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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA PARAÍBA

5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL

Processo Nº : 2002011035507-6
Natureza : Ação Ordinária
Autor(a) : EVANILSON DO NASCIMENTO
Réu : MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA

SENTENÇA

ADMINISTRATIVO. Contrato de prestação de


serviço. Artifício. Ingresso no serviço público.
Ausência de concurso. Nulidade. Decadência.
Inexistência. Reintegração. Descabimento. Verbas
contraprestacionais devidas. Direitos
fundamentais sociais. Vedação do Enriquecimento
sem causa. Procedência parcial do pedido.

Vistos, etc.

EVANILSON DO NASCIMENTO, qualificado nos autos,


através de advogado, apresentou demanda em face do Município de João Pessoa,
objetivando:
a) Reintegraçã o à s funçõ es que exercia;
b) Indenizaçã o por férias vencidas;
c) Terço de férias sobre as férias devidas;
d) 13º salá rio;
e) Restituiçã o do ISS cobrado sobre seus vencimentos.

Alega, em resumo, que foi contratado em 1º de


fevereiro de 2005 para exercer a funçã o de auxiliar de serviços e dispensado sem
justificativa em dezembro de 2010. No entanto, nã o percebeu quaisquer das
verbas pleiteadas.

Argumenta que em virtude do prazo decorrido sua


situaçã o foi estabilizada, haja vista que ultrapassou o prazo decadencial de cinco
anos para a Administraçã o Pú blica anular seus pró prios atos, nos termos previstos
no art. 55 na Lei 9.784/99.

1
Além disso, foi cobrado ISS sem previsã o legal e jamais
foram deferidas férias, terço de férias e 13º salá rio.

Juntou documentos fls.

Citado (fl.), a parte promovida apresentou contestaçã o,


pugnando preliminarmente pela prescriçã o quinquenal. No mérito, aduz que a
parte autora foi contratada temporariamente nos termos autorizados pelo art. 11
da Lei 6.611/91. No entanto, foi continuado indevidamente, ofendendo o art. 37, II,
da CF/88. Assim, por falta de concurso pú blico, é nulo de pleno direito o contrato
estabelecido com a parte autora, nã o havendo estabilidade. Argumenta, por fim,
que o FGTS é indevido, haja vista que nã o se aplica o regime celetista, ressaltando a
inconstitucionalidade do art. 19-A da Lei 8.036/90.

Nã o apresentou documentos.

Apresentada réplica (fls.).

É o relatório.

PASSO AO JULGAMENTO.

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

Apesar de a causa nã o ser exclusivamente de direito,


nã o observo a necessidade de produçã o de provas em audiência.

Deste modo, apresenta-se como dever o julgamento


antecipado da lide, conforme previsto no Có digo de Processo Civil, expressamente:

Art. 330 do CPC. O juiz conhecerá diretamente do pedido,


proferindo sentença:

I - quando a questã o de mérito for unicamente de direito, ou,


sendo de direito e de fato, nã o houver necessidade de produzir
prova em audiência;(...)

DA PRESCRIÇÃO

2
O prazo prescricional para cobrança de débitos perante
a Fazenda Pú blica, mesmo o FGTS 1, encontra-se previsto no longínquo, mais ainda
vigente, Decreto nº 20.910/32, que prevê:

Art. 1º. As dívidas passivas da Uniã o, dos Estados e dos


Municípios, bem como assim todo e qualquer direito ou açã o
contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for
a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data
do ato ou fato do qual se originaram.

Analisando os autos, observo que houve citaçã o vá lida,


deste modo, a interrupçã o do prazo prescricional retroage à data da propositura
da açã o (art. 219, § 1.º, do CPC) que, no caso em epígrafe, ocorreu em
30/08/2011.

O vínculo do(a) autor(a) com a promovida ocorreu em


01/02/2005(conforme declarado) e foi rompido em dezembro de 2010.

Diante disso, em funçã o da regra do art. 1º do Decreto


20.910/322, os créditos cobrados anteriores a 30/08/2006, foram atingidos pela
prescrição.

