2 REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente, é fundamental reconhecer que o registro civil de
nascimento, ao documentar eventos vitais e estabelecer identidades legais, configura-se como uma ferramenta indispensável para a proteção dos direitos fundamentais. Ao longo deste capítulo, demonstraremos que o registro civil é mais do que um simples procedimento burocrático; ele se revela como um alicerce essencial para a aquisição da cidadania, a validação legal da identidade e a plena participação ativa na sociedade. A personalidade somente advém do nascimento com vida, como aduz Venosa (2023). Sendo que através deste registro, os indivíduos obtêm a capacidade de exercer uma série de direitos civis, incluindo, o direito de voto, celebração de casamento, acesso a herança e utilização de serviços públicos (educação, saúde, previdência entre outros). Obter o registro civil de um filho em um cartório, uma prática que se tornou quase comum. No entanto, é necessário destacar que nem sempre esse processo foi tão difundido. A introdução gradual do registro civil laico na vida dos brasileiros ocorreu ao longo dos anos, não representando, em todos os períodos, um direito acessível a todos, ao contrário do cenário contemporâneo. Devido à rotina comum de conviver em uma sociedade em que a maioria das pessoas possui o Registro Civil de Nascimento (RNS), quem vem a ser a base para documentos adicionais ou posteriores como o Registro Geral (RG) e o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e outros. É provável que mutas pessoas ainda não compreendam a significância desse documento. Nesse contexto Fernanda Melo Escossia traz o seguinte pensamento: A apresentação da certidão de nascimento é obrigatória para que o cidadão obtenha seu próximo documento, que costuma ser a carteira de identidade – documento que, além de trazer as informações do registro civil, exige a produção dos dados da biometria de cada um, com a coleta das impressões digitais. A partir daí, sempre com a exigência de contra-apresentação de um documento anterior, normalmente a certidão de nascimento ou a carteira de identidade, outros documentos virão: CPF, carteira de motorista, certificado de reservista (que os cidadãos do sexo masculino recebem quando prestam o serviço militar obrigatório), título de eleitor, passaporte e certidão de óbito. Quando o indivíduo morre, em sua certidão de óbito (também emitida pelos RCPNs), constarão dados de outros documentos seus; quem não tem documentos não tem o nome na certidão de óbitos e é enterrado como indigente, em sepultura sem identificação. (ESCOSSIA, 2019, p. 25) Num cenário que pode parecer improvável à primeira vista, é necessário reconhecer a existência de milhares de pessoas cujos direitos são negados pela falta de acesso a documentação básica. A ausência do registro civil de nascimento, fatalmente implica na ausência de outros documentos como o Registro Geral (RG) e o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), isso configura uma realidade persistente para muitos indivíduos, desse modo, para eles a cadeia destacada por Escóssia não tem início. Nesse sentido Christiano Cassettari (2022) aponta a cidadania brasileira como “uma cidadania outorgada, legitimada, controlada e conferida pelo Estado, que se expressa materialmente por meio de uma série de documentos”. A falta de documentos não só afeta a vida pessoal, mas também é um desafio significativo para o Estado, que precisa garantir a cidadania plena e acesso a serviços essenciais. Detectar esse problema é o primeiro passo para encontrar soluções eficazes e promover a inclusão social.
A obra de Cassettari (2022) enfatiza a importância do Registro de
Nascimento:
Diante dessa exposição, Nelson Jobim sustenta a essencialidade do
registro civil de nascimento para a cidadania, afirmando que “por detrás como pré-requisito para esse conjunto de documentos, como ‘mãe de todos’, está o registro e a certidão de nascimento sem o qual não se obtém os demais” (CHRISTIANO, 2022, p.) ??? Quem é o autor? Cassettari ou Christiano?
Com esse trabalho, busca-se aprofundar na história do RCN no Brasil,
apresentado suas transformações ao longo do tempo. E como a posse desse documento emerge como garantia essencial para assegurar condições básicas necessárias a uma vida digna.
