Você está na página 1de 7

HABEAS CORPUS Nº 589923 - SP (2020/0145629-2)

RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR


IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
RAFAEL ZAMBON DE MORAES - PR074710
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : EMERSON PEREIRA DA SILVA (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SUPERVENIÊNCIA DO


TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. AFASTADO O ÓBICE
RELATIVO AO CABIMENTO CONCOMITANTE DO HABEAS CORPUS E
DO RECURSO ESPECIAL. ILEGALIDADE MANIFESTA. INDEVIDA
INVASÃO DE DOMICÍLIO. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. SITUAÇÃO DE
URGÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. VOLUNTARIEDADE DO
CONSENTIMENTO PARA O INGRESSO NA RESIDÊNCIA. NÃO
COMPROVADA. PRECEDENTES.
Ordem concedida de ofício nos termos do dispositivo.

DECISÃO

Pretendendo o reconhecimento da ocorrência de violação de domicílio nos


Autos n. 1501891-93.2019.8.26.0073, da 2ª Vara Criminal da comarca de Avaré, com a
concessão liminar da ordem para que seja declarada a ilicitude das provas colhidas e a
nulidade da sentença penal condenatória proferida com base nessas provas, impetra-
se este habeas corpus em favor de Emerson Pereira da Silva, atacando-se o acórdão
do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou provimento à apelação da defesa.

Sustenta-se que a prova de autoria e materialidade no caso concreto está


amparada no encontro de entorpecentes em um sofá ao lado da casa do apelante,
porém esta prova está eivada de ilicitude, haja vista que os policiais militares violaram o
domicílio do réu, sem mandado judicial para tanto (fl. 6).

Alega-se que, no caso em tela, inexistem fundadas razões para o ingresso a


residência, conforme preceitua o art. 240, § 1°, do CPP, uma vez que a invasão de

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 02 de agosto de 2022


Documento eletrônico VDA33167395 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 01/08/2022 08:02:47
Publicação no DJe/STJ nº 3447 de 02/08/2022. Código de Controle do Documento: 2ca6b546-0d97-4f6c-94cc-d44cc7dba1db
domicilio foi fundamentada somente com denuncia anônima, não sendo esta capaz de
fundamentar tal ação (fl. 8).

A liminar foi indeferida (fls. 112/113).

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou, pelas palavras


da Subprocuradora-Geral da República Samantha Chantal Dobrowolski, pelo não
conhecimento do writ (fls. 119/124).

Tendo em vista a interposição de recurso especial contra acórdão de tribunal


local com o manejo concomitante do habeas corpus e com base nos precedentes, a
impetração não foi conhecida, sendo a decisão confirmada pelo colegiado no
julgamento do agravo regimental (fls. 141/143).

Inconformada, a defesa impetrou o HC n. 213.834/SP no Supremo Tribunal


Federal, que, em 17/6/2020, concedeu a ordem, em menor extensão, para afastar o
óbice ao conhecimento da impetração, determinando que Ministro deste Superior
Tribunal apreciasse o mérito de habeas corpus aqui impetrado (fls. 151/160).

É o relatório.

De início, registra-se que sobreveio o trânsito em julgado da condenação


objeto do aludido AREsp n. 1.844.483/SP, conforme certificado à fl. 320 daqueles
autos.

Contudo, em situações excepcionais, como a dos autos, este Tribunal


Superior tem afastado o óbice relativo ao cabimento do habeas corpus, para admitir a
possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício, quando o ato coator
revelar manifesta ilegalidade.

Nesse contexto, passo ao exame das razões veiculadas na presente


impetração.

Acerca da alegação de violação de domicílio e da ilicitude das provas,


consta da sentença o seguinte (fls. 70/73 - grifo nosso):

A ação penal deve ser julgada procedente.