Posto isto, declaro3 a prescrição de todas as eventuais


verbas anteriores a 30/08/2006.

DO MÉRITO

QUANTO AO CONTRATO NULO E ALEGADA


DECADÊNCIA

O Município em sua contestaçã o alega que o autor foi


1
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS. COBRANÇA EM FACE DA FAZENDA PÚ BLICA.
PRAZO PRESCRICIONAL. PREVALÊ NCIA DO DECRETO 20.910/32. O Decreto 20.910/32, por ser
norma especial, prevalece sobre a lei geral. Desse modo, o prazo prescricional para a cobrança de
débito relativo ao FGTS em face da Fazenda Pú blica é de cinco anos. Aplica-se, por analogia, o
disposto na Sú mula 107 do extinto TFR: "A açã o de cobrança do crédito previdenciá rio contra a
Fazenda Pú blica está sujeita à prescriçã o qü inqü enal estabelecida no Decreto nº 20.910, de 1932".
Nesse sentido: REsp 559.103/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16.02.2004. 2. Ressalte-se que
esse mesmo entendimento foi adotado pela Primeira Seçã o/STJ, ao apreciar os EREsp 192.507/PR
(Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 10.03.2003), em relaçã o à cobrança de contribuiçã o previdenciá ria
contra a Fazenda Pú blica. 3. Recurso especial provido. (Recurso Especial nº 1107970/PE
(2008/0263140-4), 1ª Turma do STJ, Rel. Denise Arruda. j. 17.11.2009, unâ nime, DJe 01.12.2009).
2
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito
ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em
cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram.
3
CPC, art. 219, § 5º (prescrição ex officio).

3
contratado com base na Lei Municipal 6.611/91, de forma temporá ria, para
atender necessidade excepcional.

Todavia, nã o foi apresentado aos autos o referido


contrato. Na realidade, pelos contracheques apresentados (fls. 11/31), se extrai
que o vínculo do autor com a administraçã o foi firmado por meio de um atípico
contrato de prestaçã o de serviços (contrato administrativo comum), inclusive,
gerando cobrança de ISS.

Pela funçã o que desempenhava (auxiliar de serviços),


típica de servidores do quadro, resta clara a nulidade do contrato (já reconhecida
administrativamente), utilizado com artifício ao meio regular de ingresso no
serviço pú blico, através de concurso pú blico.

Ocorre que esta nulidade jamais se convalida. O art. 37,


II, § 2º, da CF/88 apresenta regra de nulidade do ingresso no serviço pú blico sem
concurso, de maneira que o art. 54 da Lei 9.784/99 nã o pode excetuá -la, sob pena
de incorrer em flagrante inconstitucionalidade. Este dispositivo deve ser
interpretado conforme a Constituiçã o, excluindo sua aplicaçã o na hipó tese de
ingresso no serviço pú blico sem concurso.

Em sentido semelhante, veja-se:

“Esta Corte rejeita a chamada "teoria do fato consumado".


Precedente: RE 120.893/AgR. 4. Incidência da primeira
parte da Sú mula STF nº 473: "a Administraçã o pode anular
seus pró prios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles nã o se originam direitos". 5. O direito
adquirido e o decurso de longo tempo nã o podem ser
opostos quanto se tratar de manifesta contrariedade à
Constituiçã o. 6. Recurso extraordiná rio conhecido e
provido. (Recurso Extraordiná rio nº 381204/RS, 2ª Turma
do STF, Rel. Min. Ellen Gracie. j. 11.10.2005, DJU
11.11.2005). Referência Legislativa: Leg. Fed. CF/67 -
Constituiçã o Federal Art. 99 § 2º (redaçã o dada pela EC
01/69) Leg. Fed. EC 01/69 Leg. Fed. Sú mula nº 473 do STF

