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Fármacos que atuam no metabolismo da


7 glicose. Fármacos que regulam o
metabolismo de lipídeos. Fármacos que
impedem a concepção.

Aldo Matos

Introdução

As hiperlipidemias e a diabetes mellitus são as doenças metabólicas mais prevalentes na


população. Considerando que ambas são risco para doenças cardiovasculares, seu
tratamento farmacológico assume grande importância na saúde coletiva.
Todo profissional de saúde atenderá, com certeza, um grande contingente de pessoas com
diabetes e/ou hiperlipidemias e necessitará estar familiarizado com os fármacos utilizados
para o tratamento dessas condições clínicas, e atentos para as reações adversas,
contraindicações e interações medicamentosas.
Dada sua importância no cenário da saúde, a farmacoterapia da diabetes, bem como das
hiperlipidemias tem avançado significativamente. Nesse capítulo serão abordadas as
cotegorias de fármacos e seus represententantes já desenvolvidos até agora.
Também serão abordados os contraceptivos hormonais, os quais inibem a reprodução sem
afetar as funções sexuais. O desenvolvimento dos contraceptivos hormonais representou um
revolução, tanto no controle da natalidade, quanto no controle das mulheres sobre seu próprio
corpo, concedendo definitivamente a elas a decisão de engravidar ou não. Os fármacos
contraceptivos representam, desde então, uma importante ferramenta no planejamento
familiar. Porém, como em qualquer farmacoterapia, existem reações adversas,
contraindicações e interações medicamentosas que devem ser consideradas, e serão
abordadas nesse capítulo.

Objetivos
Ao finalizar o estudo desse capítulo, você deverá ser capaz de:

● Citar as ações gerais da insulina, faltores que a estimulam e fatores que a inibem;
● Identificar os tipos de insulina e diferenciar seu perfil de ação;
● Identificar os efeitos adversos da insulinoterapia;
● Identificar as classes de hipoglicemiantes orais;
● Descrever os mecanismos de ação das classes de hipoglicemiantes orais;
● Identificar os efeitos adversos dos hipoglicemiantes orais;
● Identificar as classes de fármacos utilizados no tratamento das hiperlipidemias;
● Descrever os mecanismos de ação das classes de fármacos utilizados no tratamento das
hiperlipidemias;
● Identificar as reações adversas, contraindicações e interações medicamentosas dos
principais fármacos utilizados no tratamento das hiperlipidemias;
● Indentificar os fármacos utilizados para contracepção hormonal;
● Identificar os sistemas de administração de contracepção oral combinada;
● Identificar as reações adversas, contraindicações e interações medicamentosas dos
fármacos utilizados na contracepção hormonal.

Esquema
7.1 Fármacos que atuam no metaolismo da glicose
7.1.1 Diabetes
7.1.2 Terapêutica com insulina
7.1.3 Hipoglicemiantes orais
7.2 Fármacos que regulam o metabolismo de lipídeos
7.2.1 Dislipidemia
7.2.2 Tratamento Farmacológico da hiperlipidemia
7.3 Fármacos que impedem a concepção
7.4 Conclusão

