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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

Setor de Ciências Biológicas e da Saúde


Departamento de Medicina

FERNANDO JOSÉ L. F. CANDIDO

RESUMO DE NEUROLOGIA:
PROVA II

PONTA GROSSA/PR
2016
AULA 01

DOENÇAS DESMIELINIZANTES

- Doenças desmienilinizantes são patologias imuno-mediadas, caracterizadas pela


destruição da bainha de mielina do SNC – atuando sobre oligodendrócitos. O SNP é
poupado, e os axônios dos neurônios não costumam ser envolvidos na doença.

ESCLEROSE MÚLTIPLA

- É a doença desmielinizante mais comum. É um problema crônico, caracterizado por


inflamação, desmielinização e formação de áreas de gliose. O curso pode ser progressivo
ou relapsante-remitente. As lesões de esclerose múltipla frequentemente ocorrem em
diferentes locais do SNC, ao longo de um período de tempo.

- É mais comum em mulheres, e tipicamente ocorre entre 20-40 anos de idade. Ocorre
mais frequentemente em áreas ao norte do globo, possivelmente devido a uma redução
da exposição à radiação UVB. A menor exposição a essa radiação resulta em menor
biossíntese de vitamina D – e a deficiência dessa vitamina já foi comprovadamente
relacionada com uma elevação do risco para EM. Por fim, caucasianos também possuem
maior predisposição.

FISIOPATOLOGIA

- As lesões são mediadas devido a uma produção de auto-anticorpos anti-MBP, que


atuam se ligando a proteína básica da mielina, e a destruindo. Não se sabe qual seria o
gatilho para a produção desses anticorpos, mas acredita-se que seja mimetismo de
algumas infecções.

- Uma vez formados, os Ac anti-MBP atuam estimulando uma resposta inflamatória


mononuclear na substância branca do SNC. Conforme a inflamação evolui, a proliferação
astrocítica promove gliose. Os oligodendrócitos sobreviventes – ou células precursoras
locais – são capazes de remielinizar parcialmente os axônios.

OBS: Em alguns casos, os oligodendrócitos não conseguem remielinizar a área


lesionada. Além disso, nota-se que, ao contrário do que o nome possa sugerir, a doença
não tem caráter esclerosante, e sim autoimune inflamatório.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

- O início da EM pode ser súbito ou insidioso. Os sintomas de apresentação inicial podem


ser severos, ou tão sutis que leva anos até que o paciente busque auxílio médico.
- Os sintomas podem ser extremamente variados, e dependem basicamente da
localização e da severidade das lesões causadas no SNC. Dor é um sintoma frequente,
ocorrendo em mais de metade dos pacientes. Ela pode ocorrer em qualquer local do
corpo, e pode trocar de localização com o tempo. Ainda que qualquer queixa possa ser
relatada, as mais frequentes são perdas sensitivas, neurite óptica e paresias.

OBS: A neurite óptica se manifesta como uma redução da acuidade visual – “borramento
da visão” -, ou redução da percepção de cores no campo central da visão. Os sintomas
podem ser leves, ou progressivos até a perda da visão. Raramente causa amaurose. Mais
frequentemente é unilateral.

- Os sintomas podem ser agravados por aumentos de temperatura, como ocorre em


atividades físicas, banhos quentes e quadros febris.

- De acordo com a forma como os sintomas da doença evoluem, ela pode ser classificada
de quatro maneiras distintas:

1) PADRÃO SURTO-REMISSÃO: Ocorre em 85% dos casos de EM. É


caracterizado por um surto, que geralmente evolui ao longo de dias ou
semanas. O surto tende a ter remissão completa, ou quase completa, e o
paciente se mantém estável por vários meses, até que evolui com um novo
surto.

2) PADRÃO SECUNDARIAMENTE PROGRESSIVO: Começa com um padrão


surto-remissão. Em algum momento, o curso da doença muda, e o paciente
passa a apresentar declínio progressivo das funções neurológicas, sem
associações com surtos agudos. O risco de um paciente com padrão surto-
remissão desenvolver padrão secundariamente progressivo é de 2% ao ano.
Assim, acredita-se que a maior parte deles evolua para essa forma.
3) PADRÃO PRIMARIAMENTE PROGRESSIVO: Esses pacientes não sofrem
surtos, apenas uma piora progressiva e constante do quadro, com o passar do
tempo.

4) PADRÃO DE SURTOS PROGRESSIVOS: Os pacientes apresentam declínio


progressivo das funções neurológicas. Entretanto, eles também apresentam
surtos agudos durante o curso da doença.

OBS: Para que seja caracterizado um surto, o sintoma deve persistir por pelo menos 24
horas.

DIAGNÓSTICO

CLÍNICO

- Não há teste diagnóstico definitivo para EM. Os critérios diagnósticos de McDonald


requerem documentação de dois ou mais episódios de sintomas clínicos, associados a
dois ou mais sinais que reflitam lesões em áreas não anatomicamente contíguas da
substância branca. Um dos sinais deve estar presente em uma avaliação neurológica,
sendo que o outro pode ser encontrado de outras formas, como RM, por exemplo.

OBS: Os surtos devem durar no mínimo 24 horas, e devem ser afastados entre si por um
período de pelo menos um mês.

RADIOLÓGICO

- A RM consegue identificar anormalidades características em mais de 95% dos


pacientes, ainda que mais de 90% das lesões detectadas sejam assintomáticas/inativas.
As lesões ativas aumentam a permeabilidade vascular, devido à ruptura da barreira
hemato-encefálica, permitindo que o gadolínio atinja o parênquima cerebral.
- As lesões são caracteristicamente justacorticais, e ocorrem perpedincularmente ao
corpo caloso – formando o padrão chamado de “dedos de Dawson”. Elas tendem a ser
multifocais, ocorrendo no cérebro, tronco encefálico e medula espinhal.

OBS: RM com múltiplas lesões, novas e antigas, sugerem EM. Na medula, aparecem
como pequenas placas de desmielinização – ainda que as formas medulares sejam mais
graves. Caso as placas sejam grandes, deve-se considerar o diagnóstico de neuromielite.

LÍQUOR

- As anormalidades encontradas no líquor incluem pleocitose mononuclear, aumento de


IgG e surgimento de bandas oligoclonais. As proteínas podem estar normais ou
discretamente elevadas. Apesar disso, é padrão é característico de doenças auto-imunes,
e não específico de EM.

TRATAMENTO

- A terapia da EM é dividida em duas categorias:


1) Tratamento dos surtos agudos;
2) Tratamento para reduzir atividade biológica da EM;

- Os surtos agudos são tratados com pulsoterapia de metilpredinisolona 1000 mg por 3-5
dias. Outras opções incluem realização de plasmaferese e uso de imunoglobulinas
específicas.

- O tratamento de manutenção de primeira linha são os imunomoduladores – em especial


intérferon 1A, 1B e acetato de glatiramer. Todas essas drogas são injetáveis e
apresentam alto custo. Caso elas não consigam controlar o quadro, as drogas de
segunda linha – mais novas e menos testadas – incluem fingolimod VO e natalizumab.
Ainda que sejam mais convenientes, por serem orais, elas só são liberadas pelo SUS
após falha das drogas de primeira linha.
OBS: Ainda que a deficiência de vitamina D seja um fator de risco para EM, altas doses
dessa vitamina não são consideradas terapia eficaz para a patologia. Entretanto, pode-se
dosar a vitamina e, caso esteja baixa, repô-la.

- O tratamento deve incluir reabilitação com fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, terapia


ocupacional, etc. É importante ter em mente que a doença já teve um prognóstico muito
pior do que tem atualmente – ainda que o estigma permaneça.

NEUROMIELITE ÓPTICA

- Também conhecida como doença de Devic, a neuromielite óptica é outro distúrbio


inflamatório auto-imune do sistema nervoso, que leva a desmielinização central.
Antigamente, acreditava-se que era uma forma mais agressiva de EM. Todavia, com a
melhor compreensão da fisiopatologia da doença, compreendeu-se que ela um distúrbio
distinto.

- É caracterizada por ataques bilaterais ao nervo óptico e mielite. Esses dois achados,
ainda que possíveis na EM, são incomuns. Sintomas progressivos não ocorrem,
apresentando-se em forma de surto-remissão sem evolução entre quadros.

- O quadro tende a ser mais grave, sendo que um único surto é capaz de deixar o
indivíduo irreversivelmente cego/tetraplégico.

- Um dos marcadores mais específicos para a doença é a presença de anticorpos anti-


aquaporina-4. Pacientes com esses anticorpos têm grande probabilidade de recidiva. Na
RM, aparece como placas hiperintensas e grandes na medula, ao contrário da EM, que
tende a formar placas pequenas.

OBS: Ao contrário da EM, é mais comum em negros e asiáticos.

- O tratamento do surto deve ser o mais rápido possível, fazendo uso de


metipredinisolona 1000 mg por 5-10 dias. Caso o quadro não reverta rapidamente, a
plasmaférese deve ser iniciada.

- A terapia de manutenção é feita com azatioprina, micofenolato de mofetil ou rituximab. É


importante notar que, como a doença não tem caráter progressivo, não há doença fora do
surto.

ENCEFALOMIELITE AGUDA DISSEMINADA – ADEM

- É o equivalente a síndrome de Guillain-Barrett no SNC. É um distúrbio autoimune, que


ocorre após-infecção viral ou pós aplicação de vacinas – normalmente 7-10 dias antes do
quadro. A doença evolui em poucos dias, gerando muitos déficits neurológicos. A doença
é muito mais comum em crianças do que adultos.
- É mais comumente associada a infecções por varicela, mas também ocorre em rubéola,
influenza, EBV, HIV, Mycoplasma, etc. Alguns pacientes não apresentam história prévia
de infecção, o que dificulta o diagnóstico.

- Todas as formas de ADEM provavelmente resultam de uma reação cruzada do sistema


imune com o agente infeccioso, o que serve de gatilho para a desemielinização. Auto-
anticorpos anti-MBP já foram identificados no líquor desses pacientes.

- A RM geralmente identifica lesões extensas no cérebro e medula espinhal, formando


hiperintensidades na substância branca das sequências T2 e FLAIR. Caracteristicamente,
todas as lesões possuem o mesmo tempo de evolução, e realçam ao contraste.

- O tratamento inicial é feita com altas doses de glicocorticoides, da mesma forma que na
neuromielite óptica. O tratamento talvez precise ser continuado por 4-8 semanas.
Pacientes que não apresentem resposta favorável devem ser submetidos à plasmaférese.

OBS: A doença é monofásica, e não apresenta evolução alguma, após o quadro inicial.

AULA 02

PARKINSONISMO
- Parkinsonismo é uma síndrome caracterizada pela presença de pelo menos dois dos
seguintes sinais:
1) Bradicinesia;
2) Rigidez;
3) Tremor;
4) Instabilidade postural.

OBS: A síndrome independe da presença, ou não, de paresia. Cada doença possui


alguns desses sinais mais caracteristicamente do que outros.

