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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000753887

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004728-


92.2019.8.26.0619, da Comarca de Taquaritinga, em que é apelante LOURDES
LEOPOLDINO MICHELIM (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado CREFISA S/A
CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 12ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Por maioria de
votos, deram parcial provimento ao recurso, em conformidade com o voto do 3º Juiz,
ora designado Relator, que integra este acórdão, vencidos o Relator Sorteado e o 2º Juiz,
que negavam provimento ao apelo. Declara voto o Relator Sorteado., de conformidade
com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores TASSO DUARTE DE


MELO, vencedor, CERQUEIRA LEITE, vencido, JACOB VALENTE (Presidente),
SANDRA GALHARDO ESTEVES E CASTRO FIGLIOLIA.

São Paulo, 16 de setembro de 2021.

RELATOR DESIGNADO
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO Nº 1004728-92.2019.8.26.0619
COMARCA: TAQUARITINGA 2ª VARA
APELANTE: LOURDES LEOPOLDINO MICHELIM (JG)
APELADA: CREFISA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS

VOTO Nº 34362

AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO


PESSOAL.

REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Devolução em dobro.


Admissibilidade. Má-fé da instituição financeira na
contratação, faltando com transparência e aplicando taxas de
juros exorbitantes. Má-fé configurada. Art. 42, parágrafo único,
do CDC. Sentença reformada.

DANO MORAL. Publicidade enganosa, falta de transparência


na contratação, flagrante abusividade das taxas de juros e
descontos mensais das parcelas diretamente da conta corrente
do Apelante, comprometendo a sua subsistência. Afronta à
dignidade da pessoa humana. Danos morais caracterizados.
Quantum reparatório fixado em R$ 5.000,00, no caso concreto.
Sentença reformada.

Recurso parcialmente provido

Cuida-se de ação revisional de contrato bancário ajuizada


por LOURDES LEOPOLDINO MICHELIM em face de CREFISA S/A
CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS.
Adota-se o relatório elaborado pelo D. Des. Cerqueira
Leite, Relator Sorteado, que declarará voto vencido ao final:
“A r. sentença a fls. 233/237, cujo relatório
fica incorporado, julgou procedente em parte a
pretensão da autora nos autos de ação revisional de
contrato de empréstimo pessoal, cumulada com
repetição de indébito e indenização por dano moral,
declarando abusivos os juros remuneratórios
praticados pela ré, a serem substituídos pela taxa
média divulgada pelo Banco Central do Brasil para
operações de crédito da mesma espécie no mês de
maio de 2018, condenando-a a restituir de forma
simples o indébito, autorizada a compensação, sem
indenização por dano moral, distribuindo os ônus de
sucumbência, as custas e despesas processuais a
cada demandante que as adiantou e arbitrando
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honorários advocatícios de 10% do valor da


condenação aos patronos da adversária, observada a
gratuidade processual a que faz jus a autora.
Inconformada, a autora interpõe recurso de
apelação, pleiteando a indenização pelo dano moral
em virtude das atribulações causadas pela prática
de juros abusivos reconhecida na r. sentença,
conforme a teoria do desestímulo, sugerindo
R$15.000,00. Também pleiteia que a repetição do
indébito seja com a dobra do art. 42, parágrafo
único, do Código de Defesa do Consumidor, em vista
da má-fé da ré, bem assim a majoração dos
honorários advocatícios nos termos do art. 85, §11,
do novo CPC.
Recurso respondido.”

É o relatório.

