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PREFEITURA MUNICIPAL DO SALVADOR

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO


PROCURADORIA FISCAL
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 13ª VARA DA
FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SALVADOR

Processo nº 0769103-11.2018.8.05.0001

O MUNICÍPIO DO SALVADOR, devidamente qualificado nos autos da


Execução Fiscal em epígrafe, ajuizada em face de DARIO CAMPOS ALVES, tomando ciência do
despacho de fl.22, vem se manifestar, nos termos a seguir.

A executada requer a suspensão do curso da execução fiscal até o julgamento


da ação anulatória nº 0512278-94.2019.8.05.0001, o que não merece prosperar, haja vista que não
foram satisfeitos os pressupostos para a suspensão da presente execução fiscal, pelas razões que
passa a aduzir.

I.1. DA NECESSÁRIA GARANTIA DO JUÍZO PARA SUSPENSÃO DO CURSO


PROCESSUAL (ART.38 e ART.16, §1º DA LEI 6830/80).

A executada requer a suspensão da Execução Fiscal nº 0769103-11.2018.8.05.0001


por meio de ação autônoma de impugnação, contudo, observe-se que os argumentos deduzidos na
ação anulatória bem poderiam ser debatidos em sede de embargos à execução.
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Sabe-se que o art.38 da LEF admite, excepcionalmente, que a defesa do
contribuinte/devedor seja deduzida em ação autônoma de impugnação (a chamada defesa
heterotópica), como o mandado de segurança, a ação de repetição do indébito ou a ação anulatória do
ato declarativo da dívida.

Como ensina Araken de Assis, “os remédios catalogados no art. 38, caput, da Lei
6.830/1980 não constituem questão prejudicial externa à execução e, assim, não a suspendem (art.
313 V, a, do NCPC)”1. O art. 784 do CPC dispõe que “a propositura de qualquer ação relativa a
débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução”. Disso decorre a
regra segundo a qual a deflagração de ação autônoma que tenha por objeto o débito constante de
título executivo é, a princípio, irrelevante para o curso da execução.

Esse entendimento tem especial aplicação na execução fiscal, já que, nesse


procedimento, o exercício do direito de defesa pelo executado depende da prévia garantia do juízo –
“não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução” (LEF, art. 16, §1º).

Ora, se, na execução fiscal, os embargos, meio típico de defesa do executado,


somente são admissíveis após garantido o débito (LEF, art. 16, §1º), não se pode cogitar que, exercida
a defesa do executado por outro meio, notadamente por meio atípico, tal exigência lhe seja
dispensada. A distinção de tratamento terminaria por gerar situações inexplicavelmente distintas: (a)
a do contribuinte/devedor que se defende por embargos à execução e que precisa garantir
previamente o débito e (b) a do contribuinte/devedor que se defende por ação autônoma, em que
deduz exatamente a mesma matéria dedutível em embargos, mas não precisa garantir previamente o
débito.

Não há motivo razoável para essa distinção de tratamento, que terminaria


propiciando uma forma de burlar o disposto no art. 16, §1º, da LEF. O contribuinte/devedor
inevitavelmente optaria pelo ajuizamento de demanda autônoma de impugnação, em lugar dos
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ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 1420. No mesmo sentido, o STJ já decidiu que “não tendo
sido proposta a ação de embargos ou tendo sido o respectivo processo extinto sem julgamento de mérito, nada impede que o devedor intente outra
ação cognitiva com aquele mesmo propósito (ver declarada a nulidade do título ou a inexistência da obrigação), embora sem a eficácia de
suspender a ação executiva, cujos atos podem ser paralelamente praticados. [...]” (STJ, 1ª Turma, REsp 758.655/RS, rel. Min. Teori Zavascki, j.
03/05/2007, DJ 28/05/2007, p. 290) (grifamos).
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embargos à execução, criando um hiato de segurança justamente numa situação em que o legislador
quis, muito claramente, proteger a solvabilidade do crédito tributário.

