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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Departamento de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Licenciatura em Ensino de Direito

Disciplina: Contencioso Administrativo e Tributário

Evolução Histórica do Contencioso Administrativo Moçambicano

Alzira Petrosse Chimoio: 51210316

Chimoio, Maio, 2023


INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Departamento de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Licenciatura em Ensino de Direito

Evolução Histórica do Contencioso Administrativo Moçambicano

Trabalho de campo, módulo de Direito


Contencioso Administrativo e Tributário a
ser submetido na Coordenação do Curso
de Licenciatura em Direito, do ISCED.
Tutor: Luís E. Chengerani

Alzira Petrosse Chimoio: 51210316

Chimoio, Maio, 2023


Indice

CAPITULO I.......................................................................................................................................4

1.Introdução.........................................................................................................................................4

1.1.Objectivos......................................................................................................................................4

1.1.1.Geral...........................................................................................................................................4

1.1.1.Específicos..................................................................................................................................4

1.2.Metodologias.................................................................................................................................4

CAPITULO III: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...........................................................................5

2.Evolução Histórica do Contencioso Administrativo Moçambicano................................................5

2.1.Breves aspectos sobre o surgimento do contencioso administrativo............................................5

2.2.Casos particulares de Moçambique no período antes e pós a independência...............................6

2.3.A influência profunda do direito francês.......................................................................................7

2.4.O silêncio da Constituição de 1975 sobre a recorribilidade dos actos administrativos................8

2.5.Constituição de 1990...................................................................................................................10

2.5.A Constituição de 2004...............................................................................................................12

2.5.1.Recorribilidade dos actos administrativo na Constituição de 2004.........................................13

CAPITULO III..................................................................................................................................14

3.Considerações finais.......................................................................................................................14

4.Referências bibliográficas..............................................................................................................15
CAPITULO I

1. Introdução
O presente trabalho tem como o foco principal a evolução histórica do Contencioso Administrativo
Moçambicano. O surgimento do Contencioso Administrativo em Moçambique é consubstanciado no
próprio surgimento de uma jurisdição administrativa em Portugal (país do qual Moçambique
dependia, isto é, país colonizador) e na recepção do sistema de administração executiva no país
anteriormente referido (o que pressupõe a existência de uma jurisdição administrativa para julgar a
Administração Pública na sua actuação). No entanto, a recepção salientada não se realizou no vazio.
Existia antes desta uma pré-história do Contencioso Administrativo. O surgimento e a evolução
histórica do Contencioso Administrativo em Moçambique cingem, de uma forma geral, a história
geral do país, isto é, um período colonial e um período pós-colonial. Contudo, a coincidência não é
total e perfeita em termos de duração porque, depois da independência do país em 1975, a influência
do direito colonial esteve presente até à grande (e substancial) Reforma de 2001 que culminou com
a aprovação, pelo Parlamento, da Lei sobre o Contencioso Administrativo (Lei n.º 9/2001, de 7 de
Julho).

1.1. Objectivos
1.1.1. Geral
 Saber explicar o seu surgimento e evolução histórica do contencioso administrativo
moçambicano.

1.1.1. Específicos
 Saber identificar os actos susceptíveis de recurso contencioso a luz das constituições que
vigoraram no ordenamento jurídico moçambicano;
 Perceber as ideais das constituições quanto ao recurso contencioso.