[...]
Em juízo, o policial Edson Barca disse que na época dos fatos fez trabalho
conjunto com a SAP e, receberam denúncia de que Emerson estaria traficando

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 02 de agosto de 2022


Documento eletrônico VDA33167395 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 01/08/2022 08:02:47
Publicação no DJe/STJ nº 3447 de 02/08/2022. Código de Controle do Documento: 2ca6b546-0d97-4f6c-94cc-d44cc7dba1db
em sua residência.
A residência do réu está na área de FEPASA, próximo da linha de trem e a
área de mata. Como a área era de mata, foram auxiliados por cães. O cão
farejador ultrapassou a cerca que delimitava a residência do réu. A cerca era
formada de entulhos. O cão detectou a presença de droga no interior do sofá
situado na área externa da residência do acusado. O sofá estava encostado ao
barraco do réu. Foi encontrada uma balança de precisão. Indagado, Emerson
disse que a droga não era dele. Também foram encontrados saquinhos
semelhantes àqueles que embalavam droga e a balança. Não conhecia o réu. O
local diligenciado é conhecido como 'a tenda', onde usuários trocam objetos
furtados por drogas. Não se recorda onde a balança foi encontrada. O réu disse
que não sabia da origem da balança. Não se recorda o que foi dito pela moça que
acompanhava Emerson. O réu negou a propriedade da droga dizendo que não
era dele e com relação ao sofá, disse que muitos utilizam o sofá. Não se
recorda onde estava a balança. No dia do ocorrido, foram realizados diversos
flagrantes. Não tinham mandado de busca e apreensão. As notícias relatavam que
havia um morador estava realizando tráfico de drogas. Há diversos barracos no
local.
Nenhum objeto furtado foi encontrado na casa do réu. O cachorro entrou por
trás da cerca e acessou o barraco do acusado. Cada propriedade é delimitada por
uma cerca. Os policiais ingressaram pela frente. A porta estava aberta.

O policial Sérgio da Silva Cerico disse que estavam realizando uma


operação e o local beira a linha do trem. Havia denúncias sobre o pessoal que
mora numa tenda na beira da linha. No dia dos fatos, a equipe policial foi
acompanhada pelo cão do sistema penitenciário.
Realizaram buscas e foram encontradas no quintal do réu, num sofá,
dez porções de droga , balança e embalagens plásticas. Indagado, o réu disse
que desconhecia a origem da droga, dizia que não era dele, sendo conduzido
ao plantão policial. O sofá estava a dois metros da casa do réu, atrás da casa.
No interior da residência do acusado, nada foi apreendido. Havia comentários
de que no local havia troca de bens furtados por droga. Conhecia o réu de vista,
visto que ele residia na primeira casa da linha. Nas proximidades, há grande
movimentação de gente estranha, que quando vê a viatura policial e sai correndo.
Todos estavam juntos e o cão foi ao sofá e deu sinal, sendo apreendida a droga e
a balança no sofá. Indagado, o réu disse que a droga não era dele. No dia dos
fatos, foram realizados cinco flagrantes com o cão farejador, salvo engano. Houve
uma apreensão de drogas num bar também. As informações já estavam sendo
investigadas e os policiais ficavam sempre observando. As pessoas que moram
próximas ao local diziam 'que estava demais'. Houve uma operação com a SAP e,
antes dos fatos, revistou a casa do réu e não encontrou nada, pois ele visualizam a
viatura e saem correndo. No dia dos fatos, soltaram o cachorro e este encontrou a
droga. Depois da apreensão nestes autos, o cão foi em outro local e já encontrou
drogas também. O portão é de fachada e o quintal é aberto e o sofá estava
encostado a dois metros da casa do réu. Quando chegou ao local, o réu estava
deitado acompanhado da esposa. Entrou no quintal, chamou o réu e ele
demorou a levantar. Enquanto isso, o cão já farejava a droga.

Interrogado, o réu disse desconhecer os fatos narrados na denúncia.


Não sabe o que foi encontrado. Desconhece que algum sofá foi encontrado do lado
de fora da sua residência.
Narrou que não acompanhou as buscas policiais.
Esse é o conjunto probatório dos autos.

De início, cabe ressaltar que a alegação de violação de domicílio não merece


acolhimento, mormente por ser crime de tráfico ilícito de entorpecentes um delito
permanente, cujo ingresso da polícia no imóvel justificou-se a partir de sólidos
elementos que evidenciaram possível prática criminosa, confirmada, em
seguida, pelo flagrante realizado, sendo localizadas porções de maconha.
A exigência de mandado judicial é inquestionável, não podendo a autoridade
policial, pessoalmente e sem mandado, invadir domicílio, por expressa previsão

