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Introdução ao Estudo de Direito

Parte I – uma aproximação à ideia de Direito:


A natureza social da pessoa e a necessidade do Direito:
O Homem, carecido de um equipamento instintivo que determine a sua conduta,
contrariamente aos outros seres vivos, encontra-se ontogenicamente inacabado (“o organismo
humano carece de meios biológicos necessários para proporcionar estabilidade à sua conduta.”) Os
outros seres vivos, por terem um equipamento instintivo que conduza a sua ação na sua sociedade,
encontram-se fechados para o mundo, dado a sua condição de perfeição. Contrariamente a estes
seres, o Homem, por ser incompleto, encontra-se aberto para o mundo. Por isso, de certa maneira, a
sua incompletude e abertura encontram-se relacionados, pois a partir da sua incompletude dizem-se
abertos para o mundo, e por seres abertos para o mundo esta sua realidade exterior, realidade que
interage dualmente com o Homem (pois ele é produtor e recetor desta realidade em que se forma)
forma o Homem.

Desde o próprio nascimento, desde que sai do ventre da mãe que é exposto radicalmente a
um ambiente que o vai formar. A direção e o substrato do Homem vão mudar consoante o ambiente
a que for exposto, diz-se, então, um ser de aprendizagem socialmente influído. Aquela abertura
para o mundo, significa uma relativa clausura à ordem social: aquela incompletude da ontogénese
vai ser completo por uma sociogénese. Esta que se divide em dois ambientes – simbólico e físico. O
simbólico, aquele que é feito pelo Homem na sua interação com o mundo, mesmo sendo criado por
ele é extremamente importante para a sua formação. Este é feito pela cultura, isto é, interações,
crenças, padrões de conduta, objetos criados pelo Homem, e não é por ser feito por este que menos
depende deste ambiente, até depende em grande parte dele para completar a sua inacabada
ontogénese.

Ontogenicamente inacabado, abandonado pelos instintos, aberto para o mundo, e por isso
mesmo exposto à tentação e ao caos, o Homem vê-se obrigado a criar instituições, a criar o Direito
para ordenar a sua vida e lhe dar coordenadas, essas que ele carece por ser um ser
ontogenicamente inacabado. E assim, dar-lhe uma base relativamente ao que é certo e errado, justo
e injusto, o que vale e o que não vale garantindo assim a segurança e justiça na sociedade (ideais
fundamentais da ideia de Direito). Estas instituições são aquelas que dão ao Homem a ordem na
sociedade, os papeis que cada um de nós representa (o papel de pai, com as suas regras e formas de
agir, o professor como papel e formas de agir impostas, et caetera) estabilidade em que cada dia é
vivido – toda a nossa forma de agir é imposta pelas instituições. Esta ordem e estabilidade só é
possível por regras de conduta, por funções, por ordem instituída, claro está, pelas instituições
historicamente definidas – são elas que definem, por sua vez, os nossos moldes, as nossas formas de
ser, aos nossos comportamentos. Claro está que o Homem, como já referido, carecido destas
instituições, dando-se um colapso total delas encontrar-se-ia num caos total e desordem na
sociedade.

Em suma, o Homem é um ser ontogenicamente inacabado, ao contrário dos outros animais


que se encontram enclausurados no seu mundo próprio, por terem equipamento instintivo que lhes
permite serem completos. O Homem é, então, um ser aberto para o mundo, precisamente por ser
incompleto, e diz-se um ser de aprendizagem, a sociogénese complete a ontogénese, e precisar de ir
buscar a sua completude às instituições do Direito, de modo a ter coordenadas e formas de agir que
os liberte das preocupações e do caos em que se encontram pela sua incompletude fundamental. A
cultura é um dos ambientes que modifica o Homem na sua forma de ser, por isso, diz-se que a
cultura define o Homem, e varia de povo para povo. O homem, mais uma vez, por ser aberto para o
mundo, define os outros e a si, desde que contribua significativamente para isso na sociedade.

Aproximação a uma ideia de Direito.


O Direito é uma das ciências em que a sua definição não é certa nem completa. Esta
dificuldade prende-se com os conceitos indeterminados de que o Direito é revestido, tais como a
segurança, a justiça, a paz, a ordem, a liberdade, igualdade, verdade, et caetera, e com a mudança
subjacente ao mundo. Não é por isso, no entanto, que não se pode definir certas características e
funções que o Direito tem, de modo a nos aproximarmos, da maneira mais credível, de uma ideia do
Direito.

A função ordenadora e estabilizadora do Direito (funções básicas do Direito).


A natureza individual e egoísta do Homem faz com que cada homem tenha os seus
interesses e objetivos (homem é desigual neste aspeto, de cada um ter os seus interesses, porém,
em termos formais, isto é, perante a lei, todo o Homem é igual, a lei defende igualmente cada
homem, cada um tem direitos e obrigações da mesma maneira) – o que o torna imprevisível – que,
por vezes, vão contra os interesses e objetivos dos outros individuos criando tensões e conflitos de
interesse. Cabe, então, ao Direito, regular e resolver estes conflitos e estas divergências, de forma a
manter a ordem na sociedade e lidar com interesses divergentes através de ordens normativas
(regras, portanto) que permitam manter a paz, segurança e justiça na sociedade. Nisto consiste a sua
função ordenadora. Carecido desta função é perdido no caos e dado à violência dos outros (cada um
com os seus interesses egoísticos).1 Representa o que o Homem é, por consequência das normas que
lhe são impostas.

O Direito ao criar normas de modo a ordenar a sociedade, a garantir paz e segurança para
evitar e resolver possíveis conflitos de interesse, para exercer a sua função ordenadora, está,
indiretamente, a dar ao individuo segurança, isto é, dar expectativas e certezas de como os outros se
vão comportar (pois vão comportar-se conforme as normas impostas para ordenar a sociedade), ou
seja, está a exercer a sua função estabilizadora, a função do Direito que dá certeza e segurança para
cada individuo fazer os seus planos e seguir os seus interesses, estabiliza, então, a vida do Homem,
dizendo-lhe como o outro se vai comportar, permitindo-lhe concretizar os seus objetivos e
interesses.

Estas são, portanto, as suas funções essenciais, aquilo para que o Direito é feito – para
ordenar a convivência social e dar certeza e segurança às pessoas. No entanto, existe uma função
complementar.

A função conformadora do Direito.


Cabe ainda ao Direito uma função conformadora, isto é, uma função educativa, criar uma
realidade idealizada pelo legislador. O Direito, não só diz ao Homem o que ele é, diz também o que
ele devia ser, nisto se prenda esta sua função, dizer ao Homem como devia agir, é um modelador da
sociedade, uma parte ativa e propulsionadora da evolução (idealiza a sociedade). O Direito incentiva
(e desincentiva) certos comportamentos, dá certas orientações às pessoas – nisso consiste a sua
função conformadora.

No entanto, na direção oposta desta, está um problema de atraso em relação ao Direito,


muitas vezes, a realidade antecipa-se ao Direito, muitas vezes o Direito vê-se ultrapassado pelas
1
É de constar que uma sociedade não se quer toda com o mesmo interesse, é surreal e só se conseguiria em
meios autoritários em que o Homem é reduzido e submetido a uma vontade “geral”. No entanto, também não
se quer um Homem que só se interesse e defenda os seus interesses.
inovações, por exemplo, tecnológicas e tem que se adaptar à realidade, legislando o que existe e não
existia antes – ele tem que adaptar às constantes mudanças da sociedade. A realidade antecipa-lhe.

Noção de Direito.
Direito e coação.
Na tentativa de definir o Direito, podemos fazê-lo de várias perspetivas, tentando, para
defini-lo, definir o que ele não é. Para uma primeira tentativa de definição do Direito temos duas
visões, a sociológica e a jurídica.

Visão sociológica.
Para os sociólogos a validade do Direito é a coação (física ou psíquica), é através dela que o
Direito tem eficácia e é por isso que ele vale. Na visão sociológica, o Direito é uma ordem de
controlo social, de punição pela inobservância das normas impostas, é, aliás, aquilo que distingue o
Direito das outras ordens (ordem moral, ordem religiosa, et caetera) – a sua coercibilidade, pela
inobservância das normas por ele impostas acarretarem uma sanção socialmente organizada.

Visão jurídica:
Na visão jurídica, depois de se mostrar que a ordem jurídica se serve de uma coercibilidade
para se fazer valer, os juristas dizem que não é possível obter-se uma noção de Direito sem um
sentido fundamental de Justiça. O Direito é uma ordem de convivência humana guiada por um
sentido fundamental – esse sentido é o de Justiça. É isso que lhe dá validade. Não nenhuma ordem
jurídica sem um sentido de Justiça.

Noção de Direito. Opção.


De entre duas visões pergunta-se, então, qual das duas escolher para se definir a essência do
Direito?

Para se determinar a essência do Direito ter-se-ia que escolher a visão jurídica: não existe
nenhum ordem jurídica sem um sentido de Justiça, não é Direito. A Justiça faz parte da sua essência,
do seu ser, foi criado para isso. Porém, embora a vigência, isto é, o uso da coação para a existência
de eficácia do Direito, não seja parte da sua essência, é parte da sua natureza, é necessária para a
existência de Direito. O Direito, mesmo que aspire a uma Justiça intemporal, se não for eficaz, se as
pessoas não o cumprirem é inútil, não vale, falha. Por isso, sem a vigência, isto é, eficácia social do
Direito (a observância das normas impostas que aspiram a uma ideia fundamental de Justiça) só é
possível com coação, eficácia que só se existe conforme o tempo e o espaço em que o Direito
ocorre, e daí também se justifica que o Direito não é eficaz na sua essência, caso o fosse, o tempo e
espaço não influenciavam a sua eficácia.

Surgem, então, duas questões relativamente à coercibilidade que está alicerçada à natureza
do Direito – a legitimidade e a necessidade da coação nele.

A legitimidade e a necessidade da coação.


Primeiro, é importante referir que não é o Direito que advém da coercibilidade mas o
inverso. É pelo Direito existir com o seu ideal de Justiça que é necessário haver coercibilidade. O
Direito é obrigatório a todas as pessoas, mesmo contra a vontade das pessoas, de modo a proteger a
nossa liberdade e autonomia privada. Não estaremos, então, na presença de um paradoxo? O
Direito existe para garantir a nossa liberdade e autonomia mas, ao mesmo tempo, vai contra isso.
Será isto legítimo? Sim, pois é por ir contra a nossa liberdade e autonomia, isto é, é por ser
obrigatório a todos, mesmo contra a nossa vontade, que o Direito vale e protege a nossa autonomia
e liberdade. Não só é obrigatório, mas aspira a um principio de Justiça que, objetivamente define o
que é meu e teu, e desse modo define a esfera de liberdade de cada um. Por vezes, as pessoas,
perseguindo os seus interesses e objetivos, sendo individuais nessa perseguição entram e invadem a
esfera de liberdade do outro, interferindo no ideal de Justiça do Direito. Por isso, quando isto
acontece, é legítimo o uso de coação para restituir a ordem que foi violada, para a reposição do ideal
de Justiça a que aspira o Direito. É para a proteção da própria ideia de Justiça que a coação atua,
para a segurança da ordem na sociedade e, por isso, não só a coação é legítima, é, de certa maneira,
exigível.

Será, então, necessária? O Homem necessita da sociedade para viver, e a sociedade precisa
do Direito para existir, e, por sua vez, o Direito necessita da coação para ter eficácia social, pelo que
se conclui que a coação não só é legítima e exigível, mas é necessária ao Homem. É a ameaça de
uma sanção positiva, é a existência de um poder social organizado para esse efeito (atualmente, o
Estado) que faz o Direito ter eficácia.

O Direito e o poder político.


O Direito e a força.
O Direito não prescide na força. O direito, para ter a sua eficácia social, precisa de ter
vigência, que é garantida pela coação, e esta, por sua vez, é garantida pela força. Logo, em certa
medida, pode-se dizer que o Direito e a força estão relacionados.

Contudo, é importante realçar que a Força sem Direito é abuso e vontade do poder, por isso
não é eficaz para a sociedade, mas Direito sem Força também é inútil, pois não possui uma força de
se impor, a força vem-lhe do exterior. Aliás, o uso da força no Direito, como se viu atrás, é exigido
pela ideia de Justiça. Um Estado que se diga de Direito que se abstenha do uso da força quando
necessário não é, ou não deve ser chamado de Estado de Direito, porque não usa força para ter
eficácia, não postula um Direito eficaz, é um Direito que se nega a si próprio. “O Direito não exclui a
Força mas a violência”, é uma escolha política o não uso da vigência – o Direito não instaura a paz,
apenas cria condições que permitam essa paz, quem define as condições é o poder político, o Direito
garante-o. Em suma, o Direito que é Direito (segue um ideal de Justiça e tem eficácia social) precisa
de Força para o ser, assim como de coação.

O Direito legitima e regula a Força. O Direito depende da força, na medida em que o Direito
só tem eficácia com coação, e a coação, por sua vez, só é possível com o uso da força. Não obstante,
a força só existe porque o Direito a legitima, é porque a força pressupõe a perseguição de ideal de
Justiça que a força tem validade. Ou seja, na essência do Direito a força é legitimada por ele, mas na
sua existência o Direito só existe com ela, a força dá eficácia ao Direito, mas esta força é já
legitimada pelo Direito.

O Direito e o Estado.
Existem duas questões na relação entre o Direito e o Estado: a primeira é a de perceber a
relação entre Direito e Estado; a segunda é a de perceber se todo o Direito é estadual.

Respondendo à primeira pergunta, muitas vezes se diz que o Estado se confunde com o
Direito, não é possível, o Direito não se confunde com o poder, e é esse o elemento fundamental do
Estado. Cabe ao Direito legitimar e limitar a ação e poder do Estado, por isso não se pode confundir
com ele. Aliás, o Direito, muitas vezes, sobrepõe-se ao poder do Estado, como está evidente do
Estado não se sobrepor, por exemplo, ao ideal de justiça. Esse principio sobrepõe-se ao Estado, e até
ao próprio Direito.

Relativamente à segunda questão, ou seja, responder se todo o Direito é estadual ou, pondo
a pergunta de outra maneira, existe algum Direito que não é o Estado a criar ou legitimar? Põe-se,
portanto, de fora o Direito Internacional Público e o Direito das sociedades primitivas.
Direito internacional público
Muitos se questionam da verdadeira juridicidade do DIP por não ter um órgão superior com
características análogas às do Estado interno, por não ter sanção de modo a garantir a paz no âmbito
internacional, no entanto, será isso suficiente para negar a existência de um Direito nas sociedades
internacionais? A questão que se coloca é se existe coercibilidade nas normas de Direito
Internacional, com uma sanção para quem não cumpre as normas, isto é, se o Direito tem vigência e
justiça, se existem Direito, portanto.

É certo que no Direito Internacional existe o critério objetivo de justiça, a delimitação entre o
meu e o teu. E as normas de DIP não são iguais às simples normas de cortesia, o seu não
cumprimento implica sanções, ou seja, existe um certo grau de coercibilidade, o que nos permite
inferir que o Direito é vigente, e podemos então dizer que existe Direito nas sociedades
internacionais.

Sociedades primitivas
A questão que aqui se coloca é a de se existe direito nestas sociedades, sendo que as formas
rudimentares da sociedade que provocam a inexistência de uma autoridade central e uma
organização automatizada e organizada capaz de ordenar a sociedade com eficácia e justiça. No
entanto, não é por isso que estas sociedades podem dizer-se isentas de Direito. Elas têm-no, mas de
uma forma diferentes da estadual. É difícil distinguir, nestas sociedades, as normas de conduta das
normas morais, no entanto, alguns antropólogos notaram que as normas de conduta são
acompanhadas por uma coação de modo a proteger o grupo e a vivência, assim como assegurar a
paz e a desfesa comum segundo os seus critérios de justiça.

Pode então, afirmar-se, que nem todo o Direito é estadual

O Direito e a segurança. A Justiça e a segurança, os fins do Direito.


