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Copyright © 2022 Bruna Eloísa
Design de Capa: GB Design Editorial
Créditos de Produção Visual: iStock.com/Goodboy Picture
Company
Diagramação e Logos: Bruna Eloísa
Revisão: Vitor Matheus
Betagem: Ana Júlia Gomes, Maria Clara Ronda e Sofia Degan
Leitura Sensível: Isabeli Nascimento, Maria Clara Ronda e Mariane
Bueno
Ilustração: Gabriela Gois
 
Foto licenciada – posada por profissional
 
Esta é uma obra literária de ficção. Todos os personagens,
estabelecimentos e acontecimentos retratados são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com pessoas e
acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os direitos são
reservados à autora.
São expressamente proibidas a distribuição ou reprodução de toda
ou qualquer parte desta obra por qualquer forma, meio eletrônico ou
mecânico sem a prévia permissão da autora.
Plágio é crime!
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
 
 
 
 
 
Para aqueles que acreditaram,
em algum momento,
não serem merecedores do amor.
 
 
 
 
 
“Eu pensei que o amor fosse uma guerra.
Eu não sabia que era para ser paz”.
— Daisy Jones & The Six
 
 
 
 
 
 
NOTA DA AUTORA
PRÓLOGO
PARTE UM
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
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21
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PARTE DOIS
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
PARTE TRÊS
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
PARTE QUATRO
46
47
48
49
50
51
52
53
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55
56
57
58
59
60
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
 
 
Eu comecei a escrever essa história cerca de dois meses
depois de ter publicado outro livro na Amazon. Um Acordo
Improvável não era para ter saído esse ano. Na verdade, era para
ele ser completamente diferente. Mas é aquela coisa que todo
escritor vivencia em algum momento: os personagens é que
mandam na gente e não ao contrário.
Anne Scott e Reed Rollins fizeram tanto barulho na minha
cabeça que eles já estavam quase criando vida própria. O amor por
eles foi tão instantâneo que eu vi me apaixonando por dois
personagens como não acontecia há muito tempo.
Então...
Sejam bem-vindos ao universo dos Rebels Of Horizon!
Um Acordo Improvável reúne tudo aquilo que a gente mais
gosta. Tem cenas que vão te arrancar risadas, frios na barriga,
gritinhos e muitos surtos – principalmente por estarmos falando de
um slow burn. Então, sim, vocês vão ter que ter um pouquinho de
paciência com eles, mas garanto que a espera vai valer a pena.
É importante ressaltar que a proposta desse livro é ser uma
leitura divertida. Não espere encontrar aqui plots revolucionários ou
tramas super difíceis. É uma experiência para te deixar feliz. É um
livro que me fez tão bem durante os seis meses que passei
escrevendo, que não sei como descrevê-lo além de ‘um suspiro’.
Isso faz sentido? Sinceramente, não sei. Mas espero que, ao longo
da leitura, vocês entendam o que eu quis dizer.
No entanto, antes de prosseguir com a leitura, há alguns
avisos importantes: Um Acordo Improvável é recomendando para
maiores de 18 anos e o enredo aborda temas que podem
despertar  gatilhos, dentre eles:  abuso psicológico familiar,
problemas familiares e morte/luto familiar. Há também consumo
de bebidas alcoólicas, cenas explícitas de sexo, violência e
linguagem imprópria.  
Então, caso seja um tema sensível para você, não prossiga
com a leitura. Sua saúde deve vir sempre em primeiro lugar!
Lembrando também que 99% das cidades citadas ao longo
da história são fictícias, como também os times de futebol
americano e a universidade. Qualquer semelhança com a realidade
é mera coincidência.
Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Uma vez, alguém me disse que toda história de amor
inesquecível é escrita através de grandes gestos.
Não faço a mínima ideia se isso é verdade ou não.
A única coisa da qual tenho certeza é de que foi por causa de
uma mentira que Reed Rollins e eu nos apaixonamos.
 
 
 
 
 
 

 
 
