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3 Aula - Texto Complementar
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TEXTO COMPLEMENTAR
EXAME PSÍQUICO1
O exame psíquico ou exame do estado mental atual insere-se no contexto da avaliação clínica global do
paciente. Tradicionalmente, o campo da avaliação clínica é coberto pela semiologia médica e, no caso em
particular dos transtornos mentais, pela semiologia psiquiátrica. Por semiologia entende-se o estudo dos
sintomas e sinais das doenças, estudo este que permite ao profissional de saúde identificar alterações físicas
e mentais, ordenar os fenômenos observados, formular diagnósticos e empreender terapêuticas (Sá Júnior,
1988). Os signos e sinais mais importantes para a psicopatologia são os sinais comportamentais objetivos,
verificáveis pela observação direta do paciente, e os sintomas, isto é, as vivências subjetivas relatadas pelos
pacientes, suas queixas, aquilo que o indivíduo experimenta e, de alguma forma, comunica a alguém (Delgado,
1969). A coleta desses sinais e sintomas requer habilidade sutil em formular perguntas adequadas para o
estabelecimento de relação produtiva e a consequente identificação dos signos da doença mental. Neste
sentido, é fundamental o “como” e o “quando” fazer as perguntas, assim como o modo de interpretar as
respostas e a decorrente formulação de novas indagações. De grande importância também é a observação
minuciosa, atenta e perspicaz do comportamento do paciente, o conteúdo de seu discurso e seu modo de falar,
sua mímica, postura, vestimenta, a forma como reage, seu estilo de relacionamento com o entrevistador, assim
como com outros pacientes e com seus familiares.
1 LOUZÃ NETO, Mario Rodrigues; ELKIS, Hélio (org). Psiquiatria Básica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 122-127. (TEXTO ADAPTADO).
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8. Linguagem: Alterações orgânicas da linguagem: afasias, alexias, agrafias. Nas afasias de expressão, há
diminuição da fluência verbal e frequentes erros gramaticais, sendo a compreensão preservada. Nas afasias
de compreensão, há fluência normal ou aumentada, a fala é incompreensível e o paciente não entende o que
lhe dizem. Alterações psiquiátricas da linguagem: inibição da linguagem, mutismo, loquacidade (aumento do
fluxo sem incoerência), logorréia (aumento do fluxo com incoerência), perseverações verbais, ecolalia,
mussitação, neologismos.
9. Juízo de realidade: Identificar se o juízo falso é ideia prevalente por importância afetiva, crença cultural ou
verdadeiro delírio. Descrever as características do delírio: simples – um tema único, ou complexo – vários temas
entrelaçados; sistematizado – organizado, ou não sistematizado. Verificar o grau de convicção, a extensão do
delírio (em relação às várias esferas da vida), a incompatibilidade com a realidade, a pressão (para agir) e a
resposta afetiva do paciente ao seu delírio.
10. Afetividade: Estado de humor basal, emoções e sentimentos predominantes. Descrever o humor
(depressivo, eufórico, irritado, exaltado, pueril, ansioso, apático). Verificar se o paciente tem fobias simples (de
pequenos animais, objetos cortantes, etc.), fobias sociais (falar em público, falar com pessoas “mais
importantes”, ir a festas, etc.), ou agorafobia (fobia de conglomerações, supermercados, estádios,
congestionamentos, etc.). Verificar se o paciente já teve crises de pânico.
11. Volição: Processo volitivo: fase de intenção ou propósito, deliberação, decisão e execução. Verificar se o
paciente realiza atos volitivos normais ou apresenta atos impulsivos (“curto circuito” do ato volitivo). Verificar se
há redução da vontade (hipobulia = diminuição ou abulia = incapacidade). Diferenciar os atos impulsivos
(descontrole, faltam as fases de deliberação e a decisão) dos atos ou rituais compulsivos (“obrigação” de
realizar o ato). Observar se há negativismo (recusa automática em interagir com as pessoas, com o ambiente).
12. Psicomotricidade: Lentificação ou aceleração, estereotipias motoras (ações repetitivas ou ritualísticas
vindas do movimento, da postura ou da fala), maneirismos (gesticulação artificial, exagerada ou ritualística de
movimentos corporais), ecopraxias (repetição involuntária ou a imitação dos movimentos de outras pessoas).