A função do Direito é a regulação das relações na sociedade, evitando ou resolvendo
conflitos de interesses, visando para uma educação do que o Homem deve ser e dar expectativas
para as pessoas saberem com o que contar. No fundo, as funções estabilizadora, ordenadora e
conformadora do Direito. Estas são as funções a que o Direito visa, mas quais são os seus fins? Ao
que quer ele chegar? São dois os fins do Direito: a segurança e a justiça. Estes dois acham-se numa
relação de tensão dialética, pois são os dois fins do Direito, ele precisa de garantir os dois, e por
vezes é preciso sacrificar um para prevalecer o outro.

A justiça e a segurança estão numa tensão dialética. A justiça representa um ideal de


hierarquia superior e a segurança um ideal de hierarquia inferior, ligada às necessidades da vida
urgentes e praticas, à utilidade do Direito, à praticabilidade do Direito, pelo que por vezes a
segurança prevalece à Justiça, pois um Direito que não se aplique não vale da nada ser justo. A
justiça é o ideal de hierarquia superior, a não ser que a segurança seja comprometida. Uma justiça
puramente ideal sem segurança e aplicabilidade, sem as pessoas poderem confiar no Direito, sem
terem expectativas e certeza jurídica da sociedade é um Direito vazio na sua eficácia. Porém, uma
segurança que visa um ideal injusto não é aplicável, é só força, pura força sem um ideal superior a
seguir, um ideal que dá sentido e legitimidade à segurança.

Para conduzirmos a nossa vida segundo expectativas fiáveis e que nos permitam fazer os
nossos planos de vida precisamos daquilo que se chama certeza jurídica, uma segurança que o
Direito nos dá de prever situações e comportamentos. No entanto, por vezes, esta certeza jurídica
tão importante para o Direito é sacrificada pela Justiça que só é possível com a maleabilidade do
Direito para se aplicar, conforme a forma mais justa, ao caso em concreto. Como se vai ver com o
avançar desta cadeira, a segurança é pensada em muitas situações, como a aplicação da lei no
tempo, em que se aplica o principio da não retroatividade ou outros equivalentes para se proteger a
certeza jurídica e a segurança. Para dar expectativas às pessoas de como vão ocorrer as coisas para
elas poderem saber agir nesse momento, quando a maioridade, que é definida para dar certeza
jurídica às pessoas e fazerem os seus planos, et caetera.

Direito e Moral:
Moral distingue-se do Direito através de três princípios: principio do mínimo ético; princípio
da heteronomia e coercibilidade; principio da exterioridade;

Segundo o principio do mínimo ético, o Direito é aquele conjunto de normas que fazem
parte da moral que são indispensável para o ordenamento e manutenção da paz na sociedade.
Criticas: parte-se deste principio que todo o Direito pertence à moral, o que não é verdade, as
normas de trânsito não possuem nenhum moral subjacente. E também, o facto deste critério não
distinguir os dois, mas sim dizer o que é o Direito relacionado com a Moral.

Segundo o principio da heteronímia e coercibilidade, ao contrário da Moral que interessa a


autovinculação da pessoa às regras, isto é, a Moral é um conduta que vem do interior da pessoa, é a
partir da sua consciência que a Moral se forma, o Direito é uma ordem emanada exteriormente à
pessoa que, por isso, precisa de ser acompanhada por uma coercibilidade, para fazer valer as ordens
impostas pelo aparelho competente. Critica: A Moral também tem acompanhada a ela uma
heteronomia – não se mata só porque ativa o peso de consciência, mas porque as regras da
sociedade também assim ditam que é imoral. O Direito também não é só emanado exteriormente,
também ativa a consciência do que é justo.

E, por fim, segundo o principio da exterioridade, contrariamente à Moral em que o que


interessa é o interior da pessoa, isto é, a sua consciência relativamente ao que fez, ao Direito
interessa o comportamento exterior das pessoas, a sua conduta externa, como elas se comportam
com os outros na sociedade não sendo relevante a sua intenção. Critica: no Direito a intenção
também interessa, em casos como alguns do Direito Penal, em que se aplica um pena mais grave
consoante a intenção, ou então, a distinção entre culpa ou negligência.

Não é a tudo que interessa o Direito, apenas aos interesses juridicamente tutelados. Para
que uma conduta ter o interesse do Direito não basta ter uma conduta imoral, é preciso que afete os
interesses juridicamente tutelados, assim como a ordem estabelecida na sociedade.

É certo que o Direito não tem que seguir a moral, mas também o é que não deve incentivar a
conduta imoral. Pode permitir condutas imorais, mas nunca impô-las.

A Justiça é um valor ético e cabe ao Direito garantir esse valor.

Parte II – grandes linhas estruturais do sistema jurídico:


Direito objetivo e direitos subjetivos.
O Direito objetivo é o corpo de normas, isto é, comandos gerais e abstratos que organizam a
vida do Homem em sociedade, regulando as suas relações e atribuindo-lhes estatutos. Os direitos
subjetivos, por outro lado, são posições de privilégio que visam satisfazer os interesses das pessoas
que são acompanhadas por um poder que lhes permite proteger o seu direito. Por conseguinte, do
outro lado de um direito subjetivo, está uma obrigação, um dever jurídico.

Summa divisio do Direito. Direito Público e Direito Privado.


Tanto o Direito Público como o Direito Privado tratam de igual forma as pessoas, só difere os
princípios a que estão subjacentes. Enquanto que no Direito Público as pessoas são tratadas de igual
forma por limitação de poder das entidades a quem se dirige este Direito, ou seja, estabelece-se
liberdade e igualdade das pessoas a quem as entidades se dirigem, no Direito Privado, as pessoas
são tratadas de igual forma por reconhecimento, pelo mesmo Direito, da sua liberdade e igualdade.
(“o Direito Privado trata as pessoas de forma igual, enquanto que o Direito Público impõe, em
primeira linha, aos seus destinatários (as entidades públicas) que tratem de forma igual as pessoas
afetadas pela sua atuação”).

A distinção entre Direito Público e Direito Privado tem como objetivo, para além do didático,
no caso do Direito Público, proteger certos interesses fundamentais para o bom funcionamento da
sociedade (interesses públicos), que são, fundamentalmente, a justiça, a segurança e o bem estar
das pessoas. Por isso mesmo as entidades públicas precisam de poderes especiais de autuação, a
soberania, pois só assim conseguem prosseguir esses fins. São vários os critérios que permitem
distinguir a summa divisio do Direito, entre os quais, o critério do interesse, o critérios dos sujeitos
(critério da posição dos sujeitos) e o critério combinado da qualidade dos sujeitos e interesse.

O critério do interesse é o critério que, a partir dos interesses prosseguidos pelas pessoas,
distingue entre Direito Público e Privado, ou seja, se o interesse prosseguido é o um interesse
público, então o Direito que regula as relações é um o Direito Público. Inversamente, se o interesse
prosseguido é de caráter privado, então o Direito regulador é Privado. Porém, este critério tem
algumas falácias, pois não sempre que se verifica a situação de correspondência entre o Direito
regulador e o interesse prosseguido. Há situações em que o Direito é Privado e o interesse é de
âmbito público.

O critério dos sujeitos diz que o Direito distingue-se dependendo se o sujeito é Público ou
Privado. Claro está que, como no critério anterior, existem falácias que deitam abaixo a teoria. Nem
sempre o Direito corresponde à pessoa que estabelece as relações. Por exemplo, a compra e venda
de terras pelo Estado, embora seja relações entre uma entidade pública e outra privada, o Direito
regulador é Privado.

O critério combinado da qualidade dos sujeitos e do interesse é o que, atualmente, mais


adeptos tem. Consiste no combinar da entidade que prossegue um interesse a na qualidade da
relação que estabelece, ou seja, se a relação for vertical, isto é, uma pessoa dotada de poderes de
autoridade e outra obrigada a submeter-se a essa pessoa (principio da suprainfraordenação) ,
quando o interesse é público, então estamos no âmbito do Direito Público. O contrário é de Direito
Privado.

Em suma, enquanto que o Direito Privado reconhece a todas as pessoas iguais direitos e
deveres (principio da igualdade ), o Direito Público concede poderes especiais de autuação
relativamente a determinadas entidades, poderes de subordinação, que criam condições de
tratamento vertical, isto é, pessoas têm interferência na esfera jurídica de outras (singulares ou
coletivas). Enquanto que o Direito Privado permite tudo o que não seja proibido (principio da
autonomia privada), o Direito Público proíbe tudo o que não é permitido (principio da legalidade ).

Conclui-se então que o direito público é o direito do estado e de outras entidades públicas
com poderes atribuídos ou reconhecidos pelo estado que visam a prossecução do interesse público.
Portanto, a especial natureza dos sujeitos em questão permitem distinguir o Direito exercido.
Quando se trata se um sujeito especifico, com poderes específicos, na prossecução de um fim
específico estamos no âmbito do Direito Público e as entidades por ele reguladas. Quando estamos
presentes de uma entidade comum, com poderes comuns, na prossecução de um fim comum,
estamos no âmbito do Direito Privado e as entidades que por ele são reguladas.
Noção, estrutura e características da norma:
Noção e estrutura da norma
A ordem jurídica é composta por unidades normativas que a exprimem e concretizam, assim
como são as mediadoras da aplicação do Direito na vida real – são as normas.

Esta é composta por um antecedente (a previsão ou hipótese legal) e um consequente (a


estatuição, a consequência da hipótese legal). A previsão normativa, também chamada de hipótese
legal ou facti-species, é a situação da vida real, ou seja, o facto ou conjunto de factos 2 que, quando
verificados desencadeiam uma consequência jurídica fixada na estatuição. Um ponto em ter em
conta na facti-species de uma norma é a ambiguidade do sentido que os factos possam ter. Numa
norma, há sempre uma deformação teleológica (interpretação da lei), há sempre uma ambiguidade
de sentido perigosa. Por isso mesmo, é necessário prevenir e ter em conta que uma norma, o facti-
species dela segue sempre o conceito integrado num sistema jurídico complexo, o facti-species
jurisdiciza sempre o facto presente na norma a realidade social. Tem que se ter sempre em atenção,
quando se está a verificar se uma situação de facto concretiza ou não a hipótese legal, a chamada
questão de facto3, tem que se ter em conta a ambiguidade das palavras e tem em atenção que uma
norma jurídica está sempre integrada num sistema jurídico complexo. É, portanto, a facti-species
óculo pelo qual havemos de inspecionar a realidade jurídica do facto ocorrido. É ela que faz com que
uma situação seja um específica, é ela que nos permite identificar uma hipótese legal, configurar na
lei, et caetera. O que permite identificar, configurar, especificar a diferença nas situações de facto
ditas banais e jurídicas é a facti-species jurídica. É o que permite saber se um facto irá desencadear
uma consequência legal ou não.

O facto jurídico, a situação jurídica e a relação jurídica


Um facto jurídico é um evento juridicamente relevante, isto é, uma situação suscetível a
causar consequências jurídicas, efeitos jurídicos, efeitos este que traduzem-se na constituição,
modificação ou extinção de uma situação jurídica. É portanto, o elemento dinâmico que produz
alterações na vida jurídica, é também o elemento ao qual se refere a facti-species jurídica. O facto
jurídico causa sempre efeitos jurídicos. Neste sentido, facto jurídico é todo o ato humano ou
acontecimento natural que causa efeitos jurídicos (todo o ato humano ou acontecimento natural
que não cause efeitos jurídicos é um facto ajurídico.

Os factos jurídicos podem ser puros factos jurídicos ou atos jurídicos. Aqueles podem ser
factos externos, também chamadas de factos involuntários, ou seja, não dependem da vontade do
Homem (e.g. o nascimento, a morte, a localização de um terreno, et caetera) ou facto internos da
vida do Homem, também denominado de factos voluntários, isto é, então no alcance e vontade do
Homem, e este tipo de factos estão divididos em duas categorias: factos voluntários ilícitos e factos
voluntários lícitos. Aqueles são os factos que vão contra a ordem jurídica e estes são os que a
respeitam. Os efeitos jurídicos dos factos ilícitos são sanções, que vão contra a vontade do individuo,
e mesmo que vão na direção da sua vontade, isso é juridicamente irrelevante. No caso dos factos
lícitos, os efeitos jurídicos podem não ser o que o agente quis, no entanto não vai contra a sua
vontade.

Uma situação jurídica, no seguimento do raciocínio é o conjunto de direitos e deveres que


atuam numa determinada situação com relevância jurídica. Uma relação jurídica é a relação que se
estabelece quando uma parte (ou várias) é possuidora de um direito e outra (ou várias) tem um
dever relativa a essa parte. É, no fundo, quando duas pessoas se encontram ligadas por um vinculo,

2
Seguidamente irá abordar-se o conceito de facto jurídico.
3
Verificar se o facto concretiza ou não a hipótese legal.
e esse vinculo são os direitos e deveres estabelecido entre duas pessoas. NOTA: um facto jurídico
altera tanto a situação jurídica como a relação jurídica.

Direito subjetivo. Dever jurídico (ónus jurídicos e estado de sujeição)


O Direito importa três tipos de normas: as que obrigam, as que facultam e as que
conferem um direito subjetivo. O Direito obriga quando, por exemplo, as normas são percetivas ou
proibitivas, impedem ou obrigam a realização de uma determinada ação com efeitos jurídicos. Por
exemplo, o artigo 280º é um artigo que proíbe (obriga negativamente); faculta quando permite a
adoção de um determinado comportamento (tu podes) que acontece, por exemplo, quando permite
a aquisição da nacionalidade. E, quando confere um poder de concretizar determinados interesses
acompanhado de um faculdade de dispor de meios coercitivos para os proteger, então estamos
perante a situação do Direito conferir direitos subjetivos.

No âmbito dos direitos subjetivos podem distinguir-se três categorias: direitos absolutos/de
domínio; direitos relativos/de crédito; direitos potestativos. Os direitos absolutos são direitos que
podem ser afastados de qualquer intromissão ou perturbação de terceiros, correspondem a direitos
que constituem um dever geral de abstenção, uma obrigação passiva universal, por assim dizer,
aqueles direitos que ninguém pode interferir. Constam nestes os direitos de personalidade (direitos
à vida, direito à integridade física, et caetera), direitos de propriedade e direitos de propriedade
intelectual. Relativamente aos direitos relativos podemos falar de direitos que conferem ao seu
titular o poder de, juridicamente tutelado, exigir uma conduta (que nestes direitos se chama de
prestações) positiva (fazer algo) ou negativa (não fazer algo) de uma determinada pessoa (credor), e
por isso se dizem estes direitos relativos, pois só são relativos a determinadas pessoas, os credores,
e não podem ser violados por terceiros. A prestação pode ser uma prestação de facto, ou seja, a
realização de determinado serviço ou de um ato) ou uma prestação de coisa (a obtenção de dinheiro
ou de um objeto). Por exemplo, o arrendamento de um imóvel é um direito relativo. Finalmente, a
última categoria de direitos, os direitos potestativos, são aqueles direitos que conferem o poder de
uma pessoa, através de uma declaração unilateral, ou de um ação judicial (isto é, ambas sem se
necessitar do consentimento da outra parte para realizar efeitos da esfera jurídica de outrem)
modificar ou extinguir relações jurídicas, ou ainda constituir limites relativamente à outra parte. São
exemplos deste o direito ao divórcio, ou o direito à resolução, por exemplo.

Relativamente ao dever jurídico, importa distinguir este de ónus jurídicos e estado de


sujeição. Primeiramente, o dever jurídico é a vinculação de uma pessoa à observância de um
comportamento previsto na lei, o que acontece quando uma pessoa fica sujeita a um dever pelo
exercício de um direito por parte de outra. O ónus jurídico não é, como o dever jurídico, uma
obrigação por parte da pessoa, mas sim, a aquisição de vantagens, ou a não aquisição de
desvantagens, por parte de alguém. Não é um dever de alguém, por assim dizer. Por exemplo, o
ónus do registo predial consiste, não numa obrigação por parte do proprietário, mas numa escolha
de que resultará uma certa vantagem para ele (a exclusividade do imóvel relativo a terceiros) – ele
não é obrigado a fazê-lo, mas adquire uma vantagem em fazê-lo. Já, por outro lado, o estado de
sujeição é a obrigação da contraparte do titular de um direito potestativo, isto é, todo aquele que
estiver sujeito (tal como diz no dever de sujeição) a um direitos potestativo está num estado de
sujeição.