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 02 de agosto de 2022


Documento eletrônico VDA33167395 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 01/08/2022 08:02:47
Publicação no DJe/STJ nº 3447 de 02/08/2022. Código de Controle do Documento: 2ca6b546-0d97-4f6c-94cc-d44cc7dba1db
constitucional, que consagra ser a casa asilo inviolável. Contudo, o próprio
dispositivo traz ressalvas, dentre as quais se insere a desnecessidade de mandado
judicial em caso de flagrante delito.
Pois bem. Toda a dinâmica dos fatos revela que os entorpecentes
encontrados no quintal da residência do réu destinavam-se à mercancia
ilícita e eram de sua propriedade.
A negativa apresentada pelo denunciado na fase policial e em juízo não se
mostrou digna de crédito.
Note-se que não há irregularidade alguma em se apurar denúncia que,
formulada anonimamente, desperta a suspeita do policial, assim como a
visualização de pessoas em atitude incomum, ou de coisas em local ou estado
inesperados.
É certo que para a configuração do delito de tráfico impõe-se a demonstração
de que a droga apreendida era destinada ao comércio espúrio.
Para tanto, imprescindível cotejar as circunstâncias do caso concreto, tais
como a natureza e quantidade da droga apreendida, local e condições em que se
desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, entre outras.
[...]
Os depoimentos dos agentes públicos são seguros no sentido de revelar a
prática da infração penal em questão.
A prova oral colhida, é bom frisar, está em perfeita sintonia com os demais
elementos dos autos, com a nota de que não há um único indício de que os
aludidos agentes públicos mentiram ou fraudaram a diligência com o intuito
deliberado de prejudicar o acusado.
Anoto ainda que os relatos dos agentes da polícia merecem a normal
credibilidade dos testemunhos em geral, eis que inexistem elementos dos quais se
possa extrair que tinham efetivamente a intenção de incriminar indevidamente o
denunciado. Tratando-se de funcionários públicos investidos em cargos cujas
atribuições se ligam essencialmente à segurança pública, com o fim de manter a
ordem e o bem-estar social, não têm qualquer interesse em prejudicar inocentes,
principalmente quando os depoimentos apresentados são coerentes e seguros,
como no caso dos autos.
Os policiais afirmaram de maneira uníssona que no dia dos fatos, realizavam
operação na margem da linha férrea e nesta ocasião, foram acompanhados por um
cão farejador. Em diligências nas proximidades, o referido animal sinalizou a
existência de material entorpecente em um sofá situado no quintal da residência do
réu. Naquela oportunidade, foram encontradas 10 porções de maconha, balança
de precisão e embalagens plásticas semelhantes àquelas que acondicionavam a
droga.
Logo, as circunstâncias da prisão, principalmente a forma de
acondicionamento da droga, localização de balança de precisão e embalagens
plásticas semelhantes àquelas que envolviam a droga denotam que o material
apreendido destinava-se ao comércio espúrio. Além disso, as porções de maconha
foram encontradas no interior de sofá situado no quintal da residência do acusado,
não havendo qualquer elemento que indique que o material não lhe pertencia.
Tampouco, trouxe a Defesa Técnica elementos capazes de afastar tal conclusão.
Diante desse cenário, em que pese a manifestação defensiva, não há como
recepcionar a alegação de insuficiência de provas. Os elementos coligidos são
robustos para sustentar um decreto condenatório , de forma que a responsabilizar
o réu pelo delito previsto no artigo 33, “caput”, da Lei 11.343/06, é medida de rigor.
[...]

O Tribunal de Justiça, por sua vez, concordou com os fundamentos


apresentados na sentença, asseverando que (fls. 103/107):

A preliminar não comporta acolhida. Anote-se que aferiu-se a regularidade da


prisão em flagrante em audiência de custódia, fls. 43.
Contudo, o que se extrai dos autos, que policiais civis averiguavam denuncia
anônima da prática do tráfico, o que foi confirmado com a localização as drogas e

