toda para saber que aquilo era ruim, a
postura da Elisa dentro de casa toda vez que tinha contato com a sua mãe me
dizia tudo que eu precisava saber.

— Será que vão demorar para nos deixar entrar de novo? — Emma
pergunta, sentada ao meu lado.

— Eles falaram que uma meia hora até terminar de fazer a higiene. Odeio
ter sido obrigado a sair também.

Uma de suas mãos está fazendo carinho na cabeça do Ethan, que acabou
caindo no sono deitado no banco, e a outra castiga as suas unhas. Ela já roeu
todas. Seu rosto outrora maquiado agora está borrado pelo choro.

Estamos em um corredor sem acesso aos familiares dos demais feridos
no ataque. Eles foram direcionados para outro lugar a fim de não acontecer o
mesmo tumulto de mais cedo com a mãe da Elisa.

Ingrid foi autorizada a ficar, só não está aqui agora porque precisou fazer
umas ligações de trabalho. Ela vai cancelar tudo e permanecer nos Estados
Unidos até a irmã receber alta. Lamento tê-la conhecido em uma situação tão
drástica.

Todos nós estamos revezando a visita aos quartos de Thomas, Jimmy e
Elisa. Amber está em uma sala de cuidados intensivos no momento e lá não pode
receber ninguém até seu quadro ser estabilizado.

Para ajudar na recuperação dos que estão mais feridos, nós três que
estamos bem fizemos doação de plasma. Amber, inclusive, recebeu uma
aplicação diretamente nos seus ferimentos em uma técnica nova para estimular o
organismo à regeneração orgânica das lesões e das terminações nervosas
afetadas.

Observo Matthew retornando em nossa direção e me levanto para saber
notícias. Ele foi verificar o estado de saúde da senhora Moore, professora da
Elisa e amiga antiga do James. A mulher chegou de um congresso em outro
estado e veio direto para o hospital. Estava conosco quando recebeu a
confirmação da morte do Davis e desmaiou.

— Ela melhorou?

— A enfermeira me disse que teve uma queda de pressão, por isso,
desmaiou. — Matthew também está com olheiras profundas como eu, o
semblante abatido. — Agora foi sedada porque estava chorando muito e ficou
com falta de ar. Ela está em negação sobre a morte do James, disse que ele era o
amor da sua vida e nunca pôde viver plenamente isso. O tempo passou e os dois
seguiram caminhos diferentes.

Meu peito acelera ao pensar na minha garota e algo parecido acontecer.
Eu não... eu não... Inspiro fundo, com medo de como será o futuro. Não temos
mais um lugar seguro para ficar, Amber ainda corre sérios riscos, não sei como
vai ficar o psicológico da Elisa.

— Vocês estão aí! — A voz agitada de Schumer nos faz olhar para trás.

O agente do FBI vem correndo e esbaforido na nossa direção. Antes que
meu coração possa acelerar com receio de outra coisa ruim ter ocorrido, ele
começa a falar sem parar.

— Achamos! Achamos uma coisa no comparativo do material genético,
minha equipe acabou de me avisar. Meu Deus, vocês não vão acreditar. Eu
jamais teria encontrado se não pedisse liberação para verificar os arquivos não
oficiais também. Os que não estão listados no banco da polícia.

— Do que você está falando, Schumer? — Matthew pergunta, sem
entender nada, assim como eu.

— O material genético seu é compatível com o material genético da
Emma — afirma, eufórico, e eu preciso piscar várias vezes para ver se entendi
direito. — Vocês provavelmente são primos.

— O quê? — Emma coloca a cabeça do Ethan no banco com cuidado e
se junta a nós, pálida.

— Você tem uma tia de Indiana que se casou com seu tio que era de
Ohio, certo? A sua tia é irmã da sua mãe e se distanciou da família quando o
conheceu porque não aceitavam que fosse preto e pobre. — Ela balança a cabeça
concordando, ainda completamente chocada. — Os dois tiveram o primeiro filho
roubado da maternidade há 16 anos, certo?

Olho para Matthew e ele também está pálido, tentando acompanhar a
linha de raciocínio dos fatos.

— Meu Deus, isso é real? É possível? Matthew é o filho roubado da
minha tia? — Emma cobre o rosto com as mãos e não consegue controlar as
lágrimas de voltarem a descer. — Ela e meu tio são pessoas incríveis, a única
parte da família que faço questão de manter contato. Meus pais são podres de
ricos e nem ligaram para ajudar nas buscas quando o bebê foi roubado da
maternidade. Eu era pequena, não me lembro de muita coisa.

— Quando uma pessoa está desaparecida, os dados genéticos são
cadastrados no sistema também para facilitar a busca — Schumer explica e eu
tento respirar fundo, porque uma suposição horrível sobre meu pai paira na
minha mente. — Dos seus tios não estavam lá, aqueles filhos da puta estavam
controlando até os bancos da polícia! A mesma coisa deve ter acontecido com os
meninos, todos podem ter sido arrancados das suas famílias. Só chegamos a isso
porque você tem seus dados arquivados em um processo de Las Vegas.

— Depois que eu saí da casa dos meus pais, consegui uma identidade
falsa para parecer mais velha e fui morar lá de pirraça, a fim de começar a dançar
em um clube famoso da cidade. Eu era jovem e rebelde, queria confrontá-los
porque não apoiavam o meu sonho. — Emma estica a mão para Matthew e
entrelaça seus dedos ao dele em meio ao choro. — O clube tinha várias áreas
temáticas. Eu não fazia programa, só dançava mesmo, o problema é que acabei
me metendo com um cara louco que era braço direito do dono. Ele ficou
obcecado em mim, me perseguia para todos os lados. Eu tinha medo até de
respirar errado. Por isso, quando Elisa me contou que estava sentindo que era
vigiada, eu fui a primeira a acreditar que não era coisa da cabeça dela. As
meninas nem sabem desse meu passado, eu escondo a sete chaves e finjo que
não aconteceu. Saí de lá e vim ficar, a quilômetros de distância.

— Por que você não levou o caso de estupro adiante e pediu para
arquivar seus dados?

— Porque eu só queria ir embora e recomeçar longe daquele caos —
responde, sincera, e novas lágrimas mancham seu rosto de preto. — Assim que
percebi que a boate era cheia de negócios escusos, fiquei desesperada. Fiz
amizade com outra dançarina, que estava de informante da polícia há alguns
meses, e ela acabou me convencendo a ajudar para ficarmos livres o mais rápido
possível. Estava tendo relações íntimas com o braço direito e o cara era
fundamental para desmantelar a rede de tráfico de drogas no local. Por semanas,
aguentei firme e recolhi o máximo de informações possíveis sobre ele e sua
rotina. Como estava obcecado, o homem me levava para todo canto, não me
largava por nada. Conseguiram prendê-lo em flagrante com outros membros
importantes do negócio. Um dia antes da operação, bêbado e completamente
drogado, ele me estuprou como sempre fazia quando ficava assim, mas
sinceramente eu não queria ter que ficar lá e fazer justiça por isso. Estava
emocionalmente esgotada. A polícia ignorou minha identidade falsa e concordou
com meu pedido devido à ajuda crucial que forneci.

— Sinto muito por tudo, Emma.

— Obrigada. Nem acredito que por causa de um episódio tão ruim do
meu passado, algo maravilhoso está acontecendo, anos depois. — Ela encara
Matthew, que a essa altura também está chorando, e o abraça apertado. — Você
herdou o amor pelo basquete do meu tio, ele e minha tia vão explodir de alegria
quando souberem que o filho deles está vivo e bem. Que é um garoto tão
especial como você.

Eu estou muito feliz pelos dois, por Matthew descobrir que tem uma
família viva, mas ao mesmo tempo um aperto insuportável está sufocando meu
peito.

Meu pai.

Se eles tiveram coragem de roubar uma criança da maternidade, eles
podem... eles podem...

— Schumer, você acha que a Bioimmune pode ter matado meu pai? —
Tomo coragem para fazer a pergunta em voz alta.

O semblante cabisbaixo e triste que os três me observam me responde
antes mesmo de o agente do FBI abrir a boca. Fecho os olhos, revivendo os
gritos e os papéis sendo jogados para o alto naquela cena torturante.

A garganta fecha e as batidas do coração reverberam em cada canto do
meu corpo.

A minha vida... toda minha vida... é de fato uma mentira.

Acompanho atentamente ao noticiário da TV, que reprisa um
pronunciamento do presidente sobre os desdobramentos do ataque na casa do
senador Wright. A polícia desconfia que o grupo que invadiu a residência é de
ex-militares por causa da quantidade de armas bélicas que foram usadas e a
qualidade do planejamento feito. Acharam uma escuta supermoderna na guarita,
em que todas as informações de segurança eram trocadas. Acreditamos que foi
colada no dia que o traíra do Oliver nos visitou, pois está foragido no momento.

Os filhos da puta nos pegaram da mesma forma que os pegamos.

Um membro da Casa Branca foi afastado do cargo e está sendo
investigado por suspeita de facilitar a ação dos criminosos; outros militares com
ligação no governo também estão na mira do FBI. O presidente contou em rede
nacional sobre a descoberta do material genético de Matthew e Emma e
convocou a todos que possuem crianças desaparecidas na família para coletarem
novamente amostras porque serão reavaliadas.

E eu pensava que essa história da Bioimmune não podia ficar pior. Que
tola!

Ainda mal posso acreditar que roubaram uma criança da maternidade. O
primo da Emma! Quando ela descobriu que eu tinha sofrido um aborto, contou
sobre a dor da sua tia e o processo de luta por respostas, mas jamais imaginei
que o destino poderia dar essa reviravolta.

Eles chegaram a Chicago ontem e fizeram o teste de paternidade, que foi
solicitado com urgência e deve sair no máximo amanhã à tarde. Embora sem os
resultados oficiais, minha amiga e seus tios não têm nenhuma dúvida de que vai
dar positivo.

Estou muito feliz por eles se reencontrarem agora, no entanto, ao mesmo
tempo fico furiosa porque ainda tem muita coisa para ser resolvida. Uma delas é
a emboscada para o pai do Dylan.

Desvio a atenção da televisão e faço um carinho na sua barba. Ele está
sentado na cadeira ao lado, com metade do tronco na maca para me abraçar.
Dylan sorri para mim, só que é um sorriso triste demais agora que descobriu que
Peter pode ter sido assassinado pelas próprias pessoas que alegaram que o
estavam protegendo.

Eu não consigo nem imaginar como deve ser doloroso constatar que toda
sua vida foi manipulada. O pior é que me sinto um lixo para sequer consolá-lo
como merece. Estamos os dois quebrados e perdidos no meio disso tudo.

Minha cabeça só pensa na Amber em coma, na morte do James e em
todos os problemas em aberto no caso e na minha vida pessoal.

— Eu vou na cantina comer alguma coisa, tá bom, Eli? — Ingrid se
levanta do sofá que tem no canto do quarto e vem deixar um beijo na minha
bochecha. — Já, já estou de volta. Vocês querem alguma coisa? Posso trazer um
lanche pra você, Dylan.

— Não estou com fome, obrigado — responde, cabisbaixo.

Abro a boca para dizer que quero um chocolate, mas estou tão
desanimada que nem a compulsão alimentar consegue preencher o meu vazio
como costuma fazer. Aceno em negativa e a acompanho sair pela porta.

Estou aliviada de ter conseguido conversar e contar tudo que passei
desde a infância. Significa muito para mim a sua compreensão e apoio, pois
pretendo cortar relações de uma vez por todas com meus pais. Eu preciso disso.

Mal Ingrid sai, Schumer entra sério demais para o meu gosto no quarto.
Ajeito a postura na cama e Dylan faz o mesmo ao perceber o semblante do
agente do FBI.