1.1 BREVE HISTÓRICO DO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO NO BRASIL
O Registro Civil de Nascimento, formalizado nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais, é lavrado pelos oficiais de Registro de Pessoas Naturais (RCPN) conforme delegação do poder público (CF, 1988, Art. 236). De acordo com Goncalves (2021), “a responsabilidade do Registro Civil é confiada a indivíduos que recebem autorização do poder público e são conhecidos como Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais”, e seus prepostos, detentores de delegação do poder público para tal finalidade, conforme disposto no artigo 236 da Constituição Federal de 1988: “Os registros civis serão gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei” (BRASIL, 1988, art. 236). Na fase colonial, a Igreja Católica desempenhava o papel central na documentação de eventos vitais, já que o Estado não possuía um sistema formal de registro civil, deixando a responsabilidade sob jurisdição eclesiástica. A obrigatoriedade do registro civil foi estabelecida após a independência em 1822, com a promulgação da Lei de 20 de outubro de 1827 pelo imperador Dom Pedro I. com a Proclamação da República em 1889 e a consolidação do Estado Laico. As responsabilidades pelo registro passaram para autoridades civis, resultando na criação de cartórios em todo o país. Venosa (2023) cita essa fase ao falar da separação e troca de poderes nesse período. A separação do registro civil da Igreja ocorreu pelo Decreto n 9.886, de 7-3-1888; a partir daí várias leis regularam a matéria. Não resta dúvida, porém, de que a instituição do Registro Civil se deve à Igreja Católica, porque foi esta que desde a Idade Média passou a anotar nascimentos, casamentos e óbitos nos livros paroquiais. (VENOSA, 2023) Essa transferência de responsabilidade não apenas refletiu na perpetuação do Estado, mas também estabeleceu um arcabouço jurídico mais alinhado com os princípios de um Estado democrático e laico, consolidando a autonomia das autoridades civis na condução dos registros vitais. Escóssia (2019) descreve essa fase em sua tese ao visitar Makrakis (2000): No Brasil Colônia, o registro de nascimento era lavrado nas paróquias, pouco depois do batismo da criança e, mesmo no Brasil Imperial, só valiam registros religiosos. [...] historicamente, no Brasil, devido à forte ligação entre Igreja e Estado, os registros religiosos nos livros das paróquias tinham valor de prova e perduraram longamente como forma de identificação. O registro civil de nascimento só se tornou ato do Estado na República, com a separação entre Igreja e Estado. Com a lei 1.829, de 1870, o governo imperial determinou a execução do primeiro recenseamento do Império e a organização dos registros de nascimento, casamentos e óbitos para a população em geral. Foi criada a Diretoria Geral de Estatística, responsável pelos trabalhos do censo e pela organização dos quadros anuais dos nascimentos, casamento e óbitos. [...] paralelamente à instituição do registro civil laico o Império Brasileiro concede às instituições cartorárias no Brasil, instituições privadas, a função de efetuar os registros. (ESCOSSIA, 2019, p. 25 apud MAKRAKIS, 2000). Com a promulgação da Constituição de 1988, esse arcabouço legal foi reforçado, atribuindo ao Registro de Nascimento status de direito fundamental para todos os cidadãos. Em conformidade, a Carta Magna de 1988, no artigo 5º, inciso LXXVI, estabelece que 'São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. A Lei 8.935 de 1994, por sua vez, explicita a importância do Registro de Nascimento ao determinar, no artigo 45, que 'São gratuitos os assentos do registro civil de nascimento e o de óbito, bem como a primeira certidão respectiva'. Tanto a Constituição Federal quanto a Legislação Infraconstitucional consagram a gratuidade do Registro Civil como um direito inalienável, reforçando o compromisso do Estado em garantir o acesso a esse serviço essencial para todos os cidadãos. A esse respeito Cassettari (2022) esclarece que: Pelo texto da CF de 1988, a gratuidade se limitaria aos reconhecidamente pobres, o que se extrai do artigo 5º, LXXVI: “são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito”. (CASSETTARI, 2022) Mesmo assim ainda há falhas na emissão deste documento com demostra Escóssia (2019). A certidão de nascimento é gratuita no Brasil desde 1997. No entanto, dados oficiais do IBGE para o ano de 2002 situavam em 20,3% o percentual de sub-registro2, nome técnico para o fenômeno de crianças sem registro de nascimento. (ESCOSSIA, 2019, p. 11) Sabendo-se que a lei em questão Lei nº 6.015/73, não limita-se apenas a RCN, trata-se de Lei de Registros Públicos. É uma legislação fundamental no contexto jurídico brasileiro, pois, estabelece as bases para a organização e funcionamento dos registros que atestam atos civis essenciais à sociedade, além de prever gratuidade para aqueles reconhecidamente pobres. Sua promulgação foi um marco importante para garantir a autenticidade, segurança e publicidade das informações, contribuindo para a transparência e confiabilidade dos documentos oficiais. Desse modo, esta lei abrange uma série de aspectos que acompanham o cidadão desde nascimentos e até o óbito, passando por todas as fases de sua vida cidadã e social. A titulo de esclarecimento a lei em questão elenca os atos realizados nos Cartórios de Registos Civis a saber: Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: I – os nascimentos; II – os casamentos; III – os óbitos; IV – as emancipações; V – as interdições; VI – as sentenças declaratórias de ausência; VII – as opções de nacionalidade; VIII – as sentenças que deferirem a legitimação adotiva (BRASIL, 1973).