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 02 de agosto de 2022


Documento eletrônico VDA33167395 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 01/08/2022 08:02:47
Publicação no DJe/STJ nº 3447 de 02/08/2022. Código de Controle do Documento: 2ca6b546-0d97-4f6c-94cc-d44cc7dba1db
petrechos apropriados para o fracionamento das mesmas.
Dessa forma, a situação de flagrante delito mitiga a inviolabilidade do
domicílio e afasta, por conseguinte, a alegação de nulidade do processo e das
provas obtidas por meios ilícitos.
Ademais, o crime de tráfico de drogas é crime permanente, cujo estado de
flagrância se protrai no tempo, justificando o ingresso dos policiais no domicílio
quando há fundadas razões para supor a ocorrência de um crime em andamento,
como no caso dos presentes autos, em que os policiais receberam informação
anônima sobre a prática do tráfico no local dos fatos e, em diligências,
encontraram a droga na moradia do réu, com a ajuda de um cão farejador,
como a seguir se verá.
Ademais, o princípio da nulidade exige prejuízo que não pode ser abstrato,
mas deve ser demonstrado no caso concreto, face ao princípio pas de nulittè sans
grief, consagrado no artigo 563, do Código de Processo Penal.
[...]
Assim, fica rejeitada a preliminar suscitada.
Quanto ao mérito, consta dos autos que EMERSON PEREIRA DA SILVA,
ora apelante, no dia 04 de setembro de 2019, por volta das 10h00min, Na Rua
Major Toledo, n° 1, Jardim Paulistano, no município e Comarca de Avaré, tinha em
depósito, para entrega a terceiros, 10 porções de maconha, com peso líquido de
6,79 gramas, embaladas em plástico transparente, fechadas por nós, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Segundo o apurado, o apelante estava se dedicando ao tráfico de drogas e,
na oportunidade, tinha em depósito, escondidas num sofá, que estava na parte
externa de sua residência, dez porções de maconha, além de uma balança de
precisão e um rolo de saco plástico. Policiais Civis lá compareceram com um cão
farejador e localizaram a droga, a balança e o rolo de saco plástico.
A materialidade está comprovada pelas provas colhidas, pelo auto de
exibição e apreensão de fls. 09/10, laudo de constatação preliminar de fls. 23/25,
bem como pelo laudo químico toxicológico de fls. 68/71, que concluiu pelo
resultado positivo para maconha.
A autoria também é certa.
Na fase administrativa, o Policial Civil EDSON BARCA narrou que recebeu
informações de que Emerson Pereira da Silva estaria traficando drogas em sua
moradia, localizada em área da FEPASA, próximo ao cruzamento da rua Major
Toledo com a linha férrea que corta a cidade de Avaré/SP, inclusive mediante troca
de entorpecentes por objetos provenientes de furtos. Na data de hoje, por volta das
10h00min, o depoente estava exercendo suas funções, com o policial civil Sérgio,
que ora figura como testemunha, ocasião em que, visando apurar as informações
recebidas, diligenciaram ao local supra mencionado, acompanhado do cão
farejador conhecido por “Tanque”, oriundo da Secretaria da Administração
Penitenciária, treinado para reconhecimento de odor de entorpecentes.
Aproximaram-se pela linha férrea e, após soltarem-no, o cão imediatamente
ingressou no terreno da casa de Emerson e, de imediato, foi em direção a um sofá,
que estava do lado de fora da casa, demonstrando diferenciada agitação, tal como
ele foi treinado para fazer quando detectasse droga. Diante desses fatos e da
fundada suspeita da existência de entorpecente naquele local, os policiais civis
aproximaram-se do aludido sofá e, após breve busca, foram localizadas 10
porções de maconha, embaladas individualmente em saco plástico transparente,
uma pequena balança de precisão, costumeiramente empregada por traficantes
para o fracionamento de drogas, e um rolo de saco plástico, com o mesmo material
que envolve as referidas porções. Ato contínuo, chamaram por Emerson, o qual
saiu do interior de sua casa e recebeu voz de prisão pelo crime de tráfico de
drogas. Questionado sobre os fatos, Emerson negou a propriedade do
entorpecente localizado. Pela quantidade de droga localizada, pela forma de
acondicionamento, pela localização de rolo embalagem plástica e de balança de
precisão e pelas informações prévias envolvendo o apelante, o depoente acredita
que o entorpecente ora localizado seria destinado ao tráfico de drogas. O depoente
tomou conhecimento de que, nesta mesma data, o mesmo cão farejador esteve em
outros locais e localizou mais drogas (fls. 03).
No mesmo sentido o relato do Policial Civil SÉRGIO DA SILVA CERIACO
(fls. 04).

