Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Untitled
Untitled
Copyright © 2022 Bruna Eloísa
Design de Capa: GB Design Editorial
Créditos de Produção Visual: iStock.com/Goodboy Picture
Company
Diagramação e Logos: Bruna Eloísa
Revisão: Vitor Matheus
Betagem: Ana Júlia Gomes, Maria Clara Ronda e Sofia Degan
Leitura Sensível: Isabeli Nascimento, Maria Clara Ronda e Mariane
Bueno
Ilustração: Gabriela Gois
Foto licenciada – posada por profissional
Esta é uma obra literária de ficção. Todos os personagens,
estabelecimentos e acontecimentos retratados são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com pessoas e
acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os direitos são
reservados à autora.
São expressamente proibidas a distribuição ou reprodução de toda
ou qualquer parte desta obra por qualquer forma, meio eletrônico ou
mecânico sem a prévia permissão da autora.
Plágio é crime!
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
Para aqueles que acreditaram,
em algum momento,
não serem merecedores do amor.
“Eu pensei que o amor fosse uma guerra.
Eu não sabia que era para ser paz”.
— Daisy Jones & The Six
NOTA DA AUTORA
PRÓLOGO
PARTE UM
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
PARTE DOIS
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
PARTE TRÊS
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
PARTE QUATRO
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
Eu comecei a escrever essa história cerca de dois meses
depois de ter publicado outro livro na Amazon. Um Acordo
Improvável não era para ter saído esse ano. Na verdade, era para
ele ser completamente diferente. Mas é aquela coisa que todo
escritor vivencia em algum momento: os personagens é que
mandam na gente e não ao contrário.
Anne Scott e Reed Rollins fizeram tanto barulho na minha
cabeça que eles já estavam quase criando vida própria. O amor por
eles foi tão instantâneo que eu vi me apaixonando por dois
personagens como não acontecia há muito tempo.
Então...
Sejam bem-vindos ao universo dos Rebels Of Horizon!
Um Acordo Improvável reúne tudo aquilo que a gente mais
gosta. Tem cenas que vão te arrancar risadas, frios na barriga,
gritinhos e muitos surtos – principalmente por estarmos falando de
um slow burn. Então, sim, vocês vão ter que ter um pouquinho de
paciência com eles, mas garanto que a espera vai valer a pena.
É importante ressaltar que a proposta desse livro é ser uma
leitura divertida. Não espere encontrar aqui plots revolucionários ou
tramas super difíceis. É uma experiência para te deixar feliz. É um
livro que me fez tão bem durante os seis meses que passei
escrevendo, que não sei como descrevê-lo além de ‘um suspiro’.
Isso faz sentido? Sinceramente, não sei. Mas espero que, ao longo
da leitura, vocês entendam o que eu quis dizer.
No entanto, antes de prosseguir com a leitura, há alguns
avisos importantes: Um Acordo Improvável é recomendando para
maiores de 18 anos e o enredo aborda temas que podem
despertar gatilhos, dentre eles: abuso psicológico familiar,
problemas familiares e morte/luto familiar. Há também consumo
de bebidas alcoólicas, cenas explícitas de sexo, violência e
linguagem imprópria.
Então, caso seja um tema sensível para você, não prossiga
com a leitura. Sua saúde deve vir sempre em primeiro lugar!
Lembrando também que 99% das cidades citadas ao longo
da história são fictícias, como também os times de futebol
americano e a universidade. Qualquer semelhança com a realidade
é mera coincidência.
Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura!
Uma vez, alguém me disse que toda história de amor
inesquecível é escrita através de grandes gestos.
Não faço a mínima ideia se isso é verdade ou não.
A única coisa da qual tenho certeza é de que foi por causa de
uma mentira que Reed Rollins e eu nos apaixonamos.
“Eu sei que você tem problemas com o seu pai”
Daddy Issues | The Neighbourhood
— Eu vou me casar.
Essa é a primeira coisa que escuto ao me sentar de frente ao
meu pai em um dos seus restaurantes favoritos. Pisco os olhos,
diversas vezes, sem entender. Ele só pode estar brincando comigo
ou, em último caso, isso faz parte de uma alucinação.
— O quê?
Ele se remexe na cadeira, como se houvesse espinhos
pinicando a sua bunda, e cruza os braços sobre a mesa. No seu
dedo anelar, não há nenhuma aliança, mas sei que é somente uma
questão de tempo. Se o que ele me disse é verdade, não vai
demorar para que um aro dourado repouse, orgulhosamente, ali.
— Decidi pedir a Dianna em casamento e ela aceitou. Nós já
tínhamos planos, então aconteceu naturalmente — ele fala em um
tom tranquilo, nem um pouco consciente da minha reação. —
Devemos nos casar daqui a alguns meses. Vai ser uma cerimônia
simples. Não queremos chamar a atenção.
Aqui vai uma verdade: Ricky Rollins é viciado em se casar.
Sua maior conquista, além do futebol americano, é poder contar
para a mídia o quanto ele é um homem de sorte por encontrar o
amor várias vezes. Alguns acham romântico, um filme meloso
reproduzido na vida real. Já no meu ponto de vista, acho tudo uma
tremenda mentira de enrugar o nariz.
Se meu pai fosse um ótimo marido — como ele gosta de se
gabar por aí —, ele não estaria se encaminhando para o seu quinto
casamento. São tantos divórcios no seu currículo que me
surpreendo que as mulheres não saiam correndo assim que
descobrem sobre suas ex-esposas. Isso sem contar os casos
extraconjugais que ele conseguiu esconder embaixo do tapete.
— Legal — murmuro, a língua ficando pesada. — Parabéns,
pai. Você e Dianna combinam.
Eu acho que sim, pelo menos.
Ele concorda com um sorriso que deixa seus dentes à mostra
e levanta o braço, chamando o garçom. Ele rapidamente chega até
a nossa mesa. E, como em todas as outras vezes, Ricky não me
deixa fazer escolha nenhuma. Vamos comer o que ele decidir,
mesmo que eu deteste a culinária mediterrânea.
— Estamos pensando em convidar a sua mãe. Você acha
que ela vai ficar chateada?
Estico as pernas embaixo da mesa, o rosto de Noreen
surgindo na mente. Posso vê-la revirando os olhos diante da frase
do meu pai. Desde que eles se divorciaram, ele a convida para
todos os casamentos, como se quisesse se certificar do que ela
perdeu anos atrás.
Mal sabe ele que ela vê a separação como um livramento
divino.
— Ela vai levar na boa. Talvez essa seja a primeira vez que
uma noiva sua vai conseguir aturar a presença de Noreen Newman.
A expressão de Ricky se torna carrancuda. É assim toda vez
que defendo a minha mãe. A costumeira ruga se acentua no centro
da testa, enquanto os lábios se tensionam em uma linha reta. Falar
sobre casamentos anteriores, por mais irônico que seja, não é o
assunto favorito do meu pai. Subir no altar, entretanto, é o seu
passatempo número um.
— E como Noreen está? — pergunta. — Ainda descontando
suas mágoas nos clientes?
Suspiro de alívio quando o garçom retorna com as nossas
bebidas. Uma taça de vinho seco para o meu pai, enquanto, para
mim, uma água com gás. Bebo um generoso gole, desejando que
isso seja capaz de me impedir de suas perguntas.
E ainda nem chegamos na pior parte da conversa.
— Muito bem — respondo ao pousar a taça na mesa,
dispensando sua alfinetada. — Ela conseguiu vencer um caso difícil
na semana passada. Da última vez que nos falamos, ela tinha saído
para comemorar com as amigas.
Diferente do meu pai, minha mãe não se casou de novo. O
divórcio, na verdade, foi uma das melhores coisas que aconteceram
na sua vida. Ela abriu o próprio escritório em Mountain City,
comprou uma nova casa e se livrou das garras da mídia. Nas
poucas vezes que noticiam sobre ela, é para relembrar quem foi a
primeira esposa do grande jogador Ricky Rollins.
— Ela ainda gosta de viajar?
— Sim. No mês passado, ela foi para Calgary, no Canadá,
com o pessoal do trabalho.
Ricky abre um meio-sorriso, encerrando o assunto. Segundos
depois, o garçom traz as nossas comidas. Ele deposita diante de
mim um dos pratos mais famosos do cardápio, o Sarma, uma
espécie de charuto feito com folha de uva e recheado com carne de
cordeiro e outros ingredientes que não faço ideia do que sejam.
Almoçar no Medi Del Mar é o meu pior pesadelo. Gosto muito
do meu pai, ele é como um ídolo, mas compartilhar de uma comida
que não sou muito fã junto das suas cobranças intermináveis não é
a minha combinação favorita.
Durante os próximos minutos, Ricky faz alguns comentários e
me lança olhares analíticos. Bem lá no fundo, estou ciente de que
ele está preparando o terreno para o seu assunto favorito de todos:
o futebol americano.
Comecei a jogar só por causa dele, aos 10 anos. Desde
aquele dia, me tornei o seu maior investimento. Tudo o que faço é
para garantir que serei tão bom quanto Ricky foi nos gramados.
Falhar não é nem mesmo uma possibilidade. Meu irmão já fez isso
por todos os filhos que nossa família terá no futuro.
— E como vão os treinos? A temporada começa em breve,
então dá para a gente treinar algumas vezes aqui em North Groove.
Posso também chamar meus amigos. Holden assumiu o cargo de
treinador do The Mountain Eagles e alguns dos jogadores podem
estar dispostos a treinarem com você.
Mordo o interior da bochecha, consciente do que meu pai
está querendo fazer. Seus treinamentos são exatamente como
quando eu era adolescente, só que agora ele não me poupa dos
seus xingamentos. Analisa cada passo que dou, pronto para apontar
o primeiro erro. Quer que eu seja perfeito em todos os aspectos
possíveis.
Da última vez, voltei para casa com o corpo detonado. Foi
difícil contar para os meus amigos que isso era apenas uma
amostra de como é treinar com o meu pai. O pior de tudo é que não
faço nenhuma reclamação, porque sei que Ricky Rollins só faz isso
porque quer que eu tenha a carreira que meu irmão não pensou
duas vezes em recusar.
— Vou ver se consigo encaixar isso no meu cronograma.
Tudo depende das minhas aulas.
Ricky faz uma careta.
— Nós já conversamos sobre esse assunto, Reed —
censura. — Se você se inscrever no draft, vai ser escolhido em
pouco tempo. Te criei para isso, não para andar balançando por aí a
droga de um diploma universitário.
Eu sei que ele tem razão. Sou muito bom no que faço. Posso
não ser o quarterback do time, mas me dedico ao futebol americano
como se minha vida dependesse disso. Desde o momento que
acordo, até o final do dia, estou garantindo que vou ser a estrela que
meu pai quer que eu seja.
No entanto, não gosto de pensar que toda a minha carreira
depende unicamente do draft. Preciso ter um plano B. E o diploma é
a minha segunda opção. Foi só por isso que ainda não me inscrevi,
mas a paciência do meu pai está se esgotando.
— Eu gosto de jornalismo.
Ele revira os olhos e bebe um gole do vinho.
— E eu gosto de cozinhar, mas nem por isso decidi fazer
gastronomia na USLV — rebate. — Você tem uma grande chance
diante de si, filho. Não a desperdice com bobagens. Não foi para
isso que dediquei anos da minha vida a você.
A frase me atinge em cheio, semelhante a um soco na boca
do estômago durante uma partida.
— Não quero que você seja igual ao seu irmão. Fracassado,
sem ambições para o futuro e dono de um pub de merda que fica
cheio de universitários bêbados no final de semana — continua a
dizer, cuspindo as palavras. — Você é o meu legado, Reed.
Diferente de mim, Aaron Rollins não faz nenhum esforço para
agradar ao nosso pai. Ricky fez de tudo, mas nunca conseguiu
convencer o filho a jogar futebol americano. Meu irmão nem mesmo
terminou a universidade. Trancou o curso no segundo ano e se
mudou para Boston com a melhor amiga. Depois que ela sumiu sem
deixar rastros, ele fez merda atrás de merda. Não demorou muito
para que chamasse a atenção da mídia. Eles tinham nas mãos a
notícia perfeita: filho do grande jogador Ricky Rollins causa
confusão por onde passa.
Diante das ameaças do meu pai, ele voltou para Maple Hills e
abriu o próprio negócio com o dinheiro que ganhou para manter a
boca fechada. Aaron ainda teve que prometer que jamais voltaria a
envergonhar a família Rollins.
— Não vou decepcioná-lo — garanto. — Nem você e nem o
nosso legado.
A resposta dele é assentir sutilmente, os olhos fixos nos
meus. Para o meu grande azar — ou sorte —, nós somos muito
parecidos. O mesmo cabelo castanho escuro, quase preto; os olhos
expressivos e as sobrancelhas retas. A única diferença é que a
passagem dos anos é visível em seus traços. As rugas de
expressão ao redor das pálpebras e os fios grisalhos próximos das
orelhas denunciam sua idade.
Ele não é mais a estrela do esporte, mas ainda é influente o
bastante no ramo.
— E quanto ao draft? — o questionamento é acompanhado
de um arquear de sobrancelha desafiador.
Ele está me encurralando. Suas táticas sempre me fazem se
sentir colocado em cima de uma corda bamba.
— Vou me inscrever assim que a temporada acabar — minto,
a garganta se apertando em um nó invisível.
— Não espero nada menos que um grande time, Reed. New
England Patriots, certo?
O New England Patriots é um dos times mais famosos dos
Estados Unidos e o sonho de qualquer jogador. Meu pai foi a grande
estrela deles e espera que eu também seja. E é por isso que tenho
adiado a minha inscrição no draft. Não estou preparado para ver a
sua reação caso eu não consiga.
Porque as chances estão lá, batendo na minha porta e só
esperando o momento certo para quebrar a maçaneta.
— Como deve ser — concordo.
Ele abre um sorriso em concordância e volta a atenção para
a comida. A pior parte da conversa já acabou e me sinto vitorioso
por ter sobrevivido mais uma vez ao pior assunto de todos: a
universidade.
Depois de um longo almoço que terminou com o meu pai me
convidando para um jantar em sua casa para conhecer Dianna,
estou dirigindo de volta para Maple Hills, a cidade universitária do
Condado de San Valley.
Diferente do meu pai, que vive em North Groove, Maple Hills
foi projetada para atender as necessidades dos estudantes. É uma
cidade pequena que funciona, quase que inteiramente, em função
da USLV. Tudo aqui é feito para os universitários.
No começo, tive dificuldade em me acostumar com a
calmaria do lugar. As noites, por sorte, são mais agitadas. E morar
com outros dois jogadores é a garantia de nunca passar um final de
semana encarando o teto mofado do quarto.
A casa de dois andares no estilo vitoriano surge quando faço
a curva na esquina e estaciono o carro em uma das vagas da
garagem. Saltito para fora e aciono o alarme do carro. Faço o curto
percurso até a porta de entrada e não fico nem um pouco surpreso
ao encontrá-la aberta.
— Cheguei!
— Estou aqui! — Mason grita de algum cômodo.
Sigo o som da sua voz e atravesso o corredor, chegando na
cozinha. Mason está de frente para o fogão, usando um avental que
imita o abdômen de um homem sarado e um pano pendurado no
ombro. Estico o pescoço, tentando ver o que ele está cozinhando.
Não me parece ser muito confiável.
— Como foi o almoço com o seu pai? Ele fez te dar uma
pirueta no ar e praticar um touchdown em cima da mesa?
Deixo escapar uma risada.
— Foi como todas as outras vezes. Ele vai se casar.
Mason gira sobre os calcanhares na mesma hora. As
sobrancelhas castanhas praticamente alcançam o couro cabeludo.
A surpresa em seu rosto é a mesma reação que eu tive.
— Tá de brincadeira. De novo?
— Sem zoeira. — Abro a geladeira e pego uma latinha de
refrigerante. — Dianna é a sortuda da vez.
— Aposto que não dura um ano. Assim que ela aparecer na
capa de uma revista, vai pular fora.
— Eu não duvido. E sabe o que é pior? Eu nem a conheço.
Mason dá risada e desliga a chama do fogão. O cheiro é
bom, mas não arrisco comer nada que ele faz. Da última vez, ele
deixou o time todo com uma intoxicação alimentar que durou uma
semana. Quase perdemos um jogo importante por causa disso.
— Ela deve ser como todas as outras esposas do seu pai:
sedentas para conseguir uma grana boa no divórcio. — Coloca a
comida em um prato. — Qual é a do seu pai? Ele não cansa de
bancar o jogador gostoso que joga dentro e fora do campo?
Aperto os lábios para não deixar evidente demais o meu
sorriso.
Mason é um dos meus únicos amigos que detesta Ricky
Rollins — além de Dave, meu outro amigo. Ele acha a carreira do
meu pai superestimada demais e que os anos de glória já
passaram. Há outros nomes no ramo que merecem mais atenção do
que um jogador aposentado com tendência a casamentos
fracassados.
Palavras dele, não minhas.
Ele se acomoda em uma das banquetas e enche a boca de
comida. Seu almoço é uma mistura entre ovos, milho, purê de
batata e alguma outra coisa pastosa de origem suspeita.
— Inteligente é a sua mãe que pediu o divórcio. Sou o maior
fã dela.
— Vou falar isso para ela no próximo feriado.
— Daqui a pouco ela vai achar que estou dando mole para
ela.
Escoro o quadril contra o balcão da pia, arqueando a
sobrancelha.
— Nem ouse.
Ele levanta as mãos em rendição, cada uma delas segurando
o garfo e a faca respectivamente.
— Não curto mulheres mais velhas — murmura. — Três anos
é o meu limite. Esse é o lance do Keeran.
Bebo mais um gole do refrigerante e giro o pescoço,
procurando por Keeran. Sua moto estava na garagem quando
estacionei o carro, o que significa que ele está em casa.
— E o Keeran?
Mason enche a boca de comida, então sua resposta não
passa de murmúrios impossíveis de serem compreendidos. Ao
mesmo tempo, as escadas relincham e Keeran surge em nosso
campo de visão. Ele não usa nada além de uma toalha enrolada ao
redor do quadril. Os cabelos se encontram molhados e há um rastro
de água em seu abdômen musculoso, combinando com a tintura
preta que cobre boa parte da pele branca.
— O grande rei chegou. — Abre os braços e caminha até a
geladeira. Pega uma cerveja e abre a tampinha com os dentes,
cuspindo-a na pia. — Sobre o que vocês estão conversando?
Analiso-o da cabeça aos pés, observando o vermelhidão
nada discreto no pescoço. Parece muito com uma mordida. Posso
até ver o formato dos dentes.
— Você está com alguém?
Ele faz um movimento com a mão, dispensando a minha
pergunta.
— O pai do Reed vai se casar de novo — Mason diz,
mudando de assunto.
Keeran franze a ponta do nariz.
— Corajoso. — Leva a long-neck aos lábios. — Isso,
certamente, merece uma comemoração.
O garfo de Mason paralisa no ar e eu prendo a respiração, já
sabendo que vem aí uma ideia mirabolante que envolve bagunça e
música alta.
— Não é como se o Reed fosse subir no altar. Essa coisa de
despedida de solteiro só rola com o noivo.
Keeran revira os olhos esverdeados.
— Você pensa demais, Mason. — Aproxima-se dele e afaga
os cabelos castanhos. — Só relaxa e goza.
A reação de Mason é levantar o dedo e empurrar Keeran
para longe com um único empurrão, enquanto eu gargalho alto.
De nós três, Keeran Flanagan é o único que aproveita todas
as regalias que a vida de um jogador universitário oferece. Ele está
sempre acompanhado de uma garota, não dispensa o convite para
uma festa e nunca perde a oportunidade de ser o centro das
atenções.
— Estou falando sério. — Aponta com o indicador para mim.
— Não quero ficar em casa em plena sexta encarando a cara feia
de vocês enquanto poderia estar aproveitando uma festa.
— E o que você sugere, grande rei?
O tom de deboche é evidente em meu tom de voz e Mason
mascara a sua risada ao levar mais uma colherada de purê de
batata na boca. Keeran me mostra a língua, sacando de primeira.
— Cheers Bar, huh?
Mason se contorce na banqueta, como se estivesse
desviando de um soco.
— Sem chance. Da última vez, uma caloura me perseguiu
durante a noite inteira dizendo que eu tinha o cheiro do grande amor
da vida dela.
— O cheiro de cocô, você quer dizer — Keeran alfineta e é
atingido por uma maçã que estava esquecida na fruteira. Ele a pega
no ar em um movimento ágil e dá uma mordida. — Você precisa
treinar seus arremessos, Mason.
Keeran é o wide receiver[1] do Rebels of Horizon, então seus
reflexos são muito bons. Ele é surreal. Fico abismado sempre que o
vejo em campo.
— Estou pegando leve com você, Flanagan.
Meu amigo faz um beicinho e bebe mais um gole da cerveja.
— Martial Kappa Tau então? Dave disse que a festa vai ser
pequena. Só o pessoal mais íntimo. — Os olhos encontram os
meus. — Ele não disse nada para você, Reed?
Coço a nuca, lembrando vagamente de Dave comentar sobre
o assunto no começo da semana. Eu estava tão distraído que
apaguei da memória.
— Esqueci. — Sacudo os ombros e termino o refrigerante,
jogando a latinha na lixeira. — Vocês podem ir, se quiserem. Não
estou no clima.
Mason pragueja um palavrão, ao mesmo tempo em que
Keeran dá um cutucão nas minhas costelas.
— Você, sem clima para uma festa? Contra outra, Reed.
Suspiro alto.
— E a Angel vai estar lá. — Keeran balança as sobrancelhas
grossas, em um gesto cheio de malícia. — Essa é sua oportunidade
de reatar o relacionamento esquisito que vocês tinham. Ouvi dizer
que ela sente a sua falta.
— Você está ouvindo mal, isso sim — sibilo e Mason ri pelo
nariz. — Quem o Dave convidou?
— O pessoal de sempre. — Keeran faz uma careta ao ver a
mistura no prato de Mason. — O time de futebol americano e as
garotas da irmandade. Claire e Anne também, é claro.
Ao ouvir o nome de Anne, seu rosto vem à mente. Os longos
cabelos loiros, os olhos esverdeados cintilantes cheios de raiva e a
mania irritante de sempre me provocar. A última vez que nos vimos
foi na aula de Jornalismo Político, na qual fez questão de se sentar
do outro lado da sala só para me evitar.
O seu jeitinho de fazer birra é fofo.
— Okay — cedo. — Eu vou, mas só porque é na sexta.
Keeran e Mason comemoram com um palavrão fazendo um
high five no ar e alguns pedaços do almoço bizarro voam juntos em
várias direções.
— Isso foi nojento — reclamo ao ver um pedaço do purê de
batata grudado na minha camiseta.
Mason tomba a cabeça para o lado, analisando a mancha.
— Te garanto que está gostoso.
— Eu não vou comer isso.
— Não sabe o que está perdendo. — Pesca um pedaço de
frango caído em cima do balcão. — O melhor dos dois mundos
reunidos em um só lugar.
Keeran ergue a sobrancelha.
— Posso saber que merda de dois mundos é essa?
— Mason Henderson e mãos talentosas, é claro.
Dessa vez, todos nós gargalhamos.
— Mãos de anjo, você quer dizer — Keeran sugere.
Mason leva a mão ao coração, fingindo estar emocionado.
— Quer experimentar, Keeran Flanagan? Experiência única.
Keeran arrepia-se da cabeça aos pés e sai da cozinha
praticamente correndo, a toalha deslizando e revelando um pedaço
da bunda. Antes de subir para o segundo andar e sumir de vez,
escutamos a sua voz:
— Nem em seus sonhos, Mason!
“Você está procurando por uma garota que vai te tratar bem?”
Promiscuous | Nelly Furtado (feat. Timbaland)
Quarta é um dos dias mais cansativos da minha semana.
Tenho duas aulas no começo da manhã, faço o meu almoço
correndo e pego um ônibus para Sunbay. Cumpro o meu turno de
meio período na lanchonete Brooklyn Blues e volto para Maple Hills
quando já é tarde da noite.
Eu detesto ter que fazer esse percurso durante todos os dias,
mas Adele me paga bem. O único defeito é terminar o dia com o
desejo incessante de dormir na primeira superfície reta que eu
encontrar.
— Quer café? — Becky, uma das garçonetes que trabalha
comigo, aponta para a máquina de café atrás de nós. — Talvez
possa te ajudar. Você está quase dormindo em pé, Anne.
Encosto o quadril no balcão e tento relaxar sobre os patins
pesados.
— Pode ser.
Becky concorda com um sorriso doce e gira sobre as
rodinhas azuis, a saia do vestido oscilando com a rapidez do
movimento.
O Brooklyn Blues é uma lanchonete temática localizada na
área comercial de Sunbay. As paredes exibem capas de discos
famosos dos anos 80 e o piso é quadriculado, imitando um tabuleiro
de xadrez. As garçonetes mantêm os cabelos presos e usam
vestidos azuis rodados. No meu ponto de vista, o pior de tudo são
os patins, uma peça obrigatória e que faz meus pés latejarem de dor
no final do dia.
Comecei a trabalhar aqui no meu primeiro ano na USVL,
quando ainda morava com a minha mãe na cidade. No final deste
verão, tomei a decisão de me mudar para Maple Hills e facilitar o
percurso de quase vinte minutos que era feito todos os dias. O
problema é que nunca encontrei um emprego que pagasse tão bem
quanto aqui.
Ou seja, continuo na mesma. Só que, agora, estou morando
a poucas quadras da universidade.
— Aqui. — Becky coloca o copo diante de mim alguns
minutos depois. — Um café para afastar todo o mal do mundo.
Sorrio em agradecimento.
— Obrigada. Você é a minha salvadora.
Ela agita os ombros de um jeito engraçado. Assim como as
unhas, os olhos estão maquiados com delineador amarelo.
— É o meu dom especial. Preparo os melhores cafés de
Sunbay e sou a babá mais extraordinária que as crianças já
conheceram.
— Quanto a isso, não posso discordar. Todo mundo te ama.
Becky dá um beijo estalado na minha bochecha e contorna o
balcão no formato de U, indo atender alguns clientes que chegaram.
O jukebox toca True Colors, da Cyndi Lauper, e uma garotinha se
aproxima do aparelho, inserindo algumas moedas e escolhendo a
próxima música.
Beberico meu café e observo o ambiente ao meu redor.
Embora eu goste muito de Maple Hills, Sunbay é a minha
cidade favorita de todo o mundo. A sensação de estar presa em um
filme de verão é constante em todas as estações do ano. Sentir a
brisa agitando os cabelos e o sol aquecendo a pele é a terapia
perfeita para afastar os dias ruins.
Acho que é por isso que não consigo me desapegar por
completo desse lugar. Ele tem um pedaço de mim e uma conexão
difícil de ser definida.
— Você pode pedir o dia de folga, sabia? — Adele, a
proprietária da lanchonete, diz no pé do meu ouvido, me arrancando
do transe. — Você trabalha demais, menina. Precisa descansar.
Adele afaga o meu ombro e coloca um prato com cookies
diante de mim.
— Não quero sobrecarregar a Becky.
Ela faz um sinal com a mão, dispensando minha
preocupação.
— Minha neta dá conta. Não é como se fôssemos a
lanchonete mais badalada de toda a cidade. — Empurra uma mecha
do cabelo grisalho para atrás da orelha. — Eu deixo isso para o
Jackson. É ele que rouba todos os turistas de mim.
Jackson é dono da Jackson House, uma lanchonete com
karaokê a poucos metros daqui. Assim como o Brooklyn Blues, o
lugar é temático, mas nenhum dos funcionários precisa usar patins.
Isso é um diferencial unicamente de Adele Goode.
— Você e Jackson possuem a rivalidade mais harmônica que
já vi.
As bochechas de Adele assumem um tom rosado fofo.
— Não tenho culpa se ele é um galanteador de primeira —
reclama e beija o topo da minha cabeça. — Agora, coma os cookies,
beba o café e depois vá para casa. Quero te ver aqui só na semana
que vem.
— Adele...
— Sem reclamações, menina. — Arruma o avental florido ao
redor da cintura e dá um passo para trás. — Isso é uma ordem.
Apesar do tom frio, há um sorriso lutando para ser
expressado. Antes que sua pose de chefe mandona se perca, Adele
retorna para dentro da cozinha. De forma quase combinada, a
música escolhida pela menininha começa a tocar: é Take On Me do
A-ha.
— Eu adoro essa música. — Becky retorna dos atendimentos
e pesca um dos cookies, dando uma mordida. — Você ouviu minha
avó, a propósito. Não quero te ver aqui nem que o mundo esteja
passando por uma dominação zumbi. Eu dou conta dos turnos,
prometo.
— Tem certeza?
— Absoluta. Você merece descansar e curtir um pouco a
vida. Alguém comentou que vai ter uma festa na fraternidade. Essa
é a sua chance de se divertir com os seus amigos.
Tenho uma vaga lembrança de Claire comentar sobre a festa
durante o almoço. Dave era o mais animado enquanto tentava
convencer o pessoal da mesa a comparecer. Isso foi na segunda.
Ele já deve ter garantido que todo o pessoal do time de futebol
americano irá.
Inclusive Reed Rollins.
Só de pensar no nome dele, tenho vontade de xingar um
palavrão.
Nós não nos damos bem desde que botamos o olho um no
outro pela primeira vez, na festa dos calouros. Eu o considero
arrogante, com um ego extremamente irritante e uma mania
insuportável de me tirar do sério. Ele é um dos seres humanos que
mais detesto, perdendo somente para o professor de Redação
Criativa.
— Muito obrigada, Becky. Nunca vou conseguir agradecer
por tudo o que você faz por mim.
— Não se preocupe. Amigas são para isso.
Antes de ir embora, abraço-a e prometo que irei recompensá-
la comprando a melhor fatia de bolo de todo o mundo. Como de
costume, Becky dispensa o meu gesto e dá um tapinha na minha
bunda, me empurrando para fora da lanchonete.
É final de tarde, então o céu de Sunbay esbanja traços de
tons laranja, vermelho e rosa, uma mistura de cores que faz um
sorriso de satisfação surgir. Enquanto espero no ponto de ônibus,
tiro uma foto e mando para a minha mãe.
Minutos depois, o ônibus chega e eu quase adormeço no
assento durante a viagem para Maple Hills, de tão cansada que
estou. Se os meus ossos pudessem virar gelatina, eles teriam essa
consistência durante a maioria dos dias.
Aí está uma coisa que ninguém conta: estudar e trabalhar
tem como resultado uma exaustão infinita que só pode ser
recuperada com um sono tão profundo quanto o da Aurora, do filme
Bela Adormecida.
E isso é algo que não está nem perto de se tornar realidade
na minha vida.
Cerca de trinta minutos depois, estou subindo os degraus que
levam ao apartamento de dois quartos que divido com a minha
colega. Insiro a chave na fechadura e acendo as luzes da sala.
Suspiro de alívio ao encontrar o cômodo vazio. Sidney deve estar
com o namorado, o que me dá a liberdade de curtir o silêncio.
Chuto os tênis para longe e jogo a mochila em cima do sofá,
fazendo o mesmo com os patins. Foda-se a organização, eu só
quero dormir.
Nem mesmo tomo banho. Apenas entro no quarto e jogo meu
corpo na cama, adormecendo em questão de minutos com o rosto
enterrado no travesseiro.
A vida de universitário é uma tortura que nunca parece ter
fim.
Na quinta de manhã, estou sozinha na biblioteca da USVL,
produzindo um texto para a aula de Jornalismo Político.
Essa é uma das piores aulas do curso, sem sombra de
dúvidas. São tantos textos para ler e dissertações para produzir que
começo a duvidar da minha capacidade em conseguir um diploma.
Adele ter me dado uma semana de folga é a luz no fim do
túnel que eu precisava. Pude dormir mais do que oito horas e
acordei pela manhã sem querer chutar o despertador para longe.
— Você vai na festa de sexta, né?
Claire chega como um furacão na biblioteca, jogando os
livros em cima da mesa e puxando uma cadeira. As roupas
coloridas tornam a sua presença ainda mais notável. Ela usa um
macacão xadrez e botas de cano curto, com saltos dourados. Nos
lábios carnudos, há o inseparável batom rosa que contrasta com a
sua pele negra-escura. O complemento final é a peruca loira com
franjinha.
Nunca consigo entender como ela consegue combinar tantas
cores sem parecer ter sido atingida por uma caminhão de tinta.
— Não é como se você me desse escolha, certo?
Claire revira os olhos dourados.
— É a primeira vez que vamos conseguir ir em uma festa
sem você ter um turno de trabalho no dia seguinte. — Entrelaça os
dedos aos meus. — Esse tipo de coisa não acontece com
frequência.
O entusiasmo de minha amiga é evidente. Se isso aqui fosse
um desenho infantil, ela estaria dançando em cima da mesa
enquanto fogos de artifício explodem ao seu redor, juntamente a
uma melodia brega de trompetes.
— Nós iremos e vai ser incrível — garanto. — Só, por favor,
não me deixe fazer nenhuma merda. Da última vez, acordei na
cama do Chad Eaton. E você sabe melhor do que ninguém que eu
detesto me envolver com qualquer pessoa do curso.
— Fique tranquila, vou ficar de olho em cada passo seu. —
Sorri. — E nada de Chad Eaton e qualquer outra transa perigosa.
— Obrigada — agradeço e fixo a atenção nos livros jogados
em cima da mesa. — Você não deveria estar na aula?
Claire murcha contra a cadeira, o lábio inferior se projetando
para frente em descontentamento. Diferente de mim, que curso
Jornalismo, ela é estudante de Moda.
— Meu professor teve um imprevisto de última hora. Agora
estou aqui tendo que aguentar a minha própria companhia.
— Eu tenho um texto para terminar, mas podemos ir almoçar
depois, se você quiser.
— Seria perfeito. — Concorda e abre a bolsa, pegando o
celular e uma garrafa de água. — Enquanto você estuda, vou
conversar com a minha irmã sobre uma empresa que produz tecidos
sustentáveis na costa leste, a Davis Comportarion. Ela disse que
realizou uma entrevista com eles no ano passado, mas é difícil
conseguir contato.
Claire está envolvida em várias iniciativas envolvendo o
universo da moda, mas recentemente, durante as férias de verão,
ela teve a brilhante ideia de preparar um desfile com roupas
sustentáveis. A iniciativa é incrível e vai complementar ainda mais o
seu currículo já impecável.
O único problema é que não há empresas de tecidos
sustentáveis no Condado de San Valley.
Desde então, Claire e sua irmã mais velha, Candice,
embarcaram em uma missão para encontrar uma empresa que
topasse esse convite. Por se tratar de algo sem fins lucrativos, as
chances tendem a diminuir.
Mas eu estou confiante. Claire Howard é uma das pessoas
mais insistentes que conheço. Ela não vai desistir desse projeto.
— Se você conseguir que eles aceitem o convite, qual é o
próximo passo?
Claire se anima com a pergunta, saltitando na cadeira.
— Eles vão aceitar, Anne. — Aponta o dedo em riste, a unha
pintada de dourado. — Logo depois que eles toparem, eu começo a
confecção dos croquis. Minha cabeça tem fervido em ideias e
pensei em fazer uma coleção inspirada nos contos de fadas
clássicos. O que você acha?
Abro um sorriso.
— Eu acho que vai ser perfeito, Claire. Todo mundo vai amar,
como tudo o que você faz.
Ela bate palminhas, animada, e desbloqueia o celular,
retornando a atenção para a tela.
— Agora vou te deixar em paz um pouquinho — diz. — Se
escutar a minha barriga roncando, ignore.
Balanço a cabeça, achando graça. Claire Howard sempre
consegue me arrancar um sorriso, mesmo quando tenho um milhão
de problemas para resolver. E eu a amo muito por isso.
Na sexta, estou dirigindo junto dos meus amigos rumo a
Martial Kappa Tau.
A fraternidade é uma das mais antigas da Universidade do
Condado San Valley. Além de ser conhecida por seus integrantes
que conquistaram lugares importantes na política estadunidense, a
MKT realiza uma das maiores festas do campus. É praticamente
impossível não ser convidado, especialmente as que marcam o
início e fim do semestre.
Por sorte, a festa de hoje é para ser mais tranquila.
Mas isso não significa que a casa vai estar vazia. Não
mesmo. Porque assim que entramos, somos engolidos pelo
burburinho de conversas e pela música alta tocando nas caixas de
som. Keeran murmura alguma coisa, sumindo logo em seguida. O
próximo é Mason, que dá dois tapinhas no meu braço e desaparece
entre as pessoas.
— Ei! — Dave grita e me cumprimenta com um aperto de
mãos. — Já estava achando que você tinha desistido de vir.
— Você sabe como o Keeran é. Antes de sair, ele fica se
olhando no espelho por duas horas, só para garantir que vai ser o
maior gostoso da festa.
Ele ri, o pescoço pendendo para trás. Os dreads oscilam com
o movimento, revelando o pequeno brinco de argolinha na orelha.
— E onde ele está?
— Sumiu para fazer aquilo de sempre: enfiar a língua dentro
da boca de uma veterana.
Dave revira os olhos castanhos, desacreditado com a atitude
de Keeran, e faz um sinal com a mão. É questão de segundos para
que um copo de cerveja seja depositado em minhas mãos.
Dave Morris é o quarterback [2]do Rebels of Horizon e um dos
primeiros amigos que fiz na USVL. Nos conhecemos na festa dos
calouros, a mesma noite em que ele se viu completamente
apaixonado por Claire Howard.
Não é nenhuma surpresa que hoje eles sejam namorados.
Não duvido também que, após jogarmos nossos capelos para cima
no dia da formatura, ele vai pedi-la em casamento.
— E a Claire?
Ao ouvir o nome dela, um sorriso surge.
— Está na cozinha com a Anne, eu acho. Elas foram preparar
algum drinque. — Levanta o copo na altura dos olhos. — Você sabe,
algumas garotas odeiam cerveja.
— Eu vou até lá.
Despeço-me com um aceno e escuto alguém chamar por
Dave. Cinco segundos depois, ele já desapareceu entre a multidão.
Ser o anfitrião da festa deve ser um pé no saco. Não dá nem para
aproveitar antes de ser interrompido.
Suspiro alto e contorno as pessoas, rumando em direção à
cozinha. O cômodo é um dos maiores da casa, sem dúvidas. Há
uma ilha gigante no meio, cheia de vasilhas com salgadinhos e
garrafas de bebidas. A geladeira deve ser do tamanho de dois
jogadores de futebol americano — sem brincadeira — e há tantas
banquetas em frente ao balcão quanto no pub do meu irmão.
Encontro Claire em frente a pia, de costas para mim,
despejando cubos de gelo no copo. Não há nenhum sinal de Anne.
Assovio e ela levanta o olhar, as íris douradas se iluminando.
Assim como Dave, Claire tem aquela aura de pessoa que está
sempre feliz. Não há dias tristes na sua rotina.
Ela se aproxima e me puxa para um abraço, depositando um
beijo molhado na minha bochecha.
— Como você está? Com o seu atraso, já tinha gente
especulando que você e os meninos iam ficar em casa comendo
pizza barata e assistindo filme ruim.
As pessoas de Maple Hills são viciadas em falar da vida dos
outros e isso me faz revirar os olhos todas as vezes. Essa é uma
das coisas que mais sinto falta em North Groove: os únicos que
recebem atenção são aqueles que têm o seu lugar garantido no
pódio do sucesso. Como o meu pai, por exemplo.
— O pessoal fala demais.
Claire assente e volta a atenção para o copo de bebida. Eu
deixo o meu em cima da bancada, nem um pouco a fim de beber
cerveja. A temporada de jogos ainda não começou, então a maioria
dos jogadores não está ligando muito para isso. Eu, no entanto,
gosto de me precaver.
Acordar de ressaca não é o meu passatempo favorito para
um sábado de manhã.
Volto minha atenção para Claire. Nesta noite, ela está
radiante usando um vestido estampado de bolinhas e sandálias com
saltos transparentes. Os olhos, como sempre, estão maquiados com
alguma coisa colorida que combina com sua pele negra-escura. O
estilo de Claire é a sua marca registrada, chamando a atenção por
onde passa.
— E a Anne? — Uso o meu melhor tom descontraído. — Já
foi para casa?
— Uh, isso é impossível de acontecer. — Adiciona um
guarda-chuvinha no drinque. — Você sabe que ela adora uma festa.
Deve estar na pista de dança rebolando aquela bunda gostosa.
Mordo o interior da bochecha, não querendo sorrir. Porque,
droga, Claire tem razão. Anne tem uma das bundas mais
maravilhosas que eu já vi. E quando está dançando, é como se ela
criasse vida própria. Uma tentação difícil de resistir.
— Vou lá cumprimentá-la.
Claire faz um biquinho desconfiado com os lábios, mas não
diz absolutamente nada.
A verdade é que Claire e Dave não fazem ideia do quanto
Anne me detesta. Para eles, não passa de uma brincadeira nossa. A
realidade é que, desde que nos conhecemos, existe aquela tensão
pairando no ar, só esperando o momento certo para nos acertar em
cheio.
Sei que torno a situação ainda pior, porque gosto de provocá-
la. Ver os olhos dela se revirarem de desgosto e respostas ácidas
saindo daquela boca suja é a melhor parte do meu dia.
Sorrio comigo mesmo e empurro algumas pessoas durante o
caminho, até chegar na sala. Varro o lugar com o olhar, encontrando
Anne bem longe da pista de dança. Ela está em um canto, de costas
para mim e conversando com um garoto que não conheço.
A sua expressão corporal deixa evidente o que está
acontecendo: ele está enchendo a porra do saco.
Pela maneira que os ombros se remexem, ela tenta se livrar
dele, mas sem sucesso. Ele estende o braço, fechando os dedos ao
redor do pulso dela enquanto diz alguma coisa. Sinto algo ferver
dentro de mim e aperto o passo até eles sem pensar duas vezes.
O percurso, infelizmente, é impedido por Keeran. Ele encaixa
o braço ao redor da minha nuca e bagunça o meu cabelo com os
dedos.
— A Angel está lá no gramado, só para você saber — diz
perto do meu ouvido. — Quando é que você vai contar para a gente
o porquê de vocês terem terminado?
— Não tem nada pra contar. — Tento me esquivar dele, ainda
mantendo a atenção fixa em Anne. Ela dá um passo para trás, mas
o garoto avança um para frente. — A gente só não deu certo.
Keeran solta um lamento e segue a direção do meu olhar.
Anne está de costas e, pela maneira em que está agindo, as coisas
com o garoto não vão nada bem.
— Se eu fosse você, ia até lá — Keeran aconselha.
— Era isso que eu estava fazendo quando você se enfiou no
meio do caminho.
Não dou a ele a chance de responder. Me esquivo do seu
braço e me aproximo como um predador atrás da sua caça. Não sou
nem um pouco sutil ao empurrar algumas pessoas do meu caminho
enquanto atravesso a pista de dança. Quando estou perto o
bastante, tomo a decisão de fazer uma coisa que pode acabar com
a minha vida.
Pouso uma das mãos na cintura de Anne, puxando-a para
mais perto de mim, o perfume de morango chegando até as minhas
narinas. O ombro aconchega-se entre o meu peitoral e ela vira
imediatamente o rosto na minha direção. Os lábios pressionados em
uma linha reta denunciam o seu descontentamento.
— O que você...
— Desculpe o atraso, Annie. — Abro um sorriso e beijo o
canto de sua boca. O cara desconhecido solta a mão dela de
imediato. — Acabei de chegar com os meninos. Você não vai me
apresentar o seu amigo?
Os olhos esverdeados tremulam em algo que não consigo
identificar. Ódio, talvez. Essa noite vai acabar com ela chutando as
minhas bolas. Estou torcendo para que toda essa encenação não
seja estragada por causa da sua petulância.
Quase suspiro de alívio ao vê-la empinar o queixo para cima
e abrir um maléfico sorriso. A mão pequena desce por minhas
costas, dando um beliscão. Gemo internamente com a dor.
Merda de garota arisca.
— Drake Collins. Ele faz parte da rádio universitária e esse é
...
Estendo o braço livre, cumprimentando-o. Aperto os dedos
com força demais, só de propósito.
— Reed Rollins, o namorado.
O polegar de Anne afunda em minhas costelas e manter o
rosto inexpressivo nunca foi tão difícil. Drake, no entanto, está alheio
ao que está acontecendo. Seu sorriso galanteador se desmancha e
ele dá um passo para trás, como se o fato de Anne ter namorado
fosse algo contagioso.
Bom garoto.
— Oh, não sabia que o grande Reed Rollins estava
namorando.
— Você me conhece, então?
— E quem não conhece? — Drake coça a nuca. Ele tem
cabelo ruivo, sardas no nariz e um porte atlético. — Você e o Dave
são as estrelas dos Rebels of Horizon.
— A gente tenta, mas a verdadeira estrela é ela. — Beijo os
cabelos de Anne e subo por dedos por sua coluna, até chegar no
espaço nu de suas costas. — A dona do meu coração e futura
jornalista do PK Journal.
Drake arregala os olhos de um jeito que os deixa nada
proporcionais.
— Você conseguiu um estágio lá?
As bochechas de Anne ficam coradas.
— Ainda não, mas estou confiante que este ano vou
conseguir.
Drake murmura mais algumas frases de incentivo, frisando o
quanto está torcendo para que Anne consiga a vaga, e por fim, vai
embora. Depois dessa conversa, as chances dele perturbá-la
novamente são muito próximas de zero.
Assim que ele some do nosso campo de visão, sou
empurrado para o lado com uma força surpreendente.
— Que porra foi essa? Você enlouqueceu? — Anne vocifera.
Levanto as mãos em rendição e dou um passo para trás. A
versão da Anne raivosa é a pior de todas. É igual a um cachorrinho
rangendo os dentes.
— Só estava te ajudando. Ele não ia desgrudar do seu pé a
noite toda.
Anne cruza os braços na altura do peito, assumindo uma
posição defensiva. O vestido azul bebê adere a pele branca do seu
colo, evidenciando o contorno dos seios.
— Eu dava conta dele. Não precisava que você viesse até
aqui, em cima de um cavalo branco, bancando o príncipe salvador
da donzela em perigo.
— Na realidade, eu vim até aqui com as minhas próprias
pernas.
Mesmo com a música elevada, consigo escutar o palavrão
proferido em alto e bom som.
— Você é irritante — reclama e bate com a ponta do dedo no
meu peitoral. — Se isso der problema para gente, você não vai
querer estar vivo.
— Um “obrigada, Reed” já era bom o bastante.
Ela ri pelo nariz.
— Prefiro comer lâminas de barbear a agradecer a você por
alguma coisa.
— Eu tenho um ótimo estoque lá em casa. Podemos ir
buscar, se você quiser.
A única reação de Anne é bufar alto e girar sobre os
calcanhares, me deixando sozinho em frente à pista de dança.
Gargalho alto com a sua reação. Conforme ela se afasta com
determinação, a encaro da cabeça aos pés, observando por mais
tempo a bunda redondinha que se destaca no vestido curto.
Maldito seja o dia em que Anne Scott entrou na minha vida
como um furacão impossível de ser contido.
Uma hora mais tarde, a música está tão alta que meus
tímpanos imploram por um descanso. O número de pessoas
aumentou consideravelmente e o papo do Dave que seria uma festa
pequena já não cola mais.
A pista de dança é uma mistura entre corpos suados e
roupas coloridas. E embora eu não esteja interessado em ver as
pessoas dançando, uma em especial chama a minha atenção. Anne
Scott está de frente para mim, rebolando o quadril ao ritmo de
Gimme More da Britney Spears.
A cena faz algo dentro de mim se agitar.
Ela captura o meu olhar e desce as mãos por todo o corpo, a
barra do vestido subindo alguns centímetros e revelando a pele nua
da coxa torneada. As luzes no teto mudam de cor e o vermelho
torna a cena ainda mais erótica.
A batida muda e Anne se equilibra sobre os saltos, descendo
em direção ao chão. Os cabelos loiros se agitam, criando uma aura
brilhosa ao seu redor. Os dentes mordiscam o lábio inferior e ela
sorri ao impulsionar o corpo para cima em câmera lenta.
Puta merda.
Fecho as mãos em punho, o corpo pinicando em um
formigamento nada agradável. Quero ir até lá e dançar com ela. Ao
mesmo tempo, quero ficar aqui e observar cada um dos seus
movimentos. A maneira com que o peito se move de acordo com a
respiração, as unhas deslizando pela pele e o quadril
acompanhando as batidas da música é uma cena difícil de desviar o
olhar.
Engulo a espessa saliva e apoio as costas na parede,
procurando por sustento.
Anne, sorrateira como é, vira de costas e começa a dançar
contra um garoto que não conheço. A bunda dela está a poucos
centímetros de distância do quadril do cara. Basta um maldito passo
para trás. Ela brinca com o perigo, deixando que ele pouse as mãos
em sua cintura e a conduza, mas não ultrapassando nenhum limite.
Ao notar a minha careta, ela dá risada e pisca um dos olhos
para mim, descendo novamente até o chão. O desconhecido a
ajuda a subir e dessa vez os dois dançam de frente. Os narizes
estão muito próximos e Anne mantém os braços pendurados ao
redor do pescoço dele. Ele diz alguma coisa no seu ouvido e ela
sorri. A porcaria de um sorriso que ilumina o seu rosto corado.
Suspiro de alívio no momento em que a música acaba e as
luzes mudam novamente de cor, dessa vez para o azul. Ela se
despede do garoto com um beijinho na bochecha e, para o meu
completo terror, caminha diretamente para onde estou.
O vestido adere às suas curvas e os saltos deixam as pernas
muito mais longas do que realmente são. Uma fina camada de suor
recobre o seu colo e noto a maneira com que os seios sobem e
descem por conta da respiração acelerada.
— O seu queixo, Reed — ela diz ao parar de frente para mim.
Franzo o cenho, sem entender.
— O que tem ele?
— Está pingando de baba. — Ri baixinho. — Nunca viu uma
garota dançar?
— Não é todo dia que a gente vê alguém dançar assim tão
mal. Tive que apreciar o show de horrores em primeira mão.
Anne estreita os olhos, consciente de que estou mentindo.
Ela sabe que dança bem. Dança tão bem que ninguém consegue
desviar o olhar. Certeza que não fui o único que apreciou a maneira
que seu corpo se movia de acordo com a música.
— Deve ser difícil para você admitir que sou boa em alguma
coisa, não é? — Dá mais um passo, encurtando a nossa distância.
— Se você fosse corajoso o bastante, teria se juntado a mim.
— E sujado minhas mãos tocando o seu corpo? Dispenso o
convite, Annie.
Ela ergue a vista, me encarando de baixo.
— Você não pensou assim horas atrás quando bancou o
namorado protetor.
Inflo as bochechas de ar ao relembrar a sensação de tê-la tão
perto de mim. A nossa diferença de altura é de alguns bons
generosos centímetros, então meu corpo todo se encaixou ao redor
do seu, como um cobertor em um dia de frio. E olha que aquilo foi
somente a porra de um abraço de lado.
— Você tem um ponto.
— É claro que sim. — Dá dois tapinhas na minha bochecha e
se afasta novamente. — Da próxima vez, espero que você se junte
a mim na pista de dança.
— E por que eu faria isso?
Ela empurra uma mecha do cabelo para trás do ombro,
revelando as clavículas nuas e a correntinha ao redor do pescoço.
As luzes azuis iluminam uma parcela do seu rosto, criando uma
sombra no restante. Isso, no entanto, não me impede de notar o seu
sorriso.
— Pra eu descobrir se você é bom em alguma coisa além do
futebol americano. Esse parece ser o seu único talento, pelo visto.
— Eu não concordaria. Há outra coisa que sou melhor ainda.
Anne finge tirar um fiapo imaginário da sua roupa.
— Ah, é?
Estendo o braço e a puxo para mais perto. Dessa vez, ela
pousa as mãos em meu peitoral, mantendo ainda uma distância
segura entre nós. Pouso o dedo em seu queixo e a obrigo a olhar
para cima. O seu semblante deixa evidente a provocação latente
que nos envolve. Não consigo me conter e abro um sorriso,
acariciando sutilmente a sua mandíbula.
— Tirar você do sério — sussurro. — É o meu passatempo
favorito e o meu maior talento fora do gramado.
Anne sobe os ombros, meneando a cabeça para o lado.
— Eu não teria tanta certeza disso.
— Não?
— É claro que não. — Pressiona os lábios em uma linha reta,
lutando contra o próprio sorriso. — Porque, assim como todas as
outras garotas, eu sou muito boa em fingir, Reed.
Ela não me dá a chance de formular qualquer tipo de
argumento a altura. Empurra meu peito para trás e gira sobre os
saltos, me dando as costas com facilidade. A última coisa que
escuto, antes dela sumir entre as pessoas, é o som da sua risada.
Na segunda, três dias depois da festa, acordo com a certeza
de que tem alguma coisa errada.
Em dias comuns, eu caminho pelos corredores da USVL sem
ser notada por ninguém. Hoje, no entanto, desde que botei os pés
no prédio de Jornalismo, estão todos me encarando e cochichando
entre si. Até verifiquei no espelho do banheiro se estava com a
roupa do avesso ou com uma mancha de chocolate na bunda.
Tudo sob controle.
Ou pelo menos, deveria estar.
Mordisco a cutícula do dedão e me acomodo em uma das
cadeiras do auditório onde temos as aulas de Jornalismo
Econômico. Duas garotas, que não sei o nome, me analisam da
cabeça aos pés. Esbugalho os olhos e elas se viram imediatamente
para frente, voltando a conversar baixinho.
Tiro o celular da bolsa e mando uma mensagem para Claire.
Anne: Eu fiz alguma besteira na festa de sexta e não estou
sabendo?
Claire responde alguns segundos depois.
Claire: Nadinha. Você foi uma menina comportada. Por que?
Anne: Está todo mundo me olhando de cara feia. Devo estar
com alguma doença e não estou sabendo.
A tela se enche de emojis dando risada.
Claire: Não deve ser nada demais. Deixa pra lá. A minha
aula vai começar aqui. A gente se vê no almoço?
Anne: Sim. Eu trouxe sanduíche de atum.
Claire: Que nojo! Nos falamos depois. Bjo.
Mando um emoji de beijinho e aproveito para responder
também as mensagens de Alex, meu irmão. Há uma foto dele com o
seu café da manhã e depois da nossa mãe. Essa semana ele
decidiu passar alguns dias em Sunbay, na cidade vizinha, para
matar as saudades.
— Waffles gostosos. Foi você quem fez?
Dou um pulo na cadeira ao ouvir a voz rouca de Reed no
meu ouvido. Giro o corpo, encontrando seus braços escorados no
encosto e um sorriso de covinhas iluminando o rosto barbeado.
— O que você está fazendo aqui?
— Faço essa aula com você, Scott. — Impulsiona o corpo e
salta por cima da cadeira, se acomodando no assento vago ao meu
lado. — Jornalismo Econômico, Político e Esportivo. Essas são as
aulas que temos juntos.
— Você faz isso de propósito.
— O quê?
Coloco as minhas anotações em cima das minhas coxas e
ligo o computador.
— Me perseguir durante as aulas do curso.
Ele apoia a mão no queixo e dá um apertão de brincadeira no
meu joelho.
— Não tenho culpa se fazemos o mesmo curso. Grades
idênticas, huh?
Solto um sopro de ar, já começando a ficar irritada. E ainda
são oito horas da manhã.
— Jogadores de futebol americano não precisam estudar. Já
estão com o futuro garantido.
Reed aperta os lábios em uma linha reta e lança um rápido
olhar para o restante dos alunos. Como aconteceu antes, estão
todos nos encarando. Definitivamente, tem alguma coisa
acontecendo e não cheira nada bem.
— Não gosto de contar com a sorte — Reed murmura,
voltando a me observar.
Os cabelos escuros estão penteados para trás, um
pouquinho molhados na raiz, e o suéter de mangas longas adere
aos seus músculos definidos. O tom azul escuro combina com a
pele branca ainda bronzeada do verão. Nunca vou admitir isso em
voz alta, mas Reed Rollins — infelizmente — é muito bonito. Tão
bonito que tenho vontade de chutar a sua cara, só para deixá-lo um
pouquinho mais feio.
Ele tem aquele tipo de beleza que chama a atenção e o fato
dele estar consciente disso, através da sua autoconfiança, torna
tudo ainda pior.
— E outra coisa... — Inclina o rosto para mais perto do meu.
O perfume de cravos com sândalo pinica a ponta do meu nariz. —
Não posso perder a oportunidade de ficar perto da minha namorada.
Estreito os olhos e estico o pescoço, fingindo procurar por
alguém no auditório.
— Não estou vendo-a. Acho que ela decidiu faltar.
Reed abre um meio-sorriso.
— Ela está bem aqui. Na minha frente.
— Eu não vou cair nessa, Reed.
— Não tem nenhum buraco aqui, Annie.
Franzo os lábios em desgosto.
— Você sabe do que estou falando. Não se faça de
engraçadinho.
Reed deixa a cabeça pender para o lado em um gesto
sarcástico. O braço se acomoda no encosto da minha cadeira, a
ponta dos seus dedos encostando na pele do meu braço. A jaqueta
que estou usando torna o toque meio que imperceptível.
— Você leva as coisas a sério demais. Posso resolver o seu
estresse, se quiser.
A malícia escorre como veneno. Fecho as mãos em punho e
engulo a espessa saliva. Isso só deve ser vingança pelo o que
aconteceu na pista de dança.
— Só se for comprando uma caixa de pizza de pepperoni.
— É isso que você quer?
Viro o corpo na cadeira, ficando de frente para ele.
Lentamente, curvo a coluna. Nessa posição, consigo identificar as
minúsculas pintinhas douradas salpicadas em suas íris castanhas.
— Quero que me deixe em paz, Reed.
Ele faz menção de responder, mas é interrompido pela voz do
senhor Dawson, o professor de Jornalismo Econômico. O projetor
começa, então, a transmitir a cena de um documentário e, durante
as próximas três horas, Reed se mantém em silêncio ao meu lado.
Vez ou outra ele muda de posição, mas o braço que estava atrás da
minha cadeira já é coisa do passado.
Ao fim da aula, depois que as luzes são acesas, não deixo de
notar que os olhares ainda permanecem sobre nós, mesmo com
Reed indo embora sem se despedir. Minha língua coça para
perguntar qual o problema das pessoas, mas fico quieta no meu
canto.
Tem alguma coisa acontecendo aqui e eu vou descobrir o que
é.
Na hora do almoço, Claire e eu estamos sentadas em uma
das mesas do refeitório. O treino dos Rebels of Horizon foi
adiantado, então essa é uma das poucas vezes que estamos
sozinhas. Sem nenhum sinal de Dave, Reed e dos seus amigos.
Sugo o suco de uva pelo canudinho e perlustro o ambiente.
Ainda há pessoas sussurrando e passando por nossa mesa com
olhares curiosos. Claire está inquieta ao meu lado, achando as
coisas estranhas demais.
O problema da USVL é que ela não é uma universidade
muito grande. O número de cursos e estudantes é relativamente
pequeno. E todo mundo, sem exceção, conhece o time de futebol
americano. Quando Claire e Dave começaram a namorar, ninguém
parou de falar disso por semanas. Era até mesmo desconfortável. O
mesmo para quando Reed e Angel se envolveram durante o verão.
Entretanto, dessa vez, não consigo pensar em nada que
pudesse chamar a atenção das pessoas.
— Você está com alguma doença, só pode ser — ela
murmura ao levantar os olhos do croqui que está desenhando. É um
com vestido de mangas bufantes. — Quando você me disse que
todos estavam te encarando, não achei que fosse sério.
Me encolho na cadeira de metal. Nunca quis tanto ser uma
tartaruga.
— Eu te falei que era bizarro. Você tem certeza que não
aconteceu nada na festa?
Claire bufa e cruza os braços sobre a mesa. As pulseiras ao
redor do pulso tintilam e não deixo de notar que elas combinam com
o cinto do seu vestido: são no formato de cerejas.
— Você fez algo de que não estou sabendo?
— É claro que não.
Minha melhor amiga pega uma batatinha frita e mergulha no
molho, mordendo-a logo em seguida.
— Então.... — Engole a batatinha e dá um gole no suco verde
esquisito, voltando os olhos para o bloco de desenhos. — Teremos
que descobrir o que aconteceu. Dave talvez saiba de algo.
Essa é a droga de morar em uma cidade universitária: a
única coisa que as pessoas fazem, além de irem em festas e
assistirem aos jogos, é fuxicar a vida alheia.
— Hey, Anne.
Claire e eu nos viramos na cadeira ao ouvir a voz de Sidney.
Ela está de pé diante da nossa mesa, acompanhada do seu
namorado. Diferente de Claire e Dave que exalam aquele tipo de
relacionamento dos sonhos, Moose parece sugar toda a energia de
Sidney.
— Hey! — Empurro minha cadeira de metal para o lado,
dando espaço para ela e o namorado se sentarem junto com a
gente.
Sidney e eu nos conhecemos há pouco tempo. Ela divulgou
que tinha um quarto vago no seu apartamento e que queria dividir o
aluguel. Não perdi a oportunidade e mandei uma mensagem para
ela, dizendo que estava interessada. Uma semana depois, nós
estávamos morando juntas.
Não somos muito próximas em questão de amizade, porque
ela está sempre acompanhada do Moose ou trancada no quarto,
estudando, mas nos damos relativamente bem. O bom de morar
com Sidney é que ela é uma pessoa tranquila. Nunca tive que me
preocupar com festas inesperadas ou barulho alto.
Acho que a pessoa mais chata dessa relação de colegas de
apartamento sou eu.
— Como vocês estão?
Moose fica de pé, atrás de Sidney, enquanto ela se acomoda
na cadeira. Cruza os braços sobre a mesa, remexendo nos anéis de
um jeito nervoso. Posso não conhecê-la tão bem, mas é visível que
há algo por trás acontecendo. Aparentemente, hoje todo mundo está
escondendo alguma coisa.
— Estamos ótimos. — Moose concorda com um aceno e
massageia os ombros da namorada. — E vocês?
— Tirando o fato de que todo mundo está me encarando
como se eu estivesse com alguma doença contagiosa... O resto vai
muito bem.
Sidney pisca as pálpebras algumas vezes e Moose franze a
testa. A reação dos dois é curiosa até demais. O que está
acontecendo aqui?
— Bom... Acho que você já deveria saber que isso iria
acontecer — Moose comenta e me lança um olhar esquisito.
Consigo notar uma pequena gotinha de deboche por trás de suas
palavras.
— Como assim? — Claire questiona, soando tão confusa
quanto eu.
Sidney dá um sorrisinho de lado e empurra o óculos para
cima do nariz.
— O campus todo já sabe, Anne. Não precisa mais mentir pra
gente, embora eu tenha ficado bem surpresa com a notícia.
Claire se remexe ao meu lado, já ficando impaciente.
Compartilho do mesmo sentimento. Todo esse papo de mentiras e
surpresas já está me tirando do sério.
— Do que vocês estão falando? Porque, juro por Deus, estou
prestes a fazer alguma coisa muito ruim se ninguém me contar que
merda está acontecendo.
Moose escora a mão no encosto da cadeira e coça o queixo.
Sua pose despretensiosa é irritante.
— Todo mundo está falando e olhando para você não por
causa de uma doença imaginária. — Ele soa calmo até demais. —
Mas por causa do seu namoro com o Reed Rollins.
Sinto todo o ar do meu corpo ser drenado e um chute fictício
acertar o meu estômago. A sensação de querer expurgar tudo
dentro mim é tão real que me vejo gritando para todo o refeitório
ouvir:
— O quê?!
“Acho que nós somos dois fodidos e está tudo bem”
We Belong | Dove Cameron
Estou vendo vermelho.
Cada passo que dou em direção ao vestiário dos Rebels of
Horizon faz o meu coração acelerar uma batida. O sangue pulsa
com força nos ouvidos e minhas unhas afundam na carne da palma
da mão. Silencio os sons ao meu redor, consciente de que deixei
Claire, Moose e Sidney falando sozinhos no refeitório.
A única pessoa que quero ver na minha frente é a que mais
odeio nesse momento.
Atravesso por vários corredores, recebendo olhares
reprovadores. Faço a curva e empurro a porta do vestiário em um
único movimento. A tranca de ferro bate na parede e vários pares de
olhos repousam sobre mim.
O cheiro pungente de suor é insuportável. Há garotos nus
para onde quer que eu olhe e o espaço, por mais que seja grande,
não parece ser capaz de ocupar tantos jogadores. É uma lata de
sardinha com várias bundas e abdomens sarados.
Dave é o primeiro a me notar. Por sorte, ele ainda está
vestido com o uniforme do time. Gotículas de suor escorrem pelo
rosto e se infiltram no tecido da camiseta.
— Anne? O que você está fazendo aqui?
Empino o queixo para cima.
— Preciso falar com o Reed.
Ele vacila, ponderando se deve me dar uma resposta ou não.
Vejo, pelo canto do olho, Chad Eaton me medir da cabeça aos pés.
Ele só está usando cueca. Ainda não acredito que transamos.
— Ele está nos chuveiros — Keeran, um dos amigos de
Reed, se intromete. — Você pode ir até lá.
Ao dar o primeiro passo, o braço de Dave se estende na
minha frente, impedindo a passagem. Minhas células imploram para
que eu dê uma resposta irritada a ele, porque a cada segundo que
fico parada, mais ódio sinto. Contudo, sei que ele não merece a
minha hostilidade. Dave é legal demais para isso.
— Você não deveria estar aqui. O treinador não vai gostar.
— É urgente, Dave. E eu tenho certeza que você vai
conseguir dar um jeito para que o treinador não descubra sobre
mim.
Dave solta uma longa lufada de ar e abaixa o braço. Antes
que eu possa apertar o passo e seguir em frente, ele diz:
— Não faça eu me arrepender disso, Anne.
Faço um sinal de joinha com a mão e desvio dos armários,
seguindo para os chuveiros. O local está todo embaçado e com
cheiro de sabonete. Dá para ouvir a água caindo junto do som de
conversas que vem do outro lado, abafando os meus passos
conforme analiso cabine por cabine, procurando por Reed.
Ao encontrá-lo na última, ajo no impulso por estarmos
sozinhos. Não penso nas consequências e muito menos no que
pode acontecer se o treinador me ver aqui. Estou puta. Fervendo
em fúria.
Levanto o pé e dou um chute na porta da cabine.
Imediatamente, Reed vira o corpo e xinga um palavrão.
— Puta merda! O que você está fazendo aqui?
Cruzo os braços.
— Querendo dar um chute na sua cara. É isso o que estou
fazendo aqui, Reed.
Ele desliga o chuveiro e passa as mãos pelo cabelo molhado,
gotículas de água pingando em seus cílios. A porta da cabine cobre
do seu quadril até a altura dos tornozelos, mas isso não me impede
de olhar para o seu peitoral. Há músculos definidos até demais,
embora eu devesse esperar por isso.
— O que eu fiz dessa vez para você me odiar além do
normal? — pergunta com irritação.
— Sério que você vai fingir que não sabe?
Ele bufa e pega a toalha pendurada em um ganchinho. Ele
não se seca. Somente a enrola no quadril e abre a porta da cabine.
De forma instintiva, meus pés se movem para trás.
— A única coisa que eu sei é que você, aparentemente, errou
o caminho para o vestiário feminino, joaninha. Porque a única coisa
que você vai encontrar aqui são bundas suadas.
Reed agora está de frente para mim, não usando nada além
de uma toalha branca. A água escorre por seus gominhos definidos,
seguindo um caminho perigoso para o centro de suas pernas.
Aperto os lábios, desviando o olhar antes que ele me pegue no
flagra.
— Não errei o caminho — sibilo. — Estou procurando por
você.
— E a minha bunda? — Sorri.
— Se for para dar umas palmadas, pode ter certeza que sim,
Rollins.
Minhas palavras fazem a tensão entre nós triplicar de
tamanho. Reed avança um passo, me encurralando contra a parede
de azulejos. A minha respiração fica mais densa. De repente, me
esqueço que esse lugar fede a suor e cueca velha.
— Você sabe que eu não vou me opor a isso.
Ergo as sobrancelhas.
— Você está flertando comigo?
Reed inclina a cabeça para o lado.
— Não sei. Você está?
— Só em seus sonhos — resmungo e tento empurrá-lo para
longe de mim, mas ele não se mexe. — A gente precisa conversar.
— Sou todo ouvidos.
Ergo o queixo para cima e encaro seus olhos castanhos.
Acho que Reed tem o olhar mais expressivo que já vi. São a porta
de entrada da sua alma. Ele não tem medo que as pessoas saibam
o que ele está pensando.
— Você precisa consertar essa merda em que nos enfiamos.
Eu te avisei que nos traria problemas.
O cenho dele se franze em confusão.
— Do que você está falando?
Inflo as bochechas de ar, a impaciência subindo de nível mais
uma vez. Todo esse fingimento está me dando vontade de vomitar
em seus pés descalços.
— Não banque o inocente para cima de mim, Reed. Você
sabe muito bem do que estou falando.
Ele revira os olhos e pousa as duas mãos ao redor da minha
cabeça, me mantendo presa ao redor do seu corpo. Se ele se
aproximar um centímetro a mais, não haverá nenhum espaço entre
nós. Todas as minhas partes estarão pressionadas contra as suas
em um sanduíche cheio de hormônios.
— Eu sou muito paciente quando o assunto é você, Annie,
mas estou começando a duvidar do quanto mais desse joguinho eu
aguento.
Estreito os olhos em uma fenda e empino o queixo. Meu nariz
toca o seu maxilar, os pontinhos de barba causando cócegas.
— O campus todo acha que nós estamos namorando. E você
sabe muito bem o motivo.
Reed paralisa.
Arrisco dizer que até a sua respiração se torna mais lenta. As
íris descem para a minha boca, como se ele não acreditasse no que
eu acabei de dizer. As mãos, que estavam escoradas ao lado da
minha cabeça, deslizam pela parede até pararem na altura do meus
ombros.
— O quê?
— Drake deve ter contado para alguém. Esse alguém contou
para mais alguém e... — Levo as mãos aos cabelos, afundando as
unhas no couro cabeludo. — Está todo mundo falando sobre eu ser
a sua namorada. Quando cheguei hoje de manhã, um monte de
gente ficou me olhando de cara feia. E isso tudo é culpa sua!
— Minha culpa? — Solta um muxoxo. — Sem essa. Nós dois
fingimos. Se é pra culpar alguém, culpe a você também.
— Eu jamais fingiria um namoro com você, Reed.
— Então, deveria ter dito ao Drake que eu não era o seu
namorado. Simples, huh?
Nossa, que vontade de socar a cara dele.
— E é exatamente isso que vou fazer. Vou dizer que tudo não
passou de uma mentira — murmuro e o empurro mais uma vez.
Dessa vez, Reed dá um passo para trás. — E amanhã, quando eu
botar os meus pés aqui de novo, ninguém vai falar mais nada sobre
nós dois.
Reed coça a ponta do nariz e gesticula para o meu corpo.
— Esse é o seu plano? Falar para o Drake que não somos
namorados e esperar, milagrosamente, que ele acredite?
Uma pontada atinge o lado esquerdo do meu cérebro, a
consciência da situação se tornando mais clara. Minha estratégia
para calar as fofocas é inútil, porque não vai trazer efeito nenhum.
— Fala você, então. — Empurro a responsabilidade para os
seus ombros. — As pessoas vão acreditar no que você disser. Todo
mundo te conhece.
— Não é assim que funciona.
Vejo uma centelha de preocupação cintilar no seu olhar. Ela
some tão rápido quanto surgiu.
— E como é que funciona, então? Eu subo em um pedestal,
visto a sua camiseta do time e me vanglorio por ser a sua
namorada?
Reed abre a boca para responder, mas noto que a atmosfera
do vestiário mudou. O burburinho de conversas ao longe não existe
mais e os chuveiros foram desligados. Nós estamos sozinhos aqui
ou...
— Rollins, posso saber o que a sua namorada está fazendo
no meu vestiário?
A voz do treinador Turner chega até os meus ouvidos como
uma lâmina afiada. Reed me lança um olhar duro, implorando para
que eu me comporte.
— Ela já estava de saída, treinador.
— Ela nem deveria estar aqui, para começo de conversa.
— Era um assunto urgente — me justifico.
O treinador me fulmina do jeito mais frio que já vi. Os pelos
do meu braço se arrepiam e noto, tarde demais, que eu disse a
coisa errada. Pela primeira vez, estou com vontade de sair correndo
e puxar Reed comigo.
— Você pode resolver os seus assuntos urgentes fora do
horário de treinamento dos meus jogadores. — Gesticula para a
saída. — Fora.
Meneio a cabeça em um gesto de concordância e giro sobre
os calcanhares. Ao passar pelo treinador, ele me analisa da cabeça
aos pés, parando por mais tempo em meu rosto. Uma fagulha de
reconhecimento surge em seu semblante enfurecido.
— Você é a irmã do Alex Scott?
— Sim.
Um sorriso minúsculo surge em sua boca.
— Um grande jogador. Diga a ele que mandei lembranças. —
O bom humor desaparece tão rápido quanto surgiu. — Agora, suma
daqui, Scott. Da próxima vez, não espere que eu seja
condescendente.
— É claro.
Saio do vestiário praticamente correndo. Por sorte, o local se
encontra vazio, o que me deixa um pouco mais aliviada. Seria
péssimo se o time tivesse presenciado a nossa conversa. Não tenho
dúvidas de que as pessoas inverteriam os fatos e fariam parecer,
ainda mais, que Reed e eu estamos envolvidos.
Determinada a colocar um fim nesse boato, sigo em direção
ao prédio da rádio universitária. Dessa vez, meus pés se movem
com uma rapidez impressionante, cada passo servindo como
incentivo.
Drake Collins vai consertar essa bagunça, nem que eu tenha
que suborná-lo com o gabarito de uma prova e notas de dinheiro.
“Foda-se você e todas as suas expectativas,
eu não quero nem os seus elogios.
Eu reconheço essa sua falsa confiança
e previ todos os argumentos na sua conversa”
All The Stars | Kendrick Lamar (feat. SZA)
Sabe aquele ditado que diz que toda maré de azar é seguida
por uma grande onda de calmaria?
Maior papo furado. Eles nunca estiveram tão errados. Nas
últimas horas, as coisas têm dado tão errado que começo a
suspeitar que fiz algo muito ruim na vida passada. Talvez eu tenha
roubado o doce de uma criança, quem sabe. Ou puxado o rabo de
um cachorrinho e depois jogado água em um gato de rua.
A única coisa que sei é que as probabilidades não estão ao
meu favor.
E como se as coisas não pudessem ficar ainda mais
complicadas, meu celular vibra em uma notificação. Desbloqueio a
tela e quase jogo o telefone para fora da janela ao ler a mensagem.
Angel: Você salvou a minha vida! Ninguém fala de outra
coisa além do seu namoro com a Anne. Obrigada <3
Porra.
Se isso aqui fosse uma bola de neve descendo de um
penhasco, eu já estaria morto.
Bufo com raiva e largo o celular em cima da mesinha de
centro da sala. Keeran, que está sentado na poltrona do canto
jogando uma partida de Fallout 4 no Xbox, me encara com
curiosidade.
— Algum problema?
Rio sem nenhum traço de humor.
— Um não, vários. — Estico as pernas no sofá e uso uma
almofada para apoiar o pescoço. — Estou atolado na merda.
— Você quer conversar sobre isso?
