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Introdução

ao Pensamento Causal em
Epidemiologia

Escola Nacional de Saúde Pública


Fundação Oswaldo Cruz
DINTER Piauí 2017
A Epidemiologia é a ciência da saúde da população

ObjeDvos da epidemiologia:
Ø Descrever a distribuição dos agravos à saúde na
população
Ø Iden>ficar as causas dos agravos à saúde
Ø Produzir evidências cienAficas relevantes à Saúde
Pública. Quando cumprindo esta função, a epidemiologia
é definida como epidemiologia translacional (EpiTrans).
Ø A EpiTrans é um processo que culmina com a
transferência de conhecimentos ob>dos a par>r de
estudos epidemiológicos ao planejamento de
programas e polí>cas de controle de doenças, tanto em
nível individual, quanto em nível populacional.
Exemplos de epidemiologia translacional no Brasil

Ø  Proibição de fumo em ambientes fechados
Ø  Programas de vacinação
Ø  Prevenção do câncer de colo uterino
Pressupostos básicos da epidemiologia:

•  A ocorrência e distribuição dos eventos relacionados à
saúde não se dão por acaso.

•  Existem fatores determinantes das doenças e agravos
da saúde que, uma vez idenDficados, precisam ser
eliminados, reduzidos ou neutralizados.

•  Estabelecer nexos causais está no cerne da
Epidemiologia como campo cien[fico orientado para o
estudo de eventos relacionados à saúde em
populações humanas.
O que caracteriza uma relação causal?

Um evento, condição ou caracterísDca que precede o


início da doença e que, se o evento, a condição ou a
caracterísDca fossem diferentes de uma maneira
especificada, a doença não teria ocorrido.

Ênfase sobre o fato de que se a causa não Dvesse


ocorrido, o resultado não teria ocorrido.
A conceituação e operacionalização metodológica da
c a u s a l i d a d e é u m a q u e s t ã o f u n d a m e n t a l n a
epidemiologia. IdenDficar causas é uma das maneiras do
pensamento cien[fico abordar a explicação das origens de
um fenômeno.

O uso de regras ou receitas para inferir causalidade deve
ser visto como uma estratégia subjeDva para facilitar a
abordagem de um problema altamente complexo.

Um aspecto comum a todas as contribuições é o
pressuposto de que a inferência causal requer a existência
de modelos teórico-operacionais que sustentem as
hipóteses causais em questão.
A par>r do final do século XVIII, surgiram diversas
contribuições referenciais para os estudos causais no

âmbito da pesquisa epidemiológica

Ø  Edward Jenner – “vacinação” contra varíola (1768)
Ø  Ignaz Semmelweis – febre puerperal (1847)
Ø  John Snow – surto de cólera em Londres (1854)

Era microbiana e os postulados de Henle-Koch (1880)


Ø  O agente deve estar presente em todos os casos da
doença em questão
Ø  O agente não deve ocorrer nem de forma casual de
forma patogênica em outra doença
Ø  Isolado do corpo e crescido em cultura pura, deve
induzir a doença quando inoculado em suscep[veis
Desafios atuais para o estabelecimento das relações
causais:
crescente complexidade do processo-saúde
doença: grandes transformações na população
(distribuição, comportamentos), no ambiente, nas
políDcas (o contexto), genéDca, epigenéDca, etc...

Primeiros passos para construção de um modelo de
causalidade:

1) Qual a pergunta da pesquisa?
2) Qual a hipótese?
3) Qual o conhecimento empírico a respeito do
problema que quero estudar?
Evolução das propostas para inferência causal:

•  Critérios de Hill
•  Modelo de causas componentes, suficientes e
necessárias (Rothman)
•  Modelo contrafactual (respostas potenciais)
•  Modelos gráficos (Gráficos acíclicos dirigidos – DAG)
1) Critérios de Hill

Em 1965, Sir AusDn Bradford Hill


publicou nove "pontos de vista" ou
“ c o n s i d e r a ç õ e s ” p a r a a j u d a r a
d e t e r m i n a r s e a s a s s o c i a ç õ e s
o b s e r v a d a s e m e s t u d o s
epidemiológicos eram causais. Desde
então, os "Critérios de Hill" tornaram-
se os mais citados para a inferência
Esta[sDco e epidemiologista
1987-1991
causal em estudos epidemiológicos