No desempenho essencial de assegurar a ordem jurídica e a
efetivação dos direitos, o Poder Judiciário, conforme estabelecido na Lei nº 6.015/1973, assume a incumbência de fiscalizar os cartórios. Assim, é dentro desse contexto normativo que o Poder Judiciário desempenha sua função de guardião da legalidade nos cartórios, assegurando que os procedimentos estejam em conformidade com os ritos legais, promovendo a confiabilidade e segurança jurídica no âmbito dos registros públicos, como é possível observar nos dispositivos legais inscritos nos artigos 2° e 9° da Lei n° 6.015/73. Art. 2º Os registros indicados no § 1° do artigo anterior ficam a cargo dos serventuários privativos nomeados de acordo com o estabelecido na Lei de Organização Administrativa e Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios e nas Resoluções sobre a Divisão e Organização Judiciária dos Estados, e serão feitos: I - o do item I, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro de nascimentos, casamentos e óbitos; II - os dos itens II e III, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro de títulos e documentos; III - os do item IV, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro de imóveis. Enquanto o art.2º indica quem e onde pode confeccionar o RCN conteúdo, o art. 9º dá as limitações á atuação desses agentes e lugares.
Art. 9º Será nulo o registro lavrado fora das horas regulamentares ou
em dias em que não houver expediente, sendo civil e criminalmente responsável o oficial que der causa à nulidade. (Lei nº 6.015/1973, Art. 9°) O Registro Civil de Nascimento é ato que se realiza apenas uma vez, na ocasião do nascimento, mediante a Declaração de Nascido Vivo (DNV) está sujeito a um prazo legal de 15 dias, conforme prescrito no artigo 50 da Lei nº 6.015/1973. Este prazo pode ser prorrogado para até 03 (três) meses em localidades situadas a mais de 30 quilômetros da sede do cartório competente, conforme as palavras de Escóssia. O Sistema de Registro Civil é atualmente regulamentado no Brasil pela Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 e, de acordo com o artigo 50 dessa mesma lei, o registro de nascimento deverá ser realizado nos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), entidades privadas que exercem essa função por delegação do poder público, dentro do prazo máximo de 15 dias, a partir do nascimento da criança. O registro deve ser feito pelos pais, mediante apresentação de seus documentos e da DNV (Declaração de Nascido Vivo), documento emitido pelos hospitais. O prazo pode ser prorrogado por até três meses, para os casos nos quais os lugares de ocorrência do evento distam mais de 30 km da sede do cartório. Depois desse registro nos livros, o cartório de RCPN expede a certidão de nascimento da criança, que se torna, então, o primeiro documento do cidadão brasileiro (ESCÓSSIA, 2019, p. 9). A tese de Fernanda Melo da Escóssia proporciona uma análise profunda e esclarecedora sobre a atual Lei de Registros Públicos, concentrando-se de maneira particular no âmbito do registro de nascimento, ao trazer à luz aspectos relevantes dessa legislação visto que a autora lança uma luz crítica e elucidativa sobre o cenário normativo que rege a formalização do nascimento no contexto jurídico brasileiro. Em meio às diversas regras existentes, o registro civil de nascimento no Brasil, no entanto existem obstáculos que geram a ausência do RCN, sendo a ausência do genitor um desse obstáculos para a realização desse ato fundamental, contribuindo para o fenômeno do sub-registro, se configura como um obstáculo a ser superado sob as disposições do artigo 52 da lei 6.015/73, que traz em seus dispositivo a ordem sucessiva dos que tem a obrigação de fazer a declaração de nascimento, como Maria Helena Diniz aponta: O art. 52 da Lei n. 6.015/73 apresenta uma ordem sucessiva dos que tem a obrigação de fazer a declaração de nascimento. Em regra, e o pai; em sua falta ou impedimento, a mãe, dentro do prazo de 15 dias. Se houver distancia maior de 30 km do cartório, tal prazo será ampliado em até 3 meses (Lei n. 9.053/95, que altera o art. 50 da Lei n. 6.015/73). (DINIZ, 2012 p. 225) Um ponto relevante na fala de Diniz é a flexibilidade tanto em relação ao prazo quando há uma distância superior a 30 km entre o local de nascimento e o cartório. Nesse caso, o prazo para a declaração de nascimento pode