— O que foi desta vez? — questiono, sem rodeios.

— Ontem, depois do pronunciamento do presidente na TV, uma equipe
de Massachusetts me ligou alegando que tinha um homem no escritório deles
com informações reveladoras. — Schumer esfrega os olhos, cansado como nós,
e se aproxima da cama. — Peguei o primeiro voo disponível e fui conferir
porque eram alegações sérias demais para ignorar.

— Que tipos de alegações?

— Encontramos outra compatibilidade de material genético... desta vez
com o Dylan.

— Comigo? — Sua voz sai assustada e esperançosa. — Um primo
também? Algum tio ou avós?

— Não... é... o... — Fico preocupada pela forma com que o agente fica
nervoso para contar. Deve ser algo ainda mais bombástico. — Você teve
compatibilidade com alguém que, pelos exames, apontou grande chance de ser
seu filho.

— Filho? — nós dois falamos ao mesmo tempo, completamente
chocados.

— Aparentemente, aqueles desgraçados fizeram algum tipo de
reprodução com você ainda na infância. Acreditamos que tenha sido in vitro. O
garoto tem 18 anos.

Abro e fecho a boca, sem reação a essa informação. Se Dylan tem 28,
Russell e companhia usaram o esperma de uma criança de dez anos.
Abomináveis, monstruosos... nem há adjetivos para nomear essas pessoas.

— Como... como isso? Não estou entendendo. — Seguro sua mão e faço
um carinho nos seus dedos, tentando acalmá-lo. Sua palma está suando de
nervoso.

— Ainda não sabemos de todos os detalhes. A pessoa que foi ao
escritório do FBI, em Massachusetts, disse que trabalhava em uma empresa
privada de incineração de lixo hospitalar de alto risco do grupo Globalmed. —
Desgraçados! Olha a Globalmed de novo envolvida com a Bioimmune nos seus
crimes. — Há 18 anos, o homem falou que havia voltado para o prédio depois do
expediente, ao perceber que esqueceu a chave de casa no armário dos
funcionários, e se deparou com uma movimentação estranha no ambiente. Como
o galpão era afastado devido ao tipo de material que incinerava, não era comum
visitantes, mas naquele dia havia um carro chique estacionado e duas pessoas
estavam retirando vários sacos de dentro do porta-malas. O homem disse que
chegou a entrar pelo outro lado do prédio e fingiu que não estava vendo nada de
mais, porque queria ficar longe de problemas, mas foi impossível não se meter
ao sair do vestiário e observar os sacos perto do incinerador maior e mais
potente. A pessoa deixou lá dentro e saiu com quem trouxe porque imaginou que
estava sozinha. Foi assim que ele decidiu dar uma olhada no que era e se
deparou com vários produtos hospitalares e um bebê desacordado no fundo.

Dylan abaixa a cabeça e inspira fundo, tentando controlar o sobe e desce
do seu peito. Eu sei muito bem qual é a sensação devastadora que está sentindo.
Aperto sua mão mais firme, sem conseguir conter um soluço ao pensar na
criança desacordada e machucada no meio de lixo hospitalar de alto risco.

— Como o homem tirou a criança de lá? Como sobreviveu a isso? —
Sua voz sai quase como um sussurro.

— Segundo seu depoimento, ele e sua esposa tinham acabado de perder
um bebê, por isso, nem pensou duas vezes em retirá-la do saco e conferir os
sinais vitais. — Schumer também parece mexido, apesar da pose de durão. —
Havia pulso fraco, ele enfiou alguns panos que estavam ao lado da máquina no
lugar e fechou de novo, saindo com a criança. Foi o tempo exato do funcionário
voltar e jogar tudo dentro do fogo sem nem conferir o conteúdo. O homem fugiu
da empresa às pressas e o levou para casa, pois sua esposa era enfermeira. Ele
ficou com medo de ir ao hospital e as pessoas que tentaram matá-lo descobrirem.
Foi... foi um milagre seu filho sobreviver em meio a tantas adversidades, Dylan.
E o mais incrível de tudo é que o casal que o criou colocou seu nome de Peter.

Assim que Schumer diz o nome do garoto, Dylan se desmancha
inteiramente. Os braços se apoiam na perna e seu corpo treme em um choro
pungente que arrepia os pelos do meu braço.

Movo-me na cama como consigo, devido às pernas imobilizadas, e me
inclino sobre ele, abraçando-o forte e dizendo palavras de conforto no seu
ouvido. Meu pranto molha toda sua camiseta, pois é impossível segurar a
emoção.

— Ele é um milagre — afirma, com a voz entrecortada. — Outro Peter
na minha vida.

— É sim, meu amor.

— Eles acham que eu sou culpado de alguma coisa? Falaram se posso
conhecê-los, Schumer?

— Os dois querem te conhecer, sim. A esposa, infelizmente, já faleceu.
Mas o homem foi muito claro que só irá fazer isso depois que o caso for
solucionado.

— Eles se mudaram justamente para protegê-lo, faz sentido o medo.

— Sim, Elisa, ele também é pai e só quer o melhor para o seu filho.
Depois que a criança sobreviveu, o casal decidiu se mudar para a casa de uns
parentes, em Massachusetts, tinham muito medo de descobrirem o menino. A
intenção do homem era jamais revelar a identidade dele, mas depois que o
escândalo do subsolo veio à tona, estava desconfiado demais porque a
Globalmed aparecia em muitas reportagens como parceira. Além disso, o garoto
é a sua cara, Dylan, não tem nem como negar. — O agente do FBI sorri e eu o
acompanho pensando quão lindo esse menino deve ser se parece com ele. — O
homem foi ao escritório de forma sigilosa, queria apenas tirar suas dúvidas
diante do pronunciamento do presidente sobre os testes genéticos.

— Eu entendo. — Dylan respira fundo, tentando se acalmar. — O que
são mais uns dias para quem está perdido há tantos anos.

Sua declaração sincera e cheia de verdade deixa minha garganta
embargada. O telefone do Schumer toca e ele pede licença para atender no canto
do quarto.

Aproveito o momento para puxá-lo nos meus braços e afagar seu cabelo.
Dylan se senta na beirada da maca e aproveita meu carinho. Nossos corações
estão tão acelerados que é possível sentir pelo contato.

— Patterson! — Nós dois nos viramos afoitos na direção do agente ao
ouvir o nome do médico maldito. — Você tem certeza disso? Se for algum outro
truque igual ao que Oliver nos fez, armando uma emboscada para matar gente
inocente, eu vou acabar com você.

O silêncio que precede a próxima frase é um martírio quase insuportável
para um peito já apertado. Schumer desliga o telefone com as pupilas dilatadas e
a boca entreaberta.

— Patterson quer um acordo de imunidade total e acesso ao programa de
proteção à testemunha para delatar todos os crimes da Bioimmune. Ele diz que
conta tudo, inclusive, onde e quando os irmãos Scott vão tentar fugir do país esta
noite.

Fugir? Puxo os cabelos, desesperada com a informação. Eles não podem
fugir depois de tudo!


Ódio borbulha pelo meu sangue ao encarar Patterson pelo vidro escuro
da sala de interrogatório do FBI. Ele não pode me ver aqui do outro lado, sequer
sabe que estou com o peito apertado e a respiração acelerada por sua causa. Essa
foi a primeira vez que saí, além da casa ou do hospital, mas era impossível não
vir conferir de perto o que esse filho da puta vai dizer.

Como Elisa não teve alta, deixei Ethan com ela e Ingrid. Matthew tinha
ido à cantina com seus pais biológicos para almoçar e não retornou antes de
virmos apressados para cá.

Esfrego o rosto, tentando manter a calma para fazer meu cérebro
entender o bom motivo por trás dele ficar impune e protegido pela polícia,
depois de todas as mentiras que me contou e todo mal que fez.

Poupar Patterson vale a pena se conseguirmos prender os irmãos Scott,
Russell e toda a corja que destruiu a vida de tanta gente por ganância e ambição.

— Vocês tentaram gerar uma criança a partir do esperma do Dylan?

Schumer disse que iria começar com essa pergunta para testar o quanto o
médico está disposto a falar e se não é um outro truque. Pelo rosto assustado que
encara o agente do FBI, arrisco dizer que não imaginava que sabíamos dessa
informação.

— Se vocês sabem até sobre isso, eu fiz foi muito bem em procurá-los.
John achava que era invencível demais, eu tentei avisar que uma hora ia dar
merda.

— Responda à minha pergunta, Patterson, eu não estou com tempo para
os seus devaneios.

— Sim, nós tentamos. Russell queria manipular em laboratório para ver
se conseguia fazer a criança nascer com a mutação também a fim de aumentar o
número de experimentos. Foram três tentativas em dois anos, só um vingou e
chegou a se desenvolver. — Engulo em seco para conter a ânsia de vômito que
me sobe por sua alegação.

— Três tentativas? Com quantos anos começaram os testes?

— Quando Dylan tinha oito anos. — Levanto os braços, apoiando-os na
minha cabeça. Não sei se terei sanidade para ouvir até o fim suas confissões. —
Só deu certo quando ele já tinha dez. No fim, a criança nasceu com o sangue
Bombaim, mas sem a mutação e Russell resolveu descartá-la.

— O que seria descartá-la? — Schumer questiona, sério.

Ele fala como se jogar um bebê desacordado dentro de um saco e
queimar até a morte fosse algo banal.

— A Bioimmune se livra de evidências quando é necessário em uma
empresa de incineração hospitalar da Globalmed. A Rachel foi descartada assim
e a criança também.

— Os outros meninos foram testados dessa forma?

— Não, Russell viu que não estava dando certo e desistiu dessa linha de
pesquisa.

Patterson começa a contar sobre como a Globalmed foi essencial para os
planos da Bioimmune e comprova nossas suspeitas de que as informações dos
pacientes vêm da multinacional e seus parceiros.

Há realmente outras pessoas como nós espalhadas pelo país que são
monitoradas há anos, mas não eram usados pelos motivos que James achava.
Meu coração acelera ao pensar em como ele também foi enganado. Davis
realmente foi amigo do meu pai, tentou fazer o certo e foi usado da pior forma.

Ele conta ainda de todas as armações feitas desde a nossa saída do
subsolo, confirmando que incitaram os grupos de ódio de propósito, criaram o
blog, produziram o vídeo do James e armaram para queimar a imagem da Elisa.

— O assassinato... — Schumer para um minuto para respirar, ciente de
que estou ouvindo tudo. — O assassinato do Peter foi uma encenação, não é?
Vocês os mataram para ficar com o garoto.

— Ele não aceitou a proposta dos irmãos Scott de realizar testes mais
invasivos, Dylan tinha uns três anos, na época. — Bate com a minha lembrança
dos gritos, pode ter sido nesse dia que assinou a sua morte. Não tento secar as
lágrimas que escorrem pelo meu rosto, vai ser um trabalho em vão. — A
encenação foi importante para convencer James e Oliver, que eram mais amigos
do Peter, e para ser usada no futuro como a grande desculpa da Bioimmune
manter cinco meninos trancafiados por tantos anos.

O agente do FBI pressiona para saber os nomes de todos que ajudaram
nos crimes, mas isso Patterson se recusa a dar até ter um documento formal com
tudo que exigiu para ser um delator. A única coisa que deixa escapar é que Scott
tem contatos de alto escalão nas mais diversas áreas.

— Thomas, Jimmy e Ethan também foram roubados na maternidade
como Matthew?

— Não necessariamente da maternidade, mas sim, dois foram roubados.
Ethan é órfão, mesmo.

Não sei se fico feliz por saber que mais dois poderão reencontrar suas
famílias biológicas, ou se fico ainda mais puto pelas atrocidades cometidas ao
longo dos anos.

