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2 REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente, é fundamental reconhecer que o registro civil de


nascimento, ao documentar eventos vitais e estabelecer identidades legais,
configura-se como uma ferramenta indispensável para a proteção dos direitos
fundamentais. Ao longo deste capítulo, demonstraremos que o registro civil é
mais do que um simples procedimento burocrático; ele se revela como um
alicerce essencial para a aquisição da cidadania, a validação legal da
identidade e a plena participação ativa na sociedade.
A personalidade somente advém do nascimento com vida, como aduz
Venosa (2023). Sendo que através deste registro, os indivíduos obtêm a
capacidade de exercer uma série de direitos civis, incluindo, o direito de voto,
celebração de casamento, acesso a herança e utilização de serviços públicos
(educação, saúde, previdência entre outros).
Obter o registro civil de um filho em um cartório, uma prática que se
tornou quase comum. No entanto, é necessário destacar que nem sempre esse
processo foi tão difundido. A introdução gradual do registro civil laico na vida
dos brasileiros ocorreu ao longo dos anos, não representando, em todos os
períodos, um direito acessível a todos, ao contrário do cenário contemporâneo.
Devido à rotina comum de conviver em uma sociedade em que a
maioria das pessoas possui o Registro Civil de Nascimento (RNS), quem vem a
ser a base para documentos adicionais ou posteriores como o Registro Geral
(RG) e o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e outros. É provável que mutas
pessoas ainda não compreendam a significância desse documento.
Nesse contexto Fernanda Melo Escossia traz o seguinte pensamento:
A apresentação da certidão de nascimento é obrigatória para que o
cidadão obtenha seu próximo documento, que costuma ser a carteira
de identidade – documento que, além de trazer as informações do
registro civil, exige a produção dos dados da biometria de cada um,
com a coleta das impressões digitais. A partir daí, sempre com a
exigência de contra-apresentação de um documento anterior,
normalmente a certidão de nascimento ou a carteira de identidade,
outros documentos virão: CPF, carteira de motorista, certificado de
reservista (que os cidadãos do sexo masculino recebem quando
prestam o serviço militar obrigatório), título de eleitor, passaporte e
certidão de óbito. Quando o indivíduo morre, em sua certidão de óbito
(também emitida pelos RCPNs), constarão dados de outros
documentos seus; quem não tem documentos não tem o nome na
certidão de óbitos e é enterrado como indigente, em sepultura sem
identificação. (ESCOSSIA, 2019, p. 25)
Num cenário que pode parecer improvável à primeira vista, é
necessário reconhecer a existência de milhares de pessoas cujos direitos são
negados pela falta de acesso a documentação básica. A ausência do registro
civil de nascimento, fatalmente implica na ausência de outros documentos
como o Registro Geral (RG) e o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), isso
configura uma realidade persistente para muitos indivíduos, desse modo, para
eles a cadeia destacada por Escóssia não tem início.
Nesse sentido Christiano Cassettari (2022) aponta a cidadania
brasileira como “uma cidadania outorgada, legitimada, controlada e conferida
pelo Estado, que se expressa materialmente por meio de uma série de
documentos”. A falta de documentos não só afeta a vida pessoal, mas também
é um desafio significativo para o Estado, que precisa garantir a cidadania plena
e acesso a serviços essenciais. Detectar esse problema é o primeiro passo
para encontrar soluções eficazes e promover a inclusão social.

A obra de Cassettari (2022) enfatiza a importância do Registro de


Nascimento:

Diante dessa exposição, Nelson Jobim sustenta a essencialidade do


registro civil de nascimento para a cidadania, afirmando que “por
detrás como pré-requisito para esse conjunto de documentos, como
‘mãe de todos’, está o registro e a certidão de nascimento sem o qual
não se obtém os demais” (CHRISTIANO, 2022, p.) ???
Quem é o autor? Cassettari ou Christiano?

Com esse trabalho, busca-se aprofundar na história do RCN no Brasil,


apresentado suas transformações ao longo do tempo. E como a posse desse
documento emerge como garantia essencial para assegurar condições básicas
necessárias a uma vida digna.