- A bradicinesia é a lentidão durante o início e a execução de movimentos voluntários e


involuntários. É mais evidente quando o paciente realiza movimentos repetitivos – como
quando se solicita que o paciente abra e feche as mãos rapidamente, repetidas vezes.
Alguns pacientes podem se queixar micrografia. A ocorrência de acinesia súbita é
chamada de freezing. Micrografia: dificuldade
para escrever e
tendência da letra a
ficar pequena.
OBS: A bradicinesia pode se manifestar na marcha como uma ausência de movimentação
dos braços, hesitação no início e aceleração involuntária dos passos – festinação. Na
vocalização, ocorre redução da intensidade e monotonia do discurso.

- A rigidez é causada pela hipertonia plástica. É caracteristicamente representada pelo


sinal da roda denteada, sendo mais evidente na musculatura flexora dos membros
superiores.
- O tremor é tipicamente de repouso, ocorrendo em extremidades – em especial nas
mãos. Possui baixa frequência, e tende a ocorrer no sentido de pronação-supinação. É
exacerbado durante a marcha e tensão, mas se reduz durante a execução de movimentos
voluntários.

OBS: Como o tremor não é intencional, ele não chega a ser funcionalmente limitante. A
maioria dos pacientes apenas possui queixas estéticas quanto a ele.

- A instabilidade postural é a perda dos reflexos de readaptação postural. Sem esse


reflexo, o indivíduo perde o equilíbrio ao esbarrar em objetos, e cai. Na maioria dos casos
de doença de Parkinson, ocorre em fases mais avançadas da doença. Quando possuir
início mais precoce, outro diagnóstico de parkinsonismo deve ser considerado.

- Ainda que o diagnóstico de parkinsonismo, quando esses sinais estão presentes, seja
relativamente fácil, algumas formas de apresentação específicas podem ser
particularmente difíceis de serem reconhecidas:
-> Forma rígido-acinética: não há tremor presente.
-> Forma de tremor: diagnóstico diferencial com tremor essencial.

- As principais doenças de parkinsonismo incluem:


-> Primária: doença de Parkinson;
-> Secundária: uso de drogas, problemas vasculares, TCE, infecções, etc.
-> Atípicas: demência de Lewy, atrofia de múltiplos sistemas, etc.

OBS: As formas atípicas de parkinsonismo tendem a ser semelhantes à doença de


Parkinson, acrescidas de sintomas extras.

DOENÇA DE PARKINSON

- Nos Estados Unidos, é a segunda principal causa de demência – perdendo apenas para
Alzheimer. É responsável por cerca de 75% dos casos de parkinsonismo. Tende a ocorrer
acima dos 60 anos de idade, mas há relatos de casos em pacientes jovens. Quanto mais
cedo a doença se desenvolver, maior a probabilidade de ela ter etiologia genética.

- Clinicamente é caracterizada por tremor de repouso, rigidez, bradicinesia e, em fases


avançadas, instabilidade postural – são os chamados sintomas cardinais da DP. Outros
sintomas incluem freezing, dificuldades de discurso, distúrbios do sono, distúrbios
autonômicos, etc.

OBS: Os sintomas cardinais tendem a resultar da desregulação dopaminérgica dos


núcleos da base. Os outros sintomas resultam de distúrbios de outros sistemas
monoaminérgicos, e não respondem a terapia com dopamina.

ETIOLOGIA
- Cerca de 90% dos casos DP são esporádicos e idiopáticos. Apenas 10% dos casos
possuem alguma alteração genética identificável. Estudos epidemiológicos identificaram
como fatores de risco:
-> Uso de agrotóxicos;
-> Vida rural;
-> Ingestão de água de poço.

- Os fatores protetores encontrados até o momento incluem:


-> Cafeína;
-> Tabagismo.

- Testes genéticos não costumam ser utilizados no diagnóstico de DP, mas podem ser
úteis para identificar indivíduos com maior risco de desenvolver a doença. As mutações
no gene LRRK2 são as mais comumente encontradas, estando presentes em até 1% de
todos os casso da doença. As mutações no gene PARK2 tendem a gerar a doença em
indivíduos com idade inferior a 40 anos.

- Nas formas idiopáticas, acredita-se que o acúmulo de corpos de Lewy – acúmulos


proteicos de alfa-sinucleína – esteja correlacionado com a etiologia da doença. Todavia,
os mecanismos que levam ao acúmulo inicial dessa proteína e a forma como esse
acúmulo leva a degeneração neuronal ainda não são bem explicadas.

FISIOPATOLOGIA

- Classicamente, a doença de Parkinson é descrita como uma degeneração dos


neurônios dopaminérgicos da substância negra mesencefálica, associado a um acúmulo
de proteínas citoplasmáticas chamadas de alfa-sinucleína.

OBS: Entretanto, estudos mais recentes mostraram que também ocorre degeneração dos
neurônios colinérgicos de Meynert, dos neurônios de norepinefrina do locus ceruleus e
serotoninérgicos dos núcleos da rafe. Além disso, a doença também está associada à
degeneração do sistema olfatório, hemisférios cerebrais, medula espinhal e sistema
nervoso autonômico periférico. Essas alterações não dopaminérgicas são responsáveis
pela manifestação de sintomas não cardinais na DP.
- Há evidências de que a doença começa atingindo primariamente o sistema autonômico
periférico – em especial o nervo vago - e olfatório. A partir disso, a doença compromete
gradualmente outras estruturas do encéfalo, subindo pelo tronco encefálico até atingir o
mesencéfalo e o telencéfalo. Por esse motivo, acredita-se que obstipação, anosmia e
distúrbio comportamental do sono REM ocorram em fases iniciais pré-clínicas da DP.

ALTERAÇÃO NOS GÂNGLIOS DA BASE

- Os gânglios da base são um grupo de núcleos subcorticais que incluem:


-> Striatum: núcleo putamen e caudado;
-> Núcleo subtalâmico;
-> Globo pálido interno e externo;
-> Substância negra.
-> Núcleo accumbens.

- Os gânglios da base atuam modulando o movimento, e algumas funções emocionais e


cognitivas. O striatum é a principal região de input dos gânglios da base – recebendo
estímulos diretamente do córtex cerebral -, enquanto o globo pálido interno é a principal
região de output – enviando estímulos para o núcleo VL do tálamo.

- O output dos gânglios da base prove um estímulo inibitório para o tálamo. Uma vez
inibido, o tálamo torna-se menos capaz de enviar estímulos excitatórios para o córtex, e
consequentemente a movimentação é reduzida. Assim, de forma geral, os gânglios da
base atuam inibindo a ação cortical de gerar movimentos.

OBS: Quando o córtex deseja gerar um movimento, ele envia um estímulo para o
striatum, que por sua vez inibe o globo pálido interno. Uma vez inibido, o globo pálido
perde sua capacidade de inibir o tálamo. Assim, o tálamo fica livre para excitar o córtex e
gerar o movimento desejado. Essa é a chamada via direta.
- Normalmente, a dopamina gerada na substância negra atua estimulando a via direta, e
consequentemente facilitando a liberação de movimentos.

- Na doença de Parkinson, a degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância


negra leva a uma menor estimulação da via direta dos gânglios da base – e a uma maior
estimulação da via indireta. Consequentemente, o tálamo fica muito inibido pelo globo
pálido, e não consegue levar o córtex a gerar a movimentação desejada. Isso se
manifesta clinicamente na forma de rigidez e bradicinesia.

OBS: Em outras palavras, o comprometimento da substância negra reduz a inibição sobre


a via indireta e reduz a excitação da via direta. Os sintomas motores aparecem quando
mais de 70% dos neurônios dopaminérgicos já foram comprometidos.

MANIFESTAÇÕEES CLÍNICAS

- Antigamente, considerava-se como doença de Parkinson todo paciente que apresenta-


se pelo menos dois sintomas cardinais – o que atualmente apenas diagnostica
parkinsonismo. Entretanto, essa metodologia mostrou que 25% dos pacientes eram
diagnosticados erroneamente. Assim, atualmente o diagnóstico de DP é feito a partir dos
U. K. brain bank criteria – com acurácia de 99%. Esses critérios incluem:
1) Tremor de repouso e assimétrico;
2) Resposta terapêutica adequada ao uso de levodopa.

- Cerca de 85% dos casos se apresenta com tremor de repouso, ainda que a forma rígido-
acinética seja mais prevalente em pacientes com menos de 40 anos de idade. O início da
doença é gradual e unilateral, geralmente acometendo primeiramente as mãos, e apenas
após alguns anos atingindo as pernas. O paciente pode se queixar de hipomimia facial,
fraqueza, fadiga, dores e desconfortos lombares.
OBS: Muitos pacientes se referem a bradicinesia como uma “perda de força na mão”,
ainda que os testes de força indiquem ausência de paresia.
- A rigidez não costuma aparecer na história clínica, mas pode ser facilmente encontrada
durante o exame neurológico. A instabilidade postural é comum em fases avançadas –
caso ocorra no início da doença, deve-se considerar outro diagnóstico.

- As manifestações não motoras tendem a ser mais incapacitantes que as motoras, e


incluem:
-> Anosmia – um dos sintomas mais precoces;
-> Obstipação – um dos sintomas mais precoces;
-> Inquietude interna;
-> Dores e desconforto em membros inferiores;
-> Dispneia subjetiva;
-> Disfunções autonômicas tardias.

OBS: Exemplos de disfunções autonômicas incluem hipotensão ortostática sem


ocorrência de síncopes, seborreia, urgência miccional, paroxismos de sudorese
excessiva, etc.

- Durante o sono, o paciente pode desenvolver síndrome das pernas inquietas e distúrbio
comportamental do sono REM. Muitos pacientes também desenvolvem sintomas de
depressão e ansiedade.

- Com o passar dos anos, e a progressão da doença, a maioria dos pacientes evolui com
demência – estima-se que 70% dos pacientes terão evoluído para demência em até oito
anos. Quanto mais tarde a doença começar, maiores as chances de desenvolver
demência – ainda que ela também possa ocorrer mais frequentemente nas formas rígido-
acinéticas.

- Alguns pacientes desenvolvem surtos psicóticos – e muitas vezes possuem consciência


de que suas alucinações não são reais. Os surtos podem ser desencadeados pela própria
doença, mas mais frequentemente são resultados de algumas drogas utilizadas no
tratamento.
DIAGNÓSTICO

- O diagnóstico é primariamente clínico, sendo feito a partir dos critérios já explicados. A


RM é normal, mas o PET pode demonstrar redução da atividade do striatum. Ainda assim,
os exames de imagem não são utilizados de rotina, sendo que a indicação deles fica
restrita a situações de pesquisa.

TRATAMENTO

LEVODOPA

- A dopamina não é capaz de atravessar a barreira-hematoencefálica, de forma que o


tratamento é realizado primariamente com a levodopa – uma precursora direta da
dopamina. Essa é considerada a terapia padrão-ouro no tratamento de DP.

- É rotineiramente utilizada em conjunta com inibidores da descarboxilase – como


carbidopa e benserazida -, para evitar que a droga seja rapidamente degradada nos
tecidos periféricos. Costuma ser tomada junto com as refeições, para causar menos
náuseas.

- A levodopa leva a uma melhora evidente do quadro clínico dos sintomas motores da DP,
ainda que tenha eficácia limitada no controle dos sintomas não dopaminérgicos.

- Após cinco anos de uso, cerca de 50% dos pacientes desenvolverá complicações devido
ao uso da levodopa. Quando a utilização é iniciada, o efeito costuma ser duradouro,
mesmo em baixas doses. Entretanto, quando é muito utilizada, a duração do efeito do
fármaco é reduzida, e o paciente passa a necessitar de doses maiores. Esse efeito é
conhecido como wearing-off effect.