Ele pausa o jogo e vira o corpo na poltrona, focando sua
atenção em mim. Depois que o treino e a aula acabaram, voltamos
para casa em silêncio. Ninguém ainda criou coragem para perguntar
sobre o meu namoro com Anne Scott. Mason só largou a mochila
em um canto e subiu para o quarto, me dando espaço para pensar.
Keeran, no entanto, está comigo na sala desde que chegamos.
Acho que ele está esperando que eu toque no assunto.
— Não estou namorando a Anne.
Keeran revira os olhos e se acomoda melhor na poltrona.
— Nunca achei que estivesse.
— Sabe por que as pessoas estão achando isso? — Ele
nega. — Lembra do cara na festa, enchendo o saco dela? Fui lá
espantá-lo. Não sei o que deu em mim e falei que Anne e eu éramos
namorados.
— Grande tática, campeão. — Assovia em deboche e mostro
a ele o dedo do meio.
— Na hora, me pareceu uma boa ideia. E, de fato, deu certo.
Drake saiu com o rabo no meio das pernas. O problema é que ele
abriu a boca para alguém. O resto da história você já sabe. Ninguém
fala de outra coisa agora.
Keeran acomoda os braços através da cabeça e apoia os pés
em cima da mesinha de centro. Queria estar tão relaxado quanto
ele. Os meus músculos estão contraídos, doloridos por causa do
treino e cheios de tensão pelos acontecimentos do dia.
— Ainda não entendi qual é o problema. É só você dizer que
vocês não estão namorando e a fofoca acaba por aí.
A fala de Keeran é tão inocente que começo a me dar conta
que ele, realmente, não sabe de nada sobre o que aconteceu entre
mim e Angel. Porque, se soubesse, não estaria dizendo nada disso.
— Não vai dar certo.
— E por que não?
— Angel.
Keeran grunhe e me cutuca com a ponta do pé.
— Vocês estão juntos, então?
Abro os olhos e o fulmino com o olhar.
— Você está querendo ganhar um soco no nariz e não está
sabendo pedir, Flanagan.
Ele dá risada e se levanta da poltrona. Pega as latinhas de
refrigerante esquecidas em cima da mesinha e desliga o Xbox,
deixando a televisão em um canal aberto. Segue para a cozinha e
retorna com uma maçã na boca. Assim como eu, Keeran não está
usando nada além de uma calça de moletom folgada e meias.
— Se você me contar a história direito, talvez eu possa te dar
algum conselho. Até agora só sei que você, aparentemente, é um
namorado bígamo.
Preciso apertar os lábios com força para não dar risada.
— Angel e eu não estamos juntos desde o verão. Foi uma
coisa passageira e que durou o tempo que deveria — explico a
situação. — Só que você sabe como as coisas funcionam aqui em
Maple Hills. As pessoas não pararam de falar ao longo dessas
semanas que eu a estava traindo ou não querendo assumir o
namoro.
O maxilar do meu amigo se tensiona enquanto ele pensa
sobre o assunto. Sei que não facilitei as coisas para o lado da
Angel. Quando nos envolvemos naquela noite, ela deveria saber
que haveria riscos. Moramos em uma cidade pequena com
estudantes que não conseguem cuidar da própria vida.
— E por que você não disse que era mentira?
— Eu disse para você, Keeran. Para todo mundo. Ninguém
acreditou.
A compreensão imediatamente cruza o seu olhar. A maçã,
que estava sendo levada à boca, se paralisa no meio do percurso.
As sobrancelhas se franzem e um vinco surge no centro de sua
testa. Um xingamento é proferido baixinho.
— Cacete.
Agora Keeran sabe que não importa o que Anne e eu
digamos para nossos amigos e conhecidos. Ninguém vai acreditar.
Eles preferem defender com unhas e dentes a sua própria versão
dos fatos: Anne Scott e Reed Rollins estão namorando. É isso.
Merda até o pescoço.
— E sabe qual é a pior parte?
Ele se arrepia, o rosto ficando branco feito um fantasma.
— Ainda pode ficar pior?
Conto a ele sobre a minha conversa com Angel na festa e o
pedido dela para que eu desse um jeito nas coisas começando a
namorar com alguém. A ideia me pareceu tão sem lógica que não
me dei conta que havia feito, horas atrás, exatamente o que ela
tinha me pedido.
Só que de um jeito mentiroso.
Mostro também a mensagem que recebi minutos atrás.
Depois de lê-la, ele faz uma careta e me olha de um jeito bondoso.
— Você está fodido, Reed.
— Fodido é eufemismo.
A ponta do seu nariz se enruga, uma coisa que ele sempre
faz quando está pensando. Dá mais uma mordida na maçã e, por
fim, murmura de boca cheia, alguns farelos caindo no chão:
— E o que você vai fazer?
— Não faço a mínima ideia.
Vamos ser namorados.
Ele só pode estar zoando. Nunca, na minha vida, vou
concordar com essa ideia mirabolante. Desfilar pelos corredores da
USVL ostentando o título de ser namorada do Reed Rollins é um
boato que nunca vai ser real.
— Você é sempre assim, brincalhão, ou só faz isso para me
tirar do sério? — Puxo minha mão para longe, escondendo-a dentro
do bolso da jaqueta jeans. — Porque, sinceramente, Reed, essa
situação não tem graça nenhuma.
— Não estou brincando — ele diz, soando sério. — Essa é a
minha ideia. Sermos namorados.
— Eu não gosto de você.
— Eu sei.
— Você é irritante.
— Eu sei disso também.
— Você também não gosta de mim.
— Na maior parte do tempo, não.
— E na outra metade? — indago.
Reed se aproxima novamente, sorrateiro.
Meus pés se movem para trás, mas ele é rápido o bastante
para me alcançar. O braço contorna a minha cintura, me enlaçando
como um cobra em ataque. Cravo as unhas ao redor dos seus
ombros, não gostando nem um pouco de senti-lo tão perto de mim.
É desconcertante.
— Na outra metade, eu penso em te dar umas boas
palmadas por mau comportamento.
Reprimo um gemido angustiado.
— Para o seu grande azar, eu penso em te dar um soco
durante todas as vinte quatro horas do meu dia.
— Quem diria que você poderia ser tão violenta.
— Sou muito pior do que você imagina.
O rosto de Reed se contrai naquilo que poderia ser um
sorriso de covinhas. Os olhos procuram os meus e, quando os
encontra, procuro entender o que há por trás dessa confusão em
que nos metemos. Ele não sugeriria a ideia do namoro se não
houvesse algo em jogo. Exceto a terrível probabilidade disso não
passar de uma brincadeira de mau gosto feita só para me irritar.
— O que você ganha com isso?
A pergunta faz o músculo do braço ao redor da minha cintura
se contrair. É sutil, mas consigo perceber. Reed permanece quieto,
hesitando dar uma resposta, o que faz a minha teoria se tornar
ainda mais verdadeira. Tem alguma coisa acontecendo.
— Estou devendo um favor a uma amiga.
Rio pelo nariz.
— O seu favor é namorar comigo?
— Não. Mas vai ser de grande ajuda.
Encaro o queixo de Reed, pensando que tipo de merda ele
fez para estar devendo um favor desse tipo. Ainda mais um namoro
comigo. Eu sou a última pessoa que ele escolheria. Porra, ele me
odeia. E eu o odeio muito mais.
— Não é problema meu. — Me solto do seu aperto e arrumo
a mochila ao redor do ombro. — Ache outra pessoa para lidar com
seus problemas. Eu estou caindo fora.
Ele resfolega.
— O que você precisa?
— O quê?
— Do que você precisa para aceitar ser minha namorada?
Solto um sopro pelo nariz que não é nada elegante.
— Você está querendo me subornar?
Ele levanta as mãos.
— Você fez isso com o Drake. Não pode me julgar por tentar
fazer o mesmo.
— Argh, você é um canalha.
Reed dá risada e cruza os braços na altura do peito,
acentuando os músculos. Odeio que ele seja atleta, porque isso o
faz deixar os outros garotos da USVL comendo poeira. Nunca fui
muito fã dos magrelos.
E Reed Rollins é uma parede de músculos tonificados.
Parece um pacote de presente, esperando para ser rasgado e
lambido.
Credo.
— O que você precisa, Annie? — Repete a pergunta pela
terceira vez, obrigando meus olhos a subirem e se fixarem aos seus.
— A vaga de emprego no PK Journal? Eu consigo para você.
Fico ofendida no mesmo instante que suas palavras chegam
até os meus ouvidos. Reed nota a expressão em meu rosto e a
boca se curva para baixo.
— Annie...
— É desanimador que você ache que eu não consiga a vaga
de estágio sem ser por mérito próprio — sibilo com irritação. — Não
preciso de nada vindo de você, Reed. Você que se dane com os
seus problemas e esse namoro.
Não penso duas vezes ao me virar e caminhar em direção ao
prédio de Jornalismo, deixando-o sozinho. Escuto Reed chamar por
mim, a voz alcançando grandes oitavas, mas não volto atrás.
Ele que se foda.
Cada parte do meu corpo está formigando enquanto o
treinador Turner apita e gesticula para os jogadores que correm pelo
campo. Minhas chuteiras afundam no gramado enquanto a minha
cabeça lateja em exaustão. Estamos há tanto tempo seguindo os
comandos e as correções que não consigo mais me lembrar nem
mesmo do que comi no café da manhã.
— Ele quer nos matar, só pode. — Dave ofega ao meu lado,
a camiseta molhada de suor. — Não me lembro da última vez em
que senti meu pulmão doer tanto.
— Deve ter sido quando você nasceu.
Ele me mostra o dedo do meio.
— Hoje você está muito engraçadinho, Rollins.
— Não há outra forma de aguentar esse treino sem ser
fazendo piada.
Dave revira os olhos e continuamos a correr ao redor do
gramado, nos esforçando para terminar a última sequência de
exercícios. O treinador Turner deve ter tido um péssimo começo de
manhã, porque está descontando em nós a sua raiva. Até Mason
levou um esporro quando errou o passe.
Não está sendo um dia fácil para ninguém.
— E quando você pretendia me falar sobre esse seu lance
com a Anne?
E lá vamos nós de novo.
— Não enquanto estamos no meio de um treino, pode
acreditar.
Dave dá um empurrão de brincadeira no meu ombro, quase
me derrubando no chão.
— Depois que acabarmos aqui, então. No Cheers Bar?
— Pode ser.
Quando o último apito é assoprado, suspiros de alívio
escapam de todos os jogadores. Posso até ver, pelo canto do olho,
Murray — nosso cornerback[3] — levantar as mãos para o céu e
murmurar um agradecimento.
Ao entrarmos no vestiário, o cheiro de suor é repugnante. A
maior mentira já inventada é que esses lugares são cheirosos. A
realidade é bem pior. Tem cheiro de chulé, cueca velha esquecida
dentro da máquina de lavar roupa e alguma outra coisa azeda que
nem prefiro saber o que é.
— Ei, Rollins — JP me chama.
Nós não somos muito próximos, mas ele sempre faz ótimas
jogadas, ajudando nas pontuações mais importantes do jogo.
— Fala, cara.
JP usa o ombro para se escorar no armário de alumínio azul
escuro. O cabelo loiro é cortado rente a cabeça e sua presença
exala aquela energia de surfista que errou o caminho para a praia e
acabou indo parar no campo de futebol.
— O que você e a Anne vão fazer na sexta?
Porra.
Mordo a minha língua para não deixar que minha expressão
entregue a verdade.
— Não faço ideia. — Abro a porta do armário, criando uma
barreira para que ele não veja o meu rosto. — Assistir Meninas
Malvadas, talvez?
JP dá risada.
— Minha namorada acabou de abrir um restaurante em
Sunbay. Seria legal se vocês fossem para a inauguração — sugere.
— A festa vai ser com o tema de namorados, então vocês estão
convidados.
Eu nem sabia que ele tinha uma namorada.
— Maneiro — digo da forma mais entusiasmada que
conheço. — Vou passar o recado para ela, mas pode contar com a
gente.
Sério, Reed?
Agora estou atolado na merda até a cabeça.
JP dá dois tapinhas no meu ombro e segue para os
chuveiros, me deixando sozinho. Encosto a testa no armário, não
acreditando que estou deixando as coisas chegarem a esse ponto.
Da próxima vez, não duvido que Anne surja através do ralo da pia e
me puxe para a rede de esgoto, dando um fim à minha existência.
Massageio a ponta do nariz e pego uma toalha, rumando
também em direção aos chuveiros. Depois de uma ducha
revigorante ao som de uma conversa nada agradável entre Chad e
O’Malley, estou caminhando para o estacionamento.
Destravo as portas e jogo o meu corpo no assento do Jeep,
esperando por Dave. Assim que insiro a chave na ignição, o meu
celular começa a vibrar em cima do painel. O nome de minha mãe
brilha na tela.
Atendo com um sorriso.
— Oi, mãe.
— Oi, mocinho — cumprimenta animada. — Como você
está?
— Sobrevivendo. — Rio comigo mesmo. — Acabei de sair do
treino. Hoje foi puxado, mas vai valer a pena depois. E você?
Minha mãe suspira feliz do outro lado da linha.
Quando ela e Ricky se divorciaram, meu coração ficou
dolorido não por ter os meus pais mais juntos. Na escola, eu odiava
a sensação, porque sentia que minha família era infeliz. Levou
alguns anos para eu entender que a separação fez Noreen muito
mais feliz.
— Estou planejando uma viagem para Cancún no final do
ano. O que você acha?
— Acho que vai ser incrível para você. — Encaro o
estacionamento praticamente vazio. Só tem o meu carro
estacionado e os de mais alguns alunos. — Talvez dessa vez você
conheça o grande amor da sua vida e se torne uma mulher
milionária que nunca mais vai precisar colocar os pés em um fórum.
Ela dá risada.
— Você sonha alto, filho.
— Não podemos deixar de pensar nas possibilidades.
Noreen grunhe, algo que costuma fazer sempre que discorda
de algo que eu digo.
— E o seu pai?
Fico tenso no mesmo instante.
— Me encontrei com ele na semana passada. Sabia que ele
vai casar de novo?
— O quê? — exclama. — Quem é a azarada da vez?
Caralho, eu amo a minha mãe.
— Dianna. Devo conhecer ela daqui a algumas semanas.
Ricky quer que eu vá jantar na casa dele.
— Se precisar que eu te busque, me avise, okay? Não há
nada pior do que conhecer a quinta futura esposa do seu pai.
Concordo, embora ela não possa ver.
— Vai ser entediante, como sempre.
Minha mãe e eu, então, entramos em um debate sobre todas
as outras três esposas do meu pai. Josie foi a segunda e eles se
conheceram durante uma viagem que ele fez para Nova York. Se
casaram com somente dois meses de namoro e se divorciaram
menos de um ano depois. Hoje, ela trabalha do outro lado do
mundo.
Gina foi a terceira e uma das mais divertidas. O seu senso de
humor era um pouco peculiar, mas arrancava algumas risadas
minhas durante os jantares. Ela engravidou e eles tiveram gêmeos.
Tive pouco contato, mas eles odeiam futebol americano. Acho que
essa foi a causa do divórcio.
A quarta foi a pior de todas. Susan criou uma teoria de que
meu pai tinha um caso com uma modelo dez anos mais nova e
conseguiu encontrar provas que vieram a público. Conseguiu o
apoio da mídia e quase acabou com a carreira de jogador
aposentado do meu pai. O divórcio se estendeu por anos até que
Susan ficou contente em levar uma boa bolada de dinheiro para
casa.
Acreditei que, depois dessa dor de cabeça infinita, meu pai
teria desistido do casamento. Nunca estive tão enganado. Só
espero que Dianna seja a última. Ninguém aguenta mais esse papo
de amor verdadeiro.
— Espero que Gina esteja bem — minha mãe diz, soando
perdida nas próprias lembranças. — Eu gostava dela.
— Eu também. E os gêmeos eram divertidos.
Noreen e eu conversamos por mais alguns minutos e nos
despedimos com a promessa de que ligarei mais vezes. Diferente
do meu irmão, não tenho sido um filho muito presente nos últimos
dias. Desde que o namoro explodiu como uma bomba ao meu redor,
não tenho pensado em muitas coisas além disso.
Sou despertado dos meus pensamentos quando a porta do
passageiro é aberta e Dave entra em um pulo, jogando a mochila do
treino no chão. Assim como eu, ele está usando a jaqueta do time
com a águia bordada nas costas.
— O treino de hoje foi de derrubar qualquer um — reclama
enquanto coloca o cinto de segurança. — Mal vejo a hora de chegar
em casa e enfiar meus pés dentro de um balde com gelo.
— Estou contando os minutos para isso também. — Insiro a
chave na ignição e saio do estacionamento da USVL. — Você acha
que temos chance de chegar aos playoffs esse ano?
Dave brinca com o brinco pequenino na orelha, ponderando
uma resposta.
— Estou confiante, mas você sabe como são essas coisas.
Não dá pra contar vitória até estar com a bunda roxa de tanto levar
chute no gramado.
Sopro uma risada. Dave e eu somos parceiros de time desde
que entramos na USVL; a única diferença é que ele é bolsista, então
o seu comprometimento com o esporte não tem nenhuma relação
com um pai que já foi a estrela do esporte.
Dave joga futebol americano porque ama de verdade. Faz
parte de quem ele é. É quase como uma extensão dele mesmo. Ser
o quarterback do time reflete no quanto ele leva isso a sério.
— Se a gente chegar nos playoffs, pode ter certeza que não
vai ser só a nossa bunda que vai ficar roxa.
Dave ri pelo nariz e se acomoda melhor no banco, esticando
as pernas compridas. Uma música baixinha toca no rádio e, por
mais que eu tente impedir, sou puxado de volta para os problemas
que estou tentando resolver.
— Reed? — Lanço um rápido olhar para o meu amigo. Ele
me observa com curiosidade, uma das mãos apoiadas na porta. —
Como você vai acabar com os boatos envolvendo você e a Anne?
Porque, hoje na aula de Empreendedorismo, o pessoal só falava
disso.
Ao mencionar o nome de Anne, o rosto dela batuca na minha
cabeça como um pica-pau irritante. A ideia de namorarmos...
Sinceramente, onde eu estava com a cabeça para propor isso a
ela? Era óbvio que seria uma péssima ideia.
E como ela disse, nós dois não gostamos um do outro. Anne
Scott, em especial, não só gosta de mim como me odeia. Não tenho
dúvidas que, se tivesse oportunidade, já teria me jogado na fogueira
da festa dos calouros. Desde aquela noite, quando fiz uma
brincadeira dizendo que a minha língua ia caber perfeitamente
dentro da sua boca, a nossa relação nunca progrediu.
Talvez eu tenha jogado sujo naquela noite.
Um ano e meio atrás, eu a teria beijado. Éramos calouros e a
única coisa que eu pensava era que queria aproveitar ao máximo a
vida de solteiro. Sorte que o tempo passa e os pensamentos
mudam. Mudam tanto que agora Anne Scott é minha namorada de
acordo com as fofocas.
Profiro um muxoxo e afundo levemente o pé no acelerador.
— Eu dei a ideia de namorarmos de mentira. — Jogo a
bomba de uma vez, já não aguentando mais.
Dave arregala os ombros e grunhe um palavrão que
ofenderia até as gerações anteriores da sua família.
— Você está fodido, sabia? Ela nunca vai aceitar.
— A minha sorte é que tenho você ao meu lado para curtir o
fundo do poço comigo.
A resposta de Dave é me mostrar o dedo do meio.
“Se você quer ser meu amor, saiba que vou te deixar maluco”
Baby | Madison Beer
Na quarta de manhã, estou de volta ao meu trabalho no
Brooklyn Blues. A demanda de clientes é alta, me deixando mais
cansada que o normal. A cada vez que forço minhas pernas a
pegarem impulso sobre as rodinhas e rodarem entre as mesas, os
músculos protestam em descontentamento.
É praticamente final da tarde quando as coisas se acalmam.
Becky está em seus minutos de descanso, fumando nos
fundos da lanchonete, enquanto Adele e Jackson conversam
embaixo do toldo em frente a porta de entrada. A relação dos dois
me desperta a curiosidade. Não sei se não inimigos ou qualquer
outra coisa perto de amigos.
Ao pensar nesse assunto, o rosto de Reed me vem à mente.
Os cabelos escuros penteados para trás, o maxilar bem definido e
os olhos expressivos que não deixam os sentimentos serem
mantidos em segredo.
Mordisco o cantinho do lábio inferior, a proposta feita por ele
retumbando na minha cabeça. Vamos ser namorados. É muito doido
pensar que isso poderia funcionar entre nós e, de quebra, ainda
acalmar os boatos entre nós.
Durante o começo dessa semana, tive a esperança de que,
com o passar dos dias, as coisas iriam ser esquecidas. Nunca estive
tão enganada. Duas garotas da irmandade Sigma Nu me pararam
no corredor para me convidar a participar de uma das festas —
desde que Reed também fosse. Houve ainda uma outra menina que
me entregou um convite para participar da sua peça de teatro, com
o meu nome e o do Reed estampados no envelope.
As pessoas estão se esforçando para nos verem juntos em
todos os ambientes possíveis.
Xingo um palavrão, não acreditando que minha vida tomou
essa perspectiva.
O sininho da porta de vidro ressoa e vejo Sidney e Moose
entrarem. Ela está usando um moletom com a logo da USVL,
enquanto ele exibe as tatuagens coloridas do antebraço com
orgulho. Até hoje não sei qual curso ele faz.
— Olá. — Cumprimento-os com um sorriso. — Não sabia que
vocês estavam em Sunbay hoje.
— Temos alguns assuntos importantes para tratar — Sidney
diz, meio acanhada, se sentando em uma das banquetas de frente
para o balcão. — Você tem alguns minutinhos?
Algo dentro do meu estômago se remexe, não gostando nem
um pouco da expressão que ambos exibem. Sidney cruza as mãos,
os dedos tremendo timidamente. Já Moose mantém os olhos fixos
em mim, como uma águia se preparando para o ataque.
Antes mesmo que eles digam alguma coisa, sei que vou ser a
maior afetada da história. Eles não iriam dirigir até Sunbay se não
fosse algo importante.
Respiro fundo e engulo em seco, a garganta arranhando.
— É claro. — Limpo as mãos no tecido do avental. — Vocês
querem beber alguma coisa antes?
— Não será necessário. — Moose dispensa a minha
cordialidade com um aceno de mão e se aproxima da namorada,
pousando a palma sobre o ombro dela. — Vamos ser rápidos.
— Okay. — Tento soar tranquila. — Sobre o que vocês
querem conversar?
O silêncio dura curtos segundos. As íris de Sidney se
desviam das minhas, encarando o mármore do balcão e, depois, o
cardápio escrito com giz atrás de mim. Quando encontra coragem
dentro de si, finalmente olha para mim. Ela nem disse nada, mas
nem é preciso. Sei exatamente o que vai acontecer.
— Você precisa se mudar, Anne.
A aula de Jornalismo Esportivo é a minha favorita de todo o
curso.
Poderia gozar de felicidade só de ouvir o professor falar
sobre as coberturas jornalísticas e as reportagens que fizeram
vários jornalistas alcançarem o topo de suas carreiras.
Unir as duas coisas que mais amo em um único lugar é a
minha parte favorita do curso. Não é todo mundo que consegue
esse privilégio.
A única coisa que me deixa desanimado é pensar que, se eu
for entrar para um time da NFL, o jornalismo vai ficar em segundo
plano. Não serei o entrevistador, mas o entrevistado. Deve ser
divertido também, é claro. Só não sei se irei me acostumar aos
holofotes como o meu pai.
Me sento em uma das cadeiras vagas e, como se um imã
estivesse me puxando, meus olhos se movem para a porta de
entrada. Anne entra distraída, a atenção fixa no celular em suas
mãos.
A temperatura hoje é agradável, então ela dispensou a
costumeira jaqueta jeans, ficando somente com uma camiseta que
combina com o tom de sua pele. A calça adere as coxas torneadas
e preciso me esforçar para desviar o olhar da sua bunda.
Passo a ponta dos dedos pela barba, que já está crescendo,
e acompanho Anne se sentar do outro lado da sala. Não penso duas
vezes. Ajunto minhas coisas e vou até onde ela está. Do jeito mais
silencioso possível, me acomodo na cadeira atrás de si e curvo o
corpo para frente, sussurrando em seu ouvido:
— Oi, joaninha.
Ela dá um salto, quase derrubando o celular no chão.
— Porra, Reed — xinga. — Você quer me matar de susto?
— A intenção ainda não é essa.
Anne revira os olhos e volta a atenção para o celular,
ignorando a minha presença. Eu, no entanto, continuo com os olhos
pregados nela. O perfume de morango chega até as minhas narinas
e, quando ela agita o cabelo, prendendo-o em um coque bagunçado
no topo da cabeça, torna-se difícil não encarar seu pescoço esguio.
— Sua resposta ainda é não?
Ela franze a pontinha do nariz de um jeito fofo.
— Sobre o quê, exatamente?
Estico o braço e tampo a tela do seu celular, obrigando-a a
prestar atenção em mim.
— Sermos namorados — digo baixinho.
As íris de Anne recaem sobre a minha boca por um milésimo
de segundo. É tão sutil que facilmente passaria despercebido, mas
não por mim.
— Nem que você fosse a última pessoa habitando essa
Terra, eu cogitaria a possibilidade de aceitar.
Estalo a língua no céu da boca.
— Não seja teimosa.
Ela se ofende, as sobrancelhas quase alcançando o couro
cabeludo.
— Não seja você um sapo asqueroso que não consegue
largar do meu pé.
— Um sapo? — Rio. — Você não tem um xingamento
melhor?
— Tenho vários, mas vou poupá-los para outro dia.
Cruzo os braços sobre a mesa.
— E que dia tão espetacular seria esse?
— O seu elogio fúnebre. Só que não vai ter elogio nenhum.
Droga.
Implicar com Anne não deveria ser assim tão divertido. E eu
não deveria gostar tanto. É difícil conter o sorriso ao vê-la trincar os
dentes, levantar o queixo e rebater minhas provocações.
— O que preciso fazer para você aceitar?
— Já te falei, Reed. — Empurra a cadeira para frente, criando
um espaço maior entre nós. — Não vou aceitar essa proposta. É tão
sem noção que começo a questionar suas habilidades de distinguir
a realidade de uma alucinação.
— Minhas habilidades vão muito bem, obrigado pela
preocupação. — Sopro um beijo e ela se vira na cadeira, ficando
novamente de costas. Arrasto a cadeira no piso, me aproximando. O
professor ainda não chegou, o que é um ponto a meu favor. — Faço
o que você quiser. Qualquer coisa.
Anne hesita ao ouvir minha última frase e percebo, tarde
demais, que falei o que não deveria. Essa é a oportunidade perfeita
para ela me sacanear do pior jeito possível. Já me vejo desfilando
pelos corredores da universidade só de cueca ou tatuando Anne
Scott na minha bunda, acompanhado de um coraçãozinho.
— Encontre um lugar para eu morar.
Fico momentaneamente confuso, porque não era essa a
resposta que eu esperava.
— Um teto, Reed — pede, meio áspera. — Se você achar um
lugar para eu morar, aceito sua proposta de sermos namorados.
É a ideia mais ridícula que meu irmão já teve?
Claro que sim.
É tão ruim que tenho dor de barriga só de pensar nas
consequências que ela vai me causar. O lado bom é que eu já estou
tão ferrado que mais uma cagada para a lista não vai mudar em
nada.
Com isso em mente, estico o braço e toco a campainha do
apartamento que Anne divide com Sidney. Ou que dividia. Sei lá. Ela
estava tão afobada me contando o que aconteceu antes que o
professor de Jornalismo Esportivo chegasse para a aula que fiquei
momentaneamente confuso.
O ressoar da musiquinha ecoa pelo corredor vazio, me
causando uma onda de calafrios. Se ninguém atender dentro dos
próximos dez segundos, vou girar sobre os calcanhares e ir embora
sem hesitar.
Faltando dois segundos para o tempo acabar, escuto as
chaves tintilarem e a tranca ser aberta. Sidney aparece, com uma
expressão de surpresa no rosto. Diferente de Anne, que tem
cabelos loiros, ela possui mechas castanhas escuras e olhos doces
escondidos por uma armação de óculos cinza.
— Reed?
— A Anne está? — pergunto e escondo as mãos dentro dos
bolsos da calça jeans.
Sidney gagueja uma resposta e dá um passo para trás, me
convidando a entrar. O apartamento é bonito. As paredes são
pintadas de cinza claro e há uma televisão na sala, assim como
também um sofá de quatro lugares cheio de almofadas e uma mesa
para as refeições.
Procuro encontrar por algo que remeta a presença de Anne
no ambiente, mas cada detalhe aparenta pertencer somente a
Sidney. Arrisco dizer que Anne é como uma intrusa nessa casa.
— Ela está no quarto. — Sidney aponta para o corredor. —
Pode ir até lá. É a segunda porta à direita.
Agradeço com um sorriso e caminho até o quarto, dando
duas batidinhas antes de entrar. Anne está sentada na cama,
cercada de livros, canetas e papéis, o computador repousando em
uma almofada no formato de donut.
— O que você está fazendo aqui? — Gira o corpo na cama e
me fulmina com o olhar assim que me vê.
Fecho a porta e me recosto na superfície de madeira. Meu
coração está batendo agitado no peito. Nem parece que encaro
jogadores com quilos e mais quilos de músculos em uma simples
partida de futebol americano.
— Tenho uma proposta para te fazer.
— Mais uma? — debocha.
Reprimo a vontade de revirar os olhos e caminho pelo seu
quarto, observando os detalhes, desde a cama de solteiro no centro
até a cômoda bagunçada e os patins esquecidos em um canto. Há
também uma pequena estante perto da janela, com livros que não
conheço e um mural cheio de fotos pregado na parede. A maioria é
de Anne com Claire nas festas da USVL.
Foco minha atenção no chão e permaneço de costas para
Anne. Forço minha garganta a engolir a saliva, criando coragem
para dizer o que quero. É mais difícil do que pensei. As chances
dela arremessar o abajur em cima da minha cabeça vão ficar bem
altas daqui a pouco.
— Não encontrei nenhum apartamento — despejo, a
garganta arranhando. — Mas você pode vir morar comigo e com os
meninos.
O silêncio que se segue é perturbador, semelhante à
expectativa que se cria durante um filme de terror. Se os
pensamentos de Anne tivessem som, seriam o de trovoadas, porque
é essa sensação que tenho enquanto fico parado no meio do quarto,
esperando por sua resposta.
— Nem fodendo — Anne diz, o colchão fazendo barulho com
os seus movimentos.
Com certeza está pegando o abajur em cima da mesinha de
cabeceira.
— É o único lugar disponível que você vai encontrar,
joaninha.
— Não, Reed. Não é.
Estou morrendo de vontade de encará-la, mas permanecer
de costas torna as coisas menos piores. É mais fácil domar o seu
inimigo se ele não souber das suas fraquezas. Pelo menos, foi isso
que me disseram.
— É, sim, confie em mim — insisto.
Ela xinga um palavrão e seus passos ecoam pelo piso, até
que ela me dá um empurrão ao ficar de frente para mim. Sou pego
de surpresa e caio de costas na cama, os pés se mantendo fixos no
chão. Anne permanece de pé, me olhando de cima e esbanjando
um olhar que poderia fazer um bebê sair correndo atrás da mãe.
As pupilas dilatadas e os lábios franzidos a deixam gostosa
pra caramba. O cabelo mantido preso em um coque bagunçado
deixa à mostra cada detalhe do seu rosto.
— Essa merda não me beneficia em nada — grunhe, a
mandíbula cerrada. — O combinado não era esse, Reed. Era você
me arranjar um teto.
Sorrio de forma lasciva.
— Você não especificou o tipo de teto.
Anne geme em irritação e sobe em cima de mim em uma
velocidade surpreendente para uma pessoa tão pequena. Ela pousa
os joelhos no colchão, se mantendo equilibrada sobre o meu quadril.
São minúsculos centímetros nos separando.
Estico o pescoço para trás para conseguir encará-la. Puta
merda. É demais para mim.
— Não estou no clima para brincadeirinhas, Rollins — rosna.
— Você vai arranjar um teto para mim. Um teto onde não haverá
espaço nenhum para você e sua bunda suada.
— E então você vai aceitar ser minha namorada? — Subo
com as mãos por suas coxas, deslizando os dedos ao longo da pele
nua. Anne não usa nada além de um shorts de pijama e uma
camiseta duas vezes maior que o seu tamanho. — Um teto longe de
mim e um sexo gostoso na sua cama como forma de
agradecimento?
Tudo acontece tão rápido que mal consigo processar. Um
segundo atrás, Anne estava pairando sobre mim, os olhos faiscando
em fúria. Agora, há uma régua sendo pressionada contra a minha
garganta — que, com certeza, ela pegou entre as coisas que estão
espalhadas em cima da cama. O seu corpo pende para mais perto
do meu, os seios a poucos centímetros do meu rosto.
Nossas respirações estão tão aceleradas que consigo sentir
meu coração retumbando com força nos ouvidos, o sangue
pulsando em cada maldita célula. Anne não está tão diferente. O
peito sobe e desce de forma descompassada, os lábios
entreabertos.
— O único agradecimento que você vai ter aqui vai ser eu
tacando fogo nas suas roupas. — A régua pressiona com mais força
a minha garganta. — E só depois disso é que vou aceitar ser sua
namorada.
— Você quer me ver pelado, então? — Inclino o rosto para o
lado, a ponta da régua tocando um ponto dolorido. — É só você
pedir, joaninha. Você pede, eu faço.
— No dia em que eu te ver pelado, pode ter certeza que
meus olhos vão cair no chão.
— De tesão, não é? — Dou uma risadinha debochada. —
Prometo não contar para ninguém.
Anne range os dentes e faz mais pressão com a régua.
Encaramos um ao outro, a tensão aumentando no ar de forma que
sinto o oxigênio ficar mais pesado. O silêncio, combinado com a
expectativa do que está por vir, me deixa inquieto.
— Sabe o que eu quero que você faça? — Ela não me dá a
chance de responder. Inclina o rosto para mais perto, diminuindo a
curta distância que nos separa. — Quero que encontre um
apartamento para mim. Nem que para isso precise subornar
alguém.
Mordisco o canto do lábio inferior e deslizo uma das mãos
pela coxa exposta, parando na sua cintura. Ela me observa
desconfiada, mas antes que possa dizer algo, fecho os dedos da
mão livre ao redor do seu braço e inverto as nossas posições. Ela
dá um gritinho quando as costas atingem o colchão, me deixando
por cima.
Separo suas coxas, me acomodando entre elas porque não
tenho dúvidas de que, se ela tiver a oportunidade, vai me dar um
chute nas bolas. É o truque mais antigo e previsível de todos.
— Você é a única pessoa que estou disposto a subornar. —
Prendo as mãos dela acima da cabeça, deixando-a encurralada. —
More comigo e os meninos e seja a minha namorada. Depois disso,
faço o que você quiser.
Os olhos esverdeados se estreitam, cheios de desconfiança.
— Por que se esforçar tanto para isso?
— Já te falei, estou devendo um favor para uma amiga e o
melhor jeito de fazer isso é sermos namorados.
Anne balança a cabeça para o lado, me dando uma visão
privilegiada do seu pescoço. Há uma veia ali pulsando, indicando
que ela está tão nervosa quanto eu. A diferença é que estamos
assim por motivos variados. Ela, porque me odeia com todas as
forças. Eu, porque é a primeira vez que estou quase implorando
para conseguir alguma coisa vindo dela.
— Você me odeia, Reed.
— Você é quem me odeia, Annie. Eu só te detesto na maior
parte do tempo.
Ela solta um muxoxo irritado.
— Sua definição de me detestar é um pouco incoerente,
sabia? — Remexe-se embaixo de mim, a barra da camiseta subindo
alguns centímetros. — Se isso fosse verdade, você não estaria com
o joelho enfiado entre as minhas pernas.
— E o seu ódio por mim é infundado. Não faz um pingo de
sentido.
Anne arrebita o nariz para cima. Inferno de garota irritante.
— Claro que faz — murmura, teimosa.
— Me diga, então, um bom motivo para você me odiar.
Continuamos na mesma posição, com ela embaixo de mim e
as mãos erguidas para cima da cabeça. O quarto se encontra
mergulhado em um tipo de inquietação desconhecida por mim. Para
ser sincero, nunca estivemos assim tão próximos. Anne está tão
perto de mim que consigo sentir seu perfume de morango.
— Porque você é você — diz, finalmente cortando o silêncio.
Arqueio a sobrancelha.
— E o que isso significa?
— Que você é tudo aquilo que eu detesto e mais um pouco.
— Ainda não faz sentido para mim.
Anne bufa.
— Bom, para mim faz — insiste. — E muito.
Respiro fundo e afrouxo levemente os dedos ao redor dos
seus pulsos. Quando ela faz menção de se soltar, estalo a língua no
céu da boca, negando com a cabeça.
— E o que eu posso fazer para mudar essa situação?
— Encontrar um apartamento para mim.
— Eu tentei, joaninha. Juro para você que tentei — explico,
tão paciente que fico surpreso comigo mesmo. — Não há nenhum
lugar para você além da minha casa.
Anne murcha embaixo de mim, o lábio inferior se projetando
para frente em um biquinho decepcionado. Pelo visto, eu era a sua
última esperança, porque conseguir um apartamento com um preço
acessível e vago durante o início das aulas é uma tarefa impossível.
Nem com os melhores contatos da cidade seria possível.
— Não há outra opção, certo?
Balanço a cabeça, negando. Ela fecha os olhos e suspira.
Longos segundos se passam até que Anne abre as pálpebras
e me encara de baixo. Solto seus braços, sabendo que dessa vez
não corro nenhum risco. Lentamente, saio de cima dela, me
deitando ao seu lado na cama de solteiro. O espaço é pequeno
demais para nós dois, de forma que preciso deixar meus pés para
fora.
Anne cruza as mãos sobre a barriga.
— Tudo bem — cede, por fim. Posso jurar que um arrepio
atinge cada parte esquecida do meu corpo. — Eu aceito morar com
você.
Viro o corpo no colchão, ficando de lado. Observo cada
detalhe do seu perfil: o nariz pequeno e arrebitado na ponta, os
lábios retesados em uma linha reta que expressa a sua insatisfação
e o cabelo loiro bagunçado. Anne não sabe, mas ela é uma das
garotas mais bonitas que tive o desprazer de conhecer.
— E ser minha namorada?
Anne se vira também, apoiando o braço no travesseiro para
sustentar a cabeça. Trocamos um olhar difícil de entender. Não sei
se ela está brava, chateada ou cansada. Pode também estar
planejando uma forma de me assassinar durante a noite, já que
estaremos morando juntos. Vai ser a oportunidade perfeita.
— Eu não vou beijar você, Reed.
Dou risada.
— Acha que é fácil assim me beijar? — Agito as
sobrancelhas. — Você vai ter que batalhar, Annie.
— Batalhar para conseguir um beijo seu? — Sopra os lábios
de um jeito engraçado. — Vai sonhando. Vou batalhar para me livrar
de você o quanto antes, isso sim.
— Sempre tão romântica... Vai ser difícil convencer as
pessoas que você está perdidamente apaixonada por mim.
— Já te falei, Reed. — Estica a mão e acaricia o meu braço
nu com a ponta dos dedos. — Fingir não é um problema para mim.
Para você, vai ser?
Só percebo que prendi a respiração quando Anne abre um
sorriso e pisca as pálpebras de um jeito inocente que não combina
nada com sua expressão irônica.
— Fingir é minha especialidade. Você nunca vai ter alguém
tão bom quanto eu nisso — retruco.
— Só acredito vendo.
— E você vai ver.
Pego sua mão, que estava repousada sobre o meu braço, e
entrelaço os nossos dedos. É tão estranho. Nunca imaginei que
chegaríamos a esse ponto de nossa irritante relação. Estamos os
dois deitados na sua cama, em um apartamento que não é dela e
com as palmas pressionadas uma na outra.
Encaramos juntos as nossas mãos e, como se uma onda de
choque nos acertasse, nos soltamos de imediato. Anne esconde a
sua embaixo do travesseiro e volta a encarar o teto, evitando o meu
olhar. Acomodo-me melhor no pequeno espaço restante do colchão
e obrigo a pulsação a se acalmar.
Permanecemos quietos, uma muralha invisível crescendo
gradativamente entre nós. Se eu conhecesse Anne, até poderia
dizer que está abalada com o que aconteceu, mas ela é uma
fortaleza impenetrável.
— Para quem você está devendo um favor, Reed? —
pergunta em um fio de voz.
Balanço o pé para cima e para baixo, mantendo os olhos
fixos na parede em que as fotografias estão coladas com fita
colorida.
— Angel Patterson.
— E posso saber por que?
Conto para Anne cada detalhe. Desde o momento em que
Angel e eu nos conhecemos ao pedido que ela me fez na festa da
Martial Kappa Tau. Menciono até mesmo a mensagem que ela me
mandou agradecendo por assumir o meu namoro com Anne.
Quando as últimas palavras são despejadas, fico com a sensação
que um peso invisível saiu dos meus ombros. O que é bizarro,
porque desabafei sobre esse assunto com o meu irmão horas atrás.
No entanto, sinto que dessa vez foi diferente. Talvez porque Anne
esteja envolvida nessa confusão.
— Você não precisava fazer isso, sabia? — Inclina o pescoço
para o lado e me dá um olhar duro. — Era só dizer para ela
encontrar um jeito de se livrar dessa bagunça.
Faço uma careta.
— Eu não sou um cuzão, Scott.
Ela semicerra os olhos, deixando claro a sua opinião.
— Comigo você é.
— Porque você merece.
Meu ombro é empurrado, mas mal saio do lugar. Continuo
acomodado no travesseiro e no minúsculo espaço em que consegui
me encaixar do colchão de solteiro.
— Se o seu objetivo é me derrubar da cama, você não vai
conseguir.
— Consegui dominar você com uma régua, Reed.
Abro um sorriso de canto.
— Eu deixei você fazer aquilo comigo, Annie. E foi bem
excitante, por sinal.
Anne cospe uma sequência engraçada de palavrões e se
levanta da cama, me dando uma visão privilegiada da sua bunda.
Como se compreendesse o rumo do meu olhar, ela empurra a
camiseta comprida para baixo e cruza os braços na altura do peito.
Estico os braços para trás e me esparramo na cama.
— É por isso que precisamos namorar, então? — Retorna ao
assunto anterior enquanto fecha a cortina. — Para que as pessoas
parem de falar sobre ela?
Concordo com um aceno e Anne sacode a cabeça,
discordando.
— E quando a gente terminar esse namoro? Você acha
mesmo que as pessoas não vão ficar falando sobre mim também?
Desvio o olhar para a coberta com vários queijos estampados
de diferentes tamanhos. Me abrir com Anne a respeito dos meus
problemas nunca foi uma possibilidade. Não temos esse tipo de
intimidade em que eu desabafo sobre as merdas envolvendo o meu
pai e, no final, ela me consola com um abraço. Esse tipo de coisa
não acontece entre a gente.
Por isso, opto pela versão resumida e que não deixa de ser
verdade.
— Ano que vem, vou ser draftado por algum time. Os boatos
vão acabar assim que eu for embora de Maple Hills.
Anne esquadrinha atentamente o meu rosto. A primeira coisa
que penso é que ela deve estar aliviada por termos poucos meses
juntos. O draft acontece durante o offseason[4], ou seja, temos
alguns bons meses para tirar um ao outro do sério. Depois disso,
acabou.
— Você não vai terminar o curso de Jornalismo?
Aperto os lábios, odiando o rumo dessa conversa.
— É bem provável que não — murmuro. — Então, não
precisa se preocupar. A gente termina o nosso namoro meses antes
e sua vida volta ao normal. Eu também vou estar super ocupado
com a época dos playoffs, então não vou ter tempo para muita
coisa. Só quero que Angel se livre desse pesadelo.
A resposta de Anne é se esticar sobre a cama e recolher os
materiais espalhados. Acompanho cada movimento, analisando-a
por mais tempo do que deveria. Ela é difícil de decifrar. Parece estar
sempre na defensiva, pronta para atacar qualquer um que ousar se
aproximar.
— Quais são os termos?
Pisco os olhos, confuso.
— O quê?
Ela coloca os livros na estante e se vira novamente para mim,
se sentando na beirada da cama.
— Quais são os termos para o nosso namoro, Reed?
Abro um sorriso de pura felicidade. Eu facilmente poderia
puxá-la para um abraço e enchê-la de beijos por estar disposta a
seguir em frente com essa ideia. É inacreditável que isso esteja, de
fato, acontecendo.
— Não vamos namorar de verdade, se essa é a sua
preocupação.
Um suspiro falso de alívio escapa da boca dela.
— Que sorte a minha, pois serei a primeira namorada que
não vai transar e nem beijar o namorado — diz de forma irônica.
— Ainda vai ter que bancar a namorada apaixonada, para o
seu azar.
— Já disse que não será um problema para mim. O que
mais?
Coço o nariz, pensando.
Nunca tive uma namorada. Desde que entrei na puberdade,
meu tempo livre sempre foi dedicado ao futebol americano. O
envolvimento com Angel foi o relacionamento mais longo que tive
durante esse período estudando na USVL. Anne vai ser a primeira
que vai ocupar esse cargo na minha vida.
— Temos que aparecer juntos para convencer as pessoas
que estamos namorando e levando a nossa relação a sério.
— Eu morar com você já não é resposta o suficiente?
— É claro que não, joaninha. — Impulsiono o corpo para
cima e me aproximo de onde ela está. Anne só não se afasta
porque cairia da cama. — Não podemos deixar nosso namoro cair
na rotina.
Ela dá risada, o pescoço pendendo para trás.
— O que você planeja, então?
— JP nos convidou para a inauguração do restaurante da
namorada dele em Sunbay nesta sexta. Prometi a ele que iríamos.
— Diminuo mais a distância entre nós enquanto falo, até estar
sentado de frente para ela. — Angel também quer te conhecer. Um
encontro duplo.
Anne estreita as pálpebras.
— E o que mais?
— Também não vamos sair com outras pessoas.
— Era o mínimo que você poderia me oferecer.
Umedeço os lábios com a pontinha da língua e coloco uma
mecha que escapou do seu coque para atrás da orelha. Ela está
paralisada diante da minha aproximação, a respiração soando
descompassada.
Fixo a atenção em seus olhos e depois desço para sua boca.
Vai ser difícil convencer as pessoas de que somos namorados sem
nos beijarmos nenhuma vez, mas seria demais para mim e para
Anne. Esse é um limite que não estamos dispostos a ultrapassar.
— O que você está fazendo? — Anne pergunta baixinho, a
voz tremendo.
Não falo nada. Desço com o polegar pelo seu pescoço e
encaixo a palma ali. Inclino o queixo dela para cima e, porra, é a
visão mais excitante do mundo. Anne está com as bochechas
coradas, os lábios entreabertos e os olhos cintilando.
Quando faço menção de tocar os lábios em sua bochecha,
Anne dá um tapa no meu braço e me empurra para longe.
— Tira suas mãos pegajosas de mim, Reed!
Dou risada.
— Você não deveria falar assim com o seu namorado.
Ninguém vai acreditar em nós se você agir assim toda vez que eu te
tocar.
A compressão cruza o seu olhar e ela faz um beicinho
enraivecido. Acaricio seu braço, subindo de forma lenta até chegar
novamente ao seu pescoço. Dessa vez, ela não se contrai, mas
ainda mantém os muros erguidos ao seu redor, não me deixando
ultrapassar o limite.
Roço a maçã do rosto com os nós dos dedos e encaixo a
palma ao redor da nuca. Lentamente, aproximo nossos rostos. Anne
mantém os olhos abertos, me encarando com tanto fervor que me
deixa constrangido. Se fosse outra garota, ela já estaria de olhos
fechados e afundando a boca na minha.
Devolvo o olhar de Anne e uso o polegar para contornar os
seus lábios. Ela os entreabre, ofegante, mas o sinal de alerta que
grita de suas íris é que, se eu passar dos limites, ela não vai pensar
duas vezes em se vingar. O abajur aguarda o seu momento de ser
espatifado na minha cabeça.
Respiro fundo, sentindo a boca seca, e aproximo meus lábios
da orelha dela. Anne afunda as unhas na coberta. Posso jurar que
ouço o seu coração palpitar quando deslizo o nariz pelo seu cabelo.
É um gesto pequeno, mas que vai além de tudo o que já fizemos
juntos.
— Nós temos um acordo, então? — sussurro, prolongando as
sílabas.
Anne engole em seco.
— Sim, Reed. — Concorda em um fio de voz. — Nós temos o
acordo mais improvável de todos.
“Não, você não significa nada para mim”
Say It Right | Nelly Furtado
As coisas que a gente aceita quando se passa por um
problema são inacreditáveis. Decisões tomadas no calor do
momento geram o quê? Isso mesmo, resultados péssimos com
consequências assustadoras.
Reed está com o porta-malas do Jeep aberto enquanto
empilha as minhas caixas etiquetadas. Ele decidiu que hoje, após o
fim do meu trabalho, seria uma ótima ideia fazermos a minha
mudança para a sua casa. Ainda não acredito que concordei com
essa loucura sem estar com um pingo de álcool na boca.
— É só isso? — pergunta ao tirar o boné azul e passar os
dedos pelos fios bagunçados.
É uma crime que ele seja bonito mesmo sem fazer nenhum
esforço. Reed Rollins esbanja aquele tipo de presença que te deixa
meio fora de órbita. A sorte é que sou imune.
Exceto quando ele está usando boné. Isso já é um detalhe
difícil de ignorar.
— Só tem mais uma caixa. Eu vou lá buscar.
Reed concorda com um sorriso e subo as escadas.
Quando entro no apartamento, uma estranha sensação de
nostalgia me atinge. Não morei aqui com Sidney muito tempo, mas
foi o suficiente para criar boas memórias.
Fungo baixinho e entro no meu quarto, pegando a última
caixa. O que me deixa mais irritada é que Sidney nem está aqui. É
como se ela dissesse: pode ir embora, eu não me importo. E mesmo
que essa situação tenha influência do Moose, ainda fico com raiva
por ela ser filha da mãe a esse ponto comigo.
Sacudo a cabeça e saio do quarto. Dou uma última olhada no
apartamento e fecho a porta, deixando a minha chave embaixo do
capacho. Desço e encontro Reed encostado na lataria do carro.
— Pronta?
Assinto e Reed pega a caixa em minhas mãos, colocando-a
junto das outras. Antes que eu possa abrir a porta do passageiro,
ele se prontifica e faz um sinal.
— Primeiro as damas.
Bufo.
— Vai se foder, Reed.
Ele dá risada e contorna o carro, acomodando o corpo no
banco do motorista. Insere a chave na ignição e dá a ré, seguindo
adiante pela rua que leva ao bairro mais nobre de Maple Hills, o que
não é nenhuma surpresa para mim, já que ele é filho de um dos
jogadores mais famosos do New England Patriots.
Mesmo que eu não acompanhe o esporte, sei que Ricky
Rollins é uma lenda. Diziam que o seu talento nos gramados era
uma coisa de outro mundo. Aquele tipo de dom que nasce com a
pessoa, sabe?
Então, é de se esperar que Reed tenha uma vida tão boa
quanto os garotos engomadinhos da fraternidade Martial Kappa Tau.
— O que você quer ouvir? — Reed pergunta de forma
descontraída.
— Qualquer coisa que não seja a sua voz.
Seus olhos castanhos se reviram e o rádio é ligado. A voz de
Beyoncé invade os alto-falantes. Arqueio as sobrancelhas, surpresa.
— Você gosta de Beyoncé?
— Você não? — Me lança um rápido olhar, voltando a prestar
atenção no trânsito tranquilo da cidade. — Não podemos ser
namorados se você tiver um gosto musical ruim, lamento dizer.
Contenho o meu sorriso.
— Meu gosto musical é muito bom. Bem melhor que o seu,
pode apostar.
— Joaninha... Não existe nada acima da Beyoncé.
— Infelizmente, você tem razão — resmungo. — Mas eu
também gosto de Bruno Mars, Chase Atlantic e The Weeknd.
Reed abre um sorriso malicioso. Suspeito que estamos
próximos da sua casa, porque as construções são de estilo vitoriano
com grandes gramados bem cuidados e garagens espaçosas para
mais de dois carros. Nunca estive aqui antes.
— Os dois últimos são ótimos para se ouvir enquanto transa.
Isso é alguma indireta para você rebolar gostoso para mim, Annie?
Mostro a língua para ele.
— Sexo não está incluso no pacote namorados de
mentirinha.
Reed faz um bico de birra e encolhe os ombros, tentando
soar decepcionado.
— Vai me deixar chupando o dedo, então?
— Vou deixar você bater punheta no chuveiro, isso sim.
Dessa vez, ele explode em uma gargalhada e me vejo rindo
também.
— Okay, Annie. — Diminui a velocidade do carro e noto que
estamos parados na entrada de uma garagem. A casa ao fundo está
com as janelas iluminadas. — Podemos ouvir Bruno Mars da
próxima vez, já que me nego a escutar The Weeknd dentro de um
carro com você.
— Por quê? — Solto o cinto de segurança, ficando de frente
para ele.
Reed faz o mesmo, olhos me sondando de cima a baixo.
— Você não vai querer saber a resposta.
Antes que eu possa reclamar, ele abre a porta e salta para
fora, seguindo para o porta-malas. Faço o mesmo, saindo do Jeep e
pegando duas caixas pequenas. Eu não trouxe muita coisa, já que
todos os móveis e eletrodomésticos são de Sidney. Os únicos itens
que me restaram foram as roupas e os objetos pessoais.
Reed aponta para as lajotas e o sigo até a varanda. A casa é
no estilo vitoriano, com janelas espaçosas e um jardim muito bem
cuidado. Poderia facilmente ter saído de um catálogo de arquitetura
— ou do seriado Irmãos à Obra. O aluguel não deve ser nada barato
e, por um momento, sinto o bichinho verde da inveja picar o meu
ombro.
A vida que Reed tem está a milhas de distância da minha.
Enquanto seu pai ganhou a vida como jogador, o meu faleceu
em um acidente no mar quando eu ainda era pequena. Não me
lembro dele tanto como gostaria. Tudo o que me resta são as
histórias que Alex me conta e as fotografias espalhadas na casa de
nossa mãe.
Eu daria de tudo para ter meu pai presente em minha vida.
Reed é sortudo pra caralho por viver esse privilégio.
— Antes de entrarmos, quero que saiba que Mason e Keeran
podem ser meio... Exagerados demais — Reed avisa, os dedos da
mão livre fechados ao redor da maçaneta. — É a primeira vez que
vamos ter uma mulher morando com a gente.
Ergo a sobrancelha esquerda.
— Eu devo me preocupar?
Ele sorri.
— É claro que não. — Empurra a porta alguns centímetros.
— Eu protejo você, como todo namorado apaixonado deve fazer.
Mal tenho a chance de retrucar. Assim que as dobradiças
rangem, sou engolida por uma explosão de gritos e assovios
masculinos.
— Anne Scott, que honra recebê-la em nossa humilde
residência — Mason diz com um sorriso fofo e tira as caixas das
minhas mãos. — Deixa comigo.
— Você é muito educado, Mason. — Keeran se intromete no
meio e me puxa para um abraço. Sou engolida por seus braços
musculosos e, sem esperar, ele dá um tapinha de brincadeira na
curva da minha coluna. — Tem que ser mais ousado.
Reed pigarra.
— Tire as mãos da minha namorada, Flanagan.
Ele faz um biquinho e beija a minha bochecha, se afastando
logo em seguida. Ainda estou assustada com a velocidade em que
as coisas estão acontecendo.
— Ela não é sua namorada de verdade.
— Para você, ela é.
— Hum... — Ele coça a barba. — Você vai levantar a sua
perna e fazer xixi nela que nem um cachorro?
Aperto os lábios para que uma risada não me escape.
Não conheço Keeran e Mason tão bem quanto gostaria. Eles
almoçam em nossa mesa durante alguns dias da semana e são
parte do time universitário, mas nossas interações sempre se
resumiram a rápidos cumprimentos e eventuais comentários.
O pouco que sei é que Keeran tem a fama de não sossegar
com uma única garota e que Mason é o mais tranquilo dos meninos.
E depois tem o Reed... Que nem prefiro comentar a respeito. Meu
desgosto por ele é a única coisa que vale a pena ser levado em
conta.
— Se for preciso, sim.
Lanço a ele um olhar mortal e Reed dá de ombros.
— Vou subir com a Anne para arrumar as coisas. — Aponta
para as caixas e Mason as coloca acima das outras que ele já está
segurando. — Peçam três pizzas de pepperoni pra gente. Um
presente de boas-vindas para a Anne, okay?
Mason faz um sinal de positivo com a mão, ao mesmo tempo
em que Keeran tira o celular do bolso, rumando para a cozinha. Ele
o segue, deixando eu e Reed sozinhos no vestíbulo. Só agora que
percebo que a casa é muito mais organizada do que eu esperava.
Na minha cabeça, haveria bagunça espalhada por cada canto
possível.
— Vamos? — Reed me chama, obrigando meus olhos a se
moverem em direção à sua voz.
— Você não precisa de ajuda com as caixas?
Ele dispensa o meu gesto com uma piscadela egocêntrica e
segue rumo às escadas. Acompanho-o, ainda tentando assimilar o
giro de 180 graus que minha vida sofreu nas últimas horas. Até
ontem, eu estava deitada na minha cama, fazendo um trabalho de
Jornalismo Político quando Reed entrou no quarto e fechamos o
acordo mais improvável do mundo.
Claire não estava tão errada, afinal. Acabei realmente vindo
morar com Reed e os meninos.
Ao alcançarmos o segundo andar, Reed aponta para a
segunda porta do corredor. Entro no quarto e, no mesmo segundo
que meus pés tocam o piso, tenho a certeza de que esse quarto é
dele. Tem o cheiro de Reed Rollins no ar. Aquela combinação
deliciosa entre cravos e sândalo que nubla os meus pensamentos
quando ele está perto demais.
As paredes são pintadas de um cinza escuro e há dois
pôsteres pregados na parede: Top Gun – Ases Indomáveis e Missão
Impossível, ambos com o Tom Cruise. A cama de casal fica do lado
oposto, próxima da janela, e há uma porta que julgo levar ao
banheiro. A estante cheia de filmes junto da escrivaninha
organizada e as prateleiras cheia de troféus da época da escola são
detalhes difíceis de desviar o olhar.
— Que romântico da sua parte me trazer para conhecer o
seu quarto. — Giro sobre o solado emborrachado do tênis. — O
covil da cobra Rollins é surpreendente.
Reed revira os olhos e se desvia do meu corpo, deixando as
caixas em um canto do quarto. Ele se joga, então, na cama e um
suspiro alto é proferido ao acomodar os braços atrás da cabeça. A
camiseta sobe alguns centímetros, revelando um pequeno pedaço
de pele do abdômen.
— Na verdade, esse agora é o covil Rollins-Scott.
Minha boca fica seca no mesmo instante.
— Que merda você está falando, Reed?
Ele levanta a cabeça e me lança um dos sorrisos mais sujos
que já vi. É aquele tipo de sorriso que molharia a minha calcinha e
me deixaria sedenta por sua boca me chupando. A sorte é que sou
imune a qualquer tipo de sedução barata que ele vier pra cima de
mim.
Mas não posso negar que o seu sorriso abala, só um
pouquinho, a minha autoconfiança e faz a ponta dos dedos
formigarem. Porque, bem lá no fundo, vejo a fagulha de uma bomba
se preparando para ser arremessada na minha direção.
— Você e eu. — Gesticula para o próprio rosto e depois para
o meu. — Em uma cama. Na minha, mais especificamente. É disso
que estou falando, Annie. Seja muito bem-vinda ao nosso quarto.
Ranjo os dentes e pego a primeira coisa que encontro ao
meu alcance. Arremesso em sua direção com toda a força que
tenho dentro de mim. Ele desvia com facilidade do objeto que corta
o ar e atinge o chão em um baque alto. Segundos depois, Reed
explode em uma gargalhada maléfica e enterra o rosto nos
travesseiros, abafando o som.
Agora, definitivamente, Reed Rollins é a pessoa que mais
odeio nesse mundo.
“É como se você fizesse qualquer coisa pela minha afeição”
abcdefu | Gayle
Uma hora mais tarde, estou na cozinha com os meninos
comendo pizza. Keeran está sentado ao meu lado, acompanhado
de uma garrafa de cerveja. Mason se mantém do lado oposto,
mastigando de boca aberta e trocando mensagens no celular.
Já Reed brinca com a tampinha da cerveja, roubando vez ou
outra um pedaço de pepperoni. Seus olhos não desgrudam dos
meus. A irritação ainda pinica em minha pele depois do que
aconteceu em seu quarto. É inacreditável que ele tenha me
convidado para morar em sua casa sem ter uma cama livre para
mim.
Só nos sonhos dele que vamos dormir juntos.
— Então, estou curioso. — Keeran vira o corpo na banqueta.
— Por quanto tempo vocês vão fingir esse namoro?
Observo o seu rosto, me atentando a cada detalhe. Keeran
tem sobrancelhas grossas, uma mandíbula bem definida e lábios
médios. Seu nariz é reto e o sorriso, arrisco dizer, é o seu ponto
mais forte. E como todo jogador de futebol americano, ele é uma
parede de músculos.
— Pelo tempo que for necessário — Reed responde.
— Três meses — digo ao mesmo tempo.
A sobrancelha de Reed se arqueia em um arco perfeito.
— Nós ainda não conversamos sobre isso.
Pego um pedaço de pizza da caixa.
— Você me fez entrar nesse acordo maluco. O mínimo a me
oferecer é a decisão de escolher quanto tempo vai durar.
Reed trinca os dentes e enche a boca de cerveja. Dessa vez,
é a raiva que dilata as pupilas, deixando as íris castanhas quase
invisíveis.
— Três meses, então — Mason repete. — Isso quer dizer que
vocês vão comemorar o Ano-Novo juntos?
— Está cedo demais para pensar sobre isso. — Me desvio do
assunto e mordisco a pontinha da pizza. — E aposto que ninguém
vai ligar se passarmos o final de ano separados. Todo mundo vai
estar ocupado demais para lembrar da gente.
Espero que Reed diga algo, mas ele mantém o olhar fixo no
balcão.
— E quando os jogos de vocês começam? — pergunto,
voltando os olhos para Keeran.
— Na semana que vem. Temos um jogo na sexta contra os
State Tigers em Barryton. Vamos acabar com eles.
— Zero inseguranças?
Keeran abre um dos sorrisos mais cafajestes que já vi e
inclina o corpo para perto do meu. Ainda há uma distância segura
entre nós, mas sinto o olhar de Reed queimando em minhas costas.
— Eu sou o melhor wide receiver que você já viu.
Insegurança não faz parte da minha personalidade.
— E na vida pessoal? Você também é assim tão
autoconfiante quando uma garota te dá o fora?
Mason engasga com uma risada, ao mesmo tempo em que
Keeran mordisca o cantinho do lábio inferior e bebe mais um gole da
cerveja.
— Você é muito mais petulante do que eu imaginei, Anne.
Faço uma reverência.
— É o meu jeitinho único de ser.
— Acho que seremos grandes amigos.
Reed pigarra. O quadril dele está apoiado no balcão da pia e
os braços se mantêm cruzados. Os músculos tensionados e a
mandíbula rígida, como se estivesse bravo, me arrancam um
discreto sorriso. Já percebi que ele não gosta nem um pouco das
minhas interações com Keeran, porque ele não esconde o tom de
flerte na voz.
— Você não sabe onde está se metendo, Flanagan —
resmunga. — Depois não diga que não te avisei.
Keeran faz um sinal de desdém com a mão. Eu, no entanto,
apoio os cotovelos no balcão e encaixo o queixo entre as minhas
palmas.
— E onde, exatamente, ele está se metendo? — indago.
Reed troca o peso dos pés.
— No covil de uma serpente sedenta por sangue.
Mason e Keeran explodem em uma gargalhada, enquanto
Reed e eu permanecemos fulminando um ao outro. Na minha
imaginação, minhas mãos estão ocupadas apertando o seu pescoço
da mesma forma que uma serpente faria. No final do bote, ele cai
duro no chão.
— Você nunca esteve tão certo, Rollins.
Pego a cerveja esquecida em cima do balcão, levantando-a
em um brinde cheio de deboche, para logo depois beber um
generoso gole. Reed faz o mesmo e o sorriso que se insinua em sua
boca é um sinal gritante de que os próximos meses não serão nada
calmos para nós.
Depois de tomar um longo banho com direito a muito
hidratante corporal, saio do banheiro e vejo Reed esparramado no
colchão, os olhos fechados. Diferente da minha cama de solteiro, a
sua é tão grande que caberia facilmente três pessoas.
Surpreendentemente, ele consegue ocupar um generoso espaço
entre os travesseiros.
Dou uma tossida exagerada e as suas pálpebras se abrem.
Reed levanta o pescoço e me encara. Meu pijama é composto por
um shorts de malha e uma camiseta com o logo da USVL no centro.
Não é nada vulgar, mas me sinto estranha diante do seu olhar
analítico, como se ele fosse capaz de ver, através do tecido, os
meus seios livres do sutiã.
— Eu não vou dormir com você, se é isso que está
pensando.
— Tem espaço suficiente para nós dois aqui.
— Não concordei com isso quando aceitei vir morar com
você.
— Você não perguntou, então... — Inclina o queixo para o
lado de um jeito arrogante. — Ou você fica aqui comigo ou dorme
no sofá da sala.
Fecho as mãos em punho e caminho até a cama. Reed sorri,
achando que venceu essa rodada. Tenho vontade de dar um soco
no seu queixo ao pegar um dos travesseiros. No momento em que
saio pela porta do quarto, ele se dá conta do que estou fazendo e
pragueja um palavrão.
Desço as escadas correndo, mas assim que meus pés tocam
o piso do primeiro andar, mãos grandes e ligeiras se fecham ao
redor da minha cintura, me paralisando. Grito, torcendo para que
Keeran e Mason venham ao meu socorro.
— Você não vai dormir na porra do sofá, Anne — Reed
resmunga, sua voz soando tão rouca que faz os pelinhos do meu
braço se arrepiarem.
— Ah, eu vou, sim. — Arremesso o travesseiro para trás,
tentando acertá-lo. Ele desvia com uma facilidade incrível. — Não
vou compartilhar do mesmo lençol nojento que você usa para
transar com as garotas dessa universidade.
Reed ri contra o meu pescoço, seu hálito quente fazendo
cócegas. Os dedos permanecem em minha pele, pressionando-a de
forma que não consigo fugir. Mais uma vez, ele me mantém presa
em seus braços.
— Meu quarto está intacto, assim como a minha cama. Não
se preocupe. A única pessoa que vai sujar os meus lençóis agora
será você.
Meu peito queima com as palavras.
— Com o sangue do assassinato que vou provocar — corrijo-
o e sacudo meu corpo, tentando me soltar. É inútil e Reed ri atrás de
mim. — Juro por Deus, você está muito perto de ser estraçalhado
essa noite com uma motosserra. Eu não vou pensar duas vezes em
te picar todinho.
— Você fala demais. Se você fosse acabar comigo, já teria
feito isso há muito tempo.
— Nunca duvide de mim.
Ele dá uma mordidinha sorrateira no meu pescoço. Abro a
boca para gritar o mais alto que conseguir, mas Reed age em uma
velocidade difícil de acompanhar. As mãos giram o meu corpo para
frente e, de repente, estou em cima dos seus ombros, como um
saco de batatas sendo carregado. Soco as suas costas, meu cabelo
solto atrapalhando a visão.
— Reed! — exclamo, sacudindo as pernas. — Me coloca no
chão, seu babaca!
Ele dá risada e começa a subir as escadas. Assim como foi
com as caixas, não há nenhuma dificuldade durante o percurso. É
como se eu tivesse o peso de uma pena. Não faz nem cosquinha
nos seus músculos irritantes e definidos.
Assim que chegamos ao seu quarto, ele me coloca na cama
com um único movimento. Minha bunda quica no colchão.
— Eu não acredito que você fez isso.
— Não havia escolha. — Caminha até a porta e a fecha. Não
sei como Keeran e Mason ainda não vieram ver o que está
acontecendo. Tenho certeza de que meus gritos foram ouvidos
pelos vizinhos. — Não vou deixar você dormir no sofá. Não confio
naquele lugar.
— E posso saber por quê?
Reed tira a camiseta, jogando-o no cesto de roupa suja.
Obrigo meus olhos a não se desviarem do seu rosto. Não estou
interessada em ver o abdômen definido que termina em um V
perfeito. Nem um pouquinho.
— Tenho a vaga sensação que Keeran já transou lá com
alguma garota.
Engasgo com a saliva só de pensar em deitar a minha
cabeça em um lugar que já foi vítima de vários orgasmos.
— Que nojo.
Reed concorda com um resmungo e entra no banheiro,
acendendo a luz. Pego um vislumbre das suas costas torneadas
antes dele se virar sobre os calcanhares e apoiar a mão na
maçaneta, me observando sentada em sua cama.
— Quando eu voltar, nós vamos conversar.
Formulo uma resposta cheia de ódio, mas ele não me dá a
chance de articulá-la. Fecha a porta em um clique, mergulhando o
quarto em um silêncio confortável. Escuto a tubulação ranger e o
chuveiro ser ligado. Minha mente, traiçoeira como consegue ser, se
recorda de quando encontrei Reed tomando banho no vestiário da
USVL.
Isso parece ter sido há meses, sendo que só se passaram
alguns dias.
Empurro meu cabelo para atrás da orelha e pego os
travesseiros, empilhando-os e criando uma barreira no centro da
cama. Depois, me escondo embaixo da coberta até a altura do
queixo. Fico longos minutos encarando o teto, refletindo sobre tudo
o que tem acontecido na minha vida.
É engraçado perceber o quanto as coisas podem mudar em
questão de poucos dias. Até a semana passada, eu estava muito
bem dividindo o apartamento com Sidney. Agora, tenho um
namorado de mentira e moro com pessoas que nunca imaginei que
fosse conviver diariamente.
Me mantenho tão presa nos pensamentos que não percebo o
momento em que a porta é aberta e Reed sai do banheiro. Dessa
vez, ele está usando uma calça de moletom caída ao redor do
quadril e uma camiseta de malha com o seu nome estampado nas
costas. Provavelmente é o uniforme antigo do time.
Ao ver a barreira que criei no centro da cama, ele dá risada.
— Sempre tão previsível. — Se deita ao meu lado, o colchão
afundando. O perfume chega até as minhas narinas, junto do aroma
de shampoo e sabonete. — Se eu quiser te atacar, nenhuma
montanha de travesseiros vai me impedir.
— Podem não te impedir, mas são um sinal de alerta para
mim.
As orbes se reviram em descontentamento e a luz do abajur
é apagada. Nós dois estamos com os braços cruzados sobre a
barriga e encarando o teto. O som da respiração de Reed chega até
os meus ouvidos e, mesmo que ele esteja relativamente longe de
mim, fico com a vaga sensação de que consigo sentir o calor do seu
corpo aquecendo a nós dois.
— Tem um quarto vago ao lado do quarto do Keeran — Reed
fala, cortando o silêncio. — Comprei os móveis hoje de manhã pela
internet. Deve chegar na semana que vem.
Fico momentaneamente surpresa com o seu gesto. É bom
saber que a minúscula fagulha de esperança de conseguir um
espaço só meu nessa imensa casa não foi apagada por completo.
— Vou te pagar o valor que eu pagava para a Sidney de
aluguel. É o máximo que consigo. Quanto aos móveis, vou usar o
dinheiro que tenho reservado.
Reed grunhe.
— Não vai mesmo.
— Claro que vou. Não vou vir morar com você sem arcar com
nenhuma despesa. Eu sei que o seu pai é todo cheio da grana e
dinheiro não é um problema para você, mas...
Reed me corta, soando magoado.
— Não tem nada a ver com dinheiro.
— Então, tem a ver com o quê?
Reed se vira na cama e fica de costas para mim. Encaro suas
omoplatas, odiando o clima estranho que surgiu repentinamente.
— Esquece esse assunto.
— Não vou esquecer, Reed.
— Fique com o dinheiro e com os móveis. Daqui a três
meses, você vai precisar, para encontrar um novo apartamento.
Não discuto, porque sei que ele tem razão. Em dezembro,
espero eu, já estarei preparando a minha mudança e, com sorte,
terei uma colega de apartamento que não vai chutar a minha bunda
por causa de um namorado pé no saco.
Estar aqui com Reed é temporário, assim como o nosso
namoro de mentira e o que vem junto com esse acordo. Ainda
assim, quando as coisas acabarem entre nós, vou garantir que ele
não saia no prejuízo. Posso não ter muito dinheiro na minha conta
bancária, mas nunca vou conseguir dormir em paz se souber que
estou devendo algo a ele.
Sou orgulhosa demais para aceitar tão facilmente a ajuda de
alguém. Especialmente se essa ajuda vier de Reed Rollins.
“Ele me machucou, mas parece amor verdadeiro”
Ultraviolence | Lana Del Rey
As manhãs na casa que divido com Keeran e Mason são
sempre uma confusão. Xingamento pra lá, bate boca pra cá e,
quando percebemos, está todo mundo atrasado para a aula. Então,
ao ouvir o despertador tocar, já me preparo psicologicamente para
ver Anne metida nessa confusão.
Viro o corpo na cama e encontro o espaço vazio ao meu lado.
Franzo as sobrancelhas, sem entender. Checo as horas no celular.
Ainda falta uma hora para as aulas começarem e, como hoje é
sexta, sei que não temos nenhuma matéria juntos.
Então, não faço ideia de onde ela vai estar ao longo da
manhã.
Saio do quarto e desço as escadas. Resfolego ao ver Anne
de frente para o fogão, usando o avental de Mason e com o cabelo
loiro preso em um rabo de cavalo alto. Meus dois melhores amigos
estão sentados em frente ao balcão, como dois cachorrinhos
adestrados esperando pelo pote de comida.
— O que está acontecendo aqui?
Keeran sorri.
— Anne está preparando o café da manhã para a gente.
Arqueio a sobrancelha.
— Vocês se esqueceram de como se prepara o café?
Mason revira os olhos e empurra uma mecha do cabelo para
trás, os músculos do braço se contraindo. Ao contrário de Keeran,
sua pele se mantém intacta, livre de qualquer tatuagem.
— Não seja tão dramático, Rollins. Ela está apenas nos
mimando.
— Vocês não merecem nenhum tipo de mimo. — Contorno o
balcão e pego por uma caneca no armário. — E ela não tem
obrigação nenhuma de alimentar a boca faminta de vocês dois.
— Porque ela só pode alimentar a sua, não é? — Keeran
provoca.
Inflo as bochechas de ar e encho minha caneca com café.
— Vai se foder, Flanagan.
Ele dá risada e empurra de brincadeira o ombro de Mason, os
dois compartilhando de uma piada que não me diz respeito. Balanço
a cabeça em negação e bebo um gole de café. Anne me observa
com as sobrancelhas erguidas e eu devolvo o gesto, franzindo o
cenho.
— O que foi?
— Só para você saber, o café da manhã é dedicado somente
a eles. — Ela puxa a caneca das minhas mãos, deixando-a em cima
do balcão. — Se quiser comer ou beber, vai ter que preparar por
conta própria.
— Você está zoando comigo?