ser ampliado em até 3 meses, quanto no que diz respeito a mãe poder assume a responsabilidade de registrar seu filho em caso de ausência ou impedimentos do pai, nota-se que estão levando em consideração circunstâncias práticas, que podem ser possíveis obstáculos para fazer a declaração de nascimento. Portanto, como salientou VENOSA (2023) o Registro Civil da Pessoa Natural, além das finalidades gerais dos registros públicos já delineadas, apresenta a utilidade para o próprio interessado em ter como provar sua existência, seu estado civil, bem como um interesse do Estado em saber quantos somos e qual a situação jurídica em que vivemos. Nesta breve abordagem histórica do RCN, destaca-se não apenas sua evolução normativa, mas também sua importância como instrumento vital na consolidação dos direitos fundamentais. Dando continuidade este trabalho apresentara a relação entre esse instituto jurídico e a promoção dos direitos humanos fundamentais, delineando a importância do registro civil na salvaguarda da dignidade de cada ser humano.
2.2 REGISTRO CIVIL E OS DIREITOS ESSENCIAIS EM PROL DA
DIGNIDADE HUMANA
Vamos falar como o RCN está diretamente ligado aos direitos
fundamentais, especialmente quando se trata de garantir a Dignidade Humana e como o registro de nascimento adequado se torna essencial para proteger os direitos básicos de cada pessoa. De tal modo que ao conectar a dignidade humana com esses direitos, queremos entender como o RCN não só é importante para garantir esses direitos, mas também é essencial para preservação da dignidade de cada pessoa. Ao fazer a correlação da dignidade e os direitos fundamentais não tem como não mencionar o que Cassattari (2022) de forma direta e objetiva pontua: O exercício da cidadania depende do registro civil de nascimento e da documentação básica, pois, em um Estado democrático, tal exercício se manifesta pela participação do cidadão, o que não seria possível na situação de exclusão e até de “inexistência” causada pela falta de documentação e de registro. Assim reconhece o Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unida 1 e já indicou o IBGE: O registro de nascimento, realizado nos Cartórios, representa a oficialização da existência do indivíduo, de sua identificação e da sua relação com o Estado, condições O fundamentais ao cidadão. (CASSATTARI, 2022) Logo o RCN, não apenas oficializa a existência do indivíduo, mas também estabelece sua identificação e relação com o Estado sendo, portanto, essas condições consideradas fundamentais para o pleno exercício da cidadania plena. Em um Estado democrático a participação cidadã é fundamental, sendo, portanto, inviável na ausência de documentos e registro civil, o que pode levar à exclusão do indivíduo e até à sensação de "inexistência" para este. Os princípios fundamentais relativos à Pessoa e à Personalidade expresso no artigo 1º do Código Civil Brasileiro, é um dos pilares da estrutura jurídico nacional. Segundo o Art. 1º da Lei nº 10.406/2002 “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.” Ao passo que o Artigo 2º do desempenha um papel de apresentar o ponto de partida da personalidade civil da pessoa, constituindo-se como uma extensão ponderada da estrutura normativa que regula as relações jurídicas no Brasil ao afirmar que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. No contexto do Registro Civil, o Artigo 2º do CC revela sua importância ímpar ao trazer o instante em que a personalidade civil tem seu início, consolidando a existência jurídica da pessoa natural. Ao nascer com vida e ter seu nascimento registrado, a pessoa natural torna-se sujeito apto a participar integralmente das relações jurídicas. Como Venosa (2023) traz que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” logo a personalidade somente advém do nascimento com vida (VENOSA 2023) O RCN configura-se como um instrumento fundamental para a efetivação da personalidade civil, conferindo-lhe reconhecimento perante a sociedade e o Estado, como se vê, destinam-se os direitos da personalidade a resguardar dignidade humana, cidadania é também uma instituição a qual DINIZ (2012) assim a descreve: É, sobretudo, um conjunto de direitos comuns a todos os membros da sociedade. Se, além dos direitos, a cidadania implica deveres e obrigações, estes não podem, de maneira alguma, ser condições para os direitos da cidadania. Os