7.1 Fármacos que atuam no metabolismo da glicose


7.1.1 Diabetes

Diabetes mellitus (DM) é uma doença metabólica caracterizada pela hiperglicemia. Essa é a
doença mais importante que envolve o pâncreas endócrino, e afeta a produção ou ação da
insulina, que é um hormônio com efeito hipoglicemiante. Um adulto tem em torno de um milhão
de células nas ilhotas de Lagerhans, na porção endócrina do pâncreas. Entre elas, têm-se as
células beta, que são responsáveis pela produção de insulina, proinsulina e peptídeo C. Em
uma pessoa diabética não há produção de insulina ou a produção de insulina é diminuída, ou
ainda, a insulina que é produzida não consegue atuar adequadamente.
A diabetes é classificada em tipo 1 (DM1), tipo 2(DM2), diabetes gestacional e outros tipos de
diabetes. Na DM1 ocorre destruição das células beta das ilhotas de Langerhans, ocasionando
deficiência absoluta de insulina. Essa destruição celular pode ser de natureza autoimune ou
idiopática. A DM2 pode ser predominantemente uma resistência a ação da insulina
(resistência insulínica) com deficiência relativa da produção de insulina; ou
preponderantemente uma deficiência na produção de insulina, com ou sem resistência
insulínica. A diabetes gestacional surge durante a gestação e, com os cuidados adequados,
pode ser um quadro transitório. Ouros tipos específicos de diabetes incluem: defeitos
genéticos funcionais das células beta; defeitos genéticos na ação da insulina; doenças do
pâncreas exócrino; endocrinopatias; induzida por fármacos ou agentes químicos; decorrentes
de infecções; formas incomuns de diabetes imunomediadas; outras síndromes genéticas
geralmente associadas ao diabetes.
A insulina é um hormônio proteico que faz parte dos peptídeos que incluem os fatores de
crescimento similares a insulina (IGFs). É produzido na forma inativa de pró-insulina, uma
estrutura composta pela parte ativa- a insulina propriamente dita- ligada ao peptídeo C. A pró-
insulina é empacotada em vesículas no complexo de Golgi, onde é convertida em insulina
ativa, através da separação o peptídeo C.
A secreção da insulina envolve o influxo ou redistribuição de cálcio para ativar o sistema de
microtúbulos e promover a movimentação das vesículas ou grânulos em direção à membrana
celular. A regulação da secreção de insulina está relacionada a vários fatores, entre eles a
glicose e demais nutrientes, hormônios e neurotransmissores- veja o quadro 1.

Quadro 1: Controle da secreção de insulina


Fatores estimulantes Fatores inibidores

● Glicose
● Aminoácidos (arginina, leucina)
● Secretina, pacreozina, GIP
(peptídeo gastroinibidor)
● Ativadores seletivos de ● Estimuladores dos receptores α-
receptores β- isoproterenol exercícios, cirurgias, hipóxia,
queimaduras graves
● Inibidores da monoamino
oxidase ● Β-bloqueadores
● Alfa bloqueadores- fentolamina ● Diazóxido
● Drogas colinomiméticas e ● Somatostatina
estímulo vagal
● Xantinas
● Prostaglandinas
● Sulfoniulureias

Fonte: SILVA (2010, p. 806)

As ações da insulina encontram-se sumarizadas na figura 1 e no quadro 2.


O tratamento do quadro de diabetes pode ser feito com a administração de insulina, quando
o paciente não a produz ou a produção é um muito baixa, especialmente no DM1; ou com
hipoglicemiantes orais, que aumentam a secreção da insulina ou reduzem a resistência
insulínica, sendo adequados para os casos de DM2.

A insulina promove a síntese (a partir de nutrientes circulantes) e o armazenamento de glicogênio,


triglicerídeos e proteínas em seus principais tecidos-alvo: o fígado, o tecido adiposo e o músculo. A
liberação de insulina pelo pâncreas é estimulada por níveis aumentados de insulina, incretina e
estimulação nervosa vagal e outros fatores.
Figura 1: Ações da insulina
Fonte: KATZUNG e TREVOR (2017, p. 727)

Quadro 2: Efeitos endócrinos da insulina

Tecido Catabólicos Anabólicos

Reduz a glicogenólise
Eleva a síntese de glicogêneo
Hepático Reduz a gliconeogênese
Reduz a cetogênese

Eleva a síntese de glicerol e ácidos


Adiposo Reduz a lipólise
graxos

Eleva a captação de aminoácidos


Reduz o catabolisno proteico
Muscular Eleva a síntese de proteínas
Reduz o efluxo de aminoácidos
Eleva a síntese de glicogênio
Fonte: SILVA (2010, p. 807)

7.1.2 Terapêutica com insulina

As insulinas disponíveis no mercado estão na concentração de 100U/mL e são classificadas


quanto a origem (humana, suína, bovina, ou mistura suína/bovina) quanto a pureza e quanto
ao início e duração da ação (ultrarrápida, rápida, intermediária e lenta). Veja, no quadro 3, a
classificação dos principais tipos de insulina, quanto ao início e duração da ação.

A unidade de insulina refere-se a sua potência, que é definida fisiologicamente- uma


unidade é quantidade de insulina necessária para reduzir a glicemia de jejum de um coelho
de 2Kg, de 120mg/dL para 45mg/dL.

Quadro 3: Perfil de ação dos principais tipos de insulina


Pico de Duração (h)
Tipo Ação Início
efeito (h)
2-3
Lispro Rápida 15min 1

Regular ou 4-6
Curta 30min 2-5
simples

18-24
NPH ou lenta Intermediária 1-3h 6-12
Utralenta Prolongada 4-6h 8-20
24-28

Fonte: Adaptado de SILVA (2010, p. 808)

Preparações de ação rápida

Essa categoria inclui a insulina Lispro, insulina aspart e a insulina glulisina.