1.2. Metodologias
 Para a realização do trabalho recorreu-se a diversas fontes com a finalidade de reunir uma
informação satisfatória e de fácil compressão através de consulta de obras, revisões
bibliográficas e pesquisas que efectuamos na biblioteca electrónica, que versam sobre o tema em
destaque nas quais vem mencionadas no fim do trabalho.
CAPITULO III: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2. Evolução Histórica do Contencioso Administrativo Moçambicano
2.1. Breves aspectos sobre o surgimento do contencioso administrativo
A história do surgimento do contencioso administrativo moçambicano está intimamente ligada ao
surgimento do Tribunal Administrativo, órgão competente para tomar decisões com independência e
imparcialidade. Contudo, tendo em conta que Moçambique, no período antes da independência era
uma província ultramarina de Portugal, a história portuguesa influenciada por França também é
aplicável ao contencioso moçambicano já que grandes decisões tomadas em Portugal eram
reflectidas, igualmente, em Moçambique. (Amaral, 1988).
Nesta lógica, numa primeira fase o contencioso administrativo português estava inserido dentro da
Administração Pública, o que significa um período em que a Administração tinha poderes para
resolver conflitos surgidos entre ela e os Administrados. (Amaral, 1988).
Este período em que os litígios dos particulares perante a Administração Pública podiam ser
resolvidos pelos órgãos administrativos, precede o período em que vigorava o sistema de
Administrador-juiz. Nesta ordem, não se pode falar, nesta altura, do contencioso administrativo,
contudo, com o surgimento do sistema de Administrador-juiz tenta-se inserir um modelo que
embora ineficaz, os administrados podiam ver os seus diferendos resolvidos por um órgão quase
jurisdicional. (Amaral, 1988).
Como característica principal do referido sistema, havia a figura de recurso hierárquico
jurisdicionalizado que traduzia-se num “recurso de natureza administrativa interposto perante um
órgão da Administração Pública, mas cuja tramitação constituía um processo com garantias de
imparcialidade e com certa contrariedade, de modo a que os particulares pudessem ver devidamente
ponderada as suas razões e atendidos os seus direito. (Cistac, 2009).
O sistema de administrador-juiz foi evoluindo até que surgisse a figura do Conselho de Estado que
segundo o autor DIOGO FREITAS DO AMARAL, tratava-se de um órgão consultivo do poder
executivo que “recebeu poderes para, através da sua secção contenciosa, apreciar os recursos
interpostos pelos particulares contra decisões ilegais da Administração Pública. E foi o Conselho de
Estado que começou a conhecer desses recursos e a emitir pareceres, que enviava ao Governo, o
qual homologava ou não esse parecer, apresentando ao Rei. Mesmo assim, a última decisão cabia ao
Rei, que podia ou não homologar. (Cistac, 2009).
Depois, veio o sistema judicial que também conheceu vários estágios até chegar a implantação dos
Tribunais Administrativos, transferindo competências que eram do Conselho de Estado para os
órgãos especializados como Tribunal. (Cistac, 2009).
Esse movimento todo, resultou no nascimento de justiça administrativa e o Direito Processual
Administrativo que, de igual modo é extensivo a Moçambique. (Cistac, 2009).

2.2. Casos particulares de Moçambique no período antes e pós a independência


Sendo essas transformações ocorridas em Portugal e por consequência das colonizações aplicáveis à
Moçambique como colónia ultramarina de Portugal, conforme se disse atrás, essas transformações
influenciaram bastante no contencioso moçambicana máxime no surgimento do Tribunal
Administrativo. (Caetano, 1991).
Nesta perspectiva, o professor GILLES CISTAC refere que, “com a aprovação da Portaria
Provincial n° 398, de 18 de Fevereiro de 1856, marca formalmente o nascimento de uma justiça
Administrativa em Moçambique, no sentido moderno da palavra. Ainda, não sendo suficiente para
tratar de uma efectiva justiça administrativa e pelos outros vários motivos, foi aprovado um o
Decreto de 1 de Dezembro de 1869 que introduziu o termo “tribunal administrativo”.
Depois de sucessiva legislação, veio a Reforma Administrativa Ultramarina (aprovado por Decreto-
Lei n° 23.229, de 15 de Novembro de 1933. Esta reforma veio consubstanciar e cristalizar o Direito
Administrativo de forma clara e de modo a permitir que os tribunais administrativo tenham poderes
bastante para agir nos conflitos entre os administrados e a Administração. (Caetano, 1991).
Nas palavras do autor em referência, “é ilustrativo da vigência e importância deste diploma legal
como fonte principal do Direito Processual Administrativo Contenciosa, até o princípio do ano
2001, a análise dos fundamentos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Administrativo na área do
contencioso administrativo”.
Na mesma senda, o autor refere ainda que apesar da estabilidade do corpus das normas aplicadas ao
contencioso administrativo a partir do princípio dos anos 30 o que permitiu o surgimento de uma
jurisprudência administrativa uniforma, a RAU não acompanhou as exigências ditadas pelo
crescimento de uma jurisdição administrativa moderna, motor da consolidação de um Estado de
Direito. A evolução recente da natureza do contencioso administrativo mais preocupado,
tendencialmente, pela protecção dos direitos subjectivos públicos dos particulares, constituiu um
factor determinante para uma reforma da RAU o que foi realizado através da Lei n° 9/2001, de 7 de
Julho.” (Caetano, 1991).
Como se pode perceber, a introdução da lei acima citada foi fruto de muitas motivações que
segundo o autor CISTAC, “além do comando legal que impunha uma reforma legal nesta matéria
(Artigo 46 da Lei n.º 5/92, de 6 de Maio), o direito colonial herdado não se adequava às novas
realidades do país. A Reforma Administrativa Ultramarina apresentava dificuldades na sua
aplicação, designadamente quanto à necessária celeridade processual e a melhor protecção dos
direitos subjectivos dos administrados. Além disso, as profundas alterações às atribuições do
Tribunal Administrativo, no contencioso administrativo, consagradas pela Lei n.º 5/92, de 6 de
Maio, nomeadamente, a introdução de figuras e institutos jurídicos até então inexistentes no quadro
legal implicava uma imperiosa necessidade de se reformular o direito adjectivo, o direito processual,
de modo a que o direito substantivo seja melhor agilizado ou servido.
Um reformar profunda era necessária o que foi, efectivamente, realizado com aprovação da Lei n.º
9/2001, de 7 de Julho sobre o Processo Contencioso Administrativo”6, já na vigência da
Constituição de 1990.
Mesmo assim, o mundo jurídico é dinâmico facto que provou que a Lei n° 9/2001, de 7 de Julho,
não se mostrou eficiente até no ano 2013 o que levou a sua alteração através da nova Lei n° 7/2014,
de 28 de Fevereiro. Contudo, o preâmbulo desta lei não clarifica o erro que se pretende resolver com
a introdução da lei nova, prescrevendo de forma contundente de que a frase “havendo necessidade
de simplificar os procedimentos atinentes ao processo administrativo contencioso”, o que
demonstra que a lei antiga já estava desajustada aos parâmetros actuais.
A lei 7/2014 é uma lei que para além de simplificar alguns procedimentos manteve algumas
expressões das leis que a antecederam sobretudo no que diz respeito às garantias dos administrados
quanto a recorribilidade dos actos administrativo ao manter a teoria da definitividade do acto,
conforme mais adiante tratar-se-á.