— Eles deixaram você para trás? Por isso veio nos procurar a essa altura?

— Eu não sou idiota, quero a minha liberdade. Quando o presidente
divulgou que encontraram compatibilidade genética de um dos meninos, sabia
que o barco ia começar a afundar rápido demais. — Patterson tira os óculos do
rosto e limpa na sua blusa como se estivesse em uma conversa informal. Que
raiva da sua calma e do seu cinismo, ele sabe que vamos concordar com tudo. —
Pela primeira vez, vi John realmente preocupado e cogitando colocar em prática
sua rota de fuga. Eu e Russell fomos chamados para ir com eles se esconder na
Itália, junto aos seus contatos poderosos, mas será uma espécie de prisão
também, não tenho vocação para isso. Nunca vão conseguir voltar impunes para
os Estados Unidos.

— Então a fuga é para a Itália? Algo a ver com mafiosos, a Bioimmune
tem contatos desse nível?

— Eu já disse, Schumer, não vou responder informações cruciais
enquanto não tiver meu papel em mãos. — Ele ri e coloca os óculos de novo. —
Se eu fosse você, andava rápido, porque a fuga vai ser em poucas horas e, se eles
forem, não vai conseguir pegá-los. Além disso, ao comando do John começarão
as queimas de arquivo dos peões e não será bonito.

Fecho as mãos em punho, louco para quebrar esse vidro e o encher de
socos até perder os sentidos. Eu não sou violento, e não costumo desejar o mal a
ninguém, mas é muito injusto um ser miserável desses sair ileso.


Passo a mão no cabelo, esfrego a calça e mordo os dedos em seguida
tentando me acalmar, em vão. Patterson conseguiu o que queria e deu a
localização do lugar da fuga para o Schumer. Ele não me deixou ir junto com a
sua equipe, no entanto, liberou que eu ficasse assistindo na sua sala à
transmissão ao vivo da ação que é feita por câmeras camufladas em todos os
agentes.

A tela me mostra diversas opções para escolher por qual pessoa eu quero
ver o ponto de vista. Há um cenário amplo de toda a situação. O ruim é que a
imagem está um pouco embaçada e o som chiado porque resolveu cair um
temporal justo agora.

— E aí, o que está acontecendo? — Elisa questiona, ansiosa como eu.

Schumer também me emprestou um celular para que eu pudesse manter
os demais informados no hospital. Elisa, Matthew, Ethan, Emma e Ingrid estão
em uma chamada de vídeo comigo neste momento.

— Eles já entraram no porto, estão se aproximando do navio cargueiro
que Patterson disse ser o que vão usar pra fugir.

Segundo o agente do FBI, a estratégia de fuga deles foi muito inteligente.
A rota do navio vai direto para a Itália e realmente é provável que consigam se
manter reclusos, caso fujam.

Isso não vai acontecer. Schumer jurou que vai prendê-los.

— Onde esse ordinário está agora? — Matthew não esconde a raiva que
está sentindo também.

— Em segurança, em uma sala aqui do escritório do FBI, ele disse que
não vai mais sair até o programa de proteção à testemunha cuidar dele. Não deu
tempo de dizer ainda quem são as pessoas envolvidas em todos os crimes, mas
pode apostar que a lista será longa.

— Covarde, desgraçado! — vocifera, bufando.

— E eu que tive que ouvir todas as merdas que disse através de um
vidro? Por muito pouco, não quebrei tudo e dei uma bela surra na sua cara
cínica.

— Foco nos agentes, pessoal! — Ethan chama a nossa atenção e se eu
não estivesse tão tenso, riria disso. — Já chegaram? Entraram no navio?

— Estão cobrindo o perímetro agora, cercando toda a área — narro,
atento a vários movimentos da tela ao mesmo tempo. — Schumer está indo para
a entrada, acabou de tirar três funcionários da cena.

— E se for mentira? Outro plano deles? — Elisa pondera, depois do
Oliver trair o próprio amigo, podemos esperar qualquer coisa.

— Eu acho que não é mentira, não, ele pareceu muito convincente no
depoimento. Está confessando com o único intuito de se safar.

A chuva continua caindo de forma torrencial e embaçando a imagem dos
quadros. Inclino-me para frente e me debruço na mesa para enxergar melhor,
quando vejo Schumer e sua equipe subirem as escadas para alcançarem a área
onde os containers estão enfileirados.

— Já estão andando pelos containers em busca de pessoas. O navio é
grande, tem vários agentes com as armas em punho procurando movimentação.

Continuo narrando cada passo. Mesmo sabendo que estão fazendo tudo
com agilidade, a apreensão é tão grande da nossa parte que é como se estivessem
em câmera lenta.

Enxergo um vislumbre de cabelo comprido na imagem gravada pelo
Schumer e dou zoom, sentindo meu coração disparar ao reconhecer a Madelyn
Scott.

— Eles estão lá mesmo, a Madel... — Dois homens se posicionam atrás
dela e a cercam, fazendo-a levantar as mãos em rendição. — Pegaram! Pegaram
a Scott!

Levanto-me da mesa em um rompante de comemoração, quase
derrubando as coisas do Schumer pelo caminho. Na tela do celular, Elisa e os
outros também celebram com gritos.

— E o irmão? O Russell? — Matthew pergunta em meio a uma tosse
pela euforia.

— Estão procurando, continuam vasculhando tudo.

Mal pisco, vidrado em vários quadros ao mesmo tempo. Noto uma troca
de tiros nos fundos do navio e dou zoom no agente que está lá. Ele avisa aos
outros que encontrou John e Russell, e que ambos estão armados.

— Acharam os dois também, mas estão em uma troca de tiros.

O som das balas ecoando no metal dos containers me faz lembrar o
inferno que foi o ataque na casa do senador. Um zunido começa a crescer no
meu ouvido e preciso segurar a cabeça para não ficar tonto.

— Você está bem, amor? — Elisa pergunta, preocupada.

— O som dos tiros... ainda está recente.

— Eu entendo, respire fundo. Se achar melhor, tire o canal de som.

— Não, amor... eu vou... eu vou ficar bem. — Puxo ar para o pulmão e
me concentro de novo na tela.

Agora todos os agentes estão no fundo do navio cercando Scott e Russell,
que se protegem das balas atrás de um container menor que fica na base.

— Se rendam, vocês não têm saída! — Schumer ordena, aproximando-se
cada vez mais de onde estão. — Já temos a Madelyn conosco.

Os próximos segundos acontecem tão velozes que mal tenho tempo de
assimilar. Scott surge na frente dos agentes, gritando que o irmão deve se
entregar. Só que John já tinha uma arma apontada na direção dela sem saber que
apareceria ali e acaba atingindo em cheio o seu peito.

Mesmo com a chuva e a imagem embaçada, dá para ver perfeitamente a
cara de desespero do John ao presenciar sua irmã cambalear para trás, com o
corpo mole.

— Madelyn! Madelyn! — A situação o faz correr na sua direção e
Schumer aproveita para prendê-lo antes mesmo que confira se ela está bem.

Não tenho pena, foi isso que fizeram com dezenas de inocentes, não
deram nenhuma chance de reagir.

Conto o que vejo para eles, procurando Russell com o olhar pelos
quadros na tela. Mesmo sabendo que não podem me ouvir, grito ao perceber que
vai pular no mar no meio da tempestade.

Os agentes notam e atiram várias vezes, correndo para a borda, mas o
corpo some do nosso campo de visão antes de saber o que aconteceu.


3 semanas depois

Coloco a mão no ombro de Elisa e me aproximo mais da cadeira de
rodas, enquanto acenamos para a fileira de carros, escoltados por vários
policiais, que deixa a casa provisória que estamos hospedados. As famílias de
Thomas e Jimmy foram confirmadas na semana passada e eles decidiram passar
um tempo conhecendo-os, assim como Matthew fez, há dez dias.

Não podemos dizer ainda que tudo foi resolvido, mas o cenário mudou
drasticamente a nosso favor. É claro que ainda existem os grupos de ódio, no
entanto, descobrimos que os seus discursos são muito mais on-line — protegidos
pelo computador — do que fisicamente. Quem incitava de propósito a violência
era a Bioimmune.

Todos os meninos ficarão sob proteção do FBI nas suas cidades, até que
seja 100% seguro viver uma vida normal, o que eu espero que aconteça em
breve, já que os culpados começaram a ser presos ou morreram.

Não houve mais aceitação de nenhum pedido para responder ao processo
em liberdade. John Scott, Bruce Smith, Oliver Taylor, Richard White, o
presidente da Globalmed e diversos envolvidos nos crimes estão na prisão.

Madelyn acabou morrendo, poucas horas depois, do tiro que levou do
próprio irmão no dia da tentativa de fuga e Russell continua desaparecido. A
polícia fez buscas no mar por duas semanas seguidas e não encontrou nada. Todo
o perímetro estava cercado, então, ele não saiu da água. Schumer acredita que a
correnteza o levou por estar agitada na tempestade. Não acredita que tenha
sobrevivido.

Patterson também teve um final trágico, bem debaixo do nariz do FBI.
Schumer ficou puto e já colocou o escritório abaixo para descobrir como
conseguiram desligar as câmeras da sala que estava e o entregar um lanche
envenenado. Ainda não descobriu. O agente acredita que Scott desconfiou que
ele tinha sido o delator, quando notou a presença da polícia no navio, visto que o
homem não apareceu lá para fugir junto, e ordenou a queima de arquivo antes
que tivesse tempo de contar tudo que sabia.

Como o próprio Patterson disse, realmente não foi bonito encontrá-lo
com a boca espumando e os olhos abertos, caído no chão da sala.

A morte dele está atrasando a prisão de outros envolvidos, que ficamos
sem saber quem são, mas eu tenho certeza de que Schumer não vai desistir até
colocar todos na cadeia. O agente está focado no momento em desvendar quem
são os militares que participaram da invasão e quem os reuniu.

— Eu posso ajudar a Ammy lá na cozinha? — Ethan pergunta, assim que
os carros somem da nossa vista. O garotinho tenta esconder o choro de saudade,
só que é impossível pelos olhos e o nariz vermelhos. — Ela disse que vai fazer
uma torta para o almoço.

— Claro que pode, meu amor, vai lá.

Mesmo ciente de que é órfão como eu, nós tentamos encontrar parentes
dele, só que foi uma experiência horrível. A mãe do nosso caçulinha é uma
viciada em drogas que o abandonou em uma caçamba de lixo. Foi identificada,
mas seu único interesse era saber o que poderia ganhar se ficasse com Ethan,
quanto dinheiro ele valia.

Nem tivemos coragem de contar ao menino, vai ser algo que descobrirá
apenas quando for mais velho e quiser desvendar a sua história.

Também não encontrei outros parentes. Acho que tenho alguns tios e
primos espalhados por aí, no entanto, eles decidiram não se manifestar, mesmo
após a extensa exposição que tivemos na mídia. Pode ser que não queiram se
envolver em problemas, pode ser que achem que sou uma aberração... nunca vou
saber.

Elisa puxa Ethan para um beijo e o libera em seguida para sair correndo
no jardim. A casa que estamos também é propriedade do senador Wright. Desta
vez, aceitamos ajuda de funcionários porque havia muitas pessoas em
recuperação do estado de saúde.

Thomas e Jimmy já estão bem melhores agora, mas Elisa deve ficar mais
umas cinco semanas na cadeira de rodas até poder começar a fisioterapia.
Infelizmente, Amber é a única que permanece internada e em coma. As
plaquetas ajudaram o seu corpo a se recuperar dos ferimentos, porém, não foi
útil em acordá-la.