As insulinas de ação rápida permitem uma reposição prandial de insulina mais semelhante à
fisiológica que a insulina regular, têm a menor variação de absorção e são adequadas para
sistemas de infusão contínua. Por terem início de ação rápida, sã adequadas para
administração logo após a refeição para controlar a glicemia pós-prandial.

Insulina de ação curta

Também chamada de insulina regular, está na forma de hexâmeros que precisam ser
decompostos no líquido intersticial, após a administração subcutânea, para serem absorvidas.
Iniciam a ação em 30 minutos, com pico entre 2 a 3 horas. Comparadas às de ação rápida,
existe o risco de elevação mais rápida da glicemia do que da concentração de insulina,
podendo ocorrer hiperglicemia pós-prandial tardia. Para tentar minimizar esse risco, a insulina
de ação curta deve ser injeta 30 a 45 minutos, ou até mais, antes das refeições.

Insulinas de ação intermediária e de ação longa

Insulina NPH (Protamina Neutra Hagedorn) é uma insulina de ação intermediária que
tem se misturado a lispro, aspart ou glulisina e administrada 2 a 4 vezes ao dia. Em pequenas
doses apresenta picos mais baixos e mais precoces e curta duração, o inverso ocorre com
doses altas. A ação da insulina NPH é imprevisível, e tem grande a variabilidade de absorção.
A variabilidade de sua farmacocinética tem levado ao declínio do seu uso clínico.

Insulina glargina é um análogo da insulina, que não tem pico. Geralmente é


administrada uma vez ao dia e mantém uma concentração basal de insulina reprodutível.
Atinge o efeito máximo em 4 a 6h e o mantém por 11 a 24h. Produz menos hipoglicemia que
a NPH.

Insulina detemir é o análogo de insulina de ação longa com efeito mais reprodutível e
também produz menos hipoglicemia que a NPH. Seu início de ação depende da dose,
variando de 1 a 2 horas, com duração de mais de 12 horas. É administrada duas vezes ao dia
para obtenção de um nível basal uniforme de insulina.

Na figura 2, é possível comparar a cinética da ação das insulinas de ação rápida, curta,
intermediária e prolongada.
Figura 2: Extensão e duração de ação de vários tipos de insulina
Fonte: KATZUNG e TREVOR (2017, p. 728)

Complicações da insulinoterapia

A hipoglicemia é a reação adversa mais comum na insulinoterapia e está associada ao


consumo inadequado de carboidrato, a um esforço físico ao qual o paciente não está
acostumado, ou a uma dose muito alta de insulina.
Além da hipoglicemia, podem ocorrer eventos de mecanismo imunológico, como a alergia a
insulina, que é uma hipersensibilidade do tipo I, ou resistência imune a insulina, que é
decorrente da produção de IgG anti-insulina.
A Lipodistrofia no local de injeção é resultado da destruição do tecido adiposo subcutâneo, e
pode ser evitada, ou pelo menos minimizada, alternando-se frequentemente o local de
administração.

7.1.3 Hipoglicemiantes orais

Os fármacos hipoglicemiantes orais são indicados para o tratamento da DM2. Incluem


primordialmente os fármacos que elevam a secreção de insulina, aqueles que aumentam a
sensibilidade dos receptores para a insulina e também, os que reduzem a absorção de glicose.

Fármacos secretagogos

Esses são fármacos que aumentam a liberação de insulina.

Sulfoniluréias

As sulfoniluréias compõem um grupo de drogas que aumentam a secreção de insulina. Ligam-


se a um receptor de alta afinidade que está associado a um canal de potássio retificador
sensível ao ATP no interior da célula beta, inibindo o efluxo (saída) de íons de potássio através
do canal, despolarizando a célula. Essa despolarização abre um canal de cálcio regulado por
voltagem, resultando em influxo (entrada) de cálcio e liberação de insulina pré-formada.
As sulfoniuréias de primeira geração incluem a tolbutamida, clorpropamida, tolazamida e
acetoexamida, que atualmente são pouco utilizadas na prática clínica. As sulfoniluréias de
segunda geração, mais utilizadas na atualidade, possuem maior afinidade pelo receptor que
as de primeira geração e incluem a glibenclamida, glipizida, glimepirida e a glicazida.