Sujeito jurídico e direitos de personalidade


Direitos de personalidade, isto é, direitos indispensáveis à vida da pessoa humana cujo tem
em si um dever geral de abstenção por parte de terceiros, são, mais do que um centro de imputação
de direitos e deveres, um centro de imputação de efeitos jurídicos (pois neles se encontram direitos
e deveres, assim como faculdade e status). Estes direitos, embora hoje indispensáveis e inalienáveis,
nem sempre esta capacidade jurídica de que toda a gente é titular foi assim: antes os escravos não
eram pessoas titulares de direitos de personalidade (ainda mais, nem eram pessoas, eram
classificados como objeitos jurídicos), assim como os estrageiros que não tinham capacidade jurídica
como todos a tinham. Desta capacidade de direitos, que agora todos são centro de imputação, a
chamada capacidade jurídica, distingue-se a capacidade de exercício (aquela, capacidade de gozo,
esta, capacidade de exercício/agir) que consiste na capacidade que determinada pessoa tem
(menores e maiores acompanhados não a possuem, pelo que têm que se fazer acompanhar por um
representante legal/voluntário para por eles agir juridicamente) para dispor dos seus direitos e
deveres, isto é, o efetivo exercício que as pessoas têm dos seus direitos e deveres: poder cumprir
com obrigações, exercer dos seus direitos, et caetera.

Desta capacidade de gozo (capacidade de se ser titular de direitos e deveres) e da


capacidade de exercício (capacidade de dispor desses direitos e deveres de que se é titular podendo,
com eles, fazer quaisquer relações jurídicas) é importante referir a capacidade delitual, isto é, a
capacidade de se ser responsável pelos atos cometidos, civil e penalmente (imputabilidade – ter a
capacidade para se ser responsabilizado pelos atos que foram cometidos).

Como conclusão, não posso deixar de referir a capacidade negocial, que consiste na
idoneidade para se exercer ou adquirir direitos e cumprir ou assumir obrigação por um ato próprio e
com efeitos jurídicos (caso não seja possível a pessoa incapaz de ter capacidade jurídica pode,
através de um representante legal/voluntário agir negocialmente – pode então, dizer-se, que quem
tem capacidade negocial tem obrigatoriamente capacidade jurídica, mas o inverso já não é verdade).

Classificação das normas jurídicas


Uma definição tradicional de uma norma jurídica, isto é, a lei em sentido material, poderia
ser um comando (uma regra de conduta) geral, abstrata e coercível aplicada por uma autoridade
competente. Por isso, os comandos que ditem uma certa conduta, mas que sejam concretas e
individualistas não são normas jurídicas, pois estas são gerais e abstratas, aquelas servem para pôr
em prática estas, não se confundem nunca. Os decretos não são normas, pois incidem sobre uma
realidade concreta; as sentenças também não pois obriga o Manel a dar 100 euros à Maria, são
individuais e concretos relativamente àquelas pessoas; as clausulas negociais funcionam da mesma
maneira (o conteúdo dos contratos negociados entre duas partes são individuais, restritos àquelas
pessoas, não abstratas para qualquer situação.

Poder-se-ia dizer que uma norma é imperativa porque aplica-se como sendo um
instrumento coercitivo na sociedade com um carater percetivo ou proibitivo, mas as normas não são
só neste formato que se expressam: as normas também podem atribuir uma faculdade; as normas
podem também atribuir um status; et caetera. E não é só por isso que não podem ser puramente
imperativas, as normas são respostas a problemas jurídicos na ordenação social, por isso, além de
estarem em constante evolução, tal como a sociedade, estão sujeitas às opções disponíveis de tomar
relativamente aos problemas dados na sociedade.

Finalizando com esta análise inicial das normas jurídicas, resta analisar o fenómeno das
normas serem gerais e abstratas, por oposição a serem concretas e individuais. As normas serem
gerais significa elas não serem direcionadas a uma pessoa ou pessoas determinadas, tem uma
circunscrição ampla relativamente ao destinatários em que vai incidir. E repare-se que generalidade
não é o mesmo que pluralidade, enquanto generalidade é, como dito, a não existência de um
destinatário determinado a grande amplitude de possíveis destinatários, a pluralidade resulta da
existência de vários destinatários determinados. Uma norma, embora possa ser geral, pode ser
dirigida a uma só pessoa, digo, não a uma pessoa específica, caso contrário não seria isso uma
norma, mas a um titulo possivelmente exercido por uma pessoa a quem se dirige essa norma (e.g. o
Presidente da República é um titulo com algumas normas adstritas, em que alguém vai vestir esse
colete titular da presidência em que podem incidir normas, mais uma vez, não a uma pessoa
específica, mas a todas as possíveis pessoas que vistam a titularidade do cargo com normas
impostas). Abstrato significa que a norma regula ou disciplina um vasto número de situações ou
categorias

Existem seis critérios para a classificação das normas: o critério da autonomia privada;
critério da validade pessoal; critério da validade territorial/espacial; critério que distingue o direito
comum e direito especial; critério do tipo de sanção e critério da plenitude de sentido.

Critério da autonomia privada


Este critério consiste em distinguir normas dependendo da existência de vontade e a forma
que ela assume, então temos:

 Normas imperativas, são normas cuja sua aplicação não dependem da vontade das pessoas,
não normas que se impõe à sua vontade; (tu tens)
 Normas dispositivas, são normas que dão relevância à autonomia privada das pessoas, dão
importância à vontade das pessoas; (tu podes)

Normas imperativas
As normas imperativas podem classificar-se em:

 Normas percetivas, isto é, são normas impostas às pessoas com um caráter positivo, isto é,
obrigam a pessoa a fazer alguma coisa, impõe uma conduta, como é o exemplo do artigo
483º que obriga a indemnização quando há responsabilidade civil. Ou então, o artigo 875º
que diz respeito à forma dos contratos de compra e venda
 Normas proibitivas, ao contrário das percetivas, não normas proíbem uma conduta, obrigam
a não realização de uma ação, como é a proibição do casamento aos menores de dezoito
anos (artigo 1600 e 1601).

Normas dispositivas
As normas dispositivas podem classificar-se em:

 Normas facultativas (concessivas ou atributivas), isto é, normas que facultam ou permitem


um comportamento, conferem certos estados, poderes ou faculdades. São exemplos destas
normas o artigo 66º do CC que confere personalidade jurídica; o 1305º, que permite que a
pessoa goze dos seus direitos de uso, fruição e disposição da sua propriedade (tu podes); o
405 que permite a liberdade contratual no conteúdo, et caetera.
 Normas interpretativas, isto é, normas que, em caso de dúvida, esclarecem relativamente ao
sentido e alcance de uma certa expressão, declaração, norma, et caetera. É um exemplo de
uma norma interpretativa o artigo 1402º, que clarifica o sentido de certas expressões.
 Normas supletivas, isto é, visam suprir a falta de manifestação de vontade das partes de um
negócio jurídico. Um exemplo claro deste tipo de normas é o artigo 1717º do CC que supre a
falta de manifestação de vontade solucionando o problema, dizendo o que a lei faz em caso
de não haver declaração de vontade.

Critério da validade espacial


Este critério distingue as normas relativamente ao seu alcance e existem, portanto, três
possíveis classificações:
 Normas universais;
 Normas regionais;
 Normas locais;

Normas universais
As normas universais são normas que se aplicam a todo um território de um Estado,
portanto, por exemplo, as normas do código civil são todas normas universais.

Normas regionais
As normas regionais são aquelas que se aplicam apenas a uma região de um território, por
exemplo, os decretos das regiões autónomas dos Açores.

Normas locais
As normas locais são aquelas que se aplicam a apenas a região de uma autarquia locais,
como por exemplo os regulamentos locais.

Critério da validade pessoal. Critério que distingue Direito comum e Direito especial.
Por um lado têm-se as normas gerais, que são aquelas normas que estabelecem um regime-
regra para determinadas situações que estão a regular, e por outro lado, as normas excecionais são
aquelas que estabelecem o regime oposto ao regime-regra, aplicam-se a situações restritas. Por
exemplo, o artigo 1143º é uma norma excecional relativamente à 219º por estabelecer um regime
oposto ao estabelecido ao 1143º. É importante referir que, segundo o artigo 11º, do CC, as normas
excecionais têm que ser ius singulare, isto é, quando uma norma é excecional a outra tem que ser o
seu regime oposto e as situações em que regula só podem ser as estipuladas na norma (sem
aplicação analógica).

Tem-se ainda as normas especiais, que são normas que consagram especificidades e
restrições relativamente a um conjunto de pessoas, coisas ou relações com determinadas
especificidades. É um exemplo disto, o Direito do Trabalho ou o Direito Comercial em relação ao
Direito Privado comum, ou então, o Direito Penal militar em relação ao Direito Penal, que não tem
nenhuma restrição de aplicação.

Critério da plenitude de sentido.


Este critério distingue as normas relativamente à sua plenitude de sentido, ou seja, se são
completas, se, por si só, têm um sentido. Por isso, por um lado, tem-se as normas autónomas, que
são aquelas que, por si só, são completas no seu sentido, têm a hipótese legal e a estatuição nela,
por outro lado, tem-se as normas não autónomas, que são aquelas que, por si só, não são
completas no seu sentido, isto é, precisam de outras para serem completas – faltam-lhes parte ou
toda a hipótese legal ou parte ou toda a estatuição – através de remissões para outras normas, para
assim ficarem completas.

Critério do tipo de sanção.


Este critério, como o próprio nome diz, divide as normas dependendo do seu tipo de sanção,
às consequências jurídico-penais e jurídico-civis que se seguem à violação de uma norma. Então:

 Leis mais que perfeitas: são leis que comportam uma sanção civil (nulidade) e uma sanção
penal. Por exemplo, a celebração de um contrato entre um pai e uma filha é nulo (280, CC) e
acarreta uma sanção penal (405º, CP).
 Leis perfeitas: São leis que têm como sanção apenas a nulidade do ato, mas sem sanções
penais, por exemplo, a celebração de um negócio contra os bons costumes ou à ordem
pública.
 Leis menos que perfeitas: são leis que acarretam uma pena (sanção penal) mas não a
nulidade do ato, como é o caso da venda de um produto depois da hora de encerramento
regulamentado dos estabelecimentos (tem uma multa mas não anula o contrato de compra
e venda).
 Leis imperfeitas: são aquelas leis que não acarretam qualquer tipo de sanção, como as leis
aplicadas aos órgãos superiores do Estado.

Codificação e técnicas legislativas


Noção de código
Um código é uma lei em sentido material, isto é, normas gerais e abstratas com um sentido
de justiça e uma vigência que surge da coercibilidade que as acompanha. Mas não é uma lei
qualquer, é uma lei que contém uma disciplina fundamental de um ramo do direito ou de uma
matéria jurídica importante ou com uma importância vasta na vida social e que essa disciplina seja
elaborada de uma forma sistemática e unitária.

Por vezes, pode aparentar a existência destes pressupostos e não estarmos na presença de
um código. Quando uma lei regula uma disciplina de forma sistemática e unitária, conquanto a
disciplina, a matéria que esteja a ser regulada não tenha muita importância, dignidade e estabilidade
suficiente estamos na presença de um estatuto. Os estatutos organizam assim uma determinada
atividade, profissão, et caetera, como o estatuto dos Magistrados Judiciais. Por outro lado, da
mesma forma que os estatutos regulam o referido em cima, as leis com as mesmas características,
mas que regulem os serviços são chamadas leis orgânicas (e.g. lei orgânica dos Tribunais Judiciais).
São chamadas leis avulsas/extravagantes as leis que, com o objetivo de modificar ou atualizar as leis
que estão nos códigos (legislação extravagante relativo ao contrato de arrendamento, no código
civil). Estas leis, por vezes servem para completar o que o código não legislou (por vezes fica com as
matérias mais gerais, e as leis avulsas com as de modificação rápida e intensa). Microcódigos, são
sistemáticos e unificados, mas regulam matérias muito especificas, são pequenos diplomas, não têm
uma área vasta de aplicação.

Vantagens e desvantagens do código


Uma das vantagens do código é que, pela sua organização permite a uma pessoa que não
seja jurista consiga orientar-se nos diplomas legais, e assim estar a par da lei. Outra é que, pelo
código ser unificado, permite na lei não haver contradições que não se percebam, o que permite a
constante correção da lei e melhoramento. Por fim, pelo facto da lei ser sistemática permite uma
maior facilidade de encontrar uma solução, como está tudo organizado.

Das desvantagens surge-me constatar uma com grandes implicações contraditórias. O


código vê-se, teoricamente, como uma formalização e rigidez do direito. Mas não é assim, segundo o
doutor Batista Machado a codificação não é uma instituição fechada e fixa, mas um sistema aberto e
preparada à constante mudança que há na sociedade. A codificação está preparada para a
completação e complementação do Direito à medida que a sociedade vai avançando e vão surgindo
novos problemas, e à medida que, vendo como se aplica a lei na prática, corrige a lei, competindo ao
juristas esse trabalho de aperfeiçoamento da lei através da observação da observância das leis. O
código precisa então de normas amplas e inespecíficas, de forma a, dependendo da mudança, ir-se
adaptado e, de certa maneira, corrigir-se a si própria.

Então, para os códigos não ser rígido e para ser mais claro e preciso o legislador utiliza várias
técnicas para esse efeito:
Parte geral
A parte geral ou as disposições gerais, tomando por exemplo o código civil, são aquelas
presentes no início de cada livro, e no inicio do código com o objetivo de fornecer pré-decisões, para
dar uma resposta antecipada a questões preliminares que são particularizadas em sítios específicos,
dar principio fundamentais, para pôr em evidência determinadas disposições que, de tal
importância, iriam ser repetidos. Por exemplo, na parte dos contratos, para sabermos se é válido
precisamos de saber quem pode celebrar contratos, e isso, por ser uma questão de importância,
preliminar, está na parte geral do código. Isto põe em evidência certas disposições que são precisas.

Remissões
Remissões são outra técnica legislativa muito utilizada pelo legislador com o objetivo de
evitar repetições na lei.

São, portanto, normas remissivas (ou normas indiretas) as normas que o legislador, para
regular a situação em questão e em vez de mandar regular as normas da questão em causa, manda
regular ao mesmo ou a outros diplomas legais (mas do mesmo sistema jurídico – remissões
intrassistemáticas) outras normas.

Há, porém, uma variedade de remissões:

1. Remissões intersistemáticas: são remissões em que a lei manda aplicar outras


normas do mesmo sistema, no mesmo ou noutro diploma legal.
2. Remissões extras sistemáticas: são remissões em que a lei manda aplicar outras
normas de outro sistema (estranhos ou estrangeiros) como é o caso do artigo 8º,
nº1 da CRP. Resulta, muitas das vezes, de princípios de direito internacional.
3. Remissão dirigida à hipótese legal: são remissões que o legislador manda aplicar
outras normas para melhor definir a hipótese legal, para a completar. Por exemplo,
o 974º pretende definir os casos de ingratidão suscetíveis a justificarem a revogação
da doação, pelo que remete para os artigos 2035 e ss., que definem os casos de
ingratidão.
4. Remissão dirigida à estatuição: é o oposto do explicado em cima, em vez da
remissão ser feita para a hipótese legal, é feita para a estatuição.
5. Remissão à segunda potência: esta remissão é definida por, por exemplo, o artigo
433º remeter para o 289º, que por sua vez remete para o seu nº3, há, por assim
dizer, uma remissão em cadeia, uma remissão que remete para outra.
6. Remissões amplas com função integradora subsidiária, que são remissões amplas,
que podem remeter para um instituto, um diploma ou um código inteiro, com uma
finalidade integradora subsidiária, ou seja, pretende completar o sentido que falta à
norma. Por exemplo, o artigo 3º do Código Comercial dispõe de questões sobre
“direitos e obrigações comerciais” se não forem legisladas pelo código, então serão
questões decididas pelo Código Civil, ou seja, há uma remissão para o CC, de forma
a, subsidiariamente, integrar o sentido que falta ao Código Comercial.
7. Remissões amplas extensivas: ao contrário da remissão em cima, este tipo de
remissões podem, da mesma forma, remeter para um diploma inteiro, instituto ou
código, mas têm a função de estender o sentido da norma em que a remissão foi
aplicada. Por exemplo, o 939º manda aplicar as normas da compra e venda a outros
contratos onerosos, ou seja, estende o seu alcance a outros contratos onerosos.
Ficções legais
Uma ficção legal é quando o legislador finge que uma norma é igual a outra, ou seja, normas
que regulam realidades diferentes, o legislador considera-as iguais (juridicamente iguais) para as
sujeitar ao mesmo regime jurídico. Por outras palavras, uma ficção legal é a assimilação fictícia de
realidades factuais diferentes com o objetivo de sujeita-las ao mesmo regime jurídico. Por exemplo,
o artigo 224º, nº2 é uma ficção legal, pois o legislador considera as situações diferentes que são
expressas como iguais para as estabelecer no mesmo sistema jurídico (“É também considerada
eficaz”).