Justamente por isso, o STJ tem entendimento consolidado no sentido de que “nos
casos em que há concomitantemente ação anulatória de débito fiscal e execução fiscal, a suspensão
desta somente é permitida mediante o oferecimento de garantia do juízo”2. Há muito, aliás, esse
entendimento vem sendo adotado pela Corte Superior. Vejamos:

A ação anulatória de débito fiscal tem conexão com a ação de execução, assim,
podemos concluir que sempre há prejudicialidade entre elas. A prejudicialidade
capaz de ensejar a paralisação da execução só se configura quando está o débito
garantido pela penhora ou pelo depósito. (STJ, 2ª Turma, REsp 851.607/RS, rel.
Min. Eliana Calmon, j. 07/10/2008, DJe 29/10/2008) (grifamos)

A Primeira Seção pacificou a jurisprudência no sentido de entender conexas as


ações de execução fiscal, com ou sem embargos e a ação anulatória de débito
fiscal, recomendando o julgamento simultâneo de ambas. A prejudicialidade
capaz de ensejar a paralisação da execução só se configura quando está o débito
garantido pela penhora ou pelo depósito. Hipótese dos autos cujo depósito,
realizado em sede de ação consignatória, não atende aos ditames do art. 151 do
CTN, por não efetuado no montante integral. (STJ, 2ª Turma, REsp 726.833/RS,
rel. Min. Eliana Calmon, j. 13/02/2007, DJ 02/03/2007, p. 279) (grifamos)

Nesse sentido, aliás, deve ser compreendido o art. 38 da LEF, na parte em que
exige que a ação anulatória autônoma seja “precedida do depósito preparatório do valor do
débito”. Bem se sabe que não é possível exigir o depósito preparatório como requisito de
admissibilidade, a condicionar o exercício do direito de ação; mas é perfeitamente possível exigi-
lo como pressuposto para a suspensão de exigibilidade do crédito tributário3.

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STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1413540/RS, rel. Min. Humberto Martins, j. 08/05/2014, DJe 15/05/2014 (acrescentamos o itálico).
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Tema 241 dos Recursos Especiais Repetitivos: “O depósito prévio previsto no art. 38, da LEF, não constitui condição de
procedibilidade da ação anulatória, mas mera faculdade do autor, para o efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do
art. 151 do CTN, inibindo, dessa forma, o ajuizamento da ação executiva fiscal” (STJ, Primeira Seção, REsp 962.838/BA, rel. Min. Luiz Fux, j.
25/11/2009, DJe 18/12/2009).
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Por idênticas razões, o mesmo raciocínio deve ser aplicado se o
contribuinte/devedor ajuíza demanda autônoma para discussão de determinado crédito tributário:
não se lhe pode exigir a prévia garantia do débito como requisito de admissibilidade, a
condicionar o exercício do direito de ação; mas, se o contribuinte/devedor pretende que tal
demanda autônoma seja recebida como se embargos à execução fossem, ensejando a suspensão
do curso da execução fiscal, é inevitável concluir que tal pretensão depende da prévia garantia
do débito, sob pena de burla à regra do art. 16, §1º, da LEF.

É o que ocorre aqui: A executada requer a suspensão da Execução Fiscal até o


julgamento da Ação Anulatória, sem, contudo, requer a garantia do juízo.

Saliente-se que a Ação Anulatória foi proposta em 07/03/2019, meses após o


ajuizamento da Execução Fiscal, em 29/05/2018. Desse modo, percebe-se que a Ação Anulatória
foi utilizada pela Autora como meio de impugnação autônomo.

Nesse sentido, salienta-se que a exigência de “garantia da execução por


penhora, depósito ou caução suficientes” como pressuposto para a “suspensão dos atos
executivos, no processo de execução fiscal, em virtude da antecipação dos efeitos da tutela
jurisdicional pleiteada em ação anulatória de débito fiscal proposta durante a tramitação da
execução” já foi devidamente decidida pelo STJ, no julgamento do Recurso Especial n.
1.153.771/SP4.

Mas não só isso. Não basta que o juízo esteja garantido, nos termos do art.9º da
LEF, para que suspenda o curso da execução. É preciso mais.