Outros secretagogos de insulina

A repaglinida e a nateglinida são dois outros fármacos que elevam a secreção de insulina
através de mecanismo semelhante ao descrito para as sulfonilureias. A repaglinida superpõe-
se às sulfuniluréias quanto aos sítios moleculares de ação e seu efeito secretagogo é glicose-
dependente, isto é, na ausência de glicose esse fármaco não promove a secreção de insulina.
Assim como a repaglinida, a nateglinida inibe os canais de potássio dependentes de ATP nas
células beta pancreáticas, porém seu efeito hipoglicemiante é menos intenso.
A hipoglicemia é a principal reação adversa nesse grupo.

Hipoglicemiantes orais que atuam sobre o fígado, músculo e tecido adiposo

Biguanidas

A meformina é o representante das biguanidas. Seu mecanismo de ação ainda não está
totalmente esclarecido, mas esse fármaco ativa a enzima proteína-cinase ativada pelo AMP
(AMPK) e reduz a produção hepática de glicose. O resultado é um bom controle da
hiperglicemia de jejum e pós-prandial, com rara ocorrência de hipoglicemia.
Como reações adversas têm-se anorexia, náusea, vômito, desconforto abdominal e diarreia.

Tiazolidinedionas

A pioglitazona e rosigliazona representam esse grupo.


As tiazolidinedionas diminuem a resistência à insulina. Os fármacos desse grupo ligam-se ao
receptor gama ativado por proliferador peroxissômico (PPAR-γ), encontrados no músculo, no
tecido adiposo e no fígado. Os receptores PPAR-γ modulam a expressão dos genes
envolvidos no metabolismo dos lipídeos e da glicose, na transdução de sinais de insulina e na
diferenciação dos adipócitos e de outros tecidos. Os principais efeitos observados são o
aumento da expressão do transportador de glicose (GLUT1 e GLUT4) e a redução dos níveis
de ácidos graxos livres e do débito hepático de glicose.
Não se recomenda o uso desses fármacos em pacientes com doença hepática ativa ou
elevação da alanina aminotransferase (ALT) de 2,5 vezes acima do normal antes do
tratamento.
Entre as reações adversas são relatadas retenção hídrica, redução da densidade óssea
favorecendo fraturas em mulheres, anemia e ganho de peso.

Fármacos que reduzem a absorção de glicose

Essa categoria inclui a acarbose, miglitol e volglibose, cujo mecanismo de ação consiste na
inibição das enzimas α-glicosidases (glicoamilase, α-amilase, sacarase e isomaltase)
reduzindo a absorção de glicose ao retardar a digestão e absorção do amido e dos
dissacarídeos.
As reações adversas são flatulência, diarreia e dor abdominal.

Fármacos com sinergismo com as incretinas

Quando ingerida, a glicose promove a liberação de hormônios intestinais, as incretinas,


principalmente o peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) e o peptídeo insulinotrópico
dependente de glicose (GIP), que amplificam a secreção de insulina induzida pela glicose. O
GLP-1, especificamente, é degradado rapidamente pela dipeptidil peptidase-4 (DPP-4) e por
outras enzimas. Portanto, é possível reduzir a glicemia usando como recurso terapêutico
agonistas do receptor de GLP-1, ou então, inibidores da DPP-4.

Agonistas do receptor de GLP-1

Esse grupo de fármacos inclui exenatida, liraglutida, albiglutida e dulaglutida, cujas reações
adversas mais relatadas são náuseas e vômito.

Inibidores da DPP-4

Fazem parte desse grupo, a sitagliptina, saxagliptina, linagliptina e vildagliptina.


As reações adversas mais frequentes são infecções das vias respiratórias superiores,
nasofaringite, tontura e cefaleia. A sitagliptina deve ser interrompida de imediato se for
constatada a ocorrência de pancreatite ou de reações alérgicas e de hipersensibilidade.