2.3. A influência profunda do direito francês


O contencioso administrativo surge, em França, como instrumento de uma política de fortalecimento
do Estado e do absolutismo real o que teve influências profundas em relação aos seus caracteres
gerais. A doutrina da unicidade do poder e o princípio da autoridade absoluta do Estado implicaram
uma separação entre as funções judiciária e administrativa. Isto significou que a Administração
Pública não devia ser mais considerada como um prolongamento da justiça mas como uma
actividade específica pertencente ao Governo.

Deste modo, nasce uma tradição segundo a qual a resolução dos contenciosos administrativos
pertence à Administração Pública. Tradição contínua desde o Cardeal de Richelieu no “Édit de
Saint-Germain” de Fevereiro de 1641 e do Alvara do Conselho do Rei Luís XIV de 8 de Julho de
1661, que reserva a resolução dos litígios envolvendo a Administração Pública aos administradores
e ao Governo, até ao surgimento da Revolução de 1789 que mantém esta política herdada do regime
anterior. A consagração deste sistema do “Administrador-Juiz” significava o reconhecimento de que
o poder administrativo não podia estar sujeito ao controlo dos tribunais, o que marcou toda a
evolução futura do Direito Administrativo e do Contencioso Administrativo a que o Professor
Doutor Vasco Pereira da Silva chamou de “pecado original”.

Esta tradição secular transforma-se, em França, numa verdadeira concepção da Justiça


Administrativa segundo a qual a resolução dos litígios administrativos é concebida como uma outra
forma de administrar e, consequentemente, como uma atribuição dos administradores públicos. É o
sistema do “administrador-juiz”, como escreve Grégoire Bigot, “ um belo exemplo da ditadura
administrativa na resolução do contencioso”.

O Consulato (1799-1804) põe fim a este sistema. Contudo, a Justiça Administrativa não
permanecerá dissociada da Administração Pública. Não é a administração activa que será
encarregada da resolução dos litígios de carácter administrativo, mas a administração consultiva.
Esses novos órgãos serão encarregados não só de assessorar a administração activa mas também de
estatuir sobre as reclamações dirigidas contra a actuação desta. Como observa René Chapus: “É
assim que pelo julgamento dos litígios administrativos são criados não “Tribunais” mas
“conselhos”: o Conselho de Estado, no plano nacional, os conselhos de prefectura, nos
departamentos”.

