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5.

Aplicação da Lei no Tempo

O Governo, na sequência da grave crise financeira, e tendo em vista cumprir as


obrigações de redução do défice público constantes no Programa de Estabilidade e
Crescimento para o período de 2019-2023, propõe, no dia 1 de abril de 2023, à
Assembleia da República, as seguintes medidas legislativas:

1. Aumentar a taxa do IVA para 25% com efeitos a partir do dia 1 de maio de 2023;

1º ponto: É uma norma oneradora? Sim, continuamos, não, o caso prático fica aí.

2º: ponto: Tipo de facto tributário – Imposto sobre o valor acrescentado. Em relação ao
consumidor, o IVA tem um caráter único (a sua criação ou extinção dá-se num único
momento) e apenas para o sujeito passivo tem uma tónica mais periódica (obrigações
declarativas).

IVA: Imposto de obrigação única para efeitos da aplicação na lei do tempo. Ou seja,
alterando-se a taxa do IVA para 25% com efeitos a partir de 1 de maio de 2023 e este
diploma é proposto no dia 1 de abril de 2015, se tivermos uma alteração das taxas de IVA
a partir de 1 de maio de 2015, esta lei só se aplica ao futuro, ou seja, a alteração das taxas
do IVA para qualquer facto anterior não levantaria qualquer questão de retroatividade.

Apenas teríamos uma questão de retroatividade se o facto tributário tivesse ocorrido antes
de 01/05/2015, sendo esta proibida pelo art. 103º nº3 da CRP.

2. Aumentar a taxa máxima de IRS para as duas categorias mais elevadas em 5%


com efeitos nos rendimentos pessoais de 2023; Entrou em vigor hoje no dia do
caso e pretende alterar as taxas máximas para duas categorias mais elevadas.

É uma norma oneradora que aumenta a taxa máxima do IRS.

Facto tributário de formação sucessiva e periódica. Sendo uma alteração dentro do ano
fiscal (o facto tributário ainda não se consolidou), coloca-se a questão do âmbito do art.
103º nº3 da CRP.

TC: Retrospetividade, pois o facto tributário ainda se está a formar ao abrigo da lei
nova e nessa sequência temos de avaliar o princípio da segurança jurídica (art. 2º da
CRP + 4 critérios discutidos pelo TC). Situação de interesse público? Cumprimento das
obrigações de défice público, sim! Em princípio, teríamos uma situação de não
retroatividade da lei fiscal nem uma situação de retrospetividade, podendo a lei aplicar-se
desde 1 de janeiro de 2023.

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3. Aumentar a taxa de IRC para 27% para os rendimentos das pessoas coletivas com
efeitos no lucro tributável de 2023, e agravando a tributação autónoma das
despesas com veículos automóveis para 60%;

4. Estabelecer um adicional de 6% ao IRS apurado e liquidado em 2022;

5. Eliminar, com efeitos ao dia 1 de janeiro de 2022, os benefícios fiscais relativos à


contratação de jovens desempregados;

6. Prever a tributação imediata em IRS de todas as mais-valias mobiliárias,


independentemente do momento da aquisição das ações e do período de
detenção.

Quid iuris?

Retroatividade da tributação autónoma; Mais valias; Normas imperativas e processuais;

OU SEJA, SAI O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE.

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Aula prática:

Se estamos perante uma regra para o TC, cumpre saber quais os casos de retroatividade
concretamente previstos nessa regra.

Art. 103º nº2:

a) Retroatividade autêntica: Uma lei nova aplica-se a factos tributários plenamente


constituídos no passado (o facto já se concretizou no tempo, bem como os seus
efeitos), ou seja, a lei aplica-se a uma situação já concretizada.

b) Retrospetividade: Sem prejuízo de se aplicar a factos tributários que se iniciam no


passado, esses factos tributários ainda estão a produzir os seus efeitos, ou seja, a
lei antiga ainda está a produzir os seus efeitos.