Fármacos inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (SLGT2)

Nos rins, a glicose livre é filtrada no glomérulo e reabsorvida nos túbulos proximais através de
transportadores de sódio-glicose (SLGT). O SLGT2 é responsável pela reabsorção de 90%
da glicose que filtrada. Portanto, a inibição do SGT2 resulta em glicosúria e consequente
redução da glicemia.
Como representantes dessa categoria de hipoglicemiantes orais temos canaglifozina,
dapagliflozina e empagliflozina.
A redução da glicemia chega a ser da ordem de 90 a 110mg/dL. A dapagliflozina não é
recomendada para uso em pacientes cuja taxa de filtração glomerular estimada é inferior a 60
mL/min/1,73 m2. A principal reação adversa é maior risco de infecções genitais e infecções do
trato urinário.

7.2 Fármacos que regulam o metabolismo de lipídeos

7.2.1 Dislipidemia

Dislipidemia é um termo geral que se refere a concentrações anormais de lipídeos no sangue.


Entre as formas de gorduras mais importantes no nosso organismo estão o colesterol e os
triglicerídeos. O colesterol tem relação estreita com a obstrução das artérias e os triglicerídeos
assumem importância como causadores de pancreatite e processos degenerativos dos vasos.
As duas sequelas mais importantes das hiperlipidemias são, portanto, a pancreatite aguda e
a aterosclerose.
A terapia farmacológica das dislipidemias assumiu grande importância desde que foi provado
que doenças como infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca estão diretamente
associados à aterosclerose.
Temos basicamente duas fontes de lipídeos: exógena, representada pelos lipídeos ingeridos;
endógena, representada pela biossíntese de colesterol, que é catalisada pela enzima
hidroximetil glutaril coenzima A redutase (HMG-CoA redutase).
Na corrente sanguínea, os lipídeos são transportados em complexos denominados
lipoproteínas. As lipoproteínas de baixa densidade (LDL), as lipoproteínas de intensidade
intermediária (IDL) e as lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) transportam lipídeos
na parede arterial. A característica comum a elas é conter apolipoproteína (apo) B-100. A
figura 3 apresenta, de forma resumida, o sistema de transporte das lipoproteínas, e a figura 4
apresenta o metabolismo das lipoproteínas de origem hepática.
Gorduras ingeridas são transformadas em quilomícrons no intestino e entram em circulação pelos
linfáticos. Ao deixarem os intestinos, os quilomícrons adquirem a apoproteína C li, desencadeando a
ação na lipase lipoproteica nos capilares. Triglicerídios são liberados degradados em ácidos graxos
livres e glicerol. Quilomícrons remanescentes são removidos pelo fígado. O colesterol dos ácidos
biliares provém das gorduras para ser absorvido pelo intestino. Via endógena. Transporte de
triglicerídios e algum colesterol por VLDL, sintetizada pelo fígado. Ácidos graxos livres das VLDL são
depositados no tecido adiposo e muscular após lipólise pela lipoproteína lipase. As IDL resultantes
seguem duas vias. A maior parte é captada pelos hepatócitos. As restantes perdem triglicerídios e
também a apoproteína E e tomam-se LDL, que é a maior transportadora do colesterol. As LDL entram
no hepatócito ou nas células extra-hepáticas. A capa proteica é removida, e o éster de colesterol é
hidrolisado e liberado como colesterol livre. O colesterol é captado e transportado como HDL, que é
convertido em IDL e retoma para o fígado.
Figura 3: Sistema de transporte das lipoproteínas.
Fonte: SILVA (2010, p. 276)
Metabolismo das lipoproteínas de origem hepática. As setas largas mostram as principais vias. As VLDL
nascentes são secretadas pelo aparelho de Golgi. Elas adquirem lipoproteínas apo C adicionais e apo
E das HDL. As VLDL são convertidas por remanescentes de VLDL (IDL) por lipólise via lipoproteína lipase
nos vasos dos tecidos periféricos. No processo, as apolipoproteínas C e uma porção da apo E são
devolvidas às HDL. Parte dos remanescentes das VLDL é convertida em LDL pela perda adicional de
triglicerídeos e perda de apo E. Uma importante via de degradação das LDL envolve sua endocitose
por receptores de LDL existentes no fígado e nos tecidos periféricos, cujo ligante é a apo B-100. A cor
escura indica ésteres de colesterol, já a cor clara indica triglicerídeos; o asterisco refere-se a um ligante
funcional dos receptores de LDL; os triângulos indicam apo E; e os círculos e quadrados representam
as apolipoproteínas C. AGL, ácido graxo livre; RER, retículo endoplasmático rugoso. (Adaptada, com
autorização, de Kane J, Malloy M: Disorders of lipoproteins. In: Rosenberg RN et al [editors]: The
Molecular and Genetic Basis of Neurological Disease. 2nd ed. Butterworth-Heinemann, 1997.)
Figura 4: Metabolismo das lipoproteínas de origem hepática
Fonte: KATZUNG e TREVOR (2017, p. 604)