Deste modo, a concepção da Justiça Administrativa, em França, organiza-se em torno da concepção


de um juiz “tendo o espírito do administrador”, um juiz consciente de que as suas decisões devem
ser um complemento da acção administrativa. Por outras palavras, decidir em matéria do
contencioso administrativo, “é ainda administrar”.

Esta concepção “administrativista” da justiça da administração herdou dos caracteres gerais do


contencioso administrativo gracioso a celeridade, economia e forma expeditiva, o que faz ainda
hoje, a sua especificidade. Este conceito de Justiça Administrativa lato sensu foi importado por
vários países europeus e outros no mundo através da recepção do sistema de administração
executiva ou regime administrativo que pressupõe a existência de uma jurisdição administrativa. Em
Portugal, esta “importação” foi concretamente realizada no séc. XIX com a aprovação da Reforma
Administrativa de Mouzinho da Silveira em 1832.

2.4. O silêncio da Constituição de 1975 sobre a recorribilidade dos actos administrativos


A Constituição de 1975 foi a primeira de Moçambique pós independência e como resultado, a maior
preocupação da mesma estava ligada ao alavancamento da economia nacional, introduzindo
políticas marxista e leninista que não se coadunavam com a justiça administrativa. Apesar de
vigorar, nesta época, a RAU, não se pode falar nessa altura da existência dos tribunais
administrativo e consequentemente das garantias efectivas dos administrados quanto ao recurso
contencioso, pois, nessa altura os tribunais estavam subordinados ao poder político embora
estivessem inseridos no título III como órgãos de Estado. (Chambule, 2022).
Já, quanto a relevância das questões em discussão nesse artigo científico, dificilmente se pode
vislumbrar a existência de mecanismos que permitam a sindicância dos actos administrativos,
mormente, sobre a definitividade e executório ou a consagração da teoria dos actos lesivos porque
não se podia falar da existência dos tribunais Administrativos, pois, segundo o autor ALFREDO
CHAMBULE, “a única referência que se fazia nesta Constituição e nesta matéria, era a existência
do Tribunal Popular Supremo, como sendo o mais alto órgão judiciário com jurisdição em todo
território nacional”.
Ainda que existissem os Tribunais Administrativo com competências para dirimir conflitos em
matéria administrativa, estava em peso, nessa altura, a doutrina defendida por MARCELO
CAETANO, segundo a qual, “o recurso contencioso de anulação cabia apenas dos actos
administrativos, strictu sensu, quando praticados por autoridades cujos actos admitiam recurso
contencioso, desde que fossem, actos externos e tivessem carácter definitivo e força executória”, ou
seja, partia-se, da noção de acto administrativo definitivo e executório.
Na mesma senda, o mesmo autor justificava que “antes da prática de um acto definitivo e
executório, a Administração Pública ainda não disse a sua última palavra. Ou, se disse a última
palavra, a mesma poderá ser revogada, suspensa ou modificada nos termos admissíveis no Direito
Administrativo. Por outras palavras, a regra é de que não se pode utilizar a via contenciosa antes de
esgotados os recursos necessários de carácter gracioso que correm seus termos até a exaustão dentro
dos canais da própria Administração Pública”. (Chambule, 2022).
Portanto, essa ideia de definitividade de actos administrativos influenciou vários ordenamentos
jurídicos e, conforme referiu-se atrás, Moçambique não ficou à margem dessa teoria,
consubstanciado pelo facto ter a RAU em vigor e a determinar que não eram susceptíveis de recurso
de recurso contencioso “os actos, decisões ou deliberação sem carácter definitivo; os actos decisões
ou deliberações que apenas representem a confirmação de outros de que não houve reclamação ou
recurso no prazo legal e os actos, decisão e deliberações que a lei expressamente declara
insusceptíveis dessa apreciação”.
De igual modo, estabelecia no artigo 684 que “aqueles que, expressa ou implicitamente, se tenham
conformado com os actos, decisões ou deliberações não têm legitimidade para deles reclamar ou
recorrer, salvo se, por expressa disposição legal, forem obrigados a interpor recurso ou reclamação”.
Por todo exposto, conclui-se que para além de não se falar de Tribunais Administrativos, na
Constituição de 1975 estava em rigor o Portanto, a Constituição de 1975 não tinha expressão
relativamente a Administração Pública, principalmente na faculdade de recurso contencioso dos
actos administrativos que, sendo lesivos, não eram definitivos.