Definições legais
São definições legais enunciados legais que estabelecem definições e classificações de certos
conteúdos. São normas incompletas que vão integrar outras, que lhes vão dar um sentido. De forma
indireta, as definições legais são hipóteses legais de algumas normas, integram-nas. Por exemplo, o
artigo 202º, como noção de coisa.

Presunção legal
As presunções legais, como diz o artigo 349º do CC, são ilações que a lei tira a partir de um
facto conhecido para firmar um facto desconhecido. A presunções legais relacionam-se com o ónus
da prova, isto é, sempre que se invoca um direito tem que se provar os factos constitutivos, pois,
quando existe presunção legal, esta inverte o ónus da prova, pois sempre que se faz uma presunção
legal, o ónus já não é necessário para se invocar um direito, como está exposto o artigo 344º. (Nota:
a presunção legal é diferente da presunção judicial. A primeira é uma técnica legislativa, a outra não,
e a primeira é relativa à lei, a segunda ao julgador.). As presunções legais, em regra, são presunções
iuris tantum (presunção relativa), ou seja, a presunção que é ilidida perante provas contrárias, pelo
expresso no artigo 350º, nº2 e que pode ter como exemplo o artigo 1826º, que “Presume-se que o
filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mão tem como pai o marido da mãe.”,
no entanto, nem sempre é assim, por isso, mediante provas contrárias a presunção é destruída, não
é irrefutável. Por outro lado, como exceção à regra, tem-se as presunções iuris et de iuri (presunções
absolutas), isto é, presunções absolutas e irrefutáveis, que não admitem prova contrária e que
muitas vezes são apresentadas na legislação como “Considera-se sempre…”, ou “Presume-se
sempre…”, et caetera, como se pode ter como exemplo, o artigo 243º que “Considera-se sempre de
má fé…”.

Por vezes, as presunções legais confundem-se com as ficções legais, mas são técnicas
legislativas distintas, enquanto que a ficção legal parte de uma assimilação fictícia entre duas
realidades diferentes como iguais, para sujeitar as duas realidades ao mesmo regime jurídico, fingir
que duas realidades são iguais para lhes dar iguais consequências jurídicas, a presunção legal é
quando o facto presumido acompanha aquele que serve de base para a presunção, quando a partir
de um facto conhecido de firma um facto desconhecido. O primeiro finge duas realidades iguais para
as relacionar, o segundo cria uma realidade de uma facto conhecido, para as relacionar.

Dada a dificuldade de provas de certos factos constituintes de casos, a presunção legal tem
uma utilidade grande na influência decisiva nos tribunais.

Ius strictum e ius aequum. Os conceitos indeterminados e as cláusulas gerais.


A ordem jurídica precisa de assentar em conceitos claros e fixos, para assim haver segurança
e certeza jurídica. Mas, por outro lado, também precisa de se conseguir adaptar às situações de
mudança da vida, às particularidades dela e à própria evolução da sociedade, para assim haver
justiça. Portanto, o Direito, para conseguir satisfazer estes dois tipos de exigências tem, por um lado,
estruturas arquitetónicas fixas e consolidadas na ordem jurídica para trazer certeza e segurança
jurídica pelo que se dá o nome de conceitos determinados e regulamentação causística. Por outro
lado, as estruturas movediças e dinâmicas do ordenamento jurídico, os chamados conceitos
indeterminados e cláusulas gerais, vão garantir a justiça no Direito, aplicando-se a cada situação de
cada caso e tempo.

Como exemplos de conceitos determinados, ou seja, conceitos fixos em que o Direito se


apoia para garantir a segurança temos a personalidade jurídica, que é o estado de uma pessoas
sofrer de efeitos jurídicos na sua esfera jurídica, ter a capacidade de ter direitos e deveres, por
exemplo, o conceito de credor, que é aquele que tem o direito de exigir outro de uma prestação,
entre muitos mais. Para um exemplo de conceitos indeterminados são aqueles que são carecidos de
preenchimento valorativo, pois não há uma definição correta e fixa deles, é a doutrina que a faz, são
os valores que fazem, cada um pensa à sua maneira, como a boa fé, o bom pai de família, o caso de
urgência, et caetera. Dentro dos conceitos carecidos de preenchimento valorativo, podem integrar-
se os conceitos gradativos, que conforme a situação têm diferentes graus de intensidade, como o
caso de culpa, que pode ser culpa grave, culpa leve, culpa levíssima, que importa para os casos. Pode
distinguir-se ainda os conceitos indeterminados que são conceitos carecidos de preenchimento
valorativo, que são conceitos que são feitos por valores e pela doutrina, e conceitos flexíveis, que
são conceitos que remetem para dados e experiências de conteúdo sensível, como coisas fungíveis,
pode nem sempre ser fungível.

É de constar mais uma vez, que os conceitos indeterminados e as cláusulas gerais são
importantes para melhor funcionarem à complexidade da matéria, à individualidade do caso e a
mudança das situações.

Diferentes destes são as cláusulas gerais e a regulamentação casuística. A diferença entre


estes e os outros é que os outros são conceitos e estes são previsões ou regulamentações numa
norma. A diferença entre a cláusula geral e a regulamentação casuística também é simples. A
cláusula geral é a técnica legislativa que prevê ou regula casos com uma maior abertura, deixando os
casos abrangidos com uma grande indefinição, para se adaptar a cada caso. Por este motivo, muitas
das vezes uma cláusula geral está acompanhada de conceitos indeterminados. Uma regulamentação
casuística, pelo contrário, é a técnica legislativa que prevê ou regula casos concretos. É uma
regulamentação específica de casos.

É de constar que a regulamentação casuística, assim como os conceitos determinados, têm a


vantagem de serem rígidos, e por isso, garantem a certeza e a segurança jurídica, mas têm a
desvantagem de não se poderem adaptar às situações, à evolução do tempo, à especificidade de
cada caso, et caetera. Contrariamente, os conceitos indeterminados e as cláusulas gerais
comportam-se de maneira oposta relativamente às vantagens e desvantagens.

Parte III – a tutela do Direito e a garantia dos direitos


A tutela
As normas jurídicas, ao contrário das normas morais, de cortesia, ou outras normas de
conduta social, caracterizam-se pela sua coercibilidade que é garantida pelo complexo aparelho
estadual. O estado, por um lado, impõe e tutela o direito objetivo, para criar uma sociedade que visa
a paz, o bem estar, a justiça e a segurança e, por outro lado, garante os direitos subjetivos. São estas
garantias, esta tutela de que o Direito é capaz de ter por ação do aparelho estadual que existe
segurança nas pessoas (o que lhes permite realizar as relações jurídicas que quiserem) e fazer a
sociedade evoluir. É, portanto, no Direito Público que a tutela se afirma, isto é, a forma como o
Direito se protege e protege os seus membros da sociedade. Por exemplo, se A deve 100€ a B, e B
não paga por vontade própria, o através da tutela do Direito os 100€ vão ser entregues a A, ou por
ação judicial, ou por venda dos bens de B, ou por quaisquer outros meios de tutela de forma a
garantir que o direito de A é cumprido e fazer cumprir a obrigação de B. É a forma, como dito, do
Direito se proteger a si e aos membros da sociedade. O aparelho estadual organiza-se, no âmbito da
tutela, em tribunais (com o poder judicial, que vai repor a ordem e resolver conflitos de pessoas) e
com a administração (Governo, com o poder administrativo, que vai, com os seus meios, tentar
garantir que não é violada a observância da ordem social – a polícia, os tribunais, os militares com o
uso da força em ultimo ratio.

Meios de tutela jurídica


 Tutela preventiva;
 Tutela reativa;

Tutela preventiva
As medidas preventivas são aquelas que atuam antes do Direito ser violado e visam impedir
a violação de uma norma jurídica, evitar e prevenir a inobservância das normas. Nestas medidas a
atividade da autoridade pública tem grande relevo para impedir a violação das normas na atividade
dos particulares fiscalizando-os (como a ASAE faz nos restaurantes para prevenir a violação de
normas), limitando-os, et caetera. O exercício de determinadas medidas de segurança, com o
objetivo de evitar os danos sociais que poderiam advir de uma pessoa com um comportamento
perigoso (como por exemplo, a prisão preventiva de um violador para garantir que não são violadas
mais normas, limitando assim o seu exercício), ou a limitação de uma determinada atividade com
uma sanção para garantir a inexistência de possíveis danos futuros.

Tutela reativa
A tutela reativa é aquela que ocorre depois da violação ter ocorrido e, então, pela vasta
abrangência de situações que podem advir da violação do Direito, existem diversas medidas
reativas:

 Medidas compulsivas
 Medidas reconstitutivas
 Medidas punitivas
 Recusa de efeitos

Medidas compulsivas
São medidas compulsivas aquelas que pretendem atuar sobre o infrator de uma norma de
forma a constrangê-lo (forçá-lo) para que ele adote o comportamento devido, que até aí tinha sido
omitido. Um exemplo desta medida, no âmbito público é o comportamento do Estado Francês: o
devedor que não obedeça à sentença que o condena cumprir com uma obrigação fica condenado a,
cada dia que passa, pagar uma quantia acrescida ao credor, tendo assim, uma maneira eficaz de
fazer o infrator adotar o comportamento pretendido, fazer com que a sentença se cumpra. Ou
então, no âmbito do Direito Fiscal, os juros de mora agravados.

No âmbito privado podemos referir a exceção do não cumprimento de contratos e o direito


à retenção.4

4
Falar-se-á destas duas medidas compulsórias no âmbito do Direito Privado mais à frente.
Medidas reconstitutivas5
São estas as medidas que visam colocar a pessoa lesada pelo dano na situação em que
estaria se não se tivesse verificado o dano. A reconstituição da situação pode dar-se por duas vias:

 Medida reconstitutiva in natura;


 Medida reconstitutiva por mero equivalente;
 (Compensação por danos não patrimoniais);

Medida reconstitutiva in natura


Esta medida resulta da situação em que a reconstituição é possível de ocorrer reparando o
dano, devolvendo o objeto, et caetera. Por exemplo, A parte o vidro da viatura de B. B, por uma
indemnização em forma reconstitutiva natural vai reparar o vidro do carro, pondo a pessoa lesada
na situação em que estava antes do dano ter ocorrido. Ou então, a invasão, por A, da casa de B. A
reconstituição in natura seria a expulsão de B. É quando uma coisa pode ser reparada integralmente
e, por isso, é reparada a coisa danificada, no caso, um vidro novo no mesmo carro, ou então, a
desocupação da sua propriedade.

Medida reconstitutiva por mero equivalente


É uma medida que ocorre quando não é possível ocorrer a reconstituição natural, isto é,
quando não é possível reparar os danos causados, por isso dá-se uma indemnização por equivalência
dos danos causados (a quantia pressuposta aos danos que seriam suficientes para reparar a coisa).
Deste é um exemplo a situação se o carro de A explodir. B fica obrigado a indemnizar A pela quantia
que valia o carro.

Se, por algum motivo, alguém estaria dentro do carro quando explodiu, B, além da responsabilidade
penal, fica obrigado também a uma compensação por danos não patrimoniais (tristeza que A teve
pela perda, por exemplo, são danos que não se podem recuperar, por isso tenta compensar-se com
dinheiro). A isto chama-se compensação por danos não patrimoniais.

Medidas punitivas
É também de referir as sanções punitivas, que servem para o delinquente em causa sofrer o
mal que causou, ser castigado pela sociedade, através, claro está, das autoridades competentes,
pela violação de uma norma com extrema gravidade. Nestes casos, temos então a privação de um
bem pelo infrator (da vida, da liberdade, et caetera) e uma reprovação de conduta pelo seu
comportamento. Esta medida trata-se mais de um castigo do que de reconstituir algo. Claro está que
há casos em que o infrator fica adstrito a uma responsabilidade civil (a reconstituir a situação se não
se tivessem ocorridos os factos danosos) e penal (a aplicação da pena ao delinquente, uma
reprovação da sociedade – um prestar contas a ela pela violação da ordem estabelecida-, um castigo
pelo ato que cometeu de modo a reconstituir a ordem).

Recusa de efeitos (ineficácia e invalidade dos atos jurídicos)


Também podemos integrar dentro da tutela, isto é, formas de proteger o direito de
eventuais violações, a ineficácia (é nulo, porém válido, mas não produz efeitos, eles retroagem ao
momento anterior do ato) e invalidade (não tem valor – é nulo e os seus efeitos retroagem ao
momento anterior do ato) dos atos. Por exemplo, se A e B realizam um contrato de compra e venda
sem respeitar as formalidades exigidas, isto é, a realização do contrato por escritura pública ou
documento particular autenticado a sanção/prevenção da violação ocorre de forma automática, o

5
Falar-se-á mais aprofundadamente deste tipo de tutela em tutela do direito e a tutela dos direitos. Este tipo
de tutela é maioritariamente relativa aos particulares.
contrato é nulo e fica sem efeito, é invalido, porém, se o contrato mantiver a validade mas não tiver
os seus efeitos, então diz-se ineficaz.

Tutela pública (heterotutela) e tutela privada (autotutela)


Cabe, em principio, às autoridades públicas o recurso a meios para prevenir e reagir à
violação das normas impostas pelo Direitos, não cabe isso às entidades privadas, às pessoas
singulares (como diz o artigo 1º, do Código do Processo Civil: “a ninguém é lícito restituir-se ao
exercício do direito de que seja titular por sua própria força e autoridade”), salvo certas exceções.
Por isso, pode classificar-se a tutela privada como autotutela (de caráter excecional) e pública de
heterotutela (com caráter geral), pois aquela resulta de uma exceção da regra, e a outra da regra
geral.

Exceções de tutela (autotutela). Do âmbito contratual. Reconstituição compulsiva.


Exceção do não cumprimento do contrato (428º)
Consiste esta na recusa de pagamento de prestações de uma das partes enquanto a outra
não pagar, obrigado o outro a tomar o comportamento devido.

Direito de retenção (754º, CC)


No âmbito contratual, uma exceção da aplicação da tutela é o direito de retenção, que
consiste na faculdade que, em determinadas situações, o credor goza de reter uma coisa do devedor
de modo a coagi-lo a cumprir com a sua obrigação. Este direito é comum nas atividades profissionais
como as do mecânico, em que este presta o serviço, isto é, arranja o carro, e o devedor, quando já
tem o carro arranjado, diz que não paga o serviço já feito. O mecânico, enquanto credor de um
serviço, pode exercer o seu direito de retenção retendo o carro do devedor na sua propriedade até
ele cumprir com a sua obrigação, isto é, pagar o serviço que foi efetuado.

Do âmbito não contratual


Direito à resistência (21º CRP)
Este o direito que todas as pessoa têm de resistir para proteger os seus direitos, garantias e
liberdades repelindo a agressão pela força mesmo contra a administração pública.

Ação direta (336º)


A ação direta é o meio de tutela privada que consiste em, quando não possível utilizar os
meios coercitivos normais, agir de forma direta com o uso da própria força para proteger o seu
direito, sem, contudo, exceder os prejuízos proporcionais da situação.

Legitima defesa (337º)


Consiste no ato de fazer afastar qualquer agressão do próprio ou de terceiro, com uso à sua
força, desde que sejam cumpridos os seguintes pressupostos:

 O ato tem que ser ilegal e atual ou iminente;


 Tem que ser contra a pessoa em questão ou terceiro;
 Não pode ser possível recorrer a uma autoridade competente;
 Os meios que usa para se proteger têm que ser proporcionais ao dano que causaria o
agressor. Contudo, se a falta de proporcionalidade for causado pelo medo ou perturbação
inconsciente a falta de proporcionalidade é justificada.