1.1 BREVE HISTÓRICO DO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO NO BRASIL


O Registro Civil de Nascimento, formalizado nos Cartórios de Registro
de Pessoas Naturais, é lavrado pelos oficiais de Registro de Pessoas Naturais
(RCPN) conforme delegação do poder público (CF, 1988, Art. 236).
De acordo com Goncalves (2021), “a responsabilidade do Registro Civil
é confiada a indivíduos que recebem autorização do poder público e são
conhecidos como Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais”, e seus
prepostos, detentores de delegação do poder público para tal finalidade,
conforme disposto no artigo 236 da Constituição Federal de 1988: “Os registros
civis serão gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei”
(BRASIL, 1988, art. 236).
Na fase colonial, a Igreja Católica desempenhava o papel central na
documentação de eventos vitais, já que o Estado não possuía um sistema
formal de registro civil, deixando a responsabilidade sob jurisdição eclesiástica.
A obrigatoriedade do registro civil foi estabelecida após a
independência em 1822, com a promulgação da Lei de 20 de outubro de 1827
pelo imperador Dom Pedro I. com a Proclamação da República em 1889 e a
consolidação do Estado Laico. As responsabilidades pelo registro passaram
para autoridades civis, resultando na criação de cartórios em todo o país.
Venosa (2023) cita essa fase ao falar da separação e troca de poderes nesse
período.
A separação do registro civil da Igreja ocorreu pelo Decreto n 9.886,
de 7-3-1888; a partir daí várias leis regularam a matéria. Não resta
dúvida, porém, de que a instituição do Registro Civil se deve à Igreja
Católica, porque foi esta que desde a Idade Média passou a anotar
nascimentos, casamentos e óbitos nos livros paroquiais. (VENOSA,
2023)
Essa transferência de responsabilidade não apenas refletiu na
perpetuação do Estado, mas também estabeleceu um arcabouço jurídico mais
alinhado com os princípios de um Estado democrático e laico, consolidando a
autonomia das autoridades civis na condução dos registros vitais. Escóssia
(2019) descreve essa fase em sua tese ao visitar Makrakis (2000):
No Brasil Colônia, o registro de nascimento era lavrado nas
paróquias, pouco depois do batismo da criança e, mesmo no Brasil
Imperial, só valiam registros religiosos. [...] historicamente, no Brasil,
devido à forte ligação entre Igreja e Estado, os registros religiosos nos
livros das paróquias tinham valor de prova e perduraram longamente
como forma de identificação. O registro civil de nascimento só se
tornou ato do Estado na República, com a separação entre Igreja e
Estado. Com a lei 1.829, de 1870, o governo imperial determinou a
execução do primeiro recenseamento do Império e a organização dos
registros de nascimento, casamentos e óbitos para a população em
geral. Foi criada a Diretoria Geral de Estatística, responsável pelos
trabalhos do censo e pela organização dos quadros anuais dos
nascimentos, casamento e óbitos. [...] paralelamente à instituição do
registro civil laico o Império Brasileiro concede às instituições
cartorárias no Brasil, instituições privadas, a função de efetuar os
registros. (ESCOSSIA, 2019, p. 25 apud MAKRAKIS, 2000).
Com a promulgação da Constituição de 1988, esse arcabouço legal foi
reforçado, atribuindo ao Registro de Nascimento status de direito fundamental
para todos os cidadãos. Em conformidade, a Carta Magna de 1988, no artigo
5º, inciso LXXVI, estabelece que 'São gratuitas as ações de habeas corpus e
habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
A Lei 8.935 de 1994, por sua vez, explicita a importância do Registro
de Nascimento ao determinar, no artigo 45, que 'São gratuitos os assentos do
registro civil de nascimento e o de óbito, bem como a primeira certidão
respectiva'. Tanto a Constituição Federal quanto a Legislação
Infraconstitucional consagram a gratuidade do Registro Civil como um direito
inalienável, reforçando o compromisso do Estado em garantir o acesso a esse
serviço essencial para todos os cidadãos.
A esse respeito Cassettari (2022) esclarece que:
Pelo texto da CF de 1988, a gratuidade se limitaria aos
reconhecidamente pobres, o que se extrai do artigo 5º, LXXVI: “são
gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o
registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito”. (CASSETTARI,
2022)
Mesmo assim ainda há falhas na emissão deste documento com
demostra Escóssia (2019).
A certidão de nascimento é gratuita no Brasil desde 1997. No entanto,
dados oficiais do IBGE para o ano de 2002 situavam em 20,3% o
percentual de sub-registro2, nome técnico para o fenômeno de
crianças sem registro de nascimento. (ESCOSSIA, 2019, p. 11)
Sabendo-se que a lei em questão Lei nº 6.015/73, não limita-se apenas
a RCN, trata-se de Lei de Registros Públicos. É uma legislação fundamental no
contexto jurídico brasileiro, pois, estabelece as bases para a organização e
funcionamento dos registros que atestam atos civis essenciais à sociedade,
além de prever gratuidade para aqueles reconhecidamente pobres.
Sua promulgação foi um marco importante para garantir a
autenticidade, segurança e publicidade das informações, contribuindo para a
transparência e confiabilidade dos documentos oficiais. Desse modo, esta lei
abrange uma série de aspectos que acompanham o cidadão desde
nascimentos e até o óbito, passando por todas as fases de sua vida cidadã e
social.
A titulo de esclarecimento a lei em questão elenca os atos realizados
nos Cartórios de Registos Civis a saber:
Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:
I – os nascimentos;
II – os casamentos;
III – os óbitos;
IV – as emancipações;
V – as interdições;
VI – as sentenças declaratórias de ausência;
VII – as opções de nacionalidade;
VIII – as sentenças que deferirem a legitimação adotiva (BRASIL,
1973).