The Environment and Disease: Associa>on or Causa>on?



by Sir AusDn Bradford Hill (Professor Emeritus of Medical StaDsDcs, University
of London) MeeDng January 14th 1965 - SecDon on OccupaDonal Medicine
Published on Proc R Soc Med. 1965;58:295–300.
1) Força da associação: quanto mais forte uma associação
entre a exposição e a doença, mais provável que a
associação seja causal. A força da associação é medida
pelo risco relaDvo ou pelo odds raDo

2) Consistência: repeDção dos achados em diferentes
situações (tempo, lugar e pessoa) e delineamentos de
estudos

3) Especificidade: exposição específica causa a doença

4) Temporalidade: causa deve ser anterior à doença

5) Gradiente biológico (efeito dose-resposta):quanto
maior a exposição maior o risco
6) Plausibilidade biológica: a associação deve ter uma
explicação plausível, concordante com o nível atual de
conhecimento do processo patológico

7) Coerência: os achados devem seguir o paradigma da
ciência atual

8) Evidências experimentais: mudanças na exposição
mudam o padrão da doença

9) Analogia: quando um agente conhecido produz um
efeito é provável que agentes da mesma classe ou
semelhante produzam o mesmo efeito.
Hill afirmou corretamente no final de seu discurso que
"[o] trabalho cien[fico está incompleto ... [e] suscep[vel
de ser modificado pelo avanço do conhecimento“

Inferir causalidade é uma tarefa complexa, envolvendo
diversas áreas da invesDgação


Revisão dos critérios de Hill - Fedak KM, Bernal A, Capshaw
ZA and Gross S. Applying the Bradford Hill criteria in the 21st
century: how data integraDon has changed causal inference in
molecular epidemiology. Emerg Themes Epidemiol (2015) 12:14
2) Modelo de causalidade de Rothman

Conjunto de causas componentes
conformam as causas suficientes para o
desenvolvimento de um agravo.
Existem vários modelos de causas
Boston University School of
Public Health Dept of
suficientes ( Causes. American Journal of
Epidemiology, dec 1976).
Epidemiology

Um conjunto de fatores agem simultaneamente para


produzir um desfecho (causas suficientes). A ausência de
uma causa componente mudaria a ocorrência do
desfecho.
Modelo de causalidade de Rothman

Modelos de causas suficientes para elevados níveis de
colesterol

Ø  Quais são as causas componentes de cada modelo?



Ø  Existe alguma causa necessária?
Diferentes modelos causais na população

Fonte: Keys & Galea – Epidemiology matters


Causas (exposições) compar>lhadas entre os indivíduos
de uma população

Fonte: Keys & Galea – Epidemiology matters


Contribuições:
•  A causalidade é mulDfatorial: cada mecanismo causal envolve a
ação conjunta de várias causas componentes
•  Existem causas "necessárias" e "suficientes"
•  Força da associação: depende da prevalência das causas
componentes
•  Períodos de indução: cada causa componente não é específica
para a doença
•  Controle de doenças: pode se basear em causas componentes
isoladas

Limitações:
•  Você nunca conhecerá todos as possíveis combinações de causas
componentes
•  Os efeitos causais são inferidos a parDr de nossos dados, mas
nunca diretamente observados.
•  Não é úDl para descrever mecanismos sequenciais
Cenário Exemplo Explicação

Causas Necessárias e Trissomia do 21 e Todos os indivíduos com 3


Suficientes Síndrome de Down cópias de cromossomo 21
tem a doença
Causas Necessárias mas Consumo álcool e
Nem todos que
Insuficientes. alcoolismo consomem álcool
desenvolvem alcoolismo,
mas todos com alcoolismo
consomem álcool.
Causas Desnecessárias mas Histerectomia e A histerectomia é
Suficientes prevenção da gravidez suficiente
para evitar gravidez, mas
não é necessária para isto.
Existem outros métodos
Causas Desnecessárias e Fumo e Ca pulmão Fumo não é suficiente para
Insuficientes a doença e não fumantes
podem desenvolver câncer
de pulmão
3) Modelo Contrafactual -
modelo de respostas potenciais
de Rubin (1986)

Harvard School – Dept of StaDsDcs

Embora a causalidade contrafactual esDvesse presente nos


estudos filosóficos desde final do sec. XVIII, somente nos
anos 80 ela passou a ser incorporada na invesDgação
epidemiológica

Dizemos que um fator é uma causa se o resultado não
Dvesse ocorrido na ausência desse fator, assegurando que
tudo o mais permaneceu constante, incluindo espaço e
tempo.
Entretanto, é impossível ‘observar’ o efeito da causa
(exposição) e da não exposição ao mesmo tempo para o
mesmo indivíduo. Para Holland este é o “Problema
Fundamental da Inferência Causal”

Soluções????