- O problema em aumentar a dose consiste no fato de que em doses muito altas, a


levodopa estimula discinesias – o excesso de dopamina na substância negra estimula
excessivamente a via direta dos gânglios da base, liberando o córtex para realizar
movimentos.
- As discinesias tendem a ocorrer durante a concentração máxima de levodopa no plasma
sanguíneo, mas também podem ocorrer em outros momentos, como no fim da dose. As
discinesias são tipicamente coreia ou distonia, mas também podem ocorrer na forma de
balismo, mioclonia, etc.

- Em estágios mais avançados do tratamento, os pacientes variam de períodos on – em


que o fármaco está ativo, e podem ocorrer discinesias -, e períodos off – em que os
pacientes sofrem com os sintomas do parkinsonismo.

- Dessa forma, ainda que o uso de levodopa seja excelente na terapia inicial, ela tende a
se desgastar com o tempo de uso.

OUTROS FÁRMACOS

- Os agonistas dopaminérgicos – como pramipexol e rotigotina – agem diretamente nos


receptores de dopamina. Não possuem eficácia comparável com a levodopa, mas
causam menos quadros discinéticos. Por esse motivo, alguns clínicos preferem iniciar o
tratamento da DP com esses fármacos, e trocar a terapia para levodopa, quando for
necessário. Causam alucinações visuais.

- Os inibidores da MAO-B – como selegilina e rasagilina – atuam bloqueando o


metabolismo da dopamina, e consequentemente aumentando a concentração sináptica
desse neurotransmissor. Clinicamente possuem efeito antiparkinsoniano modesto,
quando usados em monoterapia.

- Os inibidores da COMT – como entacapone – atuam aumentando a meia-vida da


levodopa. Quando a levodopa é utilizada em associação com esse remédio, o período em
off é reduzido, e o período em on é prolongado.

- O uso de amantadina é indicado para o tratamento de síndromes discinéticas, em


pacientes com DP avançada. É um único fármaco oral com eficácia comprovada para
isso. Entretanto, os efeitos são transitórios, e a droga rapidamente para de funcionar no
indivíduo.
OBS: Os fármacos anticolinérgicos já foram muito utilizados no passado, mas não são
recomendados atualmente.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

- Inclui palidotomia e implantação de marca-passos para estimulação cerebral profunda.


Melhoram o período em off e as discinesias, mas não interfere sobre os sintomas não
dopaminérgicos – e nem previnem a evolução da doença para demência.

- É primariamente indicado em pacientes que sofrem com os efeitos dos sintomas


motores induzidos por levodopa e não conseguem controle clínico adequado da doença.

SINTOMAS NÃO DOPAMINÉRGICOS

- Alguns sintomas não dopaminérgicos podem se beneficiar da terapia com levodopa –


como ocorre com depressão, ataques de pânico, sudorese, etc. Entretanto, isso nem
sempre ocorre. Quando o sintoma não for bem tratado com levodopa, deve-se indicar um
fármaco paliativo. Por exemplo, o distúrbio comportamental do sono REM tende a
responder bem a clonazepam.

- A psicose pode ser tratada com a simples redução da dose de fármacos como
anticolinérgicos e amantadina. Caso o quadro não se resolva, pode-se indicar o uso de
neurolépticos atípicos, como a quetiapina. O uso de clozapina pode ser feito, mas deve-se
atentar para a possibilidade de desenvolver agranulocitose.

OBS: Não há consenso sobre qual é o melhor momento para iniciar a terapia da DP – se
ela deve ser iniciada no momento do diagnóstico, ou quando os sintomas tornam-se mais
proeminentes.

OUTRAS FORMAS DE PARKINSONISMO

PARKINSONISMO SECUNDÁRIO

MEDICAMENTOSO

- Ao contrário da DP, tende a ser bilateral e simétrico. A gravidade é proporcional a dose.

- Pode ser induzido por neurolépticos clássicos – como haloperidol -, lítio, bloqueoadores
de canal de cálcio, amiodarona, fluoxetina, etc. As principais drogas envolvidas no Brasil
são a cinarizina e flunarizina.

- A suspensão da droga leva a uma melhora clínica em dias ou semanas.


VASCULAR

- Ocorre a partir da leucoaraiose dos gânglios da base. Normalmente levam ao


desenvolvimento de instabilidade postural e demência precocemente, o que permite
distinguir o quadro da DP.

- O início da doença pode ser súbito – após um quadro de AVE. A presença de síndrome
rígido-acinético é comum. Responde mal ao tratamento medicamentoso comum.

PARKINSONISMO ATÍPICO

DEMÊNCIA DE LEWY

- O quadro de demência precede ou segue o quadro de parkinsonismo em um período


inferior a um ano de evolução. Pode haver presença de tremor intencional. A levodopa
pode se mostrar efetiva inicialmente, mas perde a utilidade rapidamente.

ATROFIA DE MÚLTIPLOS SISTEMAS

- É uma combinação de parkinsonismo, sintomas cerebelares e autonômicos. Pode ser


subdividido em uma forma predominantemente parkinsoniana – AMS-p -, ou
predominantemente cerebelar – AMS-c.

- Clinicamente costuma haver presença de hipotensão ortostática com menos de um ano


de evolução do quadro de parkinsonismo. Pode haver discinesias de face e pescoço.

- Na RM, aparece caracteristicamente como o hot cross bun sign no mesencéfalo, em T2.

PARALISIA SUPRANUCLEAR PROGRESSIVA

- É uma forma de parkinsonismo atípica caracterizada pela ocorrência de movimentos


oculares sacádicos e restrição da movimentação ocular inferiormente. Pode haver diplopia
e síndrome rígido-acinético.
- A RM caracteristicamente apresenta o sinal do beija flor, nos cortes sagitais.

OBS: Resumo das alterações sugestivas de outros quadros de parkinsonismo:


AULA 03

NEUROPATIAS PERIFÉRICAS

- A maioria dos nervos periféricos é mista, contendo neurônios motores, sensitivos e


autonômicos simultaneamente. O corpo do neurônio motor inferior se localiza no corno
anterior da substância cinzenta da medula, e seu axônio se estende até o músculo
inervado. Por outro lado, os neurônios sensitivos possuem seu corpo no gânglio da raiz
dorsal.

- As neuropatias periféricas são um conjunto de doenças que acomete primariamente os


nervos periféricos. Elas podem afetar apenas os neurônios sensitivos, motores e
autonômicos – ou a combinação desses neurônios. Os sinais e sintomas dessas doenças
decorrem do tipo de neurônio afetado, mas podem incluir:
-> Perda de força muscular;
-> Arreflexia ou hiporreflexia;
-> Atrofia muscular;
-> Hipotonia;
-> Perda de sensibilidade.

- As neuropatias periféricas podem se manifestar de diversas formas, afetando grupos de


neurônios específicos em cada região do corpo, de acordo com a fisiopatologia específica
da doença. Para simplificar, as neuropatias periféricas podem ser subdivididas em:
1) Mononeuropatias;
2) Mononeuropatias múltiplas;
3) Polineuropatias;
4) Radiculopatias;
5) Plexopatias;
6) Doenças do neurônio motor inferior.

OBS: A diferença entre uma mononeuropatia múltipla e uma polineuropatia consiste no


fato de que as polineuropatias normalmente possuem acometimento simétrico dos
membros, afetando nervos contíguos, e apresentando uma evolução que segue a
anatomia. As mononeuropatias múltiplas são doenças que acometem diversos nervos do
corpo, sem que haja similaridade entre eles, sem que haja simetria, e possuindo uma
evolução imprevisível.

MONONEUROPATIAS

- As mononeuropatias são as doenças que acometem um único nervo periférico.


Normalmente essas síndromes possuem causas compressivas, sendo que a mais
frequentemente encontrada é a síndrome do túnel do carpo.

SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO

- É causada pela compressão do nervo mediano, quando ele atravessa o túnel do carpo
no pulso. Esse nervo é responsável pela inervação dos primeiro, segundo, terceiro e
metade do quarto dedo das mãos. Quando é comprimido, tende a causar parestesia
nessa região. A dor também é frequentemente relatada, e pode estar localizada na mão
ou no antebraço proximal.

- Ainda que o achado de hipoestesia seja característico, nem sempre ele está presente no
exame físico. Para se diagnosticar a síndrome, pode-se fazer uso do teste de Phallen e
de Tinel.

OBS: O teste de Tinel só é considerado positivo caso o paciente sinta dor “em choque” à
percussão do túnel do carpo, com a dor irradiando para os dedos.

- As opções de tratamento incluem evitar atividades que precipitem a dor, e utilizar


AINES. Caso a dor seja noturna, o paciente pode fazer uso de próteses específicas. Caso
os sintomas sejam muito incômodos, e não respondam ao tratamento clínico, o paciente
pode ter o nervo mediano descomprimido cirurgicamente.

OBS: Outras formas de mononeuropatias compressivas, menos frequentes, incluem a


síndrome do canal cubital e do canal de Guyon – causadas pela compressão do nervo
ulnar em diferentes localidades do antebraço. Normalmente causam parestesias no
quarto e quinto dedo das mãos.

RADICULOPATIAS

- As radiculopatias englobam um grupo de doenças que acometem a raiz do nervo


periférico, sendo que ele frequentemente é lesado antes do gânglio da raiz dorsal. As
causas mais frequentes também são compressivas, sendo que a hérnia de disco e as
doenças degenerativas das articulações são as patologias mais frequentemente
associadas.

- O sintoma mais comum é a dor, que se estende por todo o dermátomo do nervo afetado.
É importante notar que algumas vezes o quadro pode se apresentar como hipoestesia,
sem dor associada.

- Dores musculares podem simular radiculopatias em algumas situações. Por isso, é


importante que o exame físico seja minucioso. Deve-se realizar a manobra de Laségue, e
avaliar os reflexos locais. Assimetria de reflexo Aquileu, por exemplo, pode sugerir lesão
de S1 – ao passo que assimetria de reflexo patelar pode sugerir lesão de L4.
OBS: Caso a radiculopatia não comprima nenhum nervo responsável por reflexos, a
assimetria de reflexos pode não estar presente. Por exemplo, lesões de L5 não causarão
assimetrias de reflexo, mas podem levar a presença de “pé caído”.

PLEXOPATIAS

- São as doenças que acometem os plexos – sejam os plexos braquiais ou lombossacrais.


O trauma é a causa mais comum de todas as plexopatias. Caso a lesão seja apenas
parcial – e não haja rompimento de nervos -, ela tende a melhorar progressivamente com
o tempo. Por outro lado, traumas graves que levam a avulsão das raízes nervosas
frequentemente são intratáveis.

- Pacientes de sexo masculino que se apresentam com um único braço caído podem ter
sofrido lesão de plexo braquial – através de uma queda de moto, por exemplo. Outra
forma de lesão pode ocorrer na obstetrícia, com lesão do plexo braquial durante a
expulsão do feto no trabalho de parto.

MONONEUROPATIAS MÚLTIPLAS

- Como mencionado, são as doenças que acometem os nervos periféricos isolada e


simultaneamente – normalmente sendo assimétricas e com evolução imprevisível. No
Brasil, a principal causa que sempre deve ser inicialmente considerada é a hanseníase.
OBS: Outras causas menos comuns incluem vasculites – como ocorre em poliarterite
nodosa – e neuropatias autoimunes – como pode ocorrer em LES. As vasculites tendem a
criar quadros extremamente dolorosos.