— Vou começar a arrumar minha mala também, Schumer disse que o
jatinho fretado que conseguiu sairá às oito da noite do aeroporto. — Seguro nas
alças da cadeira de rodas e empurro Elisa pela grama. — Eu devo voltar no
máximo em uma semana, amor.

Uma das coisas que mais tem enchido meu peito de esperança, e me feito
superar a verdade sobre a morte do meu pai, é conhecer meu filho Peter Garcia.
É estranho falar essa palavra para um garoto apenas dez anos mais novo do que
eu. Talvez a gente nunca tenha uma relação de pai e filho — afinal, ele já tem
uma excelente figura paterna —, mas quero muito estreitar os nossos laços.

Todos nós ganhamos celulares para podermos nos comunicar e Schumer
aproveitou para conseguir o contato do garoto para mim. Já conversamos várias
vezes por mensagens, ligações ou chamadas de vídeos. A primeira vez pareceu
surreal, ele já é enorme, realmente muito parecido comigo.

É um menino do bem, que estou ansioso para ver pessoalmente junto
com Tim, o homem que o criou com tanto amor. Tenho muito a agradecê-lo.

— Eu... eu... queria conversar com você sobre isso, Dylan. — Noto a voz
da Elisa embargada e paro de me mover com a cadeira dentro da varanda,
ajoelhando-me ao seu lado e segurando seu rosto.

As lágrimas já despontam nos seus olhos azuis lindos, escorrendo pelo
rosto perfeito.

— Por que você está chorando? Você prefere que eu fique até você estar
melhor? Eu posso ficar, meu amor. Não tem problema, eu explico para o Peter,
ele vai...

— Não é isso, amor. — Ela funga e pega a minha mão, acariciando os
dedos longos. — Sente ali naquela cadeira, precisamos conversar.

Pego o pedaço de madeira com o coração retumbando contra a caixa
torácica. Eu não estou gostando nada do jeito que me olha, do tom da sua voz,
do seu peito agitado em um movimento de sobe e desce.

Elisa parece prestes a dar uma notícia que pode acabar com o mundo. O
meu mundo. Nosso mundo.

— Por que eu acho que essa será a pior conversa que já tivemos? —
questiono, notando minha respiração ficar curta e a voz entrecortada. — Elisa,
não faça o que eu estou pensando, por favor, eu...

— Meu amor, olhe para mim! — Ela segura meu queixo e me faz encará-
la. — Nós precisamos disso. Precisamos para nos curar primeiro, para nos
desfazer do que precisa ser desfeito e criar outras ligações... Lembra-se do que
eu te falei, aquele dia no lago, na melhor noite que já tive na minha vida? Eu te
falei que via a gente em um futuro, mas talvez não quando saíssemos daquela
casa. Hoje... hoje, por mais que me doa e, acredite, meu coração está se partindo
dentro de mim, sei que necessitamos desse tempo.

— Eu não vou conseguir ficar longe de você — declaro, aos prantos. —
Eu amo seu cheiro, seu toque, seu jeito de sorrir, a forma que me abraça... eu te
amo tanto.

— Eu também te amo, Dylan! — Trago-a para o meu peito e afago seu
cabelo, odiando que essa cadeira de rodas não me permita senti-la
completamente grudada em mim.

As lágrimas de Elisa molham minha blusa e tornam tudo ainda mais
difícil.

— Se nós dois nos amamos, por que temos que nos separar?

— Amar também é deixar ir. Eu quero muito que você passe mais tempo
com Peter e Tim em Massachusetts, fique no apartamento que Schumer vai te
arrumar lá. — Ela se levanta do meu peito para me encarar novamente. —
Talvez, você possa ajudar nas pesquisas da Universidade de Harvard, quem sabe
até entrar para o curso de Biologia que queria. Poderá andar livremente pelas
ruas, conhecer pessoas, fazer novos amigos, ir a festas, viajar... bei... beijar
outras meninas.

— A única boca que eu quero é a sua, Elisa. — Pressiono meu polegar no
seu lábio inferior, contornando toda a parte rosada e macia. — Não tem mais
ninguém que eu gostaria de fazer isso.

— Você precisa me prometer que vai tentar, meu amor. — Balanço a
cabeça em negativa várias vezes, não tem como. — Eu já vivi muita coisa, tive
outras experiências, você passou 25 anos sem liberdade. Se for pra gente
acontecer, iremos encontrar o caminho de volta.

— Você está me pedindo o impossível. — Inspiro fundo, tentando
desesperadamente retomar o fôlego. — A vida não vai ter nenhum sentido sem
você comigo.

— O amor não pode ser dependência, Dylan. Por isso, eu te peço para
que vá sim conhecer tudo que puder, descobrir outras coisas para também amar.
No começo, vai doer muito, depois você vai se adaptar. — Elisa acaricia minha
barba e eu cedo o peso do rosto nas suas mãos delicadas. — Enquanto estiver
fazendo isso, eu vou cuidar da minha mente, levar a sério a terapia, colar os
diversos cacos que estão soltos dentro de mim e resolver meu problema com a
Madalena. Só depois desse processo, estaremos realmente prontos para um
relacionamento. Você promete que vai fazer isso? Por favor! Nós precisamos.

Olhando no fundo dos seus olhos, eu consigo enxergar toda urgência e
sinceridade das suas palavras.

— Quan... quanto tempo? — Puxo o ar, ouvindo meu coração ecoar pelo
meu corpo. — Eu preciso ter um norte.

— Não sei, talvez um ano. — Serão 365 dias sem Elisa. Eu vou
conseguir fazer isso? Neste momento, parece como aceitar pular de um
precipício. — É um tempo considerável para se fazer descobertas. Só que, para
dar certo, temos que ficar realmente distantes um do outro. Falando ao telefone,
nos encontrando, não haverá processo de crescimento. Um ano completamente
separados.

Inclino-me para frente e avanço na sua boca, pegando-a de surpresa.
Meus dedos se infiltram no seu cabelo e acariciam a sua nuca enquanto me
delicio com a maciez dos seus lábios e a sua língua afoita se encaixando na
minha.

Elisa demora poucos segundos para se render, puxando-me também para
ficar o mais perto possível. As lágrimas caem de nós dois e se juntam ao contato
urgente, tornando o beijo salgado, triste e de promessas ao mesmo tempo.

Beijo-a para guardar na minha alma o gosto da sua boca.

Beijo-a para conseguir aguentar a saudade que vou sentir dela.

— Tudo... tu... tudo bem. — Afasto-me quando ficamos sem ar e encosto
a testa na sua, segurando seu rosto com as duas mãos. Deixo mais uma lágrima
descer sem desviar dos seus olhos azuis que me fitam com carinho e amor. — Se
é o que você acha necessário, eu vou confiar em você. Em dias nublados não
conseguimos enxergar o brilho do sol e das estrelas, mas eles estão lá,
aguardando com todo seu esplendor o mau tempo passar para voltarem a
iluminar. Eu vou esperar e vou voltar.

— Voe por todo mar... — declara, emocionada, passando a mão por
minha barba, meu nariz e minha boca. — E, se depois de tudo ainda sentir o que
sente hoje, volte aqui, para o meu peito.

Não tenho nenhuma dúvida de que voltarei.



Você partiu em um sonho comigo
Ficando mais alto agora
Você consegue ouvir ecoando?
Pegue minha mão
Você vai compartilhar isto comigo?
Pois, querida, sem você
Todo o brilho de mil holofotes
Todas as estrelas que roubamos do céu noturno
Nunca serão suficientes
Nunca serão o suficiente

Never Enough (Loren Allred)

363 dias depois

Amo apreciar as árvores no outono. As folhas amareladas caindo no chão
deixam qualquer paisagem ainda mais incrível: uma mistura de beleza com
melancolia. Dou uma olhada em Ethan, que está correndo e brincando com
outras crianças logo à frente, e volto a encarar o lago que corta o Lincoln Park.

Eu sempre venho aqui por causa desse lago. Ele me remete ao que tinha
na casa de campo do Wright e traz muitas lembranças maravilhosas que jamais
vou esquecer.

— Nossa, cheguei, meu Deus, que correria! — Sorrio com a imagem de
uma Emma esbaforida vindo se sentar no mesmo banco que eu, cheia de sacolas
de compras. — Desculpe o atraso, saí pra almoçar rapidinho e não resisti a
comprar um vestido que tinha na loja ao lado do restaurante.

— Primeiramente, quando você não está na correria, me diga? —
Inclino-me para deixar um beijo no seu rosto e a ajudo organizar as sacolas no
espaço vago do banco. — Segundamente, um vestido? Deixe de ser cara de pau,
sua consumista! Olha o tanto de sacola.

— Amiga, eu estou amando fazer parte do estúdio novo, mas pensa em
coreógrafos carrascos? Não dão trégua nos ensaios! E dançarina famosa precisa
ter roupas bonitas.

Balanço a cabeça, rindo da sua desculpa esfarrapada. Desde que a
conheço, Emma é exatamente assim.

Estou muito orgulhosa que minha amiga conseguiu uma vaga no Joffrey
Academy of Dance, uma das melhores companhias de dança do mundo, com
sede aqui em Chicago. Faz cinco meses que tem trabalhado insanamente.

— Vou te dar um desconto porque é a minha bailarina contemporânea
preferida!

— Eu sou a única que você conhece, Elisa! — Ela revira os olhos e faz
uma careta para mim, sorrindo em seguida. — Eu trouxe um presentinho para o
Ethan, achei na loja uma capa do Batman. Guarde aí para entregar depois, agora
nem vai dar atenção pra tia Emma.

— Obrigada, ele vai amar. — Pego o pacote embrulhado em um papel
bonito e guardo na minha bolsa.

Nós duas olhamos apaixonadas na direção que o garotinho está
brincando, todo entretido. Ele se tornou nosso xodó, depois que tudo acabou e
descobrimos que é realmente órfão, o Schumer conseguiu uma autorização de
guarda temporária para que pudesse ficar comigo. Confesso que ter sua presença
animada no meu dia foi o que fez o último ano passar mais rápido.

Foi um tempo crucial de muitos processos e mudanças na minha vida.
Alguns, muito dolorosos.

— Vamos fazer a chamada de vídeo? Daqui a pouco eu preciso voltar, se
me atrasar, o pessoal arranca meu coro.

Pego o meu celular e procuro o seu nome na lista de contatos. Combinei
de encontrar com a Emma no parque porque é perto do estúdio e, assim, eu
também trazia o Ethan para se distrair um pouco ao ar livre.

Essa chamada de vídeo já se tornou um ritual entre nós, todos os meses,
nesse mesmo dia. Não demora nem três toques para atender.

— Parabéns pra você! Parabéns pra você! — Emma e eu cantamos em
uníssono, sorrindo para a câmera. — Parabéns, querida Amber. Parabéns pra
você!

— Aeeeeeeeeee, viva seis meses de vida! Viva o renascimento. Eu amo
vocês, meninas!

— Nós também te amamos, demais — digo, emocionada.

Eu sempre acabo chorando porque tive muito medo de perdê-la, a culpa
estava corroendo meu peito. Depois de quase seis meses em coma, ela acordou e
conseguiu se recuperar muito bem. A doação de plasma dos meninos contribuiu
demais para que seu corpo voltasse ao normal em pouco tempo depois de
despertar.

Agora ela está morando em Nova Iorque porque, há dois meses,
conseguiu o emprego dos seus sonhos no New York Times. Eu não poderia estar
mais feliz pela conquista das duas. São a família que escolhi, junto com a minha
irmã e o Ethan.

Realmente levei a sério a terapia dessa vez e decidi cortar qualquer
vínculo com meus pais. A única pessoa do Brasil que mantenho contato é a
Ingrid, ela vem me visitar sempre que pode junto com o marido.

