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Individualismo ou coletivismo? Descubra as


diferenças!
Paulo Finuras
Assoc.Professor - ISG Business & Economics School Lisbon/Assoc. Partner
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Hofstede Insights (PT)
Publicado em 21 de set. de 2017

Uma das características culturais mais distintivas e marcantes das culturas humanas são
as chamadas dimensões culturais, vulgarmente conhecidas por «individualismo» e
«coletivismo». [1]

Em geral, esta dimensão, porque se trata na verdade de uma dimensão apenas e não
duas, e porque se trata no fundo de uma abstração, deve ser entendida sob a forma de um
espectro que varia entre 0 e 100, indicando-nos que quanto mais perto de 100 um país
pontuar, mais individualistas serão, em média, os seus valores e práticas culturais. No
sentido contrário, quanto mais perto de 0, mais coletivista será essa cultura.

E o que é que isto significa?

Primeiro, significa que as culturas humanas tendem a caminhar no sentido do


individualismo, ou seja, o seu «ponto de partida» são os valores e as práticas associadas
ao chamado coletivismo, provavelmente por razões evolutivas devido ao nosso instinto
social tribal.

Segundo, significa também que a maioria das culturas ditas “nacionais” são, ainda,
dominantemente coletivistas em termos de valores culturais, e não “individualistas”,
como se possa eventualmente pensar. [2]

De facto, muitas pessoas, e o senso comum em geral, associam erradamente, o


individualismo ao egoísmo, e é nesta medida que consideram que uma dada cultura é
«mais individualista» do que coletivista.

Não só está errado, como está profundamente errado. Dou alguns exemplos da diferença
de valores, crenças e práticas nas culturas ditas individualistas e coletivistas.

Nas culturas individualistas, que também podemos designar por universalistas, acredita-
se que todos os indivíduos , em geral, são importantes; nas culturas coletivistas, a
importância dos indivíduos é sobretudo dependente do grupo a que pertencem.

Nas culturas individualistas, é suposto as pessoas tratarem as outras pessoas


fundamentalmente na base do que são, como e enquanto indivíduos, enquanto nas
culturas coletivistas existe uma tendência cultural para tratar as pessoas com base no seu
grupo de pertença, ou outros grupos com os quais se identifiquem, excluindo do círculo
que merece tratamento preferencial e privilegiado, todos os que lhes são estranhos.

As culturas individualistas são, podemos dizê-lo, mais inclusivas, e as culturas


coletivistas mais excludentes.
Posto isto, percebe-se agora como, curiosamente, aquilo que o senso comum considera
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«egoísmo» tem muito mais a ver com as manifestações que ocorrem muito
frequentemente nas culturas coletivistas, como, por exemplo, estacionar em segunda fila
ou em cima das passadeiras e dos passeios, ocupar as escadas rolantes sem se preocupar
com os outros, etc., para além da (des) preocupação com o espaço público. Numa cultura
individualista, o que é público é de cada um. Numa cultura coletivista, o que é público é
de ninguém!

Mas como é que as culturas se tornam mais individualistas?

A investigação científica deste tema e os estudos longitudinais comparados, sugerem


que a resposta estará, por um lado, no aumento do rendimento ou da riqueza
generalizada numa sociedade, algo que «empurra» e fomenta os chamados valores
individualistas. Em resumo, «mais riqueza» tende a gerar mais «individualismo».[3]

O racional por trás disto é que, à medida que os indivíduos «enriquecem», isso permite-
lhes «cortar» os laços de dependência e conformidade em relação aos grupos,
aumentando a sua autonomia e a sua independência em relação aos seus grupos restritos.
[4]

Por outro lado, na boa governação e no Estado de Direito. E a razão, mais uma vez, é
simples. Quanto mais o Estado de Direito funcionar menos a ação dos indivíduos
dependerá dos grupos a que pertença e que o protejam, fomentando assim o
individualismo «institucional» apoiado no funcionamento das regras e das normas de
modo universal.

Além disso, vários investigadores [5] têm sugerido que a facilidade de interação com
estranhos é um dos aspetos mais característicos das culturas individualistas, razão pela
qual os cidadãos nessas sociedades tendem a considerar a maioria das pessoas como
«dignas de confiança». É que, nas culturas individualistas, o tipo de interação entre os
indivíduos tende a variar menos, porque os «outros» são, em geral, encarados de forma
mais descategorizada, por assim dizer.

Já ao contrário, nas culturas mais coletivistas, o comportamento tende a ser


manifestamente mais caloroso quando a interação é entre membros do próprio grupo, e
mais desconfiado e distante com aqueles que pertencem a outros grupos.

Eis porque nas culturas ditas «individualistas», os índices de confiança social e


institucional são regular e normalmente tão elevados ou, pelo menos, muito mais
elevados do que nas culturas coletivistas.

Mais confiança resulta de mais individualismo que resulta também de mais riqueza e
mais Estado de Direito porque o indivíduo sente-se mais protegido pela Lei.

QED;)

Notas

[1] Convém recordar que nós, os seres humanos, não conseguimos experimentar nem a
verdadeira natureza do universo, nem mesmo a verdadeira realidade da ação coletiva.
Por isso, e em bom rigor, as dimensões (culturais ou outras quaisquer), na verdade, não
existem. Dado que o nosso cérebro apenas consegue processar uma pequeníssima fração
do mundo em que vivemos, temos de usar conceitos,como o conceito de dimensões
culturais, para apreender a verdadeira natureza da realidade, seja física, biológica ou
cultural.

[2] E significa ainda outra coisa. Significa também a ideia de reciprocidade dependente
entre «cultura» e a «sociedade», porque, por um lado, enquanto unidades funcionais,
nenhuma delas consegue existir sem a outra. Sem uma cultura comum, a sociedade não
consegue ter identidade psicológica que possibilite que os seus membros consigam
identificar-se e coordenar-se, no sentido de viver e trabalhar em conjunto. Por outro
lado, porque através da ação humana, individual e coletiva, é a sociedade que fornece à
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cultura uma manifestação expressa que se transmite através da replicação horizontal e se
transfere verticalmente às gerações seguintes.

[3] WVS - World Values Survey. Provavelmente, o observatório mais citado e ao qual
mais se recorre para efeito de comparação de resultados internacionais.

[4] Vd. Finuras, Paulo (2015) primatas Culturais: evolução e natureza humana, Edições
Sílabo.

[5] Inglehart, 2000; Oyserman, Coon e Kemmelmeier, 2002;

17 ·
4 comentários

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João Pereira

3a
Excelente 👍🏻

Gostei
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Mayara Eusebio da Silva Sousa

4a
Confesso que no começo da leitura achei a ideia um tanto absurda. Conforme fui lendo e as
ideias e conceitos vão se esclarecendo o texto se torna muito interessante. Indico a leitura

Gostei
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Kennedy Diniz

5a
Muito interessante olhando por esses pontos de vista.

Gostei
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Wantuir Felippe S Jr

5a
Excelente texto professor!!! Muito se confunde este conceito!!

Gostei
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