7.2.2 Tratamento farmacológico da hiperlipidemia

Além das medidas dietéticas e o exercício físico, que são as primeiras a serem adotadas, o
tratamento farmacológico costuma ser necessário. Os fármacos utilizados no tratamento da
hiperlipidemia incluem os inibidores da HMG-CoA redutase, os fibratos, a niacina, as resinas
de ligação de ácidos biliares e os inibidores da absorção intestinal de esteróis. A figura 5
apresenta os sítios de ação desses grupos de fármacos.
LDL- lipoproteína de densidade baixa; VLDL- lipoproteína de densidade muito baixa; R- receptor de
LDL. Os receptores de LDL são aumentados pelo tratamento com resinas e inibidores da HMG-CoA
redutase.
Figura 5: Sítios de ação dos fármacos utilizados no tratamento das hiperlipidemias.
Fonte: KATZUNG e TREVOR (2017, p. 607)

Inibidores da HMG-CoA redutase

Esse grupo, também conhecido como classe ou família das “estatinas”, inclui a lovastatina, a
atorvastatina, a fluvastatina, a pravastatina, a sinvastatina, a rosuvastatina e a pitavastatina.
Todos esses fármacos são análogos estruturais da HMG-CoA, que inibem a enzima HMG-
CoA redutase, que é uma enzima reguladora da primeira etapa de produção dos esteróis. Seu
melhor efeito é a redução níveis de LDL, em parte porque induzem um aumento dos
receptores de LDL de alta afinidade. Também diminuem a inflamação vascular, colaborando
para estabilizar as lesões ateroscleróticas.
Como efeitos adversos, tem-se observado a elevação das transaminases hepáticas, que são
marcadores de dano hepático e da CPK, que é um marcador de dano muscular. Os pacientes
em uso de estatinas podem queixar de dor muscular, resultante de miosite e rabdomiólise,
que parece ser mais frequente com o uso da sinvastatina.

Fibratos

Esses são fármacos derivados do ácido fíbrico: benzafibrato, clofibrato, etofibrato,


genfibrozila, ciprofibrato.
Essas drogas agem principalmente como ligantes do receptor de transcrição nuclear, o PPAR-
α, suprarregulam em nível de transcrição a Lipase Lipoproteica (LPL), a apo A-I e a apo A-II,
ao mesmo tempo em que infrarregulam a apo C-III, um inibidor da lipólise. Como efeito, tem-
se a redução de até 50% do VLDL e consequentemente dos triglicerídeos, e pequena redução
dos níveis de LDL. A elevação de HDL é pequena, em torno de 10%.
As reações adversas aos fibratos são raras e incluem exantemas, sintomas gastrintestinais,
miopatia, arritmias, hipopotassemia e elevação da concentração plasmática de
aminotransferases ou fosfatase alcalina. Intensificam a ação dos anticoagulantes
cumarínicos, devendo-se atentar para a necessidade de ajuste da dose do anticoagulante. A
rabdomiólise associada ao uso desses fármacos é rara, porém quando associados a
estatinas, eleva-se o risco de miopatia.

Ácido nicotínico

Também conhecido como niacina ou vitamina B3, o ácido nicotínico diminui tanto os níveis de
LDL quanto de triglicerídeos. Sua ação consiste em inibir a secreção hepática de VLDL,
diminuindo assim a síntese de triglicerídeos. Como a LDL é derivado do VLDL, a redução da
concentração de VLDL diminui concentração plasmática de LDL e, consequentemente, de
colesterol.
A reação adversa mais comum à niacina é intenso rubor facial e prurido cutâneo, que surgem
dentro de 1 a 2 horas após a ingestão. Também há relato de ressecamento da pele e mucosas
e acantose nigricans.