2.5. Constituição de 1990


A Constituição de 1990 rompeu na sua totalidade o regime implantado na Constituição de 1975
atendendo às novas forças e dinâmica da evolução dos tempos, as ideias marxistas implantados e a
sucessão das leis por força da Constituição da República Popular de Moçambique, já não se
compaginavam com um Governo virada somente ao desenvolvimento económico sem atenção aos
sistemas repressivos de certas condutas que envolvesse a Administração Pública.
Pode se perceber que é a Constituição que trás uma virada incondicional para as instituições
jurisdicionais, consagrando com clareza a existência dos Tribunais Administrativos como instituição
vocacionada em dirimir conflitos de índole administrativo, concebendo o cidadão como titular de
vários direitos, liberdades e garantias, e ainda, consagrando como princípio estruturante do sistema
de justiça o acesso aos tribunais.
Esta Constituição, substituindo a concepção antiga, foi sobreposta um regime de Estado de Direito
de democracia popular, nas vertentes socialistas, para um regime de Estado de Direito Democrático.
Segundo PEDRO SINAI NHATITIMA, a Constituição de 1990 surge numa conjuntura histórico-
política demarcada no plano externo, como no plano interno. No plano externo destaca-se as
transformações políticas, económicas e sociais que se registaram nos países socialistas do Leste
europeu, a partir de 1985. E no plano interno, encontra-se em referência a necessidade, por um lado,
de funcionamento das instituições do Estado, de acordo com os princípios democráticos do tipo
ocidental e, por outro, a preocupação em encontrar caminhos, rumo à reconciliação nacional, que
passam, necessariamente, pelo pluralismo e tolerância política.
Nesse sentido, a Constituição de 1990 institui um modelo de Estado que para além de democrático é
também Estado de Direito Social. Esta Constituição consagra vários princípios de defesa da própria
Constituição e de elevação do Estado de Direito na sua plenitude.
Neste sentido, a Constituição de 1990, “democrática e pluralista, elimina a referência ideológica
marxista-leninista e o monismo político-partidário, estabelecendo claramente a nova estrutura
democrática, a liberdade política e a consagração dos direitos fundamentais”. Dentre esses direitos
fundamentais destacam-se o acesso a justiça, a defesa e a resistência contra os actos ilegais.
Foi através da Constituição de 1990 que deu azo para implementação dos tribunais administrativo
através da criação da primeira lei orgânica do Tribunal Administrativo, a Lei n° 5/92, de 6 de Maio.
No preâmbulo da mesma lei, consagrou-se os objectivos da sua criação nomeadamente, julgar as
acções que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídicas administrativo, julgar os
recursos contenciosos interpostos das decisões dos órgãos do Estado, dos seus titulares e agentes e
apreciar as contas do Estado.
Consubstancia esse entendimento quando o n° 1 do artigo 173 da Constituição de 1990, segundo
ALFREDO CHAMBULE, veio constitucionalizar o controlo da legalidade da acção administrativa
através da instituição do Tribunal Administrativo. Refere ainda que a competência do tribunal
Administrativo não é especial ou excepcional em face aos tribunais judiciais, tradicionalmente
considerados como tribunais ordinários ou comuns. O Tribunal Administrativo é, antes de mais
nada, um tribunal ordinário de justiça administrativa.
Recorribilidade dos actos a luz da Constituição de 1990
Em matéria de recorribilidade dos actos, mormente a questão de saber que tipos de actos são
passíveis de apreciação contenciosa a luz da lei ordinária e dos comandos constitucionais, refere
ALFREDO CHAMBULE que uma viragem completa viragem completa foi operada pela
Constituição de 1990. Com efeito, o artigo 81 desta Constituição, veio consagrar o princípio de que
todo o cidadão pode impugnar os actos que violem os seus direitos estabelecidos na Constituição e
demais leis; para o artigo 82 consagrar que o cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra
os actos que violem seus direitos reconhecidos pela Constituição e pela lei. Deste modo, o direito de
recurso consagrado na Constituição pelo seu artigo 82 representa na área do contencioso
administrativo, a constitucionalização deste tipo de recurso no que refere ao particular, cujo direito
reconhecido pela Constituição e demais leis se mostre violado, por um lado, e pelo direito do acesso
aos tribunais, constitucionalmente consagrado nos termos da primeira parte do número 1 do artigo
100, por outro Salienta que “só no número 1 do artigo 173 da Constituição e na Lei número 5/92, de
6 de Maio é que encontramos referência ao acto administrativo, mas este não é referido como acto
definitivo e executório”. A Constituição de 1990 bebeu dos ensinamentos mais modernos sobre a
matéria. Na verdade, hoje em dia, a definitividade e a executoriedade do acto, já não são
considerados pressupostos para o recurso jurisdicional. O que se tem exigido - é que haja um
verdadeiro acto administrativo, que não é mais do que uma decisão tomada por uma autoridade no
uso dos seus poderes jurídico-administrativos, com vista a produção de efeitos jurídicos.
Assim, a definitividade vertical e horizontal do acto impugnado já não são um pressuposto
processual para a interposição do recurso jurisdicional. Deste modo, o recurso hierárquico
administrativo tem de ser meramente facultativo, sendo constitucionalmente duvidoso que a lei
possa estabelecer um recurso hierárquico obrigatório. (Silva, 1989).
Portanto, vislumbra-se uma autêntica desconformidade do artigo 27, n° 1, da Lei n° 9/2001, de 7 de
Julho (lei do processo contencioso administrativo) ao consagrar que só é admissível recurso
contencioso dos actos definitivos e executório, com as disposições constitucionais supra citados.