“E como se viu, a decretaçã o de nulidade por contrataçã o


sem observâ ncia de concurso pú blico nã o se submete a
nenhum prazo de prescriçã o ou decadência. Por fim, ainda
que se entenda que o art. 54 da Lei 9.784/99 possa alcançar
também os atos nulos, jamais poderá ser invocado para
impedir a decretaçã o de nulidade de atos administrativos
que ofendem diretamente a Constituiçã o. Precedentes do
STF (Sú mulas 346 e 473 e ADI 3434) e do CNJ (art. 91,

4
pará grafo ú nico, do RI). (RO nº 0084300-28.2009.5.22.0102,
1ª Turma do TRT da 22ª Regiã o/PI, Rel. Arnaldo Boson
Paes. j. 05.07.2010, unâ nime, DEJT 10.08.2010).

Ressalte-se, ainda, que sequer o cargo existe, o que


enfatiza ainda mais a precariedade do contrato.

Outrossim, o autor não faz jus à reintegração


pretendida.

Quanto ao FGTS

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nã o


pertence ao regime jurídico dos servidores pú blicos, sendo deferido apenas
à queles cujo contrato foi considerado nulo, nos termos do art. 19-A da Lei
8.036/90, como se observa:

Art. 19-A. É devido o depó sito do FGTS na conta vinculada


do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado
nulo nas hipó teses previstas no art. 37, § 2º, da Constituiçã o
Federal, quando mantido o direito ao salá rio.
Pará grafo ú nico. O saldo existente em conta vinculada,
oriundo de contrato declarado nulo até 28 de julho de 2001,
nas condiçõ es do caput, que nã o tenha sido levantado até
esta data, será liberado ao trabalhador a partir do mês de
agosto de 2002.
(Artigo acrescido pela Medida Provisó ria nº 2.164-41, de
24.08.2001, DOU de 27.08.2001, em vigor desde a
publicaçã o).

Nã o obstante o nosso entendimento, exteriorizado em


litígios anteriores, temos que reconhecer a autoridade da decisã o do Supremo
Tribunal Federal, com repercussã o geral, que reconheceu como devido o FGTS no
caso de declaraçã o de nulidade de contrato, como se observa:

EMENTA Recurso extraordiná rio. Direito Administrativo.


Contrato nulo. Efeitos. Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A
da Lei nº 8.036/90. Constitucionalidade. 1. É constitucional
o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõ e ser devido o
depó sito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na

5
conta de trabalhador cujo contrato com a Administraçã o
Pú blica seja declarado nulo por ausência de prévia
aprovaçã o em concurso pú blico, desde que mantido o seu
direito ao salá rio. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade
da contrataçã o do empregado pú blico, nos termos do art.
37, § 2º, da Constituiçã o Federal, subsiste o direito do
trabalhador ao depó sito do FGTS quando reconhecido ser
devido o salá rio pelos serviços prestados. 3. Recurso
extraordiná rio ao qual se nega provimento.
(RE 596478, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/
Acó rdã o:  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em
13/06/2012, REPERCUSSÃ O GERAL - MÉ RITO DJe-040
DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03-2013 EMENT VOL-
02679-01 PP-00068)

Perfilhando o mesmo entendimento, o TJPB tem


aplicado o precedente da Suprema Corte, in verbis:

REMESSA OFICIAL E APELAÇÕ ES. açã o ordiná ria de


cobrança. CONTRATAÇÃ O PRECÁ RIA. VERBAS SALARIAIS
RETIDAS. VEDAÇÃ O AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA
ADMINISTRAÇÃ O PÚ BLICA. Direito ao recolhimento do
Fundo de Garantia POR Tempo de Serviço - FGTS.
Precedentes do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
MODIFICAÇÃ O DO DECISUM NESSE ASPECTO. MULTA
PREVISTA NA LEI Nº 8.036/1990. DESCABIMENTO. FÉ RIAS
E DÉ CIMO TERCEIRO SALÁ RIO. PAGAMENTO NÃ O
DEMONSTRADO. Ô NUS DO ENTE PÚ BLICO. APLICAÇÃ O DO
ART. 557, § 1º, DO CÓ DIGO DE PROCESSO CIVIL.
ENTENDIMENTO REGISTRADO NA SÚ MULA Nº 253 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REFORMA PARCIAL DA
SENTENÇA. PROVIMENTO PARCIAL DA REMESSA OFICIAL
E DA APELAÇÃ O INTERPOSTA PELA PROMOVENTE.
PROVIMENTO NEGADO AO APELO DO ENTE MUNICIPAL. -
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do
Recurso Extraordiná rio nº 596.478/RR, sob o regime de
repercussã o geral, consolidou o posicionamento segundo o
qual é devido o recolhimento do FGTS - Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço, na hipó tese de admissã o de pessoal
pela Administraçã o Pú blica, sem a realizaçã o de concurso
pú blico. - A multa de 40%, prevista no art. 18, § 1º, da Lei nº
8.036/90, nã o se estende aos contratos celebrados pelo
Poder Pú blico, por se tratar de verba celetista. - A respeito
do percebimento da remuneraçã o relativa à s férias e ao
décimo terceiro salá rio, a promovente faz jus ao seu
recebimento, pois nã o restou de (TJPB -
ACÓ RDÃ O/DECISÃ O do Processo Nº
00094284320118152001, - Nã o possui -, Relator DES
FREDERICO MARTINHO DA NOBREGA COUTINHO , j. em
03-07-2015)

6
No caso em aná lise, o vínculo do autor com a
Administraçã o Pú blica foi anulado, subsistindo, excepcionalmente, apesar de nã o
regido pela CLT, o direito ao depó sito do FGTS, nos termos do art. 19-A da Lei
8.036/90, bem como seu imediato recebimento (art. 20, II, Lei 8.036/90).

QUANTO AS VERBAS DEVIDAS

Apesar do reconhecimento da nulidade do contrato


(plano de validade), é forçoso reconhecer que um indivíduo manteve vínculo
empregatício jurídico-administrativo (nã o celetista) com a Administraçã o Pú blica,
havendo consequências oriundas do plano de existência.

Nã o obstante, deve Administraçã o Pú blica pagar as


verbas contraprestacionais, sob pena de enriquecimento sem causa e violaçã o da
dignidade do trabalhador (art. 170, caput, CF/88).

Ademais, essas verbas, independentemente do regime


jurídico aplicá vel, sã o direitos fundamentais (art. 7º, VIII e XVII c/c art. 39, § 3º, da
CF/88), criados como forma de proteger o trabalhador da exploraçã o do
empregador.

A Constituiçã o da Repú blica prevê no art. 37, II e § 2º,


que será nulo o ingresso no serviço pú blico sem concurso pú blico, como se
observa:

Art. 37. A administraçã o pú blica direta e indireta, de qualquer dos


Poderes da Uniã o, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência e, também,
ao seguinte:
[...]
II - a investidura em cargo ou emprego pú blico depende de
aprovaçã o prévia em concurso pú blico de provas ou de provas e
títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeaçõ es para
cargo em comissã o declarado em lei de livre nomeaçã o e
exoneraçã o;
[...]
§ 2º A nã o-observâ ncia do disposto nos incisos II e III implicará a
nulidade do ato e a puniçã o da autoridade responsá vel, nos
termos da lei.

A jurisprudência era firme ao reconhecer que

7
“contratos” nulos, em evidente burla à regra do art. 37, II, da CF/88 gerariam,
apenas, o direito à percepçã o das verbas salariais, a fim de evitar o enriquecimento
sem causa do Estado, bem como para assegurar a observâ ncia da moralidade
administrativa.

É bastante comum apregoar-se que a nulidade do ato


administrativo retroage à data em que ele foi praticado, desconstituindo-se todas
as consequências geradas a partir de sua ediçã o (efeitos ex tunc).

A afirmaçã o deve recebida com reservas, em especial


quando há direitos adquiridos e locupletaçã o sem causa da Administraçã o Pú blica.