- A hanseníase classicamente se apresenta como lesões hipocrômicas com bordas


avermelhadas, dispersas pelo corpo. As lesões tendem a ocorrer em áreas menos
vascularizadas, como nariz, orelhas, glabela e cotovelos. Apesar disso, as lesões
cutâneas podem ser das mais variadas formas possíveis.

- A doença frequentemente cursa com achados neurológicos associados aos achados


dermatológicos. Pode-se identificar hipoestesia nas regiões acometidas, ou dor local.
Nessas situações, as lesões neurológicas não seguem os padrões de dermátomos – pois
o acometimento é intradérmico.

OBS: Ainda que o achado de lesões neurológicas e dermatológicas simultaneamente seja


o mais comum, pode haver casos raros de pacientes que se apresentem apenas com
lesões neurológicas, ou apenas dermatológicas. As lesões tendem a ser dispersas e
assimétricas. Entretanto, em casos mais avançados, elas podem confluir, simulando um
padrão de polineuropatia periférica.

- Outro achado do exame físico é o espessamento dos nervos periféricos – que podem
ser facilmente palpáveis, e muitas vezes visíveis. Os nervos mais frequentemente
acometidos são o nervo ulnar e o fibular – a lesão do nervo ulnar pode levar ao
desenvolvimento de mão em garra.

POLINEUROPATIAS

- São as doenças que acometem diversos nervos periféricos – normalmente


apresentando simetria entre os membros acometidos, e com padrões de evolução bem
definidos. Muitas vezes, elas se iniciam nas áreas distais dos membros inferiores, e
sobem progressivamente. Quando atingem a região dos joelhos, começam a progredir
também nas áreas distais dos membros inferiores – pois a distância dos axônios é
semelhante. Esse padrão é característico de polineuropatias, e é dito bota e luva.
- Elas também podem acometer primordialmente o sistema motor ou o sistema sensitivo.
Entretanto, na maioria das vezes tendem a ser sensitivo-motoras, com predomínio
sensitivo.

- A causa mais frequente de polineuropatia é o DM. Nessas situações, o acometimento


tende a ser mais distal, cursando com hipoestesia, fraqueza e atrofia dos membros
acometidos. É importante dar ênfase na lesão distal. Pacientes com fraqueza muscular
proximal devem ter outros diagnósticos investigados, além da polineuropatia diabética. O
controle rígido da glicemia pode prevenir e evitar a evolução da doença.

OBS: Outras causas comuns de polineuropatias axonais incluem etilismo, deficiência de


vitamina B1, deficiência de vitamina B6, intoxicação por metais pesados, e causas
genéticas – como doença de Charcot-Marie-Tooth.

-> A doença de Charcot-Marie-Tooth engloba um conjunto de doenças


neuropáticas hereditárias, sendo que não há tratamento específico para nenhuma delas –
ainda que terapia ocupacional possa ser benéfica. A forma mais clássica se apresenta
entre os 10-30 anos de vida, com fraqueza distal de membros inferiores – pés caídos.
Normalmente não há queixas sensitivas, ainda que elas possam ser identificadas ao
exame físico. A atrofia tende a ser mais predominante dos joelhos para baixo – criando o
padrão de garrafa de champanhe invertida É importante lembrar de questionar se há
história familiar, ou consanguinidade na família.

-> A deficiência de vitamina B1 – ou beribéri – é mais comum em pacientes etilistas


crônicos. Os sintomas ocorrem após deficiência prolongada, e cursam com perda
sensitiva distal e dor.

SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ

- É uma forma de polineuropatia adquirida aguda, frequentemente severa e fulminante,


que possui natureza autoimune. Aproximadamente 70% dos casos cursam com infecções
de trato gastrointestinal – em especial por Campylobacter jejuni – ou respiratórias, cerca
de duas semanas antes do desenvolvimento da síndrome. Atualmente, também é
importante considerar infecção por Zika vírus.
- Acredita-se que a doença seja causada por mimetismo biológico, e a resposta
imunológica desencadeada pela bactéria é cruzada com antígenos da bainha de mielina.
Com isso, inicia-se uma reação autoimune contra a bainha de mielina dos neurônios
periféricos – o que reduz a condução do estímulo nervoso, e leva à sintomatologia.

OBS: Como na maioria das vezes apenas a bainha de mielina é afetada – e os neurônios
se mantêm estáveis –, a doença tende a ser completamente reversível. Uma vez que o
estímulo autoimune seja reduzido, a bainha de mielina é refeita, e o paciente se recupera
completamente, sem sequelas.

QUADRO CLÍNICO

- O quadro mais característico é uma paralisia motora rapidamente progressiva e


ascendente, associada com arreflexia. Pode ou não haver comprometimento sensitivo. A
fraqueza tipicamente evolui em horas ou dias. O acometimento do sistema nervoso
autônomo é comum, e pode levar a flutuação da pressão arterial e arritmias cardíacas – o
que pode levar o paciente a óbito. Por esse motivo, a doença é considerada grave, e o
paciente deve ser avaliado continuamente, em UTI.

OBS: Há vários subtipos de síndrome de Guillain-Barré, como por exemplo a síndrome de


Miller Fischer, de acordo com as regiões nervosas acometidas.

DIAGNÓSTICO

- O diagnóstico é feito pelo reconhecimento da paralisia rapidamente progressiva, com


arreflexia, sem febre ou outros sintomas sistêmicos – muitas vezes com história positiva
para outras infecções gastrointestinais prévias.

- Na suspeita de Guillain-Barré, deve-se realizar punção lombar, que irá demonstrar um


líquor com padrão de patologias autoimunes, semelhante ao encontrado nas doenças
desmielinizantes. Há aumento das proteinorraquia, sem que haja aumento da glicorraquia,
ou da celularidade.

OBS: É importante notar que o líquor pode se apresentar normal, em especial no início da
doença. Assim, a identificação de líquor normal não pode afastar o diagnóstico de
síndrome de Guillain-Barré.

TRATAMENTO

- Ainda que o quadro seja autolimitado, e o paciente se recupere completamente na


maioria dos casos, o tratamento é indicado precocemente, pois comprovadamente reduz
a duração da doença. Pode-se utilizar plasmaféres ou Ig específicas.

OBS: O uso de corticoides é contraindicado.


POLINEUROPATIA INFLAMATÓRIA DESMIELINIZANTE CRÔNICA

- A PIDC é distinguida da síndrome de Guillain-Barré por possuir um curso crônico, com


sintomas que não regridem mesmo após oito semanas de evolução. O quadro clínico da
neuropatia é extremamente semelhante, e os achados no líquor e na eletroneuromiografia
também são parecidos. A maioria dos casos é idiopática, ainda que seja mais comum em
diabéticos.

- O tratamento pode ser feito com Ig específicos ou corticoides. A maioria dos pacientes
responde bem.

DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR INFERIOR

- São um grupo de doenças que acometem apenas o corno anterior da medula, ou os


axônios motores dos nervos periféricos. Assim, o quadro tende a ser exclusivamente
motor – podendo cursar com paresia, fasciculações, atrofia, disartria, disfagia,
insuficiência respiratória, etc. O exame físico sensitivo tende a ser normal.

- As causas podem ser:


-> Genéticas: mais comum – amiotrofia espinhal;
-> Infecções: doença de Lyme;
-> Síndromes paraneoplásicas.

ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA

- É a forma mais comum de doença progressiva de neurônios motores. Ainda que, no


início da doença, possa haver perda da função exclusiva do neurônio motor superior, ou
do neurônio motor superior, a doença sempre evolui para que ambos os neurônios sejam
afetados simultaneamente.

OBS: A ausência de envolvimento simultâneo de neurônio motor e inferior impede o


diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica. O acometimento exclusivo de neurônio motor
inferior pode indicar amiotrofia espinhal, por exemplo.

QUADRO CLÍNICO

- É variável, de acordo com o tipo de neurônio inicialmente acometido. Quando os


neurônios motores inferiores são primeiramente acometidos, o paciente pode desenvolver
fraqueza assimétrica de membros, disfagia, disartria, etc. Quando o envolvimento é
primariamente corticoespinhal, pode haver hiperreflexia e hipertonia espástica.

- Independente da forma inicial da doença, ela sempre progride para acometimento


simultâneo de neurônios motores inferiores e superiores. Mesmo nos estágios mais
avançados da doença, as funções intestinais, da bexiga e cognitivas permanecem
preservadas.
- A doença evolui rápida e inexoravelmente. A maioria dos pacientes morre em 3-5 anos,
por insuficiência respiratória. Isso pode ocorrer mais precocemente, se a doença
acometer primeiramente os músculos respiratórios.

TRATAMENTO

- Atualmente não há nenhuma terapia específica para reverter o quadro de esclerose


lateral amiotrófica. A utilização de riluzol pode prolongar a sobrevida dos pacientes em
cerca de três meses.

AULA 04

DOENÇA DE ALZHEIMER E OUTRAS DEMÊNCIAS

- Demência é definida como uma deterioração adquirida nas capacidades cognitivas.


Essa deterioração deve ser capaz de comprometer a realização de atividades diárias. A
capacidade mais frequentemente atingida é a memória, mas outras faculdades mentais,
como linguagem, conhecimento visuoespacial, capacidade para calcular e julgar também
podem ser comprometidas.

OBS: A principal diferença entre um quadro de demência e outro de retardo mental é que
o primeiro é constituído por um déficit mental adquirido, enquanto o segundo já está
presente ao nascimento.

- As síndromes de demência resultam da desconexão em grande escala das redes


neuronais. A localização e a severidade da perda de sinapses determinam os sintomas
clínicos apresentados pela doença.

- A doença de Alzheimer é a principal causa de demência nos países ocidentais, sendo


responsável por mais da metade de todos os pacientes. A segunda causa mais comum é
a demência vascular, em especial em populações com acesso limitado à saúde, e com
grandes fatores de risco vascular.

- Segundo o DSM-V, as demências são classificadas como transtornos neurocognitivos


maiores. Além dessa categoria, também há os transtornos cognitivos menores e o
delirium.

DELIRIUM

- O delirium, também conhecido como “psicose de UTI”, é caracterizado por um declínio


agudo da cognição, com flutuação ao longo dos dias. Pode cursar com déficit de atenção,
memória, linguagem, alucinações, etc. Frequentemente, o paciente não se lembra do
episódio, após sair do internamento.
- O episódio de delirium pode ser hiperativo ou hipoativo, sendo que o primeiro é mais
comum. Uma vez que o paciente desenvolva um episódio de delirium, ele apresenta
maior mortalidade e maior tempo de internamento na UTI.

- Os episódios de delirium podem ser prevenidos com medidas simples, como contar ao
paciente se é dia ou noite, que horas são, em que dia estamos, etc. A forma hipoativa não
possui terapêutica específica. A forma hiperativa pode ser amenizada com o uso de
antipsicóticos típicos e atípicos.

OBS: O tratamento com benzodiazepínicos não é recomendado, a não ser que o paciente
sofra de episódios de abstinência de benzodiazepínicos.