Estado de necessidade (339º)


É a situação em que alguém se encontra, que justifica a destruição de uma coisa própria ou
alheia de forma a remover o perigo atual ou iminente, devendo preencher os seguintes
pressupostos:
 O perigo tem que ser atual ou iminente;
 Haver impossibilidade de afastar o perigo sem danificar a coisa;
 Proporcionalidade entre a coisa danificada e o bem jurídico da coisa que é salva;
 A ação não voluntária do agente que causou o dano;

A tutela dos direitos e a tutela do direito


Quando se fala em tutela do Direito quer-se dizer de que forma o Direito se protege e
protege os seus membros da sociedade? Como funcionam os mecanismos para essa defesa? Onde
agem?

Quando atrás se falou se medidas reconstitutivas tinha-se em vista mais os meios de tutela
dos direitos subjetivos que o Direito põe à disposição dos particulares em termos patrimoniais. São
exemplos disto a resolução de um contrato por incumprimento, o divórcio enquanto divórcio-sanção
e a exclusão de um sócio por violação de deveres para com a sua sociedade.

Os direitos subjetivos, no entanto, não estão apenas garantidos em relação a outros


particulares, mas também em relação ao Estado, mais especificamente, à Administração Pública. Ou
seja, um particular pode defender-se de ações de outros particulares, mas também de atos
administrativos praticados pela administração pública, sendo obrigada, quando pratica um ato ilegal
contra alguém a uma revogação ou anulação do ato administrativo e tem o direito o particular de
exigir uma indemnização contra a Administração Pública.

Quando um particular faz uso de uma tutela de um direito subjetivo para proteger um seu
interesse está, também, a proteger o direito objetivo. No caso da Administração Pública, quando um
individuo recorre de um ato administrativo ilegal está a usar um dos meios de tutela para fiscalizar
os atos administrativos. É um modo de tutelar o Direito, ao mesmo tempo que tutela um direito
subjetivo, que protege interesses de quem o protege. Claro que não são apenas particulares que
fiscalizam a ação administrativa, apelando aos superiores hierárquicos da AP – por exemplo, o
Provedor da Justiça.

Tinha também que se referir a tutela do próprio Direito Constitucional, que consiste na
tutela que consta na parte IV da CRP, e que faz uma fiscalização preventiva e a posteriori
relativamente à constitucionalidade das leis. É uma forma de tutela do Direito, de forma a nos
proteger de possíveis injustiças por inconstitucionalidade das leis.

A tutela judiciária. Os tribunais


Os tribunais enquanto função de tutela.
O artigo 202, nº2 define que aos “tribunais incumbe assegurar a defesa dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e
dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”. Repare-se então na sua função tuteladora
quando define “a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e “conflitos
de interesses públicos e privados.” (tutela de direitos) e como função “reprimir a violação da
legalidade democrática” (tutela do direito). A sua função de assegurar a defesa, garantir a ordem e a
paz, reconstitui-la através da resolução de conflitos, et caetera, tudo isto contribui para a tutela do
Direito e dos direitos.

Administração da justiça em nome do povo. Órgãos de soberania.


O principal objetivo dos tribunais é, então, a proteção dos interesses do povo e a resolução e
conflitos públicos e privados (CPR, 202º, nº 2) (tutela de direitos) de modo a garantir a proteção do
Direito (em sentido objetivo).
Segundo o artigo 202 da Constituição “Os tribunais são os órgãos de soberania com
competência para administrar a justiça em nome do povo.”, e a pergunta subsequente é: como
podem os tribunais administrar a justiça em nome do povo se não foram por eles eleitos, nem direta
nem indiretamente (como o PR, AR, et caetera). Como é possível os tribunais terem legitimidade
democrática para tomarem as suas decisões em nome do povo, se nem por ele foram eleitos?

É possível explicar este fenómeno da seguinte maneira: o povo utiliza o seu poder, que é
soberano, para escolher os seus interesses e vontades, e por isso vota em órgãos para por ele
tomarem decisões e serem representados (Assembleia de Républica, Presidente da Républica), e
estes, por sua vez vão eleger outros órgãos para representar e tomar decisões em nome do povo,
com base nos seus interesses, a legitimidade democrática indireta (governo). É possível, contudo,
notar que os tribunais não são eleitos direta nem diretamente, então, mais uma vez, como têm eles
legitimidade para serem um órgãos soberano, sendo a soberania do povo e só com atos de
passagem de legitimidade, como o voto (direto e indireto) é que se forma uma órgão soberano?
(“Em nome do povo só pode agir ou pronunciar-se quem por ele foi direta ou indiretamente
mandatado”)

A resposta é simples, todo aquele que, ao cumprir com o seu ofício e seguir os limites da lei,
fizer aquilo que foi competido pelas regras judiciárias organizativas do sistema elegidas por órgãos
de soberania (como a Assembleia que elegeu a constituição, que por sua vez, aquela, foi eleita pelo
povo) está a exercer o seu poder em nome do povo, pelos interesses do povo, e assim têm os
tribunais assegurados a legitimidade. O povo elege a AR, que por sua vez elege a constituição (regras
jurídicas organizativas do sistema), que por sua vez dá competência aos tribunais para
administrarem a justiça em nome do povo, e este, como cumpre com o seu oficio representa e tem
legitimidade do povo para exercer a soberania. Basicamente, os tribunais têm legitimidade porque
seguem a letra da lei e respeitam a forma como ela estabelece a organização dos órgãos.

Isto faz, então, com que os tribunais em todo o seu oficio estejam a realizar o interesse do
povo com a tomada de decisões justas e imparciais, pois a todo o povo interessa a prossecução da
justiça e não a parcialidade dos juízes. A pergunta que se faz, então, é a seguinte: sendo que os
tribunais resolvem conflitos de interesses, quando um elemento do povo está a ser condenado não
vai isso contra a proteção do interesses do povo que o tribunal devia proteger? Não, pois a todo o
povo interessa uma decisão justa e imparcial, precisamente para, se for ele a ser julgado ser julgado
de uma forma imparcial e justa, segundo critérios objetivos de justiça.

A independência e imparcialidade dos tribunais


Imparcialidade
Os tribunais, diga-se, os juízes têm que ser imparciais e isentos de qualquer influência
externa que comprometa qualquer forma da sua imparcialidade na sua decisão, são livres e isentos
de qualquer influência do interesse das partes (ao contrário da Administração Pública que, embora
seja imparcial, na medida em que todos são iguais perante a lei, não pode, haver, portanto,
discriminação de qualquer tipo, mas parcial no sentido de defender o interesse de uma parte, e essa
parte é a do interesse público). Há, portanto, um conjunto de estratégias de modo a garantir a
imparcialidade do juiz:

 Pedido de escusa, é um instrumento usado de modo a garantir a imparcialidade do juiz, no


qual consiste no pedido que o juiz faz para se afastar de um determinado julgamento caso
veja que a sua imparcialidade possa ser comprometida (como a de julgar um vizinho, a ex-
mulher, et caetera)
 Incidente de suspeição e outro instrumento utilizado, não pelo juiz mas sim pela ordem de
modo a garantir a imparcialidade obrigando o juiz a afastar-se do julgamento por ter algo
que ver com ele. Basicamente é o pedido de escusa, mas não um pedido – uma obrigação.

Independência
Ligada à imparcialidade dos tribunais e, consequentemente, dos juízes, está a independência
destes – como está expresso no artigo 203 da CRP, os tribunais são independentes e apenas estão
sujeitos à lei - , e tal como na imparcialidade, vários princípios garantem a independência dos
tribunais, entre os quais:

 Principio da irresponsabilidade: Segundo o artigo 216, nº 2 da CRP, os juízes não podem ser
responsabilizados pelas decisões que tomam (salvo raríssimas exceções contidas na lei)
precisamente para garantir a sua independência, se ele beneficiasse grandes empresas em
detrimento do cidadão comum para salvaguardar o seu bem estar, isso não seria garantir
pela independência e justiça.
 Principio da inamovibilidade: Segundo o mesmo artigo nº1, os juízes só podem mudar de
região conforme critérios legais do Conselho Superior de Magistratura, para garantir a
independência dos juízes de forma a que eles não julgassem mal para serem movidos
daquela região.
 Dedicação exclusiva: A impossibilidade de ter qualquer outra atividade profissional nem ser
membro de nenhum partido político, para assim garantir a sua independência nos seus
interesses e opiniões; não pode defender os interesses de uma secção, mas sim do povo
todo.
 Autogoverno: Segundo o artigo 215, nº1, os juízes dos tribunais formam um corpo único, ou
seja, não há hierarquias, ninguém manda em ninguém, só quando o julgado recorre a um
tribunal superior ( que é superior, não por mandar nos inferiores, mas por julgar casos mais
importantes e pormenorizados)

Organização dos tribunais

Parte III – as fontes do Direito e vigência das normas


Noção e o problema das fontes.
As fontes do Direito são os modos de produção e de exteriorização do Direito. Então, nasce
instintivamente um problema, o de saber quais são essas fontes e como adquirem validade.

O problema das fontes.


O problema das fontes de direitos consiste no problema de saber quais como as fontes
adquirem validade, isto é, como são suscetíveis de ser aplicáveis no Direito, e quem decidiria isso. O
estatismo defende que só os titulares de funções legislativas tinham validade para criar direitos
através, por exemplo, das leis. As restantes fontes seriam reguladas pelas únicas fontes credíveis –
as criadas pelos titulares das funções legislativas – as leis. Por isso, pode afirmar-se que existiriam
fontes de primeiro grau – as leis – que determinariam quais as fontes e funções das fontes de
segundo grau.

A posição da doutrina
A posição da doutrina é ambígua e não tem um claro sentido. Por um lado, há quem defenda
a chamada visão positivista, isto é, a visão que defende que as fontes do direito só podem ser
criadas por titulares de quem tem uma função legislativa, como é o caso da assembleia constituinte
que formula uma constituição ( a lei fundamental de um país). Esta visão defende que a formação de
Direito, isto é, as várias fontes de Direito formam-se pela decisão de uma autoridade que, por sua
vez, vai imputar normas jurídicas na sociedade. Ora, por sua vez, estas normas imputadas por uma
autoridade legislativa, e por isso válidas para o Direito, vão criar as outras fontes do Direito. Passo a
explicar com um exemplo: a assembleia constituinte, que é uma autoridade legislativa, cria uma
constituição, que é uma norma jurídica, várias na verdade, validas para o Direito por terem sido
imputadas por uma autoridade. A constituição, por sua vez, tem, nas suas normas, expressas as
várias possíveis fontes de Direito, podendo assim distinguir fontes de primeiro grau (as imputadas
por uma autoridade) e as de segundo grau (as causais, que as normas das fontes de primeiro grau
vão criar). Isto quer dizer, de acordo com o principio democrático, estas normas imputadas pelas
forças de autoridade foram-nas por atos de vontade da maioria (pois é a maioria que escolhe a
assembleia, vota a constituição, et caetera), são a positivação das normas jurídicas, da validade das
fontes do direito. Há, porém, algumas incongruências, como o facto de não poder ser só a vontade
da maioria que faz as normas, o Direito, senão se a vontade da maioria fosse invadir outros Estado,
ora assim era feito. Ou, no caso de só o legislador, a assembleia, os titulares da função legislativa,
portanto, serem autoridade e, por isso, imputarem normas jurídicas. Se isso acontecesse seria um
desastre, se o legislador dissesse que era possível matar alguém sem haver qualquer tipo de
punição, isso não pode acontecer.

Por isso, vem a visão naturalista, precisamente, para resolver estas incongruências da visão
positivista, e diz que há certos princípios que estão acima destas normas, da constituição, et caetera,
que ninguém pode violar, de modo, então, a garantir o não abuso e discrepâncias de normas e de
criação de fontes de Direito. Não é, portanto, a vontade da maioria que faz as fontes do Direito, é,
então, certos principio que são antecedentes à constituição e que, por conseguinte, devem ser
respeitados pelas normas abaixo daquela.

Em suma, pode concluir-se que, primeiro, existem fontes de Direito que são inviáveis de
serem positivadas (a morte de alguém, por exemplo)

Classificação das fontes de Direito


As fontes de Direito, como distinguidas no nosso Código Civil, podem ser imediatas (artigo
1º, CC) ou mediatas. As imediatas são as fontes que têm força normativa própria, vinculam-se ao
Direito por si só, valem por si só, como é o caso das “leis e as normas corporativas”. As mediatas, são
aquelas, tal como o próprio nome indica, que precisam de um mediador, não valem por si só, que
são as fontes imediatas, para valerem no Direito, para terem força normativa ( que só as outras
fontes dão). A fonte imediata mais comum que dá força às fontes mediatas é a lei. Elas podem
também ser distinguidas enquanto fontes voluntárias, isto é, pressupõe de um ato explicativo de
criação normativa, explicitam uma vontade para criarem normas (como é o caso da lei visto que é
criada como o pressuposto de uma produção de outras normas), e fontes involuntárias, isto é, não
são acompanhadas por atos explicativos de criação de normas, não explicitam uma vontade para a
criação de normas, é “inconsciente” (como os Princípios Fundamentais).

Fontes voluntárias
A lei
A lei pode classificar-se como lei em sentido material, e neste caso, a lei é a declaração de
uma ou mais normas jurídicas emanadas por uma autoridade competente, e como lei em sentido
formal, e neste caso, a lei consiste em quaisquer diplomas emanado pelo (nosso) órgão legislativo
por excelência, digo, Assembleia da República, sendo aqueles normas jurídicas ou comandos
concretos e individuais. São leis formais e materiais a constituição, as leis da Assembleia, os
decretos-leis do Governo, et caetera.
A jurisprudência
Por jurisprudência entende-se o conjunto de decisões em que se exprimem os tribunais num
determinado caso em concreto e, por conseguinte, a expressão tida por eles vai servir de vinculação
dessa decisão aos restantes tribunais pela chamada regra de precedência, é assim que se forma a
common law que é a base do Tribunal Europeu. Isto é, é submetido a um tribunal um caso em
concreto que é obrigado a julgar, julga, exprime a sua opinião, e com a regra da precedência, que faz
a common law, todos os outros tribunais vão estar vinculados a assim julgar em todos os outros
casos parecidos. Por isso, a jurisprudência, embora não crie Direito, não é uma fonte de Direito por
si só, as decisões dos tribunais, em Portugal, só têm força vinculativa nos limites dos casos julgados,
é fonte de Direito apenas na seguinte medida: quando, nos acórdãos pelo Tribunal Constitucional ou
nos Tribunais Administrativos declara a inconstitucionalidade de uma norma ou, quando os tribunais
criam jurisprudência expressam a sua opinião de direito relativamente a um caso em concreto e,
embora isso não seja fonte de Direito, pode vir a sê-lo indiretamente, isto é, quando os tribunais
criam a tal jurisprudência estão a criar uma consciência jurídica geral que, por sua vez, pode ter
influência na feitura de normas por via legislativa, uma fonte de Direito.

A doutrina
Constam na doutrina as opiniões e pareceres dos vários jurisconsultos, são, basicamente,
formas de ver, interpretar e integrar o Direito. Em Portugal, e em mais nenhum lugar atual a
doutrina é fonte de Direito, mas já a foi, na Antiga Roma, onde os jurisconsultos com a sua autoritas
eram capazes de criar vinculação do que achavam do direito para lá do caso em concreto: criavam
Direito. São exemplos de doutrina, teses, monografias, anotações, et caetera.

Fontes não voluntárias


O Costume
Costume pode ser definido como prática social constante acompanhada por um sentimento
de obrigatoriedade, ou seja, é uma prática com eficácia social pois é constante (e porque é
constante?) acompanhado por um sentimento de seguimento de um ideal de justiça. Ele é dividido
me duas parte: o corpus, isto é, a prática constante de determinado comportamento e o animus, isto
é, o sentimento e convicção que a prática daquele comportamento é o mais justo. Pode então
afirmar-se que o costume, o Direito Consuetudinário é uma fonte de Direito imediato, não precisa
de nenhuma norma para ter força, tem a força do costume, e, é certo, que já foi fonte de Direito
imediato, até já foi a fonte de principal, na Antiga Roma, por exemplo, mas com o passar dos séculos
esta fonte foi enfraquecendo (já não é imediata, algo criticado pelo Doutor Batista Machado, pois a
lei ordinária não deveria ter legitimidade para excluir com validade das normas consuetudinárias) e
agora consta apenas, indiretamente, no artigo 348º do CC. No Direito Internacional Público, o
costume é ainda uma importante fonte de Direito.