— Nunca. — Fica na pontinha dos pés e dá um beijo estalado
na minha bochecha, movendo, então, os lábios em direção à minha
orelha. — Isso é uma vingança por tudo o que aconteceu ontem, só
para você saber.
Anne se afasta logo em seguida, dando um passo para trás e
pegando a minha caneca. Ela bebe um generoso gole do café,
sorrindo através da borda. A cena é mais excitante do que eu
gostaria de admitir. Seus olhos brilham de um jeito malicioso que faz
minha mente criar os pensamentos mais sujos possíveis.
— Você está seguindo por um caminho perigoso — alerto-a.
O queixo se projeta para a frente e a luz do sol se infiltra pela
janela da cozinha, iluminando a sua pele branca. Nessa posição, ela
fica parecendo um anjo.
— Eu não tenho medo de você e muito menos das
consequências.
Olho sobre o seu ombro, notando que Keeran e Mason
observam nossa interação atentamente. Mason exibe o seu
costumeiro sorriso de canto, enquanto Keeran faz um barulhinho
com a boca que simula um gesto que eu não gostaria de ter
entendido.
Volto os olhos para Anne e dou um peteleco em seu nariz.
Ela não tem a chance de me dar um tapa, porque escondo minhas
mãos dentro do bolso da calça de moletom logo em seguida.
— Quero ouvir você dizer isso quando estiver amarrada na
minha cama e recebendo umas boas palmadas nessa bunda
gostosa.
Ela rosna para mim.
— Repete o que você disse sobre a minha bunda!
Engulo uma risada.
— A sua bunda é a mais gostosa de todo o campus.
Saio da cozinha antes que Anne tenha a oportunidade de
responder. Subo para o segundo andar ouvindo os assovios
debochados dos meus amigos.
Após preparar o meu café da manhã e colocar a louça suja
na máquina lava-louças, estou esperando Mason na garagem.
Todas as manhãs, vamos para a universidade juntos, enquanto
Keeran vai cerca de meia hora depois. De nós, ele é quem tem a
grade mais bagunçada possível. Nunca sei se ele vai estar em casa
ou no meio da aula.
— Ei! — Mason entra no carro, jogando a mochila no chão e
se acomodando no banco do passageiro. — Você não vai dar
carona para sua namorada?
— Achei que ela já tivesse ido para USVL.
Ele discorda.
— Ela acabou de sair. Está indo a pé.
Suspiro pelo nariz e ligo o motor do Jeep, dando a ré e
saindo da garagem. Anne Scott é a garota mais teimosa que
conheço. Ela tem um dom natural em ir contra tudo e todos. Seu
passatempo preferido deve ser tirar os outros do sério, não há outra
explicação.
Faço a curva na esquina e a encontro atravessando a rua.
Diminuo a velocidade, aproximando o carro do meio-fio, e abaixo o
vidro. Assovio alto, chamando sua atenção.
— Entra no carro, Annie.
Ela me mostra o dedo do meio.
— Não preciso de carona.
— Não vou deixar você ir a pé.
As mãos se fecham ao redor das alças da mochila e ela
aperta o passo, caminhando mais rápido. Piso de leve no
acelerador, acompanhando o seu ritmo. Ela não pode estar achando
que vai andar mais rápido que a droga de um carro.
— Não ligo para o que você deixa de fazer ou não —
resmunga. — Vai embora, Reed.
Mason ri do meu lado, se divertindo com a discussão. Um
carro buzina atrás de nós, impaciente com a minha velocidade de
tartaruga. Segundos depois, ele invade a pista contrária, fazendo a
ultrapassagem e me mostrando o dedo do meio.
— Anda logo. Não vou embora até você entrar na merda
desse carro.
Ela me ignora e continua a caminhar. Estou muito perto de
sair de dentro desse carro e carregá-la como fiz na noite passada.
Minha impaciência faz um nó desconfortável se formar ao redor da
garganta.
— Deixa isso pra lá, Reed. Ela não vai ceder — Mason
aconselha.
— Ela é a minha namorada, caramba. Não vou deixar ela ir
pra universidade sozinha sendo que moramos juntos.
— Anne não é sua namorada de verdade.
Fulmino-o com o olhar.
— Para você e pro Keeran ela pode não ser, mas para o
restante da universidade, sim. — Piso no acelerador, alcançando-o.
Anne está a poucas quadras da USVL. — Vamos logo, Scott.
Anne para de caminhar e meu pé afunda no freio. Se não
fosse pelo cinto de segurança, Mason teria voado para fora do Jeep.
Um xingamento é proferido, mas não ligo. Estico o pescoço para
fora da janela e forço minha boca a abrir um sorriso doce. É a minha
última tentativa.
— Se você me deixar levá-la para a aula, prometo fazer o
que você quiser.
Os braços se cruzam de um jeito petulante.
— Qualquer coisa?
Reviro os olhos.
— Já te falei, mas não custa repetir. É só você pedir, Annie.
Você pede, eu faço.
Anne hesita, trocando o peso dos pés. Por causa da
caminhada feita praticamente correndo, a pele dela está corada em
alguns pontos e a regata de alças finas revela as curvas das
clavículas.
— Okay — cede e eu assovio em aprovação. — Só depois
não reclame das consequências.
— Jamais — digo quando ela se senta no banco atrás do
meu. Mason se mantém quieto, meio taciturno até. — Um namorado
apaixonado nunca se queixa de agradar o amor da sua vida.
— Se você é irritante assim sendo um namorado de mentira,
prefiro nem saber como é quando o negócio é real.
Minha única reação é rir e dar partida no carro, seguindo para
a universidade.
O cheiro de café moído predomina no ar.
Todas as mesas do Brooklyn Blues estão desocupadas,
exceto pela última. Meu irmão está sentado diante de mim usando
uma camisa polo e calças cáquis, idêntico a um jogador de golfe
cheio da grana. Até mesmo o seu cabelo, no tom loiro escuro, está
penteado para trás com gel. Se eu não o conhecesse, arriscaria
dizer que ele tem uma mansão de dez quartos em Los Angeles e
um carro importado que nem foi lançado no mercado.
Entretanto, Alex Scott não é nada disso.
— E o que você tem de bom para me contar? — pergunta e
bebe um gole do café que preparei. Macchiato, o seu favorito. —
Estou aqui há quase uma semana e não faço ideia do que está
acontecendo na sua vida.
— Fui despejada do apartamento em que morava e estou
namorando de mentirinha. Ah, e eu também moro com três atletas
do time.
Alex fica estático, o rosto petrificado em uma máscara de
choque. As pálpebras nem mesmo piscam durante alguns
segundos. Estico o braço e estalo os dedos na frente do seu nariz,
puxando-o de volta para a realidade.
A reação dele é beber mais um gole de café, os cantos dos
lábios ficando manchados de creme.
— Desde quando a sua vida ficou tão agitada?
Rio da sua escolha de palavras.
— Desde que Drake Collins espalhou um boato que chegou
nos ouvidos de todos os estudantes da USVL.
— Fofoca é o que move Maple Hills, acho que você deveria
saber.
Levo a mão ao coração.
— Obrigada pelo conselho, irmãozinho, mas agora já é tarde
demais.
Alex ri baixinho e dá uma mordida na torta de limão.
Meu irmão é somente dois anos mais velho que eu, mas sua
vida é tão diferente da minha que, em alguns momentos, me
esqueço que crescemos na mesma casa e fomos criados por Daisy
Scott. Não me recordo muito do meu pai, mas as fotografias não
mentem. Alex é uma cópia fiel de quem Gustaf foi um dia.
O único detalhe que ele herdou da nossa mãe foram os olhos
esverdeados. Porque o restante, desde as sobrancelhas grossas ao
nariz fino, é Gustaf em sua mais pura essência. Alex tem até mesmo
desvio no dente, no qual o incisivo central se sobrepõe ao outro.
— Da próxima vez, vou garantir que meus conselhos venham
na hora certa. — Sorri gentil e me estende o garfo, me convidando a
comer a torta com ele. — E posso saber quem é o seu namorado de
mentira?
Dou uma mordida na torta.
— Se eu te contar, você não vai acreditar.
— Espero que não seja o Chad Eaton.
Faço ânsia de vômito.
— Que horror! Chad Eaton aconteceu em um mundo
paralelo. — Minha pele se arrepia só com a recordação da boca
dele na minha. — Você conhece o pai do meu namorado.
Minha dica faz uma careta surgir em seu belo rosto.
— Caso você tenha esquecido, eu conheço muitos pais. Mais
do que a média norte-americana, se você quer saber.
Dou risada.
Meu irmão era uma estrela do futebol americano e ninguém
tinha dúvidas de que ele teria uma carreira incrível na NFL. No
entanto, no seu último ano na USVL, ele decidiu que não iria se
inscrever no draft. Naquele dia, eu jurei que ele estava pregando
uma pegadinha.
Nunca estive tão enganada.
Alex Scott decidiu que queria ser treinador. E hoje, três anos
depois de conquistar o tão sonhado diploma, ele trabalha em uma
escola em North Groove como treinador da liga infantil. As crianças
o adoram.
— Okay. Vou dar uma dica mais específica: ele não é o
quarterback dos Rebels of Horizon.
Ele suspira alto, os lábios imitando o formato de um bico.
— Estou aliviado, porque seria bem estranho você estar
namorando o namorado da sua melhor amiga.
Empurro o seu ombro, lhe arrancando uma gargalhada. A
nossa sorte é que a lanchonete se encontra vazia. Becky deu uma
saída para resolver um problema que surgiu de última hora, então
somos só eu, Alex e Adele na cozinha.
— Você é muito palhaço, Alex!
— Culpa sua que fala essas coisas absurdas e quer que eu
reaja normalmente. — Afunda o indicador na cobertura de limão e
dá um peteleco no meu nariz, deixando-o sujo. — E então? Quem
é?
Limpo o nariz com o dorso da mão e imito o barulho de
tambores, aumentando a sua curiosidade. Meu corpo se enche de
expectativa, se divertindo com a situação e ansiando para ver a
reação do meu irmão ao descobrir que estou namorando o filho de
Ricky Rollins.
— Reed Rollins. — Despejo de uma vez só. — Reed Rollins
é o meu namorado de mentira.
— Puta merda!
— Pois é!
— Caralho, An-An! — Sua coluna descansa no banco de
couro sintético. A surpresa ilumina o seu semblante. — Como isso
aconteceu?
Conto ao meu irmão a versão resumida da história. Alex
escuta atentamente, levando vez ou outra um pedaço de torta na
boca e bebendo um gole do Macchiato. Quando termino, o ambiente
fica em silêncio. Acho que ele está assimilando as informações e
procurando, no fundo da mente, por um conselho cheio de
sabedoria que só ele tem.
— Você não tem medo?
— Do quê?
— De acabar envolvida demais?
Bufo e rio ao mesmo tempo de um jeito nada elegante.
— Isso nunca vai acontecer, Alex. Reed me odeia e eu o
odeio também. O máximo que pode acontecer é a gente botar fogo
na casa que ele divide com os meninos. Ou, talvez, eu trancá-lo por
engano no porão.
Alex pressiona os lábios em uma linha reta e desvia o olhar,
focando a atenção na janela que oferece uma vista privilegiada do
píer de Sunbay.
— Quando eu conheci o Soren, eu também o odiava.
Soren Gauthier é o namorado do meu irmão. Eles dois se
conheceram na escola em que Alex trabalha, já que Soren é
professor de Estudos Sociais. A primeira interação foi um desastre.
Alex trombou com ele no corredor e derrubou café na sua camisa
branca. Na semana seguinte, aconteceu a mesma coisa.
Foram dez copos de café derrubados e um ódio latente até
que Alex decidiu que o odiava. Aposto que Soren sentiu a mesma
coisa. Foi somente no começo desse ano em que eles perceberam
que o ódio, na verdade, era amor.
Eu não confio muito nesse lance de que esses dois
sentimentos são separados por uma linha tênue. Não há
possibilidade alguma de eu me apaixonar por Reed Rollins. Meu
coração é incapaz de deixar a raiva para trás e ser consumido pela
paixão.
Isso só funciona em filmes de romance — e com o meu
irmão, pelo visto.
— É diferente — justifico. — Você e Soren foram feitos um
para o outro. Eu soube disso desde que os vi pela primeira vez. Não
havia ódio entre vocês dois. Só desafeto e camisas manchadas de
café.
— Tem certeza do que está falando?
— Absoluta. Não se preocupe comigo. Nada vai acontecer.
A cabeça dele se move em concordância, dando por
encerrado o assunto. Conversamos sobre variados assuntos até
que Becky retorna para a lanchonete e se junta a nós. Durante a
próxima hora, debatemos a respeito de filmes, séries e músicas.
Quando Alex vai embora, Becky e eu preparamos dois
milkshakes de morango e nos sentamos em uma das mesas.
— E quais são os seus planos para hoje? — Becky pergunta
enquanto suga o canudinho.
— Vai ter a inauguração de um restaurante aqui em Sunbay.
Acho que é da namorada de um colega de time do Reed.
— Ah, sim. É da Gina Bastien — diz. — Ela se formou em
gastronomia no ano passado e se mudou para Sunbay para abrir o
próprio negócio. Me conta depois como foi. Acho que vou convidar a
minha namorada para irmos lá um dia.
— Mesmo que não seja bom, eu já fico feliz com o simples
fato de poder comer de graça.
Becky gargalha, divertida.
— Não posso discordar de você. Comer sem pagar nada é
um ato divino.
Estou prestes a fazer um comentário engraçadinho a
respeito, mas meu celular vibra dentro do bolso do avental. Pego-o
e desbloqueio a tela. Há uma mensagem de Reed na barra de
notificação. O nome que salvei o seu contato me faz rir nasalado.
Zangão: Estou aqui no estacionamento te esperando, Annie.
Fique bem gostosa para o seu namorado bonitão aqui.
Reviro os olhos e deslizo os dedos pelo teclado, dando uma
resposta. Quando a mensagem é enviada, encontro Becky me
encarando de um jeito esquisito. Seu sorriso é igual ao do Gato de
Cheshire, do filme Alice no País das Maravilhas. Assustador pra
caralho.
— O que foi?
Ela pisca as pálpebras maquiadas com sombra azul bebê e
rosa pastel, idêntico ao que as garotas faziam nos anos 80.
— Nada, não.
Fico desconfiada, mas não digo nada. Levanto do banco com
um pouco de dificuldade por causa dos patins e pego o copo de
milk-shake. Não vou embora daqui antes de terminá-lo.
— Reed já está me esperando no estacionamento, então vou
me arrumar para a inauguração do restaurante. Você dá conta de
fechar o caixa e a lanchonete?
— Sim, Anne, não se preocupe. Minha avó está aqui
também. — Dá um tapinha na minha bunda, me enxotando para
longe. — Agora vá se arrumar e ficar bem gostosa para o seu
namorado.
Meu céu da boca pinica para dizer que Reed não é o meu
namorado de verdade, mas Becky não sabe da mentira.
— Você é o ser humano mais maravilhoso que já conheci! —
exclamo enquanto impulsiono o corpo para frente e deslizo sobre os
patins.
— E você namora o cara mais gato do campus, então acho
que a maravilhosa é você! — grita de volta, sua voz me
acompanhando enquanto sigo em direção aos fundos da lanchonete
onde ficam os banheiros dos funcionários.
Solto uma risada e, antes que imagens de Reed sem toalha
possam ressurgir na minha mente, eu as empurro para longe com
um chute mental. Um chute que estou ansiando para dar nele
também. Quem sabe a noite de hoje seja perfeita para concretizar,
de uma vez por todas, esse desejo.
“Os arrepios começam a aumentar no momento em
que minhas mãos encontram a sua cintura.
Então, eu vejo seu rosto e coloco meu dedo em sua língua,
porque você ama provar, sim”
Sweater Weather | The Neighbourhood
Estaciono o Jeep em frente ao Brooklyn Blues. A fachada da
lanchonete é iluminada com piscas-piscas coloridos e as grandes
janelas dão uma visão privilegiada do seu interior. Comi aqui poucas
vezes, quando Dave e Claire passaram o final de semana em
Sunbay.
Tiro o celular de dentro do bolso e mando uma mensagem
para Anne, avisando que cheguei. O relógio marca pontualmente
seis horas, como o combinado. Prometi ao JP que iria comparecer à
inauguração do restaurante da sua namorada. O evento é perfeito
para que as pessoas vejam Anne e eu como um casal de verdade.
O celular vibra em minha coxa, o nome joaninha brilhando na
tela.
Joaninha: Cinco minutos para eu ficar bem feia para você.
Sorrio, imaginando qual vestido ela vai usar. Como é um
evento importante, decidi vestir a minha melhor roupa. A camisa
branca de botões adere aos músculos e, como a temperatura está
agradável, as mangas foram dobradas na altura dos cotovelos. A
calça jeans é a minha favorita. No pé, mantenho os costumeiros
coturnos.
A porta dos fundos se abre e Anne desce os dois únicos
degraus, surgindo em meu campo de visão.
Puta. Merda.
O ar dos meus pulmões são sugados conforme ela caminha
em direção ao Jeep. O vestido de alcinhas acompanha o ritmo dos
seus pés, a saia balançando ao seu redor como uma cauda,
deixando-a idêntica a uma sereia. Ela está bonita pra caralho.
Mantenho meus olhos fixos nela enquanto ela abre a porta e
salta para o assento ao meu lado. Anne me observa, parando por
mais tempo nos meus braços nus e depois no meu peitoral. As
mãos, então, se cruzam na altura do colo e o nariz se arrebita para
cima.
— Estou surpresa que você saiba como se vestir
adequadamente para um evento que não seja um jogo chato de
futebol americano.
— Eu poderia ter vindo pelado, se você quisesse. —
Direciono a ela uma piscadela. — Aposto que você iria se
surpreender muito mais.
— E queimar os meus olhos com a visão mais horripilante de
todas? Obrigada pela oferta, mas eu dispenso.
— Sempre dispensando as melhores coisas da vida,
joaninha. — Coloco o endereço no GPS. — Estou levemente
decepcionado com você.
— Não estou nem aí, Reed. — Estica o braço e pega o meu
celular esquecido em cima do painel. — Qual a senha?
Faço uma careta.
— Você está zoando comigo?
Ela desliza o dedo para cima, abrindo o teclado numérico.
— Quero escolher uma música. Não vou abrir a sua galeria e
ver foto da sua bunda em um ângulo esquisito, pode ficar tranquilo.
— Você não veria somente a minha bunda, pode ter certeza.
— Lanço um rápido olhar para o retrovisor e saio do
estacionamento. — Tenho aí dentro uma coleção infinita de cobras
grandes e muito grossas.
— Inofensivas, aposto.
— Não tenho certeza... Quer checar?
Anne semicerra as pálpebras em uma linha reta.
— Só quando eu morrer.
— Necrofilia não é a minha praia, foi mal. — Fecho as mãos
ao redor do volante e aponto com o queixo para o celular. — A
senha é a data do meu aniversário.
— Eu não sei quando é.
— 15 de fevereiro. — Os polegares de Anne deslizam pela
tela e então o aplicativo de músicas é aberto. — Me surpreenda com
o seu gosto musical incomparável. Duvido que seja melhor que o
meu.
Anne me mostra a língua. Depois que a música é
selecionada, a batida irrompe pelos auto falantes internos. Levo
poucos segundos para identificar a voz de Britney Spears em
Gimme More — a que Anne dançou para mim na festa da Martial
Kappa Tau.
A provocação não me passa despercebida.
Sei que ela escolheu essa música de propósito, porque
consigo identificar aquela energia desafiadora emanando do seu
corpo. Esse mesmo sentimento reflete em mim, formando pequenas
gotículas de suor na palma da mão.
— Você se acha muito engraçadinha, não é? — O GPS diz
que devo seguir para a área gastronômica de Sunbay e assim faço,
girando na rotatória. — Só não esqueça de um detalhe. Eu também
posso brincar com você.
Britney cantarola o trecho nós podemos nos divertir como se
não tivesse ninguém por perto e Anne aperta as coxas umas nas
outras. Meu sorriso surge de imediato.
— Faça o seu pior, Reed — murmura. — Eu não tenho medo.
— Se eu fosse você, pensaria duas vezes antes de dizer
isso.
— O que você pretende fazer, hum? — O tom de malícia
escorre na voz dela feito veneno.
Imagens nada comportadas surgem na minha mente. Afasto-
as com um safanão imaginário, não querendo que elas sigam por
um caminho ainda mais perigoso. O calor dentro desse carro já está
insuportável o bastante.
— Você vai descobrir hoje à noite. Afinal, é a nossa primeira
aparição como um casal.
A voz de Britney chega no refrão.
— Eu não vou te beijar, caso tenha se esquecido.
Olho-o por um curto segundo e retorno a atenção para a
estrada. Minhas bochechas estão formigando com o que estou
prestes a dizer. Provocar Anne é sempre uma delícia.
— Quem precisa de beijos quando se tem as mãos?
Britney para de cantar, como se soubesse que o clima mudou
drasticamente. Escuto apenas o som da minha respiração e a brisa
do vento atravessar as janelas parcialmente abertas.
— Se você ousar tocar um dedo na minha bunda, Reed, não
vou responder por mim.
— Acho que ainda estamos cedo demais para dedos na
bunda. — Brinco. — Mas tudo bem. Na próxima semana, quem
sabe?
O GPS indica o fim do trajeto e estaciono em frente a um
estabelecimento de dois andares, semelhante aos que aparecem
nas produções cinematográficas ambientadas em Paris. As letras
Bistrô Boucherie se destacam na fachada.
— Na próxima semana, estarei me certificando de que a
minha bunda fique bem longe da sua cama.
Faço um biquinho manhoso.
— Vou ter que aproveitar os poucos dias que me restam,
então. — Desligo o motor do Jeep e solto o cinto de segurança.
— Não ouse. — Bate com o indicador no meu ombro e
abaixa o espelhinho do quebra-sol. — Você não vai querer me ver
com raiva.
Apoio o cotovelo na lateral do volante, observando-a.
— Eu vejo você com raiva todos os dias, Annie. Não há nada
aí que eu já não esteja acostumado.
Ela bufa em descontentamento e abre a bolsa, pegando outra
bolsinha minúscula. De lá, tira um batom. Os olhos se concentram
nos lábios e o vermelho é deslizado por sua boca. Caralho. Meus
pulmões se contraem diante da visão. Acho que esqueci como se
respira.
A cena de Anne Scott sentada no banco do meu carro
passando batom vermelho vai me aterrorizar por anos, porque é
excitante demais. É uma tentação em formato de pessoa. É difícil
demais manter meu rosto inexpressivo quando ela leva o dedo à
boca e chupa, limpando os resquícios.
O barulhinho é a gota d’água que faltava. Desvio o olhar,
contraindo a barriga como uma forma de evitar que meu pau reaja a
essa cena.
Fica quietinho aí, porra.
— Vamos? — diz depois de guardar a bolsinha dentro da
outra bolsa. — Dave e Claire disseram que também viriam. Eles já
devem ter chegado.
Concordo com um aceno e saio do carro. Tranco as portas, o
alarme apitando, e contorno o Jeep. Estendo o braço, esperando
que ela entenda o gesto, mas os olhos são um mar confuso com
pontos de interrogação.
— O que foi?
— Me dê a sua mão.
Ela as esconde atrás das costas, desconfiada.
— Por quê?
Avanço um passo, ficando de frente para ela. Anne é alguns
bons centímetros mais baixa que eu, a sua boca pairando mais ou
menos na altura do meu pescoço.
— Porque você é minha namorada. — Pouso o polegar no
seu queixo, levantando-o. — Isso significa que nós devemos entrar
de mãos dadas.
Não espero que ela responda. Desço meus dedos do queixo
para o seu braço, deslizando em direção a mão, entrelaçando-as. A
palma de Anne está gelada, igual à minha. Acho que estamos os
dois mais nervosos do que gostaríamos de admitir.
Acaricio com o polegar o interior do seu pulso e ela respira
baixinho, ofegante.
— Promete que não vai terminar a noite dando um soco na
minha cara?
— Só se você prometer manter suas mãos longe da minha
bunda.
Me inclino para perto do seu ouvido e sussurro:
— Isso eu já não posso prometer. Ela é irresistível demais
para ser ignorada.
Tudo o que recebo é um soco de brincadeira no ombro.
Se constrangimento tivesse um cheiro, eu diria que seria de
champanhe importado.
As bochechas coradas de Gina denunciam a sua vergonha.
Já o seu namorado esboça uma expressão nada contente, os
cantos dos lábios pendendo para baixo. Nenhum de nós esperava
por uma situação como essa.
— Oh! — Claire arfa ao meu lado e cobre a boca com a
palma da mão.
— Isso não tem nenhuma graça, Rollins — JP resmunga. A
mão dele pousa sobre o ombro nu de Gina, puxando-o para mais
perto.
— Ele não está brincando, JP — ela diz. — Fui casada com
Ricky Rollins há alguns bons anos. Você não se lembra porque,
bem... era uma criança.
Os acordes da música clássica mudam e os dedos de Reed
se apertam com mais força ao redor dos meus. Minha garganta
coça para fazer uma reclamação, mas sei que essa não é a melhor
hora. Gina está quase cavando um buraco no piso para se
esconder.
Me apresso em tomar uma atitude. Se a gente continuar
nessa tensão, vou acabar vomitando em meus próprios pés.
— Seu restaurante é lindo, Gina — elogio. — Estou
encantada com a arquitetura.
Gina abre um sorriso que deixa evidente o seu alívio.
— Depois de um tempo conturbado na minha vida, decidi me
mudar para a França. Me especializei em vários cursos de
gastronomia e, como o meu avô era francês, decidi abrir esse
restaurante em sua homenagem — explica, entusiasmada. — É
uma realização não somente para mim, mas também para a
memória dele.
Ela continua seu discurso sobre os anos vivendo na França
e, conforme o assunto avança, Reed relaxa ao meu lado. Seu
aperto se torna mais leve e as gotículas de suor deixam de existir.
— Daqui a alguns minutos, vamos servir o bufê. Fiquem à
vontade — Gina avisa e afaga meu ombro, em um gesto de
agradecimento não dito em palavras.
Abro um sorriso e observo ela e JP se moverem em direção
aos outros convidados, dando-lhe as boas-vindas. Gina tem uma
presença marcante. O cabelo ruivo destaca sua pele branca como a
neve e os olhos verdes são idênticos a uma floresta. O vestido
vermelho a deixa ainda mais deslumbrante.
— Quando o seu pai se casou com ela?
Reed também está a observando.
— Quando eu tinha 13 anos, eu acho. Não me lembro ao
certo. — A taça de champanhe continua em suas mãos. — Foi o
casamento mais longo e eles tiveram gêmeos. Foi a única esposa
que não detestei.
— E por que eles se divorciaram?
Reed dá de ombros.
— Pelo mesmo motivo que todas as outras pessoas se
divorciam.
— E qual seria?
— Não faço ideia. Nunca fui casado, Annie — diz,
debochado.
— Larga de ser chato, Reed — reclamo. — Houve traição?
Uma centelha de mágoa cruza o seu olhar, mas desaparece
tão rápido quanto surgiu.
— Não que eu saiba. Acho que as coisas só pararam de dar
certo. — O garçom passa do nosso lado e Reed me entrega uma
taça de champanhe. Experimento um golinho. — Gina se mudou
para outra cidade e seguiu com a vida.
— E os gêmeos?
— Eles detestam futebol americano. — Ele soa brincalhão. —
Então, digamos que eles não são os filhos favoritos do meu pai.
— Ah, então é você?
Reed levanta uma das mãos e faz um sinal para o próprio
corpo atlético.
— Sou o favorito de todo mundo.
— Menos o meu.
— Ainda não sou — me corrige e dá um peteleco no meu
nariz. — É só uma questão de tempo para que eu seja o seu
número um.
— Você já é o meu número um.
— Sou? — Há um traço de esperança em sua voz.
— Óbvio que sim. — Fico na pontinha dos pés e sopro o ar
quente em sua boca. — O número um da lista de pessoas que mais
odeio.
Reed reage de um jeito inusitado. Leva a taça de champanhe
aos lábios, sorvendo um generoso gole. Em nenhum momento, ele
desvia o olhar do meu.
— Continue repetindo isso que, quem sabe, você consiga me
convencer que todo o seu ódio por mim não é tesão reprimido.
A taça é abaixada. Não há nenhum resquício de bebida ali.
— Posso ter muitas coisas reprimidas, Reed, mas tesão por
você não é uma delas. Não tenha dúvidas disso.
— Quero ouvir você dizer isso daqui a três meses.
Dessa vez, sou eu que encho a minha boca de champanhe.
O gosto é tão maravilhoso que quase me esqueço que Reed Rollins
habita o mesmo universo que o meu.
— Daqui a três meses, eu espero estar bem longe de você,
isso sim.
Reed ri. O som repercute pelo meu corpo como uma rajada
de vento que antecede a tempestade. O rumo dessa conversa se
torna cada vez mais perigoso.
— Guarde bem suas palavras, joaninha — sussurra em meu
ouvido. — Porque não vou hesitar em usá-las contra você quando
estiver deitada na minha cama implorando por mais.
Entro no seu jogo. Giro sutilmente o corpo para o lado, de
forma que agora estejamos de frente um para o outro. Reed está
bonito pra cacete com o cabelo penteado para trás, a camisa branca
com os primeiros botões abertos e a barba bem feita.
— E pelo o que eu imploraria?
O pomo-de-adão sobe e desce conforme ele engole em seco.
A mão livre, que não está segurando a taça, contorna a minha
cintura de um jeito nada comportado. O polegar brinca com a
costura do vestido, se aproximando de forma perigosa da minha
bunda. Se ele me tocar lá, não garanto que ele voltará para casa
com o nariz inteiro.
— Por minha boca em todos os lugares do seu corpo. — O
tom é tão baixo que, se eu não estivesse com a atenção fixa em
seus lábios, eu jamais entenderia. — Até mesmo naqueles lugares
que nunca ninguém ousou experimentar.
Uma batida do meu coração vacila e preciso me controlar
para não esboçar nenhuma expressão.
— Sorte a nossa, então, que isso nunca vai acontecer.
Porque a única coisa pela qual vou implorar é para que você
desapareça da minha vida.
— Só mais alguns meses, Annie. — Reed abaixa a mão,
deixando o calor da sua ausência em minha pele. — E então você
vai poder fazer uma festa em minha despedida.
— Vou esperar ansiosamente por esse dia.
Limpo o cantinho dos lábios molhados de champanhe com a
ponta dos dedos. Reed acompanha o deslizar do meu polegar, meio
fascinado.
— Eu também esperarei. Vou até mesmo marcar no meu
calendário.
— Também quer se livrar de mim?
Ele sorri, acentuando a covinha.
— Você não imagina o quanto.
Sábado é o dia que Dave, Mason, Keeran e eu nos reunimos
na sala e assistimos um filme na televisão.
A tradição começou quando Dave descobriu que eu tenho
uma paixão — nada secreta — por produções cinematográficas.
Então, depois de muita insistência e um longo jogo de suborno,
Keeran e Mason aceitaram se juntar a nós. Para tornar o processo
mais justo, cada um tem direito a escolher um filme por mês.
Hoje, a escolha foi Uma Linda Mulher.
Não vou nem comentar sobre quem foi que fez essa escolha,
porque a resposta é óbvia.
Jogo o meu corpo no sofá e levo um punhado de pipoca à
boca, esperando que Mason ache o filme na Netflix. Cinco minutos
depois, Keeran e Dave retornam da cozinha com quatro garrafas de
cerveja. Acho que esse é o último final de semana que podemos
encher a cara sem ter medo das consequências.
A temporada de jogos começa na segunda e temos o
primeiro jogo marcado contra os State Tigers na sexta. Estou
borbulhando em tensão e expectativa. Temos esperança de
conseguir chegar aos playoffs desta vez. O treinador também está
confiante.
— E a sua namorada? — Keeran pergunta, ao se acomodar
na poltrona livre e chutar os coturnos para longe.
Dave senta na poltrona oposta e se livra da jaqueta do time.
— Não faço a mínima ideia.
A noite anterior foi uma comédia. O que começou com um
clima terrível no restaurante terminou com Anne bêbada dentro do
meu carro perguntando se eu a achava bonita. Foi difícil conter a
risada ao vê-la choramingar e fazer beicinho.
Depois de ajudá-la a subir para o quarto, dei a devida
privacidade para que trocasse de roupa e escovasse os dentes.
Quando entrei no quarto, Anne estava com o corpo esticado na
cama e o rosto enterrado no colchão. Sem escolha, me vi ajeitando
a colcha e a colocando para dormir com a barreira de travesseiros
nos separando.
Não preguei os olhos quase a noite inteira. Só fiquei lá,
deitado, encarando o teto e ouvindo o som da sua respiração calma.
Ainda estou com dificuldades em acreditar que JP, o meu colega de
time, está namorando Gina, a ex-mulher do meu pai e 16 anos mais
velha que ele.
— Ela saiu logo depois que vocês foram treinar — Mason diz.
— Não disse para onde iria, mas parecia apressada.
Dou uma checada no meu celular. São oito horas da noite.
Sei que não tenho nada a ver com o que Anne faz ou deixar de
fazer, mas fico momentaneamente preocupado com o seu
paradeiro. Será que ela foi se encontrar com alguém? Um possível
namorado?
Para com isso, Reed.
— E a Claire? — Mason pergunta para Dave ao se levantar
do chão e pegar por sua bacia de pipoca.
— Está na irmandade trabalhando em um projeto de roupas
sustentáveis que ela vai apresentar na segunda para uma empresa
da costa leste.
Mason se senta ao meu lado e bebe um gole da cerveja.
Keeran faz o mesmo e solta um arroto nada discreto. Dave nem fica
incomodado. Na fraternidade, deve ser ainda pior.
— Quer dizer, então, que hoje podemos convidar várias
strippers para a nossa noite do filme? — As sobrancelhas de Keeran
fazem uma dancinha ridícula.
— Você não consegue pensar em outra coisa além de
mulher, cara?
Escondo uma risada atrás da almofada.
— Futebol americano também.
Dave anui em concordância, mas a expressão no rosto dele
me dá vontade de gargalhar alto. Ele bem que tenta, mas é péssimo
em disfarçar quando não está contente com algo.
— Nada além disso?
Keeran observa o rótulo da cerveja.
— E precisa de algo além disso?
Meu melhor amigo pressiona a ponte do nariz e gesticula
com o queixo para Mason.
— Só coloca esse filme de uma vez, Henderson.
Keeran dá uma risada e apaga as luzes, deixando somente o
abajur lateral aceso.
O play no filme é dado e o rosto de Richard Gere, no papel
do bilionário Edward, ilumina a sala. Julia Roberts está bonita pra
cacete em Uma Linda Mulher. A gente entende porque o Edward se
apaixonou por ela. Até eu me apaixonaria, porra.
Quando a icônica cena ao som de Oh, Pretty Woman
começa, a porta de entrada é aberta. O curioso é que só eu pareço
notar. Keeran, Mason e Dave mantém seus olhos fixos na televisão,
encantados com Vivian provando roupas e mais roupas em lojas de
grife.
Estico o pescoço e procuro por Anne. De costas para a sala,
ela tira os sapatos e pendura a jaqueta no cabideiro, fazendo o
mesmo com a bolsa. As luzes apagadas não me oferecem uma
visão digna de um Oscar, mas é boa o bastante para que eu a note
franzir as sobrancelhas para a televisão.
— Vocês estão assistindo Uma Linda Mulher?
Mason e Dave praguejam um palavrão ao levarem um susto
do caralho. Keeran procura o controle e pausa o filme. A expressão
no rosto indica que ele não gostou da intromissão.
— Cacete, Anne. — Mason leva a mão ao coração. — Que
porra. Desde quando você está aí?
— Acabei de chegar. — Cruza os braços e se aproxima. —
Desde quando vocês assistem filme de romance?
Keeran bebe um gole da cerveja.
— Homens não podem assistir filme de romance?
— Não foi isso que eu disse.
— Mas foi isso que você pensou, joaninha — provoco-a, lhe
direcionando uma piscadela.
Ela bufa em descontentamento e gesticula com o queixo para
a televisão. Não acredito que paramos na melhor parte do filme. Ver
um bilionário se apaixonar por uma prostituta nunca foi tão divertido.
— De quem foi a ideia?
Mason vira no sofá, ficando de joelhos para conseguir
observá-la. Noto que os olhos de Anne estão inchados, como se
tivesse chorado antes de vir pra cá.
— Todo sábado, a gente assiste a um filme. Hoje foi meu dia
de escolher. — Balança as sobrancelhas, animado.
— Quer se juntar a nós? — Dave é quem pergunta com o seu
jeito gentil de sempre. — Ainda tem pipoca e cerveja sobrando.
Anne vacila, ponderando se deve aceitar o convite. Mason
faz um biquinho e pisca as pálpebras igualzinho ao Gato de Botas.
Se ele não conseguir convencer Anne a se juntar a nós, ninguém
mais irá.
— Okay — cede e contorna o sofá, se sentando entre mim e
Mason. — Vocês me convenceram, mas só por causa da pipoca. A
cerveja eu dispenso.
Oculto o meu sorriso atrás do gargalo.
— Noite difícil, Scott?
Ela me fuzila com o olhar.
— Você não faz ideia do quanto, Rollins.
Entrego a Anne a minha vasilha com pipoca e Dave volta a
dar play no filme. Dessa vez, não somos interrompidos por ninguém.
No final da tarde de quarta, estou organizando minhas coisas
no meu novo quarto.
Reed comprou uma cômoda de quatro gavetas, um colchão
muito maior do que o que eu tinha no apartamento de Sidney, uma
escrivaninha e, curiosamente, uma estante para os meus livros. O
bônus é uma poltrona azul bebê. Só de olhar pra ela, fico apavorada
porque deve ter custado muito caro.
Reed Rollins e sua carteira infinita de dinheiro podem ir tomar
no cu.
— Uau — Claire elogia ao passar pela porta segurando uma
caixa com as minhas roupas. — Eu bem que disse para você que vir
morar com os meninos não seria uma péssima ideia.
— É uma ideia horrorosa, na verdade — digo de forma
divertida e tiro dois livros da caixa, colocando-os na estante. — A
minha sorte é que posso usar esses três meses para procurar algo
melhor.
— Algo melhor? — As sobrancelhas pintadas com sombra se
erguem de forma que acabam sumindo por debaixo da franja da
peruca ruiva. — Você acha isso aqui ruim?
O indicador aponta para a grande cama de casal e, depois,
para o mural de fotos que o montador dos móveis pregou na parede
para mim.
— Não é que seja ruim, Claire. Só que não é meu.
Ela bufa e se deita na cama, balançando os pés.
Hoje, suas roupas não são uma mistura de elementos, o que
é uma novidade. Calças jeans desbotada, camiseta de algodão com
uma frase em italiano estampada que não consigo traduzir e
coturnos pretos. O único ponto colorido é a peruca ruiva comprida
com uma franjinha meiga.
— É seu. — Insiste e puxa uma almofada para apoiar
embaixo do pescoço. — Seu quarto tem até um banheiro. Não sei
como isso pode ser insuficiente.
Retorno a atenção para os livros, não querendo discutir com
ela.
É difícil fazer Claire entender que conquistar as coisas por
conta própria é algo que priorizo na minha vida. Posso ter esse
quarto perfeito para mim, mas cada item, desde o tapete embaixo
da cama às almofadas coloridas, foram compradas com o dinheiro
de Reed.
E até eu pagar por cada item, não vou sentir que eles são
totalmente meus.
Diante do meu silêncio, minha amiga se remexe na cama.
Agora, ela está com a barriga descansando no colchão e as pernas
cruzadas para o alto, o rosto encaixado entre as palmas da mão. O
sol atravessa a fina cortina, iluminando os pontinhos de glitter do
hidratante em sua pele negra-escura.
— Eu sei o que você está pensando — fala de um jeito
manhoso. — Você quer que cada item seja seu de verdade e não
um mero favor que o Reed fez para você. Mas, Anne, não tem
problema em deixar as pessoas ajudarem a gente. As coisas que
tinham no apartamento da Sidney também não eram suas.
— Eu só peguei emprestado — retruco. — Ela não me deu
de presente um quarto inteiro mobiliado.
— Encare isso como um empréstimo, então. Depois que os
três meses acabarem, você devolve para o Reed e fim de papo.
Suspiro alto, desistindo de vez de discutir. Claire Howard não
vai largar do meu pé até que eu concorde com ela.
— Tá bom. — Abro um sorriso puramente falso e tiro mais
livros da caixa. — Vou encarar como um empréstimo que custou
muito dinheiro.
Ela estreita os olhos, desconfiada.
— Eu sei que você está dizendo isso para que eu cale a
boca.
Mando um beijinho no ar para ela. Como resposta, a
almofada é arremessada em minha direção. Só que a mira de Claire
é péssima e bem na hora Mason entra no quarto. O donut bate no
seu joelho, caindo no chão.
— Que ótima recepção, hein — debocha com um sorriso de
covinhas e assovia ao notar os móveis. — Que merda deu na
cabeça do Reed? Esse quarto está mais bonito que o meu. E olha
que eu tenho um ótimo gosto para decoração.
Claire ri e dá dois tapinhas no colchão, convidando-o a se
sentar ao seu lado. Mason se joga na cama, testando a maciez e
solta um resmungo de desaprovação.
— Infelizmente, tenho uma notícia ruim para te dar, Anne.
Levanto a cabeça em direção ao som da sua voz.
Mason é enorme. Os ombros largos, a estatura alta e as
pernas compridas fazem dele um jogador e tanto. Ao lado dele,
Claire fica igual uma formiguinha ao lado de um elefante. Basta ele
dar um peteleco e ela estará voando para o outro lado do quarto.
— Pode dizer. Eu aguento mais uma desgraça na minha
vida.
Ele encurva o canto dos lábios em um zombeteiro sorriso.
— A minha cama é bem melhor que a sua — cantarola.
— Oh, que tristeza. — Levo a mão ao coração. — Esse é o
seu jeito sutil para me convidar a dormir com você?
Mason me dá uma piscadela.
— Se você prefere somente dormir, eu não vou me opor, mas
podemos nos divertir de outras maneiras.
Claire dá um cutucão nas costelas de Mason. Ele se
contorce, desviando para o lado.
— Ela tem namorado!
— Reed não é namorado de verdade!
— Não sou o quê?
Todos os rostos se viram para a porta. Reed está parado ao
lado do batente com um dos ombros apoiados. A mandíbula
tensionada é um jeito de mascarar a risada que luta para ser
proferida.
— Nada, não. — Mason pisca as pálpebras inocentemente.
— O quarto ficou um tesão. Da próxima vez, vou te contratar como
meu decorador.
Reed entra no quarto e esconde as mãos dentro dos bolsos
da calça jeans. Ao ficar de costas, me pego encarando a sua bunda.
Se ele pode ficar falando da minha, eu também posso olhar para a
sua. E é uma bunda bonita. Charmosa até. Deve ficar mais bonita
ainda sem...
Balanço a cabeça, praguejando mentalmente. Horrível.
Nojento. Ver a bunda de Reed Rollins seria repugnante. Essa é a
verdade. Tudo que foge dessa linha é puramente resquício da
bebida que ingeri dias atrás.
— Pode ter certeza que vou comprar uma cama no formato
de um carrinho de corrida — Reed cantarola ao se acomodar na
poltrona. — E talvez um ursinho de pelúcia para você abraçar
enquanto dorme.
— Você é detestável. Não se espalha os segredos dos
amigos assim.
Reed dá de ombros.
— Foi você que começou dando em cima da minha
namorada.
— Ela nem é a sua namorada de verdade.
— Nessa vida, tudo é uma questão de perspectiva,
Henderson.
Claire engasga, chamando a atenção dos meninos. Só agora
que Reed parece perceber que estou no quarto, sentada no chão ao
lado de uma caixa e arrumando a estante. Seus olhos se movem
para o livro que tenho nas mãos.
— Esse é o livro da Clio?
Abaixo a vista, encontrando o nome de Clio McGoy
estampado na capa, junto do título Adagas & Segredos.
A gente se conheceu durante o verão, quando ela e Sagan
vieram passar curtos meses em Sunbay. Ela trabalhou na livraria de
Willa por algumas semanas e tivemos a oportunidade de conhecê-
la. Clio é uma escritora muito boa. O seu romance de época sobre o
assassinato do príncipe herdeiro é um dos melhores que já li.
— É sim.
— Legal. Ela ainda está na cidade?
— Não, ela voltou para Boston.
Claire faz um biquinho.
— Que pena, achei ela super divertida.
Mason nos observa com um ponto de interrogação pairando
acima da sua cabeça.
— De quem vocês estão falando?
Reed faz um movimento com a mão, dispensando-o.
— De uma escritora que você não conhece, já que as únicas
coisas que você lê são os rótulos de camisinha da farmácia.
Mason cruza os braços.
— Você está me confundindo com o Keeran. E eu não transo.
Eu faço amor.
Dessa vez, rimos em uníssono.
É curioso como Keeran, Reed e Mason são pessoas
extremamente diferentes em questão de personalidade. Keeran tem
aquele jeito galanteador que é difícil de ignorar. Já Mason é igual a
um cachorro golden retriever. Tem toda aquela vibe de bobão. Reed,
no entanto...
É o Reed, droga.
Chato, irritante e cheio de si. Não consigo pensar em nenhum
adjetivo bom para descrevê-lo, porque não existe.
— O último romântico da Terra. — Claire afaga o antebraço
de Mason. — Eu te entendo. É difícil viver no século da putaria.
— E como vai o namoro de vocês? — Reed pergunta.
— Às vezes, desconfio que estejamos vivendo um conto de
fadas. — Claire empurra uma mecha do cabelo para atrás da orelha.
— Tenho medo de acordar desse sonho e me deparar com um
pesadelo.
— Oh! A Claire está vivendo um conto de fadas, que terrível!
— Reed debocha e Claire dá um empurrão nele, lhe arrancando
uma risada. — Mas agora falando sério, Claire. Dave é apaixonado
pra cacete em você. Aquele típico amor de filme de romance.
— Tipo Edward e Vivian de Uma Linda Mulher — Mason
sorri, animado.
O rosto de Claire se contorce em uma expressão esquisita.
— Você está insinuando que o Dave se apaixonou por uma
prostituta, Mason?
Sou obrigada a encher as bochechas de ar para evitar dar
risada. Mason se remexe na cama e a face assume um tom
vermelho. Não sei se é de vergonha ou vontade de explodir em uma
risada. Lanço um rápido olhar para Reed. Ele mantém a mão
fechada em punho em frente a boca, provavelmente lutando para se
manter sério também.
— Prostitutas também são livres para amar, Claire.
— Não foi isso que eu perguntei — sibila.
Mason levanta as mãos em rendição e levanta da cama em
um pulo. A almofada caí no chão, mas ele não a ajunta. Somente
salta por cima e caminha para a porta, praticamente correndo.
— Esqueça o que eu disse, okay? — Cospe as palavras tão
rápido que fica difícil de entender. — Vou descer. Acho que alguém
tocou a campainha.
A porta do quarto é fechada em um baque e o som dos
passos de Mason descendo as escadas ecoa pela casa. Dois
segundos depois, Reed e eu explodimos em uma risada.
— Isso não tem graça nenhuma! — Claire bate com as mãos
no colchão, irritada de um jeito fofo.
— Ah, tem graça, sim. — Reed se curva para frente, ainda
rindo. — Ele nunca mais vai querer assistir Uma Linda Mulher
depois dessa.
— E isso agora é culpa minha?
— É claro que sim. — Concordo e fungo igual a um
porquinho. Isso faz Reed rir ainda mais, se contorcendo na poltrona.
— Você traumatizou o cara.
Claire mostra a língua para a gente e, então, seu rosto se
ilumina. Ela levanta a mão em um pedido mudo para que a gente
espere e caminha até onde deixou a sua bolsa. Vasculha o interior e
sorri quando puxa um envelope do fundo. Há um laço brilhante no
centro.
— Como vocês bem sabem, o meu aniversário é no mês que
vem — Estende o envelope para mim e gesticula para o Reed. —
Como agora vocês são um casal, minha mãe achou justo que eu
fizesse o convite em nome de vocês dois.
Arregalo os olhos.
— Você contou para a sua mãe?
Os ombros dela se remexem despretensiosamente.
— Por que eu mentiria?
— Porque é um namoro de mentira, talvez.
— Você reclama demais, joaninha. — Reed solta um muxoxo
e puxa o envelope da minha mão, jogando o laço em cima de mim.
Seus olhos deslizam pelo papel, lendo em silêncio o que está
impresso. — Uau! Festa à fantasia com temática de filmes. Posso ir
de Coringa?
O lábio inferior de Claire treme em desacordo.
— Eu pensei para vocês algo mais...
Levanto a mão.
— Vocês?
Ela cruza as pernas e pousa uma das mãos sobre o joelho,
assumindo uma postura de quem está no controle da situação.
— É uma festa à fantasia e já que vocês são namorados, a
ideia é que fossem combinando. — Ao notar a minha careta, Claire
bufa. — E nem adianta fazer essa cara para mim, Anne! Você sabe
que eu tenho razão.
Reed fica todo empolgado e sorri.
— Por mim é perfeito. Combinando fantasia com a minha
namorada ranzinza? Eu achei um tesão.
Claire dá um beijo estalado na bochecha dele e se vira para
mim. As pálpebras piscam daquele jeito inocente de quem está
querendo ganhar de Natal o maior presente da loja de brinquedos.
— Anne?
Sopro a minha franja para o lado.
— Saiba que só estou concordando com essa merda porque
você é minha amiga.
— Vai ser divertido, confia em mim! Todo mundo vai amar e
ninguém vai ter dúvidas de que o namoro de vocês é real.
Cubro meu rosto com as mãos e gemo baixinho, não
acreditando que Claire Howard, minha melhor amiga, está me
jogando aos leões. Posso até vê-la agitando os braços e dando
risada ao lado da Dave. Eles devem ter prazer em ver Reed e eu
fingindo que estamos insanamente apaixonados um pelo outro.
Só pode.
Sinto um cutucão em meu joelho e, ao abrir os olhos,
encontro o pé de Reed esticado em minha direção. O sorriso que
dança em sua face só me dá vontade de derrubá-lo dessa poltrona
escada a baixo.
— Estou ansioso para me fantasiar do amor da sua vida. Vou
até levar um arco de cupido para ilustrar que você me flechou de
jeito.
Trinco os dentes, ao mesmo tempo em que Reed me dá uma
piscadela e relaxa na poltrona, exalando a energia de quem vai
fazer dessa festa um grande Inferno na minha vida.
Porra.
Me fodi.
“Nunca acreditei muito no amor ou milagres.
Nunca quis pôr meu coração em jogo.
Mas nada em sua água é algo espiritual.
Eu nasço de novo cada vez que você passa a noite”
Locked Out Of Heaven | Bruno Mars
No jogo de sexta, fazemos exatamente aquilo que
prometemos: detonamos os State Tigers.
O placar ficou 28 X 18, o que deve ter arrancado um sorriso
orgulhoso do meu pai. Começar o campeonato com o pé direito é
quase que uma obrigação imposta por ele. Se a pontuação do time
adversário ficar próxima demais do nosso time, é um sinal gritante
de que as coisas não vão nada bem.
Por sorte, hoje não vou precisar me preocupar com os seus
longos sermões.
Entro no ônibus e me acomodo em um dos assentos. A
viagem de Barryton até Maple Hills não é muito longa. Uma hora e
meia, no máximo. O que significa que todo o time vai comemorar a
vitória no pub do meu irmão. E, porra, é sexta. Ninguém quer ficar
em casa depois de um jogo eletrizante como esse.
A adrenalina deve estar pulsando até agora no meu pau.
— Rollins. — JP me cumprimenta ao sentar ao meu lado.
Desde o que aconteceu na inauguração do restaurante, a
gente não conversou mais. Ficou aquele clima pesado no ar e eu
não me arrisquei em dizer nada. A situação já foi ruim o bastante na
hora.
— Cooney — cumprimento de volta.
Ele estica as pernas por baixo do banco à nossa frente e
solta uma longa lufada de ar.
— Não reagi bem ao que aconteceu na semana passada. Eu
não esperava que a Gina fosse esposa do seu pai.
— Ex-esposa — corrijo-o. — Eu também não esperava. E, se
eu soubesse, nem teria aparecido.
JP dá uma curta risada.
— Pelo menos teremos uma ótima história para contar no
futuro.
— E bota história nisso, cara.
Ele coloca o cinto de segurança e eu faço o mesmo. Ao
mover o braço, uma pontada de dor me atinge. Merda. Levei uma
pancada logo nos primeiros minutos de jogo. O defensive tackle [5]
do State Tigers me bloqueou de um jeito que vou levar dias para me
recuperar.
O futebol americano é um jogo violento até demais.
— E como vocês se conheceram? — A pergunta me escapa
antes que eu possa me conter.
— Em Sunbay, mesmo. Eu estava no supermercado e a
gente começou a conversar. Como você deve saber, meu avô é
dono do Jackson House, então eu estava ajudando-o nas compras
do mês. — Não, eu não sabia. Mas informação nunca é demais. —
Percebi que tínhamos um papo maneiro e chamei ela pra sair. Eu
estava crente que ela ia me dar um pé na bunda.
Rio.
JP tem um jeito tão relaxado que começo a entender porque
Gina e ele são namorados. Ela é tão de boa com a vida quanto ele.
— E ela deu?
Ele abre um sorriso cheio de malícia.
— Se ela tivesse dado, nós não estaríamos juntos agora.
Escuto uma gargalhada e, ao olhar para o lado, vejo que
Chad Eaton esteve ouvindo a nossa conversa esse tempo todo. Ele
é um babaca de primeira linha, mas como somos parceiros de time,
não posso dizer isso na cara dele.
— Quer dizer que você está comendo a gostosa da Gina
Bastien?
O rosto de JP fica vermelho na mesma hora.
— O que você disse?
Chad sorri, mostrando os dentes perfeitamente alinhados.
Quebrar um deles seria uma ótima ideia. Talvez, assim, ele aprenda
a calar a boca.
— Você ouviu da primeira vez, Cooney, mas não tenho
problema em repetir. — Curva o corpo no braço do assento. — Quer
dizer que você está comendo a gostosa da Gina Bastien?
A reação de JP acontece tão rápido que tenho dificuldade em
acompanhar. Um segundo atrás, ele estava sentado ao meu lado e
agora um dos seus braços está fechado ao lado do pescoço de
Chad, pressionando sua cabeça contra a poltrona. O ônibus, de
repente, mergulhou em uma quietude que cheira a tensão e
testosterona.
— Fala de novo da minha namorada que eu não vou pensar
duas vezes em explodir a sua cabeça com uma bola quando
estivermos no campo, Eaton — JP cospe as palavras, gotículas de
saliva atingindo o rosto de Chad.
— Você não teria coragem.
Esse é o estopim para que JP perca a paciência e desfira um
soco na cara de Chad. Escuto o barulho de um osso quebrando e,
logo em seguida, o apito do treinador Turner arrebentando os meus
ouvidos.
— Posso saber que merda está acontecendo aqui? — grita
em alto e bom som, mas ainda mantendo a calma na voz.
Ninguém diz nada por longos segundos.
JP dá um passo para trás e se acomoda de volta ao meu
lado, pouco ligando para o nariz quebrado de Chad. E Chad é tão
orgulhoso que não emite nenhum gemido de dor. Seu semblante
não combina em nada com o que acabou de acontecer.
— JP quebrou o nariz do Chad — Bradley, um dos garotos do
time, responde.
O treinador emite um grunhido nada agradável e cruza os
braços. Hoje os seus cabelos estão escondidos por um boné com o
símbolo do Rebels Of Horizon. A águia tem o mesmo olhar que ele
direciona para a gente.
— Estou vendo com meus próprios olhos, Bradley — diz,
amargo. — Para o meu azar, infelizmente.
— Por que o senhor perguntou se já sabia a resposta, hein?
Me seguro para não rir.
Bradley Powell não tem medo de abrir a boca grande e tirar o
treinador do sério. Me surpreendo que ele não tenha sido expulso
do time ainda.
— Só cale a boca, Powell. Seu desempenho no campo não
me impede de tirá-lo do próximo jogo.
Escuto Bradley choramingar e o restante do time dar risada.
Ao notarem o olhar frio do treinador, o silêncio predomina
novamente. Se Turner fosse um personagem de desenho, não
tenho dúvidas de que seria a Elsa. O cara consegue esfriar o clima
com uma facilidade desumana.
— Quando chegarmos em Maple Hills, vá cuidar desse nariz
no hospital, Eaton — aconselha ao Chad e move a atenção para o
JP. — E você, Cooney, a gente conversa na segunda. Mais alguma
coisa que eu precise saber?
— Não, treinador — Bradley diz mais uma vez ao fundo.
— Ótimo. — Os lábios se esticam em algo que poderia ser
um sorriso. — Parabéns pela vitória de hoje. Houveram falhas, é
óbvio, mas vamos resolver isso nos próximos treinos. O nosso
próximo jogo é daqui duas semanas, na USVL contra os Willards.
Eles são um time que já conseguiu chegar aos playoffs dois anos
atrás, então estejam cientes de que não será tão fácil quanto foi
hoje.
Turner continua a apontar detalhes que passaram
despercebidos por nós e parabeniza Dave por fazer a maioria dos
pontos. Me elogia também por ter auxiliado no touchdown que
garantiu a nossa vitória e, por fim, pede para o motorista dar partida
em direção a Maple Hills.
Aproveito a descontração e tiro o celular do bolso da jaqueta,
mandando uma mensagem para a Anne.
Reed: Vitória no jogo de hoje. Quer ir comemorar com o time
no London Foot Pub?
Mantenho a conversa aberta, torcendo para que ela responda
e não me deixe no vácuo. Sorrio ao ver os pontinhos saltitando
embaixo do seu nome, indicando que está digitando.
Joaninha: Vou ter que bancar a namorada apaixonada?
Meus dedos se movem pelo teclado feito um foguete.
Reed: É claro que sim. Você vai ter que me encher de beijos
e dizer que sou o melhor jogador que a USVL já viu.
Joaninha: Então, eu não vou.
Rio. Posso imaginá-la com facilidade fazendo uma careta
para o celular.
Reed: Mesmo se eu te pagar uma rodada de bebidas e
depois uma pizza de pepperoni quando chegarmos em casa?
Anne digita por incontáveis segundos.
Joaninha: Uma pizza e uma caixa de donuts de baunilha.
Reed: Fechado. Te vejo lá?
Sua única reação é um emoji vomitando e, pela segunda vez,
me pego sorrindo para o celular.
No dia seguinte, sou acordado com meu telefone tocando
insistentemente em cima da mesinha de cabeceira.
Afundo o rosto no travesseiro e gemo alto um palavrão
enquanto estico meu braço e procuro o aparelho. Abro os olhos e
atendo a ligação, sem olhar no identificador de chamadas.
— Alô? — murmuro, meio grogue.
— Bom dia, Reed — meu pai diz em um tom frio. —
Consegui marcar um treino para a gente no ginásio do time dos The
Mountain Eagles. Te vejo lá em uma hora.
Ele nem me dá a chance de responder, só desliga na minha
cara. Grosso e estúpido, como de praxe. Quem conhece o Ricky
Rollins dos tabloides e das entrevistas da NFL nem imagina como é
a sua verdadeira personalidade.
Aperto os dedos ao redor do celular e levanto da cama, nada
contente em começar o meu sábado desse jeito. A minha sorte é
que, agora, Anne tem o seu próprio quarto. Não seria nada legal
explicar para ela essa interação entre pai e filho.
Tomo um rápido banho e arrumo minha mochila para passar
o dia inteiro treinando ao lado do meu pai. Vai ser desgastante e
meu corpo ainda nem se recuperou de ontem. Vou estar lento no
campo por causa do álcool e, consequentemente, vou deixar meu
pai puto pra cacete.
Ótimo.
Desço as escadas e rumo para a cozinha para preparar o
meu café da manhã. Eu esperava encontrar o ambiente vazio, já
que Mason e Keeran aproveitaram a vitória do time de uma maneira
que vão ficar na cama durante o sábado inteiro; no entanto, sou
pego de surpresa ao encontrar Anne parada em frente ao fogão
preparando waffles.
— Annie?
Ela gira sobre os calcanhares ao som da minha voz.
— Reed? O que você está fazendo acordado?
Deixo minha mochila em uma das banquetas e abro a
geladeira, pegando uma jarra de suco.
— Te faço a mesma pergunta.
Ela gesticula para o vestido azul que está usando. É o
uniforme do Brooklyn Blues, só que sem o avental e os patins. O
cabelo ainda não foi preso em um penteado esquisito dos anos 80.
— Hoje é o meu turno de trabalho no Brooklyn Blues —
explica e tira a jarra da cafeteira, despejando o café em sua caneca.
— E você?
Desvio o olhar do seu.
— Vou treinar.
— Você não deveria treinar com os meninos?
— Prefiro treinar sozinho.
— E tem como treinar futebol americano sozinho?
Encho meu copo com suco.
— Você já deveria saber que dá para fazer muitas coisas
sozinho nessa vida, Annie — brinco. — Treinar é uma delas.
Se ela entende a minha piada de duplo sentido, prefere
ignorar. Anne se limita somente a colocar os waffles no próprio prato
e se sentar em uma das banquetas, tomando o seu café da manhã
sem dizer nenhuma palavra.
É difícil entendê-la. Vi a noite de ontem como um progresso
para a estranha relação que temos. Entretanto, agora pela manhã,
ela permanece na defensiva, não disposta a abrir nenhuma brecha
para que eu me aproxime. Seu campo de defesa é um muro cheio
de espinhos venenosos.
— Vai querer carona?
— Não, eu consigo me virar sozinha.
Concordo com um aceno e tiro os ingredientes da geladeira
para preparar os ovos mexidos. O silêncio chega a ser torturante. O
único barulho presente no ambiente são os talhares de Anne
batendo no prato. Longos minutos se passam até que ela termina a
sua refeição e coloca a louça na lava-louças, pronta para cair fora o
quanto antes.
Antes que ela desapareça da cozinha, faço um barulhinho
com a boca, chamando sua atenção. Os pés paralisam em frente ao
balcão.
— Que horas acaba o seu turno?
— Seis horas. Por quê?
— Só para saber mesmo.
— Reed...
Coloco os ovos mexidos no meu prato e levo um punhado à
boca, mastigando. Engulo e lhe direciono uma piscadela.
— Relaxa. Não vou invadir o seu trabalho usando apenas
uma cueca do Homem-Aranha.
Os olhos se reviram em irritação e quando Anne dá mais um
passo para fora da cozinha, chamo-a de novo. A expressão em seu
rosto é de pura impaciência. Posso até ver a fumacinha escapando
dos seus ouvidos, idêntico aos desenhos animados.
— O que foi, caramba?!
— Bom trabalho, joaninha.
Os ombros se movem de acordo com a inspiração profunda
que dá. Se tivesse algo para ela arremessar em minha direção,
certamente já o teria feito.
— Tchau, Reed.
— Tchau, namorada! — grito para que ela consiga me
escutar. — Não esqueça que hoje a gente vai inaugurar o seu
colchão novo. Estou ansioso para testar a resistência dele enquanto
você rebola gostoso em cima de mim.
A resposta vem logo em seguida, cheia de ódio:
— Vai se foder, Rollins!
Gargalho alto, sentindo o começo da minha manhã ficar só
um pouquinho melhor, mesmo que esse momento de paz só dure
curtos segundos. Mas vale a pena. Vale muito a pena. Tudo que
envolve Anne Scott sempre consegue ter esse efeito sobre mim, por
mais que eu odeie admitir.
Depois do expediente no Brooklyn Blues na segunda, eu
decido visitar a minha mãe.
A caminhada da lanchonete até a sua casa não dura mais
que dez minutos e, como de costume, sou recebida com um abraço
que tem cheiro de hortênsias e chá. Estamos agora sentadas na
varanda dos fundos, contemplando o horizonte.
Deito a cabeça no ombro de minha mãe e suspiro baixinho.
Sinto mais saudades da sua companhia do que gostaria de admitir.
E embora as minhas viagens diárias para Maple Hills sejam
cansativas, a gente ainda encontra um jeito de estar presente na
vida uma da outra. No entanto, eu não consigo abandonar a
sensação em meu peito que Daisy agora deve voar para longe do
ninho em que Alex e eu fomos criados.
Ela merece ir para longe sem ter medo de voltar para casa.
— O que você acha de uma viagem para Mountain City? —
sugiro e giro o polegar ao redor da borda da xícara. — Eles têm
ótimos cursos de arte, pelo o que eu soube.
O murmúrio dela é um sinal de discordância.
— Estou velha demais para estudar.
Levanto o rosto e estico os ombros para trás. Ela se
movimenta também, agora contemplando o meu rosto com seus
olhos cansados.
Minha mãe é uma mulher bonita para sua idade. Os cabelos
loiros, do mesmo tom que os meus, hoje caem soltos ao redor dos
ombros em ondas suaves. Nas orelhas, os brincos de pérolas se
complementam com o colar rente ao pescoço. No corpo, ela usa o
seu vestido favorito feito de um tecido vermelho que alcança a altura
das suas panturrilhas.
— Quem disse? Nunca é tarde demais para começar a
estudar.
— Não acho que seja uma boa ideia, danadinha. Gosto da
calmaria que minha vida se encontra neste momento. Já tive
compromissos demais ao longo de todos esses anos. Uma pausa é
a única coisa que preciso.
Sopro minha franja para o lado, exausta.
É difícil entender a minha mãe. Quando vejo as fotos
espalhadas por sua casa, vejo outra mulher sorrindo para a câmera.
Daisy e Gustaf se conheceram adolescentes, em uma feira de
artistas em Sunbay. A cidade era muito menor do que é hoje em dia,
então todo mundo meio que se conhecia. Eles tinham um círculo de
amigos em comum e foi natural acabarem se tornando amigos.
O resto da história a gente sabe como termina: uma grande
amizade que cresceu tanto que acabou com eles dois no altar,
jurando amor eterno.
— Como você acha que seria a sua vida se o papai não
tivesse morrido naquela noite?
A tensão recai sobre os seus ombros, fazendo-os se
encolherem minimamente.
— Ele estaria sentado aqui ao meu lado, bebendo chá e
dizendo que tem muito orgulho dos filhos que tivemos — murmura
em um tom baixo. — Depois, ele iria reclamar que a tecnologia
acabou com os jovens e que o Alex deveria ter reformado o telhado
como ele pediu na semana anterior. Eu diria para ele deixar de ser
um velho chato e o encheria de bolo de baunilha, que era o seu
favorito.
Meu coração se comprime dentro do peito.
— E o que mais?
Minha mãe aperta os lábios, contendo as lágrimas que lutam
para serem derramadas.
— Quando o sol tocasse o mar, ele me puxaria para dançar
ao som de Madonna. E, de novo, ele diria que tem muito orgulho da
nossa família. Ele diria que está orgulhoso da menina incrível que
vai conquistar o mundo. — Abaixa a vista para as mãos magras. —
Você sempre foi muito parecida com ele, Anne. Quando olho em
você, só consigo me lembrar do sorriso que ele deu quando te
segurou pela primeira vez nos braços. Essa memória é a minha
favorita do dia do seu nascimento.
— Mas o Alex é igualzinho a ele.
Daisy balança a cabeça e afaga a minha bochecha com a
ponta dos dedos. Fecho os olhos, apreciando o carinho.
— Somente de aparência. De coração, vocês dois são
idênticos.
Não digo nada, só abro um sorriso sem desgrudar os lábios.
— Mas, respondendo a sua pergunta, a minha vida não seria
tão diferente da que tenho hoje. A mudança maior é que eu teria
alguém para me aquecer na cama.
Rio.
— E por que você nunca se casou de novo?
— Gustaf era minha alma gêmea. Ninguém vai ocupar o lugar
que ele tem no meu coração. Um segundo casamento seria
somente isso: uma segunda pessoa que lutaria para substituir a
anterior.
A resposta me deixa inquieta. Não consigo imaginar como
deve ser amar alguém dessa forma, de um jeito tão devoto e intenso
que li apenas em livros. Na vida real, o amor dificilmente funciona
dessa forma. Ele é muito mais duro, cruel e sofredor.
— Nada de novos amores, então?
Minha mãe aperta minha bochecha em um movimento de
pinça.
— Nada de novos amores e cursos de arte — ressalta. —
Mas posso considerar a possibilidade de fazer aulas de pintura.
Beth disse que abriu uma galeria ao lado da livraria da Willa. Nós
podemos ir lá um dia, se você quiser.
Sorrio.
— Seria perfeito, mãe.
Daisy retribui o meu sorriso e dá um beijinho na minha testa,
acariciando os meus cabelos com a ponta dos dedos. Rondo meus
braços ao redor da sua cintura, puxando-o para um abraço meio
desengonçado.
— Mas saiba que eu ainda vou conseguir te convencer a
fazer uma viagem — digo, a voz abafada. — Guarde as minhas
palavras.
— Você é o ser humano mais insistente que conheço, então
não irei te contradizer. Só vou aguardar por essa mudança drástica
na minha vida.
— Uma vida feliz, mãe — reforço. — Uma mudança de vida
feliz.
Daisy não me contradiz, o que me faz acreditar que, em
breve, ela vai compreender que respirar novos ares é a melhor
escolha. Uma escolha que vai trazer tanta cor quanto os quadros
que ela pinta para si mesma. E, nessa pintura, não há espaço para
outro sentimento além da felicidade infinita.
Quando fecho a porta de entrada, noto que a casa que Reed
divide com os meninos está estranhamente silenciosa. Por sorte, as
luzes do andar inferior estão acesas, o que indica que não estou
sozinha. Mas, ao passar pela cozinha, não há nenhum sinal de
Keeran ou Mason.
Tento não me preocupar com os seus paradeiros e subo as
escadas. As três portas do corredor se encontram fechadas e não
há nenhum barulho além do som dos meus passos. Até penso em
arriscar e chamar por alguém, mas desisto.
Entro no meu quarto e suspiro de alívio ao tirar o vestido
rodado. O turno de trabalho foi tão cansativo que contei as horas
para acabar. Os calos nos meus pés, por causa dos patins, gritam
em um pedido de socorro.
Me arrasto em direção ao banheiro para tomar um banho,
mas paraliso ao notar uma caixa em cima da minha cama. Há até
um laço no topo, acompanhado de um bilhete.
Tiro-o de dentro do envelope e meus dedos pinicam de
ansiedade ao ler as palavras escritas em uma caligrafia bagunçada:
Os sábados de manhã são dedicados a treinar na academia
improvisada da fraternidade que o Dave faz parte. E como meus
colegas de casa são uns folgados, eles não perdem a oportunidade
de me acompanharem. São iguais a dois cachorrinhos seguindo o
dono pela casa.
A nossa sorte é que a Martial Kappa Tau se encontra
praticamente vazia. A maioria dos garotos festejaram a sexta em
grande estilo, terminando a noite na cama de alguma caloura do
campus. Estou surpreso que Mason tenha topado acordar cedo. Ele
dificilmente faz isso nos finais de semana, já que prefere dormir até
o colchão ficar com o formato da sua bunda.
— Você acha que a gente consegue vencer os Willards na
semana que vem? — Mason pergunta ao levantar peso. — O
Bradley disse que eles são fodas.
— Se eles forem bons, a gente arrebenta com a cara deles —
Keeran sibila. — Nada que um soco não resolva.
— Você quer ser expulso do time, Flanagan? — Dave ergue
a sobrancelha daquele jeito que ele faz sempre que está dando uma
bronca em alguém durante o jogo. — Você é a droga do wide
receiver, não o Super-Homem.
Abafo uma risada ao enterrar o rosto na curva do braço, ao
mesmo tempo em que Keeran levanta o dedo do meio para Dave,
que devolve com um mostrar de língua.
— Vocês se preocupam demais — digo. — A gente vai
detonar com eles. Estamos treinando pra cacete e o treinador
Turner não vai pegar leve com a gente durante essa temporada. Ele
está convicto que nós vamos chegar aos playoffs.
— E você acha que a gente consegue? — Mason questiona.
Há uma pitada de preocupação escondida em seu tom de voz.
— Eu acredito que sim — Dave garante e bagunça os
cabelos de Mason com a ponta dos dedos. — Se anime,
Henderson. Daqui a alguns meses, vamos estar comemorando com
todos os litros de bebidas disponíveis em Maple Hills.
Keeran limpa o suor do rosto com a barra da camiseta.
— E muitas garotas gostosas, eu espero.
Dave faz uma careta.
— Fale isso por você e pelo Mason. Eu e o Reed somos
homens que levam a sério os seus relacionamentos com suas
namoradas.
— Você sabe que o namoro do Reed com Anne é falso,
certo? — Keeran relembra. — Nada impede ele de se juntar com a
gente na diversão.
Jogo uma toalha em sua direção, acertando cabeça e lhe
arrancando uma reclamação.
— Não vou trair a Anne enquanto estivermos nesse acordo
— friso a última palavra para que ele não tenha dificuldades em
entender. — Sendo verdadeiro ou não, nunca vou deixar que ela
fique mal falada no campus. Já basta o que aconteceu com a Angel.
Três pares de olhares recaem sobre mim. Um traço de
curiosidade invade as pupilas de Dave, como se ele soubesse algo
que não quer contar para mim. Enquanto isso, Mason cruza os
braços na frente do corpo, a camiseta se agarrando aos músculos
do seu braço torneado. Keeran, contudo, se mantém neutro, exceto
pelo leve tremular de seus lábios no que suspeito ser um sorriso
sacana.
— Soldado abatido. — Meu amigo brinca e se levanta do
banquinho com estofado emborrachado que esteve sentado esse
tempo todo. — Estou vendo que só vou curtir a vida de solteiro ao
lado dos meus amigos quando a Terra virar pó.
— Você tem o Mason, o Bradley e o Cooper para te fazerem
companhia.
Como se estivesse ouvindo a conversa em um lugar
escondido, a porta de correr da academia improvisada no porão é
empurrada e Bradley surge. Usando somente uma bermuda de
academia e tênis esportivos, não duvido de que ele só estava
esperando o momento certo de entrar e encher o nosso saco.
— Eu ouvi o meu nome?
— Você estava aqui esse tempo todo? — pergunto.
Bradley dá de ombros e caminha até o supino, se sentando
no banquinho e abrindo as pernas. Ele prendeu os cabelos de
comprimento médio em um coque no topo da cabeça, deixando a
mandíbula definida em evidência.
— Estava só de passagem na lavanderia e ouvi vocês
conversarem. Qual o papo da vez e por que eu estou envolvido?
Mason coloca os pesos no supino e apoia o ombro direito na
parede.
— Keeran estava reclamando que ele é o único solteiro entre
nós. Maior drama, porque sabemos que é mentira — Dave conta. —
É só uma questão de tempo até ele encontrar sua alma gêmea.
Ouço um palavrão como resposta.
— Isso não vai rolar, Dave. Pode parar de sonhar.
O quarterback do time arqueia a sobrancelha esquerda em
um arco perfeito.
— E por quê?
— Não acredito nesse lance de amor — reclama e fecha os
dedos ao redor da barra, levantando o peso das extremidades com
uma puxada de ar. — Parei de acreditar há muito tempo, na real. É
só pra gente quebrar a cara. Elas partem o nosso coração falando
um monte de bobagem e vão embora sem pensar duas vezes. Não
quero nada disso pra minha vida. Sou muito melhor solteiro.