No desempenho essencial de assegurar a ordem jurídica e a


efetivação dos direitos, o Poder Judiciário, conforme estabelecido na Lei nº
6.015/1973, assume a incumbência de fiscalizar os cartórios. Assim, é dentro
desse contexto normativo que o Poder Judiciário desempenha sua função de
guardião da legalidade nos cartórios, assegurando que os procedimentos
estejam em conformidade com os ritos legais, promovendo a confiabilidade e
segurança jurídica no âmbito dos registros públicos, como é possível observar
nos dispositivos legais inscritos nos artigos 2° e 9° da Lei n° 6.015/73.
Art. 2º Os registros indicados no § 1° do artigo anterior ficam a cargo
dos serventuários privativos nomeados de acordo com o estabelecido
na Lei de Organização Administrativa e Judiciária do Distrito Federal
e dos Territórios e nas Resoluções sobre a Divisão e Organização
Judiciária dos Estados, e serão feitos:
I - o do item I, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro de
nascimentos, casamentos e óbitos;
II - os dos itens II e III, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de
registro de títulos e documentos;
III - os do item IV, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro
de imóveis.
Enquanto o art.2º indica quem e onde pode confeccionar o RCN
conteúdo, o art. 9º dá as limitações á atuação desses agentes e lugares.

Art. 9º Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou


em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente
responsável o oficial que der causa à nulidade.
(Lei nº 6.015/1973, Art. 9°)
O Registro Civil de Nascimento é ato que se realiza apenas uma vez,
na ocasião do nascimento, mediante a Declaração de Nascido Vivo (DNV) está
sujeito a um prazo legal de 15 dias, conforme prescrito no artigo 50 da Lei nº
6.015/1973. Este prazo pode ser prorrogado para até 03 (três) meses em
localidades situadas a mais de 30 quilômetros da sede do cartório competente,
conforme as palavras de Escóssia.
O Sistema de Registro Civil é atualmente regulamentado no Brasil
pela Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 e, de acordo com o artigo
50 dessa mesma lei, o registro de nascimento deverá ser realizado
nos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN),
entidades privadas que exercem essa função por delegação do poder
público, dentro do prazo máximo de 15 dias, a partir do nascimento
da criança. O registro deve ser feito pelos pais, mediante
apresentação de seus documentos e da DNV (Declaração de Nascido
Vivo), documento emitido pelos hospitais. O prazo pode ser
prorrogado por até três meses, para os casos nos quais os lugares de
ocorrência do evento distam mais de 30 km da sede do cartório.
Depois desse registro nos livros, o cartório de RCPN expede a
certidão de nascimento da criança, que se torna, então, o primeiro
documento do cidadão brasileiro
(ESCÓSSIA, 2019, p. 9).
A tese de Fernanda Melo da Escóssia proporciona uma análise
profunda e esclarecedora sobre a atual Lei de Registros Públicos,
concentrando-se de maneira particular no âmbito do registro de nascimento, ao
trazer à luz aspectos relevantes dessa legislação visto que a autora lança uma
luz crítica e elucidativa sobre o cenário normativo que rege a formalização do
nascimento no contexto jurídico brasileiro.
Em meio às diversas regras existentes, o registro civil de nascimento
no Brasil, no entanto existem obstáculos que geram a ausência do RCN, sendo
a ausência do genitor um desse obstáculos para a realização desse ato
fundamental, contribuindo para o fenômeno do sub-registro, se configura como
um obstáculo a ser superado sob as disposições do artigo 52 da lei 6.015/73,
que traz em seus dispositivo a ordem sucessiva dos que tem a obrigação de
fazer a declaração de nascimento, como Maria Helena Diniz aponta:
O art. 52 da Lei n. 6.015/73 apresenta uma ordem sucessiva dos que
tem a obrigação de fazer a declaração de nascimento. Em regra, e o
pai; em sua falta ou impedimento, a mãe, dentro do prazo de 15 dias.
Se houver distancia maior de 30 km do cartório, tal prazo será
ampliado em até 3 meses (Lei n. 9.053/95, que altera o art. 50 da Lei
n. 6.015/73). (DINIZ, 2012 p. 225)
Um ponto relevante na fala de Diniz é a flexibilidade tanto em relação ao
prazo quando há uma distância superior a 30 km entre o local de nascimento e
o cartório. Nesse caso, o prazo para a declaração de nascimento pode ser
ampliado em até 3 meses, quanto no que diz respeito a mãe poder assume a
responsabilidade de registrar seu filho em caso de ausência ou impedimentos
do pai, nota-se que estão levando em consideração circunstâncias práticas,
que podem ser possíveis obstáculos para fazer a declaração de nascimento.
Portanto, como salientou VENOSA (2023) o Registro Civil da Pessoa
Natural, além das finalidades gerais dos registros públicos já delineadas,
apresenta a utilidade para o próprio interessado em ter como provar sua
existência, seu estado civil, bem como um interesse do Estado em saber
quantos somos e qual a situação jurídica em que vivemos.
Nesta breve abordagem histórica do RCN, destaca-se não apenas sua
evolução normativa, mas também sua importância como instrumento vital na
consolidação dos direitos fundamentais. Dando continuidade este trabalho
apresentara a relação entre esse instituto jurídico e a promoção dos direitos
humanos fundamentais, delineando a importância do registro civil na
salvaguarda da dignidade de cada ser humano.