Na impossibilidade de observar o efeito causal em um


indivíduo específico, subsDtui-se pela esDmaDva do "efeito
causal médio" em uma população de indivíduos (alocação
aleatória – experimento – independência entre os
indivíduos)
1) Hipótese da estabilidade temporal

A exposição
anterior não
interferiria na
exposição
subsequente


2) Hipótese da homogeneidade de unidades – selecionar
cuidadosamente as unidades de comparação de modo
que elas pareçam idênDcas em todos os aspectos
relevantes por estraDficação ou pareamento
Contribuições:

Ø  Especifica claramente a o efeito de interesse, a
exposição, o tempo, etc..


Limitações:

Ø  Reduz o raciocínio causal a uma forma de experimento,
o que não pode ser adequado para algumas perguntas
de pesquisa

Ø  Restringe o grupo a uma soma dos indivíduos sem
considerar suas relações
4) Gráficos acíclicos direcionados (DAG)

Formalizado matemaDcamente por


Judea Pearl, 2009

UCLA Computer Science Dept

Ferramenta simples para codificar o conhecimento do


assunto, os pressupostos acerca da estrutura qualitaDva
causal de um problema

• Aplicável a uma pergunta especifica de causalidade:

X causa Y?

• Não aplicável a pergunta: quais as causas de Y?
Gráficos acíclicos direcionados (DAG)
D (direcionado ) - causalidade flui em apenas uma direção

A (acíclico) – não permite circularidade, o futuro não
interfere no passado

G (gráfico)

Ø  São representações visuais de hipóteses causais
qualitaDvas

Ø  É necessário um conhecimento a priori para construí-los

Gráficos acíclicos direcionados (DAG)
A causalidade implica direcionalidade de influência. Isto
quer dizer que a relação causal é uma relação
assimétrica em que “a causa influencia o desfecho e não
o oposto”

Violência na gestação Nascimento prematuro


X Y
Conexão entre os modelos

Cada modelo causal é mais adequado para uma
determinada pergunta de pesquisa

Ø  Use o modelo contrafactual para formular sua pergunta
de pesquisa

Ø  Crie um DAG para idenDficar quais variáveis deverão


ser coletadas e escolher o melhor delineamento para
seu estudo

Ø  Considere como a distribuição da causa componente


do seu modelo de causas suficientes pode afetar sua
descoberta e as implicações de sua pesquisa
ASSOCIAÇÃO e CAUSALIDADE

NÃO SÃO A MESMA COISA


A distribuição e a predição não abordam
necessariamente os processos causais da doença

Predição X Causalidade

Observamos que as mães com mais de 35 anos têm maior
probabilidade de dar à luz uma criança com uma anomalia
congênita.

Ø  Usando esta informação, podemos prever o risco de
uma mulher ter um filho com anomalia congênita;
Ø  Podemos também ser capazes de prever que as taxas
de anomalias congênitas irão aumentar à medida que a
proporção de mães com mais de 35 anos aumenta.
Ø  No entanto, isso não significa que a idade cronológica
CAUSA anomalias congênitas. A causa pode ser o
aumento do número de anormalidades cromossômicas
em óvulos mais anDgos.
Fatores associados com sintomatologia depressiva no pós-parto.
Pesquisa Nascer no Brasil, 2011/2012.

M.M. Theme Filha et al. / Journal of Affective Disorders 194 (2016) 159–167
“A história da Epidemiologia nos mostra que a
mo5vação de vários inves5gadores era
ques5onar o que já se sabia, a verdade
estabelecida, e era isso que os tornaram
verdadeiros inves5gadores”

Henrique Nájera, El Desafio De La Epidemiologia,
OPAS, 1988.
E voltando à Epidemiologia translacional.....

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