“Eu sei que você tem problemas com o seu pai”
Daddy Issues | The Neighbourhood
 

— Eu vou me casar. 
Essa é a primeira coisa que escuto ao me sentar de frente ao
meu pai em um dos seus restaurantes favoritos. Pisco os olhos,
diversas vezes, sem entender. Ele só pode estar brincando comigo
ou, em último caso, isso faz parte de uma alucinação.
— O quê?
Ele se remexe na cadeira, como se houvesse espinhos
pinicando a sua bunda, e cruza os braços sobre a mesa. No seu
dedo anelar, não há nenhuma aliança, mas sei que é somente uma
questão de tempo. Se o que ele me disse é verdade, não vai
demorar para que um aro dourado repouse, orgulhosamente, ali. 
— Decidi pedir a Dianna em casamento e ela aceitou. Nós já
tínhamos planos, então aconteceu naturalmente — ele fala em um
tom tranquilo, nem um pouco consciente da minha reação. —
Devemos nos casar daqui a alguns meses. Vai ser uma cerimônia
simples. Não queremos chamar a atenção. 
Aqui vai uma verdade: Ricky Rollins é viciado em se casar.
Sua maior conquista, além do futebol americano, é poder contar
para a mídia o quanto ele é um homem de sorte por encontrar o
amor várias vezes. Alguns acham romântico, um filme meloso
reproduzido na vida real. Já no meu ponto de vista, acho tudo uma
tremenda mentira de enrugar o nariz. 
Se meu pai fosse um ótimo marido — como ele gosta de se
gabar por aí —, ele não estaria se encaminhando para o seu quinto
casamento. São tantos divórcios no seu currículo que me
surpreendo que as mulheres não saiam correndo assim que
descobrem sobre suas ex-esposas. Isso sem contar os casos
extraconjugais que ele conseguiu esconder embaixo do tapete. 
— Legal — murmuro, a língua ficando pesada. — Parabéns,
pai. Você e Dianna combinam. 
Eu acho que sim, pelo menos.
Ele concorda com um sorriso que deixa seus dentes à mostra
e levanta o braço, chamando o garçom. Ele rapidamente chega até
a nossa mesa. E, como em todas as outras vezes, Ricky não me
deixa fazer escolha nenhuma. Vamos comer o que ele decidir,
mesmo que eu deteste a culinária mediterrânea. 
— Estamos pensando em convidar a sua mãe. Você acha
que ela vai ficar chateada? 
Estico as pernas embaixo da mesa, o rosto de Noreen
surgindo na mente. Posso vê-la revirando os olhos diante da frase
do meu pai. Desde que eles se divorciaram, ele a convida para
todos os casamentos, como se quisesse se certificar do que ela
perdeu anos atrás. 
Mal sabe ele que ela vê a separação como um livramento
divino. 
— Ela vai levar na boa. Talvez essa seja a primeira vez que
uma noiva sua vai conseguir aturar a presença de Noreen Newman.
A expressão de Ricky se torna carrancuda. É assim toda vez
que defendo a minha mãe. A costumeira ruga se acentua no centro
da testa, enquanto os lábios se tensionam em uma linha reta. Falar
sobre casamentos anteriores, por mais irônico que seja, não é o
assunto favorito do meu pai. Subir no altar, entretanto, é o seu
passatempo número um.
— E como Noreen está? — pergunta. — Ainda descontando
suas mágoas nos clientes? 
Suspiro de alívio quando o garçom retorna com as nossas
bebidas. Uma taça de vinho seco para o meu pai, enquanto, para
mim, uma água com gás. Bebo um generoso gole, desejando que
isso seja capaz de me impedir de suas perguntas. 
E ainda nem chegamos na pior parte da conversa.
— Muito bem — respondo ao pousar a taça na mesa,
dispensando sua alfinetada. — Ela conseguiu vencer um caso difícil
na semana passada. Da última vez que nos falamos, ela tinha saído
para comemorar com as amigas. 
Diferente do meu pai, minha mãe não se casou de novo. O
divórcio, na verdade, foi uma das melhores coisas que aconteceram
na sua vida. Ela abriu o próprio escritório em Mountain City,
comprou uma nova casa e se livrou das garras da mídia. Nas
poucas vezes que noticiam sobre ela, é para relembrar quem foi a
primeira esposa do grande jogador Ricky Rollins. 
— Ela ainda gosta de viajar?
— Sim. No mês passado, ela foi para Calgary, no Canadá,
com o pessoal do trabalho.
Ricky abre um meio-sorriso, encerrando o assunto. Segundos
depois, o garçom traz as nossas comidas. Ele deposita diante de
mim um dos pratos mais famosos do cardápio, o Sarma, uma
espécie de charuto feito com folha de uva e recheado com carne de
cordeiro e outros ingredientes que não faço ideia do que sejam.
Almoçar no Medi Del Mar é o meu pior pesadelo. Gosto muito
do meu pai, ele é como um ídolo, mas compartilhar de uma comida
que não sou muito fã junto das suas cobranças intermináveis não é
a minha combinação favorita.
Durante os próximos minutos, Ricky faz alguns comentários e
me lança olhares analíticos. Bem lá no fundo, estou ciente de que
ele está preparando o terreno para o seu assunto favorito de todos:
o futebol americano. 
Comecei a jogar só por causa dele, aos 10 anos. Desde
aquele dia, me tornei o seu maior investimento. Tudo o que faço é
para garantir que serei tão bom quanto Ricky foi nos gramados.
Falhar não é nem mesmo uma possibilidade. Meu irmão já fez isso
por todos os filhos que nossa família terá no futuro. 
— E como vão os treinos? A temporada começa em breve,
então dá para a gente treinar algumas vezes aqui em North Groove.
Posso também chamar meus amigos. Holden assumiu o cargo de
treinador do The Mountain Eagles e alguns dos jogadores podem
estar dispostos a treinarem com você. 
Mordo o interior da bochecha, consciente do que meu pai
está querendo fazer. Seus treinamentos são exatamente como
quando eu era adolescente, só que agora ele não me poupa dos
seus xingamentos. Analisa cada passo que dou, pronto para apontar
o primeiro erro. Quer que eu seja perfeito em todos os aspectos
possíveis. 
Da última vez, voltei para casa com o corpo detonado. Foi
difícil contar para os meus amigos que isso era apenas uma
amostra de como é treinar com o meu pai. O pior de tudo é que não
faço nenhuma reclamação, porque sei que Ricky Rollins só faz isso
porque quer que eu tenha a carreira que meu irmão não pensou
duas vezes em recusar.  
— Vou ver se consigo encaixar isso no meu cronograma.
Tudo depende das minhas aulas.
Ricky faz uma careta. 
— Nós já conversamos sobre esse assunto, Reed —
censura. — Se você se inscrever no draft, vai ser escolhido em
pouco tempo. Te criei para isso, não para andar balançando por aí a
droga de um diploma universitário.
Eu sei que ele tem razão. Sou muito bom no que faço. Posso
não ser o quarterback do time, mas me dedico ao futebol americano
como se minha vida dependesse disso. Desde o momento que
acordo, até o final do dia, estou garantindo que vou ser a estrela que
meu pai quer que eu seja. 
No entanto, não gosto de pensar que toda a minha carreira
depende unicamente do draft. Preciso ter um plano B. E o diploma é
a minha segunda opção. Foi só por isso que ainda não me inscrevi,
mas a paciência do meu pai está se esgotando.
— Eu gosto de jornalismo. 
Ele revira os olhos e bebe um gole do vinho. 
— E eu gosto de cozinhar, mas nem por isso decidi fazer
gastronomia na USLV — rebate. — Você tem uma grande chance
diante de si, filho. Não a desperdice com bobagens. Não foi para
isso que dediquei anos da minha vida a você.
A frase me atinge em cheio, semelhante a um soco na boca
do estômago durante uma partida.
— Não quero que você seja igual ao seu irmão. Fracassado,
sem ambições para o futuro e dono de um pub de merda que fica
cheio de universitários bêbados no final de semana — continua a
dizer, cuspindo as palavras. — Você é o meu legado, Reed.
Diferente de mim, Aaron Rollins não faz nenhum esforço para
agradar ao nosso pai. Ricky fez de tudo, mas nunca conseguiu
convencer o filho a jogar futebol americano. Meu irmão nem mesmo
terminou a universidade. Trancou o curso no segundo ano e se
mudou para Boston com a melhor amiga. Depois que ela sumiu sem
deixar rastros, ele fez merda atrás de merda. Não demorou muito
para que chamasse a atenção da mídia. Eles tinham nas mãos a
notícia perfeita: filho do grande jogador Ricky Rollins causa
confusão por onde passa.
Diante das ameaças do meu pai, ele voltou para Maple Hills e
abriu o próprio negócio com o dinheiro que ganhou para manter a
boca fechada. Aaron ainda teve que prometer que jamais voltaria a
envergonhar a família Rollins. 
— Não vou decepcioná-lo — garanto. — Nem você e nem o
nosso legado. 
A resposta dele é assentir sutilmente, os olhos fixos nos
meus. Para o meu grande azar — ou sorte —, nós somos muito
parecidos. O mesmo cabelo castanho escuro, quase preto; os olhos
expressivos e as sobrancelhas retas. A única diferença é que a
passagem dos anos é visível em seus traços. As rugas de
expressão ao redor das pálpebras e os fios grisalhos próximos das
orelhas denunciam sua idade.
Ele não é mais a estrela do esporte, mas ainda é influente o
bastante no ramo. 
— E quanto ao draft? — o questionamento é acompanhado
de um arquear de sobrancelha desafiador. 
Ele está me encurralando. Suas táticas sempre me fazem se
sentir colocado em cima de uma corda bamba.
— Vou me inscrever assim que a temporada acabar — minto,
a garganta se apertando em um nó invisível. 
— Não espero nada menos que um grande time, Reed. New
England Patriots, certo?
O New England Patriots é um dos times mais famosos dos
Estados Unidos e o sonho de qualquer jogador. Meu pai foi a grande
estrela deles e espera que eu também seja. E é por isso que tenho
adiado a minha inscrição no draft. Não estou preparado para ver a
sua reação caso eu não consiga. 
Porque as chances estão lá, batendo na minha porta e só
esperando o momento certo para quebrar a maçaneta.
— Como deve ser — concordo. 
Ele abre um sorriso em concordância e volta a atenção para
a comida. A pior parte da conversa já acabou e me sinto vitorioso
por ter sobrevivido mais uma vez ao pior assunto de todos: a
universidade.
Depois de um longo almoço que terminou com o meu pai me
convidando para um jantar em sua casa para conhecer Dianna,
estou dirigindo de volta para Maple Hills, a cidade universitária do
Condado de San Valley.
Diferente do meu pai, que vive em North Groove, Maple Hills
foi projetada para atender as necessidades dos estudantes. É uma
cidade pequena que funciona, quase que inteiramente, em função
da USLV. Tudo aqui é feito para os universitários. 
No começo, tive dificuldade em me acostumar com a
calmaria do lugar. As noites, por sorte, são mais agitadas. E morar
com outros dois jogadores é a garantia de nunca passar um final de
semana encarando o teto mofado do quarto.
A casa de dois andares no estilo vitoriano surge quando faço
a curva na esquina e estaciono o carro em uma das vagas da
garagem. Saltito para fora e aciono o alarme do carro. Faço o curto
percurso até a porta de entrada e não fico nem um pouco surpreso
ao encontrá-la aberta.
— Cheguei!
— Estou aqui! — Mason grita de algum cômodo. 
Sigo o som da sua voz e atravesso o corredor, chegando na
cozinha. Mason está de frente para o fogão, usando um avental que
imita o abdômen de um homem sarado e um pano pendurado no
ombro. Estico o pescoço, tentando ver o que ele está cozinhando. 
Não me parece ser muito confiável.
— Como foi o almoço com o seu pai? Ele fez te dar uma
pirueta no ar e praticar um touchdown em cima da mesa?
Deixo escapar uma risada.
— Foi como todas as outras vezes. Ele vai se casar.
Mason gira sobre os calcanhares na mesma hora. As
sobrancelhas castanhas praticamente alcançam o couro cabeludo.
A surpresa em seu rosto é a mesma reação que eu tive.
— Tá de brincadeira. De novo?
— Sem zoeira. — Abro a geladeira e pego uma latinha de
refrigerante. — Dianna é a sortuda da vez.
— Aposto que não dura um ano. Assim que ela aparecer na
capa de uma revista, vai pular fora.
— Eu não duvido. E sabe o que é pior? Eu nem a conheço. 
Mason dá risada e desliga a chama do fogão. O cheiro é
bom, mas não arrisco comer nada que ele faz. Da última vez, ele
deixou o time todo com uma intoxicação alimentar que durou uma
semana. Quase perdemos um jogo importante por causa disso.
— Ela deve ser como todas as outras esposas do seu pai:
sedentas para conseguir uma grana boa no divórcio. — Coloca a
comida em um prato. — Qual é a do seu pai? Ele não cansa de
bancar o jogador gostoso que joga dentro e fora do campo?
Aperto os lábios para não deixar evidente demais o meu
sorriso.
Mason é um dos meus únicos amigos que detesta Ricky
Rollins — além de Dave, meu outro amigo. Ele acha a carreira do
meu pai superestimada demais e que os anos de glória já
passaram. Há outros nomes no ramo que merecem mais atenção do
que um jogador aposentado com tendência a casamentos
fracassados.
Palavras dele, não minhas.
Ele se acomoda em uma das banquetas e enche a boca de
comida. Seu almoço é uma mistura entre ovos, milho, purê de
batata e alguma outra coisa pastosa de origem suspeita.
— Inteligente é a sua mãe que pediu o divórcio. Sou o maior
fã dela. 
— Vou falar isso para ela no próximo feriado. 
— Daqui a pouco ela vai achar que estou dando mole para
ela.
Escoro o quadril contra o balcão da pia, arqueando a
sobrancelha.
— Nem ouse.
Ele levanta as mãos em rendição, cada uma delas segurando
o garfo e a faca respectivamente. 
— Não curto mulheres mais velhas — murmura. — Três anos
é o meu limite. Esse é o lance do Keeran. 
Bebo mais um gole do refrigerante e giro o pescoço,
procurando por Keeran. Sua moto estava na garagem quando
estacionei o carro, o que significa que ele está em casa.
— E o Keeran? 
Mason enche a boca de comida, então sua resposta não
passa de murmúrios impossíveis de serem compreendidos. Ao
mesmo tempo, as escadas relincham e Keeran surge em nosso
campo de visão. Ele não usa nada além de uma toalha enrolada ao
redor do quadril. Os cabelos se encontram molhados e há um rastro
de água em seu abdômen musculoso, combinando com a tintura
preta que cobre boa parte da pele branca.
— O grande rei chegou. — Abre os braços e caminha até a
geladeira. Pega uma cerveja e abre a tampinha com os dentes,
cuspindo-a na pia. — Sobre o que vocês estão conversando?
Analiso-o da cabeça aos pés, observando o vermelhidão
nada discreto no pescoço. Parece muito com uma mordida. Posso
até ver o formato dos dentes.
— Você está com alguém?
Ele faz um movimento com a mão, dispensando a minha
pergunta.
— O pai do Reed vai se casar de novo — Mason diz,
mudando de assunto. 
Keeran franze a ponta do nariz. 
— Corajoso. — Leva a long-neck aos lábios. — Isso,
certamente, merece uma comemoração.
O garfo de Mason paralisa no ar e eu prendo a respiração, já
sabendo que vem aí uma ideia mirabolante que envolve bagunça e
música alta.
— Não é como se o Reed fosse subir no altar. Essa coisa de
despedida de solteiro só rola com o noivo.
Keeran revira os olhos esverdeados.
— Você pensa demais, Mason. — Aproxima-se dele e afaga
os cabelos castanhos. — Só relaxa e goza. 
A reação de Mason é levantar o dedo e empurrar Keeran
para longe com um único empurrão, enquanto eu gargalho alto. 
De nós três, Keeran Flanagan é o único que aproveita todas
as regalias que a vida de um jogador universitário oferece. Ele está
sempre acompanhado de uma garota, não dispensa o convite para
uma festa e nunca perde a oportunidade de ser o centro das
atenções.
— Estou falando sério. — Aponta com o indicador para mim.
— Não quero ficar em casa em plena sexta encarando a cara feia
de vocês enquanto poderia estar aproveitando uma festa.
— E o que você sugere, grande rei?
O tom de deboche é evidente em meu tom de voz e Mason
mascara a sua risada ao levar mais uma colherada de purê de
batata na boca. Keeran me mostra a língua, sacando de primeira. 
— Cheers Bar, huh?
Mason se contorce na banqueta, como se estivesse
desviando de um soco.
— Sem chance. Da última vez, uma caloura me perseguiu
durante a noite inteira dizendo que eu tinha o cheiro do grande amor
da vida dela.
— O cheiro de cocô, você quer dizer — Keeran alfineta e é
atingido por uma maçã que estava esquecida na fruteira. Ele a pega
no ar em um movimento ágil e dá uma mordida. — Você precisa
treinar seus arremessos, Mason.
Keeran é o wide receiver[1] do Rebels of Horizon, então seus
reflexos são muito bons. Ele é surreal. Fico abismado sempre que o
vejo em campo.
— Estou pegando leve com você, Flanagan. 
Meu amigo faz um beicinho e bebe mais um gole da cerveja.
— Martial Kappa Tau então? Dave disse que a festa vai ser
pequena. Só o pessoal mais íntimo. — Os olhos encontram os
meus. — Ele não disse nada para você, Reed? 
Coço a nuca, lembrando vagamente de Dave comentar sobre
o assunto no começo da semana. Eu estava tão distraído que
apaguei da memória. 
— Esqueci. — Sacudo os ombros e termino o refrigerante,
jogando a latinha na lixeira. — Vocês podem ir, se quiserem. Não
estou no clima. 
Mason pragueja um palavrão, ao mesmo tempo em que
Keeran dá um cutucão nas minhas costelas.
— Você, sem clima para uma festa? Contra outra, Reed. 
Suspiro alto. 
— E a Angel vai estar lá. — Keeran balança as sobrancelhas
grossas, em um gesto cheio de malícia. — Essa é sua oportunidade
de reatar o relacionamento esquisito que vocês tinham. Ouvi dizer
que ela sente a sua falta.
— Você está ouvindo mal, isso sim — sibilo e Mason ri pelo
nariz. — Quem o Dave convidou?
— O pessoal de sempre. — Keeran faz uma careta ao ver a
mistura no prato de Mason. — O time de futebol americano e as
garotas da irmandade. Claire e Anne também, é claro.
Ao ouvir o nome de Anne, seu rosto vem à mente. Os longos
cabelos loiros, os olhos esverdeados cintilantes cheios de raiva e a
mania irritante de sempre me provocar. A última vez que nos vimos
foi na aula de Jornalismo Político, na qual fez questão de se sentar
do outro lado da sala só para me evitar.
O seu jeitinho de fazer birra é fofo.
— Okay — cedo. — Eu vou, mas só porque é na sexta.
Keeran e Mason comemoram com um palavrão fazendo um
high five no ar e alguns pedaços do almoço bizarro voam juntos em
várias direções.
— Isso foi nojento — reclamo ao ver um pedaço do purê de
batata grudado na minha camiseta.
Mason tomba a cabeça para o lado, analisando a mancha. 
— Te garanto que está gostoso.
— Eu não vou comer isso.
— Não sabe o que está perdendo. — Pesca um pedaço de
frango caído em cima do balcão. — O melhor dos dois mundos
reunidos em um só lugar.
Keeran ergue a sobrancelha.
— Posso saber que merda de dois mundos é essa?
— Mason Henderson e mãos talentosas, é claro.
Dessa vez, todos nós gargalhamos.
— Mãos de anjo, você quer dizer — Keeran sugere.
Mason leva a mão ao coração, fingindo estar emocionado.
— Quer experimentar, Keeran Flanagan? Experiência única.
Keeran arrepia-se da cabeça aos pés e sai da cozinha
praticamente correndo, a toalha deslizando e revelando um pedaço
da bunda. Antes de subir para o segundo andar e sumir de vez,
escutamos a sua voz:
— Nem em seus sonhos, Mason!
 
“Você está procurando por uma garota que vai te tratar bem?”
Promiscuous | Nelly Furtado (feat. Timbaland)
 