Os usos
Os usos são o corpus do costume, ou seja, a prática de um comportamento constante. São
permitidos quando não vão contra a boa fé e quando a lei o permitir (artigo 4, CC).

Os princípios fundamentais
Para finalizar com as fontes de Direito não voluntária resta analisar os princípios
fundamentais. Estes são universais e transcendem qualquer ordenamento jurídico (estão acima, até
da CRP), consistem no conjunto de princípios de tal ordem importantes que estão no topo das fontes
de Direito, que ninguém os pode desrespeitar, são a validade de qualquer ordenamento jurídico , no
fundo, pois eles próprios representam um ideal puro de justiça que consta no sentimento jurídico da
comunidade. São importantes também para a limitação do legislador, impedindo-o de ultrapassar
aquela “barreira”.
A entrada em vigor das leis.
O inicio de vigências das leis são definidas pelo artigo 5º do CC “Entre a publicação e a
vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for
determinado em legislação especial. O tempo entre a publicação e a entrada de vigor da lei chama-
se vaccatio legis e destina-se a dar às pessoas o conhecimento das leis. Na falta de fixação do dia do
inicio de vigência, dá-se no 5º dia a partir da publicação da lei.

O termo de vigência da lei


O termo de vigência da lei dá-se por várias formas, tais como a caducidade e a revogação, ou
ainda, que não é considerado por Batista Machado, o costume contrário e o desuso.

A caducidade de uma lei dá-se quando ocorre a superveniência de um facto previsto pela
própria norma, isto é, a situação a que a lei regulava deixa de existir, pelo que a extinção desta lei foi
já prevista por ela – vigência temporária – ou então, também ocorrendo superveniência de um facto,
mas desta vez inesperado, ou seja, a situação que a lei regulava deixa de existir tornando-se inútil,
por isso a lei caduca. Por isso mesmo é importante, e existe constantemente, revisões das leis, para
verificar se as situações ainda existem. Por exemplo, se o covid desaparecesse, as leis que impõe
restrições na liberdade das pessoas deixariam de fazer sentido.

Tem-se também a revogação, isto é, a lei deixa de vigorar quando entra em vigor outra lei. A
revogação pode ser expressa, ou seja, diz-se expressamente que certa lei é revogada (“fica
revogado…”) ou então existe uma revogação tácita, ou seja, a entrada de outra lei revoga a lei
antiga, ou pela LA e a LN serem incompatíveis nas suas disposições, ou porque a LN substitui
integralmente o sentido da LA (substituição global) como consta no artigo 7º, nº 2.

É de constatar a exceção do nº3, que diz que a entrada em vigor de uma LN geral não revoga
uma lei especial, a não ser que seja essa a vontade do legislador.

Hierarquia das normas. Conflito de normas.


As normas, como seria de esperar, nem sempre estão em concordância e, por vezes,
sobrepõe-se umas às outras. A questão que se coloca, portanto, é: que norma prevalece?

Existem, no âmbito da disciplina de IED, três critérios que são importantes de referir
relativamente ao conflito de normas. Em primeiro tem-se o critério da superioridade, que diz que
no caso de um conflito, a norma que prevalece é a de hierarquia superior em relação à de hierarquia
inferior. Claro está que a hierarquia das normas depende da hierarquia das fontes em que estão
inseridas. Por exemplo, pode fazer-se logo uma distinção entre as leis constitucionais e as leis
ordinárias. As leis ordinárias, por serem de hierarquia inferior, que estejam contra as leis
constitucionais não inconstitucionais. Vê-se também no artigo 7º que, com a mesma hierarquia, a lei
mais recente é aquela que prevalece, chama-se o critério de posteridade. Por fim, como também se
pode ver no artigo 7º, nº3, as leis especiais prevalecem sobre as leis gerai, a não ser que o legislador
queira o contrário, a este critério chama-se o critério da especialidade, em que a norma especial
prevalece.

Porém, mesmo com estes critério, podem existir conflitos de normas no tempo, quando as
leis vão mudando e surgindo outras, e as leis entram em conflito (qual é a lei que se aplica, a LN ou a
LA?), no espaço, quando o ordenamento jurídico da situação é diferente e, por fim, um conflito
interno de normas, quando o mesmo facto é regulado por duas normas simultaneamente, com
efeitos diferentes, opostos. 6

6
Estes temas vão ser explorados mais à frente, na aplicação das leis no tempo e no espaço.
Parte V – interpretação e integração das leis
A interpretação. Noção.
A interpretação da lei surge pela necessidade de estabelecer um sentido e conteúdo de uma
norma, devido aos seus múltiplos sentidos inerentes ao texto escrito, tentando escrever a essência
de uma norma. A disposição legal apresenta-se ao jurista num conjunto de palavras, de enunciados
com sentidos múltiplos (característica da ambiguidade da língua), a chamada leges (lei). Ora, ao
jurista não lhe interessa apenas a lei enquanto elemento textual (enquanto que, por exemplo, a um
jornalista, interessa só a secção da lei, e dessa secção apenas o elemento textual, a letra da lei, o que
está escrito), interessa-lhe ler aquilo que está para além da lei, a essência da norma, não só, indo
ainda mais longe, a essência de ser do Direito. Dado essa necessidade fundamental do jurista de
compreender, relacionar, interpretar o texto, não só naquilo que está escrito, mas também, naquilo
que quer dizer (a sua essência7), e da consequência direta desta necessidade de compreensão que é
a compreensão do texto escrito (por ser ambíguo) de maneiras diferentes pelos diversos juristas, é
que surge a necessidade da interpretação da lei, para, então, dos vários sentidos possíveis daquele
elemento textual, escolher um sentido e alcance que a lei (o texto) pode tomar – nisto consiste a
interpretação da lei, como já dito. E, como seria de calcular, visto que o Direito visa a segurança e
ordem social, o sentido fixado e alcance definido precisam de ir ao encontro do sentido mais comum
na sociedade, o mais frequente, para assim chegar a uma uniformidade de soluções daquela norma.
Ora, podemos então concluir que há ainda mais profundidade na compreensão do jurista: ele não se
deixa ficar apenas na chamada rationes leges (essência da lei, a sua razão de ser, aquilo que o
legislador quis, verdadeiramente, legislar), mas sim na rationes iuris (chegar à razão de ser, à
essência do Direito).

Então, para o efeito de escolher um sentido mais comum na sociedade, para ir ao encontro
da essência do Direito, para compreender verdadeiramente uma norma, isto é, para interpretar a lei,
recorre-se aquilo que se chama metodologia da interpretação ou hermenêutica jurídica, isto é, a
forma de orientar a maneira de interpretar o texto legal.

Em suma, ao jurista apresenta-se a leges, a norma escrita no texto legal que traduz a
rationes leges, a norma na sua essência, e é através da interpretação que o jurista passa da
compreensão da leges, para a verdadeira compreensão dela, isto é, a compreensão da rationes
leges, e, consequentemente, da rationes iuris. Para fazer isso utiliza a metodologia da interpretação
ou a hermenêutica jurídica.

7
O legislador quando formulou a norma, fê-lo por algum sentido, ele quis dizer alguma coisa com aquela
norma escrita que não é o que ela diz diretamente, é preciso, então, interpretar a lei de uma forma mais funda
para perceber o seu verdadeiro sentido, o que o legislador pretendeu com aquele conjunto de palavras
escritas.
A interpretação autêntica e a interpretação doutrinal.
Existem, então, duas formas de interpretação: a interpretação autêntica e a interpretação
doutrinal. A primeira é realizada pelo mesmo órgão que criou a lei e visa resolver uma dúvida que se
criou na sociedade, isto é, no caso de ter sido a Assembleia da Républica a criar a lei, é ela que vai,
através das leis interpretativas (leis que vêm resolver a dúvida suscitada numa lei) resolver o
conflito, as dúvidas que se criaram com aquela lei. E, como expresso no artigo 13º do CC, “a lei
interpretativa integra-se na lei interpretada”, quer isto dizer, portanto, que a lei interpretativa vai
agir na lei interpretada com efeitos retroativos ao momento em que entrou em vigor a primeira lei,
vai substituir o sentido daquela lei com efeitos futuros e passados, salvo certas exceções (caso
julgado, transação ou atos de análoga natureza – 13º, nº1). Esta forma de interpretar é uma fonte de
Direito, transforma uma lei.

Por outro lado, a segunda forma de interpretação, a interpretação doutrinal, é realizada por
intérpretes, isto é, quem interpreta a lei (quer, por um lado, teóricos, quer, por outro, práticos, como
os advogados ou juízes, que se apercebem da dúvida no “ir e vir entre a realidade e a norma”). Não é
uma fonte de Direito, é apenas uma forma de persuasão, jurisprudência, doutrina.

Neste âmbito surge a querela dos métodos, como já a seguir se vai falar.

A querela dos métodos


A querela dos métodos surge do exposto no artigo 9º do CC “A interpretação não deve
cingir-se à letra da lei, mas reconstituir-se a partir dos textos o pensamento legislativo”, surgindo
duas posições doutrinais contrapostas na interpretação da lei: a corrente subjetivista, em que
prevalece o mens legislators, isto é, a vontade ou intenção que o legislador quis dar à lei, pelo que,
para analisar a lei é preciso analisar o processo de criação que o legislador passou para criar a lei,
tem que se ir à descoberta da vontade do legislador, e a corrente objetivista em que, pelo contrário,
prevalece a mens legis, ou seja, a vontade ou intenção que está na lei, expressa lá, por isso a analise
da lei pressupõe a analise daquilo que a lei quer dizer (letra da lei), a descoberta da formula
normativa objetivada.

Ao lado desta alternativa tem-se as correntes historicistas e atualistas que contrapõe a lei e a
vida, o passado e o presente. Por um lado tem-se a corrente que historicista, que defende que o que
deve prevalecer é a rigidez da lei, a imutabilidade das leis, ou então a corrente atualista, que
defende que deve prevalecer a dinâmica e a evolução da vida.

Orientação subjetivista (vontade do legislador)


A orientação subjetivista defende então que deve prevalecer a vontade do legislador (mens
legislator), o pensamento legislativo que ele teve quando fez a lei. Há, portanto, dois argumentos
que defendem esta teoria do subjetivismo. Primeiro, o dever de obediência/principio de separação
de poderes, isto é, nós devemos obediência ao legislador pois, primeiro, ele tem competências para
estar a legislar aquela matéria (e também porque votamos nele), é legítimo que se procure o que ele
quis dizer quando fez a norma – tem poder para isso – e não o que a lei diz pelo seu texto, que como
já se viu, muitas vezes é ambíguo, e segundo, caso sigamos a corrente subjetivista estamos a
uniformizar o Direito e a garantir a segurança nele, isto é, como só existe uma possível
interpretação, que é a vontade do legislador, só existe essa possível interpretação para as pessoas.
Os objetivistas refutam este argumento dizendo que não é possível, por o legislador ser um órgão
colegial, encontrar a vontade histórica dele, pois cada um dos seus membros viu a norma com um
sentido diferente. Em todo o caso, permaneceria válido o argumento do dever de obediência.

A orientação subjetivista pode distinguir-se em subjetivismo extremo, que é aquele que diz
que no texto da lei não precisa sequer de estar a vontade do legislador, até poder sair fora do
sentido do texto, desde que esteja de acordo com a a vontade dele, e subjetivismo moderado, que
obriga a um mínimo de reflexão no texto legal da vontade do legislador.

Emparelhando com as outras duas teorias, pode dizer que há dois tipos de subjetivistas, os
subjetivistas historicistas, que são aqueles que defendem que o que prevalece é a vontade e o
pensamento do legislador quando ele fez a lei, a vontade que ele teve, e os subjetivistas atualistas,
que defendem que o que prevalece é a vontade do legislador adaptada à realidade de hoje, ou seja,
o que o legislador quereria dizer se fizesse aquela lei hoje.

Orientação objetivista (vontade da lei)


A orientação objetivista, ao contrário da subjetivista, defende que o sentido deve ser aquele
que, de forma mais racional, se consegue extrair do texto. Por isso, os objetivistas consideram um
legislador ideal, que faz as leis da forma mais razoável possível, para assim também interpretarem as
normas, à corrente que interpreta as leis da forma mais racional pelo que está no texto chama-se
objetivismo histórico, por verem o texto como sempre foi. Se os objetivistas forem interpretando o
texto da forma que for mais razoável ao longo do tempo, então diz-se que são objetivistas atualistas,
pois o texto vai evoluindo com a vida, é maleável.

Há, portanto, dois argumentos que defendem esta teoria. Por um lado a justeza que esta
corrente dá ao Direito, pois interpretam o texto da forma mais razoável possível, ou seja, irá ser a
mais justa e, por outro, na vertente atualista, confere maleabilidade ao Direito e uma maior
aplicabilidade do Direito à realidade que sempre evolui e muda. Existem, claro está, refutações, tais
como a diversidade de interpretações que o texto comporta, e consequente diferença nos casos
julgados, efetivando a incerteza jurídica (cada pessoa vê o texto à sua maneira). Pois, à retidão e
maleabilidade do Direito se contrapõe a incerteza e insegurança jurídica, pois toda a gente vê a
norma à sua maneira e a disparidade de julgados existe.

Elementos de interpretação (fatores hermenêuticos)


Os elementos de interpretação, isto é, a forma como a interpretação acontece, são dois: o
elemento gramatical e o elemento lógico.

O elemento gramatical (a letra da lei/o texto)


O ponto de partida da interpretação é o que está escrito no texto, ler as palavras que
o legislador escolheu para exprimir uma norma. Depois disto, a interpretação tem duas funções, a
função negativa, e depois, a positiva. A função negativa consiste na exclusão dos sentidos que, por
nenhuma correspondência do o escrito na lei, não são possíveis de estarem expressos no texto. Ora,
a contrario 8da função negativas temos a função positiva, isto é, encontrar o sentido mais comum da
norma, fixar o sentido e alcance da norma, ou seja, dos sentidos excluídos, a contrario, temos os
sentidos que não estão excluídos, e desses precisamos de escolher um, o mais comum, aquele que,
de uma forma mais natural se encaixa no texto, aquele que, de forma menos forçada, combina com
as palavras da lei. Define-se, assim, o sentido e alcance que uma norma tem através da analise na
letra da lei. Mas, como expresso no artigo 9º CC, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei,
mas reconstituir-se a partir dos textos o pensamento legislativo”, ou seja, não nos podemos cingir à
letra da lei, temos que passar ao próximo passo, o pensamento legislativo, então, o elemento lógico
da interpretação, pois, por vezes, percebemos que a letra da lei, àquele sentido que captamos não
corresponde a sua essência, a sua razão de ser (da norma).

Elemento lógico
No elemento lógico constam três elementos que o formam: o elemento
racional/teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico.

Elemento racional/teleológico
Este elemento prende-se com a razão de ser na norma, o porquê dela ter
sido criada (para que serve?), quais são os interesses que a norma visa regular e como vai
isso fazer, fundamentalmente, qual foi a racionalidade do legislador que lhe criou a
necessidade de criar aquela norma. Estas perguntas que formam o elemento racional do
elemento lógico da interpretação são justificadas e respondidas (compreendidas) com a
occasio legis9. Por exemplo, na específica situação pandémica, um conjunto de diplomas
forma aprovados, e a sua compreensão só é possível se for analisado o occasio legis, a
limitação de liberdade só é possível com o perceber das circunstâncias que rodeiam a
criação essa norma.

Elemento sistemático
Este elemento é o lugar onde a norma, no ordenamento jurídico, está
inserido, que nos permite perceber essa norma e interpretá-lo corretamente 10 (sabendo onde se
insere é mais fácil perceber o que está a regular – interpretar corretamente. Existem, portanto, duas
formas de localizar uma norma: por contexto da lei e por lugares paralelos.