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 02 de agosto de 2022


Documento eletrônico VDA33167395 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 01/08/2022 08:02:47
Publicação no DJe/STJ nº 3447 de 02/08/2022. Código de Controle do Documento: 2ca6b546-0d97-4f6c-94cc-d44cc7dba1db
O apelante permaneceu silente (fls. 05).
Em Juízo, as testemunhas BARCA e CERIACO, policiais civis, confirmaram
os fatos descritos na denúncia e ratificaram seus depoimentos colhidos na fase
policial, confirmando que apreenderam a droga no interior do sofá situado na área
externa da residência do acusado, além de uma balança de precisão, e que os
usuários trocavam objetos furtados por drogas (sistema audiovisual SAJ via
streaming).
O apelante negou a prática dos fatos. Alegou que não sabia o que foi
apreendido no local, tampouco a respeito do sofá que foi encontrado do lado
de fora da sua residência. Afirmou que não acompanhou as buscas policiais
(sistema audiovisual SAJ via streaming).
A negativa de autoria do apelante restou isolada no conjunto probatório
amealhado nos autos que revelou de forma incontestável que o suplicante
praticava o tráfico ilícito de entorpecentes, seja pelas circunstâncias que envolvem
EMERSON e o ocorrido, seja pela prisão em flagrante, pelo local ser conhecido
como ponto de tráfico, pelos relatos dos Policiais que confirmaram a apreensão da
droga, bem como pela quantidade da droga apreendida e pela forma como estava
acondicionada sendo 10 porções de maconha, com peso líquido de 6,79 gramas,
tudo a evidenciar a ação da traficância.
[...]

Como se sabe, o entendimento dominante nesta Corte era no sentido de ser


dispensável o mandado de busca e apreensão quando se tratasse de flagrante da
prática do crime permanente, como o tráfico ilícito de entorpecentes ou a posse ou o
porte ilegal de arma de fogo, pois, nesses casos, o estado de flagrância permanece
enquanto não cessada a prática do delito (AgRg no REsp n. 1.637.287/SP, Ministro
Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 10/5/2017).

No entanto, em julgados mais recentes, a jurisprudência aperfeiçoou seu


entendimento para considerar que a simples existência de denúncia anônima,
desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos da prática de crime, não
configura fundadas razões e, portanto, não legitima o ingresso de policiais no domicílio
indicado. Confiram-se: HC n. 598.051/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma,
DJe 15/3/2021; e HC n. 628.371/SC, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe
23/3/2021.

Percebe-se, dos excertos acima transcritos, que, na espécie, o ingresso


desautorizado na residência não foi calcado em fundadas razões - justa causa - a
indicar situação de flagrante delito - a diligência dos agentes públicos foi antecedida de
denúncia anônima e ajuda de um cão farejador, sem ter sido demonstrado nos autos
quaisquer elementos prévios capazes de evidenciar, de modo satisfatório e objetivo,
suspeitas de prática delitiva na residência.

À vista das circunstâncias concretas do caso, mesmo somadas, não

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 02 de agosto de 2022


Documento eletrônico VDA33167395 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 01/08/2022 08:02:47
Publicação no DJe/STJ nº 3447 de 02/08/2022. Código de Controle do Documento: 2ca6b546-0d97-4f6c-94cc-d44cc7dba1db
consubstanciam as fundadas razões exigidas no art. 240, § 1º, do Código de Processo
Penal, razão pela qual o ingresso na residência se deu de forma ilegal.

Conclui-se, então, que o habeas corpus evidenciou ilegalidade manifesta no


acórdão ora hostilizado, motivo pelo qual deve ser reconhecida a ilicitude das provas
obtidas por meio da invasão de domicílio, bem como as delas derivadas, e a sentença
deverá ser anulada, absolvendo-se o paciente, por ausência de provas da
materialidade do delito.

Ante o exposto, afastado o óbice relativo ao cabimento do habeas corpus,


concedo a ordem de ofício para, reconhecendo a nulidade das provas obtidas
ilicitamente, bem como as delas derivadas, absolver o paciente com fundamento no art.
386, II, do Código de Processo Penal.

Comunique-se com urgência.

Intime-se o Ministério Público estadual.

Brasília, 01 de agosto de 2022.

Ministro Sebastião Reis Júnior


Relator

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 02 de agosto de 2022


Documento eletrônico VDA33167395 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Assinado em: 01/08/2022 08:02:47
Publicação no DJe/STJ nº 3447 de 02/08/2022. Código de Controle do Documento: 2ca6b546-0d97-4f6c-94cc-d44cc7dba1db

Você também pode gostar