CELSO BANDEIRA DE MELLO aborda o tema com a


mastreia que lhe é peculiar:

“Inú meras vezes relaçõ es jurídico-administrativas, sobreposse


contratuais, sã o ulteriormente proclamadas como nulas e, em tais
casos, a Administraçã o normalmente entende que, dado o vício
que as enfermava, delas nã o poderia resultar comprometimento
algum do Poder Pú blico, uma vez que "o ato nulo nã o produz
efeitos". Assim, esforçada em tal pressuposto, pretende que sua
contraparte nada tem a receber por aquilo que realizou,
inobstante haja incorrido em despesas e mesmo cumprido
prestaçõ es das quais a Administraçã o usufruiu ou persiste
usufruindo, como ocorre nas hipó teses em que o contratado
efetuou obra em proveito do Poder Pú blico. Trata-se, pois, de
saber se o Direito sufraga dito resultado. Ou seja: importa
determinar se a ordem jurídica considera como normal e
desejá vel que, 'vindo a ser considerada invá lida dada relaçã o
comutativa', a parte que já efetuou suas prestaçõ es deva ficar a
descoberto nas despesas realizadas, entendendo-se, assim, que o
aumento do patrimô nio do beneficiado pela prestaçã o alheia é um
incremento justo, merecendo ser resguardado pelo sistema
normativo e, correlatamente, que o empobrecimento sofrido pelo
adimplente é - também ele - justo, motivo pelo qual nã o deve ser
juridicamente remediado, mas, inversamente, cumpre que seja
avalizado pelo Direito. 2. Ao lume de noçõ es jurídicas correntes,
em face do princípio da eqü idade ou mesmo do simples princípio
da razoabilidade - que há de presidir qualquer critério
interpretativo -, parece difícil sufragar a intelecçã o de que, em
todo e qualquer caso e independentemente das circunstâ ncias
engendradoras do vício que enferma a relaçã o, caiba à contraparte
da Administraçã o arcar com os custos que ela lhe causou e que,
inversamente, esta ú ltima deva absorver as vantagens que captou
sem indenizar o onerado. Mesmo a um primeiro sú bito de vista,
tã o desatado entendimento apresenta-se como visivelmente
chocante, repugnando ao pró prio senso comum e a um mínimo de
sensibilidade jurídica ou a rudimentos de ética social. De fato, nã o
é aceitá vel, em boa razã o, que o engajamento de dois sujeitos em
relaçã o reputada invá lida - se a invalidade proclamada foi fruto da
açã o conjunta destas partes contrapostas -, deva receber do
Direito um beneplá cito acobertador dos efeitos benéficos que o

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vínculo invalidado fez surdir para uma parte e a confirmaçã o dos
efeitos detrimentosos que gerou para a outra” (O princípio do
enriquecimento sem causa em Direito Administrativo, Juris
Plenum, n. 12, Março de 2010).

O pró prio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em sua


Sú mula 473, apregoa que de atos nulos nã o se originam direitos, ressalvados os
direitos adquiridos, como se observa:

Súmula 473

"A Administraçã o pode anular seus pró prios atos, quando eivados
de vícios que os tornem ilegais, porque deles nã o se originam
direitos, ou revogá -los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em
todos os casos, a apreciaçã o judicial."

A nulidade da contrataçã o sem concurso pú blico, como


dito anteriormente, advém da pró pria Constituiçã o, tratando-se de uma realidade
jurídica irrefutá vel. No entanto, nã o é razoá vel imputar apenas ao contratado o
ô nus da dissoluçã o do vínculo irregular, assumido por ambas as partes, quando
aquele age de boa-fé.

A precariedade da investidura sem concurso pú blico,


por sua nulidade, traz à tona, pelo menos, os direitos contraprestacionais, a fim
de evitar o enriquecimento sem causa da Administraçã o e o trabalho sem
remuneraçã o, o que feriria a dignidade do trabalhador (art. 170, CF/88).