 
Quarta é um dos dias mais cansativos da minha semana.
Tenho duas aulas no começo da manhã, faço o meu almoço
correndo e pego um ônibus para Sunbay. Cumpro o meu turno de
meio período na lanchonete Brooklyn Blues e volto para Maple Hills
quando já é tarde da noite. 
Eu detesto ter que fazer esse percurso durante todos os dias,
mas Adele me paga bem. O único defeito é terminar o dia com o
desejo incessante de dormir na primeira superfície reta que eu
encontrar.
— Quer café? — Becky, uma das garçonetes que trabalha
comigo, aponta para a máquina de café atrás de nós. — Talvez
possa te ajudar. Você está quase dormindo em pé, Anne.
Encosto o quadril no balcão e tento relaxar sobre os patins
pesados.
— Pode ser.
Becky concorda com um sorriso doce e gira sobre as
rodinhas azuis, a saia do vestido oscilando com a rapidez do
movimento. 
O Brooklyn Blues é uma lanchonete temática localizada na
área comercial de Sunbay. As paredes exibem capas de discos
famosos dos anos 80 e o piso é quadriculado, imitando um tabuleiro
de xadrez. As garçonetes mantêm os cabelos presos e usam
vestidos azuis rodados. No meu ponto de vista, o pior de tudo são
os patins, uma peça obrigatória e que faz meus pés latejarem de dor
no final do dia. 
Comecei a trabalhar aqui no meu primeiro ano na USVL,
quando ainda morava com a minha mãe na cidade. No final deste
verão, tomei a decisão de me mudar para Maple Hills e facilitar o
percurso de quase vinte minutos que era feito todos os dias. O
problema é que nunca encontrei um emprego que pagasse tão bem
quanto aqui. 
Ou seja, continuo na mesma. Só que, agora, estou morando
a poucas quadras da universidade. 
— Aqui. — Becky coloca o copo diante de mim alguns
minutos depois. — Um café para afastar todo o mal do mundo.
Sorrio em agradecimento.
— Obrigada. Você é a minha salvadora.
Ela agita os ombros de um jeito engraçado. Assim como as
unhas, os olhos estão maquiados com delineador amarelo. 
— É o meu dom especial. Preparo os melhores cafés de
Sunbay e sou a babá mais extraordinária que as crianças já
conheceram.
— Quanto a isso, não posso discordar. Todo mundo te ama. 
Becky dá um beijo estalado na minha bochecha e contorna o
balcão no formato de U, indo atender alguns clientes que chegaram.
O jukebox toca True Colors, da Cyndi Lauper, e uma garotinha se
aproxima do aparelho, inserindo algumas moedas e escolhendo a
próxima música.
Beberico meu café e observo o ambiente ao meu redor.  
Embora eu goste muito de Maple Hills, Sunbay é a minha
cidade favorita de todo o mundo. A sensação de estar presa em um
filme de verão é constante em todas as estações do ano. Sentir a
brisa agitando os cabelos e o sol aquecendo a pele é a terapia
perfeita para afastar os dias ruins.
Acho que é por isso que não consigo me desapegar por
completo desse lugar. Ele tem um pedaço de mim e uma conexão
difícil de ser definida. 
— Você pode pedir o dia de folga, sabia? — Adele, a
proprietária da lanchonete, diz no pé do meu ouvido, me arrancando
do transe. — Você trabalha demais, menina. Precisa descansar.
Adele afaga o meu ombro e coloca um prato com cookies
diante de mim.
— Não quero sobrecarregar a Becky.
Ela faz um sinal com a mão, dispensando minha
preocupação.
— Minha neta dá conta. Não é como se fôssemos a
lanchonete mais badalada de toda a cidade. — Empurra uma mecha
do cabelo grisalho para atrás da orelha. — Eu deixo isso para o
Jackson. É ele que rouba todos os turistas de mim.
Jackson é dono da Jackson House, uma lanchonete com
karaokê a poucos metros daqui. Assim como o Brooklyn Blues, o
lugar é temático, mas nenhum dos funcionários precisa usar patins.
Isso é um diferencial unicamente de Adele Goode. 
— Você e Jackson possuem a rivalidade mais harmônica que
já vi.
As bochechas de Adele assumem um tom rosado fofo. 
— Não tenho culpa se ele é um galanteador de primeira —
reclama e beija o topo da minha cabeça. — Agora, coma os cookies,
beba o café e depois vá para casa. Quero te ver aqui só na semana
que vem.
— Adele...
— Sem reclamações, menina. — Arruma o avental florido ao
redor da cintura e dá um passo para trás. — Isso é uma ordem. 
Apesar do tom frio, há um sorriso lutando para ser
expressado. Antes que sua pose de chefe mandona se perca, Adele
retorna para dentro da cozinha. De forma quase combinada, a
música escolhida pela menininha começa a tocar: é Take On Me do
A-ha. 
— Eu adoro essa música. — Becky retorna dos atendimentos
e pesca um dos cookies, dando uma mordida. — Você ouviu minha
avó, a propósito. Não quero te ver aqui nem que o mundo esteja
passando por uma dominação zumbi. Eu dou conta dos turnos,
prometo. 
— Tem certeza?
— Absoluta. Você merece descansar e curtir um pouco a
vida. Alguém comentou que vai ter uma festa na fraternidade. Essa
é a sua chance de se divertir com os seus amigos. 
Tenho uma vaga lembrança de Claire comentar sobre a festa
durante o almoço. Dave era o mais animado enquanto tentava
convencer o pessoal da mesa a comparecer. Isso foi na segunda.
Ele já deve ter garantido que todo o pessoal do time de futebol
americano irá. 
Inclusive Reed Rollins.
Só de pensar no nome dele, tenho vontade de xingar um
palavrão.
Nós não nos damos bem desde que botamos o olho um no
outro pela primeira vez, na festa dos calouros. Eu o considero
arrogante, com um ego extremamente irritante e uma mania
insuportável de me tirar do sério. Ele é um dos seres humanos que
mais detesto, perdendo somente para o professor de Redação
Criativa.
— Muito obrigada, Becky. Nunca vou conseguir agradecer
por tudo o que você faz por mim.
— Não se preocupe. Amigas são para isso. 
Antes de ir embora, abraço-a e prometo que irei recompensá-
la comprando a melhor fatia de bolo de todo o mundo. Como de
costume, Becky dispensa o meu gesto e dá um tapinha na minha
bunda, me empurrando para fora da lanchonete.
É final de tarde, então o céu de Sunbay esbanja traços de
tons laranja, vermelho e rosa, uma mistura de cores que faz um
sorriso de satisfação surgir. Enquanto espero no ponto de ônibus,
tiro uma foto e mando para a minha mãe. 
Minutos depois, o ônibus chega e eu quase adormeço no
assento durante a viagem para Maple Hills, de tão cansada que
estou. Se os meus ossos pudessem virar gelatina, eles teriam essa
consistência durante a maioria dos dias.
Aí está uma coisa que ninguém conta: estudar e trabalhar
tem como resultado uma exaustão infinita que só pode ser
recuperada com um sono tão profundo quanto o da Aurora, do filme
Bela Adormecida.
E isso é algo que não está nem perto de se tornar realidade
na minha vida. 
Cerca de trinta minutos depois, estou subindo os degraus que
levam ao apartamento de dois quartos que divido com a minha
colega. Insiro a chave na fechadura e acendo as luzes da sala.
Suspiro de alívio ao encontrar o cômodo vazio. Sidney deve estar
com o namorado, o que me dá a liberdade de curtir o silêncio.  
Chuto os tênis para longe e jogo a mochila em cima do sofá,
fazendo o mesmo com os patins. Foda-se a organização, eu só
quero dormir. 
Nem mesmo tomo banho. Apenas entro no quarto e jogo meu
corpo na cama, adormecendo em questão de minutos com o rosto
enterrado no travesseiro. 
A vida de universitário é uma tortura que nunca parece ter
fim.
Na quinta de manhã, estou sozinha na biblioteca da USVL,
produzindo um texto para a aula de Jornalismo Político.
Essa é uma das piores aulas do curso, sem sombra de
dúvidas. São tantos textos para ler e dissertações para produzir que
começo a duvidar da minha capacidade em conseguir um diploma.
Adele ter me dado uma semana de folga é a luz no fim do
túnel que eu precisava. Pude dormir mais do que oito horas e
acordei pela manhã sem querer chutar o despertador para longe.
— Você vai na festa de sexta, né?
Claire chega como um furacão na biblioteca, jogando os
livros em cima da mesa e puxando uma cadeira. As roupas
coloridas tornam a sua presença ainda mais notável. Ela usa um
macacão xadrez e botas de cano curto, com saltos dourados. Nos
lábios carnudos, há o inseparável batom rosa que contrasta com a
sua pele negra-escura. O complemento final é a peruca loira com
franjinha.
Nunca consigo entender como ela consegue combinar tantas
cores sem parecer ter sido atingida por uma caminhão de tinta.
— Não é como se você me desse escolha, certo?
Claire revira os olhos dourados.
— É a primeira vez que vamos conseguir ir em uma festa
sem você ter um turno de trabalho no dia seguinte. — Entrelaça os
dedos aos meus. — Esse tipo de coisa não acontece com
frequência.
O entusiasmo de minha amiga é evidente. Se isso aqui fosse
um desenho infantil, ela estaria dançando em cima da mesa
enquanto fogos de artifício explodem ao seu redor, juntamente a
uma melodia brega de trompetes.
— Nós iremos e vai ser incrível — garanto. — Só, por favor,
não me deixe fazer nenhuma merda. Da última vez, acordei na
cama do Chad Eaton. E você sabe melhor do que ninguém que eu
detesto me envolver com qualquer pessoa do curso.
— Fique tranquila, vou ficar de olho em cada passo seu. —
Sorri. — E nada de Chad Eaton e qualquer outra transa perigosa.
— Obrigada — agradeço e fixo a atenção nos livros jogados
em cima da mesa. — Você não deveria estar na aula?
Claire murcha contra a cadeira, o lábio inferior se projetando
para frente em descontentamento. Diferente de mim, que curso
Jornalismo, ela é estudante de Moda. 
— Meu professor teve um imprevisto de última hora. Agora
estou aqui tendo que aguentar a minha própria companhia.
— Eu tenho um texto para terminar, mas podemos ir almoçar
depois, se você quiser.
— Seria perfeito. — Concorda e abre a bolsa, pegando o
celular e uma garrafa de água. — Enquanto você estuda, vou
conversar com a minha irmã sobre uma empresa que produz tecidos
sustentáveis na costa leste, a Davis Comportarion. Ela disse que
realizou uma entrevista com eles no ano passado, mas é difícil
conseguir contato.
Claire está envolvida em várias iniciativas envolvendo o
universo da moda, mas recentemente, durante as férias de verão,
ela teve a brilhante ideia de preparar um desfile com roupas
sustentáveis. A iniciativa é incrível e vai complementar ainda mais o
seu currículo já impecável.
O único problema é que não há empresas de tecidos
sustentáveis no Condado de San Valley.
Desde então, Claire e sua irmã mais velha, Candice,
embarcaram em uma missão para encontrar uma empresa que
topasse esse convite. Por se tratar de algo sem fins lucrativos, as
chances tendem a diminuir.
Mas eu estou confiante. Claire Howard é uma das pessoas
mais insistentes que conheço. Ela não vai desistir desse projeto.
— Se você conseguir que eles aceitem o convite, qual é o
próximo passo?
Claire se anima com a pergunta, saltitando na cadeira.
— Eles vão aceitar, Anne. — Aponta o dedo em riste, a unha
pintada de dourado. — Logo depois que eles toparem, eu começo a
confecção dos croquis. Minha cabeça tem fervido em ideias e
pensei em fazer uma coleção inspirada nos contos de fadas
clássicos. O que você acha?
Abro um sorriso.
— Eu acho que vai ser perfeito, Claire. Todo mundo vai amar,
como tudo o que você faz.
Ela bate palminhas, animada, e desbloqueia o celular,
retornando a atenção para a tela.
— Agora vou te deixar em paz um pouquinho — diz. — Se
escutar a minha barriga roncando, ignore.
Balanço a cabeça, achando graça. Claire Howard sempre
consegue me arrancar um sorriso, mesmo quando tenho um milhão
de problemas para resolver. E eu a amo muito por isso.

Um suspiro de pura satisfação escapa da minha boca quando


dou a primeira mordida no lanche de atum. É a sétima maravilha do
mundo. O melhor lanche já inventado pelo ser humano. O meu
paraíso na Terra e alinhador de todos os planetas no Sistema Solar.
— Isso é bizarro — Claire diz ao me encarar com as
sobrancelhas franzidas. — Você é estranhamente obcecada por
atum, sabia?
Levanto o sanduíche, como se fosse uma obra de arte, e o
admiro com os olhos brilhando em felicidade.
— Uma obra de arte comestível jamais deve ser ignorada. —
Dou mais uma mordida, gemendo baixinho. — Céus, que delícia.
— Esse é o barulho que você faz quando está transando,
Annie?
Congelo na cadeira ao ouvir a voz da pessoa que eu mais
detesto em todo esse mundo. Reed Rollins, infelizmente, está no
topo da lista, ocupando o primeiríssimo lugar.
Ele puxa a cadeira livre ao meu lado e se senta, a bandeja
repousando ao lado da minha. Um sorriso ladino brinca em sua
boca. A pose, relaxada no assento, é deboche em sua mais pura
essência.
— E então, joaninha? — O apelido deixa minhas bochechas
vermelhas. — Isso foi uma amostra grátis do que devo esperar de
você daqui a alguns meses?
— Vai se foder — respondo de boca cheia, pouco me
importando com os bons modos. — A única coisa que você deve
esperar de mim é um chute nas suas bolas.
Reed dá risada, ao mesmo tempo em que Dave se acomoda
ao lado de Claire. Ele a cumprimenta com um beijo meloso e depois
sorri para mim, dando uma piscadinha. Para o meu grande azar, a
sua reação ao ver o sanduíche de atum em minhas mãos é a
mesma da minha amiga.
— Atum, hum? — Abre a garrafa de água e dá um grande
gole. — Você já pensou em experimentar o de frango?
Nego.
— Atum é a minha alma gêmea. Ninguém nunca vai
conseguir ocupar o lugar dele na minha vida.
Claire e Dave acham graça no que eu disse. Reed, no
entanto, mantém os olhos fixos nos meus. Sua expressão é difícil de
decifrar. Não sei se ele está pensando que eu sou uma garota pé no
saco ou criando teorias de como se livrar do meu corpo tarde da
noite. A última opção é a que mais me preocupa.
Ergo as sobrancelhas em um gesto questionador e Reed
desvia rapidamente o olhar, voltando a atenção para a bandeja com
comida. Há ali uma salada verde, uma porção de batatas cozidas e
alguma outra coisa que não consigo identificar
— E a festa de sexta, vocês vão?
A pergunta de Dave me obriga a encará-lo. Nesta manhã, ele
usa uma camiseta branca que combina com o tom da sua pele
negra-retinta e uma jaqueta com o mascote do time bordada nas
costas, enquanto os cabelos com dreads foram presos em um
coque no alto de sua cabeça, deixando as bochechas magras mais
visíveis.
— Pode contar com a nossa presença — Claire confirma com
um sorriso, deitando a cabeça em seu ombro. — Anne conseguiu
uma folga no trabalho, então vamos poder aproveitar até o sol
nascer.
— Isso quer dizer que a Anne vai acordar, de novo, na cama
do Chad Eaton? — Reed alfineta.
Viro-me na cadeira, ficando de frente para ele.
— Melhor acordar na cama dele do que na sua, Reed.
Ele leva a mão ao coração.
— Você nunca acordou na minha para ter certeza que seria
assim tão ruim.
— Não é necessário. Os boatos fazem jus a sua péssima
reputação.
Reed inclina o corpo para frente, diminuindo a distância entre
os nossos rostos.
— E que boatos são esses?
A voz carrega o tom mais baixo de provocação. É sutil, mas
consigo perceber o desafio implícito ali, o que quase me faz
esquecer que Dave e Claire nos observam de soslaio. Uma fina
camada de suor se forma nas palmas das minhas mãos, mas
ignoro. Me limito a inclinar o rosto para o lado e esticar os lábios em
um sorriso zombeteiro.
— Que tudo não passa de fingimento.
Não preciso dizer mais nenhuma palavra. O significado está
mais do que óbvio para Reed. Ele contorce os lábios e trava a
mandíbula, me fulminando através do olhar.
— A sorte é que não ligo para a merda dos boatos. — Afasta-
se e bebe um gole do suco de laranja. — Ainda mais daqueles que
saem da sua boca.
— Não fui eu quem os começou. Estou apenas passando a
informação.
— Para uma jornalista em formação, é bem decepcionante
que você não cheque a veracidade da informação, joaninha.
Merda.
Forço minha mente a elaborar uma resposta à altura, mas
está evidente que Reed venceu essa rodada. É uma droga que
façamos o mesmo curso, porque seus argumentos conseguem ser
tão bons quanto os meus.
— Sobre o que vocês estão conversando?
A voz calma de Claire me obriga a furar a bolha cheia de
tensão que Reed e eu criamos. Nos viramos na cadeira em
sincronia e respondemos juntos ao mesmo tempo:
— Nada de importante.
Minha amiga estreita levemente os olhos, nos avaliando com
um ponto de interrogação pairando acima da cabeça. Noto que a
garganta dela oscila para dizer alguma coisa, mas acaba optando
pelo silêncio. Sua única reação é sorrir do jeito mais apaziguador
possível.
— E você, Reed? Vai na festa?
Reed dá uma garfada na salada verde e afasta a cadeira
alguns centímetros da minha, criando uma distância razoável.
Estranhamente, os olhos continuam repousados em mim.
— Eu não perderia essa festa por nada.
 