direitos da cidadania são direitos incondicionais que transcendem e contêm as forças do mercado" (DINIZ, 2012, p. 319) Diante disso, a pessoa é conceituada como o sujeito detentor da capacidade de estabelecer relações jurídicas, adquirindo, por conseguinte, direitos e deveres no âmbito civil, condição aplicável tanto às pessoas naturais quanto às jurídicas. O RCN emerge como elemento decisivo na experiência dos cidadãos brasileiros, conferindo-lhes não apenas o respaldo jurídico dos eventos vitais, mas também a preservação dos direitos individuais. Se essa conclusão é extraída em relação a uma forma restrita de cidadania, como define Dalmo de Abreu Dallari5: “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo”, mais patente se torna quando abordado um conceito mais amplo de cidadania, que a aproxima dos direitos humanos, como propõe Maria Victória de Mesquita Benevides6: “Os direitos da cidadania, também filiados à mesma experiência histórica [dos direitos humanos], são aqueles estabelecidos pela ordem jurídica de um determinado Estado e, juntamente com os deveres, restringem-se aos seus membros; os direitos do cidadão englobam direitos individuais, políticos e sociais, econômicos e culturais e, quando são efetivamente reconhecidos e garantidos podemos falar em ‘cidadania democrática’, a qual pressupõe, também, a participação ativa dos cidadãos nos processos decisórios da esfera pública. (CASSETTARI, 2022) Dessa forma, a instituição do registro civil transcende a mera formalidade burocrática, constituindo a base fundamental que sustenta a edificação de princípios essenciais, tais como identidade, nacionalidade,
cidadania e o direito à dignidade da pessoa humana. Cassettari, ainda
complementa ao informar que: Jurídica e civilmente, a pessoa natural se individualiza por três elementos: nome, domicílio e estado, neste último compreendidos o político (cidadania, nacionalidade e naturalidade), o individual (idade, sexo e capacidade) e o familiar (parentesco/filiação e situação conjugal). (CASSETTARI, 2022) Para ilustrar, a individualidade de um cidadão, advém por meio do RCN, vai muito além de uma simples designação nominal. Esse registro confere ao indivíduo sua singularidade dentro da sociedade, outorgando-lhe a capacidade de se relacionar, contratar, votar e exercer plenamente sua autonomia. Dessa maneira, o registro de nascimento representa o ponto inicial para assegurar o direito à identidade, consolidando, por conseguinte, o princípio da personalidade jurídica. O nome da pessoa natural, como bem explanou o pesquisador Leonardo Brandelli, está marcado por um duplo aspecto. Do ponto de vista público, o uso do nome corresponde à necessidade imperiosa de particularizar e distinguir a pessoa das demais, sendo então obrigatório o seu uso e restritos os casos de alteração. Do ponto de vista privado, o nome é um direito fundamental da pessoa humana, personalíssimo e intimamente relacionado com a sua dignidade e sua privacidade, na medida em que é o signo que a representa, ou seja, um dos modos da expressão do ser humano na família e na sociedade. (CASSETTARI, 2022) O direito ao nome é reconhecido como um direito personalíssimo e inalienável, isso significa que o indivíduo tem o direito exclusivo de usar e proteger seu próprio nome. O RCN é o primeiro passo para a proteção jurídica do nome, abrangendo diversos aspectos legais que visam preservar a identidade Juntamente com o direito ao nome encontrar-se o direito à identidade, que é entendido como a materialização da personalidade jurídica, não se resume à certidão de nascimento como um mero documento de identificação. Esta se revela como a efetiva concretização da personalidade jurídica do indivíduo sendo através dessa certidão, que confere ao cidadão sua singularidade, um elemento essencial para o exercício de inúmeros direitos e deveres. Como Diniz (2012) ao citar Kelsen (1962, v.1, p.320) definir como surgir e o que é essa personalidade jurídica. Para Kelsen o conceito de sujeito de direito não é necessário para a descrição do direito, e um conceito auxiliar que facilita a exposição do direito. De forma que a pessoa natural, ou jurídica, que tem direitos e deveres, e um complexo destes direitos e deveres, cuja unidade e, figurativamente, expressa no conceito de pessoa. A pessoa e tao somente a personificação dessa unidade. Assim sendo, para esse