2.2 REGISTRO CIVIL E OS DIREITOS ESSENCIAIS EM PROL DA


DIGNIDADE HUMANA

Vamos falar como o RCN está diretamente ligado aos direitos


fundamentais, especialmente quando se trata de garantir a Dignidade Humana
e como o registro de nascimento adequado se torna essencial para proteger os
direitos básicos de cada pessoa. De tal modo que ao conectar a dignidade
humana com esses direitos, queremos entender como o RCN não só é
importante para garantir esses direitos, mas também é essencial para
preservação da dignidade de cada pessoa.
Ao fazer a correlação da dignidade e os direitos fundamentais não tem
como não mencionar o que Cassattari (2022) de forma direta e objetiva pontua:
O exercício da cidadania depende do registro civil de nascimento e da
documentação básica, pois, em um Estado democrático, tal exercício
se manifesta pela participação do cidadão, o que não seria possível
na situação de exclusão e até de “inexistência” causada pela falta de
documentação e de registro. Assim reconhece o Alto Comissariado
de Direitos Humanos das Nações Unida 1 e já indicou o IBGE:
O registro de nascimento, realizado nos Cartórios, representa a
oficialização da existência do indivíduo, de sua identificação e da sua
relação com o Estado, condições O fundamentais ao cidadão.
(CASSATTARI, 2022)
Logo o RCN, não apenas oficializa a existência do indivíduo, mas
também estabelece sua identificação e relação com o Estado sendo, portanto,
essas condições consideradas fundamentais para o pleno exercício da
cidadania plena. Em um Estado democrático a participação cidadã é
fundamental, sendo, portanto, inviável na ausência de documentos e registro
civil, o que pode levar à exclusão do indivíduo e até à sensação de
"inexistência" para este.
Os princípios fundamentais relativos à Pessoa e à Personalidade
expresso no artigo 1º do Código Civil Brasileiro, é um dos pilares da estrutura
jurídico nacional. Segundo o Art. 1º da Lei nº 10.406/2002 “Toda pessoa é
capaz de direitos e deveres na ordem civil.” Ao passo que o Artigo 2º do
desempenha um papel de apresentar o ponto de partida da personalidade civil
da pessoa, constituindo-se como uma extensão ponderada da estrutura
normativa que regula as relações jurídicas no Brasil ao afirmar que “A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
No contexto do Registro Civil, o Artigo 2º do CC revela sua importância
ímpar ao trazer o instante em que a personalidade civil tem seu início,
consolidando a existência jurídica da pessoa natural.
Ao nascer com vida e ter seu nascimento registrado, a pessoa natural
torna-se sujeito apto a participar integralmente das relações jurídicas. Como
Venosa (2023) traz que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
logo a personalidade somente advém do nascimento com vida (VENOSA 2023)
O RCN configura-se como um instrumento fundamental para a
efetivação da personalidade civil, conferindo-lhe reconhecimento perante a
sociedade e o Estado, como se vê, destinam-se os direitos da personalidade a
resguardar dignidade humana, cidadania é também uma instituição a qual
DINIZ (2012) assim a descreve:
É, sobretudo, um conjunto de direitos comuns a todos os membros da
sociedade. Se, além dos direitos, a cidadania implica deveres e
obrigações, estes não podem, de maneira alguma, ser condições
para os direitos da cidadania. Os direitos da cidadania são direitos
incondicionais que transcendem e contêm as forças do mercado"
(DINIZ, 2012, p. 319)
Diante disso, a pessoa é conceituada como o sujeito detentor da
capacidade de estabelecer relações jurídicas, adquirindo, por conseguinte,
direitos e deveres no âmbito civil, condição aplicável tanto às pessoas naturais
quanto às jurídicas. O RCN emerge como elemento decisivo na experiência
dos cidadãos brasileiros, conferindo-lhes não apenas o respaldo jurídico dos
eventos vitais, mas também a preservação dos direitos individuais.
Se essa conclusão é extraída em relação a uma forma restrita de
cidadania, como define Dalmo de Abreu Dallari5: “A cidadania
expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de
participar ativamente da vida e do governo de seu povo”, mais
patente se torna quando abordado um conceito mais amplo de
cidadania, que a aproxima dos direitos humanos, como propõe Maria
Victória de Mesquita Benevides6:
“Os direitos da cidadania, também filiados à mesma experiência
histórica [dos direitos humanos], são aqueles estabelecidos pela
ordem jurídica de um determinado Estado e, juntamente com os
deveres, restringem-se aos seus membros; os direitos do cidadão
englobam direitos individuais, políticos e sociais, econômicos e
culturais e, quando são efetivamente reconhecidos e garantidos
podemos falar em ‘cidadania democrática’, a qual pressupõe,
também, a participação ativa dos cidadãos nos processos decisórios
da esfera pública. (CASSETTARI, 2022)
Dessa forma, a instituição do registro civil transcende a mera
formalidade burocrática, constituindo a base fundamental que sustenta a
edificação de princípios essenciais, tais como identidade, nacionalidade,