“Seus olhos e palavras são tão frios, mas ela queima como rum
sobre o fogo”
Cherry Wine | Hozier
 

 
Na sexta, estou dirigindo junto dos meus amigos rumo a
Martial Kappa Tau.
A fraternidade é uma das mais antigas da Universidade do
Condado San Valley. Além de ser conhecida por seus integrantes
que conquistaram lugares importantes na política estadunidense, a
MKT realiza uma das maiores festas do campus. É praticamente
impossível não ser convidado, especialmente as que marcam o
início e fim do semestre.
Por sorte, a festa de hoje é para ser mais tranquila.
Mas isso não significa que a casa vai estar vazia. Não
mesmo. Porque assim que entramos, somos engolidos pelo
burburinho de conversas e pela música alta tocando nas caixas de
som. Keeran murmura alguma coisa, sumindo logo em seguida. O
próximo é Mason, que dá dois tapinhas no meu braço e desaparece
entre as pessoas.
— Ei! — Dave grita e me cumprimenta com um aperto de
mãos. — Já estava achando que você tinha desistido de vir.
— Você sabe como o Keeran é. Antes de sair, ele fica se
olhando no espelho por duas horas, só para garantir que vai ser o
maior gostoso da festa.
Ele ri, o pescoço pendendo para trás. Os dreads oscilam com
o movimento, revelando o pequeno brinco de argolinha na orelha.
— E onde ele está?
— Sumiu para fazer aquilo de sempre: enfiar a língua dentro
da boca de uma veterana.
Dave revira os olhos castanhos, desacreditado com a atitude
de Keeran, e faz um sinal com a mão. É questão de segundos para
que um copo de cerveja seja depositado em minhas mãos.
Dave Morris é o quarterback [2]do Rebels of Horizon e um dos
primeiros amigos que fiz na USVL. Nos conhecemos na festa dos
calouros, a mesma noite em que ele se viu completamente
apaixonado por Claire Howard.
Não é nenhuma surpresa que hoje eles sejam namorados.
Não duvido também que, após jogarmos nossos capelos para cima
no dia da formatura, ele vai pedi-la em casamento.
— E a Claire?
Ao ouvir o nome dela, um sorriso surge.
— Está na cozinha com a Anne, eu acho. Elas foram preparar
algum drinque. — Levanta o copo na altura dos olhos. — Você sabe,
algumas garotas odeiam cerveja.
— Eu vou até lá.
Despeço-me com um aceno e escuto alguém chamar por
Dave. Cinco segundos depois, ele já desapareceu entre a multidão.
Ser o anfitrião da festa deve ser um pé no saco. Não dá nem para
aproveitar antes de ser interrompido.
Suspiro alto e contorno as pessoas, rumando em direção à
cozinha. O cômodo é um dos maiores da casa, sem dúvidas. Há
uma ilha gigante no meio, cheia de vasilhas com salgadinhos e
garrafas de bebidas. A geladeira deve ser do tamanho de dois
jogadores de futebol americano — sem brincadeira — e há tantas
banquetas em frente ao balcão quanto no pub do meu irmão.
Encontro Claire em frente a pia, de costas para mim,
despejando cubos de gelo no copo. Não há nenhum sinal de Anne. 
Assovio e ela levanta o olhar, as íris douradas se iluminando.
Assim como Dave, Claire tem aquela aura de pessoa que está
sempre feliz. Não há dias tristes na sua rotina.
Ela se aproxima e me puxa para um abraço, depositando um
beijo molhado na minha bochecha.
— Como você está? Com o seu atraso, já tinha gente
especulando que você e os meninos iam ficar em casa comendo
pizza barata e assistindo filme ruim.
As pessoas de Maple Hills são viciadas em falar da vida dos
outros e isso me faz revirar os olhos todas as vezes. Essa é uma
das coisas que mais sinto falta em North Groove: os únicos que
recebem atenção são aqueles que têm o seu lugar garantido no
pódio do sucesso. Como o meu pai, por exemplo.
— O pessoal fala demais.
Claire assente e volta a atenção para o copo de bebida. Eu
deixo o meu em cima da bancada, nem um pouco a fim de beber
cerveja. A temporada de jogos ainda não começou, então a maioria
dos jogadores não está ligando muito para isso. Eu, no entanto,
gosto de me precaver.
Acordar de ressaca não é o meu passatempo favorito para
um sábado de manhã.
Volto minha atenção para Claire. Nesta noite, ela está
radiante usando um vestido estampado de bolinhas e sandálias com
saltos transparentes. Os olhos, como sempre, estão maquiados com
alguma coisa colorida que combina com sua pele negra-escura. O
estilo de Claire é a sua marca registrada, chamando a atenção por
onde passa. 
— E a Anne? — Uso o meu melhor tom descontraído. — Já
foi para casa?
— Uh, isso é impossível de acontecer. — Adiciona um
guarda-chuvinha no drinque. — Você sabe que ela adora uma festa.
Deve estar na pista de dança rebolando aquela bunda gostosa.
Mordo o interior da bochecha, não querendo sorrir. Porque,
droga, Claire tem razão. Anne tem uma das bundas mais
maravilhosas que eu já vi. E quando está dançando, é como se ela
criasse vida própria. Uma tentação difícil de resistir.
— Vou lá cumprimentá-la.
Claire faz um biquinho desconfiado com os lábios, mas não
diz absolutamente nada.
A verdade é que Claire e Dave não fazem ideia do quanto
Anne me detesta. Para eles, não passa de uma brincadeira nossa. A
realidade é que, desde que nos conhecemos, existe aquela tensão
pairando no ar, só esperando o momento certo para nos acertar em
cheio.
Sei que torno a situação ainda pior, porque gosto de provocá-
la. Ver os olhos dela se revirarem de desgosto e respostas ácidas
saindo daquela boca suja é a melhor parte do meu dia.
Sorrio comigo mesmo e empurro algumas pessoas durante o
caminho, até chegar na sala. Varro o lugar com o olhar, encontrando
Anne bem longe da pista de dança. Ela está em um canto, de costas
para mim e conversando com um garoto que não conheço.
A sua expressão corporal deixa evidente o que está
acontecendo: ele está enchendo a porra do saco.
Pela maneira que os ombros se remexem, ela tenta se livrar
dele, mas sem sucesso. Ele estende o braço, fechando os dedos ao
redor do pulso dela enquanto diz alguma coisa. Sinto algo ferver
dentro de mim e aperto o passo até eles sem pensar duas vezes.
O percurso, infelizmente, é impedido por Keeran. Ele encaixa
o braço ao redor da minha nuca e bagunça o meu cabelo com os
dedos.
— A Angel está lá no gramado, só para você saber — diz
perto do meu ouvido. — Quando é que você vai contar para a gente
o porquê de vocês terem terminado?
— Não tem nada pra contar. — Tento me esquivar dele, ainda
mantendo a atenção fixa em Anne. Ela dá um passo para trás, mas
o garoto avança um para frente. — A gente só não deu certo.
Keeran solta um lamento e segue a direção do meu olhar.
Anne está de costas e, pela maneira em que está agindo, as coisas
com o garoto não vão nada bem.
— Se eu fosse você, ia até lá — Keeran aconselha.
— Era isso que eu estava fazendo quando você se enfiou no
meio do caminho.
Não dou a ele a chance de responder. Me esquivo do seu
braço e me aproximo como um predador atrás da sua caça. Não sou
nem um pouco sutil ao empurrar algumas pessoas do meu caminho
enquanto atravesso a pista de dança. Quando estou perto o
bastante, tomo a decisão de fazer uma coisa que pode acabar com
a minha vida.
Pouso uma das mãos na cintura de Anne, puxando-a para
mais perto de mim, o perfume de morango chegando até as minhas
narinas. O ombro aconchega-se entre o meu peitoral e ela vira
imediatamente o rosto na minha direção. Os lábios pressionados em
uma linha reta denunciam o seu descontentamento.
— O que você...
— Desculpe o atraso, Annie. — Abro um sorriso e beijo o
canto de sua boca. O cara desconhecido solta a mão dela de
imediato. — Acabei de chegar com os meninos. Você não vai me
apresentar o seu amigo?
Os olhos esverdeados tremulam em algo que não consigo
identificar. Ódio, talvez. Essa noite vai acabar com ela chutando as
minhas bolas. Estou torcendo para que toda essa encenação não
seja estragada por causa da sua petulância.
Quase suspiro de alívio ao vê-la empinar o queixo para cima
e abrir um maléfico sorriso. A mão pequena desce por minhas
costas, dando um beliscão. Gemo internamente com a dor.
Merda de garota arisca.
— Drake Collins. Ele faz parte da rádio universitária e esse é
...
Estendo o braço livre, cumprimentando-o. Aperto os dedos
com força demais, só de propósito.
— Reed Rollins, o namorado.
O polegar de Anne afunda em minhas costelas e manter o
rosto inexpressivo nunca foi tão difícil. Drake, no entanto, está alheio
ao que está acontecendo. Seu sorriso galanteador se desmancha e
ele dá um passo para trás, como se o fato de Anne ter namorado
fosse algo contagioso.
Bom garoto.
— Oh, não sabia que o grande Reed Rollins estava
namorando.
— Você me conhece, então?
— E quem não conhece? — Drake coça a nuca. Ele tem
cabelo ruivo, sardas no nariz e um porte atlético. — Você e o Dave
são as estrelas dos Rebels of Horizon.
— A gente tenta, mas a verdadeira estrela é ela. — Beijo os
cabelos de Anne e subo por dedos por sua coluna, até chegar no
espaço nu de suas costas. — A dona do meu coração e futura
jornalista do PK Journal.
Drake arregala os olhos de um jeito que os deixa nada
proporcionais.
— Você conseguiu um estágio lá?
As bochechas de Anne ficam coradas.
— Ainda não, mas estou confiante que este ano vou
conseguir.
Drake murmura mais algumas frases de incentivo, frisando o
quanto está torcendo para que Anne consiga a vaga, e por fim, vai
embora. Depois dessa conversa, as chances dele perturbá-la
novamente são muito próximas de zero.
Assim que ele some do nosso campo de visão, sou
empurrado para o lado com uma força surpreendente.
— Que porra foi essa? Você enlouqueceu? — Anne vocifera.
Levanto as mãos em rendição e dou um passo para trás. A
versão da Anne raivosa é a pior de todas. É igual a um cachorrinho
rangendo os dentes.
— Só estava te ajudando. Ele não ia desgrudar do seu pé a
noite toda.
Anne cruza os braços na altura do peito, assumindo uma
posição defensiva. O vestido azul bebê adere a pele branca do seu
colo, evidenciando o contorno dos seios.
— Eu dava conta dele. Não precisava que você viesse até
aqui, em cima de um cavalo branco, bancando o príncipe salvador
da donzela em perigo.
— Na realidade, eu vim até aqui com as minhas próprias
pernas.
Mesmo com a música elevada, consigo escutar o palavrão
proferido em alto e bom som.
— Você é irritante — reclama e bate com a ponta do dedo no
meu peitoral. — Se isso der problema para gente, você não vai
querer estar vivo.
— Um “obrigada, Reed” já era bom o bastante.
Ela ri pelo nariz.
— Prefiro comer lâminas de barbear a agradecer a você por
alguma coisa.
— Eu tenho um ótimo estoque lá em casa. Podemos ir
buscar, se você quiser.
A única reação de Anne é bufar alto e girar sobre os
calcanhares, me deixando sozinho em frente à pista de dança.
Gargalho alto com a sua reação. Conforme ela se afasta com
determinação, a encaro da cabeça aos pés, observando por mais
tempo a bunda redondinha que se destaca no vestido curto.
Maldito seja o dia em que Anne Scott entrou na minha vida
como um furacão impossível de ser contido.