autor a "pessoa" não e, portanto, um indivíduo ou uma comunidade de pessoas, mas a unidade personificada das normas jurídicas que lhe impõem deveres e lhe conferem direitos. Logo, sob o prisma kelseniano e a "pessoa" uma construção da ciência do direito, que com esse entendimento afasta o dualismo: direito objetivo e direito subjetivo. (Kelsen 1962, v.1, p.320 apud Diniz, 2012) O RCN é o ato formal que oficializa o nascimento de um indivíduo sendo por meio desse registro que o Estado reconhece e protege os direitos e interesses da pessoa desde o seu nascimento, registrando suas informações básicas, como nome, data e local de nascimento, filiação, entre outras averbações. Através desse registro, estabelece a identidade do indivíduo, mas também é a base para o exercício de diversos direitos civis, como o direito à educação, saúde, trabalho e participação na sociedade. Em relação ao direito à nacionalidade está intimamente ligado ao vínculo territorial e ao pertencimento do indivíduo. A certidão de nascimento atesta a naturalidade do indivíduo, sendo prova inconfundível de sua vinculação territorial e um elemento essencial para a aquisição da nacionalidade. Essa relação territorial, minuciosamente evidenciada na certidão de nascimento, desempenha um papel decisivo no pleno exercício dos direitos políticos, destacando-se o direito de votar e ser votado. Esse elo, estabelecido desde o nascimento, é fundamental para o exercício de outros direitos, como Escossia (2019 p.36) ao cita Damatta (2002) em sua tese diz que o sistema de documentação brasileiro funciona por encadeamento, e para obter qualquer documento exige-se um documento anterior, sendo que a certidão de nascimento é o documento fundador. A cidadania representa a efetivação da participação social, surgindo de forma imediata posteriormente o RCN, sendo o ponto de partida para o acesso irrestrito aos direitos civis e políticos. Novelino (2016) traz o seguinte conceito para cidadania A cidadania, enquanto conceito decorrente do princípio do Estado Democrático de Direito, consiste na participação política do indivíduo nos negócios do Estado e até mesmo em outras áreas de interesse público. O tradicional conceito de cidadania vem sendo gradativamente ampliado, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. Ao lado dos direitos políticos, compreendem-se em seu conteúdo os direitos e garantias fundamentais referentes à atuação do indivíduo em sua condição de cidadão. (NOVELINO, 2016, p. 251) Estado Democrático de Direito, envolve a participação política do indivíduo nos assuntos do Estado e em áreas de interesse público, ocorrendo assim a cidadania que vem sido ampliada ao longo do tempo, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Essa interconexão entre nacionalidade, cidadania e o registro civil ilustra a dimensão técnica e culta que permeia a estruturação dos direitos e deveres do cidadão, delineando não apenas sua identidade legal, mas também seu papel essencial na sociedade, mantendo uma ligação inseparável na trajetória individual, confiando ao Estado a permanente responsabilidade de garantir esses direitos e efetivar sua concretização a todos, proporcionando os meios adequados para que os cidadãos alcancem uma existência digna. Portanto, a falta desse registro implica, de forma contundente, na invisibilidade jurídica do indivíduo. Como enfatizou Novelino. A consagração expressa da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e do pluralismo político como fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1. 0, I a V), sem dúvida, atribui a esses valores especial significado dentro de nossa ordem constitucional. (NOVELINO, 2016,p .250) O direito à dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, enraizado na Constituição Federal, experimenta um comprometimento significativo quando a falta do registro se torna um obstáculo para o exercício dos direitos e deveres fundamentais. Tendo em vista o que Alexandre de Moraes (2017) diz A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade. (MORAES, 2017) Nesse contexto, a falta de registro civil não constitui meramente uma lacuna burocrática, mas sim uma afronta direta aos fundamentos da dignidade humana e dos direitos fundamentais, destacando a imperiosa necessidade de agir na eliminação desses empecilhos para assegurar a plena inclusão e reconhecimento de todos