TRANSTORNOS NEUROCOGNITIVOS MENORES

- São caracterizados por episódios de declínio da cognição, que não pode ser explicados
por quadros de delirium. Não há alterações identificáveis ao exame físico. A principal
diferença entre os transtornos neurocognitivos maiores e menores é que, nos menores,
não há comprometimento da independência do indivíduo nas atividades diárias.

TRANSTORNOS NEUROCOGNITIVOS MAIORES

- São caracterizados por alterações cognitivas detectáveis e mensuráveis através de


exames específicos. A palavra “demência” recentemente tem sido evitada, devido ao teor
pejorativo.

- As formas mais comuns de demência incluem a doença de Alzheimer, demência


vascular, dos corpos de Lewy, frontotemporal, doença de Parkinson, traumas, etc.

- Na história clínica, essas doenças normalmente se apresentam com um início lento e


progressivo. Quadros agudos de confusão devem levantar a suspeita de delirium,
intoxicação, infecção, hipernatremia, etc. A partir disso, cada doença possui uma
característica e uma forma de progressão própria. Exemplos:
-> Mudança de personalidade, apatia, etc: demência frontotemporal;
-> Alucinações visuais, distúrbio do sono REM, Capgras, etc: Lewy;
-> Epilepsia: demência vascular e neoplasias;
-> Distúrbio precoce de marcha: demência vascular;
-> Demência rapidamente progressiva com mioclonia: infecção priônica.
-> Déficit de memória, sem alterações motoras significativas: Alzheimer.

- O teste do minimental é útil para confirmar o déficit cognitivo e acompanhar a evolução


da demência. Pacientes com transtornos neurocognitivos menores tendem a apresentar
minimental normal.

OBS: Todas as formas de demência cursam com um acúmulo anormal de proteínas, em


sua fisiopatologia.
DOENÇA DE ALZHEIMER

- É a forma mais comum de demência, podendo ocorrer em qualquer época da vida


adulta, mas sendo mais comum nos idosos. O quadro mais comum é de um início
insidioso de perda de memória, seguido por demência lentamente progressiva ao longo
de vários anos.

EPIDEMIOLOGIA

- Os fatores de risco mais importante para doença de Alzheimer são a idade avançada e
um histórico familiar positivo. É mais comum em mulheres. A frequência da doença
aumenta a cada década de vida, chegando a 40% da população acima de 85 anos.

- A doença é mais comumente encontrada em grupos com baixos níveis educacionais e


que praticam pouca atividade física, mas pode afetar qualquer pessoa.

PATOLOGIA

- As áreas corticais que se degeneram mais precocemente, e com maior intensidade, são
o lobo temporal medial – em especial o córtex entorrinal e o hipocampo -, o lobo temporal
lateral e o núcleo basal de Meynert.

- Microscopicamente, a doença é caracterizada pelo achado de placas neuríticas e


emaranhados neurofibrilares. Essas lesões se acumulam mesmo no cérebro de
indivíduos normais, mas são excessivamente encontrado nas autópsias de pacientes com
Alzheimer.
OBS: As placas neuríticas são formadas principalmente por acúmulo de proteína beta-
amiloide. Os emaranhados neurofibrilares são formados por acúmulo de proteínas tau. O
acúmulo de proteínas beta-amiloide nas arteríolas cerebrais pode levar a um quadro de
angiopatia amiloide cerebral, que predispõe o indivíduo a apresentar episódios de AVC.
Essa correlação explica porque diversos pacientes com Alzheimer também apresentam
demência vascular concomitantemente.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

- Os déficits cognitivos tendem a seguir um padrão característico, iniciado com perda de


memória, que é seguido por perda da linguagem e déficits visuoespaciais.

- Nos estágios iniciais, a perda de memória pode não ser reconhecida, ou ser atribuída ao
quadro benigno de redução da memória dos idosos. Quando o comprometimento da
memória torna-se maior, começa-se a utilizar o termo transtorno neurocognitivo menor.

OBS: Estima-se que 50% dos pacientes com transtornos neurocognitivos menores
evoluirão com doença de Alzheimer em até 4 anos.

- Com o avanço da doença, o déficit de memória passa a interferir com as atividades


diárias, e torna-se difícil manter o controle das finanças, seguir instruções, fazer compras,
arrumar a casa, etc. Alguns pacientes podem não perceber as próprias dificuldades –
quadro conhecido como anosognosia. Mudanças de ambiente, como viagens ou
internamentos hospitalares, tendem a confundir o paciente ainda mais.

- Com o tempo, a linguagem é comprometida, e o paciente passa a ter dificuldade de


nomear objetos e compreender o que está sendo dito. Por fim, ele desenvolve déficits
visuoespaciais, que comprometem sua capacidade de se vestir, comer e andar. A perda
de julgamento e razão é inevitável. A duração da doença normalmente é de 8-10 anos.

OBS: Uma minoria dos pacientes tem um quadro iniciado com dificuldade para encontrar
palavras, ainda que a memória apresente-se normal.

DIAGNÓSTICO

- O diagnóstico é predominantemente clínico. A RM não possui um padrão característico


para a doença de Alzheimer, e pode se apresentar normal nos estágios iniciais da
doença. Ainda assim, o padrão de atrofia cortical no lobo temporal medial é sugestivo de
Alzheimer.

OBS: Nesse contexto, a RM não costuma ser utilizada visando fechar o diagnóstico de
Alzheimer, e sim de excluir outros possíveis diagnósticos diferenciais, como demência
vascular, ou demência frontotemporal.

- Declínio de memória lentamente progressivo, com exames laboratoriais normais e RM


mostrando atrofia cortical e hipocampal são achados altamente sugestivos de doença de
Alzheimer. O diagnóstico definitivo, todavia, só pode ser feito a partir da análise
anatomopatológica, com o encontro das placas neuríticas e emaranhados neurofibrilares.

TRATAMENTO

- Os fármacos que podem ser utilizados para o tratamento da doença de Alzheimer são os
bloqueadores da acetilcolinesterase, como:
-> Rivastigmina;
-> Donepezila;
-> Galantamina.

- Casos mais graves da doença podem ter os inibidores da acetilcolinesterase associados


a memantina – bloqueador dos receptores NMDA. Esse fármaco reduz o declínio
cognitivo, mas não é aprovado para uso em casos leves.

DEMÊNCIA VASCULAR

- A demência associada a doenças cerebrovasculares podem ser divididas em duas


categorias básicas: a demência resultante de múltiplos infartos cerebrais, e a doença
difusa da substância branca – também conhecida como leucoaraiose.

- Indivíduos que sofreram múltiplos infartos ao longo do tempo podem desenvolver déficits
cognitivos crônicos – o que é comumente chamado de demência de múltiplos infartos.
Estima-se que15% dos AVEs evoluam para quadros de demência em três meses. A
evolução do quadro isquêmico para demência depende principalmente do total de volume
cortical danificado.

- Tipicamente, os pacientes se queixam de episódios de déficit neurológico súbito –


momento do acidente vascular -, seguido por período de relativa estabilidade. Com o
tempo, novos acidentes ocorrem, e novos déficits neurológicos se apresentam. O quadro
é mais comum em pacientes com HAS, DM, coronariopatias, aterosclerose, etc. O exame
físico revela déficits focais, como hemiparesia, sinal de Babinski unilateral, heminaposia,
etc. A RM revela várias áreas antigas de infarto.

OBS: Ainda que o quadro possa ocorrer conjuntamente com doença de Alzheimer, eles
podem ser diferenciados com relativa facilidade, através da história clínica, exame físico e
exames complementares.

- Na leucoaraiose, o paciente uma forma de demência com início insidioso e lentamente


progressivo – o que a distingue da demência por múltiplos infartos. Os sintomas iniciais
incluem apatia, confusão, ansiedade, psicose, déficits de memória, etc. Com o tempo, há
desenvolvimento de alterações piramidais e cerebelares. Quase metade dos pacientes
apresentam alteração de marcha.
OBS: Há uma forma de rara de demência vascular hereditária, também causada por lesão
difusa da substância branca. É chamada de CADASIL – cerebral autosomal dominant
arteriopathy with subcortical infarcts and leukoencephalopathy.

- O tratamento da demência vascular é tipicamente focado em evitar novos episódios de


isquemia, através da estabilização das causas primárias – como diabetes, hipertensão,
tabagismo, sedentarismo, etc. A recuperação das funções cognitivas já perdidas é pouco
provável, ainda que possam haver períodos de flutuação.

DEMÊNCIA DOS CORPOS DE LEWY

- É diferente da demência resultante da doença de Parkinson, ainda que ambas as


doenças apresentem um mecanismo fisiopatológico similar. Na demência de corpos de
Lewy, o quadro inicial é caracterizado por alucinações, parkinsonismo e quedas. Na
doença de Parkinson, por outro lado, o paciente inicialmente desenvolve alterações
motoras, e apenas anos mais tarde apresenta alterações cognitivas significativas.

OBS: Suspeitar de corpos de Lewy sempre que houver quadro de parkinsonismo com
evolução para demência em um período de até um ano. Apesar disso, é importante ter em
mente que alguns pacientes apresentam demência dos corpos de Lewy sem
necessariamente apresentarem quadros de parkinsonismo.
- O diagnóstico de demência dos corpos de Lewy pode ser estabelecido a partir de um
quadro de demência, associado a pelo menos dois dos seguintes fatores:
-> Os quadros são flutuantes;
-> Há alucinações visuais;
-> Há parkinsonismo.

- Fisiopatologicamente, a doença é causada por acúmulos de alfa-sinucleína – que


formam os chamados corpos de Lewy. Esse acúmulo é mais proeminente nos núcleos do
tronco encefálico, substância negra, amígdala e giro do cíngulo. Ocorre déficit colinérgico
para o prosencéfalo basal, o que pode ser responsável pelos períodos de flutuação,
desatenção e alucinações visuais.

- Os exames de imagem tipicamente não são úteis para o diagnóstico.

- Devido ao déficit colinérgico, a doença dos corpos de Lewy pode ser tratada de forma
similar à doença de Alzheimer, com o uso de inibidores da acetilcolinesterase. Esses
fármacos reduzem as alucinações e estabiliza o quadro. Todavia, é importante notar que
a memantina, ao contrário do que ocorre com a doença de Alzheimer, não é útil.

OBS: Os quadros de alucinações, quando muito graves, podem ser controlados com o
uso de quetiapina. Entretanto, é importante ter em mente que os antipsicóticos atípicos
podem piorar os sintomas extrapiramidais do paciente.

DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL

- Também é conhecida como doença de Pick. É a terceira causa mais comum de


demência no mundo, tipicamente iniciando por volta dos 50-70 anos de vida. Em grupos
de até 60 anos de idade, a demência frontotemporal chega a ter uma prevalência maior
do que a doença de Alzheimer.

- Ao contrário do que ocorre na doença de Alzheimer, os sintomas iniciais da doença de


Pick são alterações comportamentais – o que faz com que o diagnóstico seja
frequentemente confundido com transtornos psiquiátricos. Existem três variantes típicas
da doença, de acordo com a área cortical primariamente afetada:
1) Variante comportamental: afeta área frontoinsular – mais comum;
2) Variante afásica não fluente: afeta lobo frontal esquerdo.
3) Variante afásica semântica: afeta lobo temporal esquerdo.

OBS: Esse tipo de demência é que mais é influenciada por componentes genéticos.