Uma hora mais tarde, a música está tão alta que meus
tímpanos imploram por um descanso. O número de pessoas
aumentou consideravelmente e o papo do Dave que seria uma festa
pequena já não cola mais.
A pista de dança é uma mistura entre corpos suados e
roupas coloridas. E embora eu não esteja interessado em ver as
pessoas dançando, uma em especial chama a minha atenção. Anne
Scott está de frente para mim, rebolando o quadril ao ritmo de
Gimme More da Britney Spears.
A cena faz algo dentro de mim se agitar.
Ela captura o meu olhar e desce as mãos por todo o corpo, a
barra do vestido subindo alguns centímetros e revelando a pele nua
da coxa torneada. As luzes no teto mudam de cor e o vermelho
torna a cena ainda mais erótica.
A batida muda e Anne se equilibra sobre os saltos, descendo
em direção ao chão. Os cabelos loiros se agitam, criando uma aura
brilhosa ao seu redor. Os dentes mordiscam o lábio inferior e ela
sorri ao impulsionar o corpo para cima em câmera lenta.
Puta merda.
Fecho as mãos em punho, o corpo pinicando em um
formigamento nada agradável. Quero ir até lá e dançar com ela. Ao
mesmo tempo, quero ficar aqui e observar cada um dos seus
movimentos. A maneira com que o peito se move de acordo com a
respiração, as unhas deslizando pela pele e o quadril
acompanhando as batidas da música é uma cena difícil de desviar o
olhar.
Engulo a espessa saliva e apoio as costas na parede,
procurando por sustento.
Anne, sorrateira como é, vira de costas e começa a dançar
contra um garoto que não conheço. A bunda dela está a poucos
centímetros de distância do quadril do cara. Basta um maldito passo
para trás. Ela brinca com o perigo, deixando que ele pouse as mãos
em sua cintura e a conduza, mas não ultrapassando nenhum limite.
Ao notar a minha careta, ela dá risada e pisca um dos olhos
para mim, descendo novamente até o chão. O desconhecido a
ajuda a subir e dessa vez os dois dançam de frente. Os narizes
estão muito próximos e Anne mantém os braços pendurados ao
redor do pescoço dele. Ele diz alguma coisa no seu ouvido e ela
sorri. A porcaria de um sorriso que ilumina o seu rosto corado.
Suspiro de alívio no momento em que a música acaba e as
luzes mudam novamente de cor, dessa vez para o azul. Ela se
despede do garoto com um beijinho na bochecha e, para o meu
completo terror, caminha diretamente para onde estou.
O vestido adere às suas curvas e os saltos deixam as pernas
muito mais longas do que realmente são. Uma fina camada de suor
recobre o seu colo e noto a maneira com que os seios sobem e
descem por conta da respiração acelerada.
— O seu queixo, Reed — ela diz ao parar de frente para mim.
Franzo o cenho, sem entender.
— O que tem ele?
— Está pingando de baba. — Ri baixinho. — Nunca viu uma
garota dançar?
— Não é todo dia que a gente vê alguém dançar assim tão
mal. Tive que apreciar o show de horrores em primeira mão.
Anne estreita os olhos, consciente de que estou mentindo.
Ela sabe que dança bem. Dança tão bem que ninguém consegue
desviar o olhar. Certeza que não fui o único que apreciou a maneira
que seu corpo se movia de acordo com a música.
— Deve ser difícil para você admitir que sou boa em alguma
coisa, não é? — Dá mais um passo, encurtando a nossa distância.
— Se você fosse corajoso o bastante, teria se juntado a mim.
— E sujado minhas mãos tocando o seu corpo? Dispenso o
convite, Annie.
Ela ergue a vista, me encarando de baixo.
— Você não pensou assim horas atrás quando bancou o
namorado protetor.
Inflo as bochechas de ar ao relembrar a sensação de tê-la tão
perto de mim. A nossa diferença de altura é de alguns bons
generosos centímetros, então meu corpo todo se encaixou ao redor
do seu, como um cobertor em um dia de frio. E olha que aquilo foi
somente a porra de um abraço de lado.
— Você tem um ponto.
— É claro que sim. — Dá dois tapinhas na minha bochecha e
se afasta novamente. — Da próxima vez, espero que você se junte
a mim na pista de dança.
— E por que eu faria isso?
Ela empurra uma mecha do cabelo para trás do ombro,
revelando as clavículas nuas e a correntinha ao redor do pescoço.
As luzes azuis iluminam uma parcela do seu rosto, criando uma
sombra no restante. Isso, no entanto, não me impede de notar o seu
sorriso.
— Pra eu descobrir se você é bom em alguma coisa além do
futebol americano. Esse parece ser o seu único talento, pelo visto.
— Eu não concordaria. Há outra coisa que sou melhor ainda.
Anne finge tirar um fiapo imaginário da sua roupa.
— Ah, é?
Estendo o braço e a puxo para mais perto. Dessa vez, ela
pousa as mãos em meu peitoral, mantendo ainda uma distância
segura entre nós. Pouso o dedo em seu queixo e a obrigo a olhar
para cima. O seu semblante deixa evidente a provocação latente
que nos envolve. Não consigo me conter e abro um sorriso,
acariciando sutilmente a sua mandíbula.
— Tirar você do sério — sussurro. — É o meu passatempo
favorito e o meu maior talento fora do gramado.
Anne sobe os ombros, meneando a cabeça para o lado.
— Eu não teria tanta certeza disso.
— Não?
— É claro que não. — Pressiona os lábios em uma linha reta,
lutando contra o próprio sorriso. — Porque, assim como todas as
outras garotas, eu sou muito boa em fingir, Reed.
Ela não me dá a chance de formular qualquer tipo de
argumento a altura. Empurra meu peito para trás e gira sobre os
saltos, me dando as costas com facilidade. A última coisa que
escuto, antes dela sumir entre as pessoas, é o som da sua risada.

No final da noite, com a festa parcialmente vazia, estou


sentado em uma das espreguiçadeiras da área da piscina, sendo
acompanhado por Dave, Mason, Keeran e os outros meninos do
time. Todos estão acompanhados, exceto por mim. Chad Eaton,
inclusive, está aqui. Ele mantém uma garota sentada em seu colo e
sussurra coisas sujas no ouvido dela, fazendo-a dar risadinhas
curtas.
É inacreditável que Anne tenha transado com esse cara.
Ao pensar nela, a encenação de horas atrás volta à minha
mente. Quando tomei a decisão de ajudá-la a se livrar da presença
irritante do Drake, a ideia não era fingir ser o seu namorado. O plano
era bancar o amigo protetor. Só que alguma coisa despertou dentro
de mim e segui o pior caminho sem hesitar.
— Reed?
Giro meu corpo na cadeira ao ouvir alguém me chamando.
Angel está parada a alguns metros de distância. Me levanto da
espreguiçadeira em um pulo e sigo até onde ela está. Diferente das
outras garotas da festa, o corpo esguio traja uma calça jeans com
estampas de rosas e uma camiseta de babados.
— Aconteceu alguma coisa?
Angel empurra uma mecha do cabelo para trás da orelha e
me puxa para um lugar mais longe de onde os meninos estão.
— Nada além das situações ruins de sempre. Só acho que
devemos fazer algo a respeito.
Arqueio a sobrancelha.
— Como assim?
— As pessoas ainda acham que estamos juntos. Na última
semana, um garoto disse que não ia sair comigo por causa do
nosso lance. — Cruza os braços, soando irritada. — Você precisa
fazer alguma coisa, Reed.
Suspiro e afundo os dedos no couro cabeludo.
— O que você sugere?
Angel e eu nos envolvemos durante o verão. Ela estava
tocando violão no pub do meu irmão com a sua banda de garotas e,
logo depois que a curta apresentação acabou, eu a encurralei no
corredor do banheiro. Nós transamos em uma das cabines. Foi
divertido, como todo sexo casual é.
Mantivemos essa rotina entre a gente durante uns bons dois
meses. Eu passava as tardes no seu quarto da irmandade e ela me
visitava na minha casa durante os finais de semana. Depois de um
tempo, percebemos que as coisas não estavam mais tão divertidas
entre a gente. Se tornou cômodo e sem nenhum sentimento além do
tesão.
Decidimos terminar tudo e seguirmos como amigos. No
entanto, as garotas da irmandade não acreditaram muito nesse
papo. Não tenho dúvidas de que foram elas que começaram os
boatos a nosso respeito.
Por causa disso, a maioria das pessoas acham que
mantemos nossa relação às escondidas, enquanto outros têm a
certeza de que traio Angel sempre que encontro uma oportunidade.
A situação prejudica mais a ela do que a mim.
— Encontrar uma namorada.
Se eu estivesse com cerveja dentro da boca, certamente teria
cuspido.
— O quê?
— O melhor jeito de limpar a minha barra é você começar a
namorar. As pessoas vão esquecer em algumas semanas que
estivemos juntos e vão focar só nisso.
Troco o peso dos pés, encarando o rosto diante de mim.
Angel tem sobrancelhas bem delineadas, maçãs elevadas e olhos
doces. Os cabelos são pretos, caindo em cascata por suas costas.
— Você não pode estar falando sério, Angel.
— Não é algo assim tão difícil, Reed.
— Você sabe que não vendem namoradas no supermercado,
certo?
Ela empurra o meu ombro de brincadeira, dando risada.
— Foi apenas uma sugestão. Se você tiver uma ideia
melhor...
O problema é que não consigo pensar em nada que consiga
limpar a barra de Angel além disso. Encontrar uma namorada e
apagar os boatos a seu respeito é a solução perfeita. Com todos
focados em mim, ninguém vai se lembrar que Angel e eu tivemos
algo.
Eu poderia ser um cara arrogante e não ligar para nada
disso. Poderia virar as costas e deixar Angel se foder com os
próprios problemas. Só que eu não sou assim. E nós dois nos
tornamos ótimos amigos desde aquela noite. A atração sexual que
sentimos foi apagada com um gigante balde de água fria. Hoje não
consigo vê-la de outra forma além de uma amiga incrível.
Então, vou ajudá-la. Não posso ignorar o seu pedido. 
— Vou pensar em alguma coisa — garanto. — Não se
preocupe. Daqui a algumas semanas, ninguém nunca mais vai
lembrar desse assunto.
Angel inclina ligeiramente a cabeça para o lado, soando
desconfiada.
— Se você estiver brincando comigo, Reed...
Pouso as mãos em seus ombros.
— Tudo vai se resolver. Você vai ver. Promessa de escoteiro.
— Você nunca foi escoteiro.
— Para tudo existe uma primeira vez, Angel.
Um sorriso discreto se insinua no canto dos seus lábios e
esse é o incentivo que preciso para encontrar uma solução o mais
rápido possível.
 
“Eu não sou de ficar por perto, um strike e você está fora, amor”
Ariana Grande | Stuck With U (feat. Justin Bieber)
 