<INSERIR EM GLOSSÁRIO>
Acantose nigricans é uma doença da pele, caracterizada por hiperqueratose (excesso de queratina) e
hiperpigmentação (lesões de cor cinza e engrossadas, que dão um aspecto verrugoso )
<FECHAR GLOSSÁRIO>

Resinas de ligação de ácidos biliares

Os ácidos biliares são metabólitos do colesterol que normalmente são reabsorvidos


eficientemente no jejuno e no íleo. As resinas, como o colestipol, a colestiramina e o
colesevelan sequestram os ácidos biliares na luz do intestino, aumentando em até 10 vezes
a sua excreção.
A reação adversa mais comum é a distensão abdominal, que pode ser contornada com maior
ingestão de fibras. A diarreia e a pirose são eventos mais raros. Também é rara a má absorção
de vitamina K, que resulta em hipoprotrombinemia. Pode ocorrer esteatorreia em pacientes
com doença intestinal preexistente ou com colestase. As resinas são contraindicadas para
pacientes com diverticulite.
Esses fármacos podem reduzir a absorção de cardiotônicos digitálicos, diuréticos tiazídicos,
varfarina, tetraciclina, tiroxina, sais de ferro, pravastatina, fluvastatina, ezetimiba, ácido fólico,
fenilbutazona, ácido acetilsalicílico e ácido ascórbico, entre outras drogas. Dentre as resinas
apresentadas, o colesevelam tem a vantagem de não se ligar à digoxina, à varfarina ou aos
inibidores da HMG-CoA redutase.

Importante!
Para evitar a interação na absorção, os outros fármacos devem ser administrados 1 hora
antes ou pelo menos 2 horas depois da resina.

Inibidores da absorção intestinal de esteróis

A ezetimiba é a droga representante desse grupo. Atua sobre a NPC1L1, que é uma proteína
transportadora, inibindo seletivamente a absorção intestinal de colesterol e de fitoesteróis.
Inibe tanto a absorção do colesterol e fitoesteróis provenientes da dieta, quanto a reabsorção
do colesterol excretado na bile.
Usada isoladamente, a ezetimiba reduz em 18% o LDL. Tem ação sinérgica com as estatinas,
e em combinação com algum desses inibidores da HMG-CoA redutase, promove redução de
até 25% a mais do LDL do que usando apenas uma estatina.
A concentração plasmática de ezetimiba aumenta quando associada a fibratos e diminuem
quando é administrado com colestiramina ou outra resina.

7.3 Fármacos que impedem a concepção

A maturidade sexual da mulher é caracterizada pela atividade cíclica nos órgãos sexuais
(ovários e útero) e na hipófise. A figura 6 representa a variação hormonal e os efeitos sobre o
útero e a maturação dos folículos ovarinos nessa atividade cíclica, conhecida como ciclo
menstrual.

FSH- Hormônio folículo-estimulante; LH- Hormônio luteinizante.


Figura 6: O ciclo menstrual
Fonte: KATZUNG e TREVOR (2017, p. 697)

Se você tem dúvida ou não se lembra do ciclo menstrual, faça uma revisão dos seus
estudos de fisiologia da reprodução.

Com o objetivo de anticoncepção, podem ser utilizadas fármacos progestínicos associados


ou não a estrogênios.
Existe uma diversidade de substâncias com atividade estrogênica. Entre os mais usados
estão: etinilestradiol, estradiol micronizado, cipionato de estradiol, valerato de estradiol,
estropipato, quinestrol, clorotrianiseno e a metalenestrila.
As substâncias com ação progestínica incluem: progesterona e derivados- (caproato de
hidroxiprogesterona, acetato de medroxiprogesterona, acetato de megestrol), derivados da
17-etinil testosterona (dimetisterona), derivados da 19-nortestosterona (desogestrel,
noretinodrel, linestrenol, noretisterona, acetato de noretisterona, diacetato de etinodiol e L-
norgestrel)
Segundo Fuchs e Wannmacher (2017), as condições preferenciais para uso de contraceptivos
contendo apenas progestínicos são:
● Enxaqueca, especialmente na presença de sinais focais;
● Mulheres com idade superior a 35 anos, tabagistas ou obesas ou hipertensas ou com
doença vascular;
● História de doença troboembólica;
● Lupus eritmatoso sistêmico com doença vascular, nefrite ou anticorpos
antifosfolipideos;
● Doença cerebroespinhal;
● Contracepção de emergência.

Anticoncepcionais orais combinados.