Também consegui controlar a compulsão alimentar com a ajuda da
Terapia Cognitivo-Comportamental em grupo, que frequento religiosamente
todas as quartas à noite. Faz 198 dias que não tenho nenhuma recaída e busco
comer de forma saudável. Meu corpo continua basicamente o mesmo de antes, a
diferença é que passei a me aceitar como sou e a me amar com as curvas e as
feridas do passado.

— Eu estou no horário de almoço, tenho uns dez minutinhos pra fofocar
com vocês, antes de voltar para a minha matéria investigativa sobre o sumiço do
Russell.

— As novas fontes que você conseguiu foram boas? Deu em algo? —
pergunto, curiosa.

Ainda me intriga muito o fato de o FBI não ter encontrado nada — nem
sequer um fiapo de roupa dele — no mar. Também acredito que morreu, mas vai
saber...

— Nada ainda, só especulação. O povo inventou um monte de teoria
maluca, desde ser comido por uma baleia, até virar monstro marinho. Se por
milagre esse cara resistiu, eu ainda vou achá-lo e colocá-lo atrás das grades.

O julgamento dos funcionários da Bioimmune e da Globalmed já
aconteceu e todos receberam a prisão perpétua, inclusive, Oliver, Smith e White
que não possuíam todas as informações. O júri foi unânime em colocá-los no
mesmo patamar de maldade.

A empresa dos irmãos Scott está fechada, já a Globalmed, infelizmente, é
grande demais e está se recuperando da exposição negativa com a coordenação
de outro CEO.

Fui absolvida quanto à indenização por quebra de confidencialidade e
aproveitei a onda de boas notícias para processar meu ex-marido, Mark, por
difamação e calúnia. O desespero pelas cifras altas pedidas pelos advogados o
fez me ligar, mas desta vez quem não atendeu foi eu.

Ainda não descobriram quem matou Patterson e o real organizador do
grupo de militares, mas outra dezena de pessoas envolvidas nos crimes da
Bioimmune foram detidas nos últimos meses.

— Falando nisso, marcaram a data do evento de inauguração do
memorial, amiga? Quero me organizar pra ir.

— Confirmaram ontem, vai ser daqui a um mês, mesmo. Moore e eu
estamos organizando os últimos detalhes.

Assim que recuperei o movimento das pernas quebradas, voltei a
trabalhar na Universidade de Chicago com a professora Moore. O senador
Wright inseriu a instituição entre as oficiais do país para o estudo da mutação. A
nossa área de pesquisa é o soro. Conseguimos resultados incríveis, inclusive,
misturar anticorpos diferentes.

O produto foi aprovado pelos órgãos reguladores e está sendo produzido
em larga escala para atender aos pacientes doentes pelo mundo. Para comemorar
essas conquistas, Abigail sugeriu que fosse criado um memorial na Universidade
a fim de homenagear os envolvidos. O espaço vai ter os nomes dos cinco
garotos, do Peter, do James e o meu.

Fiquei radiante com o reconhecimento, significa muito para mim que
meu estudo esteja ajudando a vida de tanta gente.

O MIT e a Universidade de Harvard, em parceria com as instituições da
Europa, estão focadas no acelerador de anticorpos. Acreditamos que daqui a uns
três anos todos os testes serão concluídos e haverá a possibilidade de produção
dele também. Isso sem contar em outras vertentes que estão sendo avaliadas,
muita coisa boa e inovadora ainda pode surgir.

Não foi um mar de rosas para a Organização das Nações Unidas
controlar a ânsia dos países e da indústria farmacêutica. Ela recebeu bastantes
denúncias no canal criado para identificar estudos ilegais. Todas foram
investigadas a fundo, levando a novas prisões.

Evito pensar na possibilidade de existir ainda experimentos sendo feitos
por aí. É uma hipótese triste demais. Prefiro pensar pelo lado bom, no número
cada vez mais crescente de membros na associação mundial de portadores da
Mutação Lewis.

Amei que recebeu o sobrenome do pai do Dylan.

Os grupos que exigiam a cura agora estão bem mais calmos, visto que o
soro atende a muitos pacientes; e os grupos de ódio têm diminuído cada vez mais
diante da melhoria da qualidade de vida da população.

— Vocês duas vão rever Dylan e Thomas na inauguração deste
memorial, como tá o coração?

— Como está? — Passo a mão no peito, inspirando fundo. — Com os
batimentos acelerados só de ouvir o nome dele.

— Tô na mesma, nunca pensei que fosse me apaixonar desse jeito.

Meu Deus, foi extremamente difícil resistir à saudade das nossas
conversas, do seu toque, do seu beijo. Eu tenho plena convicção de que fiz a
coisa certa nos afastando, porém, fazer a coisa certa não significa que é a mais
fácil.

Eu senti muito a sua falta, a distância só fez o meu amor aumentar. Resta
saber se o dele também. Conforme pedi, Dylan respeitou nosso acordo e não
entrou em contato comigo, nenhuma vez.

Já faz quase um ano. Muita coisa pode ter mudado, e eu irei respeitar e
seguir minha vida se decidir seguir a sua também, depois desse reencontro, na
inauguração do memorial.

Ethan conversa praticamente todos os dias com os meninos por chamada
de vídeo, também chegou a visitá-los nos estados que estão morando atualmente
com suas famílias. Com os outros três, eu chego a conversar algumas vezes, mas
com Dylan não.

O máximo de pergunta que faço para Ethan — porque isso meu coração
não aguenta — é saber se ele está bem e feliz.

Thomas e Emma chegaram a ficar juntos antes de ele ir embora com a
sua família para a Califórnia, mas a distância entre os dois é grande demais para
a vida corrida da minha amiga. Ela aproveitou esse fato e seguiu meu exemplo,
pois assim como eu, acredita que Thomas precisava viver em liberdade antes de
tomar decisões importantes.

— Ai, ai, vocês são tudo rendidas!

— E você não, né, bonita? — Emma brinca, mostrando a língua para a
tela do celular. — Não disfarça, não, que eu sei que tá caidinha pelo Schumer.

— Caidinha não... não é pra tanto. Começamos a sair faz pouco tempo.

— Mas se conhecem há anos, isso aí daria um belo romance de friends to
lovers — provoco, sorridente. — Eu shippo muito esse casal!

O agente do FBI foi promovido para o escritório de Nova Iorque. Uma
obra perfeita do destino para deixá-lo mais perto da minha amiga. Depois de
tanto tempo que se conhecem, finalmente rolou algo a mais que está deixando
Amber com os olhos brilhantes.

Estou muito bem agora, sinto-me uma Elisa mais madura e forte. Mas
estaria mentindo se dissesse que não sinto falta desse tipo de brilho no olhar
também.

O brilho que só Dylan causa em mim.

Termino de levar as duas últimas caixas para dentro de casa e paro na
sala, secando o suor do rosto. Observar a quantidade de bagunça que teremos
que arrumar não é muito animador, mas o motivo faz qualquer esforço valer a
pena.

— Cara, será que vai dar tempo?

— Precisa dar, Jimmy. — Inspiro fundo, arregaçando as mangas da
camisa. — São sete da manhã ainda, o importante é ficar pronto até às onze da
noite.

Apesar de Thomas, Jimmy e Matthew não serem os nomes de
nascimento deles, os três decidiram manter e apenas adicionar o sobrenome da
família. Acho que também tomaria a mesma atitude. Ruim ou não, o que
vivemos antes faz parte de quem somos e não devemos apagar a nossa história.

Devemos é seguir em frente ainda mais fortes.

— Vai dar certo! Já estou organizando as coisas do meu quarto e depois
vou para o do Ethan. — Peter passa por mim e bate no meu ombro, encorajando-
me.

Nossa relação é ótima. Tornamo-nos grandes amigos e eu pude participar
muito da sua vida nos últimos meses. Como eu imaginei que ia acontecer, não
desenvolvemos uma ligação paternal, mas eu compreendo totalmente, porque ele
já tem um pai, e Tim é incrível nesse papel.

Nós três nos demos muito bem, tanto que acabei morando com eles esse
tempo todo.

— Eu vou ficar com a cozinha. Às quatro horas, o pessoal da limpeza vai
chegar e, quanto antes a gente tiver guardado os objetos nos armários, mais fácil
será para eles deixarem tudo tinindo — Matthew sugere, já levando algumas
caixas para o cômodo.

— Beleza, fico com os banheiros e a biblioteca, então.

— Isso, Jimmy, eu vou priorizar a sala — respondo, animado. — Daqui a
pouco a Emma também vem ajudar como puder até começar os seus ensaios.

Meu coração não desacelera desde o início da semana, quando a
imobiliária me confirmou que eu poderia me mudar hoje. A casa estava alugada
antes e eu não consegui vir com a antecedência que queria para deixar tudo
ajeitado com calma.

Até poderia ter escolhido outra residência para comprar, mas não havia
nenhuma disponível nos fundos do Lincoln Park, com vista para o lago. Tinha
que ser esta!

Thomas e Amber não puderam vir ajudar por causa da distância, mas já
ligaram logo cedinho para desejar boa sorte. Meu amigo queria muito estar
presente, só que seu irmãozinho sofreu um acidente de bicicleta e é muito
apegado a ele. Daqui a um mês, todos iremos nos reencontrar na inauguração do
memorial.

Sorrio ao lembrar que Elisa pensa que só vou vê-la lá. Nem ferrando eu
ia esperar mais trinta dias, depois que seu prazo de um ano passou. Estou
contando as horas loucamente para chegar amanhã logo.

No começo, foi muito difícil lidar com a saudade e a quantidade de
novidades que aconteceram na minha vida, no entanto, eu sempre entendi o que
Elisa quis fazer ao nos separar. Fico imensamente feliz que resolveu suas
pendências nesse tempo e está se sentindo mais leve.

Foi bom me tornar um homem maduro e responsável também, só que
agora a única coisa que quero é aquela mulher.

Eu fiz tudo que ela pediu, menos a parte de ficar sem informações dela.
Ethan me contou cada detalhe do que aconteceu na vida deles. Torci e vibrei
muito de longe por suas conquistas e vitórias.

O caçulinha confessou, inclusive, que Elisa o leva ao parque aqui atrás
todos os dias e passa o tempo todo olhando para o lago. Disse ainda que ela dá
um jeitinho de perguntar se estou bem com frequência e as suas amigas
garantiram que me ama e não vê a hora do nosso reencontro.

Pode ter sido precipitado comprar esta casa e decidir pedi-la em
casamento no mesmo dia que vou revê-la, mas sinceramente, não quero
permanecer mais longe. Quero acordar e ficar admirando seu rosto bonito
dormindo, quero chupar sua boceta gostosa no café da manhã e fazer amor antes
que saia para o trabalho.

Eu quero o resto dos meus dias ao seu lado. Na alegria e na tristeza, na
saúde e na doença, até que a morte nos separe.

Peter foi aceito na Universidade de Chicago e vai cursar Literatura. Ele
também é apaixonado por livros como eu. Um dos cômodos é para que possa
morar com a gente, junto com Ethan que quero muito que seja adotado
oficialmente por nós e tenha um lar definitivo. Também fiz questão que tivesse
um quarto de visitas, para Tim ficar conosco sempre que quiser visitar seu filho.

Enquanto estive em Massachusetts, colaborei bastante com o núcleo de
pesquisa de Harvard, só que deixei o curso de Biologia para fazer aqui. Eu não
tive dúvida por nenhum segundo que meu lugar era nesta cidade. Ao lado do
meu amor.

Continuo arrumando cada objeto com carinho. Amber e Emma me
ajudaram a comprar os móveis de acordo com o gosto da Elisa. Se depois ela
quiser mudar alguma coisa, pode ficar à vontade.