 
Na segunda, três dias depois da festa, acordo com a certeza
de que tem alguma coisa errada.
Em dias comuns, eu caminho pelos corredores da USVL sem
ser notada por ninguém. Hoje, no entanto, desde que botei os pés
no prédio de Jornalismo, estão todos me encarando e cochichando
entre si. Até verifiquei no espelho do banheiro se estava com a
roupa do avesso ou com uma mancha de chocolate na bunda.
Tudo sob controle.
Ou pelo menos, deveria estar.
Mordisco a cutícula do dedão e me acomodo em uma das
cadeiras do auditório onde temos as aulas de Jornalismo
Econômico. Duas garotas, que não sei o nome, me analisam da
cabeça aos pés. Esbugalho os olhos e elas se viram imediatamente
para frente, voltando a conversar baixinho.
Tiro o celular da bolsa e mando uma mensagem para Claire.
Anne: Eu fiz alguma besteira na festa de sexta e não estou
sabendo?
Claire responde alguns segundos depois.
Claire: Nadinha. Você foi uma menina comportada. Por que?
Anne: Está todo mundo me olhando de cara feia. Devo estar
com alguma doença e não estou sabendo.
A tela se enche de emojis dando risada.
Claire: Não deve ser nada demais. Deixa pra lá. A minha
aula vai começar aqui. A gente se vê no almoço?
Anne: Sim. Eu trouxe sanduíche de atum.
Claire: Que nojo! Nos falamos depois. Bjo.
Mando um emoji de beijinho e aproveito para responder
também as mensagens de Alex, meu irmão. Há uma foto dele com o
seu café da manhã e depois da nossa mãe. Essa semana ele
decidiu passar alguns dias em Sunbay, na cidade vizinha, para
matar as saudades.
— Waffles gostosos. Foi você quem fez?
Dou um pulo na cadeira ao ouvir a voz rouca de Reed no
meu ouvido. Giro o corpo, encontrando seus braços escorados no
encosto e um sorriso de covinhas iluminando o rosto barbeado.
— O que você está fazendo aqui?
— Faço essa aula com você, Scott. — Impulsiona o corpo e
salta por cima da cadeira, se acomodando no assento vago ao meu
lado. — Jornalismo Econômico, Político e Esportivo. Essas são as
aulas que temos juntos.
— Você faz isso de propósito.
— O quê?
Coloco as minhas anotações em cima das minhas coxas e
ligo o computador.
— Me perseguir durante as aulas do curso.
Ele apoia a mão no queixo e dá um apertão de brincadeira no
meu joelho.
— Não tenho culpa se fazemos o mesmo curso. Grades
idênticas, huh?
Solto um sopro de ar, já começando a ficar irritada. E ainda
são oito horas da manhã.
— Jogadores de futebol americano não precisam estudar. Já
estão com o futuro garantido.
Reed aperta os lábios em uma linha reta e lança um rápido
olhar para o restante dos alunos. Como aconteceu antes, estão
todos nos encarando. Definitivamente, tem alguma coisa
acontecendo e não cheira nada bem.
— Não gosto de contar com a sorte — Reed murmura,
voltando a me observar.
Os cabelos escuros estão penteados para trás, um
pouquinho molhados na raiz, e o suéter de mangas longas adere
aos seus músculos definidos. O tom azul escuro combina com a
pele branca ainda bronzeada do verão. Nunca vou admitir isso em
voz alta, mas Reed Rollins — infelizmente — é muito bonito. Tão
bonito que tenho vontade de chutar a sua cara, só para deixá-lo um
pouquinho mais feio.
Ele tem aquele tipo de beleza que chama a atenção e o fato
dele estar consciente disso, através da sua autoconfiança, torna
tudo ainda pior.
— E outra coisa... — Inclina o rosto para mais perto do meu.
O perfume de cravos com sândalo pinica a ponta do meu nariz. —
Não posso perder a oportunidade de ficar perto da minha namorada.
Estreito os olhos e estico o pescoço, fingindo procurar por
alguém no auditório.
— Não estou vendo-a. Acho que ela decidiu faltar.
Reed abre um meio-sorriso.
— Ela está bem aqui. Na minha frente.
— Eu não vou cair nessa, Reed.
— Não tem nenhum buraco aqui, Annie.
Franzo os lábios em desgosto.
— Você sabe do que estou falando. Não se faça de
engraçadinho.
Reed deixa a cabeça pender para o lado em um gesto
sarcástico. O braço se acomoda no encosto da minha cadeira, a
ponta dos seus dedos encostando na pele do meu braço. A jaqueta
que estou usando torna o toque meio que imperceptível.
— Você leva as coisas a sério demais. Posso resolver o seu
estresse, se quiser.
A malícia escorre como veneno. Fecho as mãos em punho e
engulo a espessa saliva. Isso só deve ser vingança pelo o que
aconteceu na pista de dança.
— Só se for comprando uma caixa de pizza de pepperoni.
— É isso que você quer?
Viro o corpo na cadeira, ficando de frente para ele.
Lentamente, curvo a coluna. Nessa posição, consigo identificar as
minúsculas pintinhas douradas salpicadas em suas íris castanhas.
— Quero que me deixe em paz, Reed.
Ele faz menção de responder, mas é interrompido pela voz do
senhor Dawson, o professor de Jornalismo Econômico. O projetor
começa, então, a transmitir a cena de um documentário e, durante
as próximas três horas, Reed se mantém em silêncio ao meu lado.
Vez ou outra ele muda de posição, mas o braço que estava atrás da
minha cadeira já é coisa do passado.
Ao fim da aula, depois que as luzes são acesas, não deixo de
notar que os olhares ainda permanecem sobre nós, mesmo com
Reed indo embora sem se despedir. Minha língua coça para
perguntar qual o problema das pessoas, mas fico quieta no meu
canto.
Tem alguma coisa acontecendo aqui e eu vou descobrir o que
é.
Na hora do almoço, Claire e eu estamos sentadas em uma
das mesas do refeitório. O treino dos Rebels of Horizon foi
adiantado, então essa é uma das poucas vezes que estamos
sozinhas. Sem nenhum sinal de Dave, Reed e dos seus amigos.
Sugo o suco de uva pelo canudinho e perlustro o ambiente.
Ainda há pessoas sussurrando e passando por nossa mesa com
olhares curiosos. Claire está inquieta ao meu lado, achando as
coisas estranhas demais.
O problema da USVL é que ela não é uma universidade
muito grande. O número de cursos e estudantes é relativamente
pequeno. E todo mundo, sem exceção, conhece o time de futebol
americano. Quando Claire e Dave começaram a namorar, ninguém
parou de falar disso por semanas. Era até mesmo desconfortável. O
mesmo para quando Reed e Angel se envolveram durante o verão.
Entretanto, dessa vez, não consigo pensar em nada que
pudesse chamar a atenção das pessoas.
— Você está com alguma doença, só pode ser — ela
murmura ao levantar os olhos do croqui que está desenhando. É um
com vestido de mangas bufantes. — Quando você me disse que
todos estavam te encarando, não achei que fosse sério.
Me encolho na cadeira de metal. Nunca quis tanto ser uma
tartaruga.
— Eu te falei que era bizarro. Você tem certeza que não
aconteceu nada na festa?
Claire bufa e cruza os braços sobre a mesa. As pulseiras ao
redor do pulso tintilam e não deixo de notar que elas combinam com
o cinto do seu vestido: são no formato de cerejas.
— Você fez algo de que não estou sabendo?
— É claro que não.
Minha melhor amiga pega uma batatinha frita e mergulha no
molho, mordendo-a logo em seguida.
— Então.... — Engole a batatinha e dá um gole no suco verde
esquisito, voltando os olhos para o bloco de desenhos. — Teremos
que descobrir o que aconteceu. Dave talvez saiba de algo.
Essa é a droga de morar em uma cidade universitária: a
única coisa que as pessoas fazem, além de irem em festas e
assistirem aos jogos, é fuxicar a vida alheia.
— Hey, Anne.
Claire e eu nos viramos na cadeira ao ouvir a voz de Sidney.
Ela está de pé diante da nossa mesa, acompanhada do seu
namorado. Diferente de Claire e Dave que exalam aquele tipo de
relacionamento dos sonhos, Moose parece sugar toda a energia de
Sidney.
— Hey! — Empurro minha cadeira de metal para o lado,
dando espaço para ela e o namorado se sentarem junto com a
gente.
Sidney e eu nos conhecemos há pouco tempo. Ela divulgou
que tinha um quarto vago no seu apartamento e que queria dividir o
aluguel. Não perdi a oportunidade e mandei uma mensagem para
ela, dizendo que estava interessada. Uma semana depois, nós
estávamos morando juntas.
Não somos muito próximas em questão de amizade, porque
ela está sempre acompanhada do Moose ou trancada no quarto,
estudando, mas nos damos relativamente bem. O bom de morar
com Sidney é que ela é uma pessoa tranquila. Nunca tive que me
preocupar com festas inesperadas ou barulho alto.
Acho que a pessoa mais chata dessa relação de colegas de
apartamento sou eu.
— Como vocês estão?
Moose fica de pé, atrás de Sidney, enquanto ela se acomoda
na cadeira. Cruza os braços sobre a mesa, remexendo nos anéis de
um jeito nervoso. Posso não conhecê-la tão bem, mas é visível que
há algo por trás acontecendo. Aparentemente, hoje todo mundo está
escondendo alguma coisa.
— Estamos ótimos. — Moose concorda com um aceno e
massageia os ombros da namorada. — E vocês?
— Tirando o fato de que todo mundo está me encarando
como se eu estivesse com alguma doença contagiosa... O resto vai
muito bem.
Sidney pisca as pálpebras algumas vezes e Moose franze a
testa. A reação dos dois é curiosa até demais. O que está
acontecendo aqui?
— Bom... Acho que você já deveria saber que isso iria
acontecer — Moose comenta e me lança um olhar esquisito.
Consigo notar uma pequena gotinha de deboche por trás de suas
palavras.
— Como assim? — Claire questiona, soando tão confusa
quanto eu.
Sidney dá um sorrisinho de lado e empurra o óculos para
cima do nariz.
— O campus todo já sabe, Anne. Não precisa mais mentir pra
gente, embora eu tenha ficado bem surpresa com a notícia.
Claire se remexe ao meu lado, já ficando impaciente.
Compartilho do mesmo sentimento. Todo esse papo de mentiras e
surpresas já está me tirando do sério.
— Do que vocês estão falando? Porque, juro por Deus, estou
prestes a fazer alguma coisa muito ruim se ninguém me contar que
merda está acontecendo.
Moose escora a mão no encosto da cadeira e coça o queixo.
Sua pose despretensiosa é irritante.
— Todo mundo está falando e olhando para você não por
causa de uma doença imaginária. — Ele soa calmo até demais. —
Mas por causa do seu namoro com o Reed Rollins.
Sinto todo o ar do meu corpo ser drenado e um chute fictício
acertar o meu estômago. A sensação de querer expurgar tudo
dentro mim é tão real que me vejo gritando para todo o refeitório
ouvir:
— O quê?!
 