A quietude que recai sobre o ambiente é desconfortável.
Não sei muita coisa sobre a vida pessoal dele. Keeran
Flanagan é um mistério, na maior parte do tempo. E acredito que a
versão que ele mostra para os seus amigos não é nem 1% do que
ele é de verdade.
Acho que, no fundo, todos nós somos assim. Meus amigos
não sabem quem é o Reed Rollins por inteiro. Sem máscaras,
piadinhas ou frases polidas. Na real, duvido que alguém de fato
saiba. É difícil mostrar os nossos defeitos para as pessoas quando
há a possibilidade delas irem embora diante da primeira imperfeição
que lhes desagrada.
— Oh, alerta de coração partido. — Bradley assovia. —
Quem foi que chutou a sua bunda, Flanagan?
— Eu chutei a bunda dela antes que ela pudesse chutar a
minha.
Dave solta um grunhido que deixa evidente a sua insatisfação
com o rumo da conversa. Não deve ser nada fácil para ele aguentar
uma casa cheia de jogadores em que ele é o único que tem
namorada.
— Trabalhamos com nomes, cara.
Keeran bufa e impulsiona a barra com os pesos para cima,
descontando sua revolta no inocente do supino.
— Não me lembro. Faz tempo demais. Apaguei ela da
memória.
— Se tivesse mesmo apagado da memória, não estaria
falando dela agora.
— Vai se foder, Bradley — xinga e faz um sinal com o queixo
para que Mason o ajude a apoiar na barra no suporte de segurança.
— Apaguei ela da memória, mas não a lição que ela me ensinou.
— E qual é? — Dave questiona e, mesmo que ele tente
disfarçar, consigo perceber uma centelha de deboche por trás. —
Nos encha com sua sabedoria divina, Flanagan.
O wide receiver se limita a impulsionar as pernas para cima
ao se levantar do aparelho de academia e caminhar até o frigobar.
Tira de lá uma garrafinha de água e bebe todo o conteúdo em goles
rápidos. Ao se virar novamente para nós, não consigo entender o
que sua expressão diz.
É um bloco de gelo.
— Solteiro sim, sozinho nunca. — Abre um sorriso amargo.
— Aproveitem a vida, porra, porque no final de tudo, é sempre você
por você. E nunca acreditem em quem tentar convencer do
contrário.
Não acredito que estou fazendo isso.
Na escala das coisas ruins que já aceitei fazer nesses vinte e
dois anos de vida, estar nessa arquibancada com as bochechas
pintadas com riscos pretos e brancos consegue ser a pior de todas.
Chega a causar dor no dedinho do pé.
E como se não bastasse ter sido arrastada até aqui, há algo
ainda pior. Tão ruim que vou sofrer de dor de barriga para o resto da
minha medíocre existência toda vez que lembrar desse dia.
Estou usando a merda de uma camiseta com o número 22
nas costas juntamente do sobrenome Rollins estampado em letras
garrafais.
É como um letreiro na beira de estrada gritando “eu pertenço
a esse homem!”
— Para de fazer careta! — Claire grita no meu ouvido,
tentando sobrepor sua voz diante da gritaria dos torcedores ao
nosso redor. — Vão achar que você está com dor de barriga!
— Acho que já estou. — Pressiono as mãos contra o
estômago. — Também estou prestes a fazer cocô em mim mesma.
Claire estampa um semblante de dúvida diante da minha
frase.
Como todos os outros torcedores do Rebels Of Horizon,
minha amiga está com as bochechas pintadas com as cores do time
e com um chapeuzinho na cabeça que se parece com um bicho de
pelúcia ambulante. Ela dispensou a costumeira peruca, exibindo os
cabelos castanhos cortados bem próximos da raiz.
Nas orelhas, há os inseparáveis brincos. Só que, dessa vez,
eles são no formato da letra D.
Sim. D de Dave.
É inacreditável as coisas que a gente faz quando está
apaixonado.
— Do que você está falando? — exclama e desvia de um
homem cheio de músculos que passa por nós, empurrando quem
está no seu caminho.
Não tenho a chance de responder, porque a gritaria triplica de
tamanho conforme as líderes de torcida, as Horizon Eagles, entram
no campo. Vestidas com as saias rodadas e o top com a águia
bordada no centro, elas dão piruetas no ar e gritam frases que não
consigo entender. A capitã se encontra no centro, se movendo com
uma graciosidade invejável.
Quando a música termina, a agitação ao nosso redor se torna
um zumbido irritante no meu ouvido.
Eu nunca tinha vindo a nenhum dos jogos do time desde que
entrei na USVL, então estou surpresa com o quanto as pessoas
levam o esporte a sério por aqui. Claire, por exemplo, se torna uma
pessoa completamente diferente enquanto pula ao meu lado. Ela
grita e assovia com os dedos dentro da boca.
Entendo sua animação ao ver Reed e Dave atravessando o
túnel e surgindo em nossa linha de visão. Por mais que haja uma
distância considerável entre a arquibancada e o gramado, não é
difícil de reconhecê-los. Dave tem aquele porte atlético de
quarterback que chama a atenção: os ombros largos, as pernas
compridas e os músculos decorrentes de horas na academia
escondidos pela camiseta.
Já Reed...
Essa é a primeira vez que o vejo com o uniforme. Sua
autoconfiança com aquele capacete na cabeça chega a ser
palpável. Se eu esticar o braço, vou poder tocar o seu ego com a
ponta dos dedos. Dá pra ver que Reed Rollins nasceu para estar ali,
respirando o suor e a adrenalina que antecedem o começo de uma
partida.
Após os gritos se acalmarem, o time adversário entra em
campo também, junto das líderes de torcida. Embora eu não seja
muito fã de futebol americano, tenho que concordar que há um
pouquinho de emoção em estar aqui.
Claire se vira para mim e se inclina para mais perto. Seus
lábios, melados de gloss, grudam no meu cabelo solto.
— Acho que depois do jogo vai ter uma festa em
comemoração na fraternidade! Você vai?
Ergo as sobrancelhas.
— O jogo nem começou e eles já estão certos de que vão
ganhar? Isso traz azar, sabia?
Minha amiga abre um sorriso cheio de orgulho.
— A única coisa que vai trazer azar é se você não torcer para
o seu namorado.
Quero contradizê-la e dizer que Reed pode ser várias coisas
nessa vida, menos o meu namorado. Mas o momento é
interrompido com o agito e ambos os times se alinham no gramado.
Eu não entendo nada do que está acontecendo, exceto as poucas
coisas que Alex me contava anos atrás, então a única coisa que
consigo identificar são as posições em que Dave, Mason e Reed
estão posicionados.
O apito ecoa por meus ouvidos e o jogo começa.
Claire quase entra em combustão ao meu lado durante os
próximos minutos. Ela grita, sacode os braços, xinga palavrões e
esbugalha os olhos de um jeito engraçado, a adrenalina aquecendo
as suas veias.
Eu estreito os olhos, com dificuldade, para focar na visão de
Reed correndo de um lado para o outro. Como ele é o running back
dos Rebels Of Horizon, seu corpo é constantemente atacado pelo
time da defesa. Até já perdi a conta de quantas vezes ele foi
derrubado com a bola nos braços.
— O defensive tackle deles é muito bom — Claire reclama do
meu lado, mastigando a unha do polegar. — Que merda!
O xingamento me pega de surpresa. Olho para o painel
luminoso e vejo que os Willards estão quatro pontos na frente. Não
sei como isso aconteceu.
— Por que eles estão perdendo?
— Aquele babaca do quarterback, o Calloway, fez a merda de
um touchdown — resmunga. — Que droga, Dave! Faz alguma
coisa, porra!
Claire não poupa xingamentos quando chegamos no último
quarto de tempo. Está todo mundo tremendo de cabeça aos pés.
Sem brincadeira. Posso sentir o chão se mover embaixo de mim
tamanha ansiedade. O placar encontra-se empatado, o que faz os
jogadores ficarem ainda mais impacientes.
Posso apostar que o treinador Turner está com dor de
barriga.
Quem não estaria? Aposto que até o Reed sente o estômago
pinicar.
Foco minha atenção na camiseta 22, o mesmo número que
tenho estampado nas costas. Reed gesticula para o Dave, gritando
coisas que não entendo e depois faz um sinal para o jogador
posicionado ao seu lado. Os Willards fazem o mesmo, analisando a
melhor forma de pontuar e levar a vitória.
O apito ressoa mais uma vez e fecho os olhos, não querendo
ver o que vai acontecer.
— Porra!
— Bloqueia esse merda!
— Filho da puta!
Os xingamentos, então, se sobrepõem aos assovios e
entreabro as pálpebras. Reed está correndo tão rápido quanto o
personagem de um desenho animado. Ele desvia de um jogador e
desvia do defensive tackle. Ele ergue o braço e prendo a respiração
ao ver a bola ser arremessada em direção ao Dave.
Ele a pega no ar e corre. Quase é derrubado por outro
jogador, mas desvia com uma habilidade surpreendente. Estou
fincando as unhas na palma da mão tamanho nervosismo. Claire
não está muito diferente de mim. A mandíbula cerrada e os braços
pressionados ao redor do corpo, como um abraço de urso, são o
maior indicativo de que ela se encontra tão tensa quanto eu.
No exato segundo em que as chuteiras de Dave alcançam a
end zone, a arquibancada vibra. Latinhas de cerveja são jogadas no
ar e pingos de bebida caem no meu rosto. Claire levanta os braços
para cima e me puxa para um abraço apertado, as cordas vocais
entonando todos os tipos de exclamações.
Me pego gritando também e nem sei ao certo o motivo.
Porra. Eu nem gosto de futebol americano.
— A gente ganhou? — pergunto ao afastá-la sutilmente para
o lado.
Mesmo com gotículas de suor salpicadas na pele das
bochechas e a maquiagem borrada no canto dos olhos, Claire
continua bonita. Já eu tenho medo só de pensar em como deve
estar a minha aparência. Passo a língua pelos lábios, sentindo o
gosto de cevada.
Que nojo.
— Não sei! — Dá uma risada alta. — Mas o Dave acabou de
fazer um touchdown!
E eu rio com ela, porque estar aqui está sendo mais divertido
do que jamais pensei que seria.
Anne está presa nos próprios pensamentos, alheia a minha
presença.
A festa acontece embaixo de nós, o time comemorando a
vitória de mais um jogo na temporada. Não faço ideia de onde
Keeran e Mason foram parar, mas aposto que estão com uma
garota no quarto. Dave e Claire também sumiram.
E como não estou no clima em terminar a noite com os
tímpanos estourados, decidi subir até o segundo andar da casa. A
sacada em que Anne se encontra dá uma visão privilegiada da área
da piscina da Martial Kappa Tau e é um ótimo lugar para esfriar a
cabeça.
— Ei.
Ela se sobressalta ao som da minha voz, quase derrubando o
copo de bebida no chão.
— O que você está fazendo aqui?
Escondo as mãos dentro do bolso da calça jeans e me
aproximo.
— Procurando pela doce presença da minha linda
namorada.
As pálpebras se estreitam em uma linha fina, desconfiada.
Aproveito o momento para observá-la. Mesmo com Anne odiando a
ideia e me enchendo de xingamentos, a camiseta do time combinou
com o tom dos seus olhos. Além de ser um tesão do caralho vê-la
com o meu nome estampado nas costas. É uma visão que vou
relembrar incontáveis vezes antes de dormir.
— Você não cansa disso, não é? — Escora os antebraços na
balaustrada, dando as costas para mim. — Não precisamos mentir
quando estamos sozinhos, Reed.
— Ninguém te contou que as paredes têm ouvidos? — Imito
a sua posição e empurro o seu ombro de brincadeira com o meu. —
Elas sabem de todos os segredos do mundo.
— Você é um pé no saco.
Sorrio.
— Só quando estou com você.
As orbes se reviram em descontentamento e Anne dá um
gole na bebida.
— Já que estamos falando de paredes... — Começo e ela
xinga um palavrão baixinho. — Me conte algo sobre você.
— O quê?
— Me conte algo sobre você — peço. — Não tenha medo do
que as paredes vão pensar. O seu segredo vai estar seguro.
— E quanto a você?
Levo a mão ao coração com a palma pressionando o lado
esquerdo.
— Pode confiar no seu namorado. Sou um homem de
palavra.
Anne ri nasalado, soando meio irritada, mas acaba cedendo
depois de um tempo. Os dedos giram o copo de bebida, a atenção
fixa em um ponto distante no horizonte escuro.
— Nunca tive um cachorro.
— Você não pode estar falando sério.
— Estou, sim! — Vira o corpo, ficando de frente para mim. —
Meu irmão é alérgico, então a gente foi proibido de ter qualquer tipo
de animal de estimação.
— Nem mesmo um peixinho?
— Alex deixou morrer os três que ganhou do nosso pai
quando era criança e então...
A voz perde o som gradativamente, a tristeza cruzando o seu
semblante. Anne aperta os lábios e desvia o olhar do meu, não
querendo que eu veja qualquer vislumbre da sua vulnerabilidade.
Não digo nada. Somente permaneço em silêncio, deixando que ela
encontre a própria força dentro de si para seguir em frente com o
assunto.
— A gente entrou em um acordo que não teríamos mais
peixinhos. Nem cachorros. Nem gatos. Nem qualquer tipo de
pássaro. —A voz soa rouca. — Então, é isso. Nunca tive um animal
de estimação.
Não dou uma resposta de imediato.
Inclino ligeiramente a cabeça para o lado, contemplando os
detalhes do seu rosto. Decifrá-la é uma das coisas mais difíceis que
alguém pode tentar fazer. Ao mesmo tempo em que Anne te dá
abertura para entrar, ela te empurra para fora com um chute
certeiro. Ela não hesita em se manter fechada dentro da própria
casca.
É um lugar seguro.
— E você? — pergunta, os lábios inclinados de um jeito
forçado para esconder o que realmente está sentindo.
Entro na dela, porque não quero deixar o clima uma merda.
— Tive dois cachorros. Ambos morreram velhinhos.
— Não! Me conte algo sobre você, Reed. Algo que ninguém
sabe.
Estico o braço e pego o copo de suas mãos, dando um gole
na bebida. Me surpreendo ao notar que é água. Nada de álcool para
a gente, então.
— Qualquer coisa?
— Absolutamente qualquer coisa. — Abre um sorriso sapeca.
— Não irei contar para ninguém.
Troco o peso dos pés, avaliando uma resposta. Anne me
encara em expectativa, os olhos cintilando em curiosidade. Sua
animação quase me faz acreditar que não existe um ódio
permeando o seu coração ao meu respeito. Que, por uma curta
probabilidade, a gente pode ser algo além de somente namorados
de mentira.
— Um dos meus filmes favoritos é Missão Impossível.
A risada de Anne ecoa pelo espaço vazio, se mesclando ao
som da música alta.
— Você só pode estar brincando comigo, Rollins.
— É um ótimo filme, okay? Foi um marco na carreira do Tom
Cruise.
— Oh, eu posso apostar que sim — debocha.
Tenho vontade de cutucar suas costelas e enchê-la de
cócegas até que implore entre gritinhos para que eu pare. Nunca
ninguém me irritou tanto quanto ela.
— E posso saber qual é o seu filme favorito? — Deixo o copo
de bebida em cima da mesinha de ferro atrás de mim. — Se for uma
merda, eu não vou pensar duas vezes em rir da sua cara.
— É um clássico. Ofendê-lo é um crime contra a
humanidade.
Dou risada. De onde essa garota saiu e por que demorei
tanto tempo para conhecê-la?
— Eu tenho uma proposta para te fazer, então.
— Não, eu não vou me casar de mentirinha com você, Reed
— provoca. — Chega de propostas, por favor!
Apoio o quadril na balaustrada.
— Essa é a primeira vez que vejo uma mulher se negando a
todas as regalias de um casamento com um Rollins. — Dou uma
piscadela, arrancando de Anne um gemido de frustração. Fazer
piada com os inúmeros casamentos do meu pai nunca perde a
graça. — A minha proposta não envolve nenhuma aliança no seu
dedo, pode ficar tranquila.
Anne me analisa com atenção. Esconder a curiosidade não é
um dos seus pontos fortes.
— Qual é a proposta, então?
— No próximo sábado, vamos assistir aos nossos dois filmes
favoritos — proponho.
A sobrancelha loira se ergue em um sinal de desafio.
— Sem Keeran e Mason?
— Só você e eu. — Encurto a distância entre nós, voltando a
ficar de frente para ela. Anne estica o pescoço para trás, tão bonita
que poderia se tornar o oitavo pecado. — O que me diz, joaninha?
A hesitação faz meu estômago se contrair em posições
desconfortáveis. É um tiro no escuro convidá-la para passar um
tempo comigo. As chances de eu terminar a noite com um golpe na
cabeça aumentam a cada dia.
— Eu topo, zangão.
“Porque nós fomos educados para ver a vida do melhor jeito e
aguentar o que pudermos”
Ode To My Family | The Cranberries
A mensagem do meu pai pipoca na tela do meu celular.
Ricky: Ótimo jogo na sexta.
Simples e sucinta, exatamente como ele. Não há grandes
elogios ou algum traço de felicidade pelo resultado. É como se, por
trás de suas palavras, houvesse aquela sensação de que ele é o
único responsável por eu ter um bom desempenho no campo.
Zero mérito próprio.
Xingo um palavrão e jogo o celular entre as almofadas do
sofá, sem clima para respondê-lo.
O barulho chama a atenção do meu irmão. Ele estica o
pescoço para trás, tentando me ver por cima da mesa de jantar.
— O de sempre?
Aaron me conhece melhor do que ninguém. Mesmo que não
sejamos tão próximos quanto irmãos deveriam ser, ele ainda
consegue me ler com uma facilidade incrível.
— Não é como se eu tivesse outros problemas na vida além
desse.
Ele faz um bico e retorna para a sala com duas garrafas long-
neck. Me entrega uma delas e se acomoda no espaço vago ao meu
lado. A televisão está ligada em um jogo de beisebol. Nada de
futebol americano na casa do Aaron.
O apartamento, inclusive, fica em cima do pub em que ele
administra. O espaço é pequeno, mas confortável. Tem um ar meio
rústico, como a personalidade do meu irmão. As paredes são com
os tijolos à vista e há uma dedicada especialmente aos seus discos
de vinil favoritos.
— Você é um babaca mimado — murmura ao se desfazer da
jaqueta de couro e jogá-la em cima da poltrona. — As coisas vão
tão mal assim?
Não sei se Aaron realmente está curioso ou só está
bancando o papel de irmão mais velho. Ele odeia falar sobre o
Ricky.
— Nada fora do normal. E como vão as coisas no pub?
Ele tenta esconder, mas vejo seus ombros se moverem em
alívio com a troca de assunto. Na verdade, até eu fico mais tranquilo
sabendo que não vamos estragar o nosso curto momento juntos
falando do babaca do nosso pai.
— Melhores do que pensei. Esse negócio de Halloween e
temporada de jogos do time ajuda nas vendas — explica. — E por
falar nisso... E a sua namorada de mentira? Eu vi vocês dois
naquela noite e pareciam bem próximos.
— Quem me dera, mas ela topou morar comigo. Valeu pelo
conselho, a propósito. Mas continuamos do mesmo jeito. Ela segue
planejando uma forma de me eliminar da face da Terra.
Aaron estica as pernas em cima da mesinha de centro no
formato de um tronco de madeira.
— E você?
— Gosto de um crime mais limpo — provoco em um tom de
brincadeira. — Nada de facas e sangue. O negócio é o jogo
psicológico.
— Sinceramente, começo a entender porque ela te odeia —
Aaron resmunga com desgosto. — Até eu te odeio às vezes.
Dou risada.
— Eu sempre soube. Você quebrou um vaso de flor na minha
cabeça quando eu tinha sete anos.
Aaron bebe um gole da cerveja, a diversão visível em sua
expressão carrancuda. Arrancar um traço de bom humor do meu
irmão é uma conquista que poucas pessoas conseguem. Ele tem
aquela energia de quem desgosta da maioria da população e que
não faz nenhum esforço para disfarçar.
— Você era um irmão pé no saco. O vaso na cabeça foi
pouco para as coisas que você aprontava — justifica. — O que eu
queria perguntar é se você também a odeia.
Franzo o cenho, confuso.
— Quem?
— A sua namorada de mentira.
O rosto de Anne me vem à mente de forma automática. Os
olhos cheios de irritação, a boca teimosa que insiste em me encher
de provocações e o sorriso que surge quando digo alguma coisa
que a diverte. Essa é a minha parte favorita nela.
Não preciso pensar muito na pergunta de Aaron. A resposta
está na ponta da língua.
— Não. Eu não a odeio. — Bebo um gole da cerveja. — Só a
detesto na maior parte do tempo.
Aaron encrespa a testa em ruguinhas que denunciam sua
incompreensão.
— E por que você não se livra dela de uma vez?
Porra, Aaron.
Não quero nem pensar em como é ter um tipo de relação
amorosa com ele. Deve ser como levar um chute na cara dez vezes
por dia em forma de palavras.
— Sei lá. Gosto de irritá-la.
Os olhos analíticos, e da mesma tonalidade dos meus, me
avaliam com atenção. Longos segundos se passam até que Aaron
dá mais um gole na cerveja e retorna a atenção para a televisão.
— Eu realmente quebrei com força demais aquele vaso na
sua cabeça.
Infelizmente, talvez eu tenha que concordar com ele.
O mês de outubro é uma das minhas épocas favoritas do
ano.
A cafeteria da universidade parece compartilhar da mesma
paixão que a minha. Há bandeirinhas de abóboras penduradas no
teto e o cardápio escrito em giz tem vários fantasmas desenhados.
Até os doces expostos na vitrine são temáticos.
Sem resistir, peço dois cupcakes. Estou prestes a virar sobre
as botas e procurar por uma mesa livre quando trombo com uma
garota. O grunhido escapa de nós duas e me pego segurando seus
ombros para que nenhuma de nós caia no chão.
Quando meus olhos focam em seu rosto, arquejo em
surpresa.
A garota é Angel Patterson.
Ela é muito mais bonita do que eu gostaria de admitir. Os
cabelos são de um castanho escuro, quase pretos, e caem
majestosamente ao redor dos seus ombros cobertos por um cardigã
de margaridas. Os olhos estão maquiados com delineador preto e
os lábios pincelados de batom vermelho evidenciam o tom de sua
pele branca.
Angel é igual a uma boneca de porcelana.
E, sabe lá por qual motivo, eu me sinto insegura ao constatar
esse fato.
— Oh, Anne? — Ela também não disfarça a surpresa ao me
reconhecer. — Não acredito que é você!
Pois é. Nem eu.
— Em carne e osso. Não foi dessa vez que me tornei uma
lenda urbana.
Angel dá risada.
— Todo mundo daqui conhece você. Ou seja, você pode ser
tudo, menos uma lenda urbana — diz animada. — O Reed me falou
tanto sobre você. Nem acredito que nunca conversamos antes.
Você faz Jornalismo, não é?
Okay. Angel tem uma capacidade sobrenatural de interagir
como se fôssemos amigas há anos. Não sei se isso é bom ou ruim.
Ainda estou meio travada, tentando assimilar a sua presença.
— Isso. — Concordo. — Espero que o Reed não tenha falado
merda sobre mim. O passatempo favorito dele é me encher o saco.
A constatação de que falei algo suspeito me atinge quando
Angel franze levemente a sobrancelha para cima. Sou salva quando
o garçom chama a sua senha. Ela levanta o dedo indicador, pedindo
para que eu espere, e se curva sobre o balcão, fazendo o pedido.
Pelo curto espaço de tempo, me pego imaginando como era
o seu relacionamento com o Reed. Eles não me soam compatíveis.
Não porque ela não seja bonita, porque ela é bonita pra cacete.
Acho que é mais porque a energia de Angel não se completa com a
de Reed.
Nem sei porque estou pensando nisso, porque eu nem
conheço Reed tão bem assim.
Chacoalho a cabeça. Logo em seguida, Angel retorna
segurando um copo de café.
— Eu estou meio ocupada, mas foi um prazer te conhecer —
Angel diz, meio afobada. — A gente se vê na sexta? Não sei se o
Reed comentou com você sobre o nosso encontro duplo.
— Sim, já estou sabendo de tudo. Estou ansiosa para
conhecer a pessoa que roubou seu coração.
— E eu estou curiosa para saber tudo e mais um pouco sobre
a garota que conseguiu fazer o grande Reed Rollins sossegar. —
Me dá uma piscadela. — A gente se vê na sexta, então?
— É claro.
Angel dá um beijo estalado na minha bochecha e vai embora.
Fico um tempo encarando a porta pela qual ela saiu, assimilando
sua presença marcante. Eu realmente não esperava por isso.
O assovio alto é o que me desperta da divagação. Giro o
pescoço e encontro Keeran sentado em uma das mesas no fundo,
me encarando com uma pitada de diversão. Reviro os olhos e
caminho até onde ele está.
Keeran mantém os braços cruzados na altura do peito
conforme me aproximo, me analisando da cabeça aos pés de um
jeito nada sutil. Na verdade, sutileza é uma palavra que jamais deve
ser associada a ele.
Keeran Flanagan é quente, sedutor e um poço fundo demais
para qualquer um mergulhar.
— Vejo que você acabou de conhecer a inesquecível Angel
Patterson — ele provoca e dá dois tapinhas no assento, me
convidando a sentar ao seu lado.
Coloco a bolsa no banco e me acomodo na cadeira livre,
arrancando de Keeran uma risada.
— Você aprende rápido, Scott. — O orgulho é visível no
timbre de sua voz.
— Prefiro não arriscar.
As orbes de Keeran giram em um círculo perfeito e repousam
novamente em mim. Nesta manhã de outono, ele usa uma camiseta
que recobre a pele branca de seus braços e uma correntinha ao
redor do pescoço com a letra C. Curioso, no mínimo.
O que mais me chama a atenção são as tatuagens. Não há
nenhuma colorida. Elas variam entre uma caveira com serpentes
escapando pelos olhos escuros e uma rosa inteiramente pintada de
preto. Ao redor do pulso, noto um escorpião em que a ponta do rabo
se transforma na flecha de um cupido.
— Gostou? — Keeran me puxa de volta para a realidade.
Levanto o rosto e dou de ombros.
— Achei interessante.
— Você também é bem interessante, Scott.
Faço uma careta.
— Não é muito educado de sua parte flertar com a namorada
do seu amigo.
Keeran pousa as mãos sobre a mesa e inclina a cabeça para
o lado.
— Pouco educado é você e o Reed desperdiçarem o tesão
de vocês se odiando.
Se eu estivesse comendo meu cupcake, com certeza teria
engasgado.
— Não faço ideia do que você está falando.
— Se você quer seguir por esse caminho, tudo bem. — Bebe
um gole do café. — Eu finjo que não sei de nada e você finge que é
tudo coisa da minha imaginação.
Abro um sorriso ladino.
— Fingir é a minha especialidade, Flanagan.
— Estou vendo que sim, Scott — resmunga. — E o que você
achou da Angel, então? Para essa resposta, não vale nenhum tipo
de mentira.
Passo a língua pelos lábios, sentindo a garganta secar.
Nunca desejei tanto um café quanto agora. Talvez os cupcakes não
sejam o suficiente para afastar o aperto repentino no meu
estômago.
— Normal. Nada demais.
Keeran ri pelo nariz.
— Pelo visto você é boa somente em fingir, porque essa
mentira não cola nem a pau. — Empurra o café para mim e faz um
sinal para que eu beba. — Joga a verdade, Anne.
Encaro o café, demorando a formular uma resposta.
Angel é estranhamente intimidante. Energética. Bonita. Um
espírito livre pronto para levantar voo e sobrevoar as coisas mais
lindas do mundo. Angel Patterson é aquilo que não consigo ser, por
mais que eu tente. E olha que eu nem a conheço direito.
Nem sei se quero, na real. Isso só vai contribuir para que um
buraco ainda maior cresça dentro de mim.
— Por quanto tempo ela e o Reed namoraram?
Se Keeran percebe que desviei de sua pergunta, prefere
ignorar.
— Não foi um namoro de verdade. Não igual ao de vocês,
pelo menos. Eles saíram algumas vezes, se divertiram e foi isso.
Não é como se o Reed fosse apaixonado por ela. Duvido muito que
tenha sido.
— Como assim?
Keeran hesita e aponta para o café. Dessa vez, bebo um
gole.
— O Reed nunca namorou, Anne. — Estica as pernas por
debaixo da mesa, a ponta do coturno tocando as minhas
panturrilhas. — Você é a primeira, mesmo que de um jeito meio
bizarro.
Assimilo a informação despejada na minha cara como um
balde de gelo.
Na minha cabeça, as namoradas que Reed colecionava eram
de uma lista imensa. Foi isso o que ouvi pelos corredores da USVL
logo depois da festa dos calouros. E a maneira que ele me tratou
naquela noite só comprovou isso. Babaquice escorrendo por todos
os poros.
— Eles...
— Um romance de verão, nada além disso. Não precisa se
sentir ameaçada.
— Não me senti ameaçada por ela — nego, as palavras
arranhando a garganta.
Não me senti, certo?
Foi só um susto repentino. Acontece com todo mundo.
— O que você sentiu, então?
— Eu já te falei, Keeran. — Empurro o café de volta para ele.
Porra, onde está a droga do garçom com os meus cupcakes? —
Achei ela intimidante. Só isso.
Viro o corpo na cadeira, mirando o balcão. O número de
estudantes dentro da cafeteira triplicou. A fila para fazer os pedidos
está imensa. Vou ter que encontrar outra forma de fugir daqui.
— Esqueça essa merda de se sentir intimidada. Reed e
Angel não são mais compatíveis. O lance agora é você.
Franzo a testa.
— Só até o ano acabar.
— E depois disso?
— Cada um de nós segue com a própria vida. Não finja que
não sabe disso.
Keeran me dá uma olhada cheia de significado. A boca se
curva para cima em um tipo de sorriso difícil de entender. É como
uma extensão da sua personalidade. Cheia de mistérios e
significados ocultos.
— Então, depois que essa mentira com o Reed acabar... —
Balança as sobrancelhas de forma sugestiva. — Eu posso te
chamar para sair?
Trinco a mandíbula. Uma parte minha quer cair na
gargalhada, enquanto a outra quer beirar a infantilidade e erguer o
dedo do meio.
— Você não faz o meu tipo.
Ele se curva sobre a mesa, os ombros criando uma sombra.
Keeran é tão alto quanto todos os outros meninos do time.
— E qual o seu tipo?
Abaixo a vista para as tatuagens que recobrem a pele da sua
mão e depois retorno para o rosto. Há um traço de diversão
desenhando as linhas de seu semblante.
— Com menos tatuagens, é claro.
Keeran faz um biquinho.
— Não custa tentar a sorte, hein?
— Em outra vida, quem sabe. Por enquanto...
— Por enquanto o seu tipo é Reed Rollins.
Abro a boca para retrucar, mas o garçom chega com os meus
cupcakes já quase esquecidos. Até perdi a fome depois dessa
conversa cheia de altos e baixos.
É somente quando voltamos a ficar sozinhos que Keeran se
levanta da cadeira em uma indireta de que está prestes a ir embora.
Antes disso, no entanto, ele me dá um beijo na bochecha e aperta
sutilmente meu ombro.
— E não se esqueça do que eu disse.
Franzo a testa, confusa.
— Hum?
— O lance do Reed agora é você. Goste disso ou não.
Ele não me dá a chance de retrucar. Apenas vai embora,
deixando o impacto de sua frase corroer os meus pensamentos
como uma ferrugem venenosa.
Estou trancada no quarto desde que voltei da cafeteria.
Hoje é o meu dia de folga no trabalho, então aproveitei para
colocar os meus trabalhos em dia. Tenho um artigo para entregar
sobre Jornalismo Político e um relatório de Jornalismo Econômico.
Não é muito difícil, mas minha cabeça não consegue se concentrar
desde a conversa com o Keeran, horas atrás.
A minha relação com Reed tem seguido por um caminho que
eu não esperava e o que ele me disse na piscina, dias atrás, cutuca
o meu cérebro como uma dor de cabeça. Ao mesmo tempo em que
quero compreender melhor as coisas entre nós, sinto também que
preciso fortalecer a minha zona segura.
Quanto mais longe Reed estiver de mim, melhor. E se para
conquistar isso, eu precisar despejar o meu ódio por ele em
palavras nutridas de mágoa, não vou pensar duas vezes. É assim
que eu funciono. Não consigo ver as outras de outra forma.
Respiro profundamente e pego a garrafinha de água
esquecida em cima da mesinha de cabeceira. Estou prestes a tomar
um gole quando o meu celular começa a vibrar. Procuro-o entre os
livros espalhados por cima da cama e abro um sorriso gigantesco ao
ver o nome na tela.
— Sagan! — exclamo, o rosto surgindo no mesmo instante
na tela.
— An-An! — Ele me cumprimenta no mesmo tom animado.
— Achei que tivesse se esquecido de mim. — Choramingo.
— Já faz quase dois meses desde que você foi embora.
Sagan coça a barba em um gesto envergonhado.
— Eu sei, mas as coisas estão corridas aqui em Dublin. Não
tenho passado muito tempo em casa — conta. — E quando consigo
alguma folga, acabo saindo.
O bichinho da curiosidade me pica assim que ouço a última
informação.
No último verão, Sagan conheceu Clio McGoy, a renomada
escritora de Adagas & Segredos. Ele não me contou muita coisa,
mas sei que o envolvimento deles foi intenso. Nada perto de um
romance de verão passageiro. No entanto, ele teve que ir embora,
assim como ela. Os dois seguiram em frente com suas vidas e sem
data marcada para se reencontrarem. Sagan e Clio estão à mercê
da sorte.
— Você conheceu alguém?
Ele compreende a desconfiança escondida atrás da minha
pergunta.
— Ninguém especial. Não estou no clima para nenhum tipo
de relacionamento no momento. E você? Como vão as coisas em
Maple Hills?
— Insanas. Bastante coisa mudou desde que você foi
embora para o outro lado do mundo.
Engatamos em uma conversa sobre a loucura que minha vida
se tornou no último mês. Não menciono sobre o namoro falso com
Reed, porque Sagan não vai conseguir controlar a língua. Já que,
assim como Alex, Sagan gosta de me provocar como se fosse o
meu irmão mais velho.
Não temos nenhum laço de sangue nos unindo, mas ele
ocupa um espaço especial em minha vida — mesmo com a grande
diferença de idade entre nós. Sagan esteve presente em momentos
decisivos da minha vida e me apoiou mesmo à distância, quando
morava em Nova York. E mesmo que esteja Dublin por causa da
sua carreira, ele continua presente.
Sagan está no meio de um monólogo sobre a vida noturna da
cidade quando escuto a porta do meu quarto ser aberta. Reed
espreita pela fresta e ao notar que estou sozinha, entra sem ser
convidado.
Babaca.
Em suas mãos, há uma bandeja com um prato de
macarronada e um copo de suco. Meu estômago ronca que o cheiro
maravilhoso invade as minhas narinas. Não consigo nem disfarçar,
porque Reed dá uma risadinha.
O som, para o meu grande desespero, chama a atenção de
Sagan.
— Você está com alguém, An-An? — ele pergunta.
Não tenho tempo de negar. Reed deixa a bandeja em cima
da cômoda e se joga ao meu lado na cama. O seu rosto surge na
tela, ao mesmo tempo em que os olhos de Sagan se arregalam em
choque ao reconhecer o atleta que pressiona o corpo de encontro
ao meu.
— Reed Rollins?
— E aí, coroa? — Cumprimenta-o cheio de diversão. — Ouvi
dizer que você está em Dublin agora. Bebendo muita cerveja nos
famosos pubs?
Sagan dá risada.
— Só o suficiente para dizer que não estou aproveitando a
cidade como um turista costuma fazer.
— Essa é a vida que eu quero ter daqui alguns bons anos —
Reed diz e se vira para mim. — O que você acha, Annie?
— Acho que você está sonhando alto e se intrometendo onde
não foi chamado.
Ele emite um barulhinho com a boca que indica a sua
discordância.
— Você está morando comigo. Posso me intrometer no seu
quarto quando bem entender.
Sinto meus dentes rangerem.
— Não é assim que as coisas funcionam.
— E como devem funcionar?
O pigarro de Sagan nos faz girar o pescoço em sincronia e
encará-lo atrás da tela do celular. Não gosto nem um pouco do
brilho que ilumina as íris douradas. Faz um nó se formar ao redor da
minha traqueia.
— Estou interrompendo?
Nego com um balançar de cabeça e empurro Reed pelo
ombro.
— Você não tem nada melhor para fazer? — Gesticulo para a
porta entreaberta. — Vai encher o saco dos seus amigos.
— Prefiro você.
Reprimo a vontade de soltar um palavrão e aperto o celular
com mais força entre os dedos suados. Há um sorriso tão grande no
rosto de Sagan que fico com vontade de dar um soco em qualquer
coisa que encontrar pela frente.
— E eu prefiro você bem longe daqui.
— Não seja tão ranzinza, Annie. Sagan vai achar que não
somos bons namorados.
A exclamação de Sagan me faz fechar os olhos com força.
Eu.
Vou.
Matar.
O.
Reed.
— Como assim, vocês estão namorando?!
— A gente conversa outra hora, okay? — peço afobada,
puxando o celular para mais perto do meu rosto. — Me desculpa.
Sagan não tem a chance de responder. Encerro a chamada
clicando com raiva no botão vermelho. Jogo o celular para trás e fico
de joelhos na cama. Reed está esparramado entre as almofadas,
exibindo um sorriso que mostra todos os dentes que eu gostaria de
quebrar usando a porra de um martelo.
— Acho que ele não gostou de receber a informação desse
jeito — debocha, cruzando os braços atrás da cabeça. — Será que
o coração dele aguenta?
Elimino um muxoxo irritado e jogo uma almofada em sua
cabeça com toda a força que encontro dentro de mim. Reed finge
um gemido de dor e dou um gritinho assustado quando ele vem pra
cima de mim, me encurralando. Minhas costas tocam o colchão, ao
mesmo tempo em que se acomoda entre as minhas pernas, o joelho
pedindo espaço.
E eu cedo, sabe-se lá por qual motivo.
— Você é um babaca, sabia? — digo, erguendo a cabeça
para que nossos rostos fiquem na mesma altura. — Agora ele vai
achar que gosto de você de verdade. Quando, na realidade, estou
doida para te jogar de um penhasco.
Reed dá uma risadinha e espalma as mãos ao redor dos
meus ombros, curvando o corpo para tão perto do meu que se torna
difícil manter a respiração tranquila.
— Você não ousaria.
— Te jogar de um penhasco? É claro que sim.
— Não, Annie. — A voz baixa algumas oitavas, as íris fixas
na minha boca. — Gostar de mim de verdade.
— Bom que sabe. — Tento fugir do casulo que ele criou ao
meu redor, mas é impossível. O corpo de Reed é como uma
muralha me pressionando de encontro ao colchão. — Você quer
mais alguma coisa além de me irritar? Porque se esse era o seu
objetivo, já pode sair de cima de mim.
— Eu trouxe o seu jantar — diz baixinho. — Fiz macarronada.
— Não sabia que você cozinhava.
— Eu não cozinho. Só em ocasiões especiais.
Ergo as sobrancelhas.
— Posso saber que ocasião especial é essa?
Reed inclina os ombros para frente, de forma que agora a
boca se mantém separada da minha por míseros centímetros. Nos
encaramos com afinco.
— Você é a pior namorada que Maple Hills já viu. — Resvala
o nariz no meu. O hálito quente pinica na minha língua. — Hoje
comemoramos um mês de namoro, joaninha.
— E aí você decidiu fazer uma macarronada?
O lábio inferior projeta-se para baixo em decepção. Parece
uma criança chateada porque não recebeu o presente de Natal que
queria.
— Você não gosta de macarronada?
Rio. Essa conversa tomou um rumo inesperado.
— Não sei se gosto da sua macarronada em específico, mas
no geral eu curto. — Dou de ombros. — Você não está fazendo isso
só como uma forma de me envenenar, certo?
Reed sacode a cabeça e dá um beijinho na minha testa, para
logo depois se afastar. O gesto me pega tão de surpresa que fico
alguns segundos petrificada, com as mãos caídas ao redor do
corpo.
— Envenená-la é a última coisa que quero fazer com você.
Ele se levanta da cama e caminha até a cômoda, pegando a
bandeja com a comida. Seu andar exala uma autoconfiança
invejável e me pego virando o corpo para admirá-lo de costas. Os
ombros de Reed são largos e imponentes por causa dos treinos
incansáveis na academia, enquanto os músculos do braço se
agarram ao tecido da camiseta branca.
Reed é bonito.
Bonito demais.
Mais bonito ainda quando se vira e abre um sorriso de
covinhas para mim.
— Gostando da visão?
Nego, apoiando o cotovelo no travesseiro.
— Já vi melhores.
A risada repercute pelo cômodo conforme ele caminha até
onde estou deitada e coloca a bandeja com a macarronada ao meu
lado. O cheiro é delicioso e a minha boca se enche de saliva.
— Tipo o Chad Eaton?
Projeto a língua para fora em um gesto de vômito.
— Ele está no top cinco dos piores.
Reed faz um sinal para que me sente. Puxo as pernas para
mais perto, ficando em posição de yoga. Gentilmente, ele me
entrega o prato de macarronada, juntamente de um par de talheres.
É um gesto que me deixa inquieta porque exala um tipo de cuidado
que não estou acostumada a receber.
— E o top cinco dos melhores?
Levo um punhado de macarronada para a minha boca e me
pego soltando um gemido involuntário de satisfação. Está bom pra
cacete.
Reed não consegue se conter e abre um sorriso. Ele sabe
que, se isso fosse um jogo, teria feito uma pontuação altíssima.
— Não costumo enumerar as coisas boas dessa forma —
respondo de boca cheia, sem nenhum pingo de vergonha. — Só as
piores para que eu não cometa o erro de repeti-las.
— Eu estou no top cinco das coisas ruins, não é?
Dou uma risadinha e gesticulo para o copo de suco. Bebo um
pequeno gole, só para a macarronada não ficar presa na garganta.
— Você é o número um, Reed. — Sorrio, provocadora. —
Achei que já soubesse disso.
Ele revira as orbes em descontentamento e se deita no
colchão, esticando as pernas. Diferente da cama que eu tinha no
apartamento de Sidney, nessa aqui cabe tranquilamente umas três
pessoas — quatro, se não houver nenhum jogador de futebol
americano determinado a ocupar todo o espaço disponível.
— Eu ainda vou fazer você mudar de ideia, Annie. — Afaga o
meu joelho nu com a ponta dos dedos. — E me tornar o número um
no seu coração.
— Pois saiba que isso nunca vai acontecer — garanto. —
Meu coração é imune a Reed Rollins.
— Eu já não posso dizer o mesmo sobre o meu. — Tomba a
cabeça para o lado e me lança uma piscadela. — Feliz um mês de
namoro, joaninha.
Levanto o prato e entro na sua brincadeira.
— Feliz um mês de namoro, zangão.
“Eu estava de pé e você estava lá.
Dois mundos colidiram e eles jamais poderiam nos separar”
Never Tear Us Apart | INXS
Depois do treino de sexta, no qual o treinador Turner não
poupou esforços para que todos os jogadores do time encerrassem
o último treino da semana com os músculos da perna tremendo em
exaustão, Dave me convidou para ajudá-lo a comprar um presente
de aniversário para a Claire.
Por isso, neste momento, estamos caminhando pela área
comercial de Maple Hills.
— Estou pensando em fazer uma surpresa.
Dave diz essa frase tão de repente que meu pescoço se vira
de imediato em sua direção. Ele mantém o semblante tranquilo, mas
há um sorriso lutando para surgir. As mãos escondidas dentro dos
bolsos da jaqueta do time são um péssimo disfarce.
— Porra. Que tipo de surpresa?
— Se eu contar, vai deixar de ser uma surpresa — aponta e
eu resmungo em desacordo.
— Vai pedir a Claire em casamento?
Dave hesita, mas acaba negando com um balançar de
cabeça.
— Ainda não. — Gesticula para uma loja que tem vários
vestidos coloridos na vitrine. — A gente meio que já entrou em um
acordo que só vamos nos casar depois que terminarmos a
faculdade.
Mordo o interior da bochecha e entro na loja. Sou sugado por
um furacão de roupas coloridas e sapatos chamativos —
exatamente o tipo favorito de Claire. Curiosamente, o seu estilo é
uma extensão da sua personalidade: alegre e cativante.
— Não foi dessa vez que consegui levar você para uma
despedida de solteiro cheia de strippers — digo, brincalhão, e
recebo um tapa na nuca como resposta. — Vai dizer que você ia
odiar? São strippers, Dave. Esse tipo de presente não se nega.
— Eu detestaria. — Remexe em uma das araras, analisando
os vestidos. — E a Claire nunca me perdoaria.
— E quem garante que ela não iria em uma despedida com
homens usando cuecas dois números menores?
O olhar mortal que recebo poderia derrubar um jogador de
futebol americano.
— Você é ridículo. É por isso que seu único namoro é de
mentira.
Apoio o antebraço na arara e estico a coluna, tentando
relaxar. Meu corpo está fodido em níveis preocupantes que só me
fazem pensar na minha cama. O foda é que hoje ainda tem o
encontro duplo com a Angel. As chances de eu conseguir dormir
cedo estão bem próximas de zero.
Que cocô ambulante de dia.
— O lado bom é que me poupa das obrigações de ser um
namorado apaixonado 24 horas por dia. Tipo você — provoco e
Dave elimina um muxoxo, me dando as costas conforme caminha
pela loja. Impulsiono as pernas para frente, seguindo-o. — Estou
pensando em aderir aos namoros falsos depois que esse acordo
com a Anne acabar. O que você acha?
— Acho que você esqueceu do capacete hoje no treino e
bateu a cabeça com força demais no gramado.
Solto uma risada.
— É uma possibilidade.
Dave sacode a cabeça em negação e pega um vestido cheio
de lantejoulas
— Sabe o que eu realmente acho? — Ele não me dá a
chance de responder. É uma pergunta retórica. — Que está na hora
de você parar de mentir para si mesmo.
Pisco as pálpebras, confuso.
— Você precisa ser mais específico, Dave. Eu não sou a
porra do Edward Cullen que lê mentes.
Ele dá uma risadinha pelo nariz e pega mais um vestido.
Dessa vez, é preto com um decote que imita um coração. Simples,
mas Claire sempre consegue transformar peças básicas em algo
único.
— Esse lance de fingir que a Anne não significa nada para
você já não rola mais — avisa. — Não comigo, pelo menos.
Um frio nada agradável atinge a boca do meu estômago.
Vomitar poderia ser uma boa possibilidade para sair dessa
enrascada que me meti.
— Eu nunca disse que ela não significava nada para mim. —
Desvio a atenção para a arara de roupas, remexendo nos cabides.
— Só que a sua presença era indiferente na minha vida.
Dave cruza os braços, os dois vestidos ficando pressionados
contra o seu peitoral largo.
— E ainda é?
— Não sei. É difícil de entender — respondo e ergo as vistas.
Dave me observa com curiosidade. — Não dá pra fingir que ela não
existe quando está, literalmente, dormindo embaixo do mesmo teto
que o meu.
— Você que convidou ela para morar com você.
— Foi o jeito que encontrei dela aceitar namorar comigo.
Cavar um buraco e me esconder dentro dele é o meu maior
desejo neste momento. Falar sobre Anne Scott me desperta
sensações estranhas, porque é difícil ordenar os pensamentos a
respeito do que tem acontecido nas últimas semanas.
É como pisar em um punhado de ovos recém botados.
— E depois?
— Ela vai encontrar um novo lugar para morar e seguimos
com as nossas vidas assim que a temporada de playoffs começar.
— E é isso que você quer?
Franzo a testa.
— Isso aqui virou a porra de um interrogatório e não estou
sabendo?
Dave suspira e se aproxima de onde estou. A nossa
diferença de altura é de poucos centímetros, então nossa linha de
visão é a mesma. Encaramos um ao outro em silêncio. E, para o
meu grande azar, fico com a leve sensação de que meu melhor
amigo sabe de alguma coisa que não quer me contar.
Os seus olhos não mentem. Ele é péssimo em disfarçar.
— Só estou querendo entender o que está rolando. As coisas
são esquisitas entre vocês dois desde a festa dos calouros.
A mera menção a aquela noite faz meu coração errar uma
batida. Às vezes, me questiono como as coisas seriam entre mim e
a Anne se eu não tivesse dito nada, se tivesse deixado rolar
naturalmente. Provavelmente não estaríamos aqui, com ela
bancando a minha namorada de mentira e me derrubando para fora
da sua cama.
— Ela me odeia porque falei uma merda logo que nos
conhecemos. Foi isso que rolou entre a gente naquela noite —
explico. — E ela só não contou nada para a Claire porque não
queria que o clima ficasse esquisito toda vez que nos
encontrássemos. E agora ela me odeia ainda mais porque estamos
juntos por causa de um boato.
Dave assente, taciturno, e vira de costas, retornando para a
arara de roupas. Franzo a testa, desacreditado com a sua rápida
mudança de expressão.
— Você fez todas essas perguntas e não vai dizer nada?
Os lábios carnudos dele se curvam em um sorriso.
— O que você quer que eu diga, Rollins?
— Um conselho, quem sabe.
— Sobre o quê, especificamente?
Bufo, já ficando irritado.
— Você é um pé no saco. Não acredito que somos amigos.
Uma risada é proferida e mais vestidos são escolhidos. Daqui
a pouco ele vai comprar a loja inteira de presente para a namorada.
— Ainda dá tempo de você pular fora.
Aponto o dedo em riste em sua direção.
— Na primeira oportunidade que eu encontrar, pode ter
certeza que o Bradley vai ocupar o seu cargo de melhor amigo. Não
dá pra continuar desse jeito, Morris.
O quarterback se limita a revirar as orbes em um círculo
perfeito e volta a caminhar por entre as araras. No entanto, antes de
mudar para a seção de lingeries da loja — onde ele vai gastar boa
parte do seu dinheiro —, Dave inclina ligeiramente a cabeça para o
lado e diz:
— O meu conselho é muito simples, Rollins. Não pise na
bola, porque Anne é uma garota bacana demais. Ela não merece
passar por uma situação ruim por sua causa.
Fico na defensiva.
— Eu nunca faria isso com ela.
Dave sorri de um jeito orgulhoso, as bochechas
acompanhando o subir de lábios.
— Eu sei.
E sem esperar por minha resposta, Dave gira sobre os
calcanhares e me deixa sozinho no meio de um emaranhado de
vestidos extravagantes que Anne Scott jamais usaria.
— Como vai ser?
Minha pergunta faz Reed virar o rosto em minha direção.
Estamos dentro do seu Jeep, com somente a luz do poste
iluminando o interior. Faz cerca de cinco minutos que ele estacionou
o carro em uma das vagas do Hambre, um restaurante de comida
mexicana aqui em Maple Hills.
Chegamos mais cedo que o previsto porque ainda não
decidimos como essa noite vai ser — e tampouco que história
iremos contar para Angel. Estou um pouco nervosa, porque ela é
uma das responsáveis por esse namoro falso existir, embora não
faça ideia disso. Na cabeça dela, Reed e eu estamos envolvidos há
mais tempo do que somente um mês.
— Você tem alguma ideia?
Solto o cinto e me acomodo melhor no banco do passageiro.
— O que você disse para ela quando contou sobre mim?
Reed coça a nuca, pensando. A manga da camisa sobe uns
pequenos centímetros, revelando o relógio de pulso que deve custar
o valor da minha casa em Sunbay.
Às vezes, eu me esqueço que ele é rico e que bancar esse
jantar não será nenhum problema para ele. Para mim, no entanto, a
única forma de conseguir jantar no Hambre é cobrindo os turnos de
Becky na lanchonete todos os sábados do mês.
— Nada demais, além de que não revelamos o namoro antes
porque não tínhamos certeza se era o momento certo.
Bato palmas.
— Perfeito. Isso dá a chance da gente dizer que começamos
a nos envolver há uns dois meses. Pode ser?
Reed assente, os olhos longe dos meus. Ele está distante
desde que saiu do meu quarto para se arrumar. Nada de
brincadeirinhas ou provocações a respeito da minha roupa. A única
reação dele foi esboçar um rápido sorriso e abrir a porta para que eu
entrasse no Jeep.
Esquisito.
— Okay, então estamos há dois meses juntos e
perdidamente apaixonados um pelo outro — tagarelo. — E o que
mais?
Os dedos compridos batucam no volante.
— Me diga cinco coisas sobre você.
— O quê?
— Cinco coisas sobre você, Annie. Um namorado
normalmente sabe dessas baboseiras.
Faço um barulhinho com a boca, me amaldiçoando por não
ter pensado nisso.
— Minha cor favorita é azul. Não gosto de Friends e nem de
chocolate quente. Donuts e sanduíche de atum são o meu ponto
fraco. Quando eu tinha sete anos, quebrei o dente. — Coço a
pontinha do nariz enquanto tento me lembrar de mais coisas. — Não
vou te dizer o meu filme favorito porque isso tem que ser uma
surpresa e o mais importante de todos: detesto futebol americano.
Reed revira os olhos.
— É claro que detesta. — Vira o corpo, ficando de frente para
mim. — Minha cor favorita também é azul. Não gosto de filmes de
romance e nem de garotas loiras que bancam as espertinhas. Quero
jogar profissionalmente pelo New England Patriots e jogo futebol
americano desde os 10 anos.
Faço um sinal afirmativo com a cabeça.
— Acho que é o suficiente. Só estou decepcionada por você
não gostar de filmes de romance. — Projeto o lábio inferior para
frente, decepcionada. — Nosso namoro está fadado ao fracasso por
causa disso.
Reed abre um sorriso e dá um peteleco no meu nariz.
— Não precisamos de filmes de romance. Eu já sou
romântico o bastante.
Deixo escapar uma risada baixa e aponto com o queixo para
o restaurante.
— Estou pronta. E você?
Ele solta um longo sopro de ar e estica o braço, procurando
por minha mão. De forma automática, como se fosse um gesto que
eu fizesse todos os dias, entrelaço os meus dedos junto aos seus.
Ainda é um negócio esquisito, porque esse gesto representa um tipo
de intimidade que não temos.
No entanto, sei que isso faz parte do acordo e da mentira que
estamos contamos juntos. Nada além.
— Vamos lá mostrar como ser um casal de verdade,
joaninha.
Dou risada da sua escolha de palavras e salto para fora do
carro. Reed contorna o para-choque e rodeia minha cintura com o
antebraço, me puxando para mais perto. A aproximação, se fosse
semanas atrás, teria me despertado uma vontade imensa de sair
correndo. Hoje, no entanto, já estou acostumada a sentir o calor do
seu corpo aquecendo o meu.
— Você sabe quem é o namorado da Angel? — pergunto
enquanto subimos os degraus que levam à porta de entrada do
restaurante.
— Não faço a mínima ideia. — Reed faz um sinal para que eu
entre primeiro. — Mas espero que ele não seja mais bonito que eu.
— Mesmo que seja, vou fingir que ele é feio só para não te
magoar.
Ele leva a mão ao coração, emocionado.
— Muito obrigado, Annie. É por isso que somos namorados.
Mando um beijinho no ar e enrosco meu braço ao redor do
seu. No mesmo instante em que as luzes amarelas do Hambre
pinicam em minhas vistas, escuto o gritinho animado de Angel, ao
longe, nos chamando.
— Talvez eu tenha esquecido de mencionar que ela é meio
animada demais — Reed sussurra em meu ouvido conforme Angel
se aproxima de onde estamos.
Como da primeira vez, Angel exibe uma áurea invejável de
beleza. Os cabelos escuros foram presos para o alto, revelando o
pescoço esguio e a pele pálida das clavículas. Os lábios pintados de
vermelho juntamente do vestido amarelo a deixam idêntica a Branca
de Neve.
— Eu já estava pensando que vocês tinham desistido de vir
— diz, ao nos cumprimentar com beijos estalados. — Estávamos
quase cedendo à fome e fazendo os pedidos.
— A gente se empolgou um pouco antes de vir. — Reed dá
uma piscadela, arrancando uma risada de Angel. Ele acabou de
dizer que... Meu Deus. — E onde está o seu namorado misterioso?
— Escolhemos uma mesa mais reservada. — Indica os
fundos do restaurante. — É por aqui.
Angel caminha alguns passos à nossa frente. Aproveito o
momento de distração para dar um beliscão no braço de Reed. Ele
geme, me fuzilando com o olhar.
— Qual a porra do seu problema? Achei que estava tudo bem
entre a gente — reclama baixinho para que não sejamos ouvidos.
— Você acabou de insinuar que a gente se atrasou porque
estávamos transando.
— Talvez você tenha se esquecido, mas não custa relembrar.
— O hálito pinica no meu pescoço. — Namorados costumam
transar, principalmente aqueles que estão em começo de
relacionamento.
Movo minhas íris de encontro às suas. Dura curtos segundos,
porque não quero correr o risco de tropeçar e cair, mas é tempo o
bastante para que eu deixe a minha mensagem muito clara: vou
matá-lo quando chegarmos em casa.
— Não somos como os outros casais. Decidimos esperar.
— Uma porra que decidimos esperar. No meu mundo de
mentiras, eu já te peguei de quatro várias vezes.
Abro a boca para despejar uma quantia absurda de insultos,
mas Angel se vira novamente para nós. O rosto dela carrega um
semblante tão carinhoso que me esqueço do que senti aquele dia
na cafeteria. Agora, ela não me soa nada intimidante. É somente
uma garota apaixonada que precisou recorrer a Reed para poder
viver seu novo relacionamento em paz.
Nessas horas, eu odeio o quanto os estudantes da USVL
conseguem ser cruéis.
— Bom, não adianta mais fazer mistério. — Dá um pulinho,
animada. — Quero que vocês conheçam o Micah.
Dito isso, o garoto sentado na mesa atrás de Angel se
levanta e vem nos cumprimentar. Ele exibe um sorriso tão grande
quanto o da namorada, de forma que um pequeno buraquinho no
centro do queixo acaba surgindo. Assim como a barba que cobre a
mandíbula, as sobrancelhas e os cabelos são em um escuro de
castanho, combinando com o tom dos olhos.
Micah é meio mauricinho, eu diria. Consigo facilmente
imaginá-lo usando uma gravata borboleta e mocassins em um dos
eventos chatos que os pais da Claire oferecem anualmente.
— É um prazer conhecê-los. — Ele cumprimenta Reed com
um aperto de mão e depois deposita um suave beijo no dorso da
minha. — O grande Reed Rollins e a inesquecível Anne Scott.
Uau.
— O prazer é todo meu — Reed diz de um jeito tão educado
que fico surpresa.
Angel murmura algo que não consigo prestar atenção e
aponta para a mesa. Nos acomodamos lado a lado, com o novo
casal sentado à nossa frente. A combinação entre eles é curiosa.
— E então, Micah, de onde você é? — meu namorado de
mentira questiona, esticando o braço e pousando-o sobre meu
ombro. — Percebi que você tem um leve sotaque britânico.
A ponta do nariz de Micah cora de um jeito fofo.
— Sou de Leeds, uma cidade do norte da Inglaterra —
explica. — Meu pai é piloto de avião, enquanto a minha mãe se
aposentou da carreira de modelo faz uns bons anos. A gente decidiu
se mudar para os Estados Unidos mais ou menos nessa época.
Eles queriam um pouco mais de sossego.
— Deve ter sido difícil a adaptação.
— Em partes. — Micah concorda. — Sinto saudades de
Leeds, mas estar aqui em Maple Hills não é nada mal. Ter Angel ao
meu lado, melhor ainda.
Ela se derrete na cadeira e pousa a cabeça no ombro do
namorado, suspirando de forma prolongada.
Reed arqueia sutilmente as sobrancelhas para mim e
entendo como um sinal. Puxo minha cadeira para mais perto da sua
e cruzo as pernas, de forma que a ponta do meu sapato toca a sua
panturrilha. Aproveito a oportunidade e pouso minha mão sobre a
coxa musculosa.
— E como foi que vocês se conheceram? — indago.
Sou obrigada a afugentar um gritinho assustado ao sentir a
ponta dos dedos de Reed passearem por minha pele em uma
carícia lenta. Como o vestido que estou usando é um tomara que
caia, meu colo e braços estão completamente nus. Controlar a onda
de arrepios é difícil pra cacete.
— Vou deixar essa história para a Angel, porque ela adora.
Angel dá uma risada e se curva sobre a mesa.
— Eu estava com dúvidas sobre alguns papéis a respeito da
minha bolsa de estudos e fui até o setor administrativo do campus.
Estava tão distraída que não percebi o momento em que esbarrei
com o Micah no corredor. Quando olhei para ele, a única coisa que
se passou na minha cabeça era que ele era o homem mais bonito
que eu já tinha visto — conta. — Pedimos desculpas e ele foi
embora. Depois, quando cheguei na administração, adivinha quem
foi que me atendeu?
Reed arqueja um palavrão.
— Não brinca.
— Pois é! Micah resolveu o meu problema e antes de eu ir
embora, ele me passou o seu número de celular caso eu tivesse
alguma dúvida. E como eu não sou boba, já sabia que ele tinha um
pingo de interesse em mim.
Micah revira os olhos.
— É impossível resistir à sua beleza, Angel. No momento em
que te vi derrubando todos aqueles livros no chão e me pedindo um
milhão de desculpas, eu já sabia que você seria a mulher da minha
vida.
Não faço ideia de que forma reagir diante dessa declaração.
Me limito a morder o interior da bochecha enquanto vejo Angel e
Micah declararem o seu amor de um jeito que eu jamais vou
conseguir fazer. Me sentir vulnerável dessa forma, a ponto de
entregar meu coração para outra pessoa cuidar, ineditamente me
causa uma sensação de sufocamento.
O constrangimento causado pelo silêncio é salvo pela
chegada do garçom. Angel e Micah aparentemente vêm aqui com
frequência, porque fazem o pedido sem nem olhar o cardápio. Reed,
no entanto, analisa os itens com atenção, a mão ainda deslizando
por meu braço, como se fizesse isso todos os dias.
— O que você acha de um Pozole[11]? — sugere.
— Por mim pode ser. Você vai comer o quê?
Ele abaixa o cardápio e olha para a minha boca.
— O mesmo que você.
Engulo em seco. De repente, aqui ficou tão quente quanto a
droga de uma sauna.
— Pode ver pra gente o Pozole — peço ao garçom. — E para
beber, dois Licuados [12]de framboesa.
O garçom assente e se afasta, dizendo que logo vai voltar
com os nossos pratos. O assunto, então, retorna para Angel e
Micah. Não faço muitos comentários, apenas escuto o que eles têm
a dizer, principalmente Micah. Ele mantém os ombros eretos o
tempo todo, passando uma energia de pessoa que se sente segura
consigo mesma e que consegue desenvolver uma conversa de
forma profissional.
Fico curiosa a respeito da sua idade. Ele é visivelmente mais
velho que a gente.
— Agora fiquei na dúvida a respeito de você, Reed. Rollins
não é o sobrenome de um dos melhores jogadores que o New
England Patriots já teve?
O corpo de Reed congela ao meu lado.
— É sim. — Ele concorda, a voz rígida. — Ricky Rollins é o
meu pai.
Micah assovia em aprovação.
— Suponho que você também jogue.
— Sim, estou nessa desde os dez anos de idade.
— Não deve ser nada fácil. Ricky era um monstro no esporte,
se não, um dos melhores que já vi.
Reed agita a perna embaixo da mesa, o desconforto com o
assunto ficando cada vez mais visível. Não sei o que está se
passando na sua cabeça, mas me vejo na obrigação de fazer algo.
Nem que seja algo minúsculo e insignificante.
Em câmera lenta, deslizo minha mão à procura da dele por
debaixo da mesa. Ao encontrar os dedos fechados em punho,
acaricio com a ponta do indicador o dorso em um pedido mudo de
permissão. Reed cede e entrelaça a mão ao redor da minha em um
aperto gentil. Aperto de volta, demonstrando que estou ali para ele.
— Ele é realmente muito bom. Tenho sorte de tê-lo como
meu pai.
— E como treinador também, certo? — Micah frisa. —
Porque para ser tão bom quanto ele, você precisa ser treinado por
alguém no mesmo nível.
Reed abre um meio-sorriso, anuindo a contragosto.
— Os treinos ajudam, é claro. Mas o time da USVL tem
muitos jogadores bons também. Não serei o único a ser draftado
pela NFL.
— Mas vai ser o único a conseguir uma vaga no melhor dos
times — Micah retruca. — Guarde minhas palavras, Reed. Eu
entendo do assunto e sei que, daqui a alguns anos, você vai estar
brilhando tanto quanto o seu pai.
A irritação com o tom desdenhoso de Micah começa a me
irritar e me intrometo na conversa. Angel não tem coragem para
isso. Ela está encarando a mesa de forma desconfortável desde que
o namorado metido abriu a boca.
— E mesmo que ele não seja draftado pelo melhor time do
mundo, Reed vai continuar sendo um jogador incrível. — Saio em
defesa. — Com ou sem Ricky Rollins no meio disso, ele é bom. Bom
pra cacete.
Micah trinca os dentes, sem saber o que dizer.
O aperto dos dedos de Reed ao redor dos meus se intensifica
e movo a cabeça para o lado. Ele já está com os olhos engolindo os
meus. Um sorriso tímido curva os lábios para cima.
— Você é a melhor do mundo, sabia?
Ele não diz isso em voz alta, então preciso fazer a leitura
labial e, quando compreendo as palavras, sacudo os ombros.
— Eu sei.
Reed balança a cabeça em negação e, pelos próximos
minutos, vejo-o fazer um esforço absurdo para seguir conversando
com Micah e Angel. O garçom também retorna com os nossos
pedidos e eu aproveito para encher minha boca de comida para
evitar qualquer tipo de xingamento. O Pozole está uma delícia, o
que ajuda a compensar a babaquice do Micah.
Dar um soco na cara dele seria uma ótima forma de
terminarmos a noite.
— Já que estamos falando sobre a vida, posso fazer a
pergunta de milhões, huh? — Angel bebe um gole da sua cerveja e
limpa a boca com o guardanapo. Sua atenção se mantém em mim e
Reed. — Como vocês dois souberam que estavam apaixonados um
pelo outro?
Porra.
Meu coração erra uma batida ao constatar que essa pergunta
não estava no nosso roteiro.
Me remexo na cadeira, desesperada para sair correndo
daqui, mas Reed pousa a mão sobre o meu joelho nu, os dedos
brincando para cima e para baixo. O semblante dele é de pura
calmaria.
— Não acho que tenha sido um momento em específico, mas
uma coletânea de pequenas coisas. — Reed olha para mim como
se houvesse corações saltitando de suas íris castanhas. — Me
apaixonei pela maneira em que ela sorri das piadas ruins que eu
conto, do jeito em que o nariz se franze na ponta quando estamos
provocando um ao outro e no som de sua risada nas noites que
passamos juntos. Me apaixonei quando nos conhecemos na noite
dos calouros, mesmo que ela tenha me achado um babaca. Me
apaixonei quando a última coisa que eu desejava era estar dando
uma parte do meu coração para outra pessoa.
O silêncio que se segue após a sua declaração faz as batidas
do meu coração se tornarem insuportáveis. Não duvido que Reed
consiga ouvir ele batendo insistentemente contra o meu peito,
pronto para partir as minhas costelas.
Puta merda.
Não acredito que ele acabou de dizer todas essas coisas.
É jogo sujo.
— Reed...
Ele balança a cabeça de um lado para o outro.
— Foi assim que eu soube que estava apaixonado por Anne
Scott. — Afirma para Angel e Micah, que nos observam petrificados.
— E se me fizerem essa mesma pergunta daqui algumas semanas,
terei outros milhões motivos para listar. Todo dia eu descubro uma
nova forma de amá-la.
Se meu corpo pudesse virar gelatina, pode ter certeza que
seria assim que ele estaria neste momento.
Derretido.
Dissolvido.
Zero consistência.
Feito somente de um líquido visguento e nada atrativo.
— E você, Anne? — Angel questiona. Não estou vendo seu
rosto, mas certamente há estrelas pipocando ao seu redor de pura
paixão. — Como soube que estava apaixonada pelo Reed?
Sorrio.
— Quando ele me beijou pela primeira vez. — Entro no jogo
de fingimento, determinada a mostrar que não vacilo. — Foi aquele
tipo de beijo que as garotas sonham em receber. Intenso. Quente.
Alucinante. Foi como se o mundo congelasse ao nosso redor e
existisse somente nós dois descobrindo que poderíamos ser ainda
melhores se estivéssemos juntos.
Micah assovia.
— Me soa bastante intenso.
— Você não faz ideia do quanto, Micah.
Reed aperta os lábios em uma linha reta e pousa o polegar
sob o meu queixo, levantando-o. Trocamos um olhar tão intenso que
poderia derreter a porra de uma calota polar no Polo Norte.
— Você ainda vai me matar um dia, joaninha.
Para tornar o fingimento ainda mais convincente, beijo a
ponta do seu nariz.
— Esse é o objetivo, zangão.
“E pela primeira vez, você esquece dos seus medos e seus
fantasmas”
You Are In Love | Taylor Swift
Jogo as chaves do carro em cima do aparador que fica no
vestíbulo e ajudo Anne a tirar os sapatos de salto. As luzes estão
todas apagadas, dificultando que enxerguemos um palmo à nossa
frente.
— Argh, eu odeio essa merda — Anne reclama ao chutar
para longe um dos sapatos. Ele quica no chão feito uma mola. — E
odeio mais ainda ter que usá-los.
— Era só você ter ido de tênis — argumento, equilibrando-a
com o meu braço conforme o outro sapato é tirado. — Ninguém iria
reclamar.
Anne resmunga um palavrão e relaxa os pés contra o piso.
Sem os saltos, seu tamanho diminui novamente. A diferença de
altura entre nós não é tão grande, talvez uns trinta centímetros, mas
por eu ser uma parede de músculos, ela fica minúscula ao meu
lado. Consigo escondê-la entre meus braços sem nenhuma
dificuldade.
— Você viu como a Angel estava vestida? Seria um crime eu
ir de tênis. Ela é intimidante pra cacete.
Dou de ombros e tiro a jaqueta, pendurando-a no cabideiro
ao lado da porta. Gesticulo para que Anne faça o mesmo. Ela se
livra do casaco, ficando somente com o vestido que deixa seus
seios bonitos pra cacete.
Uma tentação difícil de desviar o olhar mesmo na escuridão.
— Não reparei. Eu só tinha olhos para você.
Ela range os dentes.
— Nós não precisamos mais fingir, Reed.
— Mas isso não me impede de elogiá-la. — Movo os pés
para frente, encurtando a nossa distância. — Você está muito
bonita. Azul combina com você.
— Você também não está nada mal. — Coloca uma mecha
do cabelo atrás da orelha. — Essa pose de namorado apaixonado
combina com sua personalidade de irritante metido.
Rio.
— Você não consegue me elogiar sem soltar um insulto logo
depois?
Anne me mostra a língua, como uma criança de cinco anos.
— Eu ter me dado ao trabalho de pensar em um elogio já é
um avanço e tanto.
— Falando assim você me faz acreditar que, em breve, outra
coisa vai estar saindo da sua boca.
Ela resfolega e empurra meu ombro de brincadeira, revirando
as orbes.
— Você é tão babaca.
Aproximo a boca da sua orelha.
— Mais um insulto e eu juro que vou te dar umas boas
palmadas nessa sua bunda safada.
Mesmo com o ambiente escuro, consigo notar que a
provocação tem o efeito desejado. As sobrancelhas se franzem
minimamente em um sinal de desafio e os lábios se repuxam para
cima.
— Estou começando a achar que você é do tipo que fala e
fala, mas quando chega a hora de agir, acaba não fazendo nada. —
Empina o queixo. — Estou enganada?
Maldita.
— Não me teste, Annie. — Abaixo o tom a ponto de minha
voz não passar de um sussurro quase inaudível. — Porque não há
nenhuma garantia que a sua bunda vá aguentar.
Anne pisca os cílios, fingindo inocência.
— Minha bunda aguenta muitas coisas, Reed.
Rosno um palavrão, não querendo ter compreendido o
segundo sentido por trás de sua frase. Ela fez de propósito, não
tenho dúvidas.
Minhas mãos formigam para encurralar o seu corpo pequeno
contra a parede atrás de nós e deixar bem explícito que ele não vai
aguentar merda nenhuma.
— Isso é o que vamos ver.
Dou um passo para trás e viro as costas, deixando-a sozinha
enquanto rumo para a cozinha. Escuto uma reclamação baixinha e
logo em seguida o som dos seus passos me seguindo. Mesmo
descalça, Anne não consegue ser silenciosa.
Não sei se vejo isso como algo bom ou ruim.
— Você está me desafiando?
A pergunta é feita no mesmo instante em que acendo as
luzes que ficam pendentes sobre a bancada de mármore.
— Eu não ousaria. — Abro a geladeira, procurando pela jarra
d´agua. — Você já me estressa o bastante. Um desafio só tornaria
as coisas ainda piores.
Anne se aproxima do balcão e cruza as mãos sobre a
superfície.
— Vai desistir assim tão fácil, Reed? Achei que você fosse
melhor que isso.
— Eu não vou responder essa merda. — Procuro por dois
copos no armário, ainda me mantendo longe da mira do seu olhar.
— Mas não estou desistindo, apenas evitando alimentar uma onça
sedenta por sangue.
Anne dá risada quando entrego para ela o copo com água e
bebo um gole do meu.
— Agora sou uma onça? Nada de joaninha?
Travo a mandíbula para esconder o meu sorriso.
— Você sempre será a minha joaninha.
O silêncio nos engole de um jeito nada agradável. Anne gira
o indicador ao redor do copo e começo a me arrepender do que
falei. Ela vai sair correndo daqui cinco segundos, se a conheço bem.
— Eu vou subir — Anne cospe as palavras com pressa,
exatamente como suspeitei. Coloca o copo dentro da pia e me dá
um meio-sorriso. — Boa noite, Reed.
Não tenho a oportunidade de responder, porque Anne sai da
cozinha como se o ambiente estivesse pegando fogo.
Suspiro alto e fico encarando o espaço vazio que a ausência
dela deixou. O cheiro de morando predomina no ar, o que torna as
coisas ainda piores, porque se eu fechar os olhos, vou conseguir
sentir o seu corpo junto do meu. Vou conseguir sentir até a porra do
seu hálito pinicando em minha língua.
Xingo um palavrão e abandono o copo para trás, subindo
também. No entanto, antes de entrar no meu quarto, lanço um olhar
para a última porta no final do corredor. Um milhão de pensamentos
passam pela cabeça, mas os empurro com um chute imaginário.
Para com essa merda, Reed.
Dou voz ao meu consciente que banca o Rei da razão
sempre que pode e entro no quarto. Os troféus na parede
debocham de mim, mas não estou nem aí. Só tiro a roupa e entro
no chuveiro, consciente que nenhum banho frio vai ser capaz de
silenciar a minha mente.
Vai ser uma longa noite.
— A coisa foi boa no sábado?
Viro o rosto diante da voz de Mason. O time inteiro está no
gramado fazendo os aquecimentos antes do treino começar para
valer. É a parte que eu acho mais chata, porque isso dá margem
para que meus amigos me encham de perguntas sobre a noite de
dois dias atrás.