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STJ, 2ª Turma, REsp 1153771/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 12/04/2012, DJe 18/04/2012.
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I.2. JUÍZO DE VEROSSIMILHANÇA E PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL (ART.919, §1º,
CPC C/C REsp REPETITIVO 1.272.827/PE, TEMA 526)

O Art.919 do CPC dispõe sobre os requisitos para a concessão do efeito


suspensivo aos embargos à execução, situação que deve ser aplicada analogicamente a essa Ação
Anulatória.

Art. 919, CPC-2015. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.

§1º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos


embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória
e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução
suficientes. (grifamos)

A exigência de satisfação desses pressupostos (e não apenas da prévia garantia


do débito) é objeto de precedente vinculante (CPC, art. 927, III), formado com o julgamento do
Recurso Especial n. 1.272.827/PE5, sob o rito dos recursos especiais repetitivos. Nesse recurso,
discutiram-se os pressupostos que deviam ser atendidos para atribuição de efeito suspensivo aos
embargos à execução fiscal. Na íntegra do voto, o Min. Mauro Campbell Marques esclareceu a
questão posta em debate:

No caso concreto discute-se a respeito dos efeitos ordinários em que devem ser
recebidos os embargos à execução fiscal, esta já garantida por penhora, previstos
no art. 16 da Lei n. 6.830/80 - Lei de Execuções Fiscais - LEF, se com ou sem
efeito suspensivo sobre a execução fiscal em andamento. Isto é, discute-se se a
garantia da execução somada ao oferecimento dos embargos é suficiente para a
suspensão da execução fiscal, como ocorria na letra do art. 739, §1º e 791, I, do
Código de Processo Civil de 1973 (ambos redação dada pela Lei n. 8.953/94)
antes do advento da Lei n. 11.382/2006, ou há ainda a necessidade de que o
executado demonstre a relevância de seus argumentos (fumus boni juris) e que o
prosseguimento da execução poderá lhe causar dano de difícil ou incerta
reparação (periculum in mora), conforme o exige o art. 739-A, §1o, do CPC/73,
incluído pela Lei n. 11.382/2006.

Ao final, concluiu o seguinte:

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STJ, 1ª Seção, REsp 1272827/PE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22/05/2013, DJe 31/05/2013.
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No caso dos autos, ao contrário do que aqui sustentado, o Tribunal de Origem
concluiu que, para se atribuir o efeito suspensivo aos embargos do devedor na
execução fiscal, basta que a execução esteja garantida. O acórdão, portanto, merece
reparo, pois como condicionantes do efeito suspensivo dos embargos do devedor
estão ainda os juízos de relevância da argumentação (fumus boni juris) e perigo
de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), a teor da
aplicação subsidiária do art. 739-A do CPC/73 (incluído pela Lei n. 11.382/2006)
à LEF. (grifamos)

A tese vinculante (CPC, art. 927, III) está sintetizada no Tema 526, a saber:

Tema 526. A atribuição de efeitos suspensivos aos embargos do devedor fica


condicionada ao cumprimento de três requisitos: apresentação de garantia;
verificação pelo juiz da relevância da fundamentação (fumus boni juris) e perigo
de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).

No caso concreto, a executada alega a existência de dano em razão de possível


inscrição em dívida ativa, contudo, desconsidera que tal fato já ocorreu, bem como, já tomou
ciência da Execução Fiscal ajuizada pela Fazenda Pública. Além disso, tinha conhecimento de tal
ato, pois a Anulatória foi proposta em data posterior à da Execução Fisal. Salienta-se que
esvaziou-se o objeto do referido perigo de dano, pois todos os seus fundamentos já ocorreram no
caso concreto.

Nestes termos, pugna pelo indeferimento do pedido de suspensão da


execução fiscal, haja vista que a executada não satisfez os pressupostos necessários para a
adoção de tal medida.

Termos em que pede deferimento.

Salvador, 07 de janeiro de 2020.

RODRIGO MORAES FERREIRA


Procurador do Município

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