É dona da casa, como é dona do meu coração.

Com dois andares de tijolinhos à vista, o meu novo lar conta com quatro
quartos, sala de estar, sala de jantar, cozinha, dois banheiros, biblioteca e um
quintal grande com bastante área verde. Nós cinco recebemos uma indenização
bilionária da Bioimmune por causa do tempo trancafiados e nem hesitei em
gastar uma parte dessa forma.

À medida que a noite vai chegando, meu peito se agita ainda mais. Tanto
de alegria por ver nosso cantinho organizado, como de ansiedade de me
encontrar com o amor da minha vida.

Quis tudo tão perfeito que até aprendi a cozinhar com Thomas. Estou
testando uma receita há mais de um mês para que saia deliciosa. Termino de
arrumar os pratos na mesa, jogo as pétalas de rosa ao redor da sala de jantar e
corro para tomar um banho e não me atrasar.

Pontualmente às onze e meia, estou trocado e pronto, andando de um
lado para o outro no tapete da sala. Se eu não conseguir controlar a minha
respiração acelerada, não vou nem conseguir chegar ao meu destino.

— O Ethan disse por mensagem no nosso grupo que Elisa acabou de
deixá-lo na casa do amiguinho para a noite do pijama e está voltando —
Matthew avisa, rindo do meu nervosismo.

Deixa só ele se apaixonar para ver.

Meu caçulinha cúmplice ajudou a organizar tudo, mesmo de longe. Hoje
foi dia de festinha com o pessoal da terapia em grupo da Elisa. Uma das amigas
dela que frequenta o lugar também tem um filho pequeno e Ethan planejou a
fuga para nos deixar a sós.

A madrugada vai ser pouca para o tanto de saudade acumulada.

— Eu acho que estou mais nervoso que você, irmão. Elisa é uma mulher
incrível, assim como você é pra nós. — Jimmy vem me abraçar, com a voz
embargada. — Torço muito pela felicidade de vocês.

— Obrigado, e eu pela sua. Você também vai encontrar alguém que te faz
perder o ar.

— Vai dar tudo certo, Dylan, só tente não infartar até chegar lá — Peter
brinca.

— Vou tentar! — Sorrio e o abraço também. — Obrigado por toda a
ajuda. Vocês são a minha família, amo demais cada um.

Esfrego o rosto, passo a mão na barba que ela tanto ama e vou pegar a
outra metade do meu coração de volta.


Tiro meus sapatos e jogo a bolsa e o casaco no aparador, esticando os
braços para o alto a fim de relaxar os músculos. Mal deixei Ethan na casa do seu
amigo para dormir e já estou sentindo falta do jeito sapeca e falante no meu
ouvido.

Deito-me no sofá, prendo meu cabelo no alto e pego o controle para
zapear alguma coisa para assistir. Nos últimos tempos, eu aprendi que é
importante relaxar também, então, agora não sou mais uma workaholic que
trabalha sem parar.

A festa de confraternização do grupo de terapia, por exemplo, foi um
momento de lazer muito legal. Fomos a um restaurante de comida vegana no
centro, demos bastante risada e conversamos até cansar. Ando tão bem comigo
mesma que até usei o vestido vinho, justo e com decote, que a Emma me deu no
aniversário do ano passado.

É libertador aceitar quem você é.

Encontro um canal passando o filme “Uma linda mulher” e não resisto a
assistir, mesmo que já tenha visto, no mínimo, umas dez vezes. Distraio-me
suspirando na torcida pelo Richard Gere e a Julia Roberts, até que a campainha
toca e me faz dar um pulo de susto no sofá.

Fito o relógio do aparelho da televisão e vejo que são meia-noite e um.
Será que é a Emma chegando do ensaio? Ela havia dito que ia varar a
madrugada. Levanto-me e sigo preguiçosa até a porta.

A imagem que aparece do outro lado me faz arregalar os olhos e ficar
paralisada com a mão na maçaneta, sem nenhuma reação. Era a última pessoa
que eu esperava ver no mundo a essa hora da noite.

Dylan está parado na minha porta.

Alto, forte, lindo como nunca.

E olhando para mim como se eu fosse o tesouro mais precioso da Terra.

Suas pupilas estão dilatadas do jeito que amo, sua boca está entreaberta e
seu rosto se movimenta de cima a baixo fazendo um raio-X do meu corpo. O
mesmo que faço nele.

O torpor é tão grande de nos revermos, depois de tantos meses, que os
dois ficam parados assimilando o reencontro em silêncio por alguns segundos.

— Eu... eu pensei em um discurso bonito por semanas sobre já ter dado
exatamente 365 dias e não aguentar mais ficar sem você. — Sua voz rouca e
grave rompe a quietude, arrepiando os pelos do meu braço. — Mas, porra, Elisa,
não há discurso suficiente... Minha mente só consegue raciocinar o quanto você
está magnífica, gostosa... e o tamanho da saudade no meu peito.

Meu coração dispara de tal forma com sua declaração, que exprime
exatamente tudo o que eu sinto, que não consigo dizer nada em resposta. Junto o
tecido da sua camiseta nos meus dedos e o puxo para mim, tirando qualquer
mísero espaço entre nós.

O contato das nossas línguas é explosivo no instante em que se unem,
jogando gasolina em cada terminação nervosa do meu corpo.

Dylan sobe uma mão para o meu cabelo preso e agarra os fios, ditando o
ritmo alucinante do beijo enquanto a sua outra mão passeia pelas minhas costas,
aperta a minha cintura e desce afoita para apalpar minha bunda.

Ele repete o movimento várias vezes, na mesma sequência, como se não
soubesse escolher o que fazer primeiro. Como se fosse um viciado em
abstinência da droga mais viciante.

Eu amo como Dylan me faz sentir ainda mais mulher. Linda, desejada.

Sem forças para aguentar tantos estímulos ao mesmo tempo, finco
minhas unhas nos seus ombros e tento apenas me manter de pé, oferecendo-me
em um banquete para ele.

Mordo seus lábios e engulo seus gemidos baixos quando me pega no colo
e me faz enlaçar as pernas ao seu redor. Empurro a porta de qualquer jeito com o
pé e ele me encosta na parede, esfregando seu membro duro em mim.

— Eu contei os minutos pra ter você assim de novo — confesso,
ofegante, tentando retomar o fôlego quando nos afastamos por falta de ar. — Eu
senti muita saudade.

Dylan desce os beijos para o meu pescoço, ora mordiscando, ora
lambendo a pele. Arqueio o corpo para trás, chocando-me com a parede fria e
aumentando a fricção do meu quadril no seu.

— Não tem... — Ele enfia o rosto no meu decote, e usa a mão livre para
apertar um dos seios com luxúria. — Não tem a mínima chance de nos
separarmos de novo. Você é minha... para sempre. Ouviu?

— Eu sou sua, meu amor. Só sua.

Dylan contorna meus lábios com a sua língua atrevida e mergulha mais
uma vez dentro da minha boca, ainda mais agressivo e urgente do que antes.
Com posse, amor e desespero misturados.

Começamos uma dança ardente pela sala, caminhando afoitos pelo
cômodo sem saber exatamente o que estamos fazendo. Quando minha bunda
bate no balcão da cozinha, ele para e se afasta apenas para me colocar sentada na
beira e jogar a fruteira que estava em cima do mármore de qualquer jeito para o
lado.

— Você está molhadinha pra mim, amor? — pergunta, já com seus dedos
sorrateiros adentrando meu vestido à procura da calcinha. — Eu necessito de
você agora... ou vou enlouquecer.

Agarro sua camiseta de novo, tentando me equilibrar, ao senti-lo afastar o
tecido para o lado e brincar com a lubrificação espalhando-a de cima a baixo.

— Boa menina! — Ele morde a minha orelha e eleva uma das minhas
pernas um pouco para o alto. — Sua boceta está encharcada, pronta pra engolir o
meu pau.

— Por favor, Dylan. — Subo minha mão para a sua nuca e puxo seu
cabelo, roçando meu rosto na sua barba.

— Por favor o que, minha gostosa? — provoca, enfiando dois dedos na
carne úmida.

Gemo alto, rebolando para aumentar o contato. Minha respiração está
entrecortada e meu peito sobe e desce.

— Me foda. Rápido. Duro. Me mostre o quanto estava com saudade.

Dylan solta um rosnado muito sexy e me levanta apenas o suficiente para
dar um tapa estralado na minha bunda. Seus dedos se afundam com força ali
antes de abrir o zíper em tempo recorde e abaixar a calça e a cueca, fazendo-me
salivar com a imagem do seu pau majestoso.

Mal tenho tempo de apreciá-lo, porém, pois logo sou preenchida pela sua
grossura. Estava sentindo tanta falta dele que me contraio toda, sugando-o ainda
mais apertado e com desejo.

— Ahhh, porra. Que delícia.

O barulho dos nossos corpos se chocando enquanto me preenche inteira
me deixa alucinada. Dylan ataca de novo meu pescoço e desce os beijos até
alcançar os seios. Não há nenhuma delicadeza ao abaixar a alça do esquerdo pelo
meu braço e afastar o sutiã para me abocanhar com fome. Ele mama com
vontade, estocando mais fundo a cada chupada.

Temo que não vou aguentar muito esse martírio. Aquela sensação
avassaladora do orgasmo começa a formigar dentro de mim.

Conhecendo-me perfeitamente bem, uma de suas mãos vai para o lugar
preferido na minha cintura, ajudando a estocar firme em um vaivém alucinante, e
a outra se fecha no meu pescoço, inclinando meu rosto para cima e me
obrigando a encará-lo enquanto faz exatamente tudo o que eu pedi.

Principalmente, na parte do duro e rápido.

— Minha — brada, saindo até a pontinha apenas para tomar impulso e
estocar bem fundo. — Minha mulher. Minha gostosa. Goza comigo, meu amor.

A pressão dos seus dedos no meu pescoço aumenta e rebolo loucamente
contra seu quadril para ajudar a intensificar a fricção. Quando nosso orgasmo
desponta, ele vem violento, reverberando como uma faísca até explodir direto no
meu coração.

Que saudade eu estava, meu Deus. Como eu amo nós juntos.

Meu homem.

Meu!

Agora nada vai nos separar.


Desço do carro, sorrindo, na expectativa pela surpresa que Dylan disse
ter preparado com muito carinho. Ele está tão misterioso que chegou a colocar
uma venda nos meus olhos desde que saímos da minha casa. Ouço sua
respiração mais curta e entrelaço nossos dedos só para constatar o nervosismo
pela palma suada.

Começamos a caminhar e paramos depois de poucos metros. O vento
gelado da noite ainda toca meu rosto, então, estamos na rua. Não entendo por um
momento do que se trata. Dylan acaricia meu braço por cima do casaco e se
posiciona atrás de mim.

— Pode tirar — sussurra no meu ouvido. Não me passa despercebida a
voz aflita.

Curiosa, puxo a venda rapidamente e pisco para enxergar melhor a casa
linda que está bem à minha frente. Reconheço a área verde que a rodeia, estamos
nas imediações do Lincoln Park.

A residência é grande, de tijolinhos à vista, com dois andares e janelas
compridas de madeira no estilo que havia na casa do senador Wright. Os
arbustos e as pequenas árvores plantadas na entrada a deixam com um aspecto
gostoso de lar.

Meu coração acelera e me viro para Dylan, tentando entender o que isso
significa. Assim que o vejo ajoelhado no chão, apontando uma caixinha
aveludada bonita para mim, meus olhos se enchem de lágrimas e minhas mãos
vão à boca pelo choque.