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2022 2023 LN LN1 2024

Vamos imaginar por exemplo que a 31/12 de 2022 tivemos o apuramento do IRC sobre uma
empresa. É um facto tributário de formação sucessiva e o facto tributário consolida-se
no dia 31/12/2022. Vamos agora imaginar que a 30/11/2023 temos uma lei nova que vem
alterar a taxa do IRC de 2022. Esta retroatividade é autêntica ou inautêntica?

Este caso é expressamente proibido pelo art. 103º nº3, sendo um caso de
retroatividade autêntica. A lei nova vem alterar a taxa do IRC para 30%, um aumento da
taxa, para aplicar-se a um facto tributário que já está plenamente consolidado na vigência
da lei antiga – ele nasceu a 1/1/2022 e morreu a 31/12/2022.

 Nos impostos periódicos existe retroatividade autêntica? Sim, quando se fala


de um facto periódico que já consolidou ao abrigo da lei antiga.

Vamos imaginar por exemplo que temos uma alteração à lei nova de 30/11/2023 que fixava
uma taxa de IRC no valor de 30% e esta nova lei quer alterar esta taxa de IRC para 2022 e a
taxa de IRC de 2023 seria 35%. Esta lei nova de 31/11/2023 quer alterar a taxa de IRC de
2022 e quer alterar a taxa do IRC em 2023.

É um caso de retrospetividade: A lei nova vai-se aplicar a factos tributários que nasceram
ao abrigo da lei antiga, sem prejuízo da taxa do IRC de 23% ter nascido ao abrigo da lei
antiga, quando é que se cumpriu o facto tributário de 2023? A 31/12/2023.

 O facto tributário nasceu ao abrigo da lei anterior, mas ainda produz efeitos durante
a lei nova? Sim, a lei nova entrou em vigor a 31/11/2023, mas o facto tributário só
se consolida nos impostos periódicos a 31/12/2023. Esta lei será retrospetiva.

Vimos um caso de retroatividade autêntica e um caso de retrospetiva nos impostos


periódicos.

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Agora vamos imaginar que esta lei nova, para além de alterar a taxa do IRC para 30%
em 2022 e 35% em 2023, alterou o IMT em 3% (imposto móvel sobre transações exigido
aquando da venda de um imóvel). Vamos imaginar que em 01/02/2023 eu vendi uma casa.
E o legislador nesta lei nova, dia 01/12/2023 decide alterar a taxa do IMT.

Não pode porque é um facto tributário que já se consolidou no passado. Temos um facto
tributário de obrigação única, nasceu e extinguiu-se com a venda do imóvel, e portanto
qualquer aplicação desta lei nova a este facto tributário será um caso de retroatividade
autêntica, proibida pelo art. 203º nº3 da CRP.

POSIÇÃO DO TC QUANTO à PROIBIÇÃO CONTIDA NO ART. 103º Nº3 DA CRP (ac.


339/2010): Apenas retroatividade autêntica ou também retrospetividade?

O TC adota a posição de que o art. 103º nº3 apenas abrange a proibição da


retroatividade autêntica pois só nesses casos é que temos uma lei nova incidente sobre
um facto tributário que á consolidou todos os seus efeitos, mas mesmo assim não deixa
de conferir uma proteção aos casos de retrospetividade.

Princípio da segurança jurídica (Estado de Direito democrático, art. 2º da CRP) garante


uma legitimação de expetativas do contribuinte, sempre que essas expectativas sejam
legitimamente fundadas e o contribuinte tem com base nessas efetuado as suas
decisões.

Sempre que estivermos perante uma lei retrospetiva, temos de invocar um conjunto de
testes relacionados com o cumprimento do princípio da segurança jurídica:

1. O Estado praticou comportamentos geradores de expetativas para os sujeitos


passivos. Praticaram atos que demonstrem junto do contribuinte a intenção do
legislador em não manter ou não onerar um dado regime fiscal. Por exemplo, no
início da legislatura apresenta-se um conjunto de medidas quanto à tributação que
fazem com que o contribuinte ache que não vai sair mais onerado.
2. Foram criadas expetativas legitimas e fundadas. Têm de ser dadas para quem
tem legitimidade para isso mesmo – Governo ou AR. Por exemplo, o Governo assina
um documento com as intenções políticas a desenvolver no país.
3. Criação de condutas por parte do sujeito passivo concretizadoras dessa
expetativa e que esses sujeitos passivos tenham feitos planos de vida devido às
suas expetativas legitimamente fundadas. Por exemplo, o Governo diz que vai
conceder benefícios fiscais aos agricultores de modo a promover o interior do país
e o empreendimento e estes acabaram por adquirir produtos.
4. Não devem ocorrer razões de interesse público que possam fundamentar
aquela modificação do quadro fiscal. Interesse público: Não existe nunca uma
expetativa de não reversibilidade das leis fiscais. Está assente que as leis fiscais
têm de ser revistas e são sempre alteradas. Ter uma expetativa da imutabilidade
da carga fiscal não releva. Contudo, existem expetativas que podem ser
protegidas. Requisito pela negativa: Não pode existir um interesse público
subjacente. Mas qual é o problema? Quase todas as alterações fiscais têm
subjacente um interesse público (aumento das receitas, alteração
extraordinária das receitas, intervenção da UE…). O interesse público
consegue quase sempre aplicar-se. Por isso é que a doutrina diz que o princípio

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da segurança jurídica não acrescenta um nível de proteção suficiente ao sujeito
passivo porque se exige que não exista um interesse público e este interesse
público existe quase sempre, reduzindo qualquer possibilidade de aplicação de
normas retrospetivas. LER O ACÓRDÃO 339/2010 DO TC.

A PROIBIÇÃO DA RETROATIVIDADE É PERANTE NORMAS ONERADORAS

E se eu tiver uma lei retroativa que em vez de aumentar a taxa do IRC para 30% reduz a
taxa em 2%?

É possível porque não estamos perante uma norma oneradora.

Só é proibida a retroatividade face a normas oneradoras, pois apenas estas colocam


em causa as expetativas e a segurança jurídica do contribuinte, ou seja, não temos
retroatividade em casos de normas não oneradoras.

O ART. 12º DA LGT COMO CONCRETIZADOR DO ART. 103º Nº3 DA CRP

Vimos que o art. 103º tinha uma previsão de proibição da retroatividade da lei fiscal, mas
ainda temos o art. 12º da LGT.
Artigo 12.ºAplicação da lei tributária no tempo

1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer tributos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.

3 - As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos
contribuintes.

4 - Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o
desenvolvimento das normas de incidência tributária.

O art. 12º nº2 diz o seguinte  Vamos imaginar que temos uma lei em Agosto que decidiu
alterar as taxas do IRS em alguns escalões ou do IRC em mais 3% e que se vai aplicar desde
o dia 01/01/2023 a todo o período de 2023 e 2024 quando for alterado. Este artigo dá uma
solução quanto estejamos perante factos tributários de formação sucessiva. Ao invés
da posição do TC (esta alteração aplicar-se a todo o período de 2023), vamos dividir o ano
fiscal em duas partes, à parte anterior antes da vigência da lei nova aplicamos a lei antiga
e após a lei nova vamos aplicar a lei nova, ou seja, apenas aplicamos a lei nova após
metade do ano. Deixámos de ter um caso de retrospetividade onde íamos ver os
critérios enunciados e íamos apenas aplicar a lei nova ao momento posterior à entrada
em vigor da lei.

Vamos aplicar a lei nova a todo o período fiscal  Art. 12º nº2 (impostos periódicos).

Impostos periódicos  A consolidação do facto tributário apenas ocorre no fim do ano,


ou seja, o facto tributário está em formação, sendo que do ponto de vista matemático é
difícil dividir em dois, gerando maior insegurança jurídica do que esta solução, daí esta
solução do art. 12º nº2 ter sido afastada, pois contraria o disposto no art. 103º nº3 e nos
casos de retrospetividade teremos uma insegurança jurídica. A LGT é infraconstitucional,
não tem valor reforçado, sendo bastante importante a jurisprudência neste sentido.

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Art. 12º nº3  Para os processos que já tenham sido iniciados ao abrigo da lei anterior
vamos aplicar a nova lei desde que se reportem a factos que, embora iniciados na lei
anterior, não estejam integralmente cumpridos. O caso julgado também não poderá ser
atingido pela lei nova claro.

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