“Acho que nós somos dois fodidos e está tudo bem”
We Belong | Dove Cameron
 

 
Estou vendo vermelho.
Cada passo que dou em direção ao vestiário dos Rebels of
Horizon faz o meu coração acelerar uma batida. O sangue pulsa
com força nos ouvidos e minhas unhas afundam na carne da palma
da mão. Silencio os sons ao meu redor, consciente de que deixei
Claire, Moose e Sidney falando sozinhos no refeitório.
A única pessoa que quero ver na minha frente é a que mais
odeio nesse momento.
Atravesso por vários corredores, recebendo olhares
reprovadores. Faço a curva e empurro a porta do vestiário em um
único movimento. A tranca de ferro bate na parede e vários pares de
olhos repousam sobre mim.
O cheiro pungente de suor é insuportável. Há garotos nus
para onde quer que eu olhe e o espaço, por mais que seja grande,
não parece ser capaz de ocupar tantos jogadores. É uma lata de
sardinha com várias bundas e abdomens sarados.
Dave é o primeiro a me notar. Por sorte, ele ainda está
vestido com o uniforme do time. Gotículas de suor escorrem pelo
rosto e se infiltram no tecido da camiseta.
— Anne? O que você está fazendo aqui?
Empino o queixo para cima.
— Preciso falar com o Reed.
Ele vacila, ponderando se deve me dar uma resposta ou não.
Vejo, pelo canto do olho, Chad Eaton me medir da cabeça aos pés.
Ele só está usando cueca. Ainda não acredito que transamos.
— Ele está nos chuveiros — Keeran, um dos amigos de
Reed, se intromete. — Você pode ir até lá.
Ao dar o primeiro passo, o braço de Dave se estende na
minha frente, impedindo a passagem. Minhas células imploram para
que eu dê uma resposta irritada a ele, porque a cada segundo que
fico parada, mais ódio sinto. Contudo, sei que ele não merece a
minha hostilidade. Dave é legal demais para isso.
— Você não deveria estar aqui. O treinador não vai gostar.
— É urgente, Dave. E eu tenho certeza que você vai
conseguir dar um jeito para que o treinador não descubra sobre
mim.
Dave solta uma longa lufada de ar e abaixa o braço. Antes
que eu possa apertar o passo e seguir em frente, ele diz:
— Não faça eu me arrepender disso, Anne.
Faço um sinal de joinha com a mão e desvio dos armários,
seguindo para os chuveiros. O local está todo embaçado e com
cheiro de sabonete. Dá para ouvir a água caindo junto do som de
conversas que vem do outro lado, abafando os meus passos
conforme analiso cabine por cabine, procurando por Reed.
Ao encontrá-lo na última, ajo no impulso por estarmos
sozinhos. Não penso nas consequências e muito menos no que
pode acontecer se o treinador me ver aqui. Estou puta. Fervendo
em fúria.
Levanto o pé e dou um chute na porta da cabine.
Imediatamente, Reed vira o corpo e xinga um palavrão.
— Puta merda! O que você está fazendo aqui?
Cruzo os braços.
— Querendo dar um chute na sua cara. É isso o que estou
fazendo aqui, Reed.
Ele desliga o chuveiro e passa as mãos pelo cabelo molhado,
gotículas de água pingando em seus cílios. A porta da cabine cobre
do seu quadril até a altura dos tornozelos, mas isso não me impede
de olhar para o seu peitoral. Há músculos definidos até demais,
embora eu devesse esperar por isso.
— O que eu fiz dessa vez para você me odiar além do
normal? — pergunta com irritação.
— Sério que você vai fingir que não sabe?
Ele bufa e pega a toalha pendurada em um ganchinho. Ele
não se seca. Somente a enrola no quadril e abre a porta da cabine.
De forma instintiva, meus pés se movem para trás.
— A única coisa que eu sei é que você, aparentemente, errou
o caminho para o vestiário feminino, joaninha. Porque a única coisa
que você vai encontrar aqui são bundas suadas.
Reed agora está de frente para mim, não usando nada além
de uma toalha branca. A água escorre por seus gominhos definidos,
seguindo um caminho perigoso para o centro de suas pernas.
Aperto os lábios, desviando o olhar antes que ele me pegue no
flagra.
— Não errei o caminho — sibilo. — Estou procurando por
você.
— E a minha bunda? — Sorri.
— Se for para dar umas palmadas, pode ter certeza que sim,
Rollins.
Minhas palavras fazem a tensão entre nós triplicar de
tamanho. Reed avança um passo, me encurralando contra a parede
de azulejos. A minha respiração fica mais densa. De repente, me
esqueço que esse lugar fede a suor e cueca velha.
— Você sabe que eu não vou me opor a isso.
Ergo as sobrancelhas.
— Você está flertando comigo?
Reed inclina a cabeça para o lado.
— Não sei. Você está?
— Só em seus sonhos — resmungo e tento empurrá-lo para
longe de mim, mas ele não se mexe. — A gente precisa conversar.
— Sou todo ouvidos.
Ergo o queixo para cima e encaro seus olhos castanhos.
Acho que Reed tem o olhar mais expressivo que já vi. São a porta
de entrada da sua alma. Ele não tem medo que as pessoas saibam
o que ele está pensando.
— Você precisa consertar essa merda em que nos enfiamos.
Eu te avisei que nos traria problemas.
O cenho dele se franze em confusão.
— Do que você está falando?
Inflo as bochechas de ar, a impaciência subindo de nível mais
uma vez. Todo esse fingimento está me dando vontade de vomitar
em seus pés descalços.
— Não banque o inocente para cima de mim, Reed. Você
sabe muito bem do que estou falando.
Ele revira os olhos e pousa as duas mãos ao redor da minha
cabeça, me mantendo presa ao redor do seu corpo. Se ele se
aproximar um centímetro a mais, não haverá nenhum espaço entre
nós. Todas as minhas partes estarão pressionadas contra as suas
em um sanduíche cheio de hormônios.
— Eu sou muito paciente quando o assunto é você, Annie,
mas estou começando a duvidar do quanto mais desse joguinho eu
aguento.
Estreito os olhos em uma fenda e empino o queixo. Meu nariz
toca o seu maxilar, os pontinhos de barba causando cócegas.
— O campus todo acha que nós estamos namorando. E você
sabe muito bem o motivo.
Reed paralisa.
Arrisco dizer que até a sua respiração se torna mais lenta. As
íris descem para a minha boca, como se ele não acreditasse no que
eu acabei de dizer. As mãos, que estavam escoradas ao lado da
minha cabeça, deslizam pela parede até pararem na altura do meus
ombros.
— O quê?
— Drake deve ter contado para alguém. Esse alguém contou
para mais alguém e... — Levo as mãos aos cabelos, afundando as
unhas no couro cabeludo. — Está todo mundo falando sobre eu ser
a sua namorada. Quando cheguei hoje de manhã, um monte de
gente ficou me olhando de cara feia. E isso tudo é culpa sua!
— Minha culpa? — Solta um muxoxo. — Sem essa. Nós dois
fingimos. Se é pra culpar alguém, culpe a você também.
— Eu jamais fingiria um namoro com você, Reed.
— Então, deveria ter dito ao Drake que eu não era o seu
namorado. Simples, huh?
Nossa, que vontade de socar a cara dele.
— E é exatamente isso que vou fazer. Vou dizer que tudo não
passou de uma mentira — murmuro e o empurro mais uma vez.
Dessa vez, Reed dá um passo para trás. — E amanhã, quando eu
botar os meus pés aqui de novo, ninguém vai falar mais nada sobre
nós dois.
Reed coça a ponta do nariz e gesticula para o meu corpo.
— Esse é o seu plano? Falar para o Drake que não somos
namorados e esperar, milagrosamente, que ele acredite?
Uma pontada atinge o lado esquerdo do meu cérebro, a
consciência da situação se tornando mais clara. Minha estratégia
para calar as fofocas é inútil, porque não vai trazer efeito nenhum.
— Fala você, então. — Empurro a responsabilidade para os
seus ombros. — As pessoas vão acreditar no que você disser. Todo
mundo te conhece.
— Não é assim que funciona.
Vejo uma centelha de preocupação cintilar no seu olhar. Ela
some tão rápido quanto surgiu.
— E como é que funciona, então? Eu subo em um pedestal,
visto a sua camiseta do time e me vanglorio por ser a sua
namorada?
Reed abre a boca para responder, mas noto que a atmosfera
do vestiário mudou. O burburinho de conversas ao longe não existe
mais e os chuveiros foram desligados. Nós estamos sozinhos aqui
ou...
— Rollins, posso saber o que a sua namorada está fazendo
no meu vestiário?
A voz do treinador Turner chega até os meus ouvidos como
uma lâmina afiada. Reed me lança um olhar duro, implorando para
que eu me comporte.
— Ela já estava de saída, treinador.
— Ela nem deveria estar aqui, para começo de conversa.
— Era um assunto urgente — me justifico.
O treinador me fulmina do jeito mais frio que já vi. Os pelos
do meu braço se arrepiam e noto, tarde demais, que eu disse a
coisa errada. Pela primeira vez, estou com vontade de sair correndo
e puxar Reed comigo.
— Você pode resolver os seus assuntos urgentes fora do
horário de treinamento dos meus jogadores. — Gesticula para a
saída. — Fora.
Meneio a cabeça em um gesto de concordância e giro sobre
os calcanhares. Ao passar pelo treinador, ele me analisa da cabeça
aos pés, parando por mais tempo em meu rosto. Uma fagulha de
reconhecimento surge em seu semblante enfurecido.
— Você é a irmã do Alex Scott?
— Sim.
Um sorriso minúsculo surge em sua boca.
— Um grande jogador. Diga a ele que mandei lembranças. —
O bom humor desaparece tão rápido quanto surgiu. — Agora, suma
daqui, Scott. Da próxima vez, não espere que eu seja
condescendente.
— É claro.
Saio do vestiário praticamente correndo. Por sorte, o local se
encontra vazio, o que me deixa um pouco mais aliviada. Seria
péssimo se o time tivesse presenciado a nossa conversa. Não tenho
dúvidas de que as pessoas inverteriam os fatos e fariam parecer,
ainda mais, que Reed e eu estamos envolvidos.
Determinada a colocar um fim nesse boato, sigo em direção
ao prédio da rádio universitária. Dessa vez, meus pés se movem
com uma rapidez impressionante, cada passo servindo como
incentivo.
Drake Collins vai consertar essa bagunça, nem que eu tenha
que suborná-lo com o gabarito de uma prova e notas de dinheiro.
 
“Foda-se você e todas as suas expectativas,
eu não quero nem os seus elogios.
Eu reconheço essa sua falsa confiança
e previ todos os argumentos na sua conversa”
All The Stars | Kendrick Lamar (feat. SZA)
 

 
Sabe aquele ditado que diz que toda maré de azar é seguida
por uma grande onda de calmaria?
Maior papo furado. Eles nunca estiveram tão errados. Nas
últimas horas, as coisas têm dado tão errado que começo a
suspeitar que fiz algo muito ruim na vida passada. Talvez eu tenha
roubado o doce de uma criança, quem sabe. Ou puxado o rabo de
um cachorrinho e depois jogado água em um gato de rua.
A única coisa que sei é que as probabilidades não estão ao
meu favor.
E como se as coisas não pudessem ficar ainda mais
complicadas, meu celular vibra em uma notificação. Desbloqueio a
tela e quase jogo o telefone para fora da janela ao ler a mensagem.
Angel: Você salvou a minha vida! Ninguém fala de outra
coisa além do seu namoro com a Anne. Obrigada <3
Porra.
Se isso aqui fosse uma bola de neve descendo de um
penhasco, eu já estaria morto.
Bufo com raiva e largo o celular em cima da mesinha de
centro da sala. Keeran, que está sentado na poltrona do canto
jogando uma partida de Fallout 4 no Xbox, me encara com
curiosidade.
— Algum problema?
Rio sem nenhum traço de humor.
— Um não, vários. — Estico as pernas no sofá e uso uma
almofada para apoiar o pescoço. — Estou atolado na merda.
— Você quer conversar sobre isso?
Ele pausa o jogo e vira o corpo na poltrona, focando sua
atenção em mim. Depois que o treino e a aula acabaram, voltamos
para casa em silêncio. Ninguém ainda criou coragem para perguntar
sobre o meu namoro com Anne Scott. Mason só largou a mochila
em um canto e subiu para o quarto, me dando espaço para pensar.
Keeran, no entanto, está comigo na sala desde que chegamos.
Acho que ele está esperando que eu toque no assunto.
— Não estou namorando a Anne.
Keeran revira os olhos e se acomoda melhor na poltrona.
— Nunca achei que estivesse.
— Sabe por que as pessoas estão achando isso? — Ele
nega. — Lembra do cara na festa, enchendo o saco dela? Fui lá
espantá-lo. Não sei o que deu em mim e falei que Anne e eu éramos
namorados.
— Grande tática, campeão. — Assovia em deboche e mostro
a ele o dedo do meio.
— Na hora, me pareceu uma boa ideia. E, de fato, deu certo.
Drake saiu com o rabo no meio das pernas. O problema é que ele
abriu a boca para alguém. O resto da história você já sabe. Ninguém
fala de outra coisa agora.
Keeran acomoda os braços através da cabeça e apoia os pés
em cima da mesinha de centro. Queria estar tão relaxado quanto
ele. Os meus músculos estão contraídos, doloridos por causa do
treino e cheios de tensão pelos acontecimentos do dia.
— Ainda não entendi qual é o problema. É só você dizer que
vocês não estão namorando e a fofoca acaba por aí.
A fala de Keeran é tão inocente que começo a me dar conta
que ele, realmente, não sabe de nada sobre o que aconteceu entre
mim e Angel. Porque, se soubesse, não estaria dizendo nada disso.
— Não vai dar certo.
— E por que não?
— Angel.
Keeran grunhe e me cutuca com a ponta do pé.
— Vocês estão juntos, então?
Abro os olhos e o fulmino com o olhar.
— Você está querendo ganhar um soco no nariz e não está
sabendo pedir, Flanagan.
Ele dá risada e se levanta da poltrona. Pega as latinhas de
refrigerante esquecidas em cima da mesinha e desliga o Xbox,
deixando a televisão em um canal aberto. Segue para a cozinha e
retorna com uma maçã na boca. Assim como eu, Keeran não está
usando nada além de uma calça de moletom folgada e meias.
— Se você me contar a história direito, talvez eu possa te dar
algum conselho. Até agora só sei que você, aparentemente, é um
namorado bígamo.
Preciso apertar os lábios com força para não dar risada.
— Angel e eu não estamos juntos desde o verão. Foi uma
coisa passageira e que durou o tempo que deveria — explico a
situação. — Só que você sabe como as coisas funcionam aqui em
Maple Hills. As pessoas não pararam de falar ao longo dessas
semanas que eu a estava traindo ou não querendo assumir o
namoro.
O maxilar do meu amigo se tensiona enquanto ele pensa
sobre o assunto. Sei que não facilitei as coisas para o lado da
Angel. Quando nos envolvemos naquela noite, ela deveria saber
que haveria riscos. Moramos em uma cidade pequena com
estudantes que não conseguem cuidar da própria vida.
— E por que você não disse que era mentira?
— Eu disse para você, Keeran. Para todo mundo. Ninguém
acreditou.
A compreensão imediatamente cruza o seu olhar. A maçã,
que estava sendo levada à boca, se paralisa no meio do percurso.
As sobrancelhas se franzem e um vinco surge no centro de sua
testa. Um xingamento é proferido baixinho.
— Cacete. 
Agora Keeran sabe que não importa o que Anne e eu
digamos para nossos amigos e conhecidos. Ninguém vai acreditar.
Eles preferem defender com unhas e dentes a sua própria versão
dos fatos: Anne Scott e Reed Rollins estão namorando. É isso.
Merda até o pescoço.
— E sabe qual é a pior parte?
Ele se arrepia, o rosto ficando branco feito um fantasma.
— Ainda pode ficar pior?
Conto a ele sobre a minha conversa com Angel na festa e o
pedido dela para que eu desse um jeito nas coisas começando a
namorar com alguém. A ideia me pareceu tão sem lógica que não
me dei conta que havia feito, horas atrás, exatamente o que ela
tinha me pedido.
Só que de um jeito mentiroso.
Mostro também a mensagem que recebi minutos atrás.
Depois de lê-la, ele faz uma careta e me olha de um jeito bondoso.
— Você está fodido, Reed.
— Fodido é eufemismo.
A ponta do seu nariz se enruga, uma coisa que ele sempre
faz quando está pensando. Dá mais uma mordida na maçã e, por
fim, murmura de boca cheia, alguns farelos caindo no chão:
— E o que você vai fazer?
— Não faço a mínima ideia.