2.5.A Constituição de 2004


Fruto de mudanças radicais que embora estabelecidas na Constituição de 1990, a revisão
constitucional ocorrida em 2004 veio cristalizar quase todos os princípios plasmados na primeira
Constituição democrática, prevendo mecanismos fortes para a defesa dos administrados nos
conflitos com a Administração Pública. (Silva, 1989).
A maior novidade desta Lei mãe é a consagração do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da
plena jurisdição dos Tribunais Administrativos, ao referir que “é assegurado aos cidadãos
interessados o direito ao recurso contencioso fundado em ilegalidade dos actos administrativos,
desde que prejudiquem os seus direitos”.
Como se não bastasse, através do artigo 214 estabelece que “nos feitos submetidos a julgamento os
tribunais não podem aplicar leis ou princípios que ofendam a Constituição”. Aqui, vigora o princípio
da não aplicação das normas inconstitucionais o que subsumindo e conjugando com o preceito
anteriormente citado conclui-se que em nenhum momento os tribunais devem permitir que leis
ordinárias limitem o cidadão de recorrer contenciosamente dos actos administrativos produtivos de
efeitos jurídicos, ou lesivos, mesmo não sendo definitivos.
Também resulta do princípio da tutela jurisdicional efectiva que a sua aplicação comporta várias
dimensões, entre elas a dimensão petitória no sentido de que a condição primária da tutela
jurisdicional efectiva, traduz-se no reconhecimento do direito de apresentação em juízo de todo o
tipo de pedido e de utilizar o correspondente meio processual.
Ainda, através desse princípio, confere-se aos tribunais “amplos poderes de pronúncia, incluindo os
de condenar a Administração ou dirigir a esta injunções”
Percebe-se deste modo, que a Constituição tutela efectivamente os lesados quando são praticados
actos administrativos, dando faculdade de optar ou por via de uma impugnação graciosa ou, sem
nenhuma limitação optar por via do recurso contencioso contra os actos praticados pela
Administração.
A Constituição de 2004 estabelece uma série de garantias e, nas palavras do professor Diogo Freitas
do Amaral, as garantias constitucionais do direito ao recurso contencioso abrange:
 A proibição de leis ordinárias declarar irrecorríveis certas categorias de actos definitivos e
executórios;
 A proibição de leis ordinárias reduzir a impugnabilidade de determinados actos a certos vícios.