Se houver agitação psicomotora tentar caracterizar (agitação maníaca, confusional, paranoide, epilética, etc.),
assim como se houver quadro de estupor (falta de resposta em que a pessoa somente pode ser despertada
com estímulo físico vigoroso), tentar caracterizar o seu tipo (estupor depressivo, esquizofrênico catatônico,
psicogênico ou orgânico).
13. Inteligência: Verificar se há retardo mental leve ou “limítrofe” (pode estudar até 6ª ou 7ª série, pode ser
independente, mas tem problemas com leitura e escrita, dificuldades com conceitos abstratos); retardo mental
moderado: consegue estudar apenas até 1ª ou 2ª série e consegue realizar, no máximo, tarefas práticas simples
estruturadas.
14. Personalidade: Descrever a personalidade ao longo da vida. Lembrar que a personalidade caracteriza-se
por ser estável, duradoura e corresponde ao modo de ser do indivíduo após a adolescência, nas suas relações
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interpessoais e nas formas de reagir ao ambiente. Os traços e alterações devem estar presentes mesmo fora
dos episódios psiquiátricos.
15. Vivencia do tempo e do espaço 3: Pacientes com esquizofrenia, sobretudo em surtos agudos, apresentam
importantes alterações da vivência do tempo. Pode-se descrever tais alterações como fundadas na
desarticulação e quebra do aspecto natural, pré-reflexivo, que caracteriza a vivência normal do tempo. A
experiência temporal em pessoas com esquizofrenia, sobretudo nos períodos de agudização, é marcada pela
fragmentação, que se verifica pela alteração da percepção do fluir do tempo, bem como por vivências anormais,
como déjà vu (estranha sensação desencadeada num indivíduo que faz com que ele sinta que já presenciara
ou estivera naquela mesma específica situação em que se encontra agora pela primeira vez) e déjà vecu (já
vivido) e estranhamento do tempo passado e futuro, relacionados a delírios e alucinações (Stanghellini et al.,
2016). Alguns pacientes com esquizofrenia experimentam certa passividade em relação ao fluir do tempo;
sentem que sua percepção temporal é controlada por uma instância exterior ao seu Eu. Outros, geralmente
mais graves, sofrem verdadeira desintegração da sensação do tempo e do espaço. As alterações das vivências
do tempo, de modo geral, estão associadas a alterações da experiência do self, marcantes na esquizofrenia
(Stanghellini et al., 2016). A vivência do espaço no indivíduo em estado maníaco é a de um espaço
extremamente dilatado e amplo, que invade o das outras pessoas. O paciente desconhece as fronteiras
espaciais e vive como se todo o espaço exterior fosse seu. Esse espaço não oferece resistências ao seu eu.
Nos quadros depressivos, o espaço exterior pode ser vivenciado como muito encolhido, contraído, escuro e
pouco penetrável pelo indivíduo e pelos outros. Já o paciente com quadro paranoide vivencia seu espaço
interior como invadido por aspectos ameaçadores, perigosos e hostis do mundo. O espaço exterior é, em
princípio, invasivo, fonte de perigos e ameaças. No caso do indivíduo com agorafobia, o espaço exterior é
percebido como sufocante, pesado, perigoso e potencialmente aniquilador.
16. Finalmente, deve-se descrever as impressões subjetivas e os sentimentos despertados no entrevistador
pelo paciente e seus familiares (sentimentos contratransferenciais), se o paciente é crítico em relação aos seus
sintomas e se ele identifica-os como algo anormal ou patológico. Também avaliar se há desejo de ser ajudado
ou se o paciente rejeita o profissional de saúde mental.
17. Súmula do exame: Ao final, o exame psíquico (assim como toda a anamnese) deve ser redigido com
linguagem clara, simples, precisa e compreensível.
3 DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019, p.100.
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AGRUPAMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS
De forma prática, pode-se ordenar as funções psíquicas observadas no exame do estado mental em três
grupos. Cada um desses grupos seria, grosso modo, mais indicativo de que tipo de alteração pode estar
envolvida no quadro clínico. Assim, alterações de consciência, orientação e memória costumam ocorrem em
quadros psico-orgânicos. Entretanto, alterações do humor, dos sentimentos e da vontade ocorrem quase
sempre nos transtornos neuróticos, da personalidade e somatoformes. Já alterações do pensamento, da
percepção sensorial e do juízo de realidade tendem a ocorrem mais visivelmente nos quadros psicóticos.
Obviamente, essa “ordenação” aqui proposta é imperfeita e só se justifica por seus fins práticos.
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