— Elisa Montemor, amor da minha vida, você aceita se casar comigo?
Eu voei por todo mar, como você me pediu, e agora tudo que eu quero é pousar
no seu peito. — Solto um soluço alto ao perceber que ele se lembra das palavras
que disse, um ano atrás. — Sem você, nada é suficiente. Nunca será o
suficiente.

— Sim! Sim! Simmmm! — Pulo no seu colo quando se levanta
sorridente, dando vários beijos nos seus lábios, no seu rosto, apertando-o forte
contra meus braços trêmulos. — Mil vezes sim, meu amor.

— Se você... se você gostar, esta casa é nossa! Pra criarmos outros
momentos, nosso lar.

— Nossa? Esta... esta casa? — pergunto, chocada.

Eu sei que os meninos ganharam uma quantia generosa de indenização
da Bioimmune, a do Ethan está guardada em uma poupança para decidir como
irá usar quando crescer. Mas esta casa deve ter custado uma fortuna pela
localização e o tamanho.

E ele quis comprar... para nós.

— Sim... você... você não gostou? — questiona, preocupado. — Eu
escolhi por causa do lago, o Ethan me contou que você sempre vem aqui, pensei
que poderia...

— Dylan, eu simplesmente amei! É uma casa incrível, em um lugar
incrível. Eu estou apenas abobalhada em como você é perfeito e pensa sempre
em todos os detalhes pra fazer meu coração disparar.

— Ahhh, meu amor. — Ele toca meu rosto e faz um carinho na minha
bochecha, sorrindo. — Eu farei tudo ao meu alcance pra te fazer feliz. Sempre.

Suspiro, completamente apaixonada, e ele se afasta para colocar o anel
no meu dedo. É uma peça linda de ouro, com dois arcos trançados no centro por
um diamante maior. Um dos arcos possui outros pequenos diamantes tornando-o
muito delicado.

— Eu amei! É muito lindo.

Recebo um beijo lento e entramos na casa de mãos dadas. Dylan
primeiro mostra o andar de baixo e eu me derreto ainda mais ao perceber pétalas
de rosa espalhadas em volta da mesa de jantar. Ele aprendeu a cozinhar apenas
para essa ocasião.

Meu Deus, que sorte a minha encontrar alguém assim.

Quando terminamos de ver a cozinha, a sala, a biblioteca e o quintal
amplo, subimos as escadas para conhecer o segundo andar. Fico muito feliz ao
confirmar que ele e Peter estão se dando bem e o garoto vai estudar Literatura na
Universidade de Chicago. Estou doida para conhecê-lo pessoalmente.

O quarto do Ethan também está perfeito, todo decorado com papel de
parede do Batman. A sua ideia de adotá-lo de vez me deixa transbordando de
amor pelo meu noivo.

Noivo.

É uma palavra que eu me acostumo muito rápido. Certa demais, trazendo
um quentinho no meu peito.

— Nosso quarto é o que tem suíte, o mais afastado pra você gemer alto e
me deixar louco de tesão. — Remexo as pernas, excitada só com o tom da sua
voz. — O quarto tem uma saída para a sacada em cima da garagem, e olha o que
podemos ver daqui...

Saio com ele pela porta de vidro e fico com vontade de chorar de novo ao
avistar ao longe o lago do Lincoln Park. Lágrimas de pura felicidade, que
preenchem cada célula do meu corpo.

— Eu vim nesse lago tantas vezes no último ano. Se eu fechasse os
olhos, podia sentir o gosto do nosso primeiro beijo. — Sorrio e me viro para
enlaçar seu pescoço. Faço um carinho na sua barba, mas logo paro ao me
lembrar de algo. — Peraí! Você disse agora há pouco que o Ethan te contou do
lago. Você estava furando nosso trato, Dylan?

Arqueio a sobrancelha, divertida, aguardando-o se explicar.

— Eu fiz tudo o que você pediu, Elisa, mas era impossível ficar sem
notícias suas. Ethan é o perfeito cupido, me contou tudinho. Inclusive, ele armou
esta noite do pijama na casa do amigo pra nos deixar a sós.

— Olha só esse descarado! Eu perguntava de você às vezes, porque
também não me aguentava, e ele era supereconômico nas palavras.

— Tudo friamente calculado por nós pra você não desconfiar.

Sorrio de novo e me aproximo mais dele, roçando meu nariz no seu.

— Você fez tudo mesmo? Até... até... — Engulo em seco, espantando
meu ciúme. Eu pedi para ele experimentar coisas novas, era importante para o
nosso futuro. — Até se envolver com outras pessoas?

— Só uma — declara, sério, olhando no fundo dos meus olhos enquanto
segura minha nuca. — E olha, Elisa, foi unicamente porque você pediu. Eu
nunca tive dúvidas que eu não precisava de outra. Foi apenas algo físico, sem
graça... sem você.

Mordo os lábios, sentindo borboletas formigarem no meu estômago.
Nossa respiração quente e acelerada vai aumentando a intensidade do nosso
olhar e quando nos damos conta estamos novamente atracados um no outro
naquela febre intempestiva.

Mãos, bocas, gemidos e sussurros.

Entramos de volta no quarto e Dylan fecha a cortina de qualquer jeito,
puxando-me junto com ele para a cama. Sento-me no seu colo, apoiando minhas
pernas na lateral do seu corpo, enquanto arranho seu peito sobre a camisa e
mordisco a pele do seu pescoço quente.

— A minha intenção era ser fofo... — diz com dificuldade pela falta de
fôlego. — Eu queria servir a comida, tomar um bom vinho, conversar sobre os
últimos meses primeiro... só depois era o itinerário de chupada gostosa na mesa e
sexo selvagem na sala, na biblioteca e aqui..., mas eu ainda estou com tanta
saudade de você que cogito seriamente em pular para a sobremesa agora.

— Eu não vou reclamar disso — afirmo, arrancando um novo gemido
dele ao subir as minhas mãos por baixo da sua blusa.

Brinco com seu mamilo enquanto volto a atacar sua boca. Meu quadril se
movimenta freneticamente no seu membro duro. Quando percebo que já está
perdendo completamente o controle, prestes a me jogar na cama e se enterrar em
mim, afasto-me e fico de pé na sua frente.

Acompanho seu rosto confuso, a boca entreaberta puxando ar e os olhos
pequenos tentando entender o que vou fazer. Dou um passo para trás e ele fita o
interruptor, de certo imaginando que vou desligar a luz como fiz todas as outras
vezes.

Sorrio porque é justo o contrário. Eu quero me mostrar a ele pela
primeira vez. Completamente nua.

Coloco a mão na barra do vestido e vou subindo lentamente a peça pelo
meu quadril largo. Acompanho excitada seus dedos agarrarem a colcha da cama
e sua língua umedecer os lábios.

Assim que termino de tirar a peça, jogo-a no chão ao meu lado e acaricio
meu corpo tirando um rosnado de Dylan, que mal respira encarando-me com
desejo cru. Passo os dedos na borda do sutiã, desço-os pela minha cintura fina e
pela barriga saliente. Brinco com a borda da calcinha também, remexendo o
quadril devagar ao ritmo de uma música imaginária.

— Caralho de mulher gostosa. Vire de costas, deixa eu ver essa bunda
que amo.

Obedeço com prazer, aproveitando para empiná-la na sua direção e
descer a calcinha. Escuto o barulho do seu corpo se mexendo, ávido para vir para
cima de mim, mas o mando ficar quietinho no lugar.

— Ainda não, garotão. Não terminei aqui.
Jogo a calcinha em cima do vestido e viro a cabeça para trás porque não
quero perder nenhuma das suas reações. Eu amo como ele não economiza em
nenhuma delas, deixando-me a par de exatamente o que está sentindo.

Subo os dedos para o fecho do sutiã, desço as alças pelo meu braço e
seguro o pano do centro até ficar novamente de frente para ele. Quando se junta
ao resto das roupas, caminho até onde está sentado permitindo que veja de perto
quem eu sou de verdade.

— Você é linda, Elisa. A mais linda de todas.

Sorrio e pego suas mãos, direcionando-as para me tocar primeiro nos
seios. Ele apalpa, sente o peso e o volume. Faço o mesmo caminho que fiz há
pouco, descendo pela cintura e apoiando-as no meu quadril. Arqueio o corpo
para frente, gemendo gostoso, quando me pega de surpresa e dá um tapa forte na
minha bunda.

Eu adoro quando ele bate e acaricia em seguida, para instantes depois
fincar suas unhas na carne macia.

Antes que a gente se inflame e perca os sentidos um no outro, eu me
ajoelho e amarro o cabelo em um coque frouxo. Estou salivando de vontade de
chupar o seu pau, preciso do gosto da sua lubrificação na minha boca.

Abro o zíper da calça e o ajudo a tirar junto com a cueca. Impaciente, ele
arranca também a camisa antes que eu tenha o prazer de fazer isso.

— Apressadinho — brinco, apoiando meus braços na sua coxa
musculosa.

— Eu não tenho culpa se tenho uma mulher deliciosa, que me deixa com
um tesão insano.

Aproveito o elogio para abocanhá-lo na glande, apertando minhas duas
mãos ao redor do seu comprimento ereto. Dylan arfa e joga o tronco para trás,
puxando meu cabelo com força.

Cuspo saliva para aumentar a fricção e o chupo como se estivesse há dias
no deserto, morrendo de fome e sede. Faço com tanta vontade que ele fica louco,
gemendo e se mexendo na cama, desesperado.

A minha intenção era fazê-lo gozar na minha boca, mas Dylan realmente
não é uma pessoa paciente e me puxa para cima. Penso que vai me fazer sentar
no seu colo, no entanto, ele se deita e me levanta pela bunda até que esteja na
direção do seu rosto.

Eu nunca vou me acostumar em como ele é forte e ágil.

— Esfregue essa boceta gostosa na minha cara, Elisa. Quero seu gosto na
minha língua.

Infiltro meus dedos no seu cabelo e me posiciono dentro da sua boca
aberta. Eu quase havia me esquecido como esse homem sabe fazer um oral
incrível. Dylan segura minha bunda e ajuda nos movimentos cadenciados para
frente e para trás.

A sua barba resvalando na minha pele torna a experiência ainda melhor,
estou tão molhada que a sensação gostosa do orgasmo não demora a despontar.
Levo uma das mãos ao seio e o apalpo sob seu olhar selvagem.

Dylan passa a língua no meu clitóris e começa a tortura dos movimentos
rápidos, afundando-me ainda mais nele. O clímax chega pujante como todas as
vezes que estamos juntos.

Sedenta por mais, e ainda sentindo minhas paredes internas pulsando,
desço o corpo e me encaixo no seu membro, deslizando fácil de tão encharcada.

— Ahh, caralho. — Ele acaricia minhas costas e aperta minha cintura. —
Cavalga no pau do seu homem.

— Eu vou cavalgar. Vou cavalgar até você jorrar tudinho dentro de
mim.

Cumpro minha promessa em uma ânsia alucinante e apaixonada, que me
deixa excitada e acelera as batidas do meu coração.

Dizer “sim” a ele sempre foi a melhor escolha.

Tanto no dia que decidi colocar a minha vida e a minha carreira em risco
para tirá-los do subsolo, como quando me rendi à atração avassaladora que
causou em mim culminando nesta noite tão perfeita.

Agora não há mais Bioimmune, medo ou nossas mentes trancafiadas para
nos impedir.

Somos livres, de corpo e alma, para nos amar.


6 meses depois

Por muito tempo, eu ansiei sentir a brisa fria do vento e o calor do sol na
minha pele achando que essas seriam as melhores sensações do mundo. De fato,
são experiências incríveis — ainda mais para um garoto que passou a vida
trancafiado em um laboratório, doutrinado a pensar que a sua única missão era a
ciência.