cidadania e o direito à dignidade da pessoa humana. Cassettari, ainda


complementa ao informar que:
Jurídica e civilmente, a pessoa natural se individualiza por três
elementos: nome, domicílio e estado, neste último compreendidos o
político (cidadania, nacionalidade e naturalidade), o individual (idade,
sexo e capacidade) e o familiar (parentesco/filiação e situação
conjugal). (CASSETTARI, 2022)
Para ilustrar, a individualidade de um cidadão, advém por meio do
RCN, vai muito além de uma simples designação nominal. Esse registro
confere ao indivíduo sua singularidade dentro da sociedade, outorgando-lhe a
capacidade de se relacionar, contratar, votar e exercer plenamente sua
autonomia. Dessa maneira, o registro de nascimento representa o ponto inicial
para assegurar o direito à identidade, consolidando, por conseguinte, o
princípio da personalidade jurídica.
O nome da pessoa natural, como bem explanou o pesquisador
Leonardo Brandelli, está marcado por um duplo aspecto. Do ponto de
vista público, o uso do nome corresponde à necessidade imperiosa
de particularizar e distinguir a pessoa das demais, sendo então
obrigatório o seu uso e restritos os casos de alteração. Do ponto de
vista privado, o nome é um direito fundamental da pessoa humana,
personalíssimo e intimamente relacionado com a sua dignidade e sua
privacidade, na medida em que é o signo que a representa, ou seja,
um dos modos da expressão do ser humano na família e na
sociedade. (CASSETTARI, 2022)
O direito ao nome é reconhecido como um direito personalíssimo e
inalienável, isso significa que o indivíduo tem o direito exclusivo de usar e
proteger seu próprio nome. O RCN é o primeiro passo para a proteção jurídica
do nome, abrangendo diversos aspectos legais que visam preservar a
identidade
Juntamente com o direito ao nome encontrar-se o direito à identidade,
que é entendido como a materialização da personalidade jurídica, não se
resume à certidão de nascimento como um mero documento de identificação.
Esta se revela como a efetiva concretização da personalidade jurídica do
indivíduo sendo através dessa certidão, que confere ao cidadão sua
singularidade, um elemento essencial para o exercício de inúmeros direitos e
deveres. Como Diniz (2012) ao citar Kelsen (1962, v.1, p.320) definir como
surgir e o que é essa personalidade jurídica.
Para Kelsen o conceito de sujeito de direito não é necessário para a
descrição do direito, e um conceito auxiliar que facilita a exposição do
direito. De forma que a pessoa natural, ou jurídica, que tem direitos e
deveres, e um complexo destes direitos e deveres, cuja unidade e,
figurativamente, expressa no conceito de pessoa. A pessoa e tao
somente a personificação dessa unidade. Assim sendo, para esse
autor a "pessoa" não e, portanto, um indivíduo ou uma comunidade
de pessoas, mas a unidade personificada das normas jurídicas que
lhe impõem deveres e lhe conferem direitos. Logo, sob o prisma
kelseniano e a "pessoa" uma construção da ciência do direito, que
com esse entendimento afasta o dualismo: direito objetivo e direito
subjetivo. (Kelsen 1962, v.1, p.320 apud Diniz, 2012)
O RCN é o ato formal que oficializa o nascimento de um indivíduo sendo
por meio desse registro que o Estado reconhece e protege os direitos e
interesses da pessoa desde o seu nascimento, registrando suas informações
básicas, como nome, data e local de nascimento, filiação, entre outras
averbações. Através desse registro, estabelece a identidade do indivíduo, mas
também é a base para o exercício de diversos direitos civis, como o direito à
educação, saúde, trabalho e participação na sociedade.
Em relação ao direito à nacionalidade está intimamente ligado ao vínculo
territorial e ao pertencimento do indivíduo. A certidão de nascimento atesta a
naturalidade do indivíduo, sendo prova inconfundível de sua vinculação
territorial e um elemento essencial para a aquisição da nacionalidade. Essa
relação territorial, minuciosamente evidenciada na certidão de nascimento,
desempenha um papel decisivo no pleno exercício dos direitos políticos,
destacando-se o direito de votar e ser votado.
Esse elo, estabelecido desde o nascimento, é fundamental para o
exercício de outros direitos, como Escossia (2019 p.36) ao cita Damatta (2002)
em sua tese diz que o sistema de documentação brasileiro funciona por
encadeamento, e para obter qualquer documento exige-se um documento
anterior, sendo que a certidão de nascimento é o documento fundador.