Aperto o passo, aumentando o ritmo da corrida, mas Mason
não tem nenhuma dificuldade em me acompanhar. Posso ser o
corredor dos Rebels Of Horizon, mas isso não quer dizer que eu
tenha me tornado o Flash.
— Foi boa.
Minha resposta evasiva não o agrada.
— É só isso que você tem a dizer? Que foi boa? — Ele
empurra o meu ombro de brincadeira. — Larga disso, Rollins. Quero
saber como foi de verdade.
Trinco os dentes.
— Por que você não pergunta para a Anne?
Mason assovia e Keeran, acompanhado de Dave, se
materializam ao meu lado em um tipo de feitiço assustador. Quase
tropeço em minhas próprias chuteiras por causa do susto. Como eu
odeio esses caras.
— Puta merda! De onde vocês saíram?
— A gente estava aqui esse tempo todo. — Dave passa a
mão pela testa, afastando o cabelo para trás e enxugando as
gotículas de suor. — Que papo é esse de você passar a noite com a
Anne? O Keeran acabou de me contar que você chutou ele e o
Mason para fora de casa.
— Não foi exatamente assim.
Keeran cospe um sorriso.
— É claro que foi, Rollins — insiste. — Agora conta pra
gente. Assistiram ao filme de mãos dadas e deram pipoca um na
boquinha do outro?
— Sabe o que vou dar na boca de vocês dois? — Keeran
abre um sorriso tão grande quanto os músculos do seu braço diante
da minha frase. — Um soco que vai arrebentar cada um desses
dentes. Vão ter que usar dentadura para o resto da vida.
Mason explode em uma gargalhada e acelera um pouco o
ritmo, ficando na minha frente. Vira-se então de costas, agora
correndo sem olhar para onde está indo. Estou torcendo para que
ele caia de bunda no chão.
— Não seja um velho chato de cinquenta anos. A gente só
está curioso — Dave questiona no seu tom calmo de sempre. —
Rolou alguma coisa ou não?
Inspiro o ar, compreendendo que eles não vão largar do meu
pé até que eu dê qualquer tipo de migalha a respeito da noite
anterior. O ruim é que não quero falar sobre a conversa que Anne e
eu tivemos envolvendo os problemas com o meu pai.
Foi um momento legal e que vai ficar só entre a gente. Se ela
quiser contar para a Claire, tudo bem, mas eu não vou abrir a minha
boca.
— Comprei uma caixa de donuts para Anne. Não tinha os
seus favoritos, então acabei pegando uns de chocolate. Ela gostou
do mesmo jeito — digo, sem olhar para eles. — Depois disso,
assistimos Top Gun – Ases Indomáveis. Ela odiou.
Keeran uiva feito um lobisomem, rindo logo em seguida.
Mesmo com a palhaçada, ele consegue acompanhar o meu ritmo.
Não estamos na frente, como JP e Chad, e nem por último, como
Bradley e Cooper. O que quer dizer que essa conversa tem
pequenas chances de ser ouvida por uma boa parte do time.
— É aquele filme com o Tom Cruise? Em que ele sobe em
cima de uma moto enquanto toca Take My Breath Away? — Dave
coça a sobrancelha, pensativo.
Sorrio só com a lembrança da cena. Mas, em vez da minha
cabeça projetar a imagem de Maverick e Charlie embalados em sua
primeira noite de amor, estou vendo Anne sentada no sofá com a
caixa de donuts repousando entre as pernas.
A boca manchada de chocolate não era um incômodo para
ela, mas era um problemão para mim. Porque, enquanto o filme
rodava na tela, eu só conseguia pensar como seria puxá-la para o
meu colo e beijá-la.
Beijá-la do jeito que tenho imaginado fazer desde que
coloquei os meus olhos nela na primeira vez. E isso já faz a porra de
um ano.
— Esse mesmo. — Concordo. — São poucas as pessoas
que sabem apreciá-lo de verdade.
Dave grunhe.
— Aparentemente, a sua namorada não está inclusa nessa
sua porcentagem esquisita — aponta. — E depois que ela odiou a
sua obra-prima, o que vocês fizeram?
— Nada demais.
Mason bate com as duas mãos no peito, simulando alguma
coisa que não consigo entender.
— Pare de enganar a gente, Rollins! Conta aqui pro
Henderson em detalhes. Prometo que não vou zoar vocês dois no
café da manhã.
— Já te falei, porra. Nada demais. Terminamos de comer os
donuts enquanto conversávamos e depois cada um subiu para o
seu quarto — resmungo. — Fim da noite.
Keeran murcha ao meu lado feito uma planta esquecida no
deserto.
— Inacreditável. Qual o problema de vocês dois? Passaram a
noite sozinhos e não fizeram nada. Vocês têm 16 anos de novo e
não me contaram?
Mason assente, concordando com o amigo. Dave se limita a
me encarar com uma expressão difícil de entender.
Esses três são uns babacas. Se eles estivessem lidando com
a companhia de Anne Scott como eu lido diariamente, saberiam que
não é assim que as coisas funcionam. Qualquer aproximação nesse
nível vai me render um chute na bunda e um soco no queixo.
— Acho que vocês se esqueceram da parte que ela me
odeia.
Mason revira os olhos. Diminuímos o ritmo das passadas e o
restante do time segue nos acompanhando. Bradley e Cooper dão
passos de tartaruga. Não duvido que tenham saído ontem e
chegaram pela manhã em casa.
O treinador Turner vai ficar puto.
— Esse lance aí é passado já. Se ela odiasse de verdade,
não teria concordado em namorar com você e ainda compartilhar o
mesmo teto — Dave argumenta.
— Foi uma troca de favores — relembro-o. — Um teto por um
namoro. Anne não se mudou por livre e espontânea vontade para a
nossa casa.
— Você está analisando as coisas da perspectiva errada,
Reed — Mason fala, me obrigando a encarar o seu rosto. — Já faz
um mês que Anne está morando com a gente. As coisas mudaram.
Arqueio a sobrancelha, curioso diante da sua análise.
— Tipo o quê?
— Talvez ela ainda te odeie, mas não nas mesmas
proporções que antes. Não dá pra odiar uma pessoa e também
namorá-la. Os sentimentos não batem.
Lanço um olhar para trás. Bradley e Cooper estão entretidos
nas brincadeiras que só eles dois entendem, alheios à nossa
presença. JP e Chad seguem a vários metros de distância,
concentrados no treino. Não devem estar nem aí para o que o
restante de nós está fazendo ou dizendo.
Ou seja, território limpo.
— Um namoro de mentira, quer dizer. — Meus pulmões se
contraem. Não é divertido conversar e correr ao mesmo tempo. —
Você está se esquecendo dessa parte.
— Um pequeno detalhe. — Sacode a mão, dispensando o
que acabei de dizer. — Aposto que nem ela mais se lembra disso.
Rio sem humor.
— Ah, pode apostar que se lembra, sim. Vida real não é um
filme dos anos 90, Henderson. — Dou um tapa na sua testa. — Para
de achar que a gente vai terminar namorando de verdade, com uma
cachorra chamada Luluzinha e com duas crianças correndo no
gramado.
Keeran contorce o nariz.
— A parte das crianças não me agradou, mas seria legal ter
um cachorro. A nossa casa está meio vazia desde que o hamster do
Mason morreu.
Mason faz um biquinho, tristonho.
— Sinto saudades do Faro Fino. Ele era um companheiro e
tanto.
Faro Fino era o hamster de Mason. Quando decidimos morar
todos juntos, o bicho já estava nos últimos momentos de vida.
Brincava vez ou outra na roda, mas passava boa parte do dia
dormindo. Acabou morrendo uns cinco meses depois do início do
semestre.
— Ele não fazia nada, Mason. Só ficava lá, existindo.
Os olhos do meu amigo se enchem de lágrimas. Fico em
pânico, mas ele explode logo em uma gargalhada escandalosa ao
notar a minha expressão.
Filho da puta.
— Ele era um bom companheiro exatamente por esse motivo.
— Flexiona os braços. — Estava comigo nos bons e ruins
momentos.
— E a gente não? — Keeran reclama.
Nessa altura, já não estamos mais correndo. Estamos
caminhando do mesmo jeito que Bradley e Cooper: a passos de
tartaruga. É vergonhoso para os jogadores que planejam chegar aos
playoffs.
— Você não sabe brincar em uma rodinha.
— E ele não sabia dar conselhos. Ponto para mim, porra. —
Dave agita as pernas para cima e para baixo, como se estivesse
correndo, mas sem sair do lugar.
— Aquele bicho ainda era o maior preguiçoso. Dava duas
voltinhas e já estava cansado — Keeran relembra.
Prendo a respiração para não rir.
— Ele era um senhorzinho de idade — Mason defende Faro
Fino como se o hamster ainda estivesse entre nós.
Faro Fino agora não deve passar de um monte de
minúsculos ossos enterrados nos fundos do jardim.
— Ele era sem graça, essa é a verdade. Admita, Henderson.
Mason grunhe.
— Não vou admitir nada. Você está insultando o meu
hamster.
Keeran está prestes a formular um argumento quando o apito
do treinador Turner ecoa em nossos ouvidos. E como se pudesse se
teletransportar com apenas um estalar de dedos, ele surge ao nosso
lado. Pousa as mãos grandes em um dos meus ombros, enquanto a
outra repousa no de Dave. Os olhos audaciosos miram Mason e
Keeran.
Ser alvo do olhar moral do treinador é o meu maior pesadelo
na Terra.
— Posso saber sobre o que os bonitões estão conversando
em vez de estarem treinando para o jogo da semana que vem?
— Nada demais.
— Hamster morto.
— Faro Fino.
As vozes dos meus amigos se mesclam e os dedos do
treinador afundam só um pouquinho no tecido da camiseta do
uniforme.
— Faro Fino? Que merda é essa?
Mason coça a nuca, envergonhado.
— Meu hamster, treinador.
Turner pigarra alto demais.
— Seu hamster se chama Faro Fino?
Olho de soslaio para Dave. Ele tenta manter a expressão
séria, mas não consegue. Os lábios pressionados em uma linha reta
denunciam sua falha tentativa.
— Se chamava. Ele morreu.
Dessa vez, sou obrigado a morder a minha língua. A
garganta está coçando loucamente para soltar uma risada.
— Oh! — O treinador se solidariza com um arquejo surpreso.
— Há quanto tempo?
Mason faz a conta nos dedos, quase em câmera lenta. Ele
não é ruim de datas. Sabe exatamente há quanto tempo o Faro Fino
morreu. Só está fazendo isso porque está se divertindo com a
situação.
— Quase um ano, eu acho.
O treinador bufa e dá um tapa na minha cabeça e no de Dave
ao mesmo tempo. Gemo com o ato, pego de surpresa com a
ardência contra a pele já aquecida por causa do sol.
— Um ano é tempo o bastante para vocês esquecerem a
existência desse rato e nunca mais se lembrarem dele no meio de
um campeonato. — Indica o gramado. — Voltem para o treino se
querem ir para os playoffs. Se quiserem chorar pelo bicho morto, o
banco está ali esperando vocês.
— Hamster, treinador.
O treinador Turner vira o rosto ao som da voz de Mason.
— O que disse, Henderson?
— Não era um rato. Faro Fino era um hamster.
Começo a correr antes de ouvir a resposta do treinador e
puxo Dave e Keeran comigo. Meio que saímos aos tropeços, mas
que se foda. É uma luta pela vida.
Se Mason quer ser morto antes do campeonato, o problema
não é meu.
Eu que não vou arriscar o meu pescoço.
O senhor Adkins caminha pelo púlpito com um sorriso
discreto. É como se ele estivesse escondendo um segredo que
ninguém mais deveria saber, mas que está se esforçando para não
contar.
— O que será que ele está tramando? — Reed pergunta
baixinho. — Alguma coisa tipo o Massacre da Serra Elétrica?
— Se isso aqui fosse um filme de terror, pode ter certeza que
você não demoraria muito para morrer.
Reed se remexe na cadeira, ficando de frente para mim. O
perfume masculino só me faz relembrar da noite em que assistimos
Top Gun – Ases Indomáveis. O cheiro de cravos com sândalo
impregnou na minha pele feito uma tatuagem.
— Ah, é? E posso saber por quê?
— Você é o típico estereótipo de filme de adolescente.
Popular entre as meninas, jogador de futebol americano, cheio da
grana e com um ego gigante para compensar a falta de caráter. —
Enumero as características. — Em filmes de terror, esse tipo de
personagem costuma namorar a garota loira com zero neurônios e
morrer logo depois de transar com ela em uma cena pra lá de brega.
A reação de Reed me pega de surpresa. Ele não dá risada e
nem me contradiz como imaginei que faria. Muito pelo contrário:
abre um sorriso de covinhas e estica as pernas, os pés se
escondendo embaixo da cadeira à nossa frente.
— Você só esqueceu um detalhe, mas muito importante
dessa história. — Ergo sugestivamente a sobrancelha, incentivando-
o a continuar. — Se estivermos mesmo presos em uma remake ruim
de O Massacre da Serra Elétrica, eu não estaria apaixonado pela
loira burra com zero neurônios.
— Não?
— É claro que não. — Toca a ponta do meu queixo. — Eu
estaria apaixonado por você. A loira inteligente que insiste em me
odiar, mesmo quando eu sei que é mentira.
Ranjo os dentes e empurro seu ombro, afastando-o de mim.
— Eu não sou o tipo de pessoa que mente.
Ele solta um sopro de ar e estica o braço, pousando-o sobre
os meus ombros. Não tenho dúvidas que alguns alunos nos
observam de um jeito nada discreto.
— Você é do tipo que finge, eu sei. Já entendi como funciona
seu jogo.
Viro o rosto para frente e encaro a parede. Obrigo minhas
feições a se manterem congeladas enquanto me mantenho em
silêncio. Reed dá uma risadinha cheia de sarcasmo e aproxima a
orelha da minha boca, sussurrando:
— E ele nunca me pareceu tão gostoso de jogar, Annie.
Meu nome soa de um jeito tão sedutor que me pego
apertando as coxas uma contra a outra. Minhas terminações
nervosas se agitam, rumando para um cenário que estou evitando a
todo custo de imaginar: Reed Rollins transformando em realidade
tudo aquilo que sai de sua boca irritante.
A saliva se torna mais espessa e a engulo com força.
Quase suspiro de alívio quando o senhor Adkins fecha a
porta do auditório e apaga as luzes. Ele não precisa dizer nada,
porque os alunos compreendem. O burburinho de conversas é
encerrado e resta somente o silêncio.
Agora não sei se estou ansiosa para o que professor tem a
dizer ou nervosa por causa das palavras cheias de duplo sentido
que Reed sussurrou.
Desgraçado.
Minha vontade de chutá-lo de uma janela acabou de triplicar
de tamanho.
Como se fosse capaz de ler a minha mente, em um estilo
meio Edward Cullen, Reed desliza levemente o polegar pelo meu
braço nu e afunda o nariz em meus cabelos, inspirando.
— Relaxa, joaninha — pede. — Consigo escutar os seus
pensamentos daqui.
— Então, você deve estar ouvindo que eles estão sedentos
para dar um chute no seu nariz.
Reed ri e se acomoda melhor na cadeira. Os dedos
permanecem dançando pelo meu braço em uma carícia mais do que
provocadora.
— Depois que essa aula acabar, a gente pode resolver isso lá
fora. O vestiário vai estar vazio. Ninguém vai nos descobrir.
— Você é irritante demais.
Para a minha sorte, Reed permanece calado durante os
próximos minutos. O senhor Adkins caminha até o computador e se
curva diante da tela. Logo em seguida, o projetor reproduz um
folheto repleto de informações com o ícone do PK Journal no topo.
Ofego.
Não preciso de mais de cinco segundos para entender o que
significa, porque já sonhei com isso mais vezes do que gostaria de
admitir.
— Hoje eu tenho uma notícia ótima para dar para vocês. Na
verdade, eu ia manter segredo, mas não consigo me conter. — Os
alunos dão risada de sua fala. — Uma vez por ano, o jornal mais
prestigiado do condado de San Valley abre três vagas de estágio
para diferentes áreas. Eu trabalhei no PK Journal por dez anos e foi
uma das experiências mais transformadoras da minha carreira.
Tenho consciência que não serão todas as pessoas que terão essa
oportunidade, mas se algum de vocês tem interesse em ser um
profissional que atua com dignidade, ética e respeito, iniciar seus
primeiros anos de trabalho no PK Journal é a melhor decisão a ser
tomada.
Se fosse possível, meu coração já teria saltado para fora do
peito.
É a oportunidade que estou buscando desde que fui
aprovada na USVL.
No ano passado, quando os professores divulgaram as vagas
de estágio no PK Journal, não consegui nem passar da primeira
fase. Fiquei super triste. Magoada em níveis preocupantes. Quis
desistir do Jornalismo diante do primeiro não que recebi.
O sermão que Claire me deu naquela época foi o suficiente
para eu entender que não deveria desistir.
O professor continua a falar, sua voz preenchendo cada
espaço vazio da minha mente. Quero manter os pés no chão, mas é
impossível não criar expectativas. Essa vaga precisa ser minha.
— As informações para concorrer às vagas vão estar no site
do PK Journal e, quem tiver interesse, pode se inscrever. Como no
ano passado, serão duas fases e quatro vagas. Eu vou participar de
uma das fases do processo, então estarei de olho em vocês. — Ele
dá uma piscadela divertida. — Alguma dúvida?
Durante os próximos minutos, o senhor Adkins se dedica a
responder às perguntas dos alunos. Eu aproveito o momento e puxo
o meu celular do bolso da mochila. Abro o site do PK Journal e
sorrio comigo mesma enquanto leio as informações sobre a vaga de
estágio.
— Você vai tentar?
O som da voz de Reed me faz levantar as vistas. Ele
continua na mesma posição de antes, mas agora os braços
descansam nas laterais da cadeira.
— Não só tentar, como vou fazer de tudo para conseguir —
digo e volto a atenção para o celular. São quatro vagas em
diferentes editorias. — Você sabe que meu sonho é trabalhar nesse
jornal.
— E você vai conseguir — afirma. — Posso te achar um pé
no saco na maior parte do tempo, mas eu não estava brincando
quando disse que você é inteligente e pode conseguir tudo o que
quiser.
Arqueio a sobrancelha e abaixo o celular. Analiso suas
feições, procurando por algum traço que indique que ele está
zoando com a minha cara, mas Reed se mantém sério.
— Isso, por acaso, foi um elogio?
— Pode parecer meio bizarro para você, mas eu não tenho
dificuldades em elogiar as pessoas, Annie. Não dói nada.
Recomendo você tentar, pode fazer bem para a sua alma sombria.
— Eu sei elogiar as pessoas, okay? — Empino o queixo. — O
problema é encontrar elogios para você.
— Eu devo ser mesmo muito ruim. Um saco de lixo
ambulante.
Aperto os lábios para evitar dar uma risada. Estar na
presença de Reed era mais fácil quando não sabíamos tanto um
sobre outro. Agora eu passo quase 24 horas do meu dia ao seu
lado. É inevitável não me divertir na sua companhia.
— Um saco de lixo com um lacinho no topo — provoco-o. —
Mas ainda é o melhor namorado que eu poderia ter.
— E por falar em namorado... — Reed se inclina para frente.
A luz do palco ilumina seus traços, deixando-o bonito pra cacete.
Deve ser a droga dessa barba rala que ele deixou crescer nesses
últimos dias. — Vai ter um jogo em West Falmouth na semana que
vem. Seria legal se você fosse.
West Falmouth é uma cidade que fica a cerca de duas horas
e meia de distância de Maple Hills. Fui lá pouquíssimas vezes,
quando criança. É um lugar bonito.
— E onde eu ficaria?
— O time normalmente fica no hotel. Posso dar um jeito de
conseguir um quarto para a gente.
Rio.
— Eu não vou transar com você.
Reed levanta a sobrancelha esquerda de forma debochada.
— Ninguém disse nada sobre transar.
Ranjo os dentes.
— Eu conheço suas táticas, Reed. Você não me engana.
Ele passa a língua pelos lábios e afunda os dedos no couro
cabeludo. O cabelo castanho é empurrado para trás, as mechas
ficando bagunçadas, como se ele tivesse acabado de transar.
Merda.
Antes que imagens de Reed seminu possam habitar a minha
mente e despertar novamente o formigamento entre as minhas
pernas, eu desvio o olhar. Me obrigo a prestar atenção somente no
celular e nas informações sobre a vaga de estágio.
— Então, você vai ou não?
Pondero.
Minha consciência sabe que boatos surgiriam se eu deixasse
de ir no jogo e West Falmouth nem é assim tão longe. Se minha
memória não estiver tão ruim quanto a da Dory de Procurando
Nemo, Claire costuma acompanhar as partidas de Dave fora de
Maple Hills.
Ela é a maior fã de ver o namorado em campo. Só falta
erguer um cartaz com o nome de Dave impresso em caixa alta e
usar uma camiseta com o rosto dele estampado no centro.
Será que a definição de estar apaixonada é isso?
Confeccionar uma camiseta com o rosto do meu namorado e
combinar os nossos sobrenomes na última folha do caderno? Que
pesadelo horrível.
— Vou pensar no seu caso.
Aposto que tenho uma dívida de jogo na vida passada.
Devo ter sido um lorde viciado em frequentar casas noturnas
e torrar meu dinheiro com jogos de azar e bebida com gosto de mijo.
Única explicação plausível.
— Não vou vestir essa merda.
Anne dá uma risadinha que faz suas bochechas se elevarem,
os cílios tocando a pele corada. Mesmo irritado, tenho que
concordar que ela está bonita.
— Você vai sim. Faz parte do combinado, Reed.
Resmungo um palavrão.
Hoje é o aniversário de Claire. E, como é de conhecimento
geral, ela não costuma decepcionar em suas festas. No entanto,
esse ano ela decidiu seguir por um caminho mais ousado. Todos os
convidados, sem exceção, devem ir fantasiados.
E não pode ser uma fantasia qualquer. Tem que ser algo fora
do comum. Nada de anjinho e diabinha. Isso é para quem não tem
criatividade nenhuma.
E Claire Howard e criatividade são duas palavras que
caminham juntas no dicionário.
— Para de ser um pé no saco — Anne grunhe, se curvando
sobre a cama e tirando as nossas fantasias de dentro do saco com
zíper. — Quando Keeran deu a ideia para a gente, você achou legal.
Agora vai bancar o bunda mole?
Okay.
A proposta de fantasia não é ruim. O que me incomoda é o
fato de que irei em uma festa repleta de universitários usando uma
calça social, uma camisa de botões e um paletó preto. Sem contar
os sapatos que, de tão ilustrados, podem refletir as luzes do teto.
Vou sair diretamente do aniversário para uma reunião de
negócios com o Christian Grey.
— Eu tinha me esquecido da parte em que vou passar a noite
vestido igual a um CEO.
Anne revira os olhos e me entrega a camisa, juntamente da
calça e o paletó. O traje completo de John Smith.
— Um assassino de aluguel — me corrige, dando um tapinha
no meu peitoral. — Tire logo essa roupa e se vista. A gente já está
atrasado.
— Esse é o jeito que você encontrou para me ver só de
cueca? — Abro um sorriso malicioso. — Porque você sabe, Annie. É
só pedir que eu faço. Não precisa fazer nenhum tipo de joguinho.
— Quando esse dia chegar, não tenha dúvidas de que vou
cair dura no chão — rebate. — Meus olhos não vão sobreviver a
tamanho horror.
Inclino a cabeça para o lado, ao mesmo tempo em que uso a
mão livre para puxá-la para mais perto. Anne tropeça nas próprias
pantufas e espalma as palmas em meu peitoral para não perder o
equilíbrio. A quentura da pele atravessa a regata fina que estou
usando.
— Você é uma péssima mentirosa. — Dedilho a coluna dela
coberta apenas pelo fino roupão de seda. — Não faz mal admitir
que você sente tesão, Scott. Porque... — Subo mais um pouco,
parando na altura do seu pescoço. Enrolo os dedos ali e curvo a
cabeça para trás, obrigando que os olhos me encarem. — Eu
também sinto.
Anne hesita e engole em seco. A ponta das unhas afundam
em minha pele. A atmosfera que nos cerca muda, se tornando mais
densa. Até o ar fica mais difícil de puxar para os pulmões.
— Não vou admitir nada. — Semicerra as pálpebras, me
desafiando. — Porque não estou sentindo tesão nenhum.
Afugento uma risada amarga.
Fazer Anne Scott abaixar a guarda é um desafio que vai me
render incontáveis dores de cabeça. Ela não faz o tipo que cede.
— Eu posso verificar com os meus próprios dedos, então?
Anne estreme, mas se recupera tão rápido quanto um
foguete. Eu, no entanto, não perco a oportunidade de fazer uma
mínima pressão em seu pescoço. Meu pau se anima só com a
possibilidade de repetir essa mesma cena com ela deitada nua na
minha cama.
Ou usando somente aquela lingerie vermelha que faz os seus
seios ficarem empinados e sedentos para serem chupados por
minha língua.
— Avance um centímetro e vai sofrer as consequências. Não
se esqueça que a Jane não hesitou em explodir o John — sibila. —
Eu também não vou pensar duas vezes em acabar com você.
Abaixo o rosto e trocamos um olhar que incendeia minhas
veias.
— Eu bem que te acharia bem sexy apontando uma arma
para a minha cabeça. — Inclino o pescoço para o lado e resvalo os
lábios em sua mandíbula. Anne estreme por debaixo da minha mão
que não está segurando a fantasia de John Smith. — E seria um
tesão do caralho ver você explodir a casa inteira. Eu não me
esqueci das suas ameaças incendiárias, Scott.
Anne abre um sorriso malicioso.
Um sorriso que eu estava morrendo de saudades de ver.
Eu adoro provocá-la com brincadeiras bobas, mas nada se
compara à versão que assumimos quando as palavras seguem para
um rumo mais sujo.
— Você quer fogo, Reed?
— Eu quero muitas coisas, Anne — digo seu nome como se
fosse um segredo que ninguém mais pudesse saber. — Mas um
pouco de fogo estilo Jane Smith seria ótimo para nós dois.
A língua bate no céu da boca e entrego a ela o controle da
situação. Sei exatamente a maneira que Anne gosta de brincar
comigo.
Por isso, não faço nenhuma objeção quando suas mãos
empurram o meu peito para trás e minhas costas atingem a cama.
Abro as pernas, deixando que ela se acomode entre elas, ainda de
pé. A visão é de encher os olhos de qualquer um.
Eu, um jogador de futebol americano com mais de um e
oitenta de altura, sendo dominado por uma loirinha que é tão
ameaçadora quanto um chihuahua.
— Tem certeza disso? — questiona. — Você pode se
queimar.
— Eu não ligo.
Anne ofega baixinho e se inclina para frente. Um dos joelhos
afunda no colchão, enquanto as mãos repousam em meu peitoral.
Mordo o interior da bochecha com força para evitar que meu corpo
reaja.
— Se eu fosse você, tomaria mais cuidado.
Arqueio levemente o pescoço para trás, mirando sua face. As
bochechas coradas, os olhos maquiados com um risco preto e os
lábios livres de batom me fazem desejar inverter as nossas posições
e beijá-la de uma vez por todas.
Detesto essa tensão sexual infinita.
E detesto mais ainda que Anne negue o que está
acontecendo entre a gente.
Não posso ser o único a sentir isso.
— Eu sei me cuidar.
Anne imita um biquinho tristonho e desliza a ponta do
indicador por meu peitoral, subindo pelo tecido da regata e parando
na altura da minha boca. Ela empurra meu lábio inferior para baixo e
eu resfolego em resposta.
— Se eu fosse você, me cuidaria ainda mais. — Curva a
coluna para frente e o tecido do roupão de seda desliza por seu
ombro, revelando parcialmente a curva do seio direito. —
Especialmente essa noite, senhor Rollins-Smith. Nunca se sabe
quando haverá uma assassina de aluguel determinada a acabar
com a sua vida.
Não tenho a chance de tocá-la, porque Anne prevê o meu
movimento e se afasta, dando um passo para trás. Uma curta risada
lhe escapa, mas há um traço de nervosismo por trás. Ela bem que
pode tentar disfarçar, mas eu já conheço suas táticas para se
esconder.
Sorrio por dentro, consciente de que não fui o único a quase
perder o controle.
— Agora, vá se arrumar, Reed — pede, apontando para a
porta que dá acesso ao corredor. A mudança repentina de
expressão não condiz com o tom rosado da pele dela. — Antes que
eu encontre outro namorado falso para ir comigo.
Me sento na cama e pego as peças de roupa já esquecidas.
Antes de sair do quarto, no entanto, dou uma última olhada em
direção a Anne.
— Você só se esqueceu de uma coisa, Scott-Smith. — Faço
a mesma combinação de sobrenomes que ela fez comigo. — Por
essa noite, eu também sou um assassino de aluguel. E não vou
pensar duas vezes em explodir uma cozinha inteira para ter você só
para mim.
Não dou a ela a chance de responder.
Saio do quarto e fecho a porta com o meu coração prestes a
sair pela boca e cair no chão a qualquer momento.
Porra.
Uma vez, me disseram que a família Howard era especialista
em realizar as melhores festas. Não importava se fosse uma
comemoração íntima entre amigos, o anúncio de um noivado na
família ou um simples evento para festejar alguma data especial.
Eles sempre souberam surpreender os seus convidados.
E Claire Howard sabe honrar as suas raízes, porque o que
estou vendo diante de mim é, provavelmente, uma alucinação vinda
de outro mundo.
Puta merda.
Ela não estava brincando quando disse que queria
comemorar os seus vinte e dois anos em grande estilo.
— Uau! — Anne assovia um elogio ao ver a fachada da
irmandade Sigma Nu decorada com luzes brilhantes e um tapete
vermelho na entrada. Tem até uma estatueta imitando o icônico
Oscar. — Ela pegou pesado dessa vez. Nem que eu trabalhasse a
minha vida toda, conseguiria pagar uma festa dessa.
Escondo uma das mãos dentro do bolso da calça, enquanto a
outra descansa confortavelmente na cintura de Anne.
— Não se preocupe com isso. Suas próximas festas de
aniversário serão bancadas por mim. Serei a estrela da NFL em
breve. Ou seja, dinheiro não vai ser um problema no nosso
relacionamento.
Recebo um beliscão de leve no meu bíceps.
— Não quero festa nenhuma, Reed. Ainda mais se for
bancada por você.
Reviro os olhos e indico com o queixo a entrada ornamentada
da irmandade. Anne entende o meu sinal e começamos a caminhar
pela calçada, até alcançarmos o tapete vermelho. Ao lado da
estatueta do Oscar, há um segurança de terno e gravata. Ele pede
por nossos nomes, checa a lista e libera nossa entrada.
— Quando você faz aniversário, a propósito? — pergunto, ao
atravessarmos as portas duplas.
Anne demora para responder. A atenção dela passeia pelo
espaço, parando por mais tempo no imenso lustre pendurado no
teto e terminando na parede de espelhos. Observamos, juntos, o
nosso reflexo de corpo inteiro.
Mesmo com os sapatos, ainda há uma diferença de altura
entre nós. No entanto, a maneira segura que Anne se equilibra em
cima dos saltos e exibe esse vestido preto a deixam tão alta quanto
eu. Ela tem um magnetismo que prende feito uma cola resistente.
— Se eu falar, você vai fazer uma festa?
— Se eu fizer, você vai me odiar ainda mais?
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior e gira o pescoço,
me encarando agora cara a cara.
— Não acho que seja possível te odiar ainda mais, Reed —
murmura, séria, mas noto um traço oculto de diversão na voz. —
Mas, se você fizer uma festa, pode ter certeza que vou tacar água
sanitária em suas roupas favoritas.
Rio e entrelaço nossas mãos. Meu polegar brinca com o
interior do seu pulso em uma carícia que meus dedos já fazem de
forma inconsciente.
— Sempre dando um jeito de me ver pelado. Você precisa
ser mais sutil, Annie. Ou, se quiser, pode pedir com todas as letras.
Tirar a roupa para você não vai ser um problema.
— Você é um chato, sabia?
— Só quando estou com você.
— Essa é sua maneira de dizer que também me odeia, por
acaso?
Nego.
— Essa é a minha maneira de dizer que gosto de ter você na
minha vida.
A confissão atinge a nós dois igual a um trem desgovernado.
Não sei qual direção vamos tomar, se vamos avançar alguns passos
nessa estranha relação ou regredir para um terreno que nos era
seguro há semanas. Lidar com Anne é como pisar em ovos.
Fixo minhas íris nas suas e vejo o pavor cintilar ali. Brilha
tanto quanto um letreiro de beira de estrada. Anne pede socorro em
dez idiomas diferentes.
— Esquece o que eu disse. — Faço um movimento com a
mão, querendo empurrar o constrangimento para longe. — Claire já
deve estar preocupada com o nosso atraso.
Faço menção de caminhar com Anne ao meu encalço em
direção às portas que levam para a festa, mas sou impedido pelo
aperto dos dedos ao redor dos meus. Olho para baixo e depois para
o seu rosto.
Anne parece meio envergonhada. Acanhada, até.
— Eu também gosto de ter você na minha vida, Reed. —
Encolhe os ombros. — Mesmo que você seja um pé no saco na
maior parte do tempo.
Abro um sorriso tão grande que até minhas gengivas devem
estar visíveis.
— E pode esconder esse sorrisinho convencido aí. — Aponta
para a minha boca, o dedo em riste. — Porque eu jamais vou admitir
isso de novo. Foi coisa do calor do momento.
— É claro, Annie. — Aperto os lábios e obrigo meus pés a se
manterem fixos no piso. Eu poderia sair pulando por aí igual a um
canguru de desenho animado. — Vou fingir que foi alucinação
minha.
— Muito obrigada.. — Agradece ironicamente e engancha o
braço ao redor do meu. — E respondendo a sua pergunta... Eu faço
aniversário dia 20 de maio.
Faço um biquinho e aproximo minha boca da sua orelha,
sussurrando:
— Sabe o que isso significa? — Anne balança a cabeça e
aproveito para afundar o nariz na curva do seu pescoço. — Que
terei que fingir ser o seu namorado até lá para poder bancar uma
festa de arromba.
Ela pragueja um palavrão que é abafado pelo som da festa,
mas sei que está sorrindo.
Porque eu também estou.
Sorrindo pra caralho.
Claire está deslumbrante em seu vestido idêntico ao de
Tiana, do filme A Princesa e o Sapo. Os diferentes tons de verde
combinam com a sua pele negra-escura, evidenciando a tonalidade
dos olhos. Desta vez, as inseparáveis perucas foram dispensadas,
revelando o seu cabelo cortado bem curtinho.
Os detalhes da sua fantasia são tão perfeitos que ela poderia
facilmente se passar por uma princesa perdida de um reino distante.
Dave também não fica para trás. E é claro que ele viria de
Príncipe Naveen, o par de Tiana. Os dreads foram presos em um
coque no topo da cabeça e, não sei como, mas ele está usando o
mesmo casaco verde escuro com a capa verde clara que Naveen
usa no filme.
Mas se tem uma coisa que aprendi sendo amiga de Claire, é
que não dá para duvidar de suas capacidades. Quando o assunto
envolve roupas e moda, ela atravessaria um oceano inteiro só para
encontrar a peça perfeita.
E se tratando de uma fantasia para o seu namorado, ela
pegaria até mesmo um foguete para Júpiter, se pudesse.
— O que você acha que eles estão aprontando? — Mason
pergunta do meu lado, segurando um copo com refrigerante em
uma das mãos, e na outra, um cupcake com um sapo desenhado no
topo. O sapo é Naveen, no caso. — Dave comentou alguma coisa
sobre uma surpresa para a Claire.
— É isso mesmo. — Reed concorda ao meu lado. — Uma
surpresa para Claire em comemoração ao seu aniversário.
— Você sabe o que é? — questiono.
Reed me lança um olhar que dura mais tempo do que
deveria.
Depois que dançamos na pista de dança — e descobri que
ele não tinha dois pés esquerdos —, um frio desagradável tem feito
morada na minha barriga. Cada vez que seus dedos me tocam e
sua atenção repousa em mim, o calor sobe pela garganta, se
tornando difícil de respirar.
Não é nada legal. Mas não sei como refrear essa sensação e
chutá-la para a puta que pariu.
— Não faço ideia. Ele não quis me contar.
Reed leva o copo de bebida aos lábios, dando um rápido gole
e me entregando. É um drinque sem álcool, como todos os outros
que ele tem preparado para mim ao longo da noite. É fofo da parte
dele, considerando que tenho que trabalhar amanhã na lanchonete.
Voltar para casa bêbada não é uma opção.
— Vai ser uma surpresa para todos nós, então.
Mason resmunga em afirmação e as luzes coloridas do teto
são desligadas, deixando somente uma central, onde Claire e Dave
estão, e outra nas laterais da grande sala da irmandade. Mesmo
que o espaço seja maior que a casa de minha mãe em Sunbay,
ainda há a chata sensação de ombros roçando um no outro.
Claire convidou gente demais. Eu nem sabia que ela
conhecia tantos estudantes da USVL assim. Contudo, isso não é
nenhuma surpresa. Ela tem um carisma que encanta. É impossível
você conversar com ela e não querer ser amiga dela para sempre.
Reed solta um assovio animado quando um dos garotos do
time entrega um microfone para Dave. Mesmo de longe, noto que
ele está nervoso. A luz que ilumina sua pele negra-retinta revela as
pequenas linhas de preocupação.
Meu Deus. Será que ele vai...
— Reed. — Afundo as unhas no seu bíceps. É como uma
melancia, de tão grande e duro. — O Dave vai pedir a Claire em
casamento?
— O quê?
Olho apavorada para Dave e depois para Reed.
— Casamento. Ele não vai pedir ela em casamento, vai?
— Eu acho que não. Se ele fosse pedir, teria me falado. E
eles combinaram de ir em frente com esse lance de casamento
depois da formatura. Diploma antes da aliança. Uma coisa assim.
Suspiro aliviada. Reed dá risada da minha reação e aproxima
os lábios da minha orelha. O hálito, uma mistura entre amora e
limão, faz o céu da boca coçar.
— Você vai surtar assim também quando eu te pedir em
casamento?
— Primeiro, que para você me pedir em casamento, eu teria
que estar muito fora de mim. Bêbada e em Las Vegas. — Faço um
movimento com a mão. — E como eu não tenho dinheiro para ir
para Las Vegas, suas chances caem para zero. E segundo, nós
nunca vamos nos casar, Reed. A nossa mentira não vai chegar a
esse ponto.
— Gosto de pensar em possibilidades.
Faço uma careta.
— Você gosta de viver em um mundo paralelo, isso sim.
Reed ri pelo nariz e Dave dá dois toquinhos no microfone,
testando o som. O silêncio recai entre os inúmeros convidados. A
curiosidade sobre o que está prestes a acontecer me deixa com
vontade de gritar.
Dou uma rápida olhadinha em Claire. O sorriso que estica
seus lábios delineados de batom vermelho é de uma garota
apaixonada. Nada apavorada. Aposto que se Dave se ajoelhasse e
a pedisse em casamento, ela nem iria reclamar deles estarem indo
contra os próprios planos.
O amor faz coisas estranhas com as pessoas.
Ao mesmo tempo em que acho bonito, acho também
pavoroso. Tenho vontade de vomitar em meus sapatos ao pensar na
mera possibilidade disso acontecer comigo.
— Bom, acho que não é novidade para ninguém que hoje é
aniversário de Claire Howard, a garota mais bonita do campus da
USVL de acordo com a Revista Morris. — Todo mundo ri de sua
fala. — Desde que nos conhecemos, há um ano e meio, eu sabia
que o aniversário de 22 anos seria inesquecível para nós dois,
porque seria o primeiro que passaríamos como um casal de
verdade. Então, fiquei um bom tempo planejando o presente
perfeito. E acreditem, é muito difícil surpreender uma mulher que já
tem o mundo aos seus pés.
Claire revira os olhos e Dave coça a nuca, envergonhado.
— Pensei em várias possibilidades e Mason até sugeriu que
eu mandasse esculpir uma estátua de Claire no estilo que os
romanos faziam. Foi a maior bobagem que já ouvi. Foi mal,
Henderson.
— É um ato de romantismo, Morris! — Mason exclama ao
meu lado e as pessoas o acompanham em uma sessão de
assovios.
O quarterback encolhe os ombros de um jeito fofo e retorna a
atenção para Claire, levando o microfone aos lábios. Não sei se ele
está improvisando ou se realmente preparou esse discurso.
— Depois de pensar a ponto de quase derreter o meu
cérebro, eu comprei vários presentes; de todos os tipos que alguém
pode imaginar. Cada um deles devem ser abertos em um momento
especial durante os próximos 365 dias que antecedem ao seu
próximo aniversário — diz, os olhos fixos nos de Claire. — Mas você
sabe que a gente não costuma falar sobre os nossos sentimentos
em voz alta. Somos mais de atitudes. Hoje, no entanto, eu decidi
arriscar.
Claire balança a cabeça de um lado para o outro, tentando
afastar a vontade de chorar. Até eu estou sentindo um nó se formar
na minha garganta e o fundo dos olhos pinicar.
Porra, hein, Dave.
— Uma vez você me fez assistir um filme chamado “Set It
[13]
Up ”. Eu não sou chegado a romances, mas assisti mesmo assim.
Em uma cena, a amiga da protagonista discursa para o noivo e diz
algo sobre: você gosta porquê e ama apesar de. Quando essa cena
chegou, você quase me fez colar o nariz na televisão.
Claire esboça um sorriso trêmulo.
— Naquela época, eu não tinha entendido direito o que
significava o porquê desse filme ser tão importante para você.
Agora, eu compreendo que esse foi o seu jeito de dizer para mim,
através de uma cena, que me amava. — Dave entrelaça os dedos
ao redor dos da namorada, enquanto a outra mão afaga o seu rosto,
enxugando as lágrimas. — Claire, respeitando o fato de que você
ama esse filme tanto quanto ama sapatos e roupas coloridas, eu
não poderia deixar de dizer agora, com todas as letras: eu gosto de
você porque você é uma das mulheres mais encantadoras que já
conheci, com um sorriso que ilumina meus dias e um coração que
transborda de amor. E te amo apesar de seu talento na cozinha ser
um crime contra a humanidade, cantar mal pra cacete no chuveiro e
ser um furacão colorido contra a minha monotonia.
Minha amiga não diz nada. Com o seu tom afobado de
sempre, os braços se entrelaçam ao redor do pescoço de Dave e o
puxa para um beijo apaixonado. Os convidados se animam com a
declaração cheia de sentimentos e uma sequência escandalosa de
gritos, assovios e palmas ecoam em meus ouvidos.
Reed leva os dedos à boca, se juntando a comemoração.
— É isso, pessoal! — Dave diz contra o microfone quando
consegue se afastar da boca de Claire, agora manchada de batom
vermelho. — Bora curtir a festa!
Solto um gritinho de surpresa quando Reed me gira no ar e
Mason bagunça meus cabelos.
— Pronta, Annie?
Cruzo os braços na altura do peito. O copo de bebida já
desapareceu e eu nem sei como isso aconteceu. Viro o pescoço
para trás e vejo Mason virando o restante do líquido em um único
gole.
Okay.
— Para o quê, especificamente?
Reed abre um sorriso de covinhas.
— Você já vai descobrir.
“Seu jogo favorito é ficar na defensiva.
Eu desafio você a deixar isso de lado às vezes”
I Hate The Way | Sofia Carson
Estou puto pra caralho.
Desde que acordei com o sol batendo na minha cara porque
esqueci de fechar as cortinas na noite passada, o mau humor tem
se apossado de mim feito um parasita.
Posso até sentir as garras dele enfiadas em meu corpo,
sugando toda a energia vital que luto diariamente para nutrir.
Sendo bem sincero? Estou puto e na merda.
Afugento um palavrão e ligo a cafeteira. São nove horas e,
por mais que eu goste de seguir um treino rigoroso nas manhãs de
sábado, sei que ninguém estará a fim de me acompanhar.
Keeran chegou tarde da noite com uma garota.
Mason entrou em casa logo depois que deitei na cama.
E aposto que nem Bradley, Dave ou Cooper vão mover um
músculo para fora da cama.
A festa de Claire foi insana. Não somente pelo número
absurdo de convidados, mas porque todo mundo aproveitou até
sentir que não havia mais nenhum pico de energia para ser
estabelecido.
Massageio as têmporas com a ponta dos dedos e abro a
geladeira, pegando os ingredientes para preparar uma porção de
ovos mexidos. Acho que, depois que terminar por aqui, vou fazer
uma visita ao meu irmão.
Aaron deve ser o único ser humano em Maple Hills que vai
aguentar a minha presença hoje.
Quebro os ovos na frigideira e minha mão paralisa ao ouvir o
som de passos descendo as escadas. Não preciso de mais de cinco
segundos para reconhecer a maneira em que os pés se movem no
chão e o perfume de morango que se mistura no ar.
A presença de Anne é difícil de não ser sentida.
O que aconteceu na noite anterior é a maior prova disso:
mesmo depois de eu ser rejeitado da pior forma possível, eu ainda
não consigo tirar Anne da minha cabeça. Fui dormir com o gosto da
sua boca na minha. Não havia a merda de nenhum creme dental
capaz de me livrar dessa sensação.
E ao abrir os olhos pela manhã, me senti ainda pior. Minhas
mãos formigavam com a lembrança de sentir o seu corpo roçando
no meu. Dos seus seios pressionando o meu peitoral. Da sua bunda
se encaixando com perfeição entre os meus dedos.
Cada parte do meu cérebro acordou condicionada a reviver
cada maldito minuto dentro daquele carro. Cada momento em que
minha boca desnudou a sua pele, chupou sua língua e mordeu seus
lábios. Cada momento em que me controlei para não arrancar
aquele vestido e ver se ela estaria usando a mesma lingerie
vermelha que povoa minha mente há incontáveis semanas.
Estou preso em uma tortura que atende pelo nome de Anne
Scott.
Ela entra na cozinha e se movimenta atrás de mim, não
dizendo nenhuma palavra. Abre a geladeira e pega a garrafa de
leite. Faz o mesmo com a caixa de cereal e, no momento em que
vai abrir a gaveta dos talheres, eu desligo a chama do fogão e jogo
a espátula dentro da pia.
Anne dá um pulinho, assustada.
Giro o quadril e a encaro pela primeira vez depois das últimas
horas. Se a maneira de Anne ficar na defensiva pudesse ser visível,
pode ter certeza que eu bateria a minha cara em uma muralha.
— O que nós estamos fazendo, Scott?
Os dedos se fecham ao redor da caixa de cereal e uma
centelha de pavor cruza as suas íris.
— Não sei do que você está falando, Rollins — murmura e
pega uma colher na gaveta, fechando-a com o quadril.
O costumeiro vestido azul do uniforme balança com o
movimento, revelando as coxas torneadas.
Respiro fundo e cruzo os braços, assumindo a mesma
posição que a dela.
— É isso que você quer fazer, então? — Braceio, apontando
para nós dois. — Fingir que nada aconteceu?
— Não é isso que temos feito no último mês? Fingido para
todo mundo?
— Existe uma grande diferença entre fingir para os outros e
fingir entre a gente, Annie. — Dou um passo em sua direção, ao
mesmo tempo em que os pés dela recuam para trás. — Esse papo
de fingir não me convence mais. Não depois do que aconteceu
quando você sentou essa bunda gostosa no meu colo e gemeu na
minha boca.
Anne ofega tão alto que não duvido de que os vizinhos
tenham escutado. A caixa de cereal pressiona a barriga com mais
força, como se uma simples embalagem fosse uma barreira grande
o bastante para me manter longe.
Não vai funcionar.
— Eu ainda odeio você.
A afirmação, diferente das outras vezes, não me incomoda.
Porque eu sei que é mentira. Não tem como odiar alguém depois
daquele beijo.
Sorrio e apoio as duas palmas no balcão, prendendo-a contra
mim. A posição me lembra de quando ela apareceu no vestiário
masculino após o treino.
Abaixo os ombros e deslizo a ponta do nariz por seu queixo.
Anne fecha as pálpebras e morde os lábios, prendendo-os entre os
dentes. Estou louco para beijá-los novamente e fazê-la admitir que,
sim, nada disso é fingimento.
É a merda da realidade.
— Vamos ver se você ainda vai me odiar quando eu te beijar
— sussurro, soprando o hálito quente. — De novo.
Anne entreabre as pálpebras e me fulmina.
— Você não ousaria.
Tombo a cabeça para o lado.
— Tenho pensado em te beijar há muito tempo — murmuro.
— Pode ter certeza que eu ousaria, sim. Não tenho medo de nada
quando o assunto é ter você só para mim.
Impulsiono o corpo para trás e me afasto, pegando não
somente Anne de surpresa, mas a mim também. O vazio que se cria
com a distância repentina comprime o meu coração.
Nós dois procuramos por um apoio. Ela, no balcão que
pressiona as suas costas. Eu, na parede oposta. Meus músculos
estão tensos, latejando em procura de alívio.
— Essa conversa é ridícula. — Anne se recompõe e coloca a
caneca na cafeteira, enchendo-a de café. — O que aconteceu
ontem à noite não vai se repetir, porque...
Solto um grunhido.
— Se você disser que foi um erro, eu vou te beijar de novo
até fazê-la mudar de ideia — ameaço, a voz rouca. — Guarde as
minhas palavras. Eu te avisei para não brincar comigo, Annie.
Ela arqueia a sobrancelha loira e deixa a caneca em cima do
balcão, se aproximando novamente. Os calcanhares descalços
deslizam pelo piso em uma dança sedutora, embora eu ache que
ela faça isso sem perceber.
— E se eu brincar? — indaga, encurtando a distância até que
reste pouquíssimos centímetros separando as nossas bocas. Basta
um movimento em falso e estarei beijando-a novamente. — O que
vai acontecer, hum?
— Você não vai querer saber.
— Ah, pode apostar que vou querer, sim. — Fica na ponta
dos pés e observo a maneira em que seus olhos tremulam,
procurando pelos meus. — Me fala o que vai acontecer se eu
brincar com você, Reed.
Aperto as mãos em punho, lutando para não tocá-la.
— Quando você admitir para si mesma que tudo não passa
de fingimento, você me procura — aviso, baixo. — Que daí eu não
vou só te contar, Annie. Vou fazer. Com a minha boca, com as
minhas mãos e com o meu pau também.
Puxo o ar em uma lufada única e contorno seu corpo,
pegando sua caneca de café e lhe dando as costas. Deixo os ovos
mexidos para trás. Depois eu me preocupo com o café da manhã.
Preciso sair dessa cozinha antes que eu faça algo que vou
me arrepender para o resto da vida.
— Só não demore muito — alerto. — Não tenho todo o tempo
do mundo.
A resposta de Anne é um silêncio doloroso.
Eu cometi um grande erro.
Um daqueles erros que são difíceis de consertar. Não é como
se, sei lá, eu pudesse passar uma borracha por cima e apagar o que
aconteceu.
Não tenho muita escolha a não ser admitir para mim mesma
que pisei na bola e agora tenho um elefante gigante, com braços
musculosos e um sorriso de covinhas, determinado a me perseguir
até arrancar a verdade de mim.
E qual é a verdade?
A verdade é que eu gostei de beijar Reed Rollins.
Eu esperava que fosse ser um beijo qualquer, daqueles que a
gente esquece logo depois que acaba.
Quem me dera.
Beijar Reed Rollins foi como comprar uma passagem só de
ida para o céu das maravilhas. Estou presa lá desde então,
revivendo a maneira com que suas mãos apertaram a minha bunda,
o jeito que sua boca desnudou a minha e o sabor inconfundível de
seus lábios.
Se eu soubesse que seria assim tão bom, teria o beijado na
noite da festa dos calouros, antes dele falar aquelas merdas. Teria
me poupado a dor de cabeça que estou sentindo espremer os meus
neurônios.
Abro o armário de metal gasto do Brooklyn Blues e penduro o
avental no ganchinho. Pego o meu celular e mando uma mensagem
para minha mãe avisando que hoje não vou conseguir dar uma
passada na casa dela. Estou tão exausta que meu único desejo é
pegar o primeiro ônibus para Maple Hills e enterrar o nariz no
travesseiro.
Me despeço de Becky e Jane, a garota do turno da noite da
lanchonete, e saio pela porta dos fundos. Paralido contra o chão de
cimento assim que identifico o Jeep estacionado em uma das vagas.
Puta merda.
Agarro a bolsa com mais força ao ver Reed abrir a porta e
saltar para fora. Ele abre um sorriso que causa um frio
desconfortável na minha barriga. A jaqueta jeans adere aos bíceps,
me relembrando a maneira como foi sentir cada um dos músculos
com a ponta dos meus dedos e da força que esconde por debaixo
dessas roupas.
Ele cruza os braços na altura do peito e me dá uma
piscadela.
— O que você está fazendo aqui? — Confronto-o ao descer
os degraus e caminhar na direção de onde ele está parado, o
quadril apoiado na lataria do carro.
— Basta você olhar para o céu, joaninha, e já vai ter a sua
resposta.
Bufo e estico o pescoço para trás, olhando para cima.
Grossas nuvens estão se formando, anunciando o início de
uma tempestade. Não dou mais que cinco minutos para que uma
quantia exorbitante de água recaia sobre o Condado de San Valley.
Ir pegar o ônibus a pé já não me soa como uma opção assim tão
legal. Não tenho guarda-chuva na bolsa.
— Decidiu bancar o cavalheiro comigo de repente?
— Alguma vez eu fui outra coisa a não ser um cavalheiro com
você?
Aperto os lábios e reduzo ainda mais a nossa distância,
parando na sua frente.
— Você quer mesmo que eu responda essa pergunta? Por
que você não foi nada cavalheiro quando bateu na minha bunda —
murmuro. — Duas vezes, a propósito.
— Para quem está querendo fugir do assunto, você está bem
espertinha para o meu gosto.
Ajeito a bolsa ao redor do ombro e troco o peso dos pés. Em
uma das mãos, mantenho os patins pesados.
— Foi você quem começou.
Reed não se abala. Estende o braço e pega os patins,
fazendo o mesmo com a minha bolsa. Assisto, atônita, ele abrir a
porta lateral do Jeep e colocar as coisas lá dentro, voltando a
atenção para mim. Há alguma coisa diferente nele. Uma
determinação cintila nas feições que não existia pela manhã.
— Entra no carro, Annie — pede, dando o assunto por
encerrado. — Antes que essa chuva impeça a gente de chegar em
casa. E acredite, eu estou doido para tomar um banho e assistir a
um filme de péssima qualidade com você reclamando no meu
ouvido.
— Quem disse que eu vou passar a noite de sábado com
você e os meninos?
Reed abre a porta e apoia o braço no teto do carro. Trocamos
um olhar que relembra a época em que não estávamos envolvidos
nessa bagunça.
— Quais são os seus planos, então? Comprar um para-raios
e passear pela cidade?
— Argh, você é tão irritante. — Entro no carro e me acomodo
no banco do passageiro. Reed faz o mesmo e insere a chave na
ignição. — A minha vida não gira em torno de você e desse namoro
falso.
Ele coloca o cinto de segurança e liga o rádio em uma
estação qualquer. O locutor avisa os ouvintes sobre a tempestade
que se aproxima nas três cidades do Condado. Eles recomendam
que as pessoas fiquem em casa e alertam sobre as rajadas fortes
de vento.
Acho que o Brooklyn Blues vai acabar encerrando o
expediente mais cedo. Não tem porque manter as portas abertas se
o mundo vai estar desabando em água.
— Ah, não? — Gira a chave e o motor ruge em resposta. Ele
dá a ré, saindo do estacionamento com uma habilidade invejável e
caindo na estrada vazia. — Gira em torno do que, então?
Expedientes intermináveis em uma lanchonete, aulas cansativas na
USVL e odiar a população de Maple Hills no tempo livre?
Me seguro para não dar uma risada.
— Talvez. E você não pode falar nada sobre mim, Reed. Sua
vida gira em torno do futebol americano.
— A minha vida gira em torno das coisas que eu gosto —
corrige, me lançando um olhar significativo antes de retornar a
atenção para a estrada. — Futebol americano, filmes e, às vezes,
você.
As palavras se condensam no ar. Se elas fossem uma bola
de canhão, teriam me acertado em cheio e me derrubado para fora
do carro. Bater a minha cara no chão não parece uma ideia assim
tão ruim.
— Essa tática não vai funcionar comigo, Reed.
Reed diminui a velocidade do Jeep quando as gotas de
chuva começam a cair violentamente no vidro. O para-brisa se move
de um lado para o outro, gemendo baixinho. O horizonte está ainda
mais escuro, com nuvens carregadas e relâmpagos cortando o céu.
— Não estou tentando nenhuma tática com você. Estou
apenas dizendo a verdade.
— E aquele papo de você somente tolerar a minha presença?
— Preciso elevar o tom de voz devido a intensidade da chuva.
O trovão ecoa alto e estrondoso. Reed diminui a velocidade
do carro, já que o para-brisa mal dá conta de conter a água.
— Eu acho que essa definição já não cabe mais a nós dois,
Annie.
Analiso o seu rosto de perfil, me demorando por mais tempo
na linha reta do nariz e no contorno do maxilar. A barba cresceu um
pouquinho, recobrindo a mandíbula e o deixando com uma
aparência que causa um cutucão no meio das minhas pernas.
Eu posso negar muitas coisas nessa vida, mas dizer que
Reed Rollins não me atrai de maneiras preocupantes é uma das
coisas mais difíceis de serem feitas. A existência dele incendeia as
minhas veias e me puxa para um tipo de sentimento que não quero
me deixar ser dominada.
— Agora você não me odeia mais? É isso?
As mãos grandes se apertam ao redor do volante, os nós dos
dedos ficando brancos.
— Quantas vezes vou ter que dizer a mesma coisa, porra? —
grunhe, com raiva. — Eu. Não. Consigo. Odiar. Você. É impossível,
Scott. Você me desperta um milhão de sentimentos, mas o ódio não
é um deles.
Fico em silêncio, sem saber ao certo como reagir. Afundo as
unhas na palma da mão e forço a pulsação a desacelerar. É difícil.
Meu coração está prestes a sair pela boca e cair em cima do painel
do carro.
Reed pragueja um palavrão e dá sinal, desviando da estrada
e seguindo para um posto de gasolina fechado. A chuva cai agora
com força, os pingos repercutindo no teto e ricocheteando no para-
brisa. Não dá para ver um palmo na nossa frente, exceto as luzes
acesas do farol.
— O que você está fazendo?
— Sem condições de continuar dirigindo com essa
tempestade. Não vou arriscar — explica, ainda irritado. — E eu não
vou ter essa discussão com você enquanto estou na estrada. Vai me
fazer perder a cabeça.
Me recosto na porta, desejando ser capaz de me esconder
dentro do vestido. Eu sabia que Reed iria me confrontar em algum
momento, só não esperava que fosse agora. A tempestade caiu
como uma luva, nos obrigando a ficarmos presos dentro do mesmo
espaço.
— Você não vai perder a cabeça.
Reed suspira pesadamente e desliga o rádio. Vira o corpo
para mim, os olhos subindo na minha direção como se desejasse
me dar um chacoalhão e depois me puxar para um abraço.
— Se você continuar me tirando do sério, pode ter certeza
que sim.
Dessa vez sou eu que solto um suspiro. Está difícil manter
qualquer tipo de diálogo com ele.
— Para de descontar em mim as suas frustrações! É por
causa da noite passada? — Solto o cinto de segurança e me
remexo no banco, me sentando sobre uma das pernas. — Você está
bravo por causa daquilo que falei?
Reed desvia o olhar, focando nos vidros que já começam a
embaçar.
— Estou puto por causa da noite passada, sim. E eu nem
deveria estar te pressionando sobre esse assunto, mas eu não
consigo ficar quieto enquanto você está aqui, sentada do meu lado,
achando que eu te odeio. — O músculo do maxilar pulsa em
resposta. — Se eu te odiasse, eu não teria te convidado para morar
comigo, não teria dirigido até o outro lado da cidade para comprar
os seus donuts favoritos e muito menos te beijado na noite passada.
Ele passa as mãos pelo cabelo, bagunçando os fios. Um
sopro de ar escapa de seus lábios e a atenção retorna para mim. A
expressão dele é tão vulnerável que é como estar dentro dos seus
pensamentos. Dá pra ver que ele está chateado comigo.
— Eu não sei o que dizer.
Reed libera uma risada cheia de mágoa e balança a cabeça
repetidas vezes. Fixa a atenção no posto de gasolina fechando, se
negando a olhar para mim.
— Não achei realmente que tivesse. — Uma trovoada corta o
céu e eu me sobressalto com o barulho. — Vamos esperar a
tempestade se acalmar e aí voltamos para casa.
Aceno em concordância, não sabendo ao certo como me
comportar. A confissão ainda ecoa em minha cabeça. Torço os
dedos uns nos outros, não suportando o silêncio que cresce entre a
gente. O som das gotas de chuva batendo na lataria com força são
um teste para a minha paciência.
— Você ainda quer que eu vá no jogo de sexta?
Reed gira o pescoço, voltando a prestar atenção em mim.
— Nós ainda estamos namorando, não estamos?
— De mentira.
— Você não precisa me lembrar disso a todo momento —
reclama. — Você foi bem clara quando disse que tudo não passa de
fingimento. Mas, sim, ainda quero que você vá. Reservei um quarto
para a gente. O treinador Turner provavelmente não vai gostar da
ideia, mas ele já está acostumado com esse tipo de coisa.
Ergo a sobrancelha.
— Com o time levando garotas desconhecidas para o quarto
de hotel?
— Com as namoradas dos jogadores acompanhando eles
nos jogos fora da cidade. — O tom é tão frio que fico arrepiada. —
Eu não costumo convidar garotas para assistirem os meus jogos.
Apenas você.
— Ah, okay. — É a única coisa que consigo proferir.
Reed batuca com os dedos no volante e ficamos sem dizer
nada por um bom tempo. A tempestade continua a cair
violentamente.
— Vou te emprestar o meu carro, a propósito. Pode dar
carona para a Claire, se quiser. Ela costuma ir com o próprio carro,
mas como vocês vão juntas dessa vez, acho que é uma boa ideia —
diz. — Ela já sabe como funcionam as coisas, mas a gente costuma
comemorar a vitória no time do bar do hotel. Nada muito exagerado,
já que estamos fora da cidade.
— E se vocês perderem?
Reed inclina a cabeça para o lado, abrindo um sorriso ladino.
— A gente não vai perder. Gosto de pensar positivo.
— Devo usar a sua camiseta?
Meu questionamento faz as íris descerem para a minha boca.
A ponta dos meus dedos formigam para tocar as suas bochechas,
puxar os fios de cabelo e arranharem os músculos torneados dos
braços. Tê-lo beijado foi um erro grotesco.
— Você quer usar?
Sim.
Não.
— Você quer que eu use? — pergunto de volta.
Estamos jogando um contra o outro, vendo quem vai ceder
primeiro e admitir o que realmente quer. Reed, como se já estivesse
na linha do abismo, estica o braço e acaricia a minha face, os nós
dos dedos escovando a pele.
— Se eu disser que sim, isso significa que você vai usar? Ou
vai bancar a teimosa e aparecer usando a camiseta do time rival?
Sorrio.
— Agora você me deu uma ótima ideia.
Escuto-o gemer em irritação e abrir a palma da mão,
encaixando-o na curva do meu pescoço. Ele puxa o meu rosto para
perto do seu de um jeito tão bruto e inesperado que me pego
friccionando as coxas umas nas outras. O movimento chama a
atenção dele, porque os olhos recaem para o meio das minhas
pernas e depois retornam para a minha boca.
— Não teste os meus limites, Scott.
— Não se preocupe, Rollins. — Resvalo a ponta do nariz
entre os seus lábios entreabertos. — Quando você olhar para
aquela arquibancada na sexta, pode ter a certeza que vai me
encontrar lá. E, com sorte, usando a droga da sua camiseta. Serei a
namorada troféu que você tanto procura.
Ele nega com um sutil balançar de cabeça.
— Você entende sempre tudo errado, não é? — Franzo o
cenho, confusa. — Não quero nenhuma namorada troféu. Só quero
você lá, usando a minha camiseta ou não. O importante é saber
que, quando eu for fazer a droga de um ponto, vou ter a quem
dedicar.
— Isso não fazia parte do nosso acordo, Reed. — Dessa vez
é ele quem fica confuso. — Declarações não estavam inclusas.
— Beijos também não, mas olha onde chegamos.
Dou uma curta risada e me afasto pelo máximo de espaço
que há disponível.
— E que não vai voltar a acontecer.
Reed deixa a cabeça pender em um gesto sarcástico.
— Isso é o que nós vamos ver.
O trovão que corta o céu torna o desafio ainda mais real.
— Eu preciso da sua ajuda.
— Estou indisponível.
Recebo uma cotovelada entre as costelas e contenho um
gemido. Dave me fuzila com as orbes castanhas, mas há a sombra
de um sorriso brincando em sua boca. Nunca vi esse cara de mau
humor e duvido que alguém nessa vida o consiga tirar do sério.
Dave possui mestrado e doutorado em paciência. O que
acredito que seja um critério básico para ser o quarterback do time
e, de quebra, ainda morar em uma fraternidade entupida de caras.
É muita merda sendo ouvida diariamente.
— Estou falando sério, Reed. Preciso da sua ajuda.
Gesticulo com a mão na forma de um floreio, indicando para
que ele desembuche de uma vez.
Dave respira fundo e puxa a mochila de viagem para cima,
pousando-a sobre o seu colo. Abre um dos zíperes e tira de lá de
dentro de uma caixinha vermelha. Ofego quase que de forma
instantânea.
Eu sei muito bem o que tem dentro dessa caixinha.
— Reed...
Levo a mão ao coração e abro um sorriso emocionado.
— Que romântico da sua parte, Dave. — Enceno um tom
apaixonado, piscando as pálpebras da mesma forma que as
mocinhas fazem nos desenhos. — Não precisa nem perguntar,
porque a resposta é sim. Eu aceito me casar com você.
— Para de ser ridículo, cara. Eu estou falando sério. —
Levanta a tampa da caixinha. Ali, há um anel descansando no
centro que deve pesar dez quilos. — O que você acha?
— Eu acho que não vai caber no meu dedo.
— Mais uma brincadeira dessas e eu não vou te convidar
para ser o meu padrinho.
— Ei, ei, ei! Aí você jogou sujo. — Puxo o braço dele para
poder olhar o anel mais de perto. — É bonitão. Deve ter custado
uma fortuna.
— A Claire merece — diz com um sorriso de quem está
apaixonado até o último fio de cabelo. — Eu usaria todas as minhas
economias só para ver esse anel no dedo dela. Ela é o amor da
minha vida, Reed.
Seguro a respiração com a declaração repentina.
Estamos dentro do ônibus do time, com vários jogadores
sentados ao nosso redor, mas ninguém parece estar prestando
atenção na nossa conversa. A viagem para West Falmouth costuma
durar cerca de duas horas, então a maioria usa esse tempo para
descansar.
— E aquele lance de vocês esperarem até a formatura para
se casarem?
Dave massageia a ponta do nariz largo e guarda o anel de
volta na mochila.
— É por isso que preciso da sua ajuda. Quero um conselho.
— Balança a perna para cima e para baixo, agitado. — Eu não
estarei sendo um filho da mãe em ir contra os nossos planos e fazer
o pedido? Porque tenho pensado nisso há muito tempo. Sei que vou
ser draftado por um time em breve e que as chances de permanecer
aqui na costa leste são pequenas, mas Claire também quer se
mudar para Los Angeles quando terminar o curso. Então...
— Então...
Dave infla as bochechas de ar e empurra os dreads para trás,
os prendendo em um coque no topo da cabeça.
— Então, eu penso: por que não dar o próximo passo?
Porque adiar o que tanto queremos? No entanto, tem também o
peso de fazer o pedido sem a certeza de que ela vai aceitar —
desabafa. — Afinal, a gente tem esse combinado. Um diploma antes
de uma aliança.
Contorço os lábios de um lado para o outro, procurando por
algum conselho. Posso detestar os casamentos intermináveis de
Ricky Rollins, mas aposto que ele teria algo útil para dizer a Dave.
O que eu entendo de casamentos? Nada.
É surreal comparar a diferença entre os meus planos de vida
com os planos de Dave. Ele quer ser um grande jogador, se casar e
construir uma família — tudo isso ao mesmo tempo.
Dave Morris e Claire Howard vivem o tipo de amor raro.
— Eu acho que você já tem a sua resposta, Dave — digo. —
Você e Claire têm todo o tempo do mundo, mas, como você disse,
por que esperar? E não é como se vocês fossem subir no altar no
dia seguinte. Um casamento demora para ser preparado, ainda mais
se estivermos falando da sua namorada. Ela vai querer uma festa
de arromba.
Dave dá risada.
— Você tem razão. Não vai ser uma festa íntima com poucos
convidados.
— Não mesmo. O meu conselho para você é: procure o
momento certo. Você vai saber quando a hora perfeita chegar. E
nem você e nem a Claire vão ter dúvidas. Não tem como duvidar do
amor quando ele é sentido no coração.
Dave abre a boca para responder, mas é interrompido por um
pigarro. Viramos o pescoço ao mesmo tempo e encontramos o
treinador Turner sentado na poltrona do lado oposto do corredor do
ônibus. Como de praxe, o boné descansa sobre a cabeça dele,
criando uma sombra sobre os olhos.
— O Rollins tem razão, Morris. Se você e a sua namorada se
amam como dizem, o pedido de casamento fora de hora não vai ser
nenhum problema. É só ajoelhar e abrir o coração, moleque.
Caramba.
O treinador Turner desvia o olhar do nosso e volta a encarar
um ponto perdido. Ele bem que tenta disfarçar, mas é possível notar
um minúsculo sorriso se mantendo escondido por trás de sua pose
de durão.
— Obrigado pelo conselho, treinador. — Dave agradece e
Turner move o queixo em concordância, voltando a ficar quieto.
No entanto, antes que Dave e eu possamos voltar a
conversar, a cabeça de Bradley surge por trás do nosso assento.
Ele dá um tapa na minha nuca e faz barulhos de beijos para o Dave.
Eu não sei como esse cara consegue levar o futebol americano a
sério. Tudo na vida dele é baseado na zoeira.
— Quer dizer que você vai pedir a Claire em casamento? —
As sobrancelhas fazem uma dancinha animada. — Me convida para
a despedida de solteiro, cara. Eu sempre quis ir em uma.
— Não vai ter nenhuma despedida de solteiro, Bradley.
Bradley arregala os olhos.
— Como assim, porra? — Bate com a mão no encosto do
assento. — É um ritual de passagem. Dá sete anos de azar se não
tiver despedida de solteiro.
Franzo o cenho.
— Sete anos de azar é para quando a gente quebra um
espelho, Bradley.
— Dez anos de azar, então. Sem despedida de solteiro e a
consequência é uma década na merda e um casamento fracassado.
— Ele nem se casou e você já está dizendo que eles vão se
divorciar? — Dou um beliscão no braço dele e Bradley finge uivar de
dor. — Cria vergonha nessa sua cara feia, Powell. Cadê o seu
romantismo?
— Está bem aqui. — Bate com a mão do lado esquerdo do
peito. — Habitando esse coração que respira amor e romantismo.
Sou um príncipe. Estou apenas esperando a minha princesa.
— Só se for a Fiona, né? — Dave provoca e acabo caindo na
gargalhada.
Bradley resmunga um palavrão.
— Vocês são um bando de babacas. Ainda vou encontrar
uma mulher que vai me deixar tão loucamente apaixonado que não
vou ligar se ela for a Fiona, a Cinderela ou sei lá o quê.
— Você é um romântico incurável, Powell?
Viro o pescoço para trás para conseguir vê-lo. Assim como o
treinador, os cabelos de Bradley estão escondidos pelo boné do
time.
— Você não é? Porque deve ter algum motivo para a Anne te
aguentar sendo um pé no saco todos os dias.
Ao pensar em Anne, meu pulso palpita em expectativa.
Convidá-la para viajar até West Falmouth e ficar no mesmo hotel
que o time foi uma atitude inocente da minha parte. Na época do
convite, não imaginei que haveria uma bola de neve gigante
pairando acima das nossas cabeças.
Agora é como se pudéssemos ser atingidos em cheio a
qualquer instante. Não vai ser uma experiência divertida.
— Ah, você não faz ideia de como o Rollins é romântico, meu
caro amigo. — Dave encaixa o braço ao redor do meu pescoço em
um mata-leão. — Da última vez, pelo o que eu soube, ele
atravessou a cidade apenas para comprar os donuts favoritos da
namorada.
Minhas bochechas ficam coradas.
Que merda.
— Aposto que você faria o mesmo pelo Claire.
— É claro que sim. — Há um traço de aviso nas suas
palavras. Como se estivesse deixando subentendido a mensagem:
a diferença é que a Claire é a minha namorada de verdade. — Eu
atravessaria os Estados Unidos inteiro, se fosse necessário.
— Você não é parâmetro, Morris — Bradley reclama. — Não
dá para competir com você e seus atos românticos. Aquela
declaração no aniversário da Claire vai me perseguir para o resto da
vida, porque nunca vou conseguir pensar em nada tão bom.
Dave sorri.
— Você vai sim, confia no que estou te falando. Quando a
gente está apaixonado, as palavras fluem naturalmente. Pode ser
uma declaração boba ou espalhafatosa, tanto faz. O que importa é a
intenção por trás.
— E um anel de diamantes, é claro — provoco-o, consciente
de que logo ele vai me dar um chute na bunda. — Não dá para
conquistar apenas com palavras. Precisa de gestos românticos
também.
Bradley tira o boné e bagunça os fios. Para o nosso completo
azar, ele nota a presença do treinador ao nosso lado. Deve ser uma
tortura para ele ouvir seus jogadores falarem merda atrás de merda.
— E você, treinador? — chama-o. — O que acha?
O treinador suspira alto e afunda o corpo na poltrona. Certeza
que quer desaparecer. De todos os garotos do time, Bradley é o
único que tem coragem de puxar papo com o Turner. E o mais
divertido é que o treinador se submete a responder, mesmo que seja
com um xingamento.
— Eu acho que você deve calar a boca, Powell. Não estou no
clima para as suas brincadeirinhas hoje.
— Poxa, treinador, estou curioso para a sua opinião. — Se
escora novamente entre as nossas poltronas, os braços servindo
como apoio do imenso corpo. — O que você considera como um
grande gesto romântico?
— Você ficar quieto por vinte e quatro horas pelo bem da
sanidade mental da sua namorada — ele responde de mau humor.
Escondo uma risada atrás do punho. Essa conversa vai ser
inesquecível.
— Ah, não! Sem essa. — Coloca o boné de volta. —
Trabalhamos aqui com gestos românticos de verdade. Esse aí foi
péssimo.
A mandíbula do treinador aperta em impaciência. Em breve,
Bradley vai estar com o nariz sendo esmagado.
— Não sou romântico, Powell.
Ele não fica nada contente com a resposta, porque faz uma
pergunta que suga até o ar dos meus pulmões. Dave até arqueja,
pego de surpresa.
— O senhor já foi casado, treinador?
Bradley não tem medo de morrer? Com certeza, não.
O treinador fecha as mãos em punho e tira o boné, deixando-
o sobre as pernas. Sustenta o cotovelo no apoio de braço e
direciona a nós três um olhar que poderia nos cortar ao meio.