2.5.1. Recorribilidade dos actos administrativo na Constituição de 2004


Conforme ficou patente atrás, a Constituição de 2004 estabelece um conceito de acto impugnável
que não suscita dívida, conforme o n° 3 do artigo 253. No mesmo diapasão, estabelece o n° 3 do
artigo 153 da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto21 que “é assegurado aos cidadãos interessados o
direito do recurso contencioso fundado em ilegalidade dos actos administrativos, desde que
prejudiquem os seus direitos”, contudo, essa possibilidade de agir contenciosamente contra os actos
lesivos praticados por órgãos da Administração está condicionada aos termos estabelecidos na lei do
processo contencioso administrativo, conforme prevê o n° 4 do artigo retro.
Já, a actual lei do processo contencioso administrativo22 restringe o conceito de acto administrativo
para efeitos de impugnação pressupondo que sejam definitivos e executórios ao estabelecer, no
artigo 33 sob epígrafe “actos recorríveis” que “só é admissível recurso dos actos definitivos e
executórios”.
A semelhança do que ficou assente ao tratar-se de recorribilidade e actos na Constituição de 1990,
resulta claro-evidente a revisão constitucional operada em 2004 cristalizou os direitos, liberdades e
garantias fundamentais ao prever em várias disposições constitucionais mecanismos de efectividade
de tais direitos o que, para não se repetir, chama-se para esta parte os argumentos apresentados no
subtítulo anterior.
Contudo, deve ficar assente que foi através desta Constituição que o legislador ordinário revogou a
anterior Lei n° 9/2001, de 7 de Julho, introduzindo a nova lei do processo administrativo
contencioso (Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro) que se espera que com a mesma pudesse ser
ultrapassada a contenda que se levantava, justamente nas disposições que limitavam o cidadão de
acesso aos tribunais. Na verdade, nada mudou, porque manteve o mesmo raciocínio da
definitividade e executoriedade dos actos administrativo para efeitos de recursos, colocando as
actuais disposições constitucionais em crise já que é posta em causa o princípio da supremacia
constitucional previsto no n° 4 do artigo 2 da Constituição da República de Moçambique.
CAPITULO III
3. Considerações finais
A questão da evolução do contencioso administrativo tem uma ligação estrita com o surgimento dos
tribunais administrativo, sendo certo que não é possível tratar do tema do contencioso prescindindo
o órgão competente para dirimir tais conflitos. Moçambique conhece do surgimento e, de certo
modo, a evolução do contencioso ou dos tribunais administrativos a partir da história portuguesa que
influencio bastante para as suas colónias. Nesta perspectiva, com a introdução da reforma
administrativa ultramarina percebeu-se a questão fundamental sobre a possibilidade de impugnação
de actos administrativos por parte dos administrados constituía uma garantia fundamental, contudo,
o regime estabelecido na referida legislação limitava a impugnação de actos que não fossem
definitivos e executórios. (Sousa, 1995).
Com a independência do Estado moçambicano, mudanças profundas foram operadas até ao ponto de
não constituir prioridades do Estado o estabelecimento de um conjunto de garantias administrativas,
pois, as linhas e políticas mestres estavam ligadas ao alavancamento da economia nacional, sendo
esquecido a questão dos conflitos que podiam surgir entre os particulares e a Administração Pública.
Como consequência disso, não existiam tribunais administrativo no verdadeiro sentido e, só a
Constituição de 1990 é que veio implantar e reorganizar o sistema judicial, sendo reconhecido
constitucionalmente a existência de Tribunal Administrativo o que culminou com a produção
legislativa de um instrumento que regulasse o funcionamento e as competências do Tribunal
Administrativo (Lei n° 5/1992, de 6 de Maio). (Sousa, 1995).
Em 2001 foi introduzida a lei do contencioso (Lei n° 9/2001, de 7 de Julho), com vista a concretizar
o modo de efectivação das garantias dos administrados, como é o caso de acesso a justiça
administrativa. Estranhamente, sobre a recorribilidade dos actos administrativos, todas as leis em
referência limitam o recurso, ao consagrar a teoria da definitividade e executoriedade dos actos,
numa clara contradição aos comandos constitucionais. Em 2004, a Constituição foi mais claro sobre
as matérias susceptíveis de recurso, consagrando a teoria de acto lesivo, mesmo assim, foi aprovado
a nova lei do contencioso (Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro), com isso, nada mudou o que nos leva
a concluir sobre a inconstitucionalidade de todas as normas que condicionam a definitividade do
acto administrativo. (Sousa, 1995).
4. Referências bibliográficas
1. AMARAL, Diogo Freitas. (2001). Curso de Direito Administrativo. Vol. II. 5ª Reimpressão.
Almedina.
2. AMARAL, Freitas do Amaral e Almeida, (2002). Aroso de. Grandes Linhas da Reforma do
Contencioso Administrativo. Coimbra.
3. ANDRADE, José Vieira. (2009). A Justiça Administrativa (Lições). 10ª Edição. Almedina.
4. ANDRADE, José Carlos Vieira (2000). A Justiça Administrativa (lições). 3ª Edição. Almedina.
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