Assim, saldo salarial, férias nã o gozadas, terço de férias


e décimo terceiro salá rio devem ser pagos (caso inadimplidos), sob pena de
enriquecimento sem causa da Administraçã o Pú blica, conforme tem decidido o
Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba, expressamente:

APELAÇÃ O. REMESSA NECESSÁ RIA CONHECIDA DE OFÍCIO.


COBRANÇA. SERVIDOR PÚ BLICO. SALÁ RIOS, FÉ RIAS, 13º
SALÁ RIO, SALÁ RIO-FAMÍLIA E FGTS. VERBAS RESCISÓ RIAS. NÃ O
COMPROVAÇÃ O DE PAGAMENTO. PROCEDÊ NCIA PARCIAL DO
PEDIDO. PAGAMENTO DO SALDO DE SALÁ RIOS, GRATIFICAÇÕ ES
NATALINAS E INDENIZAÇÃ O EM PECÚ NIA DAS FÉ RIAS NÃ O
GOZADAS, ACRESCIDAS DO TERÇO CONSTITUCIONAL. RECURSO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃ O OCORRÊ NCIA. CONTRATAÇÃ O
POSTERIOR À CONSTITUIÇÃ O DE 1988. AUSÊ NCIA DE PRÉ VIA
APROVAÇÃ O EM CONCURSO PÚ BLICO. IMPOSSIBILIDADE.
CONTRATO NULO. AFRONTA AO ART. 37, II, DA CF. DIREITO AO

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SALDO DE SALÁ RIOS, DÉ CIMO TERCEIRO E TERÇO DE FÉ RIAS.
PRECEDENTES DO STF. REMESSA OFICIAL E APELO
DESPROVIDOS. 1. Tratando-se de questã o de direito e de fato, a
respeito da qual nã o haja necessidade de produçã o de novas
provas, o julgamento antecipado da lide nã o caracteriza nulidade.
2. O Supremo Tribunal Federal, modificando posicionamento
anterior, tem entendido que, em caso de nulidade do contrato de
trabalho, ao empregado admitido no serviço pú blico sem concurso
sã o devidos, além do saldo de salá rios, o décimo terceiro e o terço
de férias. (Apelaçã o Cível e Remessa Oficial nº 083.2011.000241-
3/001, 4ª Câ mara Especializada Cível do TJPB, Rel. Romero
Marcelo da Fonseca Oliveira. unâ nime, DJe 28.05.2012).

APELAÇÃ O CÍVEL. AÇÃ O DE COBRANÇA. CONTRATAÇÃ O


TEMPORÁ RIA. RENOVAÇÃ O ILEGAL. SERVIÇOS DE NATUREZA
HABITUAL E PERMANENTE. PRAZO SUPERIOR AO ADMITIDO NA
LEGISLAÇÃ O MUNICIPAL. NULIDADE DO ATO. PROTEÇÃ O AO
CONTRATADO DE BOA-FÉ . DIREITO SOCIAIS ESTENDIDOS AOS
SERVIDORES PÚ BLICOS. 13º SALÁ RIO DEVIDO. PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO. A legalidade da contrataçã o temporá ria
exige a estipulaçã o de prazo determinado de vigência, respeitado
o tempo má ximo da lei municipal, e que as funçõ es a serem
desempenhadas visem a atender necessidade pú blica temporá ria
e excepcional. Excedendo - se com sucessivas prorrogaçõ es o
prazo má ximo determinado no diploma regulamentador e
demonstrado que a necessidade passou a ser habitual e
permanente, resulta nulo o contrato por ofensa ao art. 37, II, da
Constituiçã o Federal. Embora o contrato nulo nã o produza efeitos,
excepcionalmente, deve ser resguardado o direito do
administrado, que de boa-fé prestou os serviços, conferindo-lhe
além das verbas previstas no contrato, férias remuneradas com o
acréscimo de um terço e décimo terceiro salá rio. Aplicaçã o dos
princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da vedaçã o ao
enriquecimento sem causa. (Apelaçã o Cível nº 055.2009.000486-
6/001, 1ª Câ mara Cível do TJPB, Rel. José Ricardo Porto. unâ nime,
DJe 26.03.2011).