- Os exames de neuroimagem são úteis, pois permitem identificar a área de atrofia


cortical. A doença é particularmente ruim para os cuidadores, pois as alterações de
personalidade do paciente podem afetar e magoar as pessoas próximas. Os diagnósticos
diferenciais incluem esquizofrenia e depressão.
- Atualmente não há terapia disponível para a doença de Pick. O tratamento sintomático
pode ser feito a partir de ISRS e antipsicóticos. Os inibidores da acetilcolinesterase não
possuem utilidade comprovada.

OUTROS TIPOS DE DEMÊNCIA

DEMÊNCIA PRIÔNICA

- Infecções priônicas, como a doença de Creutzfeuldt-Jakob são condições


neurodegenerativas extremamente raras. Elas possuem um caráter rapidamente
progressivo, associado à rigidez e episódios de mioclonia. Os pacientes tipicamente vão a
óbito em menos de um ano, após o início dos sintomas.

- Na RM, a doença de Creutzfeuldt-Jakob é caracterizada por áreas de hiperintensidade


nos gânglios da base. As sequências de difusão são particularmente sensíveis para esse
tipo de doença. Além disso, ela também possui padrões extremamente específicos no
EEG.

DOENÇA DE HUNTINGTON

- É uma doença genética, de caráter autossômico dominante. Clinicamente se manifesta


por coreia e depressão, que com o tempo evoluem para demência.
AULA 05

DOENÇAS DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR E


MIOPATIAS
MIASTENIA GRAVIS

- A miastenia gravis é uma doença da junção neuromuscular caracterizada por fraqueza e


fadiga da musculatura esquelética.

FISIOPATOLOGIA

- Normalmente, na junção neuromuscular, a acetilcolina é produzida pelo neurônio motor


terminal, e armazenado em vesículas. Quando um potencial de ação é desencadeado no
nervo, a acetilcolina é liberada na fenda sináptica, onde interage com os receptores de
Ach – localizados no músculo.

- Quando a Ach se conecta com seus receptores específicos, ocorre a abertura de canais
de sódio no músculo, permitindo a entrada cátions para o meio intracelular, e levando a
despolarização da membrana muscular. Quando a despolarização é grande o bastante,
ocorre a abertura de canais de cálcio do retículo sarcoplasmático, permitindo que a
contração muscular ocorra.

OBS: O processo é limitado, pois a Ach é rapidamente hidrolisada pela


acetilcolinesterase, presente nas fendas sinápticas.

- Na miastenia grave, há uma redução considerável do número de receptores de Ach


disponíveis na membrana muscular pós-sináptica. Isso reduz a eficiência da transmissão
neuromuscular. Ainda que a Ach seja liberada normalmente, o potencial de ação muscular
gerado é inferior ao desejado. Com isso, a contração muscular é comprometida.

- A miastenia gravis é uma doença autoimune, sendo geralmente mediada por anticorpos
anti-AchR. O gatilho inicial para a produção desses anticorpos ainda é desconhecido, mas
acredita-se que o timo esteja envolvido – pois cerca de 75% dos pacientes que possuem
miastenia gravis apresentam hiperplasia do timo.

OBS: Ainda que a doença seja frequentemente causada por anticorpos anti-AchR, ela
também pode ser desencadeada por outros anticorpos específicos, contra proteínas
estabilizadoras da membrana muscular – como anticorpos anti-MuSK.
QUADRO CLÍNICO

- A doença ocorre predominantemente em mulheres jovens, por volta dos 20-30 anos.
Ainda assim, também pode ocorrer em homens com 50-60 anos. Quanto mais idoso for o
paciente, mais grave é a forma da doença.

- Os sintomas são exclusivamente motores e apresentam caráter flutuante, tendendo a


piorar durante o dia. Caracteristicamente há fraqueza e fadiga muscular, que pioram com
o uso repetido do músculo, e melhoram com o repouso.

- Os músculos acometidos normalmente possuem um padrão característico. Inicialmente,


a doença atinge os músculos do crânio, em especial a musculatura extraocular. Assim, os
sintomas iniciais incluem diplopia e ptose – em especial no final da tarde. Pode haver
fraqueza ao mastigar alimentos mais difíceis, como carne.

- Com o tempo, a maioria dos pacientes passa a apresentar fraqueza generalizada,


afetando a musculatura dos membros. A fraqueza tende a afetar principalmente a
musculatura proximal e pode ser assimétrica. Mais tarde, pode ocorrer disartria, disfagia e
insuficiência respiratória.

OBS: A sensibilidade e os reflexos profundos mantem-se preservados.

DIAGNÓSTICO

TESTES SOROLÓGICOS

- Os anticorpos anti-AchR são detectáveis em cerca de 85% dos pacientes miastênicos –


sendo menos comuns nos pacientes que possuem a forma restrita às manifestações
oculares da doença. A presença desses anticorpos é virtualmente patognomônica de
miastenia gravis, mas a ausência deles não permite excluir o diagnóstico.

- Caso o paciente apresente anticorpos anti-AchR negativos, deve-se solicitar a


identificação de anticorpos anti-MuSK – esses anticorpos são raramente positivos em
pacientes com anti-AchR positivo.

ELETRONEUROMIOGRAFIA

- A estimulação repetitiva do nervo pode auxiliar no diagnóstico da miastenia gravis.


Pequenas descargas elétricas são desencadeadas nos nervos apropriados, e os
potenciais de ação gerados são averiguados pelo aparelho.

- Em pessoas normais, a amplitude dos potenciais de ação evocados pelos estímulos


elétricos repetitivos não deve variar. Entretanto, em indivíduos miastênicos, a amplitude
das respostas é rapidamente reduzida.
TESTE DA ACETILCOLINESTERASE

- Drogas que inibam a enzima acetilcolinesterase permitem que a acetilcolina interaja


repetidamente com o número limitado de AchR presentes na fenda sináptica. Assim,
esses fármacos tendem a causar melhora na força muscular.

- O edrofônio é o fármaco mais comumente utilizado para fins diagnósticos, pois tem um
início de ação rápido (30 segundos) e uma duração curta (5 minutos). Caso o paciente
apresente melhora clínica após a infusão da droga EV, o teste é dito positivo.

OBS: Esse teste não é específico para miastenia gravis, podendo haver diversos falso-
positivos. Entretanto, um teste positivo confirma a presença de doença na junção
neuromuscular.

INVESTIGAÇÕES COMPLEMENTARES

- Pacientes miastênicos possuem risco aumentado para diversas patologias. Como


mencionado, cerca de 75% dos pacientes apresentam hiperplásica do timo. Alguns
podem apresentar timoma. Assim, é importante que todo paciente miastênico seja
submetido a pelo menos uma radiografia de tórax – idealmente TC.

- Hipertireoidismo ocorre em até 8% dos pacientes, e pode agravar o quadro da


miastenia. Assim, testes de função tireoidiana sempre devem ser solicitados, quando
houver suspeita de miastenia.

TRATAMENTO

- Inicialmente, é importante que o paciente seja informado de que diversos fármacos


podem causar quadros de crise miastênica – caracterizados por rápida piora da doença,
com insuficiência respiratória e necessitando de internamento de UTI. Esses pacientes
devem ser informados a evitar o uso de quinolonas, aminoglicosídeos, macrolídeos, etc.

OBS: Idealmente os pacientes miastênicos devem ter uma lista de remédios que devem
evitar. Não devem tomar remédio algum, sem antes consultar essa lista.

- Com o tratamento atual, a miastenia gravis pode ser controlada em praticamente todos
os casos, e todos os pacientes podem retornar a suas vidas diárias normalmente.

- A grande maioria dos casos responde bem ao tratamento sintomático com


piridostigmina, um inibidor da acetilcolinesterase. A dose deve ser ajustada, de acordo
com os sintomas do paciente e a tolerância individual. Os efeitos colaterais incluem
salivação, miose e bradicardia, sendo que todos eles são causados por excesso de
acetilcolina na fenda sináptica.

- Caso a piridostigmina não seja o suficiente para o controle do quadro, pode-se fazer uso
de imunossupressores como azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, etc. Como esses
fármacos tendem a levar alguns meses para surtir efeito, o paciente pode fazer uso de
glicocorticoides nesse meio tempo.

- Em quadros de crise miastênica, a terapêutica deve ser rápida. Pode-se fazer uso de
imunoglobulinas específicas, ou plasmaférese. As imunoglobulinas podem causar
síndrome da hiperviscosidade sanguínea, levando a quadros de IAM e trombose. Devem
ser evitadas em pacientes com IRC. A plasmaférese pode causar hipotensão, distúrbios
eletrolíticos, trombose, etc.

OBS: Caso nem a plasmaférese, nem a imunoglobulina, estejam disponíveis para o


tratamento de crise miastênica, pode-se fazer uso de corticoides.

- Timos hiperplásicos e timomas sempre requerem remoção cirúrgica. Pacientes com


timos normais podem ter o timo retirado – alguns locais recomendam timectomia para
todo paciente com miastenia gravis.

MIOPATIAS

- As miopatias são doenças causadas por comprometimento estrutural ou funcional do


músculo. A maioria delas afeta os músculos proximais simetricamente. Causam fraqueza
muscular, enquanto que as sensibilidades se mantêm preservadas – fraqueza muscular
associada à alteração sensitiva sugere neuropatia periférica.

OBS: Assim como ocorre na miastenia gravis, as miopatias também causam síndromes
motoras puras. Entretanto, elas possuem caráter progressivo não flutuante, podendo
cursar com dor, hipotonia, hiporreflexia, etc. As fraquezas musculares proximais são
caracterizadas por dificuldade em andar e erguer os braços.

- A presença do sinal de Gowers é característica de miopatias – tanto em crianças, quanto


adultos. Não chega a ser específico para doença alguma, sendo apenas um indicativo de
fraqueza muscular proximal.

- Todas as miopatias requerem avaliação de CPK, aldolase, TGO, TGP, etc. A CPK tende
a estar muito elevada, mas valores normais não permitem a exclusão do diagnóstico. Da
mesma forma, aumentos isolados de TGO/TGP em homens também requer a avaliação
de CPK.

- Todas as miopatias podem ser identificadas a partir da eletroneuromiografia, que


demonstra padrão miopático. O diagnóstico definitivo pode ser dado por biópsia.
Entretanto, esses recursos são pouco disponíveis.

DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE

- É a distrofia muscular mais comum da infância. É uma doença hereditária recessiva e


ligada ao X. É causada por alteração no gene responsável pela produção da distrofina –
uma proteína responsável pela estabilização da membrana plasmática muscular.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

- A doença já está presente ao nascimento, mas os sintomas costumam se iniciar por


volta dos 3-5 anos. O menino tende a cair frequentemente, e apresenta alterações de
marcha. A manobra de Gowers é positiva.

- A perda da força muscular é progressiva, tendo preferência pela musculatura proximal.


Os músculos da perna são mais gravemente afetados do que a musculatura dos
membros superiores. Há pseudohipertrofia das panturrilhas.

- Aos 12 anos, a maioria dos indivíduos afetados depende de cadeiras de roda para se
locomover. Aos 18 anos de idade, os pacientes são predispostos a infecções pulmonares,
e muitos morrem em decorrência disso.

OBS: Ainda que a maioria dos pacientes apresentem miocardiopatias concomitantes,


raramente eles vão a óbito em decorrência disso.