O contexto da lei é analisar o sitio onde a norma está integrada para


perceber o que ela regula, isto é, existem normas que se inserem no mesmo instituto 11 mas que
regulam aspetos diferentes, questões diferentes do mesmo instituto. Por exemplo, as normas 487º e
488º do CC regulam questões diferentes do mesmo instituto da responsabilidade civil
extracontratual por factos ilícitos culposos (com este contexto legal, de se inserirem neste instituto,
já é possível perceber o porquê na norma ter sido criada, o que regula – 487º regula a culpa, “factos
ilícitos culposos; 488º, imputabilidade, ou seja, quem não pode ter culpa).

Os lugares paralelos regulam diferentes questões, mas semelhantes e, por


isso relacionam-se, por exemplo, quando o legislador fala de uma determinada questão que é
semelhante em dois institutos diferentes, manda aplicar a norma no lugar paralelo de uma norma (e
8
Expressão latina que define o contrário do que está expresso num exposto. Se uma norma diz, por exemplo,
que os bens imóveis são A, então os bens móveis são B, a contrario de A.
9
Conjunto de circunstâncias (na sociedade – políticas, sociais, económicas, et caetera, que se relacionam com
a criação da norma, que a justifiquem e permitem compreende-la).
10
Isto só é possível de acontecer por toda a norma concretiza e se relaciona com todo o ordenamento jurídico
de uma forma unitária. Tudo está milimetricamente localizado e relacionado – as normas comunicam umas
com as outras, são células vivas em constante diálogo.
11
Conjunto de normas e princípios que regem determinadas situações ou entidades jurídicas.
se é paralelo percebe-se como melhor se interpreta uma norma). O legislador evita, então, mal
entendidos e expõe sempre a norma mais simples e clara (remetendo para os lugares paralelos).

Elemento histórico
Este elemento, para finalizar, compreende todos os materiais relacionados
com a história de uma norma que nos permite interpretá-la com as evoluções e forma como foi sido
criada, como foi nascendo (pequenas alterações, por exemplo que, no seu processo criativo nos
ajudam a perceber o que realmente quis o legislador dizer). Constam, neste elemento, a história
evolutiva da norma, as fontes da lei e, por fim, os trabalhos preparatórios.

A história evolutiva da norma contida num determinado regime jurídico, ou seja, a forma
como uma norma foi evoluindo (uma alteração, uma mudança de palavras, et caetera, um e em vez
de ou) permite saber o que quis o legislador dizer de uma forma mais clara, permite melhor
interpretar. As fontes da lei, ou seja, os textos legais e doutrinais que inspiraram o legislador na
elaboração de uma lei, são as fontes onde ele foi beber a sua inspiração para criar tal ou tal norma.
Por exemplo, o legislador, para formular o artigo relativo à responsabilidade civil (483º) inspirou-se
no código alemão, mas, por outro lado, a imputabilidade foi ao italiano. É as fontes onde ele se vai
inspirar para a criação de normas. Por fim, os trabalhos preparatórios, são todos os projetos de
preparação da normas que o legislador faz, tudo o que ele utiliza no processo de nascimento de uma
norma, o seu trabalho preparatório que nos permite calcular a melhor forma de interpretar certa
norma, pelo seu trabalho prévio e sua direção.

Os resultados da interpretação
O interprete da norma, ao interpretar, chega a uma determinada conclusão do sentido e
alcance da norma. Então, podem classificar-se esses vários resultados da seguinte forma:

Interpretação declarativa
Neste tipo de interpretações o sentido da norma é claro e direto, portanto resta ao
interprete interpretar o sentido que tem de dar à norma que corresponde ao pensamento
legislativo. Verifica-se quando o espírito da norma coincide perfeitamente com a letra da lei. O
legislador disse precisamente o que queria dizer. A única dificuldade que pode surgir neste tipo de
interpretação é a ambiguidade natural das palavras.

Interpretação extensiva
Resulta quando a letra da lei e o espirito da lei não coincidem, ou seja, quando a norma diz
menos do que aquilo que era pretendido que dissesse, a letra da lei ficou aquém do que o espirito
da lei quis dizer. Assim, o intérprete utiliza dois argumentos para fundamentar a sua escolha de
sentido da interpretação, pois ele vai ter que alargar o sentido que a norma comporta para chegar
ao seu verdadeiro espírito (como chegou àquele resultado?): o argumento de identidade de razão e
o argumento de maioria de razão. O primeiro argumento resulta de, pelo facto de duas normas
serem semelhantes então o regime aplicado é o mesmo. O segundo resulta quando uma lei aplica
uma solução para um regime e por outra lei ter motivos mais fortes que a primeira, também se
aplica ao mesmo regime, à mesma interpretação.

Interpretação restritiva
Este tipo de interpretação, pelo contrário, resulta também quando a letra da lei e o espírito
não coincidem. Nestes casos, o intérprete tem que retificar o sentido da norma para lhe atribuir o
seu verdadeiro sentido. Neste caso, a letra da lei diz mais do que o espírito da lei, a letra da lei vai
para além do espirito da lei. Claro que ao fazer isso, o intérprete tem que ter em atenção o exposto
no artigo 9º, isto é, dar importância à teria da alusão, exposto no nº2, e não se reger apenas pelo
que diz a letra da lei. O intérprete vai, então, restringir a norma a um sentido menor do que aquele
que ela está a dizer, para se chegar à sua essência.

Interpretação revogatória ou ab-rogante


O resultado desta interpretação é o intérprete reconhecer que o sentido da lei é indecifrável
por haver uma impossibilidade ou contradição entre o espírito da norma e a sua letra. Ou seja, do
confronto entre o espírito da lei e a letra da lei não se consegue retirar nenhum sentido, por isso, o
intérprete não mata a lei quando percebe isto, pois isso não seria interpretar, mas sim, percebe que
ela está morta.

Este tipo de interpretação é muito rara pois o legislador tem sempre que se sujeitar ao artigo
9º, nº3.

Interpretação corretiva
Esta interpretação verifica-se quando o sentido real da lei é afastado, modificado ou corrido
pelo intérprete com o argumento que se o legislador tivesse previsto aqueles resultados nunca teria
feito aquelas normas. Este tipo de interpretação é admitido em situações que vão contra o direito
natural ou contra a norma é de tal forma inadequada ao seu espírito, que vai contra a justiça de
certo caso, de acordo com a hierarquia das fontes. A interpretação corretiva não pode ser entendida
como interpretação, mas sim como garantia da validade das leis.

Interpretação enunciativa
Este tipo de interpretação é aquela que, através de inferências lógicas se consegue
determinar o alcance da norma através de três argumentos:

 O argumento que diz que o que permite o mais também permite o menos, isto é, se uma
norma permite que seja alienado algo, também tem que permitir que seja onerada.
 O argumento que diz que o que proíbe o menos também proíbe o mais, isto é, se uma
norma proíbe que algo seja onerado, também tem que proibir que algo seja alienado.
 O argumento que diz que tudo o que não é estabelecido na norma é estabelecido no regime
oposto ao regime-regra da norma, ou seja, é uma norma excecional de um regime regra,
quando a norma não abrange esses casos. A partir de uma norma excecional, deduz-se a
contrario que os casos que a norma não contempla seguem o regime oposto ao regime-
regra.

É importante referir que antes de se aplicar o regime a contrario tem que se verificar o exposto
no artigo 11º, ou seja, as normas excecionais não permitem aplicações analógicas, isto é, de casos
concretos análogos se aplicar a mesma norma, mas permitem interpretações extensivas, isto é,
através do sentido das palavras aumentos o alcance delas e o sentido da norma.

Conclui-se, então, que a interpretação é a forma como se decifra o sentido e o conteúdo de uma
lei.

Posição do código civil relativamente à interpretação das leis


Já sabemos que temos duas doutrinas relativamente à interpretação da lei, uma objetivista e
outra subjetivista. A questão inerente agora é saber qual é a posição do nosso CC a esse respeito. E
para sabermos a resposta vamos ao artigo 9º do código que fala neste tema. É este o artigo ao qual
nos vamos centrar agora, e que diz respeito à interpretação das leis no nosso CC. O artigo 9º, não
toma um lado desta querela, pelo que se pode ver no nº1 do artigo (“A interpretação não deve
cingir-se à letra da lei, mas reconstituir-se a partir dos textos o pensamento legislativo”). Ou seja, ele
diz que para interpretar-mos uma lei precisamos do enunciado legislativo, mas não podemos apenas
cingirmo-nos a ele – excluindo o objetivismo extremo – mas também não podemos apenas guiar-nos
pelo pensamento legislativo – excluindo o subjetivismo extremo. O código estabelece que tem que
se partir do texto para chegar ao pensamento legislativo, ao espírito da lei, mas o texto tem que, em
patamares mínimos, dirigir-se ao sentido do espírito da lei. Pode, portanto, dar-se uso a vários tipos
de interpretação: extensiva, restritiva, até corretiva, para se chegar ao espírito da lei, o importante é
estar lá. A letra da lei é, portanto, o ponto de partida da interpretação, mas também o limite dela,
como se pode verificar no nº 2 do mesmo artigo (“Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete
o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência”).

Ainda no que se refere à letra da lei, há ainda uma outra função, além de ser o ponto de
partida e o limite da interpretação, é também a letra da lei que fortifica a interpretação, pelo
exposto no nº 3 do artigo (“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o
legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados”). Portanto, o que temos aqui é a forma que o legislador arranjou para tornar mais forte
a interpretação da lei, guiando-nos, aos destinatários das leis, através de uma presunção, para uma
interpretação natural e correta (pois o legislador exprime no texto legislativo o sentido da lei nos
termos adequados). É com outra presunção, também, que o legislador cria um legislador ideal,
também para tornar maus forte a interpretação, pois o legislador diz que se exprimiu da forma mais
justa, correta, sábia, no fundo, exprimiu-se da melhor maneira possível – “consagrou as soluções
mais adequadas.”. Portanto, se o legislador tomou as soluções mais adequadas e exprimiu-as da
melhor forma possível, a interpretação é protegida por um manto que a fortifica, é impossível
enganar.

No entanto, faz-se a questão de o que acontece quando estas duas presunções entram em
conflito por a forma mais natural e correta de interpretar uma lei não ser a melhor forma de o fazer,
nem a forma acertada. O que fazer? Qual das presunções prevalece? Diz-se, então, que nesse tipo
de situações prevalece aquele que mais racional for.

Assim tendo o ponto de partida e os limites da interpretação, assim como ela bem forte para
dar segurança às pessoas, é preciso passar à interpretação propriamente dita, ou seja, os três
elementos que fazem a interpretação, expressos no nº1 do artigo 9º. O primeiro é o chamado
occasio legis (“as circunstâncias em que a lei foi elaborada”), ou seja, as circunstâncias (políticas,
económicas, sociais, et caetera) que ocorreram quando a lei foi feita, para assim se perceber o seu
sentido, o que o legislador queria dizer quando fez a lei. O segundo é perceber as circunstâncias
vigentes no tempo atual (“as condições específicas do tempo em que é aplicada.”), ou seja, o que
aquela lei quer valer atualmente, para assim aplicá-la (é inegável a vertente atualista neste
elemento, perceber o que a lei significa hoje, de que forma a lei deve valer). Por fim, o último dos
elementos, é o elemento mais importante, a unidade do ordenamento jurídico (“a unidade do
sistema jurídico”), que ser-nos-ia sempre imposta pelo principio da coerência valorativa, ou seja, o
principio que diz que todas as normas do sistema jurídico devem exprimir todo o sistema jurídico.
Para que a norma faça sentido, antes de perceber as circunstâncias em que foi feito, antes de
perceber o que ela significa hoje para ser aplicada no sentido que o legislador idealizou mas com a
adaptação da evolução dos tempos, tem que valer a unidade do sistema jurídico, a norma tem que
fazer sentido, corresponde ao sentido que o resto do ordenamento jurídico também vai, caso
contrário é inútil e nada vale. Se uma lei for contra a unidade do sistema, por exemplo, da
constituição, a lei não vale, não pode ser interpretada pois vale contra este tão importante
elemento.
Integração da lei
Noção e distinção entre interpretação e integração.
Ambos estes métodos servem para aplicar a lei à realidade. Para distinguir estes dois
convém dizer o seguinte: o legislador também falha, existem situações em que lhe escapa a tutela,
existem situações em que o legislador não regula e é necessário regular essas situações, eventos
juridicamente relevantes que carecem de regulamentação jurídica – lacunas. É raro acontecer, mas
acontece. Segundo o artigo 8º do CC, contrariando a maneira mais fácil de resolver este problema
que seria ignorar aquela situação não regulada até se regular, os tribunais tem obrigação de julgar o
caso, mesmo que não haja lei ou que esta seja obscura. Por isso, se uma situação juridicamente
relevante carece de legislação os tribunais não podem simplesmente ignorar, têm que ter outras
soluções para aplicar a lei, têm que integrar a lei. A linha divisória que se estabelece entre um e
outro é a mesma que existe entre a interpretação extensiva e a aplicação analógica. Enquanto que a
primeira estende-se aos casos não previstos pela letra de uma norma, mas previstos no seu espírito,
interpreta-se até lá se chegar, mas está lá esse sentido, a aplicação analógica são casos diferentes
daqueles que se regulam na letra da lei (também não estão no seu espírito), mas por algumas
semelhanças podem ser regulados pela mesma norma podendo evitar certas lacunas.

Noção e tipos de lacunas


A lacuna é sempre a incompletude de algo que protende a sua completude, é uma
incompletude contrária a um plano. No caso da ordem jurídica, uma lacuna é a incompletude
contrária ao plano do Direito, é quando a lei ou o Direito consuetudinário não tem regulamentação
exigida pela ordem jurídica global. É quando o Direito tem vazios e omissões em lugares onde
deveria ter regulamentação, em situações juridicamente relevantes. Se entendermos a ordem
jurídica como um puzzle, a lacuna é o espaço de uma peça em falta.

Para haver, então, uma lacuna, são necessários dois pressupostos: a) haver um vazio na
ordem jurídica; b) a imprescindibilidade na regulação da situação vazia, o direito não poder ignorar
esse vazio, a disciplina ser juridicamente relevante.

Para compreender melhor o problema das lacunas, faremos a divisão da ordem jurídica em
três camadas, a primeira camada relativamente às normas positivas, a letra da lei, a segunda camada
relativamente ao rationes leges, isto é, a essência das normas positivadas pelo texto da lei, o espírito
da lei, a teleologia imanente às normas, e por fim, a terceira camada, as rationes iuris, isto é, a
essência do Direito, os princípios fundamentais do Direito. É compreensível que as rationes iuris
nunca vão ser completamente preenchidos pelas normas, pelas leis. O Direito é algo que abrange
muito mais que leis, integra princípios, e por isso são lacunas mais complexas. Integraremos, então,
as lacunas das leis na primeira e segunda camada, e as lacunas do Direito na terceira camada.

Relativamente às lacunas de primeiro grau importa dizer que elas podem ser lacunas das
normas ou lacunas de colisão. As primeiras resultam da inexistência de uma norma que devia haver,
é um vazio completo no ordenamento jurídico, é a omissão quer da letra da lei quer do espírito da
lei onde devia haver uma regulamentação. As segundas, por contrário, são lacunas que resultam do
excesso de regulamentação, isto é, acontecem estas lacunas quando o mesmo espírito, o mesmo
principio fundamental é abordado por duas normas de formas diferentes, ou seja, onde antes havia
uma dupla ocupação passa a existir uma omissão, um vazio num espaço onde antes estava
duplamente ocupado. Este tipo de lacunas dá-se devido à impossibilidade de as duas normas
regularem o mesmo principio, são contraditórias, por isso na sua aplicabilidade anulam-se.

Relativamente às de segundo grau, ou lacunas teleológicas, são normas que existem mas
faltam-lhes conteúdo, não regula tudo o que devia regular, faltam-lhes conteúdo a nível do espírito e
da letra, mas as normas existem. Estas podem dividir-se em lacunas patentes e lacunas latentes. As
primeiras são lacunas que regulam uma série de situações, mas faltam-lhes regular uma situação
que devia ser regulada, há um vazio nessas situações onde não deveria haver, por exemplo, uma
norma que diga que o primeiro ministro é eleito, mas não diz como o é. Existe um lacuna patente.
Por outro lado, as lacunas latentes são aquelas que resultam da falta de regulamentação de um caso
excecional, a lei regula uma série de situações, mas não referiu uma situação excecional que era
precisa, regulou os casos gerais das situações mas não regulou casos excecionais.