— Se eu fosse, pode ter certeza que eu não estaria
respirando o mesmo ar que o seu, Powell.
— Isso foi bem romântico, treinador.
Turner se limita a balançar a cabeça em um gesto negativo
várias vezes e se esconder embaixo do boné novamente. Acho que
o papo se encerrou de vez. Eu é que não vou arriscar abrir a minha
boca.
Às quatro horas em ponto, Anne está entrando no quarto que
reservei para nós dois no hotel em que o time está hospedado.
Diferente de Claire, que parece ter trazido o guarda-roupa inteiro
para West Falmouth, ela se limitou a uma pequena mala de viagem.
O básico para um final de semana.
— É bonitinho — Anne diz ao caminhar para dentro, deixando
a bolsa em cima da cama. — Espero que não tenha custado muito.
Prometo que vou te pagar depois.
Passo a tranca na porta e me apoio as costas na estrutura de
madeira.
— Você não precisa me pagar nada. Eu te convidei, então eu
que arco com as despesas. Só relaxa, Annie. Nem tudo nessa vida
se resume a dinheiro.
— Você diz isso porque o seu pai é o Ricky Rollins.
Assim que as palavras saem da sua boca, Anne se dá conta
do que disse. Além de Dave, ela é a única que sabe sobre a merda
que é a minha relação com o meu pai. Nada de flores ou unicórnios
dançantes. É um saco imenso de cocô ambulante que nenhum
dinheiro do mundo é capaz de consertar.
— Pois é. — Dou de ombros. — Pena que ser filho dele não
garante nada, não é?
— Droga, Reed. — Anne dá um passo para frente, insegura.
— Me desculpa. Eu tinha me esquecido.
— Sem problemas, eu já estou acostumado em ser pisoteado
por você feito um inseto. — Enfio as mãos dentro dos bolsos do
moletom. — Como foi a viagem?
— Ah, não. Nem fodendo — resmunga e se aproxima de vez,
os saltos da bota ecoando pelo piso. — Você não vai trocar de
assunto e fingir que está tudo bem.
— Você é especialista nesse assunto. Estou entrando na
onda.
Anne trinca os dentes e para na minha frente.
Nesta tarde, os cabelos foram presos em um rabo de cavalo
alto, revelando as maçãs do rosto magras e o pescoço esguio.
Mesmo chateada, não posso deixar de notar o quão linda Anne
está. O chute certeiro nas minhas bolas é ela estar usando não
somente a camiseta com meu nome estampado nas costas, mas
também a minha jaqueta jeans.
E mesmo com raiva dela, eu ainda não consigo odiá-la nem
um pouquinho. Nem que eu me esforce pra caralho.
— Não faz isso, Reed — pede, baixinho.
— Isso o quê?
Anne abraça o próprio corpo e ergue as vistas. Devolvo o seu
olhar, procurando entender exatamente o que está acontecendo. As
nossas interações tem se tornado uma bomba relógio. Não dá para
saber onde vamos parar ou que direção vamos seguir.
— Não fala como se eu não me importasse com você.
Porque eu me importo. — Faz uma pausa. — Eu me importo de
verdade e admitir em voz alta é difícil pra caramba. Você não faz
ideia do quanto. Então me desculpe pelo o que eu disse, okay? Foi
sacanagem da minha parte.
Fico quieto, observando a maneira em que os olhos dela
tremulam e o cantinho do lábio inferior é mordiscado no canto. Ela
estala os dedos, o barulho ecoando pelo silêncio do quarto
juntamente da minha pulsação acelerada.
Não penso antes de agir. Enlaço sua cintura e a puxo para
um abraço, enterrando o nariz nos cabelos loiros. Anne relaxa os
ombros e se aconchega contra o meu corpo, tão pequenina que eu
poderia escondê-la ao redor dos meus braços sem nenhuma
dificuldade.
Porra.
Esse abraço é a melhor coisa do mundo que já experimentei.
Anne dedilha a ponta dos dedos em minhas costas e inspira,
me abraçando com mais força. Eu abraço-a da mesma forma,
desejando viver aqui para sempre.
O jogo de hoje que se foda. Isso aqui é o paraíso em formato
de Anne Scott.
— Eu acho que ele vai estar no jogo de hoje à noite — conto,
desejando que ela não tenha conseguido ouvir. Mas escuta, porque
levanta o rosto e me observa de baixo. — Talvez vocês dois acabem
se conhecendo. Há uma possibilidade disso acontecer.
Anne faz uma careta e volta a descansar a bochecha no meu
peitoral.
— Não sei se é uma boa ideia.
— Por quê?
— Porque eu não vou conseguir me segurar. Vou acabar
xingando-o de um palavrão bem feio e aí, sabe o que vai acontecer?
— nego. — Ele vai dizer para você que sou uma péssima influência
para a sua carreira e que a gente deve terminar. Ele pode até me
oferecer dinheiro, para tornar a coisa mais emocionante.
Sorrio, imaginando a cena. Anne tem uma criatividade e
tanta.
— E você vai aceitar?
— Dependendo da quantia...
Belisco as suas costelas e ela dá um gritinho, tentando se
soltar do meu aperto. Contraio os músculos dos braços, não
deixando-a ir a lugar nenhum. Quando Anne para de se debater, eu
encaixo o polegar embaixo do seu queixo, obrigando-a a olhar para
mim.
— Eu ofereço o dobro, joaninha.
— Para que a gente termine e eu nunca mais apareça na sua
vida?
— Não mesmo. Eu ofereço o dobro de dinheiro para que
você nunca saia dela. Para que fique comigo para sempre.
— Esse namoro está ficando cada vez mais capitalista. Mas
eu dispenso o dinheiro. Daqui a pouco vou estar devendo até a
próxima vida para você.
— Eu já disse que você não precisa me pagar nada.
— Reed...
Pouso o indicador sobre os lábios dela, calando-a.
— Se você me pagar, eu não vou aceitar.
— Isso não é justo — murmura contra o meu dedo, as
palavras soando desengonçadas.
Deslizo a mão para o seu pescoço e faço uma carícia.
Cacete, como eu queria que Anne não estivesse sempre na
defensiva comigo. Eu daria todo o meu dinheiro para conseguir
atravessar essa muralha de ferro e vê-la por inteira.
— Nada nessa vida é justo, Annie. — Deposito um rápido
beijo no seu nariz. — Mas se isso acalma a sua consciência, você
pode pagar por uma dose de bebidas para a gente após a vitória do
time no jogo de hoje à noite.
— Você está confiante de que vão ganhar mesmo, hein?
Assinto e brinco com a gola da sua camiseta.
— Confiante pra cacete. Tenho um amuleto da sorte muito
bom.
— E posso saber qual é?
Inclino a cabeça para o lado e abro um largo sorriso.
— Você. — Desfiro um tapinha na sua bunda de brincadeira e
me afasto, destrancando a porta. — Eu te vejo na arquibancada
daqui a algumas horas?
Anne anuí em concordância.
— Eu vou ser a namorada troféu.
Pisco um olho para ela.
— E eu vou ser o namorado jogador.
Sopro um beijo no ar de brincadeira e saio do quarto.
Ao fechar a porta em um clique, noto que minhas bochechas
estão doendo de tanto sorrir. A droga de um sorriso que vai me
acompanhar durante as próximas horas até o jogo começar.
O vestiário borbulha em conversas e reclamações. É sempre
assim nos minutos que antecedem a nossa entrada no gramado.
Por estarmos jogando fora de casa, a ansiedade é ainda maior.
Dave estica os braços acima da cabeça e respira fundo, os
ombros se tensionando. Ele já vestiu o equipamento por completo,
faltando somente o capacete e o protetor bucal. Os dreads estão
presos em um coque e o brinco da orelha foi dispensado.
— Está nervoso? — pergunto, enquanto amarro o cadarço da
chuteira.
— Não sei. Eu deveria?
— Você é o quarterback. Seria normal estar nervoso, ainda
mais que esse é um jogo importante para o time. Os West Panthers
quase venceram o campeonato na temporada passada.
Apesar da minha confiança, sei que vencer os West Panthers
não vai ser assim tão fácil. O treinador deles, um antigo amigo do
meu pai, tem a fama de não ser nem um pouco misericordioso. Ele
coloca os jogadores para detonar com o time rival, mesmo que isso
custe alguma penalidade.
Eles só querem ganhar, custe o que custar.
— Eu confio nos meus jogadores — Dave declara. — E
confio em você também. Não porque é filho do Ricky, mas porque
você é bom no que faz e ama o esporte tanto quanto eu. Não tem
como dar errado, Reed.
Dou duas batidinhas no joelho e me levanto. A nossa
diferença de altura é de uns dez centímetros, no máximo. O porte
atlético de Dave contribui para que ele pareça ainda mais alto. Uma
muralha de músculos, como diria Claire.
— Com você falando assim, me sinto pronto para conquistar
o mundo.
Dave dá uma curta risada e empurra minha cabeça de
brincadeira para o lado, me arrancando um sorriso divertido.
— Conquistar a vitória no jogo de hoje está mais do que
suficiente.
Pego o capacete do chão e escuto, ao longe, a música que
dá entrada à coreografia das Horizon Eagles, as líderes de torcida
dos Rebels Of Horizon. A gritaria não é tão alta quanto a do time da
casa, mas é barulhento o suficiente para me deixar confiante de que
a vitória já é nossa.
— Pronto para detonar com eles, Morris?
Meu melhor amigo sacode os ombros e dá pulinhos no chão.
O restante do time também está atento e sei que não vai levar mais
que dez segundos para o treinador Turner atravessar a porta do
vestiário e fazer um discurso rápido sobre trabalhar em equipe.
Porque o futebol americano é isso: é contar com o seu
parceiro de jogo para garantir a vitória. Não tem como vencer
sozinho nesse esporte.
Dave inclina a cabeça para o lado e pega o capacete
também, encaixando-o sobre a cabeça.
— Vamos mostrar para eles o que é jogar de verdade,
Rollins.
“Se tudo é justo no amor e na guerra, eu não posso mais fazer isso”
Love & War | Yellow Claw
Mesmo não sendo uma grande fã do futebol americano, sou
obrigada a concordar que o jogo de hoje foi mais do que
emocionante. Foi de arrancar os cabelos, gritar até as cordas vocais
reclamarem de dor e de sentir o coração quase saltando para fora
da boca.
Os West Panthers estavam com sangue nos olhos,
determinados a conquistarem a vitória sem hesitar.
Reed foi derrubado tantas vezes no chão que não sei como
ele está inteiro. Dave também não conseguiu se safar dos
bloqueios. Houve um momento que eu até duvidei de que os Rebels
Of Horizon iriam conseguir vencer.
Mas, por um golpe de sorte, deu tudo certo. O placar ficou
27X25. Foi um jogo arriscado demais e que rendeu a Claire uma
quase dor de cabeça. Ela leva o esporte a sério.
Agora, algumas horas depois, estamos todos reunidos no bar
do hotel, comemorando uma das vitórias mais difíceis da temporada
com direito a música alta, drinques coloridos e um treinador
parcialmente sorridente.
Me acomodo em uma das banquetas e faço um sinal para o
barman, pedindo duas cervejas. Rapidamente sinto os braços de
Reed rodearem a minha cintura e o queixo repousar em meu ombro.
— Esse é o seu jeito de flertar comigo, Annie? Pagando uma
cerveja para mim?
Giro as orbes em um círculo, embora ele não possa ver.
— Esse é o meu jeito de aliviar a consciência, já que só falta
você pagar as minhas lingeries.
— Até que não seria uma má ideia. Quais cores você mais
gosta?
Luto contra um sorriso.
Esse tipo de provocação com Reed não deveria acontecer
com tanta frequência, porque elas me levam para um caminho que
não há mais volta. O beijo na noite do aniversário da Claire é o
maior sinal de alerta.
Contudo, eu não consigo me conter. Meu corpo corresponde
ao de Reed apesar de todos os esforços para evitá-lo.
— Vermelho, branco e azul — respondo, torcendo para que a
música alta abafe o som da minha voz.
O meu pedido não é atendido, porque Reed gira a banqueta,
de forma que fiquemos de frente um para o outro.
Inconscientemente, abro minhas pernas, deixando que ele se
acomode entre elas. A posição é mais do que perigosa: é um
prelúdio para o que nos aguarda ao final da noite.
Não sei se consigo resistir ao charme dele. Não mais, pelo
menos.
— Vermelho também é a minha favorita — murmura, os olhos
mergulhados na luxúria de uma lembrança. — Quanto ao branco e
ao azul, já não posso dizer nada.
Abro um sorrisinho arrogante e entrelaço minhas mãos ao
redor da sua nuca. Puxo levemente o rosto para perto do meu e a
atenção de Reed recai para a minha boca. Mal sabe ele que o que
estou prestes a dizer é uma bomba relógio que vai explodir —
exclusivamente — por nossa culpa.
— Talvez você possa descobrir essa noite.
Reed paralisa e o olhar sobe, encontrando o meu. Ele me
analisa com curiosidade, tentando descobrir se estou falando sério
ou fazendo uma brincadeira de mau gosto. A verdade é que nem eu
sei. Minha cabeça está confusa pra cacete e a presença dele só
torna as coisas ainda mais nebulosas.
— Anne.
Porra, eu amo quando ele me chama de Anne.
Torna as coisas mais íntimas e reais. É a certeza de que não
estou delirando ou criando cenários imaginários na cabeça
enquanto me masturbo no chuveiro.
Reed é real.
— Eu...
Ele move a cabeça em discordância e firma as mãos ao redor
da minha cintura. É um toque possessivo e que expressa a
dimensão do que ele sente.
— Não brinque comigo — avisa. — Porque eu só vou ceder
quando você decidir ceder para mim. Sem a porra de fingimentos ou
qualquer outra merda que você inventar. Eu quero você por inteira.
Empurro a grossa saliva para baixo e obrigo meu pulso a
desacelerar.
— Estou falando sério — continua a dizer e pousa o indicador
abaixo do meu queixo, inclinando minha cabeça para trás. — Não
quero metade. Não quero nem mesmo uma parcela minúscula. Não
é assim que as coisas funcionam comigo. Ou é você por inteira, ou
não é nada.
— E se eu não puder me doar por inteira?
— Então, nós teremos problemas.
Reed inclina o corpo para frente e pega as cervejas, me
entregando uma. Bebericamos um gole juntos, nossos olhares
conectados através da borda. A cena é mais sensual do que deveria
e quase me faz esquecer de que não estamos sozinhos. O time todo
está aqui, assistindo a cada maldita interação minha entre Reed.
A diferença é que, semanas atrás, eu me preocuparia em
passar a imagem de que somos um casal de verdade. Agora, no
entanto, essa preocupação está esquecida dentro um baú, porque
estar com Reed não exige nenhum tipo de encenação.
A nossa relação de mentira se tornou tão natural que pode
ser facilmente confundida com algo real.
— Não pense tanto, Annie. — Reed deixa a cerveja em cima
do balcão e fecha os dedos ao redor do meu joelho nu. Estou
usando somente uma saia jeans. — Eu não vou te devorar.
Ergo as sobrancelhas.
— Mas você bem que gostaria.
Ele dá uma risada pelo nariz.
— Não coloque palavras na minha boca, sua espertinha.
Abro um sorriso divertido e levo a garrafa de cerveja aos
lábios, sorvendo um pequeno gole. Reed contempla os movimentos
de forma hipnotizada, o corpo ainda acomodado entre as minhas
pernas. O silêncio se estende, exceto pela música que toca nas
caixas de som do bar.
É The Night Is Still Young da Nicki Minaj. Pelo canto do olho,
noto nossos dois melhores amigos dançando, mesmo com a
ausência de uma pista de dança.
As mãos de Dave passeiam pela cintura de Claire e ele
cochicha algo no ouvido dela, arrancando-lhe uma gargalhada. O
sorriso que minha amiga dá para o quarterback é o mais bonito que
já vi. É aquele tipo de sorriso de quem tem a certeza que vai passar
o resto da vida ao lado daquela pessoa.
— Eles são um casal e tanto, não é? Quase me faz acreditar
de volta no amor.
Keeran chega de repente, o quadril encostado no balcão.
Reed e eu viramos o rosto ao mesmo tempo. Ele tem em uma das
mãos um copo de bebida, enquanto, na outra, um tipo de camarão.
Eu nem sabia que eles estavam servindo frutos do mar.
— Quase?
— Você sabe como funciona a minha vida, Scott. Nada de
relacionamentos sérios. — Dá uma mordida no camarão. — Mas,
quem sabe, para você eu possa abrir uma exceção. O meu quarto
fica no mesmo andar que o seu.
Reed grunhe.
— Quando você vai parar de dar em cima da minha
namorada, Flanagan?
— Até vocês dois pararem de mentirem para si mesmos. —
Levanta as mãos em rendição. — Estou ficando cansado. O meu
estoque de flertes já está acabando e vocês continuam nesse
mesmo joguinho de gato e rato.
— E como exatamente deveríamos estar?
Keeran passa as mãos pelo cabelo e bebe um gole da
cerveja, se afastando do balcão. Assim como os outros meninos do
time, ele veste uma camisa de botões e calças jeans. A única
diferença são as tatuagens que recobrem a pele do seu braço em
locais espalhados, dando um ar de garoto cheio de problemas e
com um passado misterioso.
— Diga-me você, Scott. — Keeran gesticula para a camiseta
que uso. — Como você gostaria de estar esta noite?
E da mesma forma que surgiu, Keeran se afasta. Ele se
mistura no mar de pessoas ao nosso redor, mas a ausência dele
não apaga o impacto da pergunta que fez.
— Não liga para o que Keeran fala — Reed diz perto do meu
ouvido, mas sem me tocar. — Ele está zoando com a gente.
Giro sobre os calcanhares e esquadrinho o semblante de
Reed. Ele está tão bonito e gostoso que parece uma miragem.
Como que eu vou resistir a esse homem até o final do nosso
acordo?
Não vou. Essa é a resposta. Não agora que eu sei o gosto
que a boca dele tem.
— E se eu ceder, Reed? — Jogo a pergunta. — O que
acontece?
Reed avança para cima de mim.
Eu posso jurar que ele vai me beijar aqui, no meio de todas
as pessoas. Entretanto, o que ele faz é o completo oposto. Os
dedos se fecham ao redor do meu pescoço em um aperto delicioso
e a boca paira sobre a minha, o ar quente escapando por entre os
lábios.
— Você quer ouvir a resposta ou quer que eu faça?
Puta merda.
Aprumo a coluna e pressiono os seios no seu peitoral.
Mesmo com o sutiã, sinto os mamilos ficarem intumescidos e
apontarem contra as duas camadas de tecido. Eles estão doidos
para serem tocados e chupados pela língua de Reed.
— Eu quero que você faça.
Não leva mais do que cinco segundos para Reed reagir. Ele
encaixa os dedos ao redor do meu pulso e me puxa para fora da
banqueta. Caminhamos por entre as pessoas e rumamos para os
fundos do bar, onde a iluminação é mais baixa. Reed não hesita em
nenhum momento. Ele abre a primeira porta e nos empurra lá para
dentro, fechando-a em um clique. Demoro curtos segundos para me
dar conta de que estamos no banheiro feminino.
Quando nossos olhares se encontram, não sei ao certo o que
pensar.
Ele mantém as costas pressionadas contra a porta, me
impedindo de fugir, e os braços cruzados em posição defensiva. A
camisa está com os dois primeiros botões abertos, revelando um
pedaço da pele ainda bronzeada do verão, e as mangas foram
dobradas para cima, na altura dos cotovelos.
O tecido adere ao seu porte atlético de um jeito que me dá
água na boca e faz a minha boceta se contrair em expectativa. Os
pensamentos de Reed, aparentemente, seguem o mesmo caminho,
porque ele me analisa com atenção da cabeça aos pés,
mordiscando o cantinho do lábio inferior.
— Venha aqui.
Ele faz um sinal com o dedo, pedindo para que eu me
aproxime.
E eu obedeço.
Meus pés se arrastam pelo piso até que estejamos
novamente de frente um para o outro. Reed empurra meu cabelo
para trás e os prende em punho, puxando minha cabeça para trás.
A ação é tão inesperada que acabo arfando em surpresa.
— Eu vou perguntar para você apenas uma vez e quero que
me responda com sinceridade, okay? — manda, de um jeito tão
rude que começo a ficar molhada.
Concordo com um aceno, mas não parece bastar. Reed dá
mais um leve puxão e meus pés se contraem dentro das botas. Eu
não sabia que podia despertar esse seu lado — e muito menos,
gostar.
— Eu quero ouvir da sua boca, Anne — exige.
— Eu vou responder com sinceridade, Reed — confirmo, a
voz arranhando as cordas vocais.
Reed curva discretamente a boca em um sorriso convencido
e usa a outra mão, a que não está presa em meus cabelos, para
apertar a minha bunda. É o lugar favorito dele no meu corpo, não
tenho dúvidas. E tenho que confessar que estou ansiosa para ele
me estapear do mesmo jeito que fez dentro do seu carro.
Foi quente.
Foi excitante.
Foi gostoso pra cacete.
— Eu vou te beijar de novo. Vou te beijar até que
esquecemos o nome um do outro. Vou te beijar quantas vezes
forem necessárias para que você nunca se esqueça por que cedeu
para mim. E, dessa vez, não quero que saia correndo ou diga que é
tudo a merda de um fingimento — murmura e aproxima as nossas
pélvis. — É isso que você quer, Anne?
Encaro os olhos felinos de Reed. Ali há um tipo de fogo que
poderia incendiar não somente esse banheiro, mas o hotel inteiro.
— Sim.
Minha confirmação é o que basta para que tudo ao nosso
redor exploda.
Reed emite um gemido e puxa a minha boca para sua,
afundando os dentes no meu lábio inferior. Eu solto um arquejo em
resposta, as pernas ficando molengas somente com o primeiro
contato que não chega nem perto do que já fiz com outras caras.
Contudo, com Reed, a intensidade não me abandona em nenhum
segundo sequer.
Ele faz valer a pena o começo e o fim.
A língua brinca com a minha, dançando em um tipo de
provocação que se assemelha a nossa relação. É como se ele
estivesse me convidando para assumir o controle da situação, mas
sem deixar de me entregar por completo.
Eu gosto de como as coisas funcionam entre a gente, desse
jeito que me confunde e me preenche de forma simultânea.
Afasto minimamente os lábios e aponto para a fechadura.
— Tranca a porta, Reed.
Ele estica o braço e gira a chave. O clique é o único som que
precisamos ouvir para que voltemos a nos beijar. Eu impulsiono as
pernas para cima e o corpo dele compreende de imediato. As duas
mãos grandes se firmam em minha bunda e me puxam para seu
colo.
Nessa posição, minha calcinha resvala no tecido da calça
jeans, que já evidencia o volume surgindo por debaixo dela, e eu
aproveito a oportunidade para rebolar o quadril em um círculo,
desejando sentir o seu pau.
Reed e eu engolimos um gemido e a boca suga com mais
força a minha, desnudando a minha alma. Ele desliza os lábios
molhados por minha mandíbula e desce em direção ao pescoço,
dando ali uma mordida que certamente vai deixar uma marca no dia
seguinte.
— Você me deixa tão louco, porra. — Dá um passo para
frente, sem nenhuma dificuldade, e desfere um tapa na minha
bunda. — Você ao menos tem noção do que faz comigo?
Fecho os olhos e mordo o lábio inferior quando Reed me
coloca sentada sobre o granito gelado da pia. As mãos retornam
para os meus joelhos, os entreabrindo. Os dedos dedilham o interior
das pernas, subindo lentamente para dentro das coxas.
Começo a ficar impaciente.
Ao notar a minha expressão, Reed paralisa os dedos. A boca
paira sobre a minha e fecho os punhos no colarinho da sua camisa.
Quero arrancar esse tecido e senti-lo pressionar cada parte minha
sem nenhum tecido nos atrapalhando.
— Eu não vou ceder para você se continuar brincando
comigo, Reed.
— Não vai? — Arqueia a sobrancelha e uma das mãos sobe,
se escondendo embaixo da minha saia jeans. — Nem mesmo se eu
me ajoelhar aqui e te chupar?
Porra.
Empino o queixo e uso de toda a confiança que tenho dentro
de mim para dizer:
— Não.
A risada irônica vem seguida de um dar de ombros, divertido.
— Isso é o que nós vamos ver.
Reed não espera que eu dê uma resposta à altura. Ele se
ajoelha em câmera lenta e ergue o rosto, me observando de baixo.
A imagem é muito mais sensual do que imaginei. Os lábios
molhados e inchados por causa do beijo, as bochechas coradas e
as pupilas dilatadas fazem minha boceta ficar molhada.
E ele ainda nem fez nada.
Sou puxada para a beirada e os dedos voltam a subir, se
infiltrando por debaixo da saia jeans. Ao chegar na altura da
calcinha, Reed brinca com o polegar no centro, sentindo a umidade
que se acumula no tecido rendado.
Não tem mais como mentir. Não quando ele me dá um sorriso
arrogante e distribui uma mordidinha no meu joelho.
— Se eu me lembro bem, você tinha dito que não ficava
molhada para mim.
Contraio a barriga.
— E eu não fico.
— E essa boceta molhada é para quem, então?
Sugo o ar com uma única lufada e fecho a mão ao redor da
beirada do balcão.
— Para qualquer um, menos para você.
Reed faz um biquinho descontente e o polegar faz uma
pressão maior contra a minha intimidade. O tecido rendado da
calcinha pinica, me deixando ainda mais impaciente.
Ele continua a me provocar; dessa vez, com a boca se
fechando no interior da minha coxa esquerda. A língua desliza por
minha pele em círculos imaginários e minha mão voa para sua
cabeça, prendendo os fios de cabelo entre os dedos.
Meu pescoço arqueia para trás e afogo um gemido quando o
nariz paira sobre a minha boceta. Ele inspira e empurra o tecido da
saia para cima. O tecido do jeans se acumula na minha cintura e,
simples assim, estou exposta para Reed, com uma fina camada de
renda me mantendo parcialmente escondida.
— A quem está tentando convencer, Anne? — Abre mais as
minhas pernas. — A mim ou a você?
— Isso importa agora? — resmungo, em um nítido mau
humor.
Reed não me responde, apenas age.
Sou puxada para a beirada da pia e os polegares se engatam
nas laterais da minha calcinha, a puxando para baixo. Ele não tem
nenhuma dificuldade em deslizar a renda molhada por meus joelhos
e finalmente pelos meus pés.
Ao tê-la em mãos, leva-a ao nariz e inspira baixinho.
Cacete.
Por um momento, cogito a possibilidade de eu mesma me
tocar diante dessa cena. Afundar o dedo em minha entrada e
acariciar o clitóris com o polegar, gemendo de boca fechada para
que ele não saiba as reações que consegue causar em mim.
Ao notar o meu olhar sobre o seu, Reed me direciona um
meio-sorriso e guarda a calcinha dentro do bolso traseiro da calça
jeans.
— Isso aqui fica comigo até segunda ordem — declara e
abaixa as vistas para a minha boceta descoberta. — Porque
imaginar você voltando para aquele bar sem essa calcinha é
excitante pra cacete.
Quem dispensa uma resposta dessa vez sou eu. Puxo-o pelo
tecido da camiseta, obrigando-o a ficar de pé, e o beijo com força,
puxando o lábio inferior entre os dentes, para logo em seguida
afundar a língua na sua boca. Nós dois gememos em uníssono e,
com os dedos trêmulos, desabotoo mais dois botões da sua camisa.
Deslizo a palma da mão por seu peitoral, sentindo os músculos se
contraírem.
Hoje, eu amo que Reed seja um atleta.
Ele volta a apertar as minhas coxas e eu me abro ainda mais
em um convite mais do que bem-vindo.
— Ainda estou esperando você me responder — sibila em
um rosnado quando se afasta abruptamente. A expressão dele é um
poço de tesão e sedução. — Porque só depois disso eu vou enfiar
meus dedos dentro de você e te chupar do jeito que eu sei que você
gosta.
Qual era a merda da pergunta mesmo? Minha cabeça é uma
nuvem de fumaça.
— Não consigo me lembrar da pergunta.
Ele arqueia uma das sobrancelhas, ponderando se refaz a
pergunta ou me deixa no escuro. A minha sorte é que Reed escolhe
a primeira opção.
— Essa boceta molhada é para quem?
Ah.
— Para você. Só para você e para ninguém mais.
— Boa garota. — Sorri e se ajoelha novamente, mantendo a
atenção fixa na minha intimidade descoberta. Estou tão molhada
que posso senti-la pulsar com o mero olhar que recebe. — É assim
que eu gosto que as coisas funcionem entre a gente, Anne. Não
quero ver você fingindo.
Reed não me dá a chance de formular nenhum tipo de
pensamento. Simplesmente dá um tapa na minha boceta e insere
um dedo. Eu dou um grito estridente, não esperando que ele já
fosse começar dessa maneira.
Mordo o interior da bochecha com força e qualquer chance
que eu tivesse de manter a minha sanidade intacta se estilhaça em
inúmeros pedacinhos quando ele afunda mais um dedo e os curva
levemente para cima, tocando um ponto que me faz revirar os olhos.
Estou tão úmida que não há nenhuma dificuldade. Ele desliza
para dentro sem encontrar nenhuma barreira no caminho.
Me contraio ao seu redor e afundo os dedos em seu ombro
quando, com o polegar, Reed começa a massagear o meu clitóris
em movimentos circulares. A pressão é perfeita e capaz de me
derrubar no chão a qualquer instante.
Não tem como eu sair viva daqui.
Meu quadril começa a dançar, acompanhando o ritmo do vai
e vem dos dedos dele e da pressão aplicada no meu clitóris. Mas eu
quero mais. Preciso de mais. Não vou conseguir gozar assim e a
última coisa que eu quero é sair desse banheiro frustrada.
Reed vai ter que ir até o fim.
— Eu quero sua boca em mim — exijo ao sentir mais um
dedo entrar. Três dedos dentro de mim. — Me chupa, Reed.
Ele inclina o pescoço para trás, me sondando de baixo com
as pupilas dilatadas. Com todos os botões da camiseta aberta e o
pau ereto se destacando no tecido da calça, eu não tenho dúvidas
de que estou vivendo um tipo de sonho. Não tem como ser real.
Não quando Reed espalma a mão livre na minha bunda e me
puxa para o limite da beirada da pia. Estou sustentada por poucos
centímetros.
— Finalmente você aprendeu, Anne. — Abaixa o rosto e
desliza o nariz para cima e para baixo em minha virilha. O seu jeito
de torturar é o mais sujo que já vi. — É só você pedir que eu faço.
Ele caí de boca na minha boceta sem hesitar, fazendo
exatamente o que pedi. A língua sobe e desce por toda a minha
extensão, os dedos sincronizando os movimentos dentro de mim
enquanto me contorço, o quadril não conseguindo ficar quieto.
Quando meu clitóris é sugado, estrelas minúsculas se
formam no canto dos meus olhos. Afundo as unhas nos ombros de
Reed e prendo o tecido entre as palmas, um gemido nada bonito
sendo liberado.
— Agora eu quero saber... — Reed murmura, os lábios
molhados com a minha excitação, os dedos ainda saindo e entrando
em um ritmo enlouquecedor. Manter minhas pálpebras abertas é
uma tortura. — Quando eu te fizer gozar, você vai continuar aqui
comigo?
Puta merda.
Ele precisa parar de falar assim comigo.
Não consigo acompanhar a linha dos seus pensamentos
quando há três dedos dentro da minha boceta. É o jogo mais cretino
de todos e que, infelizmente, combina perfeitamente com Reed
Rollins.
— Eu quero que você me responda, Scott.
Arqueio a coluna para trás e respiro fundo, entreabrindo as
pálpebras. Reed permanece de joelhos, a mão livre mantendo as
minhas pernas abertas e os cabelos bagunçados nas mais
diferentes direções.
— Eu não vou a lugar nenhum.
O sorriso malicioso exprime o orgulho ao ouvir a minha
declaração e, como eu tanto desejei durante toda a noite, ele
encaixa minhas pernas ao redor do seu pescoço e avança
novamente, sugando tudo de mim.
Dessa vez, os dedos são substituídos por sua língua. Ela
adentra a minha entrada, enquanto o polegar dedica-se ao meu
clitóris já inchado.
Meus fluidos escorrem por sua boca e me puxam para cada
vez mais perto do orgasmo. O costumeiro formigamento começa a
se formar em meu ventre e eu rebolo na boca de Reed, deixando
que ele invista mais fundo dentro de mim.
— Reed, eu...
Ele desliza novamente a língua por toda a minha extensão
molhada e esse é o golpe final. Minhas coxas se apertam ao redor
do seu pescoço e eu explodo, gemendo alto e gozando na sua
boca.
Recosto minha cabeça no espelho e relaxo os dedos,
deixando Reed livre do meu aperto enquanto um pedaço da minha
alma é drenado para longe.
Minha pulsação acelerada fica ainda mais confusa quando
Reed resvala os lábios molhados nos meus, deixando que eu sinta o
gosto do meu próprio gozo. Esse gesto é de uma intimidade tão
grande que me pego abrindo um minúsculo sorriso.
— Você não estava brincando quando disse que iria me
chupar do jeito que eu gostava.
Reed empurra meu cabelo suado para trás e acaricia minhas
bochechas com carinho, me reverenciando logo depois de acabar
com cada partícula de resistência que eu ainda poderia ter. Não
existe nenhuma possibilidade de eu ir embora e deixá-lo para trás.
— Esse é apenas o começo, Annie. — Retorna ao apelido e
beija a pontinha do meu nariz. — Porque eu, com certeza, ainda não
terminei com você.
“Você sabe, eu não consigo suportar”
I Put A Spell On You | Nina Simone
Reed e eu estamos dentro do elevador logo depois dele
proporcionar o melhor orgasmo da minha vida. Ainda posso
visualizar as estrelas no canto dos meus olhos e o leve tremular do
meu joelho. Não que eu vá admitir qualquer um desses detalhes
para ele. Vou levar cada um deles comigo até o túmulo.
Se eu elevar ainda mais o ego de Reed, não duvido que logo
ele vai atravessar a estratosfera dentro de um foguete.
Quando o elevador apita que estamos no sétimo andar,
caminhamos em direção ao quarto. Nossos passos repercutem pelo
silêncio do corredor. A maioria dos jogadores do time continuam no
bar do hotel, determinados a celebrar a vitória até o amanhecer.
Dave e Claire, curiosamente, sumiram logo depois que Reed e eu
saímos do banheiro.
— Você não precisava me acompanhar até o quarto, sabia?
— Insiro o cartão no leitor. A porta é aberta em um clique. —
Poderia ter ficado lá embaixo com os outros meninos.
Uma das sobrancelhas grossas se ergue em um arco
perfeito.
— Estou cansado, joaninha. Foi um jogo difícil, a única coisa
que eu quero é tomar um banho e me jogar na cama.
— Bom, então...
Minha dispensa é vista de outra forma e, inesperadamente,
Reed cai na gargalhada, o pescoço pendendo para trás. Quando
volta a olhar para mim, as bochechas estão coradas e há um sorriso
zombeteiro dançando em sua boca.
— Acho que você não entendeu ainda, Annie... — Se
aproxima e empurra a porta para trás, abrindo-a totalmente. Ele dá
mais um passo para frente e eu recuo, entrando no cômodo escuro.
— Mas esse quarto é para nós dois. Vamos dormir juntos, como um
casal deve fazer.
Meus olhos se arregalam e eu me afasto mais um pouco,
tateando a parede em busca do interruptor. Reed aproveita o
momento e entra de vez no quarto, fechando a porta com um chute.
Estamos agora na densa escuridão e eu não vejo absolutamente
nada.
Aguço os ouvidos, procurando escutar qualquer som, mas a
quietude predomina, exceto pelo galopar vergonhoso do meu
coração.
— Reed?
Nada.
Movo meus pés para trás, sem saber ao certo para onde
seguir. Pelo o que lembro, a cama fica no extremo oposto e, do lado
esquerdo, há a porta que dá acesso ao banheiro. O grande
problema é que não faço ideia se estou a poucos passos da cama
ou do outro lado do quarto.
— Isso não tem graça, sabia? — resmungo e cruzo os
braços. — Se é o seu jeito de me aterrorizar para que ceda o
colchão para você, saiba que não vai dar certo. Eu não cedo fácil.
Um grito agudo me escapa assim que as mãos de Reed se
fecham ao redor da minha cintura e a boca dá uma mordida de leve
no meu pescoço, a língua trilhando um caminho perigoso até a
orelha.
— Você gosta de bancar a difícil comigo, hein? — ronrona e
empurra meu cabelo para trás, respirando baixinho na minha pele.
— Quando você vai entender, de uma vez por todas, que eu gosto
de ser desafiado?
— Gosta de correr atrás de quem não está nem aí para
você?
Ele ri e infiltra os dedos por debaixo da minha camiseta.
— Gosto de conquistar o que já sei que é meu — me corrige
ao prender o lóbulo da minha orelha entre os dentes. Minha boceta
desperta embaixo da saia, sem nenhuma calcinha para mantê-la
protegida desta vez.
— Eu sou sua, então?
Reed demora para responder. As mãos exploram o meu
corpo, subindo e descendo por minhas costelas, o polegar
brincando com o arco do sutiã, mas sem avançar de fato.
— Me responda você. — Reed me vira de frente para o seu
corpo com um único movimento. Como estamos no escuro, não
consigo visualizar o seu rosto, mas tenho certeza de que está
sorrindo. — Você já é minha? Ou eu vou ter que me esforçar mais
um pouco?
— Talvez você deva fazer uma forcinha a mais. Estou
facilitando as coisas demais para você.
— Você não faz ideia do quanto você é difícil de lidar.
— Você está me insultando por acaso? E no escuro ainda,
para não correr o risco de levar um soco no nariz? Você é patético.
Reed ri.
— Eu não ousaria. Gosto do meu nariz, mas também gosto
de você.
Sugo o ar em uma lufada única.
O bom das luzes estarem apagadas é que ele não pode ver a
careta que estou fazendo. Eu ter deixado as coisas avançarem entre
nós não significa que estou pronta para me desnudar dessa forma.
Não quero me entregar por inteira, muito menos me permitir
sentir qualquer sentimento grande demais por ele.
— Não torne isso maior do que é — suplico e subo com as
mãos, parando-a na altura dos ombros largos. Reed é gigante.
— E o que é isso entre a gente?
— Algo casual. Um bônus pelo nosso namoro falso.
Reed fica quieto em primeiro momento. A primeira reação
que ele tem é mover as mãos pela minha cintura e parar na altura
do pescoço. A segunda é encaixar os polegares ali, massageando
de leve.
— É isso que você quer, Annie?
Concordo, desejando poder ver o rosto dele e saber
exatamente o que está pensando. Ler Reed é fácil. E talvez seja por
isso que estejamos tendo essa conversa no escuro. Com as luzes
acesas, nos tornamos vulneráveis.
— Sim.
Ele abaixa as mãos e dá um passo para trás.
— Que assim seja.
Então, ele acende a luz com um leve toque no interruptor.
Demoro a me acostumar com a claridade do quarto, mas quando
meus olhos conseguem focar nos de Reed, um friozinho se apodera
da minha barriga.
Existe um tipo de calor dilatando as pupilas dele que estou
notando pela primeira vez.
Ele passa a língua pelos lábios e leva a mão ao bolso traseiro
da calça jeans. De lá, tira a minha calcinha. A calcinha que levou ao
nariz e cheirou, gemendo logo em seguida.
Puta merda.
Pensar nessa cena me deixa com vontade de empurrá-lo
para cima da cama, subir em seu colo e gozar de novo com a sua
boca irritante na minha boceta. O calor aquece as minhas
bochechas e tenho certeza de que ele compreende o rumo dos
meus pensamentos, porque dá uma risadinha arrogante.
— Esqueci de falar para você... — Gira a calcinha no polegar
e a arremessa em cima da cama. — Mas há uma chance de azul
ser a minha cor favorita agora.
O tecido rendado, na cor azul, se destaca na colcha branca
da cama de casal.
— Desistiu da ideia do vermelho?
Reed discorda com um aceno de cabeça, os olhos devorando
o meu corpo de cima a baixo. Mesmo usando a saia jeans e a
camiseta com o seu nome nas costas, me sinto nua diante da
intensidade que emana de suas íris.
— Guarde as suas lingeries vermelhas para a próxima vez —
declara autoritário e contorna meu corpo, rumando para o banheiro.
Antes de entrar no cômodo, no entanto, ele me observa sobre o
ombro. — Porque haverá muitas para eu tirar a sua roupa no futuro.
Eu não vou desistir de você, Annie.
Como de costume, ele não me dá a chance de responder.
Entra no banheiro e fecha a porta. Mesmo com o silêncio me
rodeando, ainda sinto suas palavras flutuando no ar, atingindo em
cheio o único lugar que quero manter intacto: o meu coração.
Estou sentado no Medi Del Mar, o restaurante favorito do
meu pai em North Groove.
Como de costume, marcamos de nos encontrar para o
almoço. Para a minha total surpresa, ele está atrasado, algo que
não costuma acontecer. Ricky é a pessoa mais pontual que
conheço.
A última vez que estive aqui foi no início de setembro,
algumas semanas antes da temporada de jogos começar. O curioso
é que, desde aquele dia, a minha vida sofreu uma reviravolta
surpreendente. Chega a ser irônico o quanto um boato espalhado
despretensiosamente é capaz de bagunçar a cabeça de uma
pessoa.
Batuco com os dedos no tampo da mesa e dispenso o
garçom quando ele pergunta se quero beber algo. Leva quase dez
minutos para que eu veja Ricky estacionar o carro em frente ao
restaurante e saltar para fora, arrumando o paletó e a gravata.
No momento em que ele se acomoda na cadeira em frente à
minha, trocamos um olhar silencioso. A expressão em seu rosto
cansado não é nada agradável. É um aviso da tempestade que se
aproxima. Vai ser um almoço difícil. Principalmente pelo fato de que
não o vi no jogo em West Falmouth, mesmo com ele dizendo que
estaria lá.
— Como você está? — pergunta em um tom frio. — Não tive
notícias suas desde a vitória contra os West Panthers.
— Estive ocupado — respondo e pego o cardápio, criando
uma barreira segura. — É um momento importante do campeonato.
Não quero perder o foco.
Ricky deixa escapar uma risada de puro deboche e empurra
o meu cardápio para baixo. Ele me fulmina com um tipo de ódio
latente.
— Você não parece estar tão focado como diz, Reed. Tenho
estado de olho em você.
Um balde de água com gelo me atinge e instantemente, eu
sei.
Eu sei que Ricky esteve no jogo de sexta.
E sei que ele me viu com Anne no bar do hotel.
E não duvido que ele saiba o que tenha acontecido entre a
gente naquele banheiro também.
— Tenho frequentado todos os treinos e melhorado cada vez
mais a minha performance no campo — retruco. — O que você quer
além disso?
Ele arqueia a sobrancelha com fios grisalhos.
— O que você quer da vida, Reed?
— Ser draftado pelo New England Patriots.
— E o que mais?
— Ser um jogador tão bom quanto você.
Meu pai concorda com um leve aceno e cruza os braços
sobre o peito largo.
— E o que a garota quer da vida?
A raiva cresce dentro de mim.
— Ela se chama Anne.
Ricky faz um movimento com a mão, como se estivesse
pouco interessado no que estou falando. Anne poderia ser uma
mosca que ele não hesitaria em enxotá-la para fora.
— O nome pouco me importa. Quero saber quais são os
objetivos dela.
Trinco os dentes.
— Por que você mesmo não pergunta? Essa é a
oportunidade perfeita para você encurralá-la com os seus
questionamentos e procurar por algum tipo de humilhação. — A
palma da minha mão formiga. — Por que, nos últimos anos, você
tem feito isso muito bem, não é?
Ricky aperta os lábios em uma dura linha e as feições
congelam duramente. A imagem se assemelha a de quando ele
brigou comigo pela primeira vez por não atender às suas
expectativas.
Curiosamente, desta vez, não me sinto afetado. Não vou
deixar que ele humilhe ou destrate Anne. Ele não vai fazer com ela
o mesmo que faz comigo. Esse fardo é totalmente meu.
— Você não está entendendo — ruge, mas em um tom baixo
para que não sejamos ouvidos pelos outros clientes. — Não é isso
que eu desejo para você.
— Pode apostar que estou entendendo muito bem, pai.
Ele sorri amargamente.
— Claramente entende, então, quando digo que não quero
que você perca o foco do que realmente importa por causa de uma
garota insignificante.
Xingo mentalmente um palavrão.
— E correr o risco de me casar e ter um casamento de merda
como o seu? — debocho. — Eu dispenso a sua preocupação. Ela
pode ir para a puta que pariu.
A pose tranquila de Ricky se perde de imediato. As
sobrancelhas se franzem e as rugas se acentuam no centro da
testa, o músculo do maxilar pulsando em impaciência. As mãos se
fecham em punho e as narinas dilatam quando ele respira fundo e
expira profundamente.
— Olha como você fala comigo, Reed.
Sacudo a cabeça e arrasto a cadeira para trás, ficando de pé.
Essa é a primeira vez que o encaro de cima, sem me sentir nada
intimidado.
— E olha como você fala da minha namorada. — Espalmo as
mãos sobre o tampo da mesa. Sinto olhares curiosos arderem em
minhas costas. — Você não vai tratá-la do mesmo jeito que trata a
mim e ao Aaron. Guarde suas merdas para si mesmo, porque eu
estou indo embora.
— Se der mais um passo, não espere que eu seja
condescendente com você. Está agindo como uma criança mimada.
Reprimo a vontade de rir na sua cara.
— E o que vai fazer? Me comprar com o seu dinheiro para eu
cale a boca e suma da sua vida como você fez com o Aaron? —
Estalo a língua no céu da boca, contente por vê-lo congelar na
cadeira. — Você não vai fazer isso, é claro. Porque eu sou o seu
legado, não é?
Ricky permanece em silêncio conforme trocamos um olhar
que, se fosse semanas atrás, certamente teria me feito abaixar a
cabeça e me sentar novamente na cadeira. Entretanto, dessa vez,
não vou recuar. Essa briga não é somente por causa de Anne, mas
por tudo o que tenho aguentado nesses últimos anos.
Estou esgotado e cansado de fazer as coisas por ele e não
por mim.
— Você vai se arrepender disso, Reed. — A ameaça oculta
não me passa despercebida. — É um erro colocar uma garota
acima do que você quer para a vida.
— E se for ela quem eu quiser de verdade?
Ele move o rosto para o lado e massageia a barba.
— Você abriria mão do futebol americano por causa de uma
garota? — questiona. — Esse relacionamento pode não durar,
Reed. Já uma carreira, é para a vida toda. Ela nunca vai te
abandonar, porque depende exclusivamente de você.
— Você pensou assim quando decidiu se divorciar da
Noreen?
Sei pouquíssima coisa sobre o casamento de Ricky com
Noreen. Como eu era criança, minha percepção sobre a relação dos
dois era inocente demais. Na minha cabeça, eles estavam felizes e
sendo os pais perfeitos para mim. Não havia riscos de eu viver uma
vida com um deles ausente.
Mas aconteceu.
A pergunta, curiosamente, parece despertar também uma
onda de memórias em meu pai. Ele massageia a ponta do nariz e
sobe em direção aos cabelos, empurrando-os para longe da testa.
Quando volta a me observar, a resposta está estampada em cada
ruga de expressão.
Suspiro pelo nariz e visto novamente a jaqueta jeans. É
inacreditável como meu pai é um merda. Qualquer inspiração que
ele poderia me fornecer acabou de virar um monte de lixo.
— Não sei por que fiz essa pergunta. Eu vou embora.
Para a minha total surpresa, Ricky não se opõe. Não levanta
da cadeira, não tenta me convencer a ficar e tampouco se move. Ele
só me chama uma última vez e eu lanço um olhar frio sobre o
ombro.
— Não se esqueça do jantar — relembra. — Dianna ainda
quer conhecer você e vai preparar algo especial.
Assinto, mesmo a contragosto.
— Não se preocupe. Eu estarei lá.
Não espero que ele formule qualquer tipo de resposta,
apenas viro as costas e vou embora, consciente de que essa
discussão mudou tudo entre nós.
O começo da semana passa como um borrão. Faço minha
inscrição no estágio do PK Journal, trabalho exaustivamente na
lanchonete, visito a minha mãe em Sunbay, ligo para o meu irmão e
entrego dois trabalhos de Jornalismo Econômico. Agora, na quinta,
estou sentada com Claire na cafeteria do campus, ajudando-a a
acertar os principais detalhes sobre o desfile.
É um processo cansativo, mas sei que vai valer a pena no
final.
Nesta tarde, a nossa mesa está uma bagunça. Claire se
mantém debruçada sobre o seu caderno de desenhos enquanto eu
converso com um fotógrafo por e-mail. Já redigi também um briefing
e fiz anotações sobre os detalhes mais importantes do evento.
Brinco com a caneta entre os dedos e bebo um gole do café.
Minha amiga faz o mesmo, empurrando o caderno para longe
e deitando a cabeça no meu ombro. Assim como eu, Claire está
exausta. Há olheiras inchadas demarcando a sua pele negra-escura
que nem mesmo a maquiagem foi capaz de esconder.
— Eu daria de tudo para dormir, sei lá, 12 horas seguidas e
acordar com tudo resolvido. — Suspira. — Preciso de uma folga.
— Você precisa descansar, amiga. Vai para casa e relaxe.
Assista o seu filme favorito e pede uma pizza — aconselho-a. —
Você não vai conseguir trabalhar desse jeito. Vejo seus olhos
pesando daqui.
Ela faz um biquinho em decepção, mas acaba concordando
com um aceno.
— Acho que é melhor mesmo. Minha cabeça está prestes a
explodir.
— Eu te mando um e-mail depois com todos os detalhes do
desfile, não se preocupe — digo. — E se eu souber que ficou
acordada até tarde trabalhando escondido, vou puxar o seu pé à
noite quando menos esperar.
Claire dá risada, mas sabe que estou falando sério. Ela ajeita
as coisas dentro da bolsa, pede mais um café para o garçom e vai
embora alguns minutos depois, se despedindo com beijinhos.
Estou dando uma última checada nos documentos quando o
meu celular vibra em cima da mesa. Meu coração galopa quando
vejo a notificação brilhando na tela. Abro a mensagem sentindo um
tipo esquisito de frio na barriga.
Zangão: Tô aqui no vestiário do time. Vem pra cá.
Anne: O treino já acabou?
Zangão: Acabou faz tempo, mas eu fiquei treinando até
depois com o Turner.
Franzo o cenho, desconfiada, e mais uma mensagem chega.
Zangão: Vem logo, joaninha. Tenho uma surpresa para você.
Anne: Envolve comida?
Os pontinhos embaixo do nome de Reed pulam para cima e
para baixo por vários segundos, depois param e voltam.
Que merda ele está aprontando?
Zangão: Depende do seu ponto de vista.
Faço um bico com os lábios, embora ele não possa ver.
Anne: ?????
Zangão: Vem logo. Não tenho o dia todo, porra.
Dou risada ao ler a mensagem e, mesmo achando suspeito,
faço exatamente o que ele pede. Guardo o meu computador dentro
da bolsa e bebo o restante do café, deixando uma gorjeta em cima
da mesa.
A última vez que estive no vestiário do time foi quando o
boato explodiu na minha cara e na de Reed. Naquele dia, eu não
prestei atenção ao meu redor de tanta raiva, mas agora, enquanto
empurro a porta de metal, noto que o lugar se encontra silencioso,
exceto pelo barulho do chuveiro.
Deixo a minha bolsa em um dos bancos de metal e sigo para
a parte de trás dos armários, que é onde ficam as cabines de banho.
Dessa vez, não há cheiro de suor pungente ou de cuecas molhadas.
— Reed? — chamo, ficando na ponta dos pés, mas não
recebo nenhuma resposta.
Caminho a passos lentos até o fim das cabines, encontrando-
o na última. Ele está de costas para mim enquanto lava o cabelo, os
músculos das costas se contraindo em conjunto com os bíceps.
Pigarro alto o bastante para ele me escutar.
— Você me chamou aqui para eu te ver tomando banho? —
Arqueio a sobrancelha. — Porque, se sim, essa é uma surpresa
horrorosa.
Reed se vira e abre um sorriso de covinhas quando me vê.
Empurra o cabelo molhado para trás e apoia os braços na parte
superior da porta, me analisando da cabeça aos pés.
Instantemente, me contraio por dentro diante da intensidade
do seu olhar. Ele nem se esforça para disfarçar o que está passando
na sua cabeça.
— Te chamei para relembrarmos os velhos tempos.
— Isso inclui o treinador aparecendo de surpresa?
Ele discorda e faz um sinal com a mão.
— Vem cá, Annie.
Não me oponho. Como aconteceu na noite do hotel, eu
caminho até onde ele está. Reed está com boa parte do corpo
coberto, mas ainda há uma quantia generosa de pele exposta — e
molhada. Dá para ver o contorno do seu peitoral e o desenho das
clavículas com gotículas de água implorando para serem lambidas.
A diferença, da primeira vez que estive aqui, é que agora
posso fazer isso e muito mais. Posso não só lamber, como também
chupar.
— Quero fazer hoje uma coisa que não pude fazer da
primeira vez que você esteve aqui — Reed diz e diminui a
intensidade da água do chuveiro. Os pingos caem lentamente no
piso. — Você tem que prometer fazer silêncio.
— Você está com medo que eu seja do tipo barulhenta?
A risada repercute pelo vestiário e a porta da cabine é
destrancada em um clique. O barulhinho faz o meu estômago se
contrair. Quando ergo as vistas, Reed me encara em um tipo de
fome que conheço como a palma da minha mão.
— Abre a porta — exige. — E entra aqui.
Puta merda.
Mordisco a ponta da minha língua, hesitando. O vestiário se
encontra vazio, exceto por nós dois, e como Reed disse, o treino
acabou faz tempo, então até mesmo o treinador já deve ter ido
embora.
Engulo em seco e fecho meus dedos ao redor do pequeno
trinco, puxando a porta. Reed dá um passo para trás, me dando
espaço e, antes que eu tenha a oportunidade de desistir, a mão
molhada se estreia ao redor da minha cintura e sou puxada para
dentro, a porta da cabine fechando em um estrondo.
Minhas costas atingem a parede de azulejos e a umidade do
chuveiro se entremeia no tecido da minha camiseta. Reed apoia os
dois braços ao redor da minha cabeça, me encurralando como da
primeira vez que estive aqui. O perfume que emana do seu corpo se
infiltra em minhas narinas e faz os dedos formigarem.
— Posso te contar um segredo? — Reed questiona enquanto
pingos de água caem do seu cabelo em minhas bochechas. Não as
seco; me limito apenas a assentir timidamente. — Tenho pensado
em você mais do que gostaria de admitir. E de jeitos que não
estavam em meus planos.
Mantenho meus olhos nos seus. Se eu olhar para baixo, não
vou conseguir criar nenhum pensamento coerente dentro das
próximas horas.
— Posso te contar um segredo também? — Agrupo o
máximo de ar e exalo, criando coragem quando ele concorda da
mesma forma que eu fiz. — Eu tenho pensado a mesma coisa. E
sabe qual a pior parte? Não sei como parar.
Os dedos longos se firmam com mais força ao redor da
minha cintura e um sorriso convencido cresce na boca dele. Sem
querer, me vejo retribuindo o mesmo sorriso.
— Então, não pare, Annie. Porque eu também não vou.
Tenho que engolir o gemido quando sinto algo cutucar a
minha barriga. E, contrariando a mim mesma, eu olho para baixo.
Minúsculas gotículas de água escorrem pelos gominhos do
abdômen e terminam no V do seu quadril. Continuo a descer o olhar
até terminar no meio de suas pernas.
O pau de Reed está ereto, apontando para cima e com gotas
de pré-gozo umedecendo a sua glande. As veias proeminentes se
destacam e fazem a minha boca salivar para senti-lo dentro de mim,
me fodendo nesse chuveiro com o risco de sermos pegos por
qualquer um.
Surpreendendo a mim mesma, essa ideia me excita pra
caralho.
— Qual a chance de sermos descobertos? — pergunto em
um tom rouco.
Reed dá uma risadinha e pega a minha mão, colocando-a
sobre o seu pau. Sinto a excitação umedecer a ponta dos meus
dedos e, só para provocá-lo, começo a movimentá-los em uma
carícia feita quase em câmera lenta. Fecho, então, a palma ao redor
da sua extensão e o gemido angustiado perfura os meus ouvidos.
— A ideia de ser pega te deixa excitada?
As pupilas se fixam nas minhas e eu concordo com um
aceno.
— Você não faz ideia do quanto, Reed.
Ele pragueja um palavrão quando começo a me abaixar,
ficando de joelhos diante do seu pau. A água do piso umedece o
tecido da minha calça jeans, mas pouco me importo. O desejo de
tocá-lo é tão devastador que o meu clitóris incha dentro da calcinha,
tão ansioso quanto eu.
Umedeço os lábios com a pontinha da língua e movimento
minha mão para cima e para baixo. Meus dedos quase não se
fecham ao redor do membro grosso e inchado. Reed estica a coluna
para trás e, inconscientemente, empurra a pélvis para frente, o pau
ficando a poucos centímetros da minha boca.
O corpo dele implora, sem vergonha, pelo meu.
Levanto o rosto e pisco as pálpebras de um jeito inocente,
minha palma subindo e descendo por seu eixo. Uso o polegar para
acariciar a glande e espalhar o líquido pela ponta, deixando-o ainda
mais molhado e pronto para mim.
Não espero que Reed diga alguma coisa.
Apenas abro a minha boca e engulo o seu pau.
Ele assobia alto e apoia o braço no azulejo.
— Puta merda, Anne.
Sorrio internamente e rodeio a cabeça com a ponta da minha
língua, sentindo o gosto salgado. A água do chuveiro continua a
cair, molhando agora não somente a minha calça, como também a
minha camiseta e o meu cabelo. O vapor se condensa ao nosso
redor, criando gotículas de suor atrás da nuca.
Reed abaixa a cabeça e me encara de cima, enquanto eu
empurro seu pau cada vez mais para dentro da minha boca,
saboreando-o. Volto para a glande e a lambo com lentidão. Uso a
mão livre para deslizar por seu comprimento e reprimo a vontade de
esfregar o meu clitóris para me aliviar.
— Você gosta do perigo, então — ele formula a frase com
dificuldade, as pálpebras tremendo. — Gosta de pensar que existe a
possibilidade de alguém entrar aqui e saber que você está com a
boca no meu pau, me deixando louco?
Pisco os olhos, assentindo.
Minha confirmação é o que basta para que Reed feche as
mãos em punho ao redor do meu cabelo molhado e empurre
gentilmente a minha cabeça para trás, me afastando. Eu
choramingo em derrota.
— Sim — confesso.
Ele aperta o músculo do maxilar e usa o polegar para
empurrar o meu lábio inferior para baixo. Mordisco a pontinha e
chupo seu dedo, rodando com a minha língua. Reed se afasta logo
em seguida e segura o próprio membro na mão, a água deixando
que o movimento fique ainda mais escorregadio.
— Faça a gente ser ouvido, Scott — rosna, aproximando
mais o quadril do meu rosto. — Quero que a merda dessa
universidade inteira escute o que você consegue fazer comigo.
Abro um sorrisinho arrogante e dou a ele exatamente aquilo
que está me pedindo. Entreabro os lábios e o levo até o fundo da
minha garganta, alcançando um ponto que faz nós dois revirarmos
os olhos ao mesmo tempo. Ele aperta o punho ao redor dos meus
cabelos e começa a guiar a minha cabeça para frente e para trás,
ditando o próprio ritmo.
— Você me deixa louco — sibila entre uma arfada outra,
bombeando em minha boca. — E um dia vai acabar comigo. Estou
te avisando, Anne.
Afasto a minha boca e lambo o seu pau por inteiro. Uso as
mãos para acariciar as suas bolas inchadas e suspiro entre uma
lambida e outra. Minha boceta se contrai dentro da calcinha,
querendo também receber a atenção que estou dando a Reed.
— Eu aguento — declaro e movo meu dedo para o seu ânus,
acariciando gentilmente, mas sem penetrar de fato. — A pergunta
que fica é: você aguenta?
Não quero ouvir a merda de nenhuma resposta.
Pego-o de surpresa e levo o seu pau o mais fundo que
consigo e nós dois assumimos o controle, mesmo que de um jeito
bagunçado. Ele aperta meu cabelo com mais força e busca apoio na
parede, implorando para que eu vá adiante.
Enquanto isso, eu me dedico a chupá-lo e massageá-lo,
meus olhos já começando a lacrimejar, assim como meus joelhos
que estremecem em cansaço. Reed estica o braço e abre mais o
chuveiro para abafar os próprios gemidos.
Ele não tem vergonha de mostrar o que está sentindo.
Reed se entrega de corpo e alma para mim.
— Se você não quer que eu goze na sua boca, você precisa
parar.
Os olhos castanhos duelam, esperando por uma resposta
negativa da minha parte, mas eu me mantenho no mesmo lugar.
Essa é a confirmação que ele precisa para investir dentro da minha
boca uma única vez e explodir em um xingamento alto, mesclado
com um gemido que a água do chuveiro não é capaz de abafar.
O gozo quente enche a minha boca e eu engulo, ainda
mantendo minhas mãos em seu corpo. Vê-lo se desfazer diante de
mim é um tipo de cena que vai ser difícil de esquecer. A minha
boceta parece concordar, porque sinto a umidade inundar a minha
calcinha.
Se Reed for checar com os próprios dedos, vai descobrir que
estou pingando e mais do que pronta para também gozar em sua
língua.
— Acho que você já tem a sua resposta, Anne — ele
relembra a minha pergunta de segundos atrás quando abre os olhos
e desfaz o punho ao redor dos meus cabelos. — Eu não aguento.
O seu gosto está impregnado em minha boca e passo a
língua pelos lábios, não deixando que nenhuma gota do seu gozo
fique para trás.
— Bom saber que posso acabar com você do mesmo jeito
que você acaba comigo.
Reed está prestes a me dar uma resposta e me ajudar a ficar
de pé, mas seu corpo congela diante de mim. Eu aguço meus
ouvidos, procurando ouvir algo, mas o vestiário se encontra
silencioso.
Até um pigarro alto ecoar pelo pescoço.
— Achei que já tinha ido para casa, Rollins — o treinador
Turner entoa com frieza.
Eu me seguro para não dar risada. O pau de Reed está a
poucos centímetros do meu rosto, as veias saltadas e proeminentes
por causa do gozo recente. Tem até mesmo uma gotinha na ponta,
implorando para não ser esquecida.
— Já estava de saída, treinador — Reed diz. — Eu só vou
terminar o meu banho.
Reviro os olhos com a mentira mal elaborada e lambo a
cabeça do pau dele, me afastando logo em seguida. O joelho vacila,
pego desprevenido, e eu abafo uma risada com a palma da mão.
— Seja rápido. Se quer um banho que dure meia hora, vá
gastar a água da porra da sua casa — ele troveja e, escuto-o se
afastar, mas acaba parando. — E diga um olá para a sua namorada,
a propósito. Eu sei que ela está de joelhos entre as suas pernas,
Rollins.
Reed não faz nenhum comentário e, segundos depois, me
ajuda a levantar. Minhas coxas estão dormentes, e a minha roupa,
molhada. Estou terrível da cabeça aos pés, mas nada se compara à
expressão de pavor que decora o rosto diante de mim.
— Não acredito que ele sabia que você estava aqui.
Dou de ombros.
— Ele não só sabia, como deve ter ouvido. — Fico na
pontinha dos pés e beijo rapidamente a sua boca. — Não era isso
que você queria? Que toda a universidade soubesse que você
gozou gostoso na minha boca?
Reed chacoalha a cabeça e me abraça pela cintura, nos
direcionando para debaixo do chuveiro.
— Exceto o treinador Turner. É esquisito pra cacete —
assinala. — Ah, e a gente tem um jantar com o meu pai para ir.
Eu murcho em seus braços.
— Você sabe mesmo como acabar com um clima, Reed.
Ele dá uma risada e pega o sabonete, fazendo espuma e
ensaboando os meus braços nus.
— É que, se eu não esfriar a minha cabeça, vou acabar
fazendo algo que vou me arrepender.
Crispo as sobrancelhas.
— E o que seria?
A mão cheia de espuma se esconde por debaixo da minha
camiseta e sobe em direção aos meus seios, os massageando. O
tecido branco está tão molhado que consigo ver os meus bicos
escurecidos se destacarem, como também os dedos de Reed os
apertarem entre si.
— Te foder.
Apoio minha mão em seu peitoral. O coração bate
aceleradamente.
— Eu não iria me opor. Você sabe disso, certo?
Reed exala a respiração em um sopro longo e descansa a
testa contra a minha. Nos encaramos através de uma pequena
fenda, o castanho líquido se chocando de encontro ao verde escuro.
Neste pequeno segundo, eu pertenço por inteira a ele.
Deixaria ele me foder em qualquer posição e arrancar cada pedaço
da minha alma sem nenhuma hesitação.
— Não nesse vestiário. — A boca encosta levemente na
minha em um beijo tímido demais para o que acabou de acontecer.
— Os seus gemidos são meus. Não quero que mais ninguém os
ouça além de mim.
Sou incapaz de formular qualquer tipo de argumento que
possa fazê-lo mudar de ideia. A única coisa que faço é puxá-lo para
um beijo enquanto a água do chuveiro recai sobre os nossos corpos
cansados.
“Estou cansado de amar de longe e nunca estar onde você está”
Car ’s Outside | James Arthur
A animação dentro do vestiário após o treino de sexta é
contagiante. Amanhã é Halloween, então boa parte do time já está
garantindo a sua presença na festa organizada pela Martial Kappa
Tau, a fraternidade que Dave faz parte.
— Você vai na festa, certo? — Mason pergunta, ao
chacoalhar a cabeça molhada do banho. — Não sei se confio no
Keeran para voltar para casa vivo.
Dou risada e visto a camiseta.
— Tenho que ver com a Anne. A gente nem lembrou dessa
festa.
A real é que eu tenho estado desligado dos acontecimentos
ao meu redor. Minha cabeça anda confusa pra caralho depois que
Anne ficou de joelhos e me fez gozar nesse vestiário como se a sua
vida dependesse disso. Foi a melhor chupada que já recebi.
Mason prende os incisivos no lábio inferior e ergue a
sobrancelha. A expressão é idêntica à de quando viu Anne e eu
caídos no tapete da sala.
— Sei... Vocês andam esquisitos. Vai me contar o que está
rolando?
— Não está rolando nada — minto, torcendo para minha voz
não me denunciar. — Estamos mais próximos, só isso.
Ele assente e fecha a porta do armário.
— E acharam o brinco da sorte?
Desvio o olhar, para evitar dar uma risada.
— Encontramos. Tudo sob controle.
Mason volta a balançar a cabeça em concordância e encaixa
a mão no meu ombro. Nessa posição, sou obrigado a encará-lo de
frente. Quero dar um chute no tornozelo dele ao notar o sorriso de
escárnio direcionado para mim.
— Se esforce para pensar em uma mentira melhor, Reed. —
Empurra meu ombro de brincadeira para trás, mas sem aplicar força
o suficiente. — Porque não vou fingir acreditar da próxima vez.
Faço um sinal de positivo com a cabeça e Mason contorna o
meu corpo, rumando para a saída do vestiário. Eu solto um suspiro
e apoio a testa no armário, sabendo que é uma questão de tempo
para que Keeran e Dave venham também me encher o saco.
Eles não vão pegar leve.
O burburinho de conversas ao meu redor se torna
insignificante quando escuto meu celular vibrar. Pego-o de dentro do
armário e vejo uma mensagem de Anne. A gente quase nunca troca
mensagens, mas nos últimos dias, isso tem mudado. Há uma
necessidade latente de sempre estarmos em contato um com o
outro.
Joaninha: Você pode vir aqui? Estou na área de convivência.
Franzo o nariz diante da mensagem.
Reed: Aconteceu alguma coisa?
Ela rapidamente digita uma resposta.
Joaninha: Para o seu azar, eu ainda não morri. Não é nada
importante, só vem logo.
Estou com fome.
Rio.
Reed: Se estivesse morta, pode ter certeza que eu não
estaria trocando mensagem com você.
O que quer comer?
Joaninha: Meu espírito que iria falar por mim. Ele vai te
perturbar até o fim da vida.
Sanduíche de atum e suco de laranja.
Faço uma careta diante do pedido envolvendo atum.
Reed: Que sorte a minha, porque vou ter você só para mim
até o fim da vida.
Beleza, vou comprar.
Mais alguma coisa?
As bolinhas embaixo do nome de Anne saltitam por um longo
tempo. Aproveito a demora para vestir a jaqueta e fechar o meu
armário. Despeço-me do time com um aceno, fugindo do olhar
curioso de Mason, e quando estou saindo do complexo, o celular
vibra novamente.
Joaninha: Você gosta mesmo de mim, hein? E eu pensando
que ia ficar feliz ao se livrar de mim.
Nada mais, só traz logo sua bunda para cá.
Um sorriso quase rasga as minhas bochechas ao ler a última
parte da mensagem.
Meus pés latejam de dor dentro dos patins.
Mas isso não é nenhuma novidade.
Tenho trabalhado loucamente nas últimas horas, atendendo
vários clientes e mantendo o sorriso cordial. Cobrir o turno de Jane
é um pé no saco, mas a sorte é que tenho Mally comigo, embora ela
passe mais tempo nos fundos da lanchonete bebendo milkshake e
trocando mensagens com o padrasto.
O pensamento me faz lembrar de Reed. Quando saí de casa,
ele estava no chuveiro, então não nos despedimos. Já Mason e
Keeran estavam na cozinha, e pelo o que entendi, eles vão
fantasiados de Príncipe Phillip e José Bezerra.
A ideia de Reed ir na festa da Martial Kappa Tau não deveria
me incomodar, no entanto... O bichinho do ciúme não para de me
perturbar.
Xingo um palavrão e giro sobre as rodinhas. Emito um grito
assustado quando vejo Reed Rollins sentado na banqueta do balcão
diante de mim, um sorriso divertido dançando em sua boca irritante.
Porra.
Devo estar alucinando.
— O que você está fazendo aqui? — gaguejo e isso só faz os
lábios se curvarem para cima, exibindo as covinhas.
— Onde ficam os uniformes?
Franzo o cenho.
— Você não ia estar na festa?
Reed cruza os braços sobre o balcão e me analisa. Mesmo
usando o vestido e o avental, me sinto nua diante do seu olhar.
— Nenhuma festa tem graça se você não estiver comigo,
Annie. — Meu nome é dito de forma quente, as sílabas se
arrastando. — Agora você pode me dizer, por favor, onde ficam os
uniformes?
Ele pisca as pálpebras inocentemente e uma risada escapa
pelo meu nariz.
— Acho que nenhum vestido vai caber em você.
Reed dá risada e se levanta da banqueta em um pulo,
contornando o balcão e me encurralando. Fico presa no casulo que
seus braços formam e meu pulso acelera, extasiado por saber que
ele não está em nenhuma festa.
Ele está aqui comigo.
Em uma noite de Halloween.
E determinado a ficar ao meu lado quando poderia estar com
os seus amigos.
O que isso significa? Não sei se quero saber.
— Azul não combina com a minha pele — provoca e beija a
pontinha do meu nariz. — Mas um avental já é bom o bastante.
Meio grogue, indico o armário ao meu lado. Reed se abaixa e
procura pelo avental de número maior. Ao encontrá-lo, passa por
cima da cabeça e pega também o bloquinho de notas e uma caneta,
colocando-a atrás da orelha.
— Nada de patins?
Os olhos castanhos descem para os pés e um sorriso
envergonhado é direcionado para mim.
— Sou jogador de futebol americano, Annie, não de hóquei.
As minhas habilidades se limitam a um par de chuteiras.
— Está na hora de aumentar essa sua lista, Reed. — Bato
com o bloquinho no seu peitoral musculoso e aponto para a última
vez que acabou de ficar cheia de adolescentes. — Me mostre suas
habilidades de garçom encantador.
Ele apruma os ombros e ruma em direção à mesa que
indiquei. É impossível de não notar que uma das garotas, a que está
sentada na última cadeira, deixa escapar um suspiro ao ver Reed
diante de si.
E, infelizmente, eu não posso ignorar o fato de que ele está
gostoso demais usando um avental com a logo do Brooklyn Blues
estampado no centro e abusando de um sorriso cordial nos lábios.
Em outro mundo, eu até poderia me apaixonar por ele.
Um assovio discreto me faz desviar o olhar e encontrar Mally
parada ao meu lado. Ela também está encarando Reed de um jeito
nada discreto.
— Desde quando a Adele está contratando novos
funcionários?
Cruzo os braços e chuto, de brincadeira, o patins dela com o
meu.
— Desde nunca. Ele veio ajudar a gente essa noite.
Mally coça a pontinha do nariz, o piercing do septo ficando
torto, e retorna a atenção para mim. Ela possui pequenos olhos cor
de avelã e uma pele branca salpicada de inúmeras sardas. Os
lábios imitam o formato de um coração e o cabelo castanho é
raspado em uma das laterais, dando a ela um visual meio punk.
— E quem é ele?
Suspiro alto e me viro. Pela janelinha, consigo notar Adele
nos observando com um vinco entre as sobrancelhas, o nariz sujo
de trigo. Ela também está curiosa a respeito de Reed.
Vai ser uma longa noite, pelo visto.
— Meu namorado.
Seu namorado de mentira, meu consciente me corrige com
uma careta amarga que eu afasto com uma safanão. Hoje ele pode
calar a boca.
Mally arqueja em surpresa e vira o rosto para mim, os olhos
arregalados. Ela é péssima em disfarçar a incredulidade.
— O quê?
Me escapo de dar uma resposta porque Reed retorna com o
bloquinho rabiscado e empurra o papel pela janelinha que dá
acesso à cozinha. Adele me olha desconfiada, mas não diz nada.
— Sobre o que vocês estão conversando?
Mally gagueja e contorce os dedos uns nos outros, sem
coragem de olhar para Reed. É inacreditável que ele cause essa
reação nas pessoas. É só um estudante feito de vários quilos de
músculos e um sorriso de covinhas. Dá para resistir.
— Mally perguntou quem é você.
Reed dá um passo para frente e estende o braço, esperando
que ela entenda o gesto. Quando os dedos finos se fecham ao redor
da grande mão, ele dá uma piscadela e posso jurar que ela quase
cai dura no chão.
— Reed Rollins, o namorado.
Fuzilo-o com o olhar, mas sou ignorada.
— Mally O’Neal, a garçonete.
— É um prazer conhecer você, Mally.
Ela formula uma resposta confusa e se afasta, indo atender
uma mesa que acabou de ser ocupada por um casal. Eu cruzo os
braços na altura do peito e bato com a rodinha do patins no piso que
imita um tabuleiro de xadrez.
— Você era assim na escola também? Saía conquistando
todas as garotas?
Reed apoia preguiçosamente o tornozelo no joelho oposto e
brinca com uma mecha do meu cabelo. Essa noite, eu decidi manter
alguns fios soltos, dispensando o coque elaborado. Adele queria
que a gente experimentasse algo diferente por causa do Halloween,
então caprichei na maquiagem escura e coloquei também uma meia
arrastão.
— Só aquelas que valiam a pena.
— E quem, exatamente, eram elas?