Das verbas cobradas no caso concreto

Pelo reconhecimento do regime estatutá rio estã o


excluídas, obviamente, todas as verbas celetistas eventualmente cobradas e nã o
replicadas pelo regime estatutá rio.

Compulsando os autos, nã o há provas do pagamento do


13º salá rio, dos terços de férias ou mesmo o gozo de férias, o que implica em
necessidade de indenizá -las.

As férias dos servidores devem ser gozadas em lapso


temporal pré-estabelecido ou, caso haja ó bice pela Administraçã o Pú blica,
indenizadas, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado.

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Nesta demanda, figura no polo passivo parte que
possui toda uma estrutura que lhe permite, facilmente, provar documentalmente, a
inveracidade das alegaçõ es, haja vista que é o ó rgã o pagador, e detém todas as
operaçõ es documentadas. É do Estado o ô nus de provar o fato impeditivo do
direito da parte autora, ou seja, que todas as verbas devidas foram pagas.

QUANTO AO ISS

Considerando que o contrato firmado entre o autor e a


Administraçã o Pú blica Municipal foi nulo e mascarava forma irregular de ingresso
no serviço pú blico, de forma alguma era devido o pagamento do ISS, cuja hipó tese
de incidência é prevista no art. 148 e ss. do Có digo Tributá rio Municipal.

A remuneraçã o de servidor, ainda que contratado de


forma irregular, nã o está sujeita ao imposto sobre prestaçã o de serviços.

ANTE O EXPOSTO, atento ao que mais dos autos


consta e aos princípios de Direito aplicá veis à espécie, JULGO PARCIALMENTE
PROCEDENTE O PEDIDO, apenas para condenar o Município de Joã o Pessoa a
pagar à parte autora:
a) 13º salá rio proporcional ao período de
30/08/2006 à dezembro de 2010;
b) Indenizaçã o de quatro períodos férias (2007,
2008,2009, 2010), acrescida de terço de férias;
c) Indenizaçã o de férias proporcionais ao período de
03/2010 a 12/2010 (dez meses), acrescida de terço
de férias;
d) Os valores pagos de ISS sobre sua remuneraçã o;
e) O valor corresponde ao FGTS devido no período de
30/08/2006 à dezembro de 2010, com base na
remuneraçã o percebida.

No caso em apreço, houve sucumbência recíproca.


Portanto, os honorá rios advocatícios – arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o
valor da condenaçã o – ficam compensados na forma do art. 21, caput, do CPC c/c a
Sú mula n. 306/STJ. De outro lado, também ficam divididas as custas, mas com a
isençã o prevista no art. 12 da Lei n. 1.060/50, no que tange ao autor (beneficiá rio
da gratuidade processual), e a isençã o disciplinada no art. 29 da Lei Estadual n.
5.672/92, em relaçã o à parte demandada (Faz. Pú blica Estadual).

11
Os valores devem ser atualizados pelo IPCA, a partir do
4
ajuizamento da açã o, e acrescidos dos juros aplicados à caderneta de poupança,
nos termos do art. 1º-F, da Lei 9.494/97. 5

Sentença sujeita à reexame necessá rio.

P. R. I.

Joã o Pessoa, 17/12/21.

JOSÉ GUTEMBERG GOMES LACERDA


Juiz de Direito Auxiliar

4
Art. 1º, § 2º, Lei 6.899/81.
5
O art. 1º-F da Lei 9.494/97 foi declarado parcialmente inconstitucional por arrastamento na ADI 4357,
quanto ao índice de correção monetária a ser utilizado. Assim, a partir do julgamento do STF, o STJ
(REsp 1.356.120/RS, julg. 14/08/2013, rel. Min. Castro Meira) decidiu que os juros de mora continuam
regidos pela Lei .494/97, incidentes desde a citação; mas foi alterada a correção monetária, devendo
incidir o IPCA.

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