os indivíduos perante a lei. A relação entre o RNC e os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, como visto vai além dos aspectos já mencionados neste trabalho, estabelecem uma interconexão harmoniosa, exercendo impacto sobre princípios fundamentais. O RNC transcende a mera formalidade de inscrição em um livro oficial como vimos este se configura como a pedra angular que sustenta os pilares dos direitos fundamentais. É a aprovação que confere identidade, nacionalidade, cidadania e dignidade à pessoa humana, garantindo a plena participação do indivíduo na construção de uma sociedade justa e solidária. Trata-se da chave que desbloqueia a participação plena do indivíduo na sociedade, reforçando respectivamente sua dignidade e seu status jurídico. São dados que Escóssia tenta explicitar em sua tese ao afirmar que: Nas interpretações dos juízes sobre o papel da certidão do nascimento está explícito o reconhecimento do documento como acesso a direitos (“Não é só o documento. Eles não conseguem outros direitos”) e a redução do significado atribuído ao registro como “definidor” de existência (“como se para existir a pessoa precisasse de documento”). (ESCOSSIA, 2019, p. 91) Esta interpretação ressalta a importância na prática da certidão de nascimento na obtenção de direitos, e ao mesmo tempo em que questiona a ideia de que para existência está condicionada a um registro formal, levando os indivíduos que não tem a viverem na obscuridade.
2.2 O SUB-REGITRO DE NASCIMENTO NO BRASIL
A falta de registro de nascimento causa uma série de impedimentos no
exercício de direitos básicos e no acesso a serviços essenciais sendo um documento fundamental para o exercício pleno da cidadania, pois é por meio deste que os indivíduos têm acesso a direitos básicos, como educação, saúde, trabalho e participação política. Como já foi destacado até aqui, sua ausência resulta no que denominamos de sub-registro, termo que abrange todos os registros que ocorrem fora do prazo legal. Contudo, é crucial enfatizar que o sub-registro é, sobretudo, uma consequência direta da falta do registro de nascimento. Quando esse ato primordial é negligenciado, instaura-se o sub-registro, impactando negativamente a plena participação do indivíduo na sociedade e seu acesso a direitos essenciais. Oportuno o que diz Escóssia (2019 p.10-27) onde ele traz a seguinte definição para o sub-registro que são considerados tardios os registros feitos até três anos depois do nascimento da criança, ela também de maneira definiu como a falta de registro de nascimento alonga o caminho para obter outros direitos – outros documentos, escola, atendimento médico. Como evidenciando o registro civil de nascimento não se resume a um ato meramente formal; tratando-se do alicerce que sustenta e salvaguarda a estrutura dos direitos fundamentais, assegurando a identidade, nacionalidade, cidadania e dignidade da pessoa humana. No entanto quando esse registro nascimento não ocorre no prazo legal, passa a ser classificado como sub-registro ou registro tardio configurando-se como uma invisibilidade jurídica, não apenas priva indivíduos de seu reconhecimento legal, mas culmina na negação de cidadania e impede o acesso aos benefícios estatais destinados a salvaguardar a dignidade de todos os membros da sociedade. Como Cassettari enfatiza Consultadas as organizações de direitos humanos, revelou-se grande a preocupação com o número de pessoas sem registro, solicitando-se que entre as diretrizes elaboradas fosse incluído o registro realizado logo após o nascimento e que fosse garantida a posse de documento de identificação e prova do estado civil, permitindo-se, assim, o exercício dos direitos e o acesso à educação, saúde e emprego. Todavia, foi na consulta às pessoas que vivem em estado de pobreza, a qual foi realizada pela organização Aide à Toute Détresse Quart Monde8, que a relevância do registro e da posse de documentos para o exercício da cidadania foi demonstrada de maneira mais crua e concreta. Segundo tal consulta, a população pobre atribui enorme importância ao direito à posse de documentos oficiais de cidadania, colocando-o no mesmo patamar de direitos como alimentação, saúde e educação, pois permite a superação da situação de exclusão. (CASSETTARI, 2022). Página? O sub-registro civil de nascimento ser categorizado em duas modalidades: o sub-registro