DIAGNÓSTICO

- Os valores da CPK frequentemente estão 20-100x aumentados. A eletroneuromiografia


mostra padrão típico de miopatia. A biópsia com imunohistoquímica consegue identificar a
ausência de distrofina nas fibras musculares.

TRATAMENTO

- Não há tratamento curativo disponível. Os glicocorticoides podem reduzir a progressão


da doença por até três anos. O paciente pode se beneficiar do uso de órteses, terapia
ocupacional, etc. Em última análise, a maioria deles apresentará insuficiência respiratória
por volta dos 20 anos de idade.

DISTROFIA MUSCULAR DE BECKER

- É uma forma menos severa de distrofia muscular relacionada ao cromossomo X.


Também possui caráter recessivo. Ao contrário de Duchenne – onde há ausência de
distrofina -, a distrofia muscular de Becker possui distrofina em menor quantidade do que
o esperado.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

- O quadro é semelhante ao encontrado na distrofia de Duchenne, mas com menor


gravidade. Há fraqueza muscular proximal, predominantemente nos membros inferiores.
O quadro tende a se iniciar por volta dos 5-15 anos, mas pode ocorrer mesmo após os 40
anos de idade. A maioria dos pacientes ainda é capaz de andar após os 15 anos. Ainda
que a expectativa de vida seja reduzida, muitos pacientes conseguem atingir idades
superiores a 50 anos.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

- O diagnóstico é feito de forma semelhante à distrofia muscular de Duchenne. Também


não há cura, e o uso de glicocorticoides ainda não foi adequadamente estudado.

OUTRAS DISTROFIAS MUSCULARES

DISTROFIA MUSCULAR MIOTÔNICA DE STEINERT

- É a distrofia muscular mais comum em adultos, possuindo caráter autossômico


dominante. O paciente apresenta fraqueza dos músculos extensores dos dedos e da
musculatura intrínseca da mão. A musculatura proximal tende a se manter mais forte que
as demais.

- É caracterizada pelos:
-> Fenômeno miotônico: paciente fecha a mão e tem dificuldade para abrir;
-> Fenômeno antecipatório: filhos apresentam quadros mais graves.

- É uma doença multissistêmica, podendo cursar com catarata, arritmias cardíacas,


endocrinopatias, etc.

DISTROFIA FASCIO-ESCÁPULO-UMERAL

- É a terceira distrofia mais comum, possuindo caráter autossômico dominante. Também é


caracterizada por fenômeno de antecipação. Há paresia facial, com “sorriso reto”,
associado a atrofia na escápula e no úmero – o paciente adquire a “aparência do
Popeye”.
DISTROFIA MUSCULAR DE CINTURAS

- É o conjunto de outras distrofias. Tendem a serem autossômicas recessivas. Podem ser


causadas por alterações em diversas proteínas distintas.

OBS: A oftalmoplegia externa progressiva pode apresentar quadro semelhante à


miastenia gravis, mas não tem caráter flutuante, e apenas piora com o passar do tempo.

AULA 06

AVALIAÇÃO E MANEJO DA DOR CRÔNICA


- A dor é uma sensação desagradável localizada em alguma área do corpo. É, ao mesmo
tempo, uma experiência sensitiva e emocional, sendo resultado de uma lesão tecidual
presente ou potencial. Quanto a cronicidade, a dor pode ser classificada em:

1) Dor aguda: tende a ser um processo autolimitado. Caracteristicamente é


acompanhada por alterações comportamentais e fisiológicas, desencadeadas
em resposta à situação de estresse – como amento da pressão arterial,
taquicardia, dilatação pupilar, aumento dos níveis de cortisol, contração
muscular, etc. Assim, a dor aguda possui uma função protetora, visando
eliminar a causa da lesão tecidual.

2) Dor crônica: é aquela que perdura por mais de três meses, sendo que muitas
vezes a etiologia original da sensação dolorosa já foi eliminada. Não possui
função protetora. Pode comprometer a saúde do indivíduo, levando a quadros
psiquiátricos de depressão, ansiedade, etc.

FISIOPATOLOGIA DA DOR

NOCICEPTORES PRIMÁRIOS

- Os nervos periféricos são dotados de nociceptores, que são proteínas da membrana


celular capazes de identificar os estímulos nocivos. Esses nociceptores podem responder
a diversos tipos d estímulos, como calor, frio intenso, força mecânica intensa, mudanças
no pH, etc.

- Uma vez ativados, os nociceptores produzem um potencial de ação que é conduzido


através de fibras A-delta (pouco mielinizadas) e C (amielinizadas). A sensação dolorosa
pode ser completamente abolida, quando a condução através dessas fibras é bloqueada.
SENSIBILIZAÇÃO

- Quando o estímulo nocivo é intenso, repetido ou prolongado, o limiar para a ativação


desses nociceptores é reduzido, e o indivíduo passa a referir dor mesmo com estímulos
que antes não eram dolorosos. Esse processo é chamado de sensibilização do tecido. A
sensibilização também ocorre quando o estímulo doloroso é aplicado em um tecido
inflamado.

OBS: O processo de sensibilização é causado por mediadores inflamatórios, como


bradicinina, prostaglandinas, leucotrienos, etc.

MECANISMOS CENTRAIS

- Os axônios dos nociceptores primários entram na medula espinhal através do gânglio da


raiz dorsal. Por fim, fazem sinapse na substância cinzenta do corno posterior da medula.
O principal neurotransmissor relacionado com esse mecanismo é o glutamato.

OBS: Um mesmo axônio da medula espinhal pode receber aferência de diversos axônios
de nociceptores primários, em diversos locais distintos. É através desse mecanismo que a
dor visceral é frequentemente sentida em locais distintos do órgão que de fato está
doendo.

- Os neurônios do corno posterior da medula enviam seus axônios para o trato


espinotalâmico lateral, cruzando a linha mediana na comissura anterior. Interrupção desse
trato produz déficit permanente na sensação de dor e temperatura.

- O trato espinotalâmico lateral ascende do lado contralateral ao estímulo gerado, até


atingir o tálamo. De lá, o impulso nervoso segue para a área somatossensorial primária do
córtex cerebral.

- Esse caminho é responsável por identificar os mecanismos sensitivos da dor, como


localização, qualidade e intensidade. Alguns outros neurônios seguem do tálamo para
áreas límbicas – como o giro do cíngulo, córtex insular e área pré-frontal. Esse caminho
alternativo é responsável por mediar o caráter afetivo e a emoção desagradável da dor.

MODULAÇÃO DA DOR

- Uma mesma dor pode ser sentida com intensidades distintas, em situações distintas.
Diversas variáveis psicológicas – como a expectativa de sentir dor – alteram a percepção
da intensidade da dor que o indivíduo sente. Isso ocorre porque há diversos mecanismos
cerebrais responsáveis por modular a atividade dos tratos condutores da dor
supracitados.
- De forma geral, os tratos ascendentes condutores de dor possuem receptores opióides,
sensíveis a aplicação direta de drogas opióides, endorfinas e encefalinas. Esses
receptores podem ser ativados através da sugestão de alívio da dor, ou através de uma
emoção intensa – como por exemplo uma ameaça de vida, competição, etc.

DOR NEUROPÁTICA

- Lesões nos tratos nociceptivos centrais ou periféricos podem reduzir a capacidade de


sentir dor. Paradoxalmente, lesão a esses tratos também podem causar dor. Por exemplo,
lesão a nervos periféricos, como ocorre na neuropatia diabética, cursa com dor na região
do corpo inervada por esses nervos. Essa dor é distinta da dor inflamatória supradescrita,
e é conhecida como dor neuropática.
- A dor neuropática tipicamente possui característica de queimação, ou choque. Pode ser
desencadeada por estímulos muito leves, como o simples toque. Dor exagerada a um
estímulo nocivo leve é chamado de hiperalgesia. Dor causada por um estímulo que
normalmente não é nocivo é chamado de alodínia.

- Exemplos de causa de dor nociceptiva/inflamatória:


-> Traumas;
-> Osteoartrite;
-> Pós-operatório;
-> Inflamação.

- Exemplos de causa de dor neuropática:


-> Neuralgias;
-> Neuropatia diabética;
-> AVC;
-> Dor mielopática.

OBS: Algumas patologias, como hérnias de disco, podem cursar com um componente
inflamatório e outro neuropático. Assim, costuma-se falar em dor mista, nesses casos.

DOR CRÔNICA

- A dor crônica é particularmente desafiadora, pois a etiologia inicial da dor é difícil de ser
encontrada – e em muitos casos, não se consegue fazer um diagnóstico definitivo.
Diversos fatores podem causar, perpetuar ou exacerbar a dor crônica. Em primeiro lugar,
o paciente pode simplesmente ter uma doença incurável dolorosa – como artrite, câncer,
fibromialgia, neuropatia diabética, etc.

- Em segundo lugar, podem haver fatores perpetuadores da dor, que foram iniciados com
a doença primária, e persistiram mesmo após o tratamento adequado da patologia.
Exemplos incluem danos a nervos sensitivos.

- Finalmente, diversas condições psicológicas podem exacerbar ou até mesmo ser a


causa da dor crônica.

AVALIAÇÃO

- Durante a avaliação clínica da dor, é importante prestar atenção em sua:


-> Qualidade: queimação, aperto, pontada. Possui características neuropáticas?
-> Intensidade: medida com escala analógica visual, escala de McGuill, etc.
-> Duração;
-> Padrão.

TRATAMENTO

- O tratamento convencional ideal visa:


1) Remover a causa – tentar identificar a etiologia da dor;
2) Aliviar o sofrimento do paciente;
3) Melhorar a qualidade de vida do paciente.

- Para dores inflamatórias, deve-se buscar seguir a escada modificada da dor oncológica:
1) AINES
2) Opioides fracos com reabilitação;
3) Opioides fortes com reabilitação e avaliação psiquiátrica;
4) Neurocirurgia, bloqueios anestésicos, etc.

- Em casos de dores crônicas, como normalmente há participação de mecanismos


neuropáticos, evita-se a utilização de AINES, benzodiazepínicos, hipnóticos, corticoides,
etc. Nessas situações, os fármacos de primeira linha incluem:
-> Antidepressivos tricíclios e duais, como amitriptilina e venlafaxina;
-> Gabapentinoides, como gabapentina e pregabalina;
-> Lidocaína tópica.

- Os fármacos de segunda linha incluem:


-> Tramadol;
-> Opioides fortes;

- Os fármacos de terceira linha incluem:


-> Antiepilépticos, como carbamazepina – usado em neuralgia do trigêmeo;
-> Antagonistas do NMDA, como memantina e cetamina;
-> Capsaicina e cabinoides.

AULA 07

MENINGITES
- O primeiro passo, sempre que houver qualquer suspeita de infecção de SNC, é
determinar se ela envolve predominantemente o espaço subaracnóideo – meningite -, ou
é generalizada para o tecido cerebral, cerebelar e do tronco encefálico – encefalite.

- A rigidez nucal é um sinal patognomônico de irritação meníngea, e está presente quando


o pescoço resiste à flexão passiva. Os sinais de Kernig e Brudzinski, ainda que não sejam
particularmente sensíveis/específicos, também são classicamente associados à irritação
meníngea.