— Nenhuma delas como você, pode apostar — aponta e,
discretamente, a mão se encaixa ao redor da minha bunda. O que
nos mantém escondidos é a altura generosa do balcão no formato
de U. — Guardei as minhas energias para te conquistar.
— Você está flertando comigo, Rollins?
A sua risadinha debochada chega em meus ouvidos e o
sininho anunciando que o pedido está pronto nos interrompe. No
entanto, antes de Reed voltar para a mesa dos adolescentes, ele
me escrutina em câmera lenta e mordisca o lábio inferior.
— Não houve um único dia que eu não tenha flertado com
você, Scott.
Quando a sexta chega, eu me sinto péssimo.
É uma tarefa árdua ignorar o aperto na boca do meu
estômago que me acompanha desde que acordei pela manhã. Na
hora do almoço, nem consegui prestar atenção no que Dave e
Claire estavam debatendo. Minha cabeça se manteve focada o
tempo inteiro no jantar com o meu pai.
Respiro profundamente, obrigando meus pensamentos a se
manterem tranquilos, e empurro a porta, entrando no quarto de
Anne. O ambiente está uma bagunça, com roupas jogadas em cima
da cama e vários itens de maquiagem espalhados pela
escrivaninha.
Parece que um furacão passou por aqui.
— O que aconteceu aqui dentro?
Anne surge do banheiro usando um roupão. O rosto está
maquiado, deixando-a mais velha do que realmente é, e o cabelo
loiro cai em ondas ao redor dos seus ombros. Ela está linda, como
sempre.
— Estou um pouco nervosa — diz, afobada. — Nunca
conheci os pais do meu namorado de mentira. Na verdade, nunca
tive um namorado.
Abro um sorriso e fecho a porta.
— Eu também nunca tive uma namorada. Isso vai ser uma
novidade para nós dois.
Anne engole em seco e empurra os cabelos para trás das
orelhas. Lentamente, ela se aproxima de onde estou.
— Como você está?
Não é uma pergunta qualquer. É uma pergunta que envolve
não somente o meu estado de humor, mas também como estou me
sentindo diante dessa situação. A preocupação de Anne é genuína.
— Já tive dias melhores. Não fico nervoso assim nem quando
tenho um jogo importante, então acho que estou meio na merda.
Anne dá uma curta risada e ajeita a gola da minha camisa.
— Somos duas merdas ambulantes, Reed.
— Esse é o seu conselho para mim? Porque foi terrível.
— Sou horrível com conselhos. Não espere muito de mim.
— A sorte é que sempre espero o mínimo de você, Annie.
A resposta dela é me mostrar a língua igual uma criança
petulante e voltar a se arrumar. Eu assisto cada um dos seus
movimentos, admirando a maneira que ela desliza sobre os sapatos
de salto.
Fico chateado por ver que Anne se esforçou para esse jantar,
porque não importa o quanto ela tente, meu pai não vai gostar dela.
Ele já a detesta sem terem trocado nenhuma palavra apenas pelo
simples fato dela representar uma ameaça para a minha carreira.
Mal sabe ele que Anne representa tudo na minha vida,
menos isso.
Escondo as mãos dentro do bolso da calça jeans e vejo-a
pegar um vestido azul escuro e rumar para o banheiro. Dez
segundos depois, a porta é novamente aberta e ela me direciona um
olhar pidão que me dá vontade de sorrir.
O azul combina tão bem com o tom da sua pele branca que
fico fascinado.
É surreal que essa garota seja minha namorada — mesmo
que de mentira. Devo ter feito algo bom pra cacete na vida passada.
Não há outra explicação.
— Você me ajuda com o zíper?
Gaguejo uma resposta e me aproximo, ficando a centímetros
de distância das suas costas. Anne respira com dificuldade, os
ombros acompanhando o ritmo acelerado. Não duvido que a
pulsação dela esteja a mil por hora, porque a minha também não
está diferente.
Empurro o cabelo para o lado e puxo o zíper para cima com
cuidado, a ponta dos meus dedos roçando na pele macia. É uma
carícia inocente, mas que faz nós dois ofegarmos quando o zíper é
fechado por completo. Anne gira sobre os calcanhares e trocamos
um olhar silencioso.
De repente, cogito a possibilidade de desistir desse jantar e
levá-la para o encontro que prometi que teríamos.
— Se algo ruim acontecer...
Ela balança a cabeça, me calando.
— O que de ruim poderia acontecer, Reed? — questiona. —
Tem algo que eu precise saber antes de irmos?
Sim.
Minha garganta coça para contar da discussão que tive com
o meu pai na semana passada, mas não consigo. Sou um fraco. É
por esse motivo que não enfrento Ricky como deveria. As
consequências me perseguem.
— Não.
Ela assente e segura meu rosto entre as mãos, me
oferecendo um sorriso consolador que dói no meu coração.
— Então não há motivo para se preocupar. E se algo der
errado, a gente pode ir embora. Não precisamos ficar lá.
Concordo com um aceno, desejando que ela esteja certa e
que esse jantar não termine em mais uma discussão envolvendo o
futebol americano. Embora, bem lá no fundo, eu saiba que as
probabilidades são minúsculas.
“Eu quero secar aquelas lágrimas, beijar aqueles lábios.
Isso é tudo que eu tenho pensado”
Can I Be Him | James Arthur
No começo de novembro, Claire e eu estamos, mais uma
vez, na cafeteria do campus. Esse lugar virou o nosso ponto de
encontro semanal. O que fez também a gente viciar nos cupcakes
temáticos e nos frappuccinos de caramelo.
Eu já devo estar no meu segundo copo.
Claire brinca com o canudinho enquanto faz anotações no
computador. Falta um mês para o desfile, então boa parte dos
detalhes já foram acertados, mas isso não significa que a ansiedade
dela esteja sob controle.
— O que você vai fazer no Dia de Ação de Graças? —
pergunto.
Minha amiga mantém o olhar na tela do computador,
digitando furiosamente. Como estamos no final do outono, e com a
temperatura gradativamente baixando, os inseparáveis vestidos
coloridos foram dispensados, dando lugar a um casaco com vários
corações vermelhos estampados, uma calça preta e botas que
alcançam a altura dos joelhos. O grande destaque está na peruca: é
azul-escura, com mechas loiras nas laterais.
— Acho que o tom do vestido azul pode ser melhorado —
murmura, presa nos próprios pensamentos. — Não gostei do jeito
que ele ficou nas fotos.
— Claire?
— Talvez adicionar mais uma camada de tecido resolva.
— Estou falando com você, Claire.
— O que você acha?
Praguejo e empurro a tela do seu computador para baixo.
Claire dá um pulinho, assustada. Mesmo maquiada do jeito perfeito
de sempre, o cansaço é evidente. Pelo visto, o meu sermão da
semana passada não serviu de nada. Ela continua passando as
noites em claro.
— Você está estressada demais. Vai entrar em parafuso se
continuar trabalhando desse jeito. — Dou a ela o meu cupcake,
fazendo um sinal para que coma. — Já estamos com quase tudo
pronto. Faltam apenas os detalhes finais. Não tem como você
fracassar a essa altura. O pior já passou.
Ela lambuza o dedo com a cobertura e leva aos lábios,
experimentando.
— E se algo der errado?
— Não tem como dar. Pelas fotos que me mostrou, as roupas
estão lindas. Principalmente o vestido azul, que você não para de
colocar defeito. Agora vamos esquecer um pouco esse assunto. O
que você vai fazer no Dia de Ação de Graças?
Claire limpa a boca com o guardanapo, um sorriso animado
surgindo.
— Vou viajar para Trenton no feriado com o Dave. Ele
finalmente vai conhecer a minha família completa. Vamos todos
passar alguns dias juntos, então ele está meio nervoso. Minha mãe
já ama ele, agora só falta conquistar o meu pai e a minha avó.
— A sua avó?
— Ela é rabugenta. Não gosta de quase ninguém e o único
que conquistou o seu coração é um gato que tem quase a idade
dela. — A frase me arranca uma risada. — E você? Vai para...
O meu celular vibra em cima da mesa, me impedindo de ouvir
o restante da pergunta. Ao ver o número no identificador de
chamadas, posso jurar que meu coração vai sair para fora do peito e
cair bem em cima dos meus pés.
Estendo o braço sobre a mesa, sentindo os dedos tremerem
e gotículas de suor se formarem na palma.
Se for mesmo o que estou pensando que seja, vou desmaiar
bem aqui no meio da cafeteria.
Quando atendo a chamada, ouvindo atentamente o que a
pessoa está dizendo do outro lado da linha, chego à conclusão que,
sim, meu coração já não faz mais parte do meu organismo.
As palavras sussurradas de Anne, e carregadas de uma
vulnerabilidade extrema, mexem com a minha cabeça. Elas foram a
confirmação que eu precisava para seguir em frente com a certeza
de que, quando acordar amanhã, não vou encontrar apenas os
rastros da sua presença.
— Da última vez eu não mereci?
O questionamento, escondido em um ofegar agonizante, me
faz sorrir. A visão de Anne caída na cama, palpitando de desejo, é
uma imagem que vai me assombrar por anos. A realidade não
chega nem perto do que imaginei. É infinitamente melhor.
— Dessa vez, você merece o dobro. — Deslizo o tecido por
suas coxas e Anne o chuta para longe. Quando volto a olhar para
ela, perco o ar. A calcinha dá uma visão pequena da sua boceta
depilada e molhada para mim. — Porque você foi uma boa garota.
Os cotovelos se apoiam na cama, o tronco se erguendo.
— Esse é mais um dos seus presentes para mim?
Mordo um sorriso.
— Podemos chamar assim, se você quiser. — Olho para a
calcinha vermelha e depois para o seu rosto. Meu sangue ruge nos
ouvidos. — Embora eu prefira definir de outro jeito.
— Ah, é? E qual seria?
Tombo a cabeça para o lado em um gesto provocador e abro
seus joelhos, me acomodando entre as coxas. Resvalo o nariz no
interior delas, inspirando o perfume que parece habitar cada parte
da sua pele. Anne dá um gemido que me instiga a continuar
subindo, até parar na altura da boceta molhada. O tecido rendado é
o mesmo que habita as minhas mais perversas memórias.
— Esse sou eu fazendo você sujar os meus lençóis. — Uso o
polegar para acariciar o clitóris escondido pela calcinha. — Bem do
jeito que eu gosto.
Qualquer chance que Anne tenha de formular algum tipo de
resposta coerente se esvai da boca teimosa quando eu empurro o
tecido rendado para o lado e lambo as suas dobras molhadas. O
prazer escorre em um tipo de súplica que eu conheço muito bem.
Subo para o clitóris e o sugo, rodando com a língua ao redor
dele. Anne se remexe na cama, ansiosa para controlar os meus
movimentos. Gemo em desacordo e uso a mão livre para segurar a
sua bunda com força, mantendo-a quieta.
— Sossega essa bunda gostosa, Scott — aviso, afastando
meu rosto minimamente e usando o polegar para dar a devida
atenção ao ponto que já começa a inchar. — Caso contrário...
Ela entreabre os olhos e me fita de canto.
— Caso contrário, você vai bater na minha bunda?
Sufoco uma lamúria e desço meus dedos para a sua entrada.
Anne está tão lubrificada que eles deslizam com facilidade para
dentro dela. As paredes me apertam e imagino como será quando
for meu pau. Vou gozar tão forte que, se não estivéssemos sozinhos
em casa, Keeran e Mason ouviriam.
— Sim. — Giro o dedo, tocando um ponto que a faz revirar os
olhos e apertar o cobertor entre os dedos. — Eu vou bater até que
minha palma fique formigando e a sua bunda doendo por horas.
Começo a movimentar os dedos para dentro e para fora em
um ritmo que acompanha as batidas do meu coração. Inclino a
cabeça pra frente e levo novamente o clitóris aos lábios, chupando-o
e dando uma leve mordidinha.
As unhas compridas de Anne se fecham ao redor dos meus
fios e empurram a minha cabeça, não deixando que eu saia do
lugar. Não que eu fosse sair daqui. Só vou ficar de pé novamente
quando sentir o seu gozo escorrer de sua boceta e se misturar a
minha saliva.
A calcinha começa a me irritar e, sem nenhum aviso, eu a
rasgo. Anne exala surpresa ao ver o tecido ser jogado para cima da
cama, a renda desfiada.
— Eu achei que era a sua favorita.
Rio e discordo com um balançar de cabeça.
— Eu gosto muito mais de ver a sua boceta sem nada. —
Acrescento mais um dedo, que se junta ao outro que já está dentro
dela, completamente melado. — Você não faz ideia de como é linda
assim ... — Beijo o osso proeminente do quadril. — Completamente
entregue para mim e pulsando de desejo para que eu te foda logo.
Anne murmura um punhado de palavras incompreensíveis.
— E eu amo o seu gosto. — Para comprovar a minha frase,
eu lambo a sua extensão por completo, me deliciando com o sabor
salgado. — Amo tanto que poderia ficar horas aqui, dando a
atenção que você merece.
A impaciência dela alcança o ápice, porque sou puxado para
cima. Anne me fuzila com um olhar que dói feito uma queimadura.
— Para de falar e me faz gozar logo, Reed.
Giro os dois dedos dentro dela e as orbes se reviram em
contentamento.
— Hoje nós vamos fazer as coisas do meu jeito. — Beijo
suavemente a sua boca, deixando que ela sinta o próprio gosto em
meus lábios. — Eu vou te fazer gozar quando eu quiser.
— Então, talvez, eu acabe fazendo o serviço por conta
própria.
Xingo um palavrão e afasto mais as suas pernas. A boceta se
abre para mim e meu pau se anima dentro da cueca, tão ansioso
quanto Anne. Por cima da calça, eu o massageio, já sentindo a gota
do pré-gozo umedecer o tecido.
Estou louco para fodê-la de uma vez por todas.
— Sempre tão teimosa... — Solto um muxoxo e me agacho
novamente, voltando a movimentar os dedos dentro dela, sentindo-a
se contrair. — O que eu vou fazer com você?
As respostas para essa pergunta são encontradas quando
Anne impulsiona as pernas para cima e as encaixa sobre os meus
ombros. Ela é ousada, o que me faz abrir um sorriso e dar o que
tem implorado através do girar descontrolado do quadril.
Durante os próximos minutos, me dedico exclusivamente a
fazê-la gozar.
Fodo-a com os dedos, indo até o fundo e depois brincando
com o seu clitóris inchado.
Penetro-a com a língua e abro as suas dobras com os dedos,
enquanto me masturbo.
Infiltro a mão dentro da cueca e aperto o meu pau,
imaginando que seja a sua boceta.
— Reed, por favor!
O gemido sofrido, combinado do subir e descer do seu
quadril ao ritmo das minhas investidas, é o sinal de que Anne está
perto de gozar. As pernas se apertam ao redor da minha nuca e os
seios, ainda cobertos pela camiseta, se mexem de acordo com a
respiração acelerada.
Posso jurar que escuto seu coração acelerado.
Enfio os meus dedos por completo e os curvo dentro dela,
alcançando aquele ponto em específico, e, com um impulso único,
ela goza na minha boca.
Um gemido alto é proferido.
E ele é magnífico, exatamente como nós dois.
Fico de pé, olhando-a de cima e apreciando a maneira em
que o prazer faz os seus músculos relaxarem e um sorriso crescer.
As bochechas se encontram coradas, os lábios levemente inchados
e os olhos capazes de incendiar uma floresta inteira.
— Você é tão linda. Tão linda que chega a doer.
Cubro seu corpo com o meu e resvalo minha boca na dela. O
beijo é lento, o completo oposto dos anteriores. Um sopro de
calmaria diante da névoa bagunçada que habita os pensamentos.
Os lábios se movimentam em sincronia com os meus e dou uma
leve mordidinha.
Ajudo Anne tirar a única peça que resta e, quando os seios
apontam para fora, livres da camiseta, o quarto inteiro congela em
um único segundo. Tudo o que vejo é ela e cada detalhe que a
compõe. As aréolas um pouco mais escurecidas que a pele branca
e os mamilos durinhos, esperando para serem venerados como
merecem.
— Agora falta você.
Abro um sorriso e me desfaço da calça juntamente da cueca.
Anne contempla cada uma das peças caindo no chão. Meu pau
pulsa, as veias proeminentes, adorando a atenção que está
recebendo. Ele é um canalha egoísta, assim como eu.
— Nada mal, Rollins — elogia. — Acho que vai servir.
Minha garganta arranha em um grunhido.
— Você se acha muito engraçadinha, huh?
As coxas se apertam entre si conforme um sorriso cresce,
maléfico.
— Só quando estou com você.
Reviro os olhos em desgosto e volto a me aproximar da
cama. Espalmo as mãos ao redor da sua cintura, apoiando-as no
colchão, e vou descendo lentamente. Anne me acompanha, até que
as costas estejam tocando a superfície da coberta. As coxas se
enroscam ao redor da minha bunda.
— Como você quer que seja? — pergunto, lambendo o
pescoço dela de cima a baixo, depois beijando a curva dos seios e,
por fim, a ponta do queixo. — Quer que eu te foda devagar, com o
meu pau tocando um ponto bem fundo dentro de você ou... —
Expiro o ar quente nos mamilos. — Quer que eu seja bruto, até que
essa boceta gostosa peça por mais e deixe o meu pau todo
lambuzado?
— Eu quero os dois, Reed.
Porra.
— Você ainda vai me matar, sabia? — digo e estico o braço,
abrindo a primeira gaveta da cabeceira. Tiro de lá um preservativo e
entrego a ela. — Coloca em mim.
Ela assente com um discreto concordar e abre o pacote
laminado. Antes de colocá-lo em meu pau, ela desfere um beijinho
na cabeça e pisca as pálpebras, daquele jeito inocente que mexe
com a minha sanidade. Quando o preservativo cobre o meu membro
por completo, eu inverto as nossas posições, colocando-a sobre
mim.
O meu pau toca um ponto específico entre as suas pernas, a
glande se aconchegando com perfeição entre as suas dobras.
Trocamos um olhar silencioso, como se estivéssemos nos
questionando se o que está prestes a acontecer é real mesmo ou
fruto da nossa imaginação.
— Anne.
— Reed.
Aconchego minhas mãos ao redor do seu quadril e Anne
rebola contra o meu pau, mas sem ainda estar dentro. A sensação
me deixa sem ar. Quando eu, finalmente, afundar dentro dela, não
sei se vou conseguir manter o controle.
— Se for demais, me avise.
Anne firma as mãos sobre os meus ombros.
— Se for pouco, pode ter certeza que vou avisar também.
Não faço nenhum tipo de aviso.
Apenas a penetro em um impulso.
Duro.
Cru.
Nós dois trememos.
Meu pau se aconchega com perfeição dentro dela. Como se
tivesse sido feito para estar ali. Para sempre. Deixo que ela se
acostume com o meu tamanho, as paredes se alargando conforme
afundo cada vez mais para dentro, até que eu esteja enterrado por
completo.
Anne não me dá a chance de controlar o formigamento que
se alastra por minha barriga. Começa a movimentar o quadril em
círculos, meu pau tocando pontos internos que a fazem revirar os
olhos e arquear o pescoço para trás.
Neste pequeno fragmento de segundo, Anne Scott se torna o
meu mundo.
Impulsiono-a para cima e ela compreende o que quero. Com
uma facilidade incrível, começa a quicar sobre o meu membro, ao
mesmo tempo em que sons gostosos são proferidos. Dedilho a sua
coluna e, ao chegar ao cabelo, prendo-o entre os dedos, puxando
cada fio para trás.
As orbes esverdeadas, quase invisíveis por causa das
pupilas dilatadas, procuram pelas minhas. A nossa diferença de
altura nunca foi tão vantajosa quanto agora. Empurro para dentro
dela, sincronizando minhas estocadas.
A boceta molhada me engole, toda gulosa.
Mesmo que eu adore ter controle sobre ela, não existe nada
mais excitante que ver Anne ditando o ritmo que quer que eu a foda.
Antes de mais nada, quero entender como o seu corpo corresponde
ao meu antes que eu possa fodê-la do jeito que eu quero.
Traço os mamilos com a ponta da língua, para depois chupá-
los. Eles se encaixam impecavelmente em minha boca. Ela geme
meu nome e finca as unhas compridas em meus ombros. Ela não
sabe me empurra para longe ou se me puxa para mais perto.
— Reed, eu...
Desfiro um tapa alto contra a sua nádega direita e paraliso os
seus movimentos.
— Não, Anne. Você ainda não vai gozar.
Saio de dentro dela, ouvindo um choramingo tristonho, e viro-
a de barriga para baixo. Anne não demora para entender. Os joelhos
se espaçam e a bunda empina-se para cima, pedindo por meu pau.
A boceta está vermelha e molhada.
— Hoje, você vai gozar pra mim de quatro — murmuro,
beijando suavemente a sua coluna. Alinho meu pau na sua entrada
e entro devagar. A posição me faz ir mais fundo que antes. — E vai
acordar amanhã ainda me sentindo dentro de você, porque se eu
esperei todo esse tempo para te comer, pode ter certeza que vou
fazer ser inesquecível.
Se Anne me dá uma resposta, eu não ouço.
A única coisa que faço é agarrar a sua cintura e começar a
fodê-la. Apoio um dos joelhos no colchão, enquanto o outro se
mantém flexionado para cima, e toco um ponto bem fundo. Entro e
saio. Repetidas vezes, procurando encontrar um ritmo que faça nós
dois ficarmos pendurados no limite do desejo.
Anne agarra o travesseiro e geme de forma abafada contra o
tecido. Gotículas de suor escorrem pela curva da coluna dela e
percebo, tarde demais, que jamais vou superar esse momento.
Tenho esperado por tanto tempo que a mera possibilidade de não
poder tê-la novamente em meus braços é assustadora.
Meus músculos reclamam, mas eu mantenho o ritmo. Minhas
bolas batem de encontro à sua bunda e Anne entreabre mais as
pernas. A boceta se arreganha para mim, implorando para que seja
fodida várias vezes.
— Mais forte, Reed.
Ela se contrai ao meu redor e eu quase gozo.
Mas faço exatamente o que ela pede.
Enrolo os cabelos ao redor do meu punho e vou o mais fundo
que consigo. Eu a fodo como se estivéssemos em nossos últimos
segundos de vida. Eu a fodo como se cada parte sua pudesse,
realmente, ser minha. Eu a fodo como se não houvesse a merda de
um acordo pairando acima de nossas cabeças e impedindo que eu
diga tudo o que penso.
Saio e entro de forma veloz.
Ofegamos juntos.
— Tenho uma nova cláusula para o nosso acordo.
Anne xinga.
— Você está pensando nisso agora?
A sua boceta molhada faz um barulho gostoso conforme
deslizo para dentro e para fora. A visão é bonita demais.
— Sim, agora. — Viro o rosto dela para o lado, obrigando o
seu olhar a encontrar o meu. Não há nenhuma camada de
segurança os cobrindo. — E você tem que prometer que vai cumprir.
Anne rebola o quadril e eu dou um puxão em seu cabelo em
um sinal de alerta.
— Não quero que ninguém te foda além de mim. Não quero
que essa boceta acomode outro pau além do meu — ordeno, a voz
soando mais rude do que eu gostaria. — Não enquanto eu estiver
na porra da sua vida.
— E se eu não concordar?
Dou um tapa estalado em sua bunda e tiro meu pau
totalmente para fora, para depois entrar em um único impulso. Anne
arqueja em alto e bom som, a bochecha pressionada contra o
travesseiro. O cabelo gruda em sua nuca.
— Eu vou me certificar de que você se arrependa.
Anne profere um murmúrio irritado.
— Eu odeio você, Reed.
— Eu também odeio você, Anne.
Os gemidos, que são proferidos em conjunto, são a resposta
que buscamos para o acordo que nos une. Anne acompanha os
meus movimentos. Eu bato cada vez mais fundo. A gente se perde
em uma dança que não possui um condutor.
Eu me perco dentro dela.
— Eu vou gozar — aviso, em um ranger sofrido.
— Eu também.
O formigamento se alastra por minha espinha. Anne contrai
os músculos da boceta, me afogando. Ela pressiona a palma da
mão contra a boca e, num grito abafado, ela goza lindamente, se
desfazendo em mil pedacinhos em minhas mãos.
Em uma última bombeada, eu gozo dentro dela, inundando a
camisinha.
A visão escurece nas laterais e meus músculos tremem em
um tipo de libertação que nunca senti antes. O coração palpita nos
ouvidos e meu pulso lateja, devido à força que segurei os seus
cabelos. Até mesmo o meu pulmão dói.
Saio de dentro dela e Anne se vira no colchão, esparramando
o corpo. Cada parte sua está desgastada, suada e cansada.
Fodidamente esgotada após ser fodida por mim bem do jeito que
prometi. Ao notar que estou olhando-a, ela abre um sorriso e aponta
para o peitoral.
— Sim, Reed, eu concordo.
Franzo o cenho, confuso.
— Com o quê?
Ela abraça uma dos travesseiros, ficando de lado. Quero que
essa cena jamais seja esquecida. Vou revivê-la até os últimos
segundos da minha vida.
— Com a sua nova cláusula do acordo — diz, manhosa. —
Enquanto você estiver na minha vida, eu deixo você me ter do jeito
que quiser.
Eu abro a porra de um sorriso.
O sorriso mais sincero de todos.
Porque, de um jeito bem esquisito, Anne Scott é minha.
“Agora você está escorrendo pelo meu corpo, temos horas para
ocupar”
Chills | Mickey Valen (feat. Joey Myron)
Acordo na manhã seguinte com o som do despertador.
E a presença de um corpo ao meu lado.
A perna está enroscada na minha e a mão sendo
pressionada na minha cintura, como se quisesse se certificar que eu
não fugiria durante a noite. Há também o calor da sua respiração
aquecendo o meu pescoço e o perfume no ar que já reconheço a
milhas de distância.
Pois é.
Eu transei com Reed Rollins.
E acabei de acordar na cama dele.
A vida é meio engraçada, às vezes, não é?
Se alguém, meses atrás, tivesse me dito que isso
aconteceria, eu certamente teria mostrado o dedo do meio e
mandado a pessoa tomar naquele lugar. Agora, no entanto, a minha
cabeça se dedica a rebobinar cada fragmento da noite passada. É
quase um sonho.
Um gemido preguiçoso ecoa no meu ouvido e Reed desliga o
despertador com um resmungo, para depois me apertar contra o
seu corpo. Dá pra sentir o seu pau cutucando a minha bunda
enquanto os lábios deslizam pelo meu pescoço e beijos são
distribuídos.
— Bom dia, joaninha.
Agradeço aos céus por ele não poder ver o meu sorriso feliz.
— Bom dia, zangão.
Reed dá um jeito de me virar no colchão, de forma que
fiquemos de frente um para o outro. Há um tipo de felicidade
gigantesca estampando a face dele. E o meu sorriso, que eu estava
com medo que ele visse, é idêntico ao que dança em sua boca.
— Como você está? — pergunta, ao colocar uma mecha do
meu cabelo bagunçado atrás da orelha.
— Como se tivesse acabado de transar.
Uma risada lhe escapa.
— Olha só que coincidência... Estou me sentindo da mesma
forma.
Dou um beliscão nas suas costelas e ele finge uivar de dor.
Os braços me circulam em um abraço que me torna quase invisível
entre os músculos. Quando eu disse que Reed era imenso, nunca
tinha parado para pensar na logística da coisa.
Acaricio o bíceps e beijo a ponta do seu queixo.
— Você é tão chato. Acorda assim todas as manhãs?
— Apenas se você estiver comigo.
Reviro os olhos e me aconchego. Não estamos usando
nenhuma roupa, então cada parte minha pressiona uma parte dele.
Um longo silêncio se estende, sem nenhuma palavra sendo dita. É
estranhamente reconfortante ter a presença de Reed ao meu lado e,
vez outra, ele beija as minhas clavículas.
Eu estava falando sério na noite passada quando disse que
não iria para lugar nenhum. O que mais me pegou de surpresa,
entretanto, foi aceitar a nova cláusula sem hesitar. Foi tão natural
quanto respirar.
Reed aconchega a cabeça no meu ombro e suspira.
— Quais são os seus planos para hoje?
— Tenho aula de Jornalismo Político pela manhã e vou
trabalhar na lanchonete até umas seis horas. E você?
— Aula e treino para o jogo da semana que vem. Você quer
que eu te busque em Sunbay? Nós podemos ir ao Jackson House
depois.
Sorrio.
— Você sabe que o Jackson House é concorrente do
Brooklyn Blues, certo?
Reed apoia as palmas no colchão, criando sustento para o
corpo que pende sobre mim. Minha mente ferve em imagens ao
imaginá-lo me penetrando exatamente nessa posição.
— Se você não contar para a Adele, eu também não conto.
— Se eu perder o meu emprego, a culpa será totalmente sua.
— Eu confio no seu potencial de guardar segredo.
Franzo a testa e Reed desfaz as ruguinhas, me dando um
beijo na ponta do nariz antes de se levantar da cama. Tombo a
cabeça para o lado, o admirando sem nenhuma peça de roupa. A
visão fica ainda melhor quando ele se vira de costas e estica os
braços para cima, se espreguiçando.
Droga.
Por que ele tinha que ser tão gostoso?
Como se compreendesse o rumo dos meus pensamentos,
Reed me lança um olhar sobre o ombro. Ele também me admira
esparramada na cama, demorando-se por mais tempo nos seios
descobertos.
Se ele quiser transar agora, eu não vou reclamar.
— Agora é sua vez de parar de olhar assim para mim, Annie.
— Por quê? Está com medo de ser devorado?
— Pelo contrário. — Se abaixa e ajunta as nossas peças de
roupa. Diferente de mim, Reed gosta das coisas organizadas. O seu
quarto é o maior exemplo disso. — Estou a um passo de te devorar.
De novo. Esse é o meu medo.
— Eu aguento, sabia? Não sou feita de cristal, Reed.
A ponta da língua umedece o cantinho dos lábios e ele agarra
os meus tornozelos, me trazendo para a beirada da cama. Eu dou
um gritinho, mas não me esquivo do toque possessivo.
— Não é esse o problema.
— Qual é, então?
Reed empurra o meu lábio inferior para baixo, me olhando
com uma intensidade dolorosa.
— Meu medo é que eu não vá aguentar — confessa, baixo.
— Você acaba comigo, Scott.
Fico sem reação e antes que um clima esquisito possa pairar
sobre nós, Reed se afasta, dando um passo para trás. No entanto,
antes de entrar no banheiro, ele arremessa algo em minha direção.
Quando olho para baixo, é a calcinha vermelha.
A minha calcinha favorita.
A calcinha que ele rasgou sem pensar duas vezes.
— Eu ainda não acredito que você fez isso.
Ergo o tecido na ponta do indicador. Há um rasgo bem no
centro e a renda virou um punhado de fios.
— Prometo comprar uma nova para você. Várias, na
verdade. Meu conselho é que você comece a andar por aí sem
calcinha. Para poupar meu tempo.
Arremesso um travesseiro na sua direção e a gargalhada
reverbera pelo quarto. E mesmo a contragosto, me pego rindo de
um jeito que não fazia há anos.
Estudar o mesmo curso que Reed é bom e, ao mesmo
tempo, ruim.
Na verdade, é mais ruim que bom.
Quando entramos no auditório para uma palestra sobre
Jornalismo Político, ele insiste que fiquemos sentados o mais
distante possível das pessoas. Eu deveria desconfiar que há algum
tipo de plano maligno por trás? É claro que sim.
Mas eu ainda estou me recuperando da noite passada, então
minha linha de pensamento está lenta pra cacete. Portanto, quando
Reed se acomoda ao meu lado e empurra o apoio de braço para
trás para que nada fique entre nós, eu não vejo malícia nenhuma
por trás do ato.
Grande iludida, hein, Anne.
As luzes são apagadas e os convidados da palestra são
apresentados. O auditório está lotado, mas Reed e eu somos os
únicos acomodados no topo. Há um grupo de meninas três fileiras
abaixo e uma dupla de amigos do lado oposto delas, mas fora isso,
somos só nós dois.
— Para qual editoria você está tentando a vaga de estágio?
— Reed pergunta baixinho.
O tornozelo está apoiado no joelho oposto em uma pose
descontraída. O braço esquerdo repousa sobre o encosto da minha
cadeira e o perfume de sândalos com cravo, desta vez, não está
somente nele, mas também impregnado em mim. Nem mesmo um
banho foi capaz de tirar o cheiro de Reed Rollins da minha pele.
— Factuais.
Reed concorda e o assunto me faz lembrar de algo. Esse é,
provavelmente, um dos seus últimos semestres no curso de
Jornalismo. Não sei se fico feliz ou triste ao saber que, ano que
vem, ele não estará mais aqui. A ideia antes me faria pular de
alegria, mas agora...
— E você? Tentaria qual?
— Esportes.
— Não há nenhuma chance de você se formar?
O rosto pende para o lado, me procurando através da
escuridão. Reed pondera uma resposta, abrindo e fechando a boca
várias vezes, até que volta a prestar atenção no trio de palestrantes.
— Depois do que aconteceu no jantar da semana passada,
eu já não sei. Não falo com meu pai desde que fomos embora, mas
é apenas uma questão de tempo para que ele me procure. — Ele
parece envergonhado. — A inscrição para o draft vai acontecer de
todas as formas. A única coisa que posso fazer é negar, caso algum
time me queira.
Faço uma pausa antes de perguntar:
— E você vai?
— Negar? — Ele ri baixinho, não querendo chamar a atenção
dos outros alunos. — Não pensei a respeito ainda. Eu amo o futebol
americano, mas também amo o Jornalismo. É uma decisão difícil.
— Eu sinto muito.
A cabeça dele balança de um lado para o outro, achando
graça.
— Pelo o quê?
— Não sei. — Tapo os olhos com as mãos e espio-o através
de um buraquinho entre os dedos. — Por você não saber o que
fazer do futuro?
— Não se preocupe, joaninha. Mesmo que eu vá para o outro
lado dos Estados Unidos, eu ainda vou encontrar um jeito de te
encher o saco. E caso eu fique aqui...
A voz, carregada de um tom malicioso, vai perdendo som até
que os lábios repousam sobre os meus. O beijo é lento, mas de um
tipo diferente. Reed chupa a minha língua e, quando eu acho que
vai avançar, o ritmo diminui novamente. Ele faz essa brincadeira por
vários segundos, me deixando impaciente.
— Eu odeio quando você faz isso — murmuro quando a boca
se afasta minimamente, para então se dedicar ao lóbulo da minha
orelha. — E a palestra...
— Que se dane a palestra.
Fecho os olhos ao sentir a língua tocar um ponto específico
do meu pescoço que faz o sangue pulsar em expectativa. Agarro a
beirada do assento ao sentir um suspiro se formar. Não vou deixar
ele escapar.
— Não acho que seja uma boa ideia, Reed.
— O que não é uma boa ideia? — indaga, tão baixo que
quase não consigo ouvir.
— O que estamos prestes a fazer.
— Não estou fazendo nada demais. — Ronrona feito um
gato. — Estou apenas te beijando.
— Já é mais do que o suficiente.
Ele sacode a cabeça e estica o braço, desfazendo o aperto
dos meus dedos contra o tecido da poltrona. Ele entrelaça as
nossas mãos, enquanto com a outra, dedilha o meu joelho coberto
pela meia calça ¾. Como hoje a temperatura não estava tão baixa,
eu achei que era uma boa ideia vir de vestido de manga longa, meia
calça e botas.
Agora vejo que a escolha serviu apenas para facilitar a vida
de Reed.
Ele vai subindo, traçando um caminho tortuoso que tem como
único objetivo acelerar a minha respiração. O coração bate com
força contra a caixa torácica e a expectativa inunda as minhas veias.
Eu sei o que vai acontecer e a ideia me deixa mais excitada do que
deveria.
— Eu acabei de me lembrar do dia que você me disse que a
ideia de ser pega te deixava molhada. — Reed inclina o corpo para
o lado e sobe mais alguns centímetros com os dedos, brincando
com a barra da meia-calça que chega na metade das minhas coxas.
— Se eu enfiar meus dedos dentro de você, agora mesmo, quão
pronta vai estar para mim, Anne?
Tombo a cabeça para o lado.
Os palestrantes são um borrão colorido.
Sou incapaz de formular qualquer tipo de resposta que não
passe de um choramingo angustiado.Sou uma vergonha. Basta um
toque para que Reed me desmonte por inteira.
— Pelo seu silêncio, vou entender que está pronta pra
cacete.
A mão se infiltra por debaixo da saia do vestido e o polegar
brinca, fazendo círculos, com o interior da minha coxa, até alcançar
o meu centro. Reed fica estático quando constata a ausência de
qualquer tecido cobrindo o meu íntimo.
— Puta que pariu — chia e eu abro mais as pernas, deixando
que ele sinta tudo. — Você está sem calcinha. Por quê?
Entreabro os olhos e sorrio, lasciva. Eu sabia que ignorar a
peça pela manhã, após tomar banho, valeria a pena de alguma
forma.
— Não faça perguntas para as quais você sabe a resposta,
Rollins.
— Você vai acabar comigo um dia desses, esteja avisada —
sibila e circula o meu clitóris, que incha em resposta, extasiado com
a atenção que tem recebido nas últimas horas. — Talvez agora eu,
realmente, tenha que comprar um punhado de calcinhas.
— Vai ser tempo perdido. Vou continuar não as usando.
Ele me fuzila com um olhar que chega a ser palpável de tão
maldoso. Essa versão de Reed Rollins mexe com os meus
neurônios.
— Quando estiver comigo, não quero que você use nada
mesmo.
Um pigarro, vindo de algumas poltronas abaixo, faz as
minhas bochechas arderem de vergonha. Reed pede desculpas
para as garotas e move os dedos embaixo da minha saia, abrindo
as minhas dobras.
— Acho que vamos ter que fazer silêncio a partir de agora.
Mordo o interior da bochecha.
— Isso é culpa sua por...
A linha de raciocínio se perde de imediato.
Perco até a minha voz.
A sensação que me acomete é tão boa que preciso tapar a
boca com a mão para não gemer. Basta um barulho e o auditório
inteiro vai saber o que Reed está fazendo entre as minhas pernas.
— Sempre tão gulosa, Anne. — O dedo médio,
acompanhado do indicador, mergulha dentro da minha boceta com
uma facilidade surpreendente. Estou mais excitada do que gostaria.
— Tão gostosa. Tão minha. Não consigo pensar em outra coisa que
não seja em você.
Aperto com mais força a sua mão contra a minha e,
involuntariamente, começo a rebolar contra os dedos compridos. Ele
toca um ponto fundo que me deixa com uma vontade absurda de
subir em seu colo e implorar para ser penetrada por seu pau.
Os estudantes ao nosso redor riem em uníssono do que os
palestrantes estão dizendo.
Eu não escuto nada.
Ignoro o que acontece ao nosso redor. Foco unicamente no
vai e vem dos dedos de Reed dentro de mim que me levam para um
lugar distante demais da realidade. Ele sabe exatamente qual
pressão aplicar e eu me contraio ao seu redor, lutando contra o
formigamento que começa a crescer em meu ventre.
O polegar faz, novamente, pressão no meu clitóris e pontos
escurecidos se formam no canto da minha visão, me puxando para
aquele limiar em que meu desejo palpita descontroladamente.
Afugento uma suspirada e entreabro mais as coxas, querendo sentir
ele ir mais fundo.
Reed ri no meu ouvido e acrescenta mais um dedo,
atendendo ao meu desejo.
Ele me fode com a mão sem se importar que possamos ser
pegos.
Jogo a cabeça para trás e procuro pelo pau de Reed. O
tecido da calça jeans não é o suficiente para cobrir a excitação que
nos inunda. Assim como eu, ele mantém a mandíbula travada,
evitando que qualquer palavra seja dita. Masturbo-o, procurando
seguir os movimentos combinados dos dedos dentro da minha
boceta e do polegar em meu clitóris.
— Você está perto de gozar? — questiona, as sílabas
rasgando a garganta.
— Sim — gaguejo, entre uma ofegada e outra.
A minha confirmação faz o vai e vem frenético aumentar
dentro de mim. Manter os olhos abertos já é impossível para mim.
Meu quadril sobe e desce, o tecido da saia mantendo minha
intimidade escondida, e o conhecido pinicar surge no começo da
minha espinha, descendo para a ponta dos pés e fazendo os
dedinhos de contraírem dentro das botas.
Basta mais uma estocada e eu vou gozar na porra do
auditório durante uma palestra de Jornalismo Político.
Então, de repente, os dedos de Reed param.
E desaparecem.
Porra.
Olho para ele, desesperada por ter o meu orgasmo negado e
a visão que encontro me deixa ainda mais irritada. Reed chupa os
próprios dedos, a língua brincando com a minha umidade que os
deixou molhados.
— Você não fez isso.
Um sorriso de covinhas surge, aumentando a minha vontade
de chutá-lo no nariz.
— Eu poderia ter feito muito pior. — Abaixa os ombros,
procurando por meus olhos que inflam em brasa. — Quando a gente
chegar em casa, eu termino isso. Porque seus gemidos são meus,
Anne. Não quero que ninguém, além de mim, os escute.
O músculo do meu maxilar pulsa em ódio e frustração.
— Saiba que vai ter vingança, Rollins.
Ele beija o interior do meu pulso, ainda mantendo as nossas
mãos juntas.
— Eu vou esperar ansioso por isso, Scott.
“Porque quando você vê quem eu realmente sou e diz que me ama
e olha nos meus olhos, você é a perfeição, minha única direção”
Fire On Fire | Sam Smith
O sol queima sobre as nossas cabeças.
Novembro não costuma ser um mês de altas temperaturas,
mas isso não significa que o sol dê descanso. E como o gramado
dos treinos do time são feitos a céu aberto, os raios solares tendem
a aquecer a pele e contribuir para que mais gotículas de suor
escorram pela nuca.
— Como você acha que vai ser o jogo de sexta? — Keeran
pergunta, ao jogar água no rosto corado.
— Espero que não seja tão difícil quanto o anterior.
Mason concorda com um gargarejo e cospe a água no
gramado aos nossos pés. Assim como Keeran, o rosto dele está
vermelho e a camisa do time gruda nos músculos do peito.
— Nem me fale. Da última vez, quase levei um chute nas
bolas de um defensive tackle. — Mason choraminga. — Minhas
chances de construir uma família estiveram por um fio.
Rio.
— Ainda existe a adoção, sabia? E você pode ser um pai
solteiro, também.
Mason faz um beicinho, pensativo. Keeran, como nunca
perde a oportunidade de encher o saco, dá um tapa na cabeça do
amigo e se senta ao meu lado no banco. Dave está do outro lado do
gramado, repassando os passos com o treinador Turner. Já Bradley
e Cooper estão a poucos metros de nós, treinando a defensiva. O
jogo de sexta vai requerer mais da nossa capacidade, visto que
estamos próximos dos playoffs.
— Acho que está meio cedo para pensar nesse lance de pai
solteiro. — Massageia a nuca e dá o dedo do meio para Keeran por
causa do tapa. — Mas preservar as minhas bolas não é uma má
ideia. Quero chegar vivo até o fim da temporada.
— Você vai chegar, Henderson. Jogadores ruins são os
menos atingidos durante os jogos.
A provocação de Keeran faz os dois entrarem em uma lutinha
de socos e chutes. Mason termina com a bochecha pressionada no
gramado e xingando alto. Ele pode ser grande, mas Keeran
consegue vencer qualquer um por causa da força.
— Você é um babaca, Flanagan. Não sei porque sou seu
amigo.
Keeran dá um sorriso e se levanta, limpando a grama na
calça branca.
— Porque eu sou o único que aguenta as suas merdas.
Ao longe, o treinador apita e Dave corre de um lado para o
outro, feito um caranguejo. Nas últimas semanas, ele tem se
dedicado fielmente aos treinos. Como o quarterback do time, é o
seu dever ser um exemplo para o restante dos jogadores.
Já não posso dizer o mesmo de Chad Eaton. Ele é a maior
decepção de todas. O único motivo que ainda o mantém nos Rebels
Of Horizon é o fato dele ser um bom jogador — infelizmente. Por
mim, ele poderia cair fora e parar de falar merda todas as vezes que
abre a boca.
Ainda não entendo como Anne transou com ele.
Ao pensar nela, meus pensamentos se desligam da
realidade. Como eu havia prometido, depois que a busquei ontem
no trabalho, fomos comer no Jackson House e ainda cantamos
Mamma Mia no karaokê. E quando chegamos em casa, ela não
hesitou em me puxar para dentro do seu quarto e rebolar no meu
pau como uma mulher sedenta e louca para gozar.
Minha vida nunca esteve tão boa quanto agora.
Exceto a confusão envolvendo o meu pai.
Mas esse é um problema que não quero pensar no momento.
Porque, não tenho dúvidas, ele vai estar no jogo contra os Fox
Barnes. É a última partida antes do feriado de Dia de Ação de
Graças e, se eu conheço bem Ricky, ele não vai perder a chance de
estar na arquibancada para me intimidar.
A diferença é que, desta vez, não vai funcionar.
— Ei, Rollins. Estou falando com você, porra.
Ergo o rosto ao ouvir a voz de Keeran. Meu amigo está
parado diante de mim, com as mãos no quadril, e criando uma
sombra por causa dos ombros largos. Mason está a alguns passos
atrás, com o pescoço sujo de terra.
— Não escutei. Foi mal. O que foi agora?
— Ricky comentou algo com você sobre o centro esportivo
em North Groove?
Faço um esforço para me lembrar.
— Acho que sim. Ele falou que iria participar da inauguração,
se não me engano. Por quê? Você vai estar lá?
Keeran dá um suspiro e se acomoda novamente ao meu lado
no banco.
— O treinador Turner me convidou para participar de forma
voluntária. O centro esportivo vai oferecer aulas gratuitas de futebol
americano para crianças carentes — explica. — Ainda estou na
dúvida se aceito.
— Pode ser legal. Eu aceitaria, se fosse você.
Mason resmunga em concordância, esfregando o pescoço
para se livrar da sujeira que se impregnou também no tecido da
camiseta suada.
— Talvez — murmura, pensativo. Às vezes, eu gostaria de
saber mais sobre Keeran Flanagan. Afinal, a gente mora junto. Ele
pode ser um serial killer e não quer contar para ninguém. — Não
levo jeito para criança.
— As mulheres adoram homens que levam jeito para criança.
Experimenta andar com um bebê na rua para ver o que acontece.
Keeran faz uma careta.
— Esse é o lance do Dave. Esse negócio de criança, esposa,
aliança e família não é para mim. — Um arrepio faz ele tremer da
cabeça aos pés. — Vocês sabem que eu prezo pela solteirice.
— Mal sabe o que está perdendo, Flanagan.
Minha frase, dita inocentemente, faz Mason e Keeran virarem
os rostos em uníssono. O primeiro me observa com curiosidade, um
vinco criando rugas entre as sobrancelhas. Já o segundo esboça um
sorriso que não é nada discreto. As intenções de Flanagan são tão
claras como a água dentro de um copo.
— O que, especificamente, estou perdendo, Rollins? —
questiona, cruzando os braços. — Você e Anne transando quando
nenhum de nós está em casa?
Sim.
— Foi por isso que vocês dois ontem chegaram tarde da
noite? Estavam transando no banco do carro? — Meu outro amigo
arregala os olhos, a realidade o atingindo.
— Não seja inocente, Henderson — Keeran diz. — Aposto
que eles transaram bem abaixo de nossas cabeças. E ainda
cuidando para não fazerem barulho. Estou certo, não?
Sufoco uma risada e aperto os cadarços da minha chuteira,
me levantando do banco em um pulo.
— Eu não faço ideia do que vocês estão falando — falo e,
antes que um deles possa me derrubar no chão, eu corro para onde
Dave está treinando há minutos e exclamo: — Anne e eu não somos
nada além de amigos!
Keeran explode em uma risada e passa a língua pelos
dentes, exibindo uma expressão de quem sabe das coisas.
— Vou me lembrar disso quando ver ela se esgueirando para
dentro do seu quarto durante a noite — grita, chamando a atenção
dos outros jogadores. — Você não me engana!
Afugento um palavrão.
Acho que esse é um sinal para que Anne e eu sejamos mais
discretos.
Ou para que ela gema mais baixo quando eu estiver fodendo-
a de quatro contra a cabeceira enquanto nossos colegas de casa,
supostamente, dormem.
Nem toda temporada é feita de vitórias. O jogo de hoje é o
maior exemplo disso. A partida contra os Fox Barnes terminou com
o placar empatado. Não é uma notícia ruim, mas também não é algo
que arranque sorrisos do treinador Turner. Ao final da partida, ele se
limitou a nos cumprimentar com um aceno de cabeça.
O treino de segunda vai ser uma merda, não tenho dúvidas.
— London Foot Pub para comemorar? — Bradley brada para
o vestiário inteiro ouvir.
JP se encosta no armário, que fica ao lado do meu, e ergue a
sobrancelha direita em um gesto debochado.
— Comemorar o quê, Powell?
— A sua solteirice que não é, JP.
Keeran dá risada, mas se cala de imediato diante do olhar
que recebe do colega de time. Bradley, no entanto, não se deixa
abalar. Ele engata o braço ao redor da nuca de JP e dá um peteleco
no nariz dele.
— Comemorar mais um jogo. Não é porque não detonamos
com a cara dos Fox Barnes que não podemos beber algumas
cervejas, certo? — Diante do silêncio, ele olha para mim. — O seu
irmão está esperando pela gente, não é, Rollins?
Ocasionalmente eu penso que a existência de Bradley é um
tipo de castigo decorrente da vida passada. Não sei como o coitado
do Cooper aguenta a presença dele. Deve ser difícil ser o melhor
amigo do cara e ainda morar na mesma casa.
— Acho que sim.
Bradley me dá o dedo do meio e se dedica, durante os
próximos minutos, a tentar convencer o restante do time a ir com ele
no pub. Dave, como de costume, vai para a fraternidade com a
Claire, enquanto JP e Chad também dispensam o convite.
Keeran concorda de prontidão, porque ele é um babaca que
não consegue sossegar a bunda. Mason acaba topando ir também.
Cooper não tem nem opção de negar. E eu? Eu não sei. Tudo
depende de Anne.
— Eu vou ver com a Anne e qualquer coisa aviso a vocês —
digo colocando a mochila nas costas e trancando o armário. — Se
eu não aparecer, vocês já sabem a minha resposta.
Bradley reclama, mas eu não lhe dou ouvidos. Saio do
vestiário e rumo para o estacionamento que, para a minha sorte, já
está bem vazio.
Encontro Anne encostada contra a lataria do Jeep,
conversando com Dave e Claire. Ao me notar, ela abre um sorriso
feliz que eu retribuo ao notar que está usando a minha camiseta.
Dessa vez, nem precisei pedir. Ela veio por livre e espontânea
vontade.
— Ei! — Cumprimento-a com um beijo na bochecha e aceno
para Claire. Assim como Anne, ela também usa uma camiseta com
o sobrenome de Dave estampado nas costas. — Um pessoal do
time quer ir comemorar no pub do meu irmão. Você quer ir?
Anne faz uma expressão confusa.
— Comemorar o quê?
— O fato de termos empatado, eu acho — Dave diz, o queixo
apoiado no topo da cabeça de Claire. — O Bradley não tem umas
ideias muito coerentes.
— É só uma desculpa para ele poder beber cerveja e encher
a barriga de anéis de cebola. — Claire concorda, dando risada.
Rio também e Anne se vira para mim. Fico um pouco sem
reação quando ela, timidamente, entrelaça a mão na minha. Eu
ainda não contei para Dave que as coisas avançaram desse jeito
entre a gente, mas Claire parece saber, porque me direciona um
sorrisinho.
— Você quer ir?
— Eu vou, se você for.
Ela revira os olhos e direciona a pergunta para o casal de
namorados:
— E vocês? Vão comemorar o empate com a gente?
Claire nega e os óculos de grau, provavelmente de leitura,
escorregam por seu nariz largo. Nos últimos dias, ela tem estado
super ocupada com o desfile que vai acontecer daqui a algumas
semanas e Dave, como é o último romântico do mundo, não vai
deixá-la passar a noite de sexta sozinha.
— Tenho que acertar os últimos detalhes do desfile. — Ela
levanta as mãos em rendição para Anne. — E eu prometo que não
vou dormir tarde! Dave vai garantir que eu durma igual uma
princesa.
Dave coça a nuca, envergonhado, mas dá uma piscadela
para Anne.
— Não se preocupe, Scott. Deixa comigo — assegura e
aponta para nós dois. — Vocês podem ir comemorar. Bebam
cerveja pela gente e comam todos os anéis de cebola do Bradley.
Anne gargalha e nos despedimos deles. Anne faz Claire jurar
de dedinho que vai se esforçar para parar de pensar tanto no desfile
e Dave me dá dois tapinhas nas costas. Eles entram na
caminhonete e vão embora.
Quando o carro desaparece, Anne me analisa com cuidado.
Os dedos empurram uma mecha do meu cabelo para trás, enquanto
a outra pousa sobre o meu peitoral. Com um impulso, ela beija a
ponta do meu queixo, sem conseguir alcançar a minha boca.
Reprimo um comentário sarcástico e agarro a sua bunda,
colocando-a sentada sobre o capô. As alturas, agora igualadas,
permitem que ela me beije sem nenhuma dificuldade. Os lábios se
movimentam timidamente, mas com aquela fagulha que sempre
crepita dentro de nós.
Agarro a cintura fina e me acomodo entre as suas pernas.
Estar com Anne é sempre uma experiência única e a mera
possibilidade de pensar que há uma pequena chance disso acabar
entre a gente, eu me sinto vazio.
— Você está linda, sabia? — murmuro contra a boca dela e a
sinto sorrir. — Gostosa pra cacete. Chega a ser um crime levar você
para um pub cheio de caras babacas.
— Pelo o que eu me lembro, você era um desses caras até
uns meses atrás.
— Você está muito engraçadinha. Não sei se gosto disso ou
acho que é um tipo de vingança para o meu lado.
— É uma vingança por você não ter me deixado gozar
naquela palestra.
O nariz se arrebita para cima, teimosa bem do jeito que eu
gosto.
— Gozar em uma palestra vai além dos meus limites da
safadeza — provoco-a e beijo a pontinha do seu nariz, seguindo
para a orelha e puxando o lóbulo entre os dentes. — Já te falei,
Annie. Não quero que ninguém ouça as reações que eu provoco em
você. Cada maldito gemido é meu. — Passo a língua por um
pontinho da sua nuca que faz as pernas se engancharem ao lado do
meu quadril. Meu pau resvala de encontro à boceta coberta. — Você
é minha.
— Não sei se concordo com isso.
— A sua sorte é que sou ótimo em fazer as pessoas
mudarem de opinião. Especialmente você.
Anne rosna um xingamento que a deixa ainda mais linda. Vê-
la com os braços cruzados, em uma posição que reflete a sua
teimosia, mas ainda mantendo o corpo colado no meu, serve
apenas para fazer meu coração se expandir em felicidade.
— Eu odeio tanto você, Rollins.
— Eu sei. — Beijo-a suavemente, mas me afasto antes que
possamos prolongá-lo. — É o que torna tudo ainda mais divertido.
A reação de Anne é bufar e abaixar as pernas. Aproveito a
oportunidade para trazê-la para a beirada do capô. Observo-a com
cautela, desde as maçãs do rosto magras, os lábios livres de batom
— que já conheço o gosto — e as íris esverdeadas que, nesta noite,
se parecem com uma floresta obscura.
Direciono a ela um pequeno sorriso e, aos poucos, ela
começa a se desfazer em meus braços. A tensão é deixada para
trás e as feições relaxam, dando lugar a uma Anne que não tem
nenhum muro impenetrável ao seu redor.
Eu sou apaixonado por esse lado dela.
— Posso te contar uma coisa? — pergunto e ela assente.
Respiro fundo, criando coragem. — Faz mais de dez anos que jogo
futebol americano. Não houve uma única partida que meu pai não
estivesse lá, me vigiando. Hoje, para a minha surpresa, o assento
dele estava vazio.
Anne faz menção de dizer algo, mas eu prossigo, dizendo:
— E sabe o que isso significa, joaninha? Que essa foi a
primeira vez que joguei por mim e não por ele.
E eu fico feliz pra cacete que você estava lá, na
arquibancada, torcendo por mim, mesmo que diga me detestar.
As pálpebras piscam diversas vezes, até que ela entrelaça as
mãos ao redor da minha nuca e abre um dos sorrisos mais bonitos
que já vi.
— Eu sempre vou torcer por você, Reed — confidencia,
baixinho. — Mesmo quando eu não te detestar mais.
O golpe de realidade me atinge antes do que eu esperava.
Na terceira semana de novembro, poucos dias antes do Dia
de Ação de Graças, eu estou saindo da minha entrevista no PK
Journal. Essa é a segunda etapa do processo, ao qual cheguei bem
perto de esmagar o meu cérebro para conseguir responder as
perguntas feitas.
Estou confiante? Um pouco.
Vou conseguir a vaga? Espero que sim.
Charles, o entrevistador, me garantiu que daqui a algumas
semanas eles vão entrar em contato. Quero manter as expectativas
baixas, embora eu já esteja sonhando em andar pelos corredores
com o meu crachá pendurado ao redor do pescoço igual uma
coleira.
— Como foi? — Claire pergunta, assim que saio por entre as
portas giratórias.
Ela me deu uma carona até North Groove para a entrevista
na sede da empresa e está exibindo um sorriso animado no rosto
maquiado. A pele negra-escura contém pequenos pontinhos de
glitter por causa do iluminador e a peruca branca, com os fios
enrolados na ponta, a fazem parecer uma fada.
— Acho que fui bem. Na verdade, acho que fui muito bem. —
Solto uma risada. — Algumas perguntas eram difíceis, mas outras
eram tão óbvias que fiquei até com preguiça.
Claire engancha o braço no meu e começamos a caminhar
por entre as ruas. Conhecendo-a tão bem, sei que está à procura de
uma cafeteria.
— Você vai conseguir essa vaga, não tenho dúvidas. É
inteligente, esforçada e a futura estrela do jornalismo. Quem ainda
não sabe disso, é uma pessoa sem noção.
— Você acha que sou uma super estrela, hein?
— Eu só aceito ser amiga de super estrelas como eu. — Me
dá uma piscadela. — Então, sim, Anne, você também é uma.
Abro um sorriso divertido e indico uma cafeteria do outro lado
da rua. É bem pequenina, com mesas expostas na calçada e uma
fachada charmosa. Nos acomodamos em uma das cadeiras e uma
garçonete vem anotar os nossos pedidos.
Eu peço um Macchiato e Claire opta por um Frappuccino de
abóbora.
Quando a atendente vai embora, eu torço as mãos umas nas
outras, a voz do entrevistador ainda ecoando na minha cabeça. Há
uma parte em específico que tem me preocupado mais do que
deveria. Não sei se quero pensar na possibilidade de falar disso,
mas esconder algo de Claire é uma tarefa difícil.
— Que cara é essa? — questiona, a sobrancelha direita
arqueada. — Tem alguma coisa que você não está me contando?
Suspiro alto e despejo a informação:
— Charles, o entrevistador, disse que se eu conseguir a vaga
de estágio, é para a sede aqui em North Groove...
— Você se mudaria para cá — conclui, completando a minha
frase.
— Sim. É apenas uma possibilidade, porque não é certeza
que vou ser selecionada, mas ainda é uma coisa a se pensar.
Claire faz um biquinho, pensativa.
Diferente de mim, que optei por roupas sociais, minha amiga
é um ponto colorido dentro da cafeteria. O vestido verde-limão de
gola alta e os sapatos de salto baixo com presilhas de pérolas são
itens que eu nunca imaginaria usar, mas nela ficam perfeitos.
— E o Reed?
Gelo da cabeça aos pés.
— O que tem ele?
— Você vai contar para ele sobre essa parte?
Cruzo as pernas por debaixo da mesa, agradecendo
mentalmente pela garçonete que volta com os nossos pedidos.
Encho a minha boca de café, como se isso fosse capaz de adiar a
minha resposta.
Claire não se deixa abalar. A expressão que ela me direciona
é fria feito lascas de gelo.
— Não tem o que contar, porque ainda não aconteceu nada
— retruco, soando mais na defensiva do que gostaria. — Se eu
conseguir a vaga, vou contar. Enquanto isso não acontece, ele não
precisa saber de nada.
Minha amiga dá um longa respirada e assente, encarando as
pessoas ao nosso redor.
Imagino que, se eu me mudar para cá, as nossas tardes na
cafeteria da USVL não serão mais tão frequentes. Meu tempo livre
vai diminuir consideravelmente e, se eu já acho meu horário de
trabalho na lanchonete de Adele cansativa, o estágio tende a ser
ainda pior.
— E o meu acordo com ele também já está acabando —
relembro e Claire move novamente o rosto na minha direção. —
Essa oportunidade veio na hora certa. Procurar por apartamentos
em North Groove é mais fácil do que em Maple Hills. E aposto que
ele também vai ficar feliz por se livrar de mim.
A risada sem humor que ela me direciona causa um rebuliço
na boca do estômago.
— Reed pode querer tudo, menos se livrar de você, Anne.
Nego com um chacoalhar de cabeça.
— Essa mentira que concordamos em participar foi só para
acabar com os boatos envolvendo a Angel e a falta de um teto para
mim. Nada além disso. Não era um acordo para estarmos juntos até
estarmos com pés de galinha.
— Você vai chutá-lo para fora da sua vida? É isso?
Ignorar a presença de Reed é algo que jamais vou conseguir
fazer. Mas uma pequena parte de mim está consciente de estarmos
avançando por um caminho em que logo irei me sentir pressionada
demais. No ano que vem, nossas vidas serão diferentes. Ele vai ser
draftado por um time e as chances de mantermos qualquer tipo de
contato são pequenas.
Não quero me manter presa nesse tipo de relação, seja ela
qual for.
É confuso demais e desgastante em níveis que não estou
disposta a enfrentar.
— Não foi isso que eu disse, Claire — murmuro,
semicerrando os olhos para a minha melhor amiga. — A vida das
pessoas seguem rumos diferentes e nós dois não vamos ser a
exceção. Vai ser incrível ver ele jogando por um time da NFL? É
claro que sim. Mas também vai ser maravilhoso, eu alcançar os
meus objetivos dentro do jornalismo.
— Você pode ter os dois. Sabe disso, certo?
Reprimo a vontade de me esconder dentro do casaco que
estou usando. Claire sabe, melhor do que ninguém, o quanto esse
tópico é sensível para mim. Não consigo ver as coisas com a
mesma facilidade que ela.
Cruzo os braços, me protegendo. Do quê? Não faço ideia. Da
verdade, talvez. Do olhar intenso de Claire, também. Conversar com
ela sobre assuntos como esse é como uma montanha-russa com
um milhão de descidas.
— Não sei onde você quer chegar com essa conversa.
Claire pressiona os lábios em uma linha reta e permanece
taciturna por um longo período que contribui para meu estômago se
contorcer em posições nada confortáveis.
— O que você sente por ele, Anne?
O questionamento age como uma faca sendo apunhalada no
meu coração. Se eu pudesse, sairia correndo dessa cafeteria e
ignoraria o assunto. Entretanto, sei que Claire não vai se dar por
satisfeita.
Meu consciente se encolhe em um cantinho, não gostando de
ser pressionado. Já meu coração galopa no peito a mil por hora.
Repasso mentalmente cada momento que tive ao lado de Reed
desde que entramos nesse acordo improvável.
No começo, eu realmente não o suportava. Mas, conforme os
meses foram se passando, percebi que Reed era muito mais do que
aquele garoto filho de uma estrela do esporte com uma carreira
incrível esperando por ele no futuro.
Reed Rollins é incrível.
É a pessoa mais extraordinária que tive ao meu lado.
O verdadeiro Reed Rollins não chega nem perto daquele que
tive o desprazer de conhecer, quase dois anos atrás. A versão que
criei na minha cabeça é deturpada demais. Não faz jus à realidade
que ele me mostra dia após dia.
— Ele é importante para mim. Eu me importo com ele e quero
que tenha a carreira dos sonhos. Posso não estar na arquibancada,
como estive nesses últimos jogos, mas ainda vou estar torcendo por
ele do outro lado da tela da televisão.
Claire assente.
— E o que mais?
Bufo.
— Precisa ter mais?
— Deve haver algo a mais, Anne.
Sua calmaria é uma bomba relógio para a minha impaciência.
Estou perto de chamar a garçonete para pedir uma rodada inteira de
cupcakes, porque essa conversa está mexendo com o meu
estômago.
— Eu gosto dele. Gosto bem mais do que imaginei que
poderia gostar um dia — antes que ela possa me interromper, eu
prossigo: — Mas eu não posso deixar que as coisas avancem além
disso. Ter aceitado em termos esse acordo colorido já foi um grande
passo. A única razão de eu não ter negado é que posso terminar
quando quiser.
Claire murcha na cadeira, mas disfarça com um movimento
tímido de ombros.
— E você vai terminar?
Bem lá no fundo, eu sei a resposta.
Claire também sabe.
Mas, ainda assim, acho que ela espera que eu mude de
ideia.
— Quando chegar a hora certa, sim.
— E quando vai ser?
— Não existe a hora exata, Claire. Mas, se eu conseguir a
vaga de estágio, não vou ter outra escolha — declaro. — Vou me
mudar para North Groove e dar fim ao nosso acordo.
— North Groove não é tão longe. Ainda dá para vocês
estarem juntos.
Balanço a cabeça em negação.
— Não é essa a questão, Claire. Eu não terei tempo para ele,
quem dirá para mim.
Minha amiga encolhe o corpo na cadeira e despeja a única
pergunta que tem me assombrado:
— E se, por algum azar, você não conseguir a vaga? O que
vai fazer?
A possibilidade mexe comigo, latejando dolorosamente do
lado esquerdo da minha cabeça.
— Então, vai ser Reed quem vai terminar comigo. Porque
não haverá espaço para mim na vida dele.
— Vai querer uma cerveja?
Ergo a cabeça, encontrando o meu irmão atrás do balcão do
London Foot Pub. O pano de prato está pendurado no seu ombro e
o boné, com a aba virada para trás, esconde os cabelos castanhos.
Olho para o relógio atrás dele.
— São três horas da tarde, Aaron.
Os lábios se curvam no que julgo ser um sorriso.
— Estou apenas fazendo o meu trabalho. Se você aceitar a
bebida, o problema já não é meu.
— Eu tinha me esquecido o quanto você é um chato de 30
anos. Prefiro nem saber como vai ser quando chegar aos 50.
— Espero estar vivendo em uma ilha paradisíaca. Conviver
com você é bem desgastante.
Dou a ele o dedo do meio e Aaron gira os tornozelos, me
entregando um cestinho com amendoins. Mordisco um, enquanto
analiso os traços do seu rosto, ponderando se devo contar sobre o
que aconteceu na casa de Ricky.
Foda-se.
— Ricky e eu brigamos.
Aaron paralisa e uma veia do pescoço pulsa em resposta.
— Ele disse um monte de merda sobre a Anne e eu
simplesmente... Não consegui mais aguentar. Quando vi, estava
prestes a dar um soco na cara dele — continuo a falar. — A gente
não conversou mais desde então.
— O que ele disse?
Empurro a espessa saliva pela garganta, odiando a ideia de
reviver a memória.
— Disse que ela iria acabar com a minha carreira e que não
tinha nada de bom para oferecer. Uma vadia inútil com um pai morto
e uma mãe que não recebe rios de dinheiro.
A quietude domina o interior do pub por um longo tempo até
que Aaron fecha o armário em que guarda os copos e apoia os
braços no balcão interno.
— Acho que já está na hora de Noreen saber, Reed.
— Sobre o quê?
— Sobre tudo. — Gesticula para o meu peito. — Você já é
responsável o bastante para tomar as próprias decisões. Não pode
viver eternamente na sombra de Ricky apenas porque acha que isso
vai garantir a você um futuro no esporte. Nós dois sabemos que não
é assim que funciona.
O sentimento de querer desaparecer é gigante. Por longos
anos, vi meu pai como um herói. Aquele que era um exemplo para
se seguir e quem eu gostaria de me tornar um dia. Agora, ser uma
cópia de Ricky Rollins é um peso que não quero carregar.
— Ele pode cortar o meu dinheiro. E não tem como eu me
manter no esporte se não houver a merda do dinheiro dele
envolvido.
Aaron discorda.
— Ele não vai fazer isso. Você acha mesmo que Ricky vai
permitir que o filho dele, o projeto de anos, seja um fracasso no
esporte?
— Há sempre um risco, Aaron.
— O único risco que Ricky corre é o de você desistir do
esporte. E você não vai desistir, certo?
— Não.
A mera possibilidade de me ver longe do futebol americano já
me apavora. Ricky pode ter me colocado em uma posição que me
obriga a ser perfeito, mas o esporte jamais vai se tornar um castigo.
Nunca vou deixar que ele estrague algo tão importante na minha
vida.
Aaron acena em concordância e contorna o balcão, ficando
de frente para mim.
— Você já tem 22 anos, Reed. — Coloca a mão no meu
ombro coberto pela jaqueta dos Rebels Of Horizon. — Não é mais
aquele garoto de dez anos que queria agradar o pai a todo custo. A
única pessoa que você deve dedicar toda essa atenção é você
mesmo. Você é bom demais como running back para deixar que
Ricky estrague tudo.
— E se eu falhar?
Dar voz à minha maior insegurança torna a situação real.
Uma grande parte minha é confiante o bastante para saber
que posso ser tão bom quanto Dave e Bradley nos gramados. No
entanto, há aquela minúscula parte que acredita que, se não houver
Ricky ao meu lado, não irei conquistar porra nenhuma.
— Se você falhar, o que eu duvido que aconteça, eu vou
estar lá. Eu. Noreen. Dave. Até mesmo a sua namorada de mentira.
— A última pessoa me faz abrir um sorriso nada discreto. — As
pessoas que amam você de verdade não vão soltar a sua mão
diante do primeiro fracasso.
Pisco os olhos várias vezes, afastando o pinicar que
antecede a um choro. É desgastante perceber que levei anos para
conseguir reagir diante dos insultos de Ricky. Que foi preciso eu
chegar no meu limite para, finalmente, cortar o fio que me mantinha
preso a ele.
Aaron parece compreender o turbilhão de sentimentos que
me acomete, porque me puxa para um abraço apertado. Um abraço
que diz, nas entrelinhas, que cada um entende o que o outro já
passou na presença de Ricky.
Ele nunca foi um pai de verdade para nós e duvido que algum
dia consiga ser. Não enquanto estiver depositando em nós tudo
aquilo que ele deseja viver novamente. Aaron foi o primeiro a sofrer
com isso. E eu me escondi quando passou a ser comigo.
— Você vai contar para Noreen, certo? — Aaron pergunta
minutos depois, com nós dois ainda abraçados de um jeito que não
fazíamos há milhões de anos.
Falar com minha mãe vai ser uma tarefa difícil, mas sei que é
o certo a ser feito, mesmo que tenhamos que enfrentar uma longa
conversa.
— Sim.
Aaron assente e se afasta. Ao inclinar a cabeça para o lado e
balançar sugestivamente a sobrancelha esquerda, já tenho a
certeza que ele vai dizer alguma merda bem sem noção.
— Agora você aceita uma cerveja?
Reviro os olhos.
— Me dá logo a merda dessa bebida, Aaron.
Pela primeira vez em anos, ouço meu irmão rir de verdade.E
eu rio de volta, sentindo uma pequena parte do peso de anos
abandonar as minhas costas.
Volto para casa perto do começo da noite.
Largo as chaves em cima do aparador e escuto vozes
animadas vindas da sala. Sigo a direção do som e vejo Anne e
Claire sentadas no sofá, rindo. Claire, desta vez, dispensou a
peruca e exibe os cabelos que já cresceram alguns bons
centímetros.
Já Anne... Eu sempre perco o fôlego quando olho para ela,
não importa quantas semanas ou meses se passam.
Como se houvesse um tipo de imã nos puxando, Anne estica
o pescoço e me encontra parado com o ombro apoiado na parede.
Um sorriso bonito acaba surgindo, me deixando ainda mais
encantado.
— Você acabou de chegar?
Concordo com um murmúrio e Claire acompanha o som, me
procurando. O aspecto cansado ao redor dos seus olhos deu um
descanso.
— Como o Aaron está?
— O humor dele continua uma merda, como de costume.
Mas fora isso, tudo certo. — Enfio as mãos dentro do bolso da
jaqueta. — E o Dave se meteu por onde?
— Estou aqui!
Dave entra na sala assoviando e segurando duas vasilhas de
pipoca. Assim como eu, ele está usando a jaqueta do time. A
diferença é que os dreads estão escondidos pelo boné do Las
Vegas Raiders, o time em que ele sonha em ser draftado.
— Vocês mudaram a noite de filme para hoje e não fiquei
sabendo?
Claire dá risada.
— A gente acertou os últimos detalhes do desfile e Anne
sugeriu que viéssemos para cá ver um filme — explica. — Não
escolhemos nenhum ainda, então você pode fazer essa terrível
escolha para a gente.
— Eu tenho um ótimo gosto para filmes, Howard.
— Eu não sei se concordo — Anne argumenta com uma
risadinha e faz um sinal para que eu me sente no espaço vago do
sofá. Dave entrega para cada uma delas uma das vasilhas de
pipoca e se acomoda ao lado da namorada. — Da última vez, a
gente assistiu um filme horroroso sobre uma mulher que acorda no
hospital depois de ter ficado em coma.
Dave bate com o dedo no queixo.
— Acho que conheço uns dez filmes com esse tipo de
enredo. Zero criatividade.
Xingo um palavrão.
— Kill Bill é uma das melhores histórias de vingança. Vocês é
que não estão preparados para isso.
Claire faz um barulhinho de discordância com a boca e Anne
entra na dela, retrucando:
— Você fala isso de todos os filmes que assistimos, mas a
verdade é que todos são péssimos.
Aperto a cintura de Anne, arrancando uma risada alta dela.
As pernas se agitam em cima do sofá, em uma tentativa de fugir de
mim. Agarro os tornozelos e a puxo para a beirada, enchendo-a de
cócegas. Ela implora para parar, mas continuo torturando-a. Os
gritinhos me fazem gargalhar e ouço Dave e Claire rirem também.
— Você nunca cansa de me insultar, joaninha? — Distribuo
beijos molhados no seu pulso. — Será que terei que tomar
providências e te amarrar?
— Talvez não seja uma má ideia — retruca, maliciosa.
— Não me provoque, Annie. Você sabe muito bem o que
posso fazer quando estivermos sozinhos.
É o pigarro que me faz desviar a atenção de Anne. Dave e
Claire permanecem no mesmo lugar de antes, mas com farelos de
pipoca no queixo.
— Se a gente estiver atrapalhando... Podemos ir embora. —
Claire prolonga as sílabas daquele jeito que só ela sabe fazer. —
Assistir na fraternidade é um saco, mas a gente aguenta.
— De jeito nenhum! — Anne salta para trás e abraça uma
das almofadas, criando uma barreira entre nós dois. — Essa é a
nossa última noite juntos antes do feriado. Vamos aproveitar.
O comentário faz Dave estremecer. Neste Dia de Ação de
Graças, ele vai passar pelo maior perrengue de todos: conhecer a
família da namorada. Se eu estivesse no lugar dele, já estaria
sofrendo de dor de barriga. A sorte é que, pelo o que dizem, a
família Howard é super de boa.