O recurso deve ser provido em parte, para condenar a


Apelada CREFISA à repetição em dobro dos valores cobrados em excesso e,
também, à reparação dos danos morais causados a Apelante, porém, em valor
inferior ao postulado.
É notória a prática de cobrança de juros abusivos pela
instituição financeira CREFISA, conforme já decidido por esta 12ª Câmara em
vários outros casos análogos.
Comprovada a abusividade, o percentual excedente deve
ser reduzido ao patamar da taxa média, tal como decidiu a r. sentença.
Discute-se, agora, se é caso de repetição em dobro e de
reparação de danos morais.
Extrai-se da prova documental juntada aos autos que a
Apelante é pensionista (pensão por morte previdenciária) e aufere
mensalmente a modesta quantia de R$ 998,00, conforme históricos de crédito
do INSS (fls. 27/29).
Os referidos históricos demonstram que a Apelante já
tinha sua remuneração comprometida com vários outros empréstimos
consignados e RMC.
Não obstante o comprometimento da capacidade
financeira da Apelante para honrar com os empréstimos já contratados, o
Banco-apelado firmou com ela empréstimo com desconto direto em conta
corrente, no valor de R$ 1.414,68, para pagamento em 12 parcelas de R$
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300,39, com taxa de juros de 18,50% a.m. e 666,69% a.a., ou seja, valor
correspondente a praticamente 30% da pensão da Apelante, fora os outros
empréstimos consignados contratados em seu nome.
Não há como ignorar que a Apelada tinha plena ciência
de que o referido empréstimo, com taxa de juros notoriamente abusiva, tolheria
a Apelante de valores mensais significativos para a sua subsistência, com
inequívoca ofensa à dignidade da pessoa humana.
A notória publicidade agressiva da instituição financeira
Apelada, aliada à falta de transparência quanto aos encargos contratados em
comparação com a média de mercado, foram fatores decisivos para que a
Apelante, pessoa simples e de baixa renda, firmasse empréstimo com
características de consignado, minimizando o risco da operação para o credor,
como visto acima a taxas flagrantemente abusivas, comparáveis aos
encargos de cartão de crédito, os mais altos do país (quiçá do mundo!).
Tais circunstâncias, por conseguinte, afrontam a
dignidade da Apelante e configuram a má-fé da Apelada, autorizando a sua
condenação à repetição em dobro dos valores cobrados a maior.
As mesmas circunstâncias, especialmente o
comprometimento da subsistência da Apelante, autorizam a condenação da
Apelada à reparação dos danos morais.
Ante a simplicidade e vulnerabilidade da Apelante, fica
claro que a agressividade da prática comercial da instituição financeira visa
apenas o lucro na concessão de empréstimos a juros abusivos, sem se
preocupar com o prejuízo à subsistência dos seus clientes.
Portanto, ofendida a dignidade da Apelante, restam
configurados os danos morais.
Quanto ao valor dos danos morais, embora a lei não
estabeleça parâmetros para a sua fixação, impõe-se observar critérios de
razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a arbitrá-lo de forma moderada,
em montante que não seja irrisório a ponto de não desestimular o ofensor, e
nem que seja excessivo a ponto de configurar instrumento de enriquecimento
sem causa.
Na espécie, levando-se em conta as peculiaridades do
caso concreto, ponderando-se que a Apelada, mesmo diante de evidente
prática abusiva, contratou outro empréstimo, arbitra-se em R$ 5.000,00 (cinco
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mil reais) o quantum reparatório, suficiente para amenizar os danos morais


sofridos pela Apelante e desestimular a reiteração de condutas ilícitas
análogas pela Apelada.
Acolhidos os pedidos deduzidos na petição inicial, a
Apelada deve ser condenado ao pagamento integral do ônus da sucumbência,
consoante Súmula 326 do STJ.

Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao


recurso, com a reforma parcial da r. sentença, para: (i) condenar a
Apelada à repetição em dobro do indébito, conforme apurado em fase de
liquidação de sentença por simples cálculos, devendo incidir correção
monetária pela Tabela Prática deste E. Tribunal, a partir de cada cobrança
indevida, e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a contar da
citação; e (ii) condenar a Apelada ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais), a título de danos morais, corrigidos monetariamente a partir da
data de publicação deste v. acórdão e acrescido de juros de mora de 1%
ao mês, a contar da citação.
Condena-se a Apelada ao pagamento das custas,
despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre
o valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º, do NCPC.

TASSO DUARTE DE MELO


Relator Designado
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Voto nº 37.272
Apelação Cível nº 1004728-92.2019.8.26.0619
Comarca: Taquaritinga
Apelante: Lourdes Leopoldino Michelim
Apelado: Crefisa S/A Crédito, Financiamento e Investimentos

DECLARAÇÃO DE VOTO

Julgada procedente em parte a pretensão


revisional, e modulados os juros remuneratórios à taxa
média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil
para empréstimos da mesma natureza, não há abalo moral a
ser indenizado, a se considerar que a autora contratou com
a ré, a despeito dos juros por ela praticados, e não teve
o zelo de buscar alternativa mais econômica no mercado
financeiro.

É preciso cuidar a fim de que o instituto do


dano moral não seja banalizado se invocado diante de
singelo melindre.

Wilson Melo da Silva exemplifica que os


danos morais são "os decorrentes de ofensas à honra, ao
decoro, à paz interior de cada qual, às crenças íntimas,
aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade,
à vida, à integridade corporal" ("O Dano Moral e sua
Reparação", Ed. Forense, 1983, 3ª ed., pág. 2).

Antônio Chaves, por sua vez, pondera que a


reparação do dano moral não significa o "reconhecimento de
que todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade
exacerbada, toda exaltação ao amor-próprio" dê azo a
pedidos de indenização ("Tratado de Direito Civil", Ed.
Revista dos Tribunais, 1985, vol. III, pág. 637).

Essa é a orientação que se vai consolidando


nos pretórios, do contrário haverá a vulgarização do dano
moral.

No Col. STJ, ao proferir voto no REsp


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215.666-RJ, o Min. Cesar Asfor Rocha ressaltou que: "O


mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano
moral, mas somente aquela agressão que exacerba a
naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições
ou angústias no espírito de quem ela se dirige" (RSTJ
150/382).