MENINGITES AGUDAS

BACTERIANAS

- As meningites agudas bacterianas são infecções purulentas no espaço subaracnóideo.


A reação inflamatória no SNC pode causar redução do nível de consciência.
EPIDEMIOLOGIA

- A meningite bacteriana é a principal forma de infecção supurativa do SNC. Os


organismos mais comumente encontrados são S. pneumoniae, N. meningitidis e L.
monocytogenes.

OBS: O H. influenzae já foi uma das principais bactérias causadoras de meningites,


entretanto sua prevalência caiu, com o advento da vacina.

- O S. pneumoniae é a principal causa de meningite bacteriana em adultos. Diversos


fatores podem predispor a essa infecção, como pneumonia pneumocócica prévia, sinusite
pneumocócica, otite média, alcoolismo, diabetes, esplenctomia, etc.

- A N. meningitidis pode levar a quadro de meningococcemia, caracterizada por lesões


petequiais e purpúricas na pele. A doença geralmente é fulminante, levando o paciente a
óbito em algumas horas. A infecção pode ser iniciada através da colonização
nasofaríngea, mesmo em portadores assintomáticos da bactéria.

- A L. monocytogenes é uma importante causa de meningite em neonatos, grávidas,


indivíduos > 60 anos e imunocomprometidos. A infecção é adquirida através da ingestão
de alimentos contaminados.

- Ainda que menos frequentes, outras bactérias também podem estar relacionadas com o
quadro de meningites:

-> Enterobacterias podem causar meningites, em especial em indivíduos com


doenças crônicas e debilitantes, como diabetes, cirrose, alcoolismo. Também é mais
comum em pacientes com ITU crônica.

-> O S. agalactiae é uma importante causa de meningite em neonatos.


Recentemente também tem aumentado sua prevalência em indivíduos idosos.

-> S. aureus e outros estafilococos coagulase-negativos são importantes causas de


meningites em pacientes, após neurocirurgias e traumas de crânio.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

- A tríade clássica da meningite é:


1) Febre;
2) Rigidez nucal;
3) Alteração do estado mental.

OBS: Apesar da descrição da tríade clássica, estima-se que 90% dos pacientes se
apresentem com um apenas um dos sintomas supradescritos. Além disso, cefaleia,
náuseas, vômitos e fotofobia também podem estar presentes.
- A elevação da pressão intracraniana é uma complicação possível da meningite
bacteriana, sendo essa a principal causa de obnubilação e coma nesses pacientes. Os
sinais de hipertensão intracraniana incluem redução do nível de consciência, papiledema,
midríase pouco reativa, paralisia do abducente, etc. A complicação mais temida dessa
elevação da pressão é a herniação cerebral.

- A meningite meningocócica também pode se apresentar com um rash cutâneo, que


inicialmente é iniciado como um rash maculopapular eritematoso – similar a exantema
viral. Rapidamente evolui para petéquias, em especial no tronco, extremidades inferiores,
e mucosas.

DIAGNÓSTICO

- Quando houver suspeita de meningite bacteriana, hemocultura deve ser rapidamente


obtida, e o tratamento empírico prontamente iniciado. O diagnóstico definitivo é feito a
partir da análise do LCR.

- É importante seguir a seguinte ordem:

1) Iniciar terapia empírica prontamente, antes da punção liquórica;

2) Pacientes com TCE recente, imunocomprometidos, com neoplasias malignas


conhecidas no SNC, com achados de sinais focais ao exame neurológico, com
sinais de hipertensão intracraniana ou com redução do nível de consciência,
devem ser submetidos a RM ou TC, antes da realização da punção liquórica.
Iniciar antibioticoterapia empiricamente, antes da realização dos exames de
imagem.

- Na meningite bacteriana, o LCR costuma se apresentar da seguinte maneira:


-> Leucócitos: maior que 100, com predomínio de polimorfonucleares;
-> Glicose: inferior a 40 mg/dL;
-> Proteínas: superior a 45 mg/dL;
-> Pressão de abertura: superior a 180 mmH2O.

- Caso seja realizado exames de imagem, a meningite bacteriana pode ser evidenciada
através de aumento da intensidade nas meninges, após a infusão de contraste. Ainda
assim, isso não é diagnóstico de meningite, ocorrendo apenas porque a barreira hemato-
encefálica está com permeabilidade aumentada para o contraste utilizado.

OBS: Normalmente, o início da antibioticoterapia antes da coleta do líquor não altera o


resultado, pois o atraso não é tão grande. Entretanto, no caso de infecções por N.
meningitidis, o resultado pode ser alterado, pois a bactéria é extremamente sensível à
antibioticoterapia.

- A análise do líquor ajuda a direcionar o tratamento, mas por si só, não serve para fechar
o diagnóstico. Nem todo paciente terá redução de glicose, aumento de proteínas, etc.
OBS: Todo paciente com febre inexplicada por mais de 8 dias deve receber punção
lombar.

TRATAMENTO

- A antibioticoterapia empírica é iniciada antes que os resultados da análise liquórica e


hemocultura estejam disponíveis. Normalmente, em adultos, prefere-se iniciar o
tratamento com uma cefalosporina de terceira geração – como ceftriaxona – associada a
dexametasona. Esse antibiótico cobre S. pneumoniae, H. influenzae e N. meningitidis.

- Deve-se adicionar ampicilina ao tratamento empírico – para cobrir L. monocytogenes -,


em crianças < 3 meses, e idosos > 55 anos.

- Em idosos, também pode-se acrescentar aciclovir ao tratamento empírico, pois


encefalite por HSV é o principal diagnóstico diferencial a se pensar.

- Em infecções hospitalares, após neurocirurgias, deve-se cobrir S. aureus e bactérias


gram-negativas, como P. aeruginosa. Nessas situações, pode-se iniciar a terapia com
cefepime associada à vancomicina. Pacientes imunossuprimidos também devem receber
essa terapia.

OBS: Todos os pacientes devem receber corticoides, em especial quando houver


suspeita de pneumococo. Eles previnem sequelas auditivas. Entretanto, esses fármacos
também reduzem a inflamação meníngea – e consequentemente reduzem a perfusão do
antibiótico. Assim, os corticoides são iniciados junto a antibioticoterapia, mas devem ser
retirados, caso a cultura não demonstre S. pneumoniae. O corticoide mais indicado é
dexametasona 10 mg de 6/6 hrs. Pode-se usar rifampicina, como fármaco sinérgico, no
tratamento de pneumococo.

- Caso não haja evidências de melhora clínica em até 48 horas, ou se houver suspeita de
BGN, deve-se repetir a punção lombar.

VIRAIS

- Adultos imunocompetentes com meningite viral normalmente se apresentam com


cefaleia, febre e sinais de irritação meníngea. A cefaleia costuma ser frontal ou retro-
orbital, sendo frequentemente acompanhada de fotofobia e dor ao movimentar os olhos. A
rigidez nucal pode ser mais sutil.

OBS: Alterações de consciência graves, como estupor e coma, não ocorrem na meningite
viral. Caso estejam presente, deve-se considerar a possibilidade de outros diagnósticos,
como encefalite viral.

- As meningites virais tendem a ocorrer em crianças, e costumam ser autolimitadas. Os


agentes mais comuns são os enterovírus – como o echovírus e o coxsackievírus. Outros
agentes relevantes incluem HSV-2, HIV e arbovírus.
DIAGNÓSTICO

- O exame mais importante é análise do líquor. Ele tende a ter pleocitose linfocitária (25-
500 células), com concentrações normais de glicose e proteínas. A pressão de abertura
pode ser normal ou levemente elevada. Não há organismos visíveis na coloração gram.

OBS: Como regra geral, a presença de pleocitose linfocitária com baixos níveis de glicose
deve levar ao diagnóstico de meningite fúngica ou tuberculose.

- O termo meningite asséptica é usada para descrever casos de pleocitose líquorica, sem
agentes bacterianos piogênicos detectáveis. A etiologia pode ser viral, bacteriana não
piogênica – como Mycoplasma -, tumoral ou farmacológica – como azatioprina e
sulfametoxazol.

- Pacientes com episódios recorrentes de meningite asséptica podem se beneficiar de


PCR para HSV, pois esse teste é consideravelmente mais sensível do que a cultura viral.

TRATAMENTO

- O tratamento de quase todos os casos de meningite viral é primariamente sintomático,


através do uso de analgésicos, antipiréticos e antieméticos. A doença é autolimitada e
tende a melhorar em até sete dias. Caso haja suspeita de infecção bacteriana, a
antibioticoterapia deve ser iniciada imediatamente.

MENINGITES CRÔNICAS

- As meningites crônicas são aquelas que cursam com sintomas neurológicos por um
período superior a quatro semanas. As principais causas são:
1) Infecciosas: TB, sífilis, HIV, CMV, toxoplasmose, criptococose, etc.
2) Neoplásicas: câncer de mama, etc.
3) Inflamatórias não infecciosas: LES, sarcoidose, etc.

- Esses pacientes normalmente se apresentam com cefaleia, rigidez nucal, febre baixa e
letargia por dias/semanas, antes de se apresentar para avaliação clínica. Pode haver
anormalidades nos nervos cranianos e sudorese noturna.

- As causas infecciosas mais comuns incluem:


-> M. tuberculosis;
-> C. neoformans;
-> T. pallidum.

- A infecção inicial com M. tuberculosis é adquirida através da inalação de gotículas de


saliva contaminadas. A meningite tuberculosa não se desenvolve agudamente após a
disseminação hematogênica do bacilo.
- As infecções fúngicas são tipicamente adquiridas através da inalação aérea. A infecção
pulmonar inicial pode ser assintomática, ou causar febre, tosse com expectoração e
dispneia. Entretanto, os quadros pulmonares normalmente são autolimitados. O fungo
pode permanecer dormente por longos períodos de tempo, até que a imunidade do
hospedeiro seja comprometida.

- A sífilis é sexualmente transmitida, e se manifesta inicialmente como um cancro indolor


no local da inoculação. O T. pallidum invade o SNC precocemente no curso da sífilis, e os
nervos VII e VIII são os mais afetados.

DIAGNÓSTICO

- A história clínica pode sugerir a etiologia da doença:


-> PPD positivo: tuberculose;
-> Lesão em hipotálamo, hipófise e nervo óptico: sarcoidose;
-> Uveíte: doenças autoimunes;
-> Radiculopatia: doença de Lyme;
-> úlceras genitais/orais dolorosas: doença de Behçet;
-> Imunossupressão: criptococose;
-> Neutrofilia: nocardiose e brucelose.

- Durante a investigação de todos os pacientes, deve-se solicitar PPD, radiografia de


tórax, VDRL, sorologia para HIV e HTLV-1. Na análise do líquor, deve-se avaliar
eosinofilia, VDRL e centrifugação.

TRATAMENTO

- A terapia anti-tuberculose é iniciada empiricamente, devendo-se evitar o uso de


corticoides. Caso haja epidemiologia positiva ou imunossupressão, pode-se iniciar a
terapia com antifúngicos.

- Os diagnósticos diferenciais incluem:


-> Meningite recorrente de Mollaret;
-> ADEM;
-> Encefalite viral – verificar redução do nível de consciência;

OBS: A meningite recorrente de Mollaret é caracterizada por cefaleias, meningismo e


líquor com predomínio linfocitário. O quadro melhora espontaneamente mais continua
recidivando em semanas/meses.

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