propriamente dito e o registro tardio ou registros extemporâneos. O sub-registro ocorre quando o registro não é realizado no ano do nascimento ou até o fim do primeiro trimestre do ano subsequente, especialmente aplicável a crianças de até 15 (quinze) meses de idade, tornando o ato declaratório de registrá-las de menor complexidade. Como Venosa (2023) mesmo afirma: De acordo com o art. 50 da Lei de Registros Públicos, todo nascimento deve ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de 15 dias, ampliando-se até três meses para os locais distantes mais de 30 km da sede do cartório. Nos termos do art. 1.604 do Código Civil, ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou sua falsidade. (VENOSA, 2023) página? No contexto jurídico, a legislação brasileira trata do registro civil de nascimento no artigo 50 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). O não cumprimento desse dever legal pode resultar em consequências significativas para os indivíduos, incluindo dificuldades na obtenção de documentos de identificação, acesso limitado a serviços públicos e acentuada vulnerabilidade a situações de exploração e abuso. Assim, a compreensão do fenômeno do sub-registro é essencial para abordar as barreiras enfrentadas por aqueles que não têm seu nascimento devidamente registrado no prazo estabelecido pela legislação brasileira, como explana Cassettari, Deve-se esclarecer, inicialmente, que sub-registro “refere- se ao conjunto de nascimentos não registrados no mesmo ano de sua ocorrência ou no primeiro trimestre do ano subsequente”. ( CASSETTARI, 2022). O reconhecimento oficial da existência de uma pessoa se dar através RCN, sendo base para outros documentos que são essenciais ao longo da vida, quando ocorre o sub-registro, há uma lacuna nessas informações oficiais, o que pode ter implicações significativas para o indivíduo em questão, podendo ser causado por diversos fatores, como falta de acesso a serviços de registro civil, desconhecimento dos procedimentos, desafios logísticos ou, em alguns casos, por razões culturais. O registro civil é, inegavelmente, um tema essencial no contexto do direito, desempenhando um papel fundamental na garantia e proteção dos cidadãos brasileiros. Surge, assim, a necessidade de direcionar um olhar especial para os brasileiros que, infelizmente, permanecem "invisíveis", sofrendo os impactos da ausência de Registro Civil no pleno exercício da cidadania. As autoras Aimee Bortollo Petrocelli e Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão argumentam que A exclusão social, portanto, é uma das consequências mais intensas vivenciadas pelo sub-registrado de nascimento e, como desdobramento dessa invisibilidade social, está, ainda, a violação dos direitos da personalidade desses indivíduos. (PETROCELLI; FERMENTÃO 2022, p. 574) Ao negar o reconhecimento legal da existência de uma pessoa, priva-se essa pessoa de direitos fundamentais inalienáveis, comprometendo os princípios fundamentais de justiça e igualdade em nossa sociedade, culminando, por imediata, da violação da dignidade humana. Indivíduos desprovidos desse documento podem encontrar-se à margem de serviços essenciais, sujeitos à marginalização social e, em casos extremos, vulneráveis a abusos e exploração. Sobre esse entendimento Cassetari traz o seguinte Em relação ao exercício da cidadania, o combate ao sub-registro é fundamental, pois “sem registro civil, há a sonegação do primeiro direito da cidadania”22 que nota é essa?. Afinal, pessoas sem registro não podem trabalhar com carteira assinada, não recebem nenhum benefício do Estado, não têm acesso à educação, à saúde ou a qualquer serviço público indispensável, não têm acesso à Justiça, não votam nem são votados, não podem contrair matrimônio. A certidão de nascimento abre as portas ao exercício de todos esses direitos2. (CASSETTARI, 2022) - que NR é essa? No próximo capítulo, vamos investigar as complexas redes de consequências sociais e individuais, buscando compreender e enfrentar juntos as barreiras que surgem. Na nossa constante busca por uma sociedade mais justa, inclusiva e protetora dos direitos individuais, contamos com a sua companhia e reflexão. Adailma, Vejo que seu texto melhorou, mas tem problemas de ABNT e tem umas citações que me soam estranhas com a vinda de NR etc. Vou te aprovar, mas vou ter uma conversa com seu orientador.