Por fim, relativamente ao terceiro nível de lacunas, as chamadas lacunas de Direito. O


Direito não é refletido nas normas que lhe compõe, mas sim em certos princípios gerais e
fundamentais que criam unidade e coerência ao Direito, que lhe dão sentido, que fazem dele
Direito. As lacunas de Direito surgem quando as normas que positivam esta ideia de Direito, estes
princípios fundamentais não estão a positivar esses princípios falhando na essência do Direito, no
seu rationes iuris.

Pode então distinguir-se lacunas imanentes (à lei e ao processo metodológico


correspondente, que são relativas às lacunas de 1º e 2º grau) e as lacunas transcendentes, que são
aquelas que transcendem a lei e o processo metodológico, e por isso acham-se nos princípios do
Direito, são, portanto, de 3º grau.

Determinação e colmatação de lacunas (integração de lacunas)


Ao contrário de todo o ordenamento jurídico, as lacunas não se interpretam, pois são vazios
do ordenamento, mas integram-se, devido à obrigação de julgar expressa no artigo 8º, nº1 do CC. A
questão que se coloca, então, é como se integram as lacunas?

A integração pode dar-se de duas maneiras, sempre que possível por analogia, e quando
nem isso é possível pelo recurso às normas ad hoc.

A analogia é aplicável segundo o artigo 10º, às lacunas de primeiro e segundo grau, e as


lacunas de Direito, pela sua maior complexidade, têm que ser pelas normas ad hoc, pois os
princípios de Direito, se não existirem, não dá para fazer analogia para outro principio, pois principio
só existe um. Sempre que não é possível fazer analogia segue-se o principio do artigo 10º, nº3, isto
é, as normas ad hoc.

A analogia acontece de modo a resolver as lacunas que existem, aplicando casos análogos
aqueles que têm um vazio. E os casos dizem-se análogo sempre que o seu conflito de interesses seja
semelhante, de tal forma que o legislador, ao resolver o conflito de interesses de um pode, como a
mesma norma, com os mesmos preceitos, resolver da mesma maneira o conflito de interesses da lei
que tem uma omissão, tem uma lacuna e carece de regulamentação. Sempre que “no caso omisso
procedam as razões justificativas da regulamentação.”. A possibilidade dos casos análogos resulta do
critério de justiça de todas as normas expressarem o mesmo ordenamento jurídico, e por isso, casos
semelhantes são resolvidos da mesma maneira, aplicando a uniformidade de julgados e garantindo a
Justiça.

Caso não seja possível o recurso à analogia, isto é, caso não haja nenhuma existência de um
preceito em todo o ordenamento jurídico que possibilite a resolução o conflito, isto é, a colmatação
da lacuna, então deve proceder-se ao exposto no artigo 10º, nº3, as normas ad hoc. Estas são
normas que é o intérprete que as faz “Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a
norma que o próprio intérprete criaria, se houve de legislar dentro do espírito do sistema. O
legislador, com a criação desta norma, pretende que o julgador capte o problema jurídico (o que
está em falta, pelo vistos) no recorte do caso concreto, sempre visualizando a generalidade da
essência do Direito e os seus princípios fundamentais. Portanto, o julgador quando está a fazer uma
norma ad hoc tem que subir do caso concreto ao abstrato do sistema jurídico mas criar a norma
tendo em conta o recorte específico do caso.

Parte VI – aplicação da lei no tempo e no espaço


O problema da aplicação da lei no tempo.
O problema da aplicação da lei no tempo dá-se quando um determinado facto jurídico tem
ligação com uma lei nova e uma lei antiga. Por outras palavras, o problema surge da situação que a
sociedade atual vive de constante mudança a que o Direito tem que se adaptar, estando
constantemente a modificar as leis que vigoram, constituindo novas para as substituir. A LN ao
entrar em vigor, à primeira vista não provoca nenhum problema, a LA regula as situações surgidas na
sua altura, a LN as situações para o futuro. O conflito cria-se quando os factos têm inicio da LA e os
efeitos resultantes desses factos só agem aquando da LN, ou seja, é quando uma situação está em
contacto com os dois tipos de leis.

De modo a ilustrar este problema com situações práticas, darei alguns exemplos. A pratica
de um facto A que já existia na altura da LA que não era considerado punível e passou a ser pela LN.
Que lei deve ser aplicada a aquele facto A?, ou o inverso; A celebrou um contrato com B por
particular autenticado, mas a lei passou a dizer que aquele tipo de contratos tem de ser por escritura
pública. Aquele contrato é invalido?; et caetera.

O Direito tem uma função primária, que é a função ordenadora e estabilizadora, ou seja,
ordenar a sociedade, guiá-la por um conjunto de normas que permitam manter a ordem e o bem-
estar, e dar a ela uma segurança jurídica, expectativas, situações a que as pessoas estejam a contar
que lhes deem possibilidade de fazer os seus planos de vida para a satisfação dos seus interesses.
Mas também tem uma secundária, que é a função conformadora, isto é, a sua função educativa, de
moldar a sociedade naquilo que o Direito acha ser melhor, naquilo que acha prosseguir o ideal
fundamental de justiça. O Direito orienta, motiva ou determina certas regras de conduta, portanto.
Por isso, o mais lógico seria aplicar neste problema o principio da não retroatividade da lei, caso
contrário haveria caos e falta de segurança, pondo em risco as funções do Direito não serem
praticadas, determinando-se que as leis novas só vigoram “daqui para o futuro”. O não uso deste
principio levaria à quebra da confiança das pessoas pelas normas, pelo Direito, o que faria que este
não fosse mais levado a sério – cairia.

A aplicação da lei no tempo serve, portanto, para determinar a lei que se aplica a uma
situação que tem ligação com duas leis que dizem coisas diferentes. Nota: só existe conflito de leis
no tempo quando duas leis que entraram em vigor em situações diferentes regulam a mesma
questão fundamental de Direito.

Graus de retroatividade
Segundo Batista Machado, existem três graus de retroatividade. O primeiro grau, a chamada
retroatividade de grau máximo, que existe quando a LN12 nem sequer respeita as situações
definitivamente definidas, como a de sentença de transito de julgado, ou outros títulos equivalentes
e até se a ação já tivera caducado. Não respeita, portanto, os efeitos jurídico já definidos e
existentes. O segundo tipo de retroatividade já respeita as situações e efeitos definidos nos casos
julgados, embora se aplique a casos passados que não estejam nessa situação. Situações do passado
que não chegaram a ser alvo de decisão judicial. Por fim, o terceiro grau de retroatividade, a
retroatividade normal, respeita as situações passadas só agindo para o futuro.
12
Lei Nova.
Direito transitório
Os conflitos das leis surgem quando duas leis diferentes regulam a mesma questão
fundamental do Direito de formas diferentes. Qual é então a lei que prevalece quando duas leis de
tempos diferentes, uma lei nova que vem substituir a lei antiga, regulam a mesma situação, as
situações passadas à lei nova também são reguladas por ela? É a estes conflitos que as disposições
transitórias (direito transitório) vêm resolver, aos conflitos trazidos pela inicio de vigência da lei
nova, que são disposições que acompanham as leis novas que visam resolver este conflito que a lei
vai trazer. Existem então duas distinções. Por um lado existe o direito transitório formal, que é o
direito que vai definir qual das leis é aplicável a determinadas situações e, por outro lado, o direito
transitório material, que não define nenhuma das leis, mas sim uma regulamentação específica para
os casos concretos. Por exemplo, a entrada em vigor da LN vem estabelecer prazos que já passaram
por não serem casos abrangidos na LA, então, tem que se estabelecer regulamentação específica
para esses casos, tem que se recorrer ao direito transitório material. No entanto, a maior parte das
vezes não existem disposições transitórias acompanhadas da lei, por isso o jurista remete-se para o
principio da não retroatividade da lei que consta no artigo 12º do CC.

Principio da não retroatividade da lei. Suas aplicações.


Conclui-se, como em cima está referido, que na maioria dos casos nada se diz sobre qual das
leis se aplica, a LN ou a LA. Por isso, o jurista é obrigado a se remeter para o artigo 12º, ao principio
da não retroatividade da lei. Porém, é preciso definir a retroatividade para se aplicar o seu principio,
para saber qual lei se aplica precisa de se saber qual a definição de retroatividade segundo o artigo
12º. Estes problema é resolvido por duas doutrinas principais: a doutrina dos direitos adquiridos a
doutrina do facto passado. A doutrina dos direitos adquiridos, estabelece que, sobre pena de
retroatividade, a lei não pode violar os direitos já adquiridos, aqueles que já produziram os seus
efeitos jurídicos e, por outro lado, a doutrina do facto passado estabelece que, sobre pena de
retroatividade, a lei não se aplicaria a factos passados e os seus efeitos, apenas vigoraria para o
futuro. A primeira doutrina caiu em desuso pela sua imprecisão, a segunda é acompanhada pelo
principio de aplicação imediata da LN, que predomina em toda a parte. Ou seja, a LN vigora para o
futuro com aplicação imediata, e como a doutrina do facto passado estabelece, não interfere com o
passado nem os efeitos produzidos nele, só permite a retroatividade de grau terceiro, retroatividade
normal.

É este doutrina do facto passado em que se inspira o artigo 12º do nosso CC, que define os
princípios gerais da aplicação do tempo no nosso sistema jurídico. O artigo 12º, nº1, diz que “A lei só
dispõe para o futuro”, quando lhe não é atribuída eficácia retroativa pelo legislador, e mesmo nessas
situações, os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular ficam ressalvados pela
lei antiga. Por exemplo, se for aplicada um LN da taxa de juro de contratos com aplicação imediata,
essa lei não vale para os contratos já vencidos, só aqueles em que os seus efeitos jurídicos ainda não
tenham sido produzidos.

Desenvolvendo o principio da não retroatividade da lei, nos termos da doutrina do facto


passado, no artigo 12º, nº2, a primeira parte “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade
substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida,
que só visa os factos novos;”, ou seja, quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial
(requisitos de validade de um negócio jurídico, como a capacidade, a legitimidade do negócio, et
caetera, por exemplo, não cumpre a validade substancial o erro na declaração de vontade de uma
das partes) ou material (requisitos formais exigidos pelos negócios jurídicos, como a escritura
pública, por exemplo) de factos ou efeitos de factos só visa os factos novos, isto é, pressupõe-se que
quando a LN visa sobre isto, só age para o futuro. Nesta primeira parte, o CC entende que só podem
caber nesta parte do artigo os efeitos que não se tenham abstraído dos factos que os criaram, isto é,
os efeitos que não se podem separar dos factos pois estes condicionam os seus efeitos, como por
exemplo, a lei que fixa uma obrigação de indemnizar no caso dos danos dos animais, o montante da
indemnização depende do dano, os efeitos jurídicos dependem do facto, os efeitos não se abstraem
do facto. Pode então dizer-se que este tipo de leis são leis supletivas ou interpretativas,
precisamente porque os efeitos não abstraem dos factos que lhes dão origem. Por outro lado, na
segunda parte do nº2 do artigo 12º, “mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas
relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as
próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”, isto é, são estas
leis que incidem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, e, por se abstraírem dos factos que
lhes deram origem são leis imperativas, pois os efeitos vão realizar-se independentemente dos
factos.

Leis sobre prazos.


A pergunta fundamental que aqui se pergunta é o que acontece quando a LN muda os
prazos da LA?

O artigo que regula as leis sobre prazos é o artigo 297º do CC. A LN pode encurtar ou alargar
um prazo, no entanto, o 297º estabelece um requisito necessário quer para um quer para o outro: é
necessário que os prazos estejam em curso.

Caso a LN venha estabelecer um prazo mais curto relativamente à LA, então artigo 297º, nº1.
Deve sempre, no entanto, prevalecer o critério de Justiça da lei que vem encurtar prazos, por isso, se
diz “a não ser que, segundo a lei antiga falta menos tempo para o prazo se completar, encurtando
sempre o prazo. Segundo o mesmo artigo, “só se conta ao partir da entrada em vigor da nova lei”,
ou seja, prevalece a LN no tempo, a não ser que falte menos tempo para a LA terminar, claro, para
proteger o critério de Justiça. No entanto, o facto de só se contar a partir do inicio de vigência da
nova lei serve para garantir que a lei não prescreve correndo o risco de nunca ser aplicada. Por
exemplo, se uma lei prescrever em 10 meses e a LN vir regular que afinal se prescreve em 3 e já se
está no 7 mês, não pode deixar isso acontecer. Até porque quebraria os dois fins do Direito, a Justiça
e a Segurança.

Caso a LA venha estabelecer um prazo mais alargado relativamente à LA, então nº2, pelo
que prevalece também o critério de Justiça, “mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido
desde o seu momento inicial.”.

O mesmo acontece relativamente à mudança relativamente ao momento em que o prazo


começa a contar, se for mais curto aplica-se o 297º, nº1, caso contrário o nº2.

Há, no entanto, situações em que não se aplicam prazos…

Leis interpretativas e leis confirmativas.


Antes de mais é importante referir, mais uma vez, a diferença entre interpretação autêntica
e interpretação doutrina. Por um lado, a primeira resulta da interpretação que é feita pelo mesmo
órgão que criou a lei que está a ser interpretada. Por exemplo, o legislador cria uma lei e, por essa lei
ter causado dúvidas e obscuridade na forma como melhor se deve interpretar aquela lei, cria uma
outra lei, posterior aquela, que vem clarificar o sentido que a lei A tem. Por outro lado, a
interpretação doutrinal é um interpretação que é feita pela doutrina: uma lei é criada e a doutrina
interpreta a lei como acha que deve ser interpretada. Claro que esta não é fonte de Direito, como já
visto.

Leis interpretativas
Posto isto, as leis interpretativas são leis que o legislador vai fazer posteriores às leis que
causaram dúvidas, às leis que vão ser interpretadas pelas leis interpretativas. Portanto, o legislador
cria uma lei A, que entra em vigor. No entanto, essa lei causa dúvidas na sociedade, pelo que, pleo
interpretação autêntica, o legislador vê-se obrigado a criar uma outra lei para clarificar o sentido da
lei A, criando uma lei B. Esta lei B, vai integrar-se na lei A (“A lei interpretativa integra-se na lei
interpretada”) com efeitos retroativos, isto é, os efeitos da lei B retroagem ao momento de inicio de
vigência da lei A, pois a lei interpretativa integra-se na lei interpretada. No entanto, estes efeitos
retroativos têm exceções (“ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da
obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda não homologada, ou por atos de
análoga natureza.”, artigo 13º, nº1.

Leis confirmativas
Esta é uma lei que vem aligeirar formalidades e requisitos de validade de um negócio
jurídico trazendo um novo critério de justiça. Portanto, a pergunta é, o que acontece ao negócios
jurídicos da lei relativa à lei confirmativa? Ficam com a validade da LN? Sim, segundo o artigo 12,
nº2, primeira parte. No entanto, existe um problema, é que aplicando o artigo expresso em cima a
lei não tem validade retroativa, ou seja, os negócios jurídicos em curso não estão abrangidos aqui.
Por isso, o que acontece nas leis confirmativas é que trazem com elas uma disposição transitória.
Imagine-se a seguinte situação: A faz um contrato com B em que compra uma casa, mas não o faz
pelos requisitos de validade exigidos pela lei. No entanto, cria-se uma lei confirmativa que vem
aligeirar os requisitos formais e de validade, o que fazem com que o contrato entre A e B passe de
invalido para válido. Que lei se aplica neste caso? É a LN, a lei confirmativa traz uma disposição
transitória que fará isso.

Aplicação da lei no espaço


As normas jurídicas não podem ter a pretensão de regular factos que passam além da sua
fronteira de espaço. Então, como se regulam as situações em que há conexão entre dois Estados,
com duas leis diferentes sobre o mesmo aspeto fundamental? Deve eleger-se uma lei competente
nesses casos, as chamadas normas sobre normas, contidas nos artigos 14º a 65º do Código Civil. Este
tema é disciplina do Direito Internacional Privado, pelo que não se aprofundará aqui.

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