A cidadania representa a efetivação da participação social, surgindo de
forma imediata posteriormente o RCN, sendo o ponto de partida para o acesso
irrestrito aos direitos civis e políticos. Novelino (2016) traz o seguinte conceito
para cidadania
A cidadania, enquanto conceito decorrente do princípio do Estado
Democrático de Direito, consiste na participação política do indivíduo
nos negócios do Estado e até mesmo em outras áreas de interesse
público. O tradicional conceito de cidadania vem sendo
gradativamente ampliado, sobretudo após a Segunda Guerra
Mundial. Ao lado dos direitos políticos, compreendem-se em seu
conteúdo os direitos e garantias fundamentais referentes à atuação
do indivíduo em sua condição de cidadão. (NOVELINO, 2016, p. 251)
Estado Democrático de Direito, envolve a participação política do
indivíduo nos assuntos do Estado e em áreas de interesse público, ocorrendo
assim a cidadania que vem sido ampliada ao longo do tempo, especialmente
após a Segunda Guerra Mundial.
Essa interconexão entre nacionalidade, cidadania e o registro civil
ilustra a dimensão técnica e culta que permeia a estruturação dos direitos e
deveres do cidadão, delineando não apenas sua identidade legal, mas também
seu papel essencial na sociedade, mantendo uma ligação inseparável na
trajetória individual, confiando ao Estado a permanente responsabilidade de
garantir esses direitos e efetivar sua concretização a todos, proporcionando os
meios adequados para que os cidadãos alcancem uma existência digna.
Portanto, a falta desse registro implica, de forma contundente, na
invisibilidade jurídica do indivíduo. Como enfatizou Novelino.
A consagração expressa da soberania, da cidadania, da dignidade da
pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e
do pluralismo político como fundamentos da República Federativa do
Brasil (CF, art. 1. 0, I a V), sem dúvida, atribui a esses valores
especial significado dentro de nossa ordem constitucional.
(NOVELINO, 2016,p .250)
O direito à dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais,
enraizado na Constituição Federal, experimenta um comprometimento
significativo quando a falta do registro se torna um obstáculo para o exercício
dos direitos e deveres fundamentais. Tendo em vista o que Alexandre de
Moraes (2017) diz
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se
manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que,
somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício
dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a
necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos e a busca ao Direito à Felicidade. (MORAES, 2017)
Nesse contexto, a falta de registro civil não constitui meramente uma
lacuna burocrática, mas sim uma afronta direta aos fundamentos da dignidade
humana e dos direitos fundamentais, destacando a imperiosa necessidade de
agir na eliminação desses empecilhos para assegurar a plena inclusão e
reconhecimento de todos os indivíduos perante a lei.
A relação entre o RNC e os princípios fundamentais do ordenamento
jurídico brasileiro, como visto vai além dos aspectos já mencionados neste
trabalho, estabelecem uma interconexão harmoniosa, exercendo impacto sobre
princípios fundamentais. O RNC transcende a mera formalidade de inscrição
em um livro oficial como vimos este se configura como a pedra angular que
sustenta os pilares dos direitos fundamentais.
É a aprovação que confere identidade, nacionalidade, cidadania e
dignidade à pessoa humana, garantindo a plena participação do indivíduo na
construção de uma sociedade justa e solidária.
Trata-se da chave que desbloqueia a participação plena do indivíduo na
sociedade, reforçando respectivamente sua dignidade e seu status jurídico.
São dados que Escóssia tenta explicitar em sua tese ao afirmar que:
Nas interpretações dos juízes sobre o papel da certidão do
nascimento está explícito o reconhecimento do documento como
acesso a direitos (“Não é só o documento. Eles não conseguem
outros direitos”) e a redução do significado atribuído ao registro como
“definidor” de existência (“como se para existir a pessoa precisasse
de documento”). (ESCOSSIA, 2019, p. 91)
Esta interpretação ressalta a importância na prática da certidão de
nascimento na obtenção de direitos, e ao mesmo tempo em que questiona a
ideia de que para existência está condicionada a um registro formal, levando os
indivíduos que não tem a viverem na obscuridade.