A maioria das mulheres que escolhem fazer anticoncepção hormonal, preferem os


anticoncepcionais orais. Excetuando as situações listadas por Fuchs e Wannmacher (2017)
que indicam contraceptivos apenas progestínicos, utilizam-se os anticoncepcionais orais
combinados (AOC). Na figura 7 estão esquematizados diferentes sistemas de administração
de AOC. Notem o número de fases (monofásico, bifásico e trifásico) refere-se aos momentos
de variação da concentração das substâncias administradas. Na figura, a concentração da
substância está representada pela espessura da barra.

Figura 7: Diagrama esquemático da administração dos contraceptivos orais combinados

E- estrogênico; P- Progestínico.
Figura 7: Diagrama esquemático da administração dos contraceptivos orais combinados

Existem outras indicações, não contraceptivas, para os contraceptivos orais combinados:


controlar o ciclo menstrual, sangramento uterino anormal, endometriose, hirsutismo, acne,
dismenorreia, interrupção da menstruação.
Os contraceptivos orais têm sua eficácia reduzida pela interação com anticonvulsivantes,
antirretrovirais, rifampicina e hipérico (erva de São João).
Além das situações apresentadas por Fuchs e Wannmacher (2017) nas quais a contracepção
apenas com progestínicos é preferencial, a AOC é contraindicada nas hepatopatias agudas
ou crônicas ativas e na cirrose hepática descompensada. Ressalta-se a contraindicação na
hipertensão arterial, mesmo que controlada.
Os efeitos colaterais leves da contracepção hormonal incluem náuseas, edema e
sangramento uterino de escape (inesperado). Já os efeitos graves incluem tromboembolia,
com aumento do risco para acidente vascular encefálico. Mas, por outro lado reduzem o risco
de câncer endometrial e ovariano e parecem não influenciar o risco para câncer de mama.

7.4 Conclusão

Todo profissional da área de saúde deve ter conhecimento sobre as estratégias


farmacológicas para o tratamento da diabetes mellitus, das hiperlipidemias e também dos
recursos para contracepção hormonal.
O domínio das estratégias de farmacoterapia da diabetes e das dislipidemias requer
conhecimento das vias de metabolismo dos açúcares e dos lipídeos e de suas interações
bioquímicas, que explicam tanto o mecanismo de ação dos fármacos, quanto suas reações
adversas e contraindicações e interações.
A contracepção hormonal, apesar de ser uma importante ferramenta no planejamento familiar,
necessita atenção quanto aos efeitos adversos, especialmente cardiovasculares, e interações
medicamentosas.

Resumo
As hiperlipidemias e a diabetes mellitus são as doenças metabólicas mais prevalentes na
população. Considerado que ambas são risco para doenças cardiovasculares, seu tratamento
farmacológico assume grande importância na saúde coletiva.
As insulinas disponíveis no mercado são classificadas quanto a origem (humana, suína,
bovina, ou mistura suína/bovina), quanto a pureza e quanto ao início e duração da ação
(ultrarrápida, rápida, intermediária e lenta). A hipoglicemia e a lipodistrofia no local de injeção
são os principais efeitos adversos na insulinoterapia. Os fármacos hipoglicemiantes orais são
indicados para o tratamento da DM2. Incluem primordialmente os fármacos que elevam a
secreção de insulina, aqueles que aumentam a sensibilidade dos receptores para a insulina
e também os que reduzem a absorção de glicose.
Os fármacos utilizados no tratamento da hiperlipidemia incluem os inibidores da HMG-CoA
redutase, os fibratos, a niacina, as resinas de ligação de ácidos biliares e os inibidores da
absorção intestinal de esteróis. As reações adversas, contraindicações e interações
medicamentosas varia em cada classe desses fármacos.
Com o objetivo de anticoncepção, podem ser utilizadas fármacos progestínicos associados
ou não a estrogênios. Os anticoncepcionais orais combinados são os mais utilizados. Os
efeitos colaterais leves da contracepção hormonal incluem náuseas, edema e sangramento
uterino de escape (inesperado). Já os efeitos graves incluem tromboembolia, com aumento
do risco para acidente vascular encefálico. Mas, por outro lado reduzem o risco de câncer
endometrial e ovariano e parecem não influenciar o risco para câncer de mama.
Referências
FUCHS, Flávio Danni (Org.). Farmacologia clínica e terapêutica. 5. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2017. 883 p.

KATZUNG, Bertram G. Farmacologia básica e clínica. 13. ed. Porto Alegre (RS): AMGH,
2017. 1046 p.

SILVA, Penildon (Org.). Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,


2010.1325 p.

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