Eu jamais cogitei que existiria algo maior e mais profundo, capaz de me
deixar mudo, de esquentar o meu corpo só por vê-la, acelerar o meu coração e
preencher o meu peito.

Não fui criado para amar desta forma, mas Elisa me resgatou e me
ensinou a grandiosidade desse sentimento. Nunca irei encontrar palavras para
agradecê-la por tudo que fez por mim.

Por nós.

Olho para os meninos na primeira fileira e sorrio, tentando evitar um
infarto antes do melhor dia da minha vida se concretizar. Suor escorre pela
minha testa, contrastando com o frio que se apossa da minha mão gelada de
nervoso.

O gramado do quintal da nossa casa está lotado de pessoas que torcem
por nós e passaram a ser muito mais que amigos: uma grande família. Thomas,
Jimmy e Matthew vieram com seus pais e irmãos; Ingrid está com o marido;
Schumer sentado ao lado do senador Wright; e Peter e Tim bem à minha frente.

O som melodioso do piano chega aos meus ouvidos e ajeito a minha
gravata, engolindo em seco para aguardá-la entrar. Nossos convidados ficam de
pé nas primeiras notas a fim de acompanhar Emma, Amber e a senhora Moore
passarem pelo caminho de pétalas que leva até o altar.

Tento prestar atenção no ritual que ensaiamos tantas vezes esta semana,
só que é impossível refrear a emoção ao saber que em instantes ela vai virar o
arbusto e adentrar pelas mesas decoradas até mim.

Coloco as duas mãos na frente do corpo e arrumo minha postura,
trocando o peso da perna. O violino também começa a tocar, alertando meu
cérebro que realmente vai acontecer.

Agora.

Demora poucos segundos para Elisa aparecer, deslumbrante, no meu
campo de visão e fazer meu peito se expandir ao máximo, injetando adrenalina
no meu sangue. Não tento disfarçar as lágrimas que escorrem pelo meu rosto,
não tenho vergonha nenhuma de demonstrar a todos como essa mulher tem o
poder de mexer comigo.

A música traz o encaixe perfeito para eternizar o momento, pois a letra
representa tudo que vivemos até aqui. Eu fiquei longe, conheci o mundo, e nada
foi suficiente para mim sem ela ao meu lado.

Sem você
Todo o brilho de mil holofotes
Todas as estrelas que roubamos do céu noturno
Nunca serão suficientes
Nunca serão o suficiente
Torres de ouro ainda são muito pouco
Estas mãos poderiam segurar o mundo, mas elas
Nunca serão o suficiente[2]

Elisa está vestida de branco, com as alças grossas caídas nos seus ombros
nus. O tecido marca a sua cintura e fica soltinho até os pés. O sol fraco do final
da tarde toca os fios loiros do seu cabelo, presos de lado por uma flor da mesma
cor do vestido, deixando-a esplendorosa.

A figura pequena de Ethan segurando sua mão, trazendo-a para mim, é a
personificação da palavra felicidade.

Tudo à minha volta fica borrado e a única coisa que consigo focar é no
seu rosto angelical sorrindo. Quando chega na metade do caminho, vou ao seu
encontro, sem me aguentar. Descobri que sou alguém muito impaciente quando
se trata da urgência dela. Seguro seu rosto e dou um beijo na sua testa, secando
as lágrimas que também descem pela sua bochecha.

— Você está linda, meu amor.

Elisa aperta seus braços em volta da minha cintura e posso sentir como
seu peito está agitado. Agradeço ao meu caçulinha por cuidar dela para mim e
seguimos o resto do trajeto sorrindo um para o outro, sem conseguir desviar a
atenção um segundo sequer.

De frente para o altar improvisado, que possui um arco de madeira com
trepadeiras, fazemos nossos votos e juramos lealdade e amor eterno.

Se existir uma vida depois desta, eu não tenho dúvidas de que lá também
iremos dar um jeito de nos encontrar.


Pego a garrafa de vinho para abastecer minha taça, mas desisto ao ver
Elisa vindo na minha direção, toda sorridente. Ela estava dançando com as
meninas no gramado e seu cabelo ficou bagunçado de um jeito muito sexy.

Sento-me na cadeira vazia ao lado da mesa de bebidas e a puxo para ficar
no meu colo, abraçando sua cintura e deixando um beijinho no seu pescoço. A
noite chegou e a temperatura caiu um pouco, sua pele está fria. Por mim, eu teria
me casado uma semana depois que pedi a sua mão, só que o inverno e o começo
da primavera em Chicago não colaboram com festas no quintal.

Eu queria que fosse perfeito, do jeito que ela sempre sonhou e não teve
no seu primeiro casamento. O ciumento que existe em mim, por mais que saiba
que ela sequer se lembra daquele idiota, quer que tudo conosco seja mil vezes
melhor.

— Eu acho que o próximo casamento vai sair dali, oh! — Olho na
direção que sua cabeça aponta e sorrio ao ver Thomas e Emma se beijando.

Os dois não se desgrudaram um segundo sequer desde que ele chegou
para a cerimônia, há dois dias.

— Se dependesse do Thomas, eles já tinham três filhos e um cachorro. O
menino está rendido há meses, como eu. O problema é a distância e a correria de
trabalho da Emma.

— Eu nunca a tinha visto tão apaixonada, acontece que os dois se
conheceram justo na época da oportunidade da sua vida na dança. Espero que
encontrem um jeito de dar certo.

— Vai dar, igual deu pra nós! A Amber também está feliz, né? —
Observo a jornalista e o agente do FBI com gratidão por tudo que fizeram para
provar a culpa da Bioimmune.

Os dois não se cansam e continuam até hoje trabalhando duro para
garantir que possamos ter uma vida normal, na medida do possível. Agora que a
nossa mutação está realmente ajudando a salvar vidas, a grande maioria da
população nos apoia e nos respeita.

Eu amo sair de casa para estudar e ajudar nas pesquisas, sabendo que no
final do dia posso voltar tranquilo pelas ruas a fim de curtir minha família.

— Eles são durões no amor, tentam negar que é tudo isso, mas olha lá a
mão dele toda protetora na perna dela. A cabeça no ombro denuncia.

— Eu sou tão pleno depois que descobri esse tipo de amor, que agora o
desejo pra todo mundo. Menos para o Ethan, que ainda está pequeno demais.

— O Ethan só depois dos 21, e olhe lá! Matthew também ainda não,
muito novo. — Ela dá risada, mas sei que tem um fundo de verdade. Elisa morre
de ciúme dos meninos, principalmente, o caçula. — Quem eu acho que também
pode desenrolar em breve, isso se já não aconteceu e estão escondendo, é o
Jimmy e o Peter.

— Sério? — Sorrio, empolgado com essa possibilidade, e os procuro
com o olhar pelas mesas da festa. — Eu nunca percebi não.

— Você acha que o Jimmy quis se mudar de volta pra Chicago, há duas
semanas, por quê? Meu instinto de cupido diz que a amizade que criaram pode
ser algo a mais.

— Se for isso mesmo, eu dou o maior apoio. São dois caras
maravilhosos.

— Eu amo como você é perfeito, nunca me decepciona em nenhuma
atitude. — Ela inclina a cabeça para baixo e faz um carinho na minha barba,
deixando um selinho nos meus lábios.

Aperto sua cintura e a puxo pela nuca, exigindo um pouco mais da sua
boca gostosa.

— Será que se a gente der uma sumidinha rápida, vão perceber? —
sussurro, notando meu pau crescer na calça social. — Está todo mundo tão
entretido, acho que nem vão reparar.

— Cinco minutinhos... — Elisa arfa, puxando meu lábio inferior com seu
dente. — Acho que cinco minutinhos não vão perceber. A gente pode ir na
biblioteca, ninguém vai nos procurar lá no dia do casamento.

— Eu vou botar sua calcinha de lado e te foder inclinada na poltrona de
leitura. Depois que você gozar gostoso, jorro minha porra na sua boca. Que tal?
— sugiro no seu ouvido e ela finca as unhas no meu braço. — Tenho que honrar
meu título de nunca te decepcionar.

Elisa pega minha mão e se levanta, apressada, empurrando-me jardim
afora. A brisa fria do vento toca meu rosto e meu coração acelera, trazendo um
sorriso verdadeiro ao meu rosto.

Ser livre com ela, é a melhor forma de liberdade.

FIM

Ufa! Nem acredito que cheguei ao fim deste livro. Foram três meses
insanos para tirar do papel esta ideia que tive no começo de 2017. Hoje vejo que
foi bom ter aguardado eu amadurecer minha escrita para fazer uma história tão
fora da minha zona de conforto.

Chorei, fiquei brava por ter inventado ficção científica, não dormi direito,
comi demais para varar as madrugadas... Ouso dizer que foi a obra que mais me
consumiu entre todas que já escrevi.

Chego a estes agradecimentos com o coração leve e a consciência feliz
por poder dizer “eu consegui”. A alegria foi tanta que minha família inteira
comemorou aqui em casa comigo, cantando a música “We are the champions”,
do Queen.

Por terem sido tão pacientes com a esposa e a mãe ausente, meu primeiro
agradecimento vai para o meu marido Ednelson Prado e aos meus filhos Arthur e
Matheus. Sem o apoio de vocês, a minha carreira não seria possível.

Minha irmã Pollyana Fonseca me ajudou muito como uma consultora
americana. Ela morou mais de dois anos em Chicago e, como nunca tinha
ambientado nada fora do Brasil, seus toques foram fundamentais.

Agradeço ainda à Beatriz Menezes, a primeira leitora que conheci
pessoalmente em uma Bienal e que nesta obra me ajudou muito com sua
experiência para um dos temas abordados. Minha beta Danielle Barreto, foi
impecável como sempre, tornando o enredo mais emocionante e fechadinho.

Barbara Pinheiro, minha revisora do coração, qualquer dia desses vai
pedir demissão das minhas loucuras. Toda vez eu juro que vou trabalhar
direitinho, e sempre ficamos na correria dos 45’ do segundo tempo. Obrigada por
não desistir de mim.

Às minhas amigas Crys Carvalho, Lucy Foster, Ray Pereira e Vall
Chruscielski agradeço os momentos de risadas e apoio nos surtos. Amo nosso
grupo!

Por fim, e não menos importante, agradeço ainda o carinho das leitoras
incríveis que fazem parte do grupo Lindezas da Ari no WhatsApp e no
Facebook; e as que me acompanham pelo Instagram e no Wattpad. Obrigada por
serem as melhores leitoras que um escritor poderia ter.


Meu nome é Ariane Fonseca, mas pode me chamar de Ari. Moro em
Taubaté (SP), com dois filhos e o marido. Tenho 32 anos, sou formada em
Jornalismo e pós-graduada em Gestão da Comunicação em Mídias Digitais.
Apaixonada por livros desde criança, decidi em 2017 criar minhas próprias
histórias no Wattpad.

Quero convidá-la a conhecer outras obras minhas, todas são recheadas de
emoção, amor, sensualidade e reviravoltas de deixar o coração pequenininho.

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Infinito enquanto dure
Não te darei meu coração (spin-off de Infinito enquanto dure)
Transcendente – Pra você guardei o amor
Antes da última respiração
Inspire | Série Sentidos 1
Veja | Série Sentidos 2
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Site: www.autoraarianefonseca.com.br
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Wattpad: www.wattpad.com/arifonseca















Você gostou de Experimento e acha que os personagens secundários merecem
um spin-off? Mande uma mensagem no meu Instagram @arianefonseca que vou
amar conversar sobre essa ideia.




[1] Clarice Lispector foi uma escritora e jornalista brasileira nascida na Ucrânia. Autora de romances,
contos e ensaios, é considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior
escritora judia desde Franz Kafka.
[2]
Never Enough - Loren Allred

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