2.2 O SUB-REGITRO DE NASCIMENTO NO BRASIL

A falta de registro de nascimento causa uma série de impedimentos no


exercício de direitos básicos e no acesso a serviços essenciais sendo um
documento fundamental para o exercício pleno da cidadania, pois é por meio
deste que os indivíduos têm acesso a direitos básicos, como educação, saúde,
trabalho e participação política.
Como já foi destacado até aqui, sua ausência resulta no que
denominamos de sub-registro, termo que abrange todos os registros que
ocorrem fora do prazo legal. Contudo, é crucial enfatizar que o sub-registro é,
sobretudo, uma consequência direta da falta do registro de nascimento.
Quando esse ato primordial é negligenciado, instaura-se o sub-registro,
impactando negativamente a plena participação do indivíduo na sociedade e
seu acesso a direitos essenciais.
Oportuno o que diz Escóssia (2019 p.10-27) onde ele traz a seguinte
definição para o sub-registro que são considerados tardios os registros feitos
até três anos depois do nascimento da criança, ela também de maneira definiu
como a falta de registro de nascimento alonga o caminho para obter outros
direitos – outros documentos, escola, atendimento médico.
Como evidenciando o registro civil de nascimento não se resume a um
ato meramente formal; tratando-se do alicerce que sustenta e salvaguarda a
estrutura dos direitos fundamentais, assegurando a identidade, nacionalidade,
cidadania e dignidade da pessoa humana.
No entanto quando esse registro nascimento não ocorre no prazo legal,
passa a ser classificado como sub-registro ou registro tardio configurando-se
como uma invisibilidade jurídica, não apenas priva indivíduos de seu
reconhecimento legal, mas culmina na negação de cidadania e impede o
acesso aos benefícios estatais destinados a salvaguardar a dignidade de todos
os membros da sociedade. Como Cassettari enfatiza
Consultadas as organizações de direitos humanos, revelou-se grande
a preocupação com o número de pessoas sem registro, solicitando-se
que entre as diretrizes elaboradas fosse incluído o registro realizado
logo após o nascimento e que fosse garantida a posse de documento
de identificação e prova do estado civil, permitindo-se, assim, o
exercício dos direitos e o acesso à educação, saúde e emprego.
Todavia, foi na consulta às pessoas que vivem em estado de
pobreza, a qual foi realizada pela organização Aide à Toute Détresse
Quart Monde8, que a relevância do registro e da posse de
documentos para o exercício da cidadania foi demonstrada de
maneira mais crua e concreta. Segundo tal consulta, a população
pobre atribui enorme importância ao direito à posse de documentos
oficiais de cidadania, colocando-o no mesmo patamar de direitos
como alimentação, saúde e educação, pois permite a superação da
situação de exclusão. (CASSETTARI, 2022). Página?
O sub-registro civil de nascimento ser categorizado em duas
modalidades: o sub-registro propriamente dito e o registro tardio ou registros
extemporâneos. O sub-registro ocorre quando o registro não é realizado no ano
do nascimento ou até o fim do primeiro trimestre do ano subsequente,
especialmente aplicável a crianças de até 15 (quinze) meses de idade,
tornando o ato declaratório de registrá-las de menor complexidade. Como
Venosa (2023) mesmo afirma:
De acordo com o art. 50 da Lei de Registros Públicos, todo
nascimento deve ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o
parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de 15 dias,
ampliando-se até três meses para os locais distantes mais de 30 km
da sede do cartório. Nos termos do art. 1.604 do Código Civil,
ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de
nascimento, salvo provando-se erro ou sua falsidade. (VENOSA,