Num precedente da 3ª Turma do mesmo


sodalício, relatora a Min. Nancy Andrighi, REsp 324.629-
MG, apreciou-se a matéria do dano moral sob o influxo do
Código de Defesa do Consumidor, contanto que apto a
ocasionar dor, vexame, sofrimento ou humilhação, além da
esfera do mero dissabor ou aborrecimento (RT 818/168).

Sérgio Cavalieri Filho, na monografia


"Programa de responsabilidade civil", Ed. Malheiros, 2003,
4ª ed., pág. 98, faz considerações sobre o tema: "O que
configura e o que não configura dano moral? (...)
ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e
da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos,
agora, o risco de ingressar na fase da sua
industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera
sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca
de indenizações milionárias”.

E prossegue: "Este é um dos domínios onde


mais necessárias se tornam as regras da boa prudência, do
bom-senso prático, da justa medida das coisas, da
criteriosa ponderação das realidades da vida. Tenho
entendido que, na solução dessa questão, cumpre ao juiz
seguir a trilha da lógica do razoável, em busca da
concepção ético-jurídica dominante da sociedade. Deve
tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual
distância do homem frio, insensível, e o homem de
extremada sensibilidade".

Feita essa digressão, a escolha da autora ao


contratar com a ré e sujeitar-se aos juros praticados por
ela é algo natural às coisas do cotidiano, cuja única
solução passa pela revisão da taxa contratada e a
repetição do excesso, sem desbordar para o campo da honra
subjetiva.

No que se refere à repetição com a dobra do


Código de Defesa do Consumidor, improcede a pretensão,
visto que a aplicação do art. 42, parágrafo único, do
Código de Defesa do Consumidor é sistemática com o art.
940 do Código Civil, ou art. 1.531 do Código Civil
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revogado quando já predominava a orientação de que a


condenação à dobra só se admite diante de inconcussa e
irrefragável má-fé.

Roberto Rosas, depois de transcrever o


enunciado da Súmula n. 159 do Excelso Pretório (“Cobrança
excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art.
1.531 do Código Civil”), expõe que: “O art. 1.531 do
Código Civil quer atingir aquele que pedir mais do que for
devido. Como observa Clóvis, é outra pena civil imposta ao
que tenta extorquir o alheio, sob color de cobrar dívidas
(Comentários, v. 5/240).

“Washington de Barros Monteiro, analisando


esse dispositivo, assinala que, sem prova de má-fé da
parte do credor, que faz a cobrança excessiva, não se
comina a referida penalidade. A pena é tão grande e tão
desproporcionada que só mesmo diante de prova inconcussa e
irrefragável de dolo deve ser aplicada (Curso, v. 5/432).

“A jurisprudência do STF mais recuada não


discrepava dessa orientação. Assim no RE 3.755, Rel. Min.
Waldemar Falcão (Otávio Kelly, Interpretação do Código
Civil no STF, v. 2º/115): 'Os casos de 'plus petionibus'
têm sido considerados como aspecto de ato ilícito, pelo
quê a jurisprudência se orienta no sentido de somente
reconhecer legítima a aplicação da penalidade do art.
1.531 do Código Civil se provados o dolo, a má-fé ou culpa
grave da parte do credor que reclama, judicialmente,
dívida já paga'.

“Outro acórdão, da lavra do Min. Laudo de


Camargo: 'Não há lugar para aplicação do art. 1.531 do
Código Civil quando a parte procede por equívoco, e não
por malícia' (Prado Kelly, ob. cit., p. 116) (RE 79.558,
RTJ 86/515)” (Roberto Rosas, “Direito Sumular. Comentários
às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça”, Malheiros Editores, 9ª ed., 1998).

Expressiva jurisprudência mais recente exige


que o devedor prove a malícia ou dolo do autor da ação,
caso contrário não serão aplicadas as sanções cominadas
nos arts. 939 e 940 do Código Civil, pois a aplicação pura
e simples criaria graves entraves ao direito de ação, pelo
receio de credores quanto à aplicação das penalidades
(STJ, 3ª T., REsp 184.822-SP, rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, j. 14.10.99; STJ, 3ª T., REsp 171.393-SP,
rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.8.99; STJ,
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3ª T., REsp 99.683-MT, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j.


25.11.97).

Na hipótese em reexame os juros


remuneratórios foram contratados por opção da autora, no
seu interesse. Isso é o suficiente ao afastamento da má-fé
como pressuposto da dobra.

Desprovido o recurso da autora, a


sucumbência permanece recíproca, daí porque, ela e a ré
suportarão as custas e despesas processuais que
adiantaram, os honorários advocatícios mantidos como
arbitrados pela r. sentença, ressalvada a gratuidade
processual a que faz jus a autora.

Diante do exposto, nega-se provimento ao


recurso, mantidos os ônus de sucumbência e os honorários
advocatícios arbitrados pela r. sentença, observada a
gratuidade processual a que faz jus a autora.

CERQUEIRA LEITE
Relator Sorteado
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