Aposto que eles vão adorar o Dave. Ele é uma super estrela
do esporte universitário e com um futuro brilhante pela frente. É,
basicamente, o sonho de qualquer garota.
— Preparado para enfrentar os pais da Claire? — pergunto
para Dave enquanto me sento ao lado de Anne. Pouso a mão sobre
o seu ombro, puxando-a para mais perto de mim. Ela se aconchega
no meu peito e a mão repousa em minha coxa. — Se ele não
aguentar, vou querer uma foto, Claire.
Ela ri.
— Ele vai resistir. É um muro de músculos, vai ser difícil
derrubá-lo. — Dá dois tapinhas no peitoral largo de Dave.
— Você diz isso porque não é você que vai precisar
impressionar um cirurgião cardíaco com anos de carreira. Seu pai
vai me picar em vários pedacinhos com o bisturi afiado dele.
Dessa vez, todos nós rimos.
— Você é tão dramático. — Claire revira os olhos. — Todos
vão te amar, até mesmo o meu pai. É impossível alguém não gostar
de você. Digo isso por experiência própria. Me apaixonei logo que
botei os olhos em você e nada mudou isso, nem mesmo quando
descobri que você tem chulé.
— Porra. — Abraça a namorada com mais força, beijando-a
na bochecha. — Eu passo boa parte do meu dia treinando, gata.
Seria impossível eu não feder chulé.
— Pelo o que eu sei, o Reed não fede chulé.
Três pares de olhos recaem sobre mim, mas mantenho a
atenção fixa em Anne. Existe um tipo de receio cintilando em suas
íris, embora ela esteja fazendo um esforço para esconder. Quero
muito perguntar do que se trata, mas essa não parece ser a melhor
hora. Não quando acabei de ter uma longa conversa com meu irmão
sobre Ricky Rollins.
Quero resolver as coisas por partes. E embora eu esteja
ansioso para conversar com Anne sobre a situação em que estamos
nos encaminhando, prefiro esperar o momento certo. Afinal, ainda
faltam boas semanas para o nosso acordo chegar ao fim.
Até lá, quero aproveitar o tempo que nos resta.
— Não sei — respondo. — Acho que você deve perguntar
para a Annie.
Anne dá um sorrisinho de quem não vai perder a
oportunidade de me sacanear.
— Reed fede a bunda suada.
Dessa vez, não me contenho e a encho de cócegas. Ela se
contorce embaixo de mim, mas não consegue fugir porque meu
corpo cria uma espécie de muralha ao seu redor. Nessas horas, eu
agradeço pelos treinos intermináveis.
Quando ela para de se agitar, eu empurro seus braços para
cima, prendendo-os através dos pulsos. A posição me causa um
déjà-vu mais do que bem-vindo. Nós dois sorrimos um para o outro,
alheios à presença de Dave e Claire.
— Estou começando a achar que você é fissurada na minha
bunda, hein?
— Nada mais justo, não acha? Você é fissurado na minha e
eu sou na sua.
— Então, acho que devemos concordar que a sua bunda
também fede.
Anne xinga um palavrão e desfaço o aperto ao redor dos
seus pulsos, para logo em seguida enlaçar os braços ao redor da
sua cintura. Enterro o nariz em seu pescoço, inspirando o perfume e
me prendendo na sensação de tê-la tão perto de mim.
— É, Dave, não vai ter jeito pelo visto — Claire cantarola, nos
relembrando a sua presença. — Vou ter que conviver com o seu
chulé.
Dave ri, daquele jeito contido dele, e leva um punhado de
pipoca à boca antes de dizer:
— A sorte é que o amor verdadeiro aguenta tudo. Até mesmo
o cheiro de bunda suada e chulé.
“Ninguém sabe como é sentir esses sentimentos como eu sinto”
Behind Blue Eyes | Limp Bizkit
— Há algo que eu precise saber?
Essa é a primeira pergunta que Anne faz assim que entramos
no carro com destino a Mountain City. A viagem é relativamente
longa, mas não muito. Três horas e meia de viagem, se estivermos
com sorte. Quatro, se o trânsito estiver uma merda.
— O que você quer saber?
— Não sei absolutamente nada sobre a sua mãe. Uma ficha
catalográfica talvez ajude.
Rio.
— Ela se divorciou do meu pai quando eu ainda era criança.
Foi um momento conturbado, ainda mais que Ricky estava no auge
da carreira. Noreen sempre foi o tipo de pessoa que preza pela
privacidade e a mídia arrancou isso dela — discorro, odiando a ideia
de tirar essas memórias do fundo da mente. — Acho que esse foi
um dos motivos que levou ao fim do casamento.
— Ela nunca te falou sobre o que, de fato, aconteceu?
— Não. Tenho várias suspeitas, mas a real merda por trás...
Nem Aaron deve saber. Noreen sempre foi muito boa em esconder
as coisas, principalmente os sentimentos.
Ela assente, soando pensativa. O assunto é um lembrete
silencioso de que não sei quase nada sobre a família da minha
namorada de mentira. Assim como minha mãe, Anne é boa em fingir
que certos assuntos não existem.
— E a sua mãe? — Uso um tom descontraído. — Me conte
algo legal sobre ela.
— Ela trabalha em uma lavanderia em Sunbay. Não consigo
me lembrar de uma única vez que eu não a tenha visto trabalhando
pra cacete para conseguir sustentar a mim e ao Alex — fala. — Ela
faz o tipo mãe que quer dar o melhor para os seus filhos, custe o
que custar.
— E o seu pai?
O clima dentro do carro se torna um cubo de gelo. Leva bons
minutos até que Anne diga, com a voz entrecortada:
— Ele morreu quando eu era criança.
Droga.
— Não precisa dizer nada — Anne prossegue, não me dando
a chance de consolá-la. — Eu quase não me lembro de Gustaf. O
pior das memórias ficou com minha mãe e Alex. A saudade deles é
três vezes maior que a minha.
— A saudade não se mede pelo tempo em que passamos
com uma pessoa, Annie. Mesmo que você não tenha o conhecido
tanto quanto o resto da sua família, ainda tem o direito de se sentir
sozinha e de desejar que ele estivesse aqui, te acompanhando em
cada passo.
Ela assente, com um movimento tímido, e enxuga a única
lágrima que escorreu. Não sei como é perder alguém tão importante
como um pai ou uma mãe, mas deve ser devastador. O tipo de dor
que ninguém merece sentir, tampouco uma criança.
— Posso saber como aconteceu?
Anne funga e desvia o olhar, mirando a paisagem que passa
pela janela.
— Ele trabalhava como pescador, junto com outros
pescadores da região. Era um grupo de oito pessoas. Houve uma
tempestade em alto mar durante a temporada de pesca e ele
simplesmente... Escorregou, bateu a cabeça e caiu no mar. Nunca
encontraram o corpo e minha mãe só ficou sabendo quando o grupo
voltou, quase uma semana depois.
Um nó aperta a minha garganta. Foi mil vezes pior do que eu
poderia ter imaginado.
— Annie...
— Eu sei, é uma merda. Eu lembro que estava voltando da
praia e quando cheguei em casa... O clima tinha mudado e ninguém
nem precisou me falar nada — relembra. — Levou um bom tempo
para que minha mãe conseguisse seguir em frente. Às vezes, eu
ainda tenho a impressão que uma parte de Daisy vai estar
eternamente presa no passado. Naquele último segundo em que ela
foi se despedir dele no porto. Uma despedida que durou para
sempre.
Procuro por sua mão e entrelaço os nossos dedos. Faço uma
mínima pressão, passando a ela o conforto que não sou capaz de
colocar em palavras.
— Não deveria ter sido assim — digo, a atenção fixa na
estrada. — Mas, para o nosso azar, a vida gosta de dar essas
rasteiras na gente.
Anne inclina a cabeça para o lado e arqueia a sobrancelha
daquele jeito debochado.
— Seu conselho foi bem ruim, Reed.
Rio.
— Sou péssimo nesse lance, me desculpe. Ainda assim, se
precisar de um ombro para chorar, um amigo para encher a cara do
seu lado ou um abraço, eu sempre estarei aqui para você.
Direciono a ela um sorriso e me permito dar uma rápida
olhadinha na sua direção. Anne também exibe um sorriso. Quase
pequeno demais, mas está lá, exclusivamente para mim.
— Obrigada, Reed — agradece. — Agora, sobre a sua mãe...
Reviro os olhos.
— Fica tranquila, Scott. Ela vai adorar te conhecer. Até
porque é impossível não amar você.
Ao final do dia, depois de passar a tarde apresentando a
cidade para Anne e tirando foto nos principais pontos turísticos, nós
retornamos para casa.
Kirsten esteve ao nosso lado a maior parte do tempo e tenho
que concordar que ela é uma pessoa muito mais legal do que eu
havia imaginado. Fez brincadeiras, perguntou sobre a USVL e ainda
nos contou algumas histórias envolvendo a sua vida antes de se
mudar para Mountain City.
— Kirsten é divertida — digo distraidamente, ajudando a
minha mãe a colocar a louça no lava-louças. Anne foi para o quarto,
nos dando um tempo a sós. — Fico feliz que você tenha uma amiga
como ela.
A última frase faz minha mãe apertar os dedos ao redor da
taça. O seu semblante é confuso e não sei o que ele quer dizer.
Uma combinação estranha entre medo e insegurança, talvez.
— É sobre isso que quero conversar com você — declara, a
voz tremulando.
Fico preocupado na mesma hora.
— O que está acontecendo?
Noreen respira fundo e coloca a taça dentro do lava-louças,
para logo depois, indicar uma das cadeiras que ficam em frente à
janela. A mesa é minúscula e minhas pernas mal cabem embaixo
dela. Estou com os nervos explodindo. A possibilidade dela estar
doente...
— Eu estou bem, Reed. — Pousa a mão sobre o meu ombro
e puxa a cadeira vaga, se sentando de frente para mim. As íris
estão doces demais para quem está envolvida em um problemão, o
que já é um ponto positivo. — Mas há algo que você precisa saber.
Eu queria ter lhe contado há um bom tempo, mas por telefone não
me parecia uma boa ideia e esse foi um dos motivos pelos quais te
convidei para passar o feriado comigo.
— Mãe...
Noreen estende o braço sobre a mesa e aperta os meus
dedos em um gesto reconfortante.
— Kirsten é muito mais que uma amiga para mim.
Fico momentaneamente confuso.
Para mim, ao longo do dia de hoje, elas pareciam próximas,
como se soubessem os segredos uma da outra e se
compreendessem através de um mínimo olhar. Teria sido tudo um
fingimento, como eu e Anne?
Ao notar as minhas feições, Noreen abre um pequeno
sorriso, quase impartível.
— Kirsten é a minha namorada, Reed.
Silêncio.
Um longo e gigantesco silêncio se estende entre nós.
Posso até ouvir o tum tum tum do meu coração ecoar nos
ouvidos.
— Eu sei que é algo inesperado para você, mas não queria
mais guardar segredo sobre uma pessoa que é tão importante na
minha vida — discorre, mantendo o olhar baixo. — Eu levei bons
anos para compreender os meus próprios sentimentos e o que eles
representavam para mim. Foi um longo processo para entender que,
sim, há uma definição: bissexualidade. Eu me casei com o seu pai
porque fui apaixonada por ele, mas também sou apaixonada pela
Kirsten.
Permaneço quieto, deixando que ela prossiga. Dá para notar
que é um assunto sensível e que necessita de toda a coragem do
mundo para ser dito em voz alta.
— Sou uma mulher bissexual com quase 50 anos e que
demorou décadas para conseguir poder afirmar isso sem medo do
que os outros irão pensar.
Minha mãe abre um sorriso que faz meus olhos lacrimejarem.
— Desde quando vocês estão juntas?
Os lábios se curvam ainda mais para cima, fazendo as
covinhas surgirem nas bochechas.
— Desde que fiz aquela viagem logo depois do Quatro de
Julho. Começamos a sair algumas vezes, nada sério. Até que, numa
caminhada pelo parque, eu percebi que estava apaixonada por ela.
E acho que ela percebeu a mesma coisa, porque dava para notar
através dos olhos dela que havia algo gigante crescendo entre nós
duas — conta, animada. Não vejo minha mãe dessa forma há anos.
— Você ter gostado dela já me deixa feliz. E eu sei que é ainda tudo
muito recente, mas seria incrível se nós pudéssemos passar mais
tempos juntos. Eu, você, Anne e Kirsten. Tenho certeza que ela vai
adorar falar de filmes com você.
Rodeio os dedos magros junto dos meus e dou uma
apertadinha, obrigando-a a olhar para mim. Quando Noreen levanta
o rosto, me observando através de uma expressão cheia de
esperança, eu posso jurar que meu coração aumenta de tamanho.
Vê-la assim, com um sorriso de orelha a orelha, é o maior presente
que eu poderia pedir.
— Você não vai dizer nada, Reed? — Franze a pontinha do
nariz e solta o ar em uma lufada longa. — Talvez eu tenha me
precipitado e ...
— Mãe — interrompo-a e os olhos encontram os meus,
receosos. Tento tranquilizá-la, massageando o dorso de sua mão. —
Eu quero saber apenas de uma coisa.
— O quê?
— Você está feliz?
Uma única lágrima escorre por sua bochecha.
— Nunca estive tão feliz na minha vida quanto agora, Reed.
Limpo a lágrima com o polegar e acaricio a pontinha do seu
nariz, bem do jeitinho que ela fazia comigo quando criança.
— Isso é o mais importante para mim. — Encosto a testa na
sua. —Ver você feliz acima de qualquer outra coisa.
Noreen funga baixinho.
— Você não está chateado?
Nego.
— Jamais, mãe. — Me levanto da cadeira e indico com o
queixo para que ela faça o mesmo. — Mas você tem que me
prometer uma coisa.
Ela encaixa as palmas ao redor do meu rosto, fazendo uma
pequena pressão e deixando os meus lábios no formato de um bico
de pato horroroso.
— Não me venha com gracinhas para cima de mim.
Dou uma risada debochada.
— Nada disso por hoje — garanto. — A promessa é simples:
não deixe Kirsten falar mal dos meus filmes favoritos e, o mais
importante, garanta que ela não vá quebrar o seu coração.
Minha mãe revira os olhos.
— E se eu quebrar o coração dela?
— Aí a gente vai ter que bater um papo bem sério sobre isso.
Noreen belisca uma das minhas bochechas.
— Não precisa se preocupar. O meu coração e o da Kirsten
estão a salvo. — A palma dela desliza, parando na altura do meu
peito. — Eu quero saber sobre o seu coração. Como ele está?
— Batendo, para a minha sorte.
— Não foi isso que eu perguntei. — Dá um passo para trás e
retorna para a lavadora de louças. Ainda há resquícios do jantar
espalhados pela cozinha. — Quero saber sobre Anne e o
relacionamento de vocês.
Apoio o quadril na bancada em um gesto descontraído.
— É complicado. Não sei se tem ao certo uma definição.
— Vocês, jovens, são difíceis de entender. — Se abaixa e
fecha a lavadora, ligando-a. O barulho da água esguichada
preenche a casa silenciosa. — Você gosta dela?
Gostar é eufemismo, mãe.
— Mais do que eu gostaria.
Noreen abre um sorriso e procura uma garrafa de vinho na
pequena adega ao lado da geladeira. Pega duas taças e me entrega
uma.
— E o que ela sente?
Mordisco a ponta da língua, não sabendo ao certo o que
dizer. Anne e eu nunca tivemos essa conversa e eu também não fiz
questão de tocar no assunto porque sei que, quando acontecer, ela
vai se trancar dentro de si própria e dar uma resposta evasiva que
não vai nos levar a lugar nenhum.
— Espero que ela sinta o mesmo que eu.
— Você não sabe?
Sacudo os ombros, sentindo os músculos ficarem tensos.
— Bom, eu suspeito que ela sinta o mesmo que você — diz.
— Mesmo que a relação de vocês seja diferente do que estou
acostumada, ela não teria viajado até aqui se não houvesse algum
sentimento envolvido. E eu vi o jeito que ela olha para você...
— De que jeito?
A taça está tremendo em minhas mãos. Ter essa conversa
não era bem o que eu tinha planejado para o fim desta noite.
— Do mesmo jeito que eu olho para a Kirsten. — Inclina a
cabeça para o lado, me olhando com sabedoria. — Como se
estivesse determinada a dar o mundo para essa pessoa. É assim
que ela te olha, Reed.
Dois dias após o Dia de Ação de Graças, estou na cozinha
preparando o café da manhã. Keeran está sentado em uma das
banquetas, com o celular em mãos. O prato de panquecas integrais
está intacto à sua frente.
— Ficou ruim?
Ele levanta o olhar do celular com um vinco entre as
sobrancelhas.
— O quê?
— As panquecas. — Indico a montanha redondinha. —
Ficaram ruins?
— Se eu disser que sim, você vai preparar outras para mim?
Mostro a ele o dedo do meio e encho a minha xícara de café.
— É claro que não. Cala a boca e come de uma vez,
Flanagan.
Keeran dá risada e guarda o celular no bolso. Corta um
pedaço e espeta uma das panquecas, experimentando. O ruído
fingido de um vômito me dá vontade de chutá-lo para fora da
banqueta. Os amigos de Reed são tão irritantes quanto ele.
— E como foi a viagem até Mountain City? A mãe do Reed é
uma gata.
Se eu estivesse com o café dentro da boca, certamente teria
cuspido.
— Você sempre tem que dar em cima de todo mundo?
As sobrancelhas dele dançam em resposta.
Diferente dos outros dias, hoje ele está vestido igual a um
bad boy: jaqueta de couro, camiseta preta, calças rasgadas no
joelho e um par de coturnos. Flanagan não passa a energia de um
jogador de futebol americano, nem de longe. Diferente de Reed, que
exala por todos os poros possíveis.
— Apenas de quem vale a pena. — Sorri. — Eu, por
exemplo, não daria em cima da sua mãe.
Franzo o cenho.
— Você nem a conhece, Keeran.
— Não é preciso. Eu já conheço você, gatinha.
Arremesso o pano de prato na sua cabeça e Keeran explode
em uma gargalhada, pegando-o no ar com um único movimento.
Estou prestes a proferir uma sequência feia de xingamentos quando
o meu celular começa a vibrar em cima do balcão.
Olho de relance para o identificador de chamadas e um frio
arrebatador me congela da cabeça aos pés.
Puta merda.
— Você não vai atender?
Ergo o rosto ao som da voz de Keeran.
A descontração já foi deixada para trás.
Concordo com um aceno, nervosa, e aceito a chamada,
levando o celular ao ouvido. Fico em silêncio por um milésimo de
segundo. As batidas do meu coração estão tão altas quanto uma
caixa de som em uma festa.
— Alô?
A voz quase esquecida de Charles pinica no fundo da minha
cabeça.
Ele fala por um longo tempo.
E fala mais um pouco.
Charles fala tanto que até me esqueço da presença de
Keeran na cozinha.
Depois de eu murmurar várias respostas monossilábicas que
devem ter soado tão perdidas quanto eu estou neste momento,
Charles desliga em uma despedida ensaiada.
Abaixo o celular, as mãos tremendo e, quando olho
novamente para Keeran, não sei o que dizer.
A única coisa que meu cérebro consegue processar é que
consegui a vaga de estágio no PK Journal.
— Essa camiseta ficou horrível em você, Bradley.
— Nada fica feio em mim, cara. — Bradley passa a mão pelo
cabelo bagunçado. — Mas se você quiser, posso tirá-la. Eu fico
ainda mais gostoso mostrando o meu tanquinho.
Keeran faz uma ânsia de vômito.
— Eu dispenso. Ver a sua bunda todos os dias no vestiário já
é o suficiente para mim.
— Sempre tão romântico, Flanagan. É assim que você
conquista as suas garotas?
Dave ri ao meu lado ao ouvir a conversa entre Keeran e
Bradley. Eles estão a poucos metros de distância da gente, parados
em frente a um balanço que Cooper mandou instalar na área de
lazer da fraternidade.
Não faço ideia do que eles vão fazer com esse balanço.
— Por quê? Está precisando de algumas aulas? — Keeran
rebate. — Ou o lance de encontrar a sua princesa dos contos de
fada está indo de mal a pior?
Bradley xinga Keeran de um palavrão bem feio e se senta no
balanço, fazendo um bico. Parece uma criancinha de cinco anos
esquecida no parque porque os pais estavam ocupados demais
discutindo sobre o casamento fracassado.
Desvio o olhar e foco em Dave.
Ele está descontraído, exibindo um sorriso babaca que reflete
os dentes brancos e alinhados. Com os dreads torcidos em um
coque para trás, o sol ilumina totalmente a sua pele negra-retinta e a
pequena cicatriz próxima da orelha causada em um jogo na
temporada passada.
— Você vai me contar o motivo desse seu sorriso feio aí ou
eu vou ter que perguntar?
Meu amigo dá uma curta risada, daquele jeito tímido dele, e
bebe um gole do suco verde esquisito que Mason fez para o time.
Não vou arriscar, porque não quero ficar com dor de barriga.
— Não querendo me gabar, mas conquistei o pai da Claire.
— Quer dizer então que aquela aliança bonita vai parar no
dedo do velhote?
Dave acaba cuspindo um pouco do suco verde. Aposto que
está com gosto de verdura esquecida na última gaveta da geladeira.
— Vai parar dentro da sua bunda, pode apostar.
Sufoco uma risada e me estico na espreguiçadeira. A
fraternidade tem uma área de lazer de dar inveja. Piscina aquecida,
quiosque com churrasqueira, espreguiçadeiras espalhadas no
grande deque de madeira e uma casa na árvore. Agora tem também
a porra do balanço.
— Minha bunda vai aceitar de bom agrado um pedido de
casamento assim tão exótico.
Dave suspira tão alto que não sei como o pulmão dele não
salta para fora. Bebe mais um gole do suco verde, contendo uma
careta. A aparência do negócio dentro do copo me faz questionar o
que Mason colocou ali dentro.
— E como foi o Dia de Ação de Graças com a sua mãe?
Soube que Anne foi com você.
Ao mencionar o nome de Anne, uma pedra pesando uma
tonelada se aloja bem no meio do meu peito. Ela está me evitando
há exatos três dias e eu não sei o porquê.
Vários motivos me passaram pela cabeça, mas nenhum soou
convincente o bastante, não depois de termos comemorado o
feriado assando o pernil na cozinha da minha mãe e dando risada
sobre as histórias de vida dela. Kirsten também estava lá, rindo das
confusões que Noreen se metia quando adolescente.
— Foi divertido. Foi a primeira vez de Anne em Mountain City,
então deu para a gente sair em alguns lugares legais. — Não
menciono sobre a conversa que tive com minha mãe. — A gente foi
naquele meu restaurante favorito também.
— Pediram o Fettuccine?
— Não dessa vez. Experimentei o Antepasto de Berinjela.
A careta que cresce no rosto do meu amigo é impagável.
— Não sei o que é pior. Saber que você comeu algo
envolvendo berinjela ou esse suco verde horroroso.
— Aposto que esse suco. Vai saber o que Mason colocou aí
dentro. Ele não é muito confiável quando o assunto envolve dotes
culinários.
Dave empurra o copo para longe e limpa o canto da boca
com o dorso da mão.
— Você poderia ter me dito isso antes de eu tomar esse
negócio verde, Reed.
— Eu não ter aceitado já deveria ser um sinal de alerta para
você.
Morris se encolhe na espreguiçadeira e tira o celular do bolso
ao ouvi-lo vibrar. Pelo canto do olho, noto que é Claire. O contato
dela está salvo com incontáveis corações vermelhos. Os dedos
teclam com rapidez uma resposta e então a tela do celular é virada
para mim.
Claire tirou uma selfie dela com Anne e uma pilha de roupas
no fundo. Pelo tom das paredes e o pôster gigante no fundo de As
Patricinhas de Beverly Hills, as duas estão no quarto da irmandade
que a namorada de Dave faz parte.
Mesmo me esforçando, não consigo desviar o olhar do rosto
sorridente de Anne. Ela está radiante, mesmo com os cabelos
bagunçados e a pele livre de maquiagem.
— Elas estão acertando a última prova das roupas antes do
desfile — Dave explica, bloqueando o celular e o guardando
novamente dentro do bolso. — A maioria das modelos são da
irmandade, mas há também outras garotas que se voluntariaram.
— Como a Claire está?
— Cansada, estressada e ocupada. Quase não temos
passado muito tempo juntos. A viagem foi uma exceção, já que fiz
ela prometer que não falaria desse desfile durante o feriado, mas
agora ela está a todo vapor trabalhando para que tudo fique perfeito.
A informação despejada por Dave me faz pensar. Assim
como Claire, Anne também tem estado bem ausente e, pelo o que
ela me contou, as duas têm trabalhado juntas em vários detalhes do
desfile. Deve ser por isso que não conversamos direito nos últimos
dias.
Ela está imensamente ocupada e, quando chega em casa, a
exaustão é tão grande que só quer saber de um banho e uma cama
quentinha.
Eu sei bem como é se sentir assim.
Os próximos treinos do time, se vencermos o próximo jogo,
serão exatamente dessa maneira. Não terei tempo para quase nada
e, nas poucas horas que estiverem livres, vou usar para estudar e
dormir até babar no travesseiro.
Sendo assim, não há motivo para eu me preocupar.
Certo? Certo.
— Claire vai arrasar. Aposto que vai deixar todo mundo de
queixo caído..
— Espero que sim. Ela está dando um duro danado. O
mínimo é que as pessoas reconheçam o talento dela.
— Elas irão, Morris. Pode ter certeza.
Meu amigo assente. Não temos a chance de dar continuidade
no assunto, porque Keeran e Bradley se acomodam nas duas
espreguiçadeiras ao nosso lado com dois copos de suco verde.
Aparentemente, ninguém tem amor à vida por aqui.
— Preparados para o último jogo?
É Bradley quem pergunta. Os cabelos estão presos em um
tipo de coque samurai e, infelizmente, tenho que concordar com
Keeran. A camiseta de uma ação social envolvendo a adoção de
cachorros não combinou com ele.
— Mais preparado, impossível. O treinador pegou pesado
nos treinos nessas últimas semanas. — Keeran estala os dedos
tatuados. — Achei que minhas pernas não fossem aguentar.
Dave concorda com um murmúrio. Turner está determinado
que consigamos a vitória contra os UCL Ducks. Na temporada
passada, foi por uma diferença mínima de pontos que eles não
chegaram aos playoffs. Aposto que este ano, estão determinados a
vencer.
— E o draft? Já decidiram se vão se inscrever?
A pergunta de Bradley age como um balde de água fria.
Antes da discussão com o meu pai, os planos estavam
estabelecidos: desistir do curso de Jornalismo, ser draftado por um
time importante e seguir carreira no esporte. Agora que as coisas
mudaram entre nós, não sei o que pensar do futuro.
Pela primeira vez, depois de vários anos, tenho autonomia
para tomar uma decisão por conta própria, sem sofrer influência de
ninguém.
Se eu quiser, posso me inscrever, como sei que Dave irá. Ou
posso esperar até o último ano do curso, como boa parte do time,
incluindo Keeran, irão fazer.
Mas, antes de qualquer coisa, quero ter uma última conversa
com meu pai. A gente deve isso um para o outro e preciso que ele
saiba, de uma vez por todas, que não irei mais acatar aos pedidos
dele. Se vou me dedicar ao futebol americano profissionalmente,
quero fazer isso por mim mesmo.
— Com certeza — Dave responde, orgulhoso. — E vocês?
— Quero terminar o curso antes, mesmo que eu tenha
certeza que a minha vaga em um time grande está garantida. —
Bradley abre um daqueles sorrisos que deve fazer as bochechas
doerem. — Vou deixar o Dave brilhar dessa vez.
Eles trocam uma sequência engraçada de xingamentos, até
que Keeran se vira para mim.
— E você, Rollins? — Aponta para o meu peitoral. — Vai
estrelar nos gramados ano que vem?
Sim.
Não.
Ao mesmo tempo em que quero muito me inscrever no draft e
passar por esse processo ao lado de Dave, também não me sinto
preparado. A voz de Ricky ressoa em um sussurro na minha
cabeça, me lembrando que, sem o apoio dele, não vou conquistar
merda nenhuma.
Sei que é mentira.
Mas a mera possibilidade disso acontecer me assusta pra
cacete.
— Não pensei a respeito do assunto ainda — murmuro,
ignorando o formigamento no fundo da minha garganta. — Tenho
umas coisas mais importantes para resolver antes disso.
Dave me direciona um olhar preocupado, porque sabe dos
meus antigos planos envolvendo o draft. Para eu mudar de ideia
assim, é porque algo aconteceu.
Dou a ele uma discreta piscadela, indicando que esse é o
assunto que vamos conversar mais tarde. Ouvir a opinião do meu
melhor amigo, certamente, vai me ajudar.
Na sexta, após longos meses de planejamento e muito
trabalho, Claire vai exibir para a universidade inteira seu talento
como estudante de Moda. A Davis Corporation, principal parceira
deste projeto, ofereceu para minha amiga todas as regalias
possíveis. E, como Claire é apaixonada por organizar qualquer tipo
de evento, este aqui tem a sua essência em cada detalhe.
O espaço alugado fica aqui no campus da USVL, mas a
decoração está tão bonita que se torna quase irreconhecível.
Há um lustre pendente no centro que imita àquele da Bela e a
Fera na cena da icônica dança, um buffet com vários aperitivos,
garçons circulando de um lado para o outro com bandejas de
bebidas e uma passarela montada para que as garotas possam
desfilar com os modelitos desenhados por Claire.
— Porra. — Keeran assovia ao meu lado, encarando também
o espaço iluminado. — Eu achei que era um simples desfile de
roupas. Isso está mais parecendo o Fashion Week.
Rio.
— Não sabia que você conhecia isso.
— Eu posso ser um pouco alienado, mas não tanto.
Um garçom passa ao nosso lado e entrega para nós duas
taças de champanhe. Experimento apenas um golinho, enquanto
Keeran vira o conteúdo de uma única vez. Ele faz uma careta e
limpa os lábios com o dorso da mão.
— Eu detesto champanhe — explica diante do meu olhar
curioso. — Quanto antes acabar, melhor.
Reprimo a vontade de fazer um comentário debochado e
perlustro o lugar ao nosso redor, visualizando as pessoas. A maioria
do time está aqui. Até mesmo o treinador Turner deu o ar da sua
presença. Ele conversa com Claire, rindo de um jeito que eu nunca
vi acontecer antes.
Bradley e Mason estão em frente ao buffet, enchendo a boca
de camarões em uma disputa de comida que é a cara deles. Já no
canto oposto, próximo à porta, estão Dave e Cooper usando um
conjunto de paletó e gravata que combina com o tom de suas peles.
— Ele não veio.
Viro o rosto e encontro Keeran me observando. Assim como
boa parte dos convidados, ele usa uma camisa de botões branca,
calça social e sapatos brilhantes na ponta. Os cabelos foram
penteados para trás e a barba aparada.
— Eu...
Tento formular a frase, mas minhas cordas vocais não
obedecem ao comando. Depois da péssima conversa no meu
quarto, não tive mais notícias de Reed. Três longos dias se
passaram sem eu ouvir o som da sua voz ou sentir o costumeiro
perfume de sândalo no ar.
Nem mesmo quando deixei um envelope com o dinheiro em
cima da escrivaninha do seu quarto obtive algum tipo de resposta. O
silêncio da parte dele é longo e perturbador.
Mas eu mereço. A decisão que eu tomei implicava
exatamente nisso: com ele desaparecendo da minha vida.
— Aconteceu algo? — Keeran me pressiona com o
questionamento. — Ou alguma coisa que eu precise saber?
Respiro fundo e dou mais um gole no champanhe, desejando
fugir dessa conversa. Keeran não me parece ser o tipo de pessoa
em que a gente abre o coração e despeja os problemas. Ele passa
a vibe de amigo que te leva para beber em um bar ruim de Maple
Hills e depois te traz de volta para casa em segurança.
— Eu consegui um estágio em North Grove.
Tão rápido quanto surge o seu sorriso, ele desaparece.
— Você está se mudando.
Não é uma pergunta, mas a constatação de um fato. Mesmo
assim, eu concordo com um aceno e desvio o olhar. Não estou no
clima para entrar em outra discussão sobre esse assunto. Keeran,
no entanto, não se deixa abalar pela minha expressão.
Um grunhido escapa da sua garganta.
— Olha, Scott, eu não sou uma pessoa que se ofende fácil,
mas você está sendo bem filha da puta.
Giro o rosto quase que automaticamente.
— O quê?!
— A gente aceitou você na nossa casa, mesmo que não
fossemos muito íntimos. O Reed mobiliou um quarto inteiro do jeito
que achou que você gostaria. A gente deixou você entrar nas
nossas vidas e te tratamos bem pra caralho — diz. — E então, você
decide ir embora sem avisar. Não espere que eu concorde com essa
atitude.
Encaro seu rosto, me atentando por mais tempo à expressão
magoada. As suas palavras estão agindo como uma faca cortando a
minha pele em carne viva.
— Eu iria avisar.
Ele arqueia a sobrancelha.
— Não. Você não iria — retruca. — Eu conheço esse
comportamento, Scott.
Mordo o interior da bochecha com força e escrutino
novamente o ambiente, não gostando nem um pouco da verdade
que Keeran acabou de despejar para cima de mim. É como um tapa
na cara.
Noto, de relance, um fotógrafo conversando com Claire e,
logo em seguida, ela caminha para onde Keeran e eu estamos.
Torço internamente para que ele não faça nenhum comentário a
respeito do que acabou de acontecer. Não quero discutir com
ninguém hoje.
Esboço o meu melhor sorriso quando ela dá dois beijos nas
bochechas de Keeran e depois me abraça. O vestido adere às
curvas dela e é feito de um tecido suave que muda de cor
dependendo da iluminação. A maquiagem em tons dourados
evidencia o contorno das maçãs do rosto e o formato dos olhos.
Desta vez, ela exibe os cabelos naturais. Nada de perucas.
— Vocês estão maravilhosos! — elogia e arruma a gola do
colarinho da camisa de Keeran. Quando está satisfeita, dá um
tapinha na bochecha dele e se vira para mim. — Você pode vir aqui
um instantinho?
Assinto e me despeço de Keeran com um sorriso amarelo.
Caminhamos por entre as pessoas até chegarmos em um local mais
afastado da multidão. Aqui, o espaço exala mais privacidade. As
mesas contam com plaquinhas de reservado e uma dupla de
seguranças se mantém de pé de forma estratégica.
Claire aperta o meu braço e aponta, discretamente, para um
casal que está conversando a poucos metros de nós.
— Você sabe quem são eles? — ela pergunta e eu nego, o
que rende a Claire um biquinho fofo. — Aqueles são Kaycee Cross
e Frankie Rivera. Se eu não estiver enganada, eles são os editores-
chefes do PK Journal em North Groove.
Perco o ar.
— Talvez vocês possam conversar hoje, já que você é uma
das pessoas que me ajudou a organizar esse evento.
— Claire...
Ela abre um sorriso.
— Tive que batalhar para convencê-los a virem até aqui, mas
acho que vai valer a pena no final — diz, de um jeito carinhoso. —
Não quero vê-la triste.
Trinco os dentes.
— Não estou triste, apenas cansada. Foi uma longa semana.
Minha amiga cruza os braços e ergue sugestivamente uma
das sobrancelhas. Não contei ainda para ela sobre a decisão em dar
um fim no meu acordo com Reed.
O dia de hoje não é sobre mim e minhas inseguranças.
É sobre Claire Howard e o projeto que ela batalhou por tantos
meses. Não vou ter essa conversa quando, na verdade, ela deveria
estar dando entrevistas e conquistando um estágio na Davis
Corporation.
— Tem certeza? A gente pode encher a cara depois de
sairmos daqui. Dave conhece um ótimo bar que cura corações
partidos.
Rio de forma nasalada.
— Eu dispenso. Depois daqui, a gente vai comemorar o seu
sucesso! — Engancho o braço ao redor do seu e puxo-a para longe
de Kaycee Cross e Frankie Rivera. — Será que o Dave conhece um
lugar que serve Margaritas e Mojitos de Morango?
Um sorriso curva a boca dela para cima e um brilho cintila no
fundo das íris. Pelo visto, ela já tem planos em mente.
— Se ele não souber, eu conheço o bar perfeito — exclama,
animada. — E eles ainda servem os melhores petiscos do mundo.
— Será que eles tem algo com atum?
Claire finge uma ânsia de vômito e eu gargalho pela primeira
vez desde que a ausência de Reed se tornou uma constante da
minha vida. Nesta noite, vou fazer o que estiver ao meu alcance
para que ele habite o lugar mais profundo e distante da minha
consciência.
Eu tomei uma decisão.
E vou ser firme com ela até o fim.
Mesmo que haja uma rachadura aumentando de tamanho
bem no meio do meu coração a cada dia que passa.
Acordo com o som de uma chaleira apitando.
Minha cabeça parece que vai explodir ao ouvir o som. É
como mil facas perfurando o crânio. O gosto de bile em minha boca
também não é agradável. Mesmo que eu tenha dormido, a
sensação é de que passei a noite em claro.
Abro primeiro um dos olhos e depois o outro. A parede diante
de mim tem uma televisão sustentada no centro, um aparador na
cor amarela com vários itens de decoração e um imenso vaso de
flor em um dos cantos. Há também um porta-retrato do meu irmão
com Soren em que os dois estão sorrindo para a câmera.
— Que horas são? — pergunto, grogue de sono, e me sento
no sofá.
— Perto das dez — Alex responde da cozinha. — Eu ia te
acordar daqui a pouco.
— A sua chaleira barulhenta acabou com o meu sono.
Meu mau humor matinal, combinado com a ressaca, não
abala em nada meu irmão. Alex faz um sinal para que eu sente em
uma das banquetas a sua frente. Meio cambaleando, faço o que ele
pede.
— Não fale mal dela. Foi um presente da mãe do Soren —
reclama e se vira de costas, dando atenção para a frigideira. —
Como você está?
— Como se tivesse passado a noite enchendo a cara.
Alex dá uma risadinha e me lança um olhar sobre o ombro.
— Que ironia, porque foi exatamente assim que você passou
a noite — diz em brincadeira e desliga a chama do fogão. — Tive
que colocá-la no carro enquanto você ria sem motivo. Como eu não
sabia onde você estava morando, te trouxe para cá.
Me encolho dentro da camiseta gigante com o Clark Kent
estampado no centro.
— Desculpa pela noite passada. Acho que exagerei.
— Estou aqui para isso. — Se vira e empurra um prato com
uma pilha de panquecas sorridentes. — Mesmo que eu ache que
afogar as mágoas em Mojitos de Morango seja uma ideia ruim, meu
ombro está aqui para você chorar quando quiser.
— Não há pelo o que chorar.
Ele grunhe em discordância e me entrega os talheres,
voltando para o fogão. Assim como Daisy, ele também possui uma
paixão nada secreta por chás. O meu é preparado em questão de
segundos e colocado diante do meu prato. É um tipo de gesto que,
se Gustaf estivesse vivo, prepararia para mim.
O pensamento me deixa triste.
— Você sempre gostou de bancar a durona, mesmo quando
todo mundo sabia que estava de coração partido ou com o joelho
machucado, cheio de sangue — diz, me analisando com sabedoria.
— Mas você não precisa ser sempre assim, Anne.
— O que você quer dizer com isso?
Alex se debruça sobre o balcão. Os olhos sondam os meus e,
embora eu queira desviar o olhar, me mantenho firme.
— Quero dizer que, quando você precisar deixar esse peso
para trás, eu vou estar aqui. — Segura minha mão livre entre as
suas. — Eu também tenho os meus momentos de vulnerabilidade.
Não dá para ser forte para sempre. Você tem que se deixar sentir.
A vontade de chorar aperta a minha traqueia.
De repente, estou novamente deitada ao lado de Alex,
escondendo o rosto na curva do seu braço enquanto escutamos
Daisy chorar baixinho no quarto. Nenhum de nós tinha coragem de
bater na sua porta quando os momentos de luto chegavam.
A gente deixava ela sozinha. E talvez ter feito isso tenha sido
um tremendo erro.
— Não sei como fazer isso — confesso e tento me afastar,
mas ele intensifica o aperto ao redor dos meus dedos. — Alex, por
favor...
— Fala comigo, Anne — pede, baixinho, abaixando a cabeça
e me encarando com cuidado. É o mesmo olhar que ele me dava
quando me encontrava sozinha no quarto. — Me diz o que está
acontecendo.
Abaixo a cabeça. As panquecas sorridentes são quase uma
piada de mau gosto para o estado caótico em que me encontro.
— Nem sei por onde começar.
Alex dá uma risadinha.
— Pelo começo é uma ótima ideia.
Respiro fundo, deixando que o ar relaxe os meus músculos.
Me esforço para encontrar uma forma de tocar no pior assunto de
todos sem que Alex me julgue, mesmo que eu duvide muito que ele
faça isso.
Abrir o coração é um gesto que exige uma coragem absurda
da minha parte.
Fecho os olhos e despejo a confissão mais sincera de toda a
minha vida:
— Eu não quero acabar como Daisy.
Um longo silêncio se estende entre a minha frase e o arquejo
de surpresa de Alex. Posso ouvir minha pulsação acelerar conforme
os segundos avançam, me empurrando cada vez mais fundo para
dentro da minha zona segura.
É difícil demais sair dela.
— O que você quer dizer com isso?
Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e estico o
pescoço para trás.
— Antes de nossa mãe conhecer Gustaf... Ela tinha objetivos.
Uma vida inteira de metas para serem realizadas. Um mundo inteiro
para conquistar. Daisy queria visitar a tia-avó na Austrália, ser uma
pintora de sucesso e conhecer a Itália na primavera. — Cada sílaba
saí rasgando. — Então...
— Então, ela conheceu Gustaf.
Concordo com um aceno.
— E os sonhos ficaram para trás. Cada um deles foram
esquecidos dentro de uma caixinha e ignorados para sempre. —
Brinco com uma das amoras no prato. Não olhar para o rosto de
Alex torna essa conversa mais fácil. — Eles se apaixonaram, se
casaram, tiveram nós dois como seus filhos e, de uma hora para a
outra, os sonhos que eles começaram a ter juntos foram arrancados
com a morte de Gustaf.
Alex permanece quieto, a mão ainda pressionando a minha
em um incentivo doloroso. Confessar cada uma dessas coisas em
voz alta está arrebentando o meu coração ao meio. A dor chega a
ser insuportável.
— Daisy mergulhou em um poço profundo de tristeza por
causa do luto. Mesmo com ela nos criando da melhor forma
possível, eu sei que não foi fácil. Demorei muito tempo para
perceber isso. — Fungo, as lágrimas descendo pelas bochechas. —
E mesmo que ela diga que está feliz com a vida que tem hoje, não
consigo deixar de pensar que tudo poderia ter sido diferente. Que
ela merecia mais — gaguejo com o choro doloroso. — Daisy
merecia muito mais, Alex.
A constatação de que estou tremendo me acomete quando
Alex contorna o balcão e me enlaça em um abraço. Meu rosto
afunda no tecido da camiseta dele e as lágrimas descem sem
nenhuma dificuldade. Deixo escapar um soluço e prendo meus
dedos em suas costas, sentindo que cada parte minha está se
partindo ao meio.
É uma dor que não pode ser descrita em palavras.
É uma dor que esteve por tanto tempo escondida que nunca
me dei conta da proporção que ela dominava de mim.
Ela está presa em cada parte minha.
Em cada sorriso.
Em cada lágrima.
Em cada atitude.
— Eu não quero que isso aconteça comigo. — Balanço a
cabeça repetidas vezes, os cabelos grudando nos lábios por causa
do choro. — Não quero que o Reed ocupe um espaço tão
importante na minha vida. Porque se algo der errado... — Prendo a
respiração, buscando controlar o tremor na voz. — Se eu me deixar
perder no caminho, não vou saber lidar. Eu não quero ser Daisy
Scott.
Alex massageia as minhas costas, os lábios pressionados em
meus cabelos. Ele deposita um pequeno beijo ali e depois usa a
ponta dos dedos para limpar as minhas lágrimas.
O semblante dele é tranquilo, mas ao mesmo tempo
preocupado. As íris exibem um tipo de sabedoria que duvido
conseguir alcançar algum dia. Assim como eu, ele também deve ter
suas questões envolvendo a morte de Gustaf e a ausência curta de
Daisy. Não tem como passar ileso.
— Você não vai acabar como ela, Anne. A sua vida não é
uma repetição da história de Gustaf e Daisy.
— Como você pode ter certeza?
— Eu não tenho certeza de nada, mas gosto de pensar que
cada uma das pessoas tem a sua própria história. Você está
escrevendo uma história diferente. Eu também estou — diz. — Eu
tenho medo de perder Soren? Claro que sim, mas a possibilidade de
não estar ao lado dele me soa ainda mais doloroso. Quero que cada
segundo com ele valha a pena, mesmo que, no futuro, haja a
possibilidade de nossos caminhos serem diferentes.
— Isso não te apavora?
— Pra cacete. — Ri baixinho e volta a me abraçar, apoiando
o queixo no topo da minha cabeça. — A morte do nosso pai mexeu
muito comigo, Anne. Você não faz ideia do quanto. Mas, com o
passar dos anos, eu entendi que essa é uma parte que sempre vou
carregar comigo. Uma insegurança que Soren hoje também
consegue entender. Assim como eu entendo as questões
particulares dele.
Solto um pesado sopro de ar. Aos poucos, começo a me
acalmar, embora minha cabeça ainda esteja uma confusão. Essas
novas informações são difíceis de assimilar.
— E o que você acha que eu devo fazer?
Alex dá um passo para trás e volta a observar o meu rosto.
Devolvo o olhar, notando que há uma certa cumplicidade agora
entre nós.
Em todos esses anos, não tivemos a oportunidade de
conversar sobre muitas coisas. Mas agora que me permiti abrir essa
porta, acho que ele também vai abrir a sua. Vai me deixar entrar,
como eu também estou deixando.
— Eu acho que você deve conversar com Daisy —
aconselha. — Me ajudou em uma época em que estava passando
por uma situação semelhante.
A confissão me pega desprevenida.
— E por que você não me contou?
Ele encolhe os ombros e contorna novamente o balcão,
ficando de costas.
— Pelo mesmo motivo que você demorou todo esse tempo
em contar para mim.
Não tenho a chance de responder, porque ele me entrega a
calda de chocolate e aponta para as panquecas sorridentes.
— Agora come — manda. — Sua cara de ressaca está bem
desagradável e estragando as boas energias da minha cozinha.
Essas panquecas vão ser a sua salvação.
Mostro-lhe o dedo do meio, fingindo uma irritação. Antes que
ele possa sair do cômodo para arrumar a bagunça que fiz na sala,
eu o chamo. Alex se vira sobre os calcanhares descalços, um
pequeno sorriso sendo direcionado para mim.
— Muito obrigada. Não só pelas panquecas, mas por cuidar
de mim durante todos esses anos. Nunca agradeci você de verdade.
A cabeça dele tomba para o lado, os cabelos loiros seguindo
o movimento.
— Eu sempre vou estar aqui, Anne. Basta você me chamar e
eu dou um jeito. É para isso que servem os irmãos.
Hoje é oficialmente o grande dia.
Depois de uma longa temporada de treinos, finalmente
chegamos ao jogo que vai decidir a vaga do time nos playoffs, em
janeiro. Estou confiante de que vamos vencer, mas sempre há a
possibilidade de algo dar errado, o que me assusta pra caralho.
Não vou me perdoar se sair daqui como um perdedor.
— Nervoso?
A pergunta me faz erguer a cabeça. Dave está sentado no
banco de metal, amarrando as chuteiras. Assim como o restante do
time, há um traço de preocupação em sua voz.
— Parece que meu coração vai sair pela boca a qualquer
momento. E você?
— Prestes a me cagar nas calças — diz e dá dois toques no
joelho, se levantando. — E quanto ao resto?
Pego o capacete e fecho a porta do armário.
— Que resto?
Meu melhor amigo dá um pesado suspiro e cruza os braços.
A camiseta do time adere aos músculos tonificados do peitoral.
Dave tem o porte de um jogador de futebol americano profissional.
Parece uma muralha gigantesca.
— Você não responde as mensagens de ninguém, fica até
uma hora depois dos treinos, não apareceu no desfile da Claire e
ainda dispensou o meu convite para irmos ao Cheers Bar depois
daqui. Que merda está acontecendo, Reed?
— Está me vigiando, Morris?
— Não venha com essa merda para cima de mim. Estou
preocupado com você, cara.
Sugo o ar das bochechas e apoio meu pé no banco,
amarrando as chuteiras. Não quero ter essa conversa antes do jogo.
Abrir o meu coração enquanto o vestiário está lotado de jogadores
ansiosos não me parece uma boa escolha.
Eu quero apenas focar no que importa. Pensar em Anne é a
pior das distrações.
— Estive ocupado, apenas isso — minto.
Dave semicerra as pálpebras, desconfiado. Ele me conhece
como ninguém mais, então sei que, depois que o jogo terminar, vou
ser confrontado sobre o assunto.
— Ocupado uma merda. — Mason se intromete no meio da
conversa. Está sem camiseta, usando apenas a calça branca do
uniforme e os pads. — Quando voltamos do desfile, você estava
dormindo no sofá. Capotado feito um caminhão em beira de estrada.
— Ocupado e cansado — acrescento.
Mason bufa e Dave coça o queixo, a barba escura cobrindo
boa parte da pele negra-retinta.
— Ocupado, cansado e de mau humor. — Meu colega de
casa retruca e abre o próprio armário. — Quando vai contar para a
gente o que está rolando? Brigou com a namorada?
Brigou com a namorada.
Se eu pudesse, esconderia minha cabeça dentro de um
buraco e não sairia de lá.
— Não. Não briguei com ninguém.
— Por que não vimos mais ela, então?
— Se estão tão curiosos, podem perguntar para ela — digo,
tentando soar descontraído. — Ela vai estar lá na arquibancada,
torcendo pela gente e usando a minha camiseta. Vai ser fácil de vê-
la.
As palavras queimam na língua. Eu sei que Anne não vai
estar aqui hoje. E, se houver uma garota usando uma camiseta com
o meu número, com certeza não vai ser ela.
Anne deve estar em North Groove, conhecendo
apartamentos e iniciando a nova vida que tanto almejou. Não há
espaço para Reed Rollins, treinos de futebol, jogos de temporada e,
tampouco, acordos improváveis.
Mason me dá uma longa olhada antes de assentir e vestir a
camiseta azul escura com a águia bordada na manga do antebraço.
— A gente vai comemorar no Cheers Bar hoje?
É a voz de Keeran que preenche o vestiário. Alguns
jogadores gritam em aprovação, enquanto outros não estão tão
confiantes da nossa vitória. Diferente dos jogos anteriores, não
havia problema em perder um ponto ou outro.
Mas o de hoje é decisivo pra caralho. Um erro pequeno e
podemos perder a vaga nos playoffs.
E o pior: eu sei que meu pai vai estar na arquibancada. Ricky
vai assistir cada uma das minhas jogadas, analisar cada um dos
meus lances e memorizar cada uma das minhas falhas. Como
Aaron disse, ele não vai esquecer tão fácil a ideia de me tornar uma
extensão do seu sucesso.
Solto o ar pelo nariz e pego a garrafa de água, rumando para
os bebedouros fora do vestiário. A conversa alta entre o pessoal do
time está fazendo a minha cabeça latejar.
Estou subindo o lance de escadas quando escuto um assovio
característico. Ao olhar para trás, vejo Dave me seguindo. Ele já
está com o equipamento completo, exceto o capacete e o protetor
bucal.
— Como foi o desfile? — Puxo assunto, antes que ele tenha
a oportunidade de me fazer qualquer pergunta. — Foi mal não ter
ido. Eu estava ocupado com outras coisas.
Dave assente, não parecendo chateado.
— Foi muito bom. Estou confiante que Claire vai receber uma
proposta de estágio. Ela estava maravilhosa e as roupas tinham a
personalidade dela. Você teria se divertido. A gente foi comemorar
no Black Rose depois.
O Black Rose é um dos melhores bares de Maple Hills. Eles
tem uma ótima cartela de drinks e petiscos. É a cara da Claire ter
encerrado a noite por lá.
— E o pedido de casamento? — Relembro da conversa que
tivemos no ônibus do time, semanas atrás. — Achei que você fosse
pedir no dia do desfile por ser um momento especial. Desistiu da
ideia?
Dave encaixa a garrafa na boca do bebedouro.
— Não desisti, mas aquele era o momento da Claire. Sobre
ela e todo o seu talento — explica. — Quero encontrar o momento
em que o nosso amor brilhe de forma exclusiva. Vai ser nesse dia
que vou colocar um joelho no chão e abrir o meu coração para ela.
E aí a gente vai poder brilhar junto.
Eu odeio como Dave consegue ser romântico. Ele faz parecer
fácil, como se abrir o seu coração para alguém fosse um gesto do
cotidiano.
Para Dave Morris e Claire Howard, o amor é tão fácil quanto
respirar.
E eu odeio saber que não vou ter a oportunidade de viver
essa experiência ao lado de Anne.
Abro um sorriso amarelo, que não deve convencê-lo em
nada, e apoio o ombro na parede.
Ao longe, dá para ouvir a barulheira que vem das
arquibancadas e a música alta. Hoje o estádio vai estar lotado. Os
UCL Ducks são um dos times universitários mais influentes. Eles
colecionam tantas vitórias quanto os troféus que tenho nas
prateleiras.
— Mesmo que você vá morar para o outro lado do país, não
esquece de me convidar para ser o padrinho, huh?
— Desde que você não me leve para uma despedida de
solteiro com strippers usando calcinhas fio dental.
Rio pela primeira vez em dias.
— Isso eu já não posso prometer. Strippers fazem parte do
pacote.
Dave me cutuca com o cotovelo e se afasta do bebedouro.
Eu imito a posição anterior dele, encaixando a garrafa de água no
bocal.
— Se a Claire me largar no altar, a culpa vai ser sua.
— Não se preocupe. Vou garantir que ela não fuja para lugar
algum.
Ele resmunga daquele jeito incompreensível e eu inspiro,
aguardando que a minha ferida seja cutucada.
— Reed...
Fecho os olhos.
— Você tem tido notícias dela?
Não preciso especificar de quem estou falando. Dave
entende na hora e inclina levemente o rosto para o lado, não
querendo me chatear.
— Faz alguns bons dias.
Concordo com um aceno. Nenhum sentimento me atinge.
Nem mágoa, tristeza e tampouco chateação. Acho que cheguei em
um ponto que nada mais me afeta.
— Certo. Acho que isso já quer dizer bastante coisa.
— Vocês brigaram, então?
Tiro a garrafa do bebedouro e bebo um gole. Gostaria que a
água fosse capaz de afogar o nó que aperta a minha traqueia.
— Acho que brigar não é a palavra certa. Ela me deu um pé
na bunda. — Dave reage com um franzir da testa, pego de surpresa.
— Não sou bom o bastante para ela. Na real, acho que não sou
bom o bastante para ninguém. Não importa o quanto eu me esforce,
nunca é o suficiente.
Meus pés se movem para trás, mas Dave aperta os dedos ao
redor do meu braço, me impedindo. Ele escrutina o meu rosto
minuciosamente, chateado.
— Ela não acha isso de você, Reed. Não depois de tudo o
que aconteceu entre vocês.
Balanço a cabeça, negando. Não tenho nem forças para
discutir com ele. Esse assunto me deixa irritado pra caralho e foi por
isso que evitei falar com qualquer pessoa durante esses dias.
— Ela é boa em fingir. — Desfaço o aperto dos seus dedos e
me movo um passo para trás. — E melhor ainda em fugir. É isso
que Anne faz. E eu estou cansado de insistir. Cansado de tentar.
— Reed... — Ele tenta de novo, mas eu grunho em
discordância. — Não pode acabar assim entre vocês.
— Já acabou, Dave.
Não espero para ouvir a sua resposta. Dou-lhe as costas e
caminho em direção à saída do complexo lotado. Mas antes de
entrar no campo e jogar como fiz durante todos esses anos, tenho
um assunto importante para resolver.
— O que você acha de um cheesecake de frutas vermelhas?
Alex faz um barulhinho de aprovação e enche a boca com os
cookies que minha mãe acabou de tirar do forno. Desde que ele
chegou, no dia anterior, ela não para de cozinhar para a gente. Meu
estômago ainda nem se recuperou das outras receitas que ela fez.
Estou há uma semana em Sunbay, fingindo que ignorar Reed
Rollins é uma boa opção, no momento. Ele está ocupado demais
com o último jogo que vai garantir a vaga do time nos playoffs. Não
quero ser um empecilho.
E aposto que, se nos vermos, Reed vai dar um jeito de me
chutar para fora da sua vida, bem do jeitinho que eu tentei fazer com
ele.
A conversa que tive com Daisy foi esclarecedora de muitas
formas. Me fez enxergar a situação de outra perspectiva e entender
que ter Reed ao meu lado não é um erro. É possível amar mais do
que uma coisa.
Eu amo o jornalismo.
Eu amo a minha liberdade.
Eu amo sanduíche de atum.
Eu amo donuts de framboesa.
E eu também amo Reed Rollins.
Sorrio para a xícara de café diante de mim. Admitir isso para
mim mesma não soa como pisar em um prego enferrujado. Também
não faz o meu coração se encolher. Agora ele está transbordando
de sentimentos que achei que não poderia sentir por alguém algum
dia.
Sempre me achei meio vazia. Agora eu sinto que estou
transbordando de tudo aquilo que guardei durante anos dentro de
mim.
— Já falou com ele?
Alex interrompe a linha dos meus pensamentos ao jogar o
corpo na cadeira da cozinha.
— Não.
— Por que não?
Pego um dos cookies do prato e mordo a pontinha.
— Porque não acho que seja a hora certa. Hoje ele tem um
jogo importante contra o UCL Ducks. Eu queria ter ido, mas não sei
se ele quer me ver depois do que falei. Ainda mais em um dia
importante com esse. Eu seria um para-raios de azar.
— O que você disse para ele que foi assim tão ruim?
Minha mãe coloca uma caneca de chá diante do um irmão e
beija o topo dos seus cabelos. Ela faz o mesmo comigo, mas faz
uma careta diante da xícara de café. Daisy detesta cafeína. É
defensora número um dos chás.
— Eu disse que tê-lo na minha vida era um tipo de risco que
não queria correr — confesso. — Que ele estava me atrapalhando
em seguir os meus próprios sonhos.
Daisy e Alex fazem caretas idênticas.
— Você pegou pesado.
— Se eu falasse isso para o Gustaf, acho que ele pedia o
divórcio.
— Pedia nada. O velho era gamadão em você, mãe — Alex
responde, dando um gole no chá e retornando a atenção para mim.
— Mas o que você falou foi golpe baixo. Você vai ter que encontrar
um bom pedido de desculpas.
— Eu sei. Por isso que estou procurando o momento certo
para conversar com ele. Não quero deixar as coisas piores do que já
estão.
Minha mãe concorda e massageia minhas clavículas.
— Você vai encontrar, danadinha.
O momento de conforto é interrompido com o vibrar insistente
do meu celular em cima da mesa. O nome de Claire brilha na tela, o
que me deixa apreensiva. Ela não deveria estar no jogo? Minha
amiga não faz o tipo de namorada que perde um evento importante
como esse.
E se aconteceu algo com Reed? E se ele brigou novamente
com o pai, mas dessa vez na frente da USVL inteira?
Puta merda.
— Anne?
Percebo que estou tremendo quando a mão de Alex segura o
meu pulso, fazendo pressão. Ergo o olhar, procurando fixar na
imagem do seu rosto. A preocupação dele é fácil de notar.
Prendo a respiração e pego o celular, atendendo a ligação.
Os gritos característicos da torcida ecoam ao fundo, juntamente da
música alta. As arquibancadas devem estar lotadas feito uma lata
de sardinha.
— Claire?
Ela exclama alguma coisa, mas é difícil de entender. Repito o
nome dela diversas vezes, o que serve apenas para que o aperto na
boca do meu estômago fique insuportável.
— O Reed se meteu em uma briga durante o segundo quarto
de tempo! — grita, de forma afobada, a voz tentando se sobressair
aos barulhos.
Meu corpo inteiro gela.
— O quê? Com quem? Como aconteceu?
—Vem pra cá urgentemente!
Ela nem responde às minhas perguntas, apenas desliga na
minha cara.
Afasto o celular da orelha e olho novamente para Alex e
minha mãe. Os dois me observam com curiosidade, os dedos do
meu irmão ainda rodeando meu pulso. Gaguejo sobre a situação,
ainda tentando assimilar as informações. Reed não é do tipo que se
mete em discussões, então algo muito sério deve ter acontecido.
Merda.
Eu quero gritar.
— Pega o meu carro. — Alex puxa a chave do Ford Maverick
de dentro do bolso. — Que se dane a hora certa, Anne. Você tem
que ir para esse jogo agora.
Não tenho a chance de retrucar.
A chave pousa em minhas mãos e os próximos minutos se
tornam um borrão de acontecimentos em que eu funciono no
automático.
Existem pequenos detalhes que ninguém conta sobre estar
namorando.
A primeira delas é que você, normalmente, não começa um
relacionamento fingindo que ele é de verdade.
A segunda é que o vício de sua namorada em donuts de
framboesa e sanduíche de atum pode ser preocupante.
A terceira, e mais importante, é que comemorar um ano de
namoro é um desafio.
Não porque você passou ileso de inúmeros assassinatos nos
últimos doze meses — o que é um pouco o meu caso —, mas
porque teve que descobrir uma forma de surpreender a sua
namorada quando já esgotou de todas as opções possíveis desde
que decidiram transformar o relacionamento de mentira em um
relacionamento de verdade.
Anne Scott é exigente.
E eu sou um bobo apaixonado por ela.
— Mantenha os olhos fechados — peço em seu ouvido,
ajudando-a a contornar as mesas vazias do Bistrô Boucherie. —
Isso, só mais alguns passos.
Anne resmunga, os olhos escondidos pela venda. Os sapatos
de salto batucam contra o piso encerado que poderia refletir até a
minha alma, se quisesse.
— Você está dizendo isso há quase meia hora, Reed. Daqui
a pouco, vou ter atravessado os Estados Unidos inteiro.
— Não seja tão impaciente. Se continuarmos assim, vou
terminar o próximo ano com cabelos brancos por sua causa.
Ela finge um choramingo e aperta os dedos ao redor dos
meus, preocupada em perder o equilíbrio.
Desvio de uma torre de taças e giro seu quadril, mudando a
direção. Na minha cabeça, montar um jantar romântico à luz de
velas soava incrível. Agora me soa como uma ideia desastrosa. A
falta de uma iluminação decente está fazendo o percurso durar além
do que deveria.
— Eu acho cabelos brancos um charme. Vão te deixar com
um cara de velho gostoso.
Faço uma careta diante da sua frase.
— Tem algo que você queira me contar, Annie?
Anne dá aquela risadinha que se tornou frequente nesse
último ano do nosso relacionamento e vira levemente o rosto para o
lado, seguindo o som da minha voz. Há um sorriso brincando em
sua boca pintada de batom vermelho. Estou ansioso para ver esses
lábios envolvidos ao redor do meu pau.
A cena tem se repetido por longos dias desde que ela me
chupou de surpresa após o treino dos Rebels Of Horizon no banco
de trás do meu Jeep. O batom borrado, combinado com o sutiã
vermelho que comprei, deixou-a ainda mais gostosa — e eu achei
que isso nem fosse possível.
— Nada, não. Eu apenas andei assistindo Uma Linda Mulher
em looping desde que a Claire se mudou para Los Angeles.
A mudança de Claire foi um acontecimento que pegou todos
nós desprevenidos. Após o desfile, que conquistou a atenção de
pessoas importantes, ela recebeu uma proposta de estágio meses
depois. Como Dave também foi draftado pelo Las Vegas Raiders, a
proposta caiu como um presente dos céus na vida deles.
Eles estão mais felizes do que nunca, embora Anne sinta
saudades de Claire e a ausência de Dave no time é um buraco difícil
de preencher, mesmo que o novo quarterback seja tão bom quanto
ele foi.
— Prometo que, daqui a alguns meses, a gente pode viajar
para visitá-los.
Anne se empolga ao redor dos meus braços e eu preciso
apertá-la para que não tropecemos. Vejo, ao longe, a mesa que
Gina preparou para a gente e contenho o alívio. Mais um segundo
andando no escuro e vou arrancar os meus cabelos.
— Eu já disse que te amo hoje? — Anne diz, manhosa.
— Talvez, mas eu não vou reclamar de ouvir mais um milhão
de vezes.
Se não estivesse usando a venda, aposto que ela reviraria os
olhos esverdeados para mim. Vê-la feliz e realizar os seus desejos
se tornou praticamente um passatempo para mim. O sorriso que
recebo todas as vezes é recompensador para caralho e me faz ter a
certeza de que me apaixonei pela garota certa.
— Nós já estamos chegando? — pergunta ao dar um passo e
parar ao sentir o salto enroscar no tapete. — Reed? Que merda
você está aprontando? Se isso aqui for um clube de strippers, saiba
que eu não vou tirar a roupa. Eu vim sem calcinha.
Engulo uma risadinha.
— Isso é você pedindo, de novo, para que levante a sua saia
e afunde os dedos na sua boceta quente e gulosa?
Ela geme de um jeito sofrido.
— Os seus dedos e o seu pau, por favor.
Solto um arquejo, surpreendido com a sua boca suja, e paro
os nossos passos diante da mesa com o candelabro aceso. Gina
caprichou na decoração, como eu pedi. As taças de vinho repousam
sobre a mesa e os pratos de entrada esperam pela gente no
carrinho dourado. Há também pequenos pisca-pisca colocados no
teto, imitando o céu estrelado de Sunbay.
Tiro a venda dos olhos de Anne e um suspiro extasiado
preenche o silêncio do bistrô.
— O que é isso?
Pouso as mãos nos ombros descobertos pelo vestido de
alcinhas e sopro o ar quente em seu pescoço. Os cabelos foram
presos em um coque elaborado, me dando livre acesso a uma das
partes favoritas do seu corpo.
— Um presente.
— Por eu te chupar depois de um treino difícil?
Sorrio.
— Pode ser também. Mas, principalmente, por ser a melhor
namorada do mundo. Embora seus gostos alimentares sejam um
tanto quanto preocupantes, eu ainda não consigo imaginar uma vida
sem que você esteja ao meu lado.
Anne gira sobre os saltos, ficando de frente para mim.
Contemplo cada detalhe que a compõe. Os cabelos loiros, os olhos
brilhantes e astutos, os lábios perfeitamente desenhados e as
maçãs do rosto magras.
Anne é como um anjo.
— Eu ainda sou péssima com declarações.
— Eu não me importo. — Uno as nossas mãos e a pouso
sobre o lado esquerdo do meu peito. — Eu sei o que você sente,
porque eu também sinto. Desde o momento em que acordo até que
vou dormir, é em você que eu penso, Annie. Não há espaço para
outra pessoa no meu coração.
Ela aperta os lábios em uma linha reta e se aconchega em
meus braços, deitando a cabeça bem no lugar em que está o meu
coração. Ele bate por ela há tanto tempo que nem sei como é
imaginar uma vida sem Anne Scott. Estou acostumado a tê-la em
cada maldito segundo em que respiro. A cada pulsar. A cada
amanhecer e anoitecer.
— Meu coração também é seu, Reed. — A voz dela soa
levemente abafada. — E eu posso ser ruim falando dos meus
sentimentos, mas eu quero que saiba que eu amo você. Amo tanto
que chega a doer. Amo quando assisto algum filme brega dos anos
90, quando passo em frente a uma loja de lingeries e quando vejo
um Jeep passando nas avenidas de North Groove. Eu amo que
você esteja marcado em cada parte minha.
Encaixo a mão ao redor do seu pescoço e puxo sua boca
para um beijo. Movimento os lábios e faço o mínimo de pressão
possível, consciente de que os beijos lentos sempre a deixam
sedenta por mais. Quero ouvir Anne gemendo o meu nome baixinho
para que depois, quando todos os pratos forem servidos, eu possa
fodê-la em cima da mesa do bistrô.
Eu fechei o estabelecimento justamente para isso. Para que
ninguém escute o que eu faço com ela. Para que ninguém escute o
som dos seus gemidos. Para que ninguém saiba que meu pau se
encaixa com perfeição dentro da sua boceta.
— Feliz um ano de namoro, joaninha.
Ela entreabre os olhos, meio trêmula, e franze a pontinha do
nariz.
— Do namoro de mentira?
Acho graça. A inocência dela me deixa com vontade de beijá-
la novamente.
— Não tem nada de mentira no quanto eu te amo. — Passo a
língua pelo cantinho da sua boca e uso a mão livre para apertar a
sua bunda. Como ela disse, não há a merda de nenhuma calcinha
encobrindo sua boceta. — A única mentira que vamos ter que contar
é sobre o que viemos fazer aqui.
Um sorriso eleva as bochechas coradas.
— Não viemos aqui para jantar?
— Só se o jantar for você.
Anne me dá um beliscão e solta um gritinho quando encaixo
meus braços por debaixo de suas coxas e a pego no colo. A risada
animada atinge em cheio o meu coração apaixonado, me dando a
certeza de que essa noite é sobre nós dois e o nosso amor infinito.
Mas também é sobre a ausência de calcinhas.
Esse é o quarto livro que eu escrevo.
E a sensação de ter concluído mais uma história é sempre
diferente.
Anne Scott e Reed Rollins surgiram de outra forma. Não foi
como aconteceu com os meus outros personagens. Eles fizeram a
sua primeira aparição em Antes de Você Dizer Adeus e, logo no
primeiro diálogo, eu soube que eles seriam protagonistas. Eles
tinham aquela vibe que eu amo e que fica impossível de apagar da
cabeça. Quando me dei conta, eu tinha um título provisório, um
enredo e uma pasta no Pinterest.
Mas eu decidi esperar. Comecei a escrever outro livro,
porque achei que não era a hora deles. Eu não podia estar mais
enganada. Era a hora deles, sim, porque Anne e Reed não paravam
de fazer barulho na minha cabeça. Eu acordava e dormia pensando
deles. Então, abri um novo arquivo no Word e deixei as palavras
fluírem. Deixei eles contarem a história deles. Deixei, durante seis
meses, eles serem os meus maiores companheiros. Deixei que eles
falassem comigo, chorassem, desabafassem e mudassem o enredo
que planejei.
Deixei que Anne e Reed tivessem o seu felizes para sempre.
E agora, depois de meses, vocês tiveram a oportunidade de
ler e conhecer mais sobre esses dois personagens tão incríveis e
maravilhosos.
Mas nenhuma página desse livro existiria se não fosse pelas
várias pessoas que tenho ao meu lado diariamente, seja
presencialmente ou do outro lado do computador. Seja para me
apoiar, me incentivar a não desistir ou para dizer que a minha ideia
é um lixo e que preciso pensar em outra coisa — sim, vocês sabem
que estou falando de vocês!
Meu maior agradecimento é para os melhores pais que esse
mundo poderia ter me dado. A escrita desse livro aconteceu, quase
que inteiramente, na casa de vocês e eu não poderia ser mais grata
por todo o suporte que me dão diariamente. Obrigada por
acreditarem no meu potencial, nos meus sonhos e na minha
vontade de escrever. Compartilhar da vida ao lado de vocês, como a
família feliz que somos, é o motivo do meu maior sorriso. Amo
vocês!
E por falar em família, não posso deixar de falar da pessoa
que entrou de mansinho na minha vida e se tornou como uma irmã
para mim. Maria Clara, você ocupa um espaço tão importante no
meu cotidiano que nem sei colocar em palavras. Esse ano tivemos a
oportunidade de nos conhecermos pessoalmente e isso só me deu
ainda mais a certeza que a gente tem um encontro de almas!
Obrigada pelos conselhos, pelos puxões de orelha, pelos jogos de
futebol americano que assistimos juntas, pelos livros lidos em
conjunto e pelos áudios zoados. O processo de escrever se torna
muito mais divertido com você ao meu lado. Te amo, cara de bunda!
À Sofia Degan (@eulimaisum), a amiga mais incrível que o
mundo da escrita poderia ter me dado. Anne e Reed não existiriam,
nem em um 1%, se não fosse por você. Obrigada pelas ideias de
enredo, pelas sugestões de hot, pelos surtos em cada capítulo lido
durante a madrugada e pela amizade diária, apesar dos blocks.
Compartilhar desse processo ao seu lado me incentivou a não
desistir. Agora a gente pode encher a cara e sair beijando 60
pessoas! Eu te amo, sua chata!
À Anaju, a melhor beta (e treinadora) do mundo inteiro que
me acompanha desde a época do Wattpad. Nossas conversas no
WhatsApp são sempre uma bagunça e nossa saúde é de centavos,
mas a nossa amizade é de milhões. Obrigada por desacreditar
(risos) que Anne e Reed NÃO mereciam um livro inteiro e por
apontar cada defeito que deveria ser melhorado. Estou ansiosa para
o nosso encontrinho em um bar insalubre. TE AMU!
À Leonor Carvalho, a minha portuária favorita! Fizemos
alguns pequenos sprints de escrita, surtamos juntas e trocamos
várias ideias de enredo quando tudo aqui ainda era mato. Agradeço
infinitamente por ter você ao meu lado, por sua amizade de milhões
de euros e por sermos tão diferentes, mas tão iguais. Te amo pra
cacete e venha visitar as Fifis logo, por favor!
À Beatriz (@brennellygram), a responsável pelo título deste
livro! Um Acordo Improvável vai carregar para sempre um pedaço
seu e eu espero, do fundo do meu coação, que Anne e Reed
conquistem um espaço no seu coração como Dakota e Dean. Eu te
amo muito muito e sou grata por todo o apoio que você me dá
diariamente.
Ao Vitor Matheus, o número um em acompanhar meus surtos
de escrita, meus problemas de vida pessoal e o revisor que faz
todos os meus livros ficarem perfeitinhos em cada detalhe. Obrigada
por esses infinitos anos de amizade, pelos deboches e por jogar
verdades na minha cara! (Eu sei que mereço).
À Isabeli e Julia, os meus amorzinhos do coração. Ter vocês
acreditando em mim, apesar da distância, sempre vai me arrancar
os maiores sorrisos. Estou ansiosa para a gente se ver novamente,
beber vinho, fofocar sobre a vida e chorar as pitangas e cantar até
que a vizinha venha bater na porta pedindo silêncio (risos nervosos).
Amo vocês!
À Mariane, que acompanha meu processo sempre de longe,
mas que nunca deixa de me influenciar de alguma forma. Obrigada
por ser essa pessoa incrível durante todos esses anos de amizade.
Te amo muito!
Por último, mas não menos importante, a todos os meus
leitores que me acompanham desde a época do Wattpad, que
vieram de SHE, que me conheceram através de ADVDA ou que
estão aqui pela primeira vez. O apoio de vocês me incentiva a não
desistir, mesmo quando o que mais quero é fugir de qualquer coisa
relacionada à escrita. Se cada uma das minhas histórias existem, é
por causa de vocês!
Muito obrigada por me apoiarem através de posts no
Instagram, Reels, Tik Toks, stories e mensagens no privado. Amo
vocês até o infinito!
E se você chegou até aqui, agradeço pela leitura! Espero que
Um Acordo Improvável tenha lhe tocado de alguma forma.
A gente se vê em breve com a história de um certo
personagem aí (hehehehe).