2023) página?
No contexto jurídico, a legislação brasileira trata do registro civil de
nascimento no artigo 50 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). O
não cumprimento desse dever legal pode resultar em consequências
significativas para os indivíduos, incluindo dificuldades na obtenção de
documentos de identificação, acesso limitado a serviços públicos e acentuada
vulnerabilidade a situações de exploração e abuso.
Assim, a compreensão do fenômeno do sub-registro é essencial para
abordar as barreiras enfrentadas por aqueles que não têm seu nascimento
devidamente registrado no prazo estabelecido pela legislação brasileira, como
explana Cassettari,
Deve-se esclarecer, inicialmente, que sub-registro “refere-
se ao conjunto de nascimentos não registrados no mesmo
ano de sua ocorrência ou no primeiro trimestre do ano
subsequente”. ( CASSETTARI, 2022).
O reconhecimento oficial da existência de uma pessoa se dar através
RCN, sendo base para outros documentos que são essenciais ao longo da
vida, quando ocorre o sub-registro, há uma lacuna nessas informações oficiais,
o que pode ter implicações significativas para o indivíduo em questão, podendo
ser causado por diversos fatores, como falta de acesso a serviços de registro
civil, desconhecimento dos procedimentos, desafios logísticos ou, em alguns
casos, por razões culturais.
O registro civil é, inegavelmente, um tema essencial no contexto do
direito, desempenhando um papel fundamental na garantia e proteção dos
cidadãos brasileiros. Surge, assim, a necessidade de direcionar um olhar
especial para os brasileiros que, infelizmente, permanecem "invisíveis",
sofrendo os impactos da ausência de Registro Civil no pleno exercício da
cidadania. As autoras Aimee Bortollo Petrocelli e Cleide Aparecida Gomes
Rodrigues Fermentão argumentam que
A exclusão social, portanto, é uma das consequências
mais intensas vivenciadas pelo sub-registrado de
nascimento e, como desdobramento dessa invisibilidade
social, está, ainda, a violação dos direitos da
personalidade desses indivíduos. (PETROCELLI;
FERMENTÃO 2022, p. 574)
Ao negar o reconhecimento legal da existência de uma pessoa, priva-se
essa pessoa de direitos fundamentais inalienáveis, comprometendo os
princípios fundamentais de justiça e igualdade em nossa sociedade,
culminando, por imediata, da violação da dignidade humana. Indivíduos
desprovidos desse documento podem encontrar-se à margem de serviços
essenciais, sujeitos à marginalização social e, em casos extremos, vulneráveis
a abusos e exploração. Sobre esse entendimento Cassetari traz o seguinte
Em relação ao exercício da cidadania, o combate ao sub-registro é
fundamental, pois “sem registro civil, há a sonegação do primeiro
direito da cidadania”22 que nota é essa?. Afinal, pessoas sem registro não
podem trabalhar com carteira assinada, não recebem nenhum
benefício do Estado, não têm acesso à educação, à saúde ou a
qualquer serviço público indispensável, não têm acesso à Justiça, não
votam nem são votados, não podem contrair matrimônio. A certidão
de nascimento abre as portas ao exercício de todos esses direitos2.
(CASSETTARI, 2022) - que NR é essa?
No próximo capítulo, vamos investigar as complexas redes de
consequências sociais e individuais, buscando compreender e enfrentar juntos
as barreiras que surgem. Na nossa constante busca por uma sociedade mais
justa, inclusiva e protetora dos direitos individuais, contamos com a sua
companhia e reflexão.
Adailma,
Vejo que seu texto melhorou, mas tem problemas de ABNT e tem umas
citações que me soam estranhas com a vinda de NR etc. Vou te aprovar, mas
vou ter uma conversa com seu orientador.

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