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Reconstrução nas amputações traumáticas

Abel Nascimento

Serv. Ortopedia e Traumatologia dos HUC, ICR - Coimbra

Da mesma forma que para a reconstrução das perdas ósseas e tecidos moles
traumáricas, também nas amputações traumáticas é necessário, por parte dos
cirurgiões da mão/microcirurgia, ter os conhecimentos de ortopedia, cirurgia
plástica, microcirurgia vascular e nervosa e um profundo conhecimento da
anatomia dos membros.

Na nossa prática clínica, cujo início coincidiu com o despertar da microcirurgia há


cerca de vinte e cinco anos, acompanhámos a evolução natural da microcirurgia,
desde a ideosincrasia inicial até à estabilização dos procedimentos nos anos 90.

Ao longo destes anos, com uma casuística de macro e microreimplantes de mais


de centena e meia de casos, verificámos que houve uma significativa mudança na
quantidade e tipo de amputações que interessa clarificar. Durante os anos 80 e
início dos anos 90 houve uma diminuição assinalável do número de esfacelos e
avulsões/amputações devido a um decréscimo de acidentes de trabalho, em
virtude do encerramento de pequenas e médias indústrias, reconversão em
fábricas mais modernas e automatizadas, aumento da protecção das máquinas e
regulamentação e aplicação da legislação de segurança no trabalho e mudança
nos hábitos, estilo e qualidade de vida da população.

Para as reimplantações existem princípios, indicações e critérios, nomeadamente:


tempo, idade e tipo de lesão. O tempo decorrido entre o acidente e a cirurgia deve
ser o mais curto possível. Aceita-se como limite máximo para um macroreimplante
6 horas e para um microreimplante pode ir até às 8-10 horas. O êxito da cirurgia
está muito dependente do tempo decorrido, pois a necrose definitiva de algumas
estruturas e o risco de infecção aumentam com o tempo de isquemia fria. A
indicação da reimplantação varia na razão inversa da idade, havendo como limite
os 60-65 anos, dependendo do estado geral, do nível da amputação e da
profissão. O esmagamento/avulsão são critérios de rejeição, sendo as indicações
para reimplantação as secções lineares ou de pouca maceração dos tecidos.

O nível da amputação é muito importante, tendo indicação major de reimplantação


as amputações até ao cotovelo e acima deste as indicações são praticamente
nulas. As amputações acima do cotovelo só têm indicação em jovens, secções
lineares e se não houver avulsão do plexo braquial, sendo discutidas caso a caso.
Nestes doentes o risco de morte por síndrome de revascularização com rim de
choque, anúria ou pulmão de choque é bastante elevado. Ao nível digital os
critérios de reimplantação vão em primeiro lugar para o polegar, sendo os
restantes dedos em multiamputações a reimplantação de um ou dois dedos para
obtenção de pinça policidigital. A amputação do indicador ao nível de F1 ou
articulação interfalângica proximal pode ser uma contraindicação dadas as
complicações funcionais. A amputação por ring finger (desenluvamento) tem um
prognóstico muito reservado, cujo êxito é cerca de 30%.

Os casos politraumatizados são quase sempre uma contraindicação, devendo


avaliar-se se os parâmetros vitais permitem uma cirurgia de longa duração e se
hemodinamicamente o doente está estável. Os hábitos tabágicos são
contraindicação a priori, devido ao vasoespasmo que a nicotina induz. O
acondicionamento deverá ser efectuado com um material limpo (o mais estéril
possível) e sem estar em contacto directo com o gelo. Por exemplo, embrulhado
num lençol, toalha, compressa e fechado num saco de plástico e só depois
introduzido num recipiente com gelo. A peça amputada em contacto directo com o
gelo sofre queimadura e o gelo derretido tem um pH e osmolaridade diferente dos
tecidos levando a destruição celular e alterações da microcirculação.

No planeamento cirúrgico de uma reimplantação deveriam existir duas equipas em


que uma preparasse o leitor receptor e a outra o membro amputado com
identificação e preparação das estruturas a reparar (ósseas, tendinosas,
vasculares e nervosas), a fim de encurtar o tempo cirúrgico. A reconstrução
deverá ser efectuada tendo a seguinte ordem de reparação: osso, tendões,
artéria(s), nervos, veia(s) e pele. A osteossíntese deverá ser efectuada com
encurtamenrto ósseo para permitir a sutura directa das estrutras vasculares. As
veias dorsais serão das últimas estruturas a reparar para permitir a eliminação de
produtos tóxicos de catabolismo e, assim, diminuir os efeitos do síndrome de
revascularização nos macroreimplantes. Nos macroreimplantes efectuar
elementarectomia, ou seja, ablação de massa muscular e tendões superficiais a
fim de evitar o síndrome compartimental e permitir a manutenção da circulação de
retorno venoso e linfático. A sutura das veias concomitantes deverá ser efectuada
a fim de evitar as complicações da drenagem das veias superficiais justapondo o
sistema linfático para que haja uma regeneração dos colectores linfáticos.

No post-operatório imediato o ambiente deverá ser aquecido (evitar o


vasoespasmo) e ser efectuado controlo dos parâmetros vitais no recobro e,
posteriormente, numa unidade de cuidados intermédios. A medicação baseia-se
na antibioterapia, antiinflamatórios, anticoagulantes, soros de baixo peso
molecular, dipiridamol, antiagregantes e sangue fresco filtrado apenas quando a
hemoglobinémia for menor que 7-8 mg/dl. Deverá ser efectuada monitorização
com aparelho de alarme das peças reimplantadas. Deverá ser instituído um
protocolo de reabilitação com mobilização passiva e activa a partir das 48 horas.

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