No dia seguinte, vou para a USVL torcendo para que tudo


não tenha passado de um delírio coletivo.
Meu pedido não é atendido.
Assim que meus pés tocam o gramado do campus, a certeza
me abraça de um jeito nada confortável. Os olhares curiosos de
ontem e os cochichos começam a fazer sentido. Eu deveria ter
desconfiado.
— Reed!
Fecho os olhos com força ao ouvir a voz de Angel atrás de
mim. Seguro as alças da mochila e me viro, encontrando-a diante de
mim. Nesta manhã nublada de setembro, ela está usando um
vestido de mangas longas e meia calça preta. O cabelo preso em
um rabo de cavalo deixa seu rosto mais jovem.
— Oi.
Ela dá um beijo estalado na minha bochecha.
— Não acredito que você está namorando! Você poderia ter
me contado, sabia? Eu não teria te pedido aquilo na sexta se
soubesse da verdade.
Não existe verdade nenhuma aqui.
— Queria fazer uma surpresa.
Ela abre um sorriso e engancha o braço ao redor do meu.
Diferente de mim, que cursa Jornalismo, Angel é estudante de
Música. Ela tem uma banda com outras quatro garotas e,
eventualmente, elas tocam no pub do meu irmão.
— E que surpresa, hein? — Atravessamos o gramado e nos
sentamos em um dos bancos de madeira. Diferente das outras
vezes, a postura de Angel é de pura descontração. Ela não está
preocupada com o que vão pensar de nos vermos juntos
conversando. — Quando foi que isso aconteceu?
Passo a língua pelos dentes, pensando. Dizer para ela que
meu namoro é uma mentira inventada por alguém não está entre as
opções. A minha única escolha é justamente a que vai deixar as
coisas ainda piores.
Porra, Reed.
— Há algumas semanas. Anne queria manter as coisas só
entre nós — minto, desejando que meu tom de voz não me
entregue. — Nem os nossos amigos sabiam. Está sendo uma
surpresa para todo mundo, na real.
— E você está feliz?
Diante da sua pergunta, preciso fazer um esforço maior que o
aceitável para abrir um sorriso que a convença
— Nunca estive tão feliz, Angel.
Ela dá um gritinho animado e me puxa para um abraço
desengonçado por causa da posição em que estamos sentados.
Não quero magoá-la trazendo o assunto anterior à tona. Sei que os
cochichos ao seu respeito insinuando que eu a estava traindo não
foram tão fáceis de ignorar.
— Obrigada, de verdade, Reed. — Segura meu rosto entre
as suas mãos, os olhos fixos nos meus. — Você é o melhor amigo
do mundo.
— E você merece todas as coisas boas. Desculpe por tudo.
— Não há pelo o que se desculpar. Agora as coisas vão
voltar a ser como antes. Isso é o que importa.
Aceno em concordância, querendo muito me esconder dentro
de um buraco para que essa conversa acabe de uma vez. No
entanto, meu desejo é interpretado de outra forma. Ao longe, vejo
Anne caminhar pelo gramado do campus como se estivesse
pisando na cabeça de várias formigas. Ela anda com raiva, cada
passada expressando seu descontentamento.
Quando nossos olhares se encontram, chego a certeza de
que esse é o meu fim, porque ela muda o percurso e caminha para
onde estou.
— Porra... — resmungo baixinho, já fazendo menção de me
levantar. Angel ergue as sobrancelhas, sem entender. — Acabei de
me lembrar que preciso resolver um assunto urgente. A gente
conversa depois?
Ela mal tem tempo de responder. Arrumo a mochila ao redor
do ombro e começo a caminhar na direção oposta de Anne. Meus
pés se movem com rapidez. Se eu quisesse, poderia sair correndo
sem que ela jamais me alcançasse. Entretanto, diante das
circunstâncias, a última coisa que quero é chamar — ainda mais —
a atenção.
— Reed Rollins! — Anne grita, sua voz a poucos metros de
distância.
Ela não está nem aí para o que vão pensar.
Solto uma longa lufada de ar e paro de caminhar. Por sorte,
estamos em um canto mais afastado com poucos estudantes
circulando. Anne contorna o meu corpo e fica de frente para mim. As
bochechas coradas são um indicativo gritante de que, para ela, não
foi nada fácil me alcançar. Às vezes, esqueço o quanto o meu
preparo físico é diferente em comparação com o das outras
pessoas.
— Bom dia, joaninha — provoco-a, só para ver os olhos se
revirarem.
— Sem essa, zangão.
Quase cuspo uma risada.
— Você me chamou do quê?
— Você ouviu da primeira vez, não me obrigue a repetir.
— Prefiro aderir a outros métodos para conseguir o que eu
quero — falo, encenando um tom inocente que a faz estreitar as
pálpebras. — A que lhe devo estimada presença?
A postura dela murcha. Anne não é de se deixar abater, o
que me faz chegar à conclusão de que ela deve estar tão na merda
quanto eu.
— Drake não vai nos ajudar.
— Não me diga. — Reviro os olhos. — Você esperava
mesmo que ele fosse fazer alguma coisa?
Anne bufa.
— Ele poderia se esforçar. Somos colegas de curso, droga.
— Empurra o cabelo loiro para trás do ombro. — Ele nem me ouviu,
Reed. Disse que eu deveria ficar contente por todo o campus estar
falando de mim agora.
— Você ofereceu suborno?
Um sorriso sapeca surge.
— Ofereci dois subornos. Dinheiro e o gabarito de qualquer
prova que ele quisesse.
Rapidamente, a imagem de Anne encurralando Drake na
rádio universitária surge na minha mente. Na cena criada na minha
cabeça, ela está chacoalhando notas de dinheiro na cara dele e
mantendo-o preso na parede por algum tipo de corda.
Sem querer, acabo deixando escapar uma risada.
— Você está rindo de mim?
Nego com um chacoalhar de cabeça, voltando à realidade. O
rosto de Anne está próximo do meu, a expressão nada serena.
Preciso me segurar para não estender a mão e desfazer as linhas
que se formam na sua testa de tanto franzir as sobrancelhas.
— Não, não estou — digo. — Na verdade, eu estava
pensando em você amarrando o Drake com uma corda.
— Da próxima vez, vou me certificar de que seja você o
amarrado. E usando uma mordaça, de preferência.
— Isso me soa sujo demais, Annie.
Anne dá um sorriso de canto, mas a descontração não dura
muito. Seu semblante se torna duro novamente, o maxilar ficando
rígido. Agora a presença de outros alunos é nula.
— Nós precisamos encontrar um jeito de acabar com isso,
Reed — pede de forma lacônica. — Urgentemente.
— Não sei como fazer isso.
Ela torce os lábios de um lado para o outro, pensando. Tento
fazer o mesmo, mas na minha cabeça, não há nada além do vazio.
É difícil contornar uma situação como essa. Desmentir para o
campus já se provou ineficaz.
— E se você sair com outra garota? — sugere, um brilho de
esperança surgindo. — Várias e várias vezes. Tantas vezes que as
pessoas vão se esquecer de mim.
— Não vai funcionar. Eu já tentei.
— De ontem para hoje você fez isso? — Arregala os olhos.
— Uau. Você é rápido mesmo. Em todos os sentidos, pelo visto.
Puxo Anne pelas alças da mochila, nossos corpos se
colidindo. Ela grunhe com o embate, as mãos pousando em meu
peitoral para não cair. Aproveito o momento de distração e enlaço
sua cintura, não deixando nenhum espaço entre nós. Como
acontece sempre, ela levanta o queixo e me encara de baixo. As íris
tremulam e os lábios se entreabrem.
— Posso ser rápido em muitas coisas, Annie. Principalmente
no gramado. — Uso o polegar para afastar uma mecha da sua
franja para o lado. — Mas nunca sou rápido quando estou entre as
pernas de uma garota.
Vejo sua garganta se mover ao engolir em seco. A língua
umedece a pontinha dos lábios e minha atenção se move para lá.
Encaro o movimento, sem conseguir ignorar o formigamento que me
acomete.
— E embora a sua ideia seja tentadora... — continuo a falar,
a mão ainda pousando em seu pescoço. — Não vai funcionar.
Acredite em mim quando eu digo que já tentei fazer isso antes.
Sem esperar por alguma reação sua, dou um passo para
trás, criando uma distância segura. Ao mesmo tempo, os braços de
Anne caem ao redor do corpo. As feições adquirem um tom perdido,
mas que rapidamente é substituído por sua costumeira careta mal
humorada de quando estamos juntos.
— Você não tentou nada.
— Tentei, sim — afirmo. — Só que não com você.
Ela grunhe.
— Qual sua ideia, então? Dizer para todo mundo que somos
namorados de verdade? Corta essa, Reed.
O silêncio entre nós se estende, o que faz o meu
subconsciente acordar de um sono profundo. Ele está de braços
cruzados e enchendo a minha cabeça de sugestões. Todas são
horríveis. Contudo, uma em especial me chama a atenção. A voz de
Angel também soa baixinha, até meio distante, mas é o que me faz
considerar. 
É uma ideia horrorosa, para ser sincero.
Mas é a única solução que consigo pensar sem que traga
mais prejuízos para a Angel.
Pisco os olhos e Anne continua parada diante de mim. As
maçãs do rosto já não estão mais coradas, mas os lábios pintados
de batom vermelho a deixam com uma aparência tentadora. Deve
ser incrível vê-la usando um vestido da mesma cor.
— Até que não soa tão ruim, joaninha. — Estendo o braço e
pego por sua mão, levando aos lábios e dando um beijo casto. —
Vamos ser namorados.
A resposta de Anne é me dar um safanão.
 
 
“Você sabe o quanto machuca toda vez que você diz que me odeia”
Perfectly Wrong | Shawn Mendes
 

 
Vamos ser namorados.
Ele só pode estar zoando. Nunca, na minha vida, vou
concordar com essa ideia mirabolante. Desfilar pelos corredores da
USVL ostentando o título de ser namorada do Reed Rollins é um
boato que nunca vai ser real.
— Você é sempre assim, brincalhão, ou só faz isso para me
tirar do sério? — Puxo minha mão para longe, escondendo-a dentro
do bolso da jaqueta jeans. — Porque, sinceramente, Reed, essa
situação não tem graça nenhuma.
— Não estou brincando — ele diz, soando sério. — Essa é a
minha ideia. Sermos namorados.
— Eu não gosto de você.
— Eu sei.
— Você é irritante.
— Eu sei disso também.
— Você também não gosta de mim.
— Na maior parte do tempo, não.
— E na outra metade? — indago.
Reed se aproxima novamente, sorrateiro.
Meus pés se movem para trás, mas ele é rápido o bastante
para me alcançar. O braço contorna a minha cintura, me enlaçando
como um cobra em ataque. Cravo as unhas ao redor dos seus
ombros, não gostando nem um pouco de senti-lo tão perto de mim.
É desconcertante.
— Na outra metade, eu penso em te dar umas boas
palmadas por mau comportamento.
Reprimo um gemido angustiado.
— Para o seu grande azar, eu penso em te dar um soco
durante todas as vinte quatro horas do meu dia.
— Quem diria que você poderia ser tão violenta.
— Sou muito pior do que você imagina.
O rosto de Reed se contrai naquilo que poderia ser um
sorriso de covinhas. Os olhos procuram os meus e, quando os
encontra, procuro entender o que há por trás dessa confusão em
que nos metemos. Ele não sugeriria a ideia do namoro se não
houvesse algo em jogo. Exceto a terrível probabilidade disso não
passar de uma brincadeira de mau gosto feita só para me irritar.
— O que você ganha com isso?
A pergunta faz o músculo do braço ao redor da minha cintura
se contrair. É sutil, mas consigo perceber. Reed permanece quieto,
hesitando dar uma resposta, o que faz a minha teoria se tornar
ainda mais verdadeira. Tem alguma coisa acontecendo.
— Estou devendo um favor a uma amiga.
Rio pelo nariz.
— O seu favor é namorar comigo?
— Não. Mas vai ser de grande ajuda.
Encaro o queixo de Reed, pensando que tipo de merda ele
fez para estar devendo um favor desse tipo. Ainda mais um namoro
comigo. Eu sou a última pessoa que ele escolheria. Porra, ele me
odeia. E eu o odeio muito mais.
— Não é problema meu. — Me solto do seu aperto e arrumo
a mochila ao redor do ombro. — Ache outra pessoa para lidar com
seus problemas. Eu estou caindo fora.
Ele resfolega.
— O que você precisa?
— O quê?
— Do que você precisa para aceitar ser minha namorada?
Solto um sopro pelo nariz que não é nada elegante.
— Você está querendo me subornar?
Ele levanta as mãos.
— Você fez isso com o Drake. Não pode me julgar por tentar
fazer o mesmo.
— Argh, você é um canalha.
Reed dá risada e cruza os braços na altura do peito,
acentuando os músculos. Odeio que ele seja atleta, porque isso o
faz deixar os outros garotos da USVL comendo poeira. Nunca fui
muito fã dos magrelos.
E Reed Rollins é uma parede de músculos tonificados.
Parece um pacote de presente, esperando para ser rasgado e
lambido.
Credo.
— O que você precisa, Annie? — Repete a pergunta pela
terceira vez, obrigando meus olhos a subirem e se fixarem aos seus.
— A vaga de emprego no PK Journal? Eu consigo para você.
Fico ofendida no mesmo instante que suas palavras chegam
até os meus ouvidos. Reed nota a expressão em meu rosto e a
boca se curva para baixo.
— Annie...
— É desanimador que você ache que eu não consiga a vaga
de estágio sem ser por mérito próprio — sibilo com irritação. — Não
preciso de nada vindo de você, Reed. Você que se dane com os
seus problemas e esse namoro.
Não penso duas vezes ao me virar e caminhar em direção ao
prédio de Jornalismo, deixando-o sozinho. Escuto Reed chamar por
mim, a voz alcançando grandes oitavas, mas não volto atrás.
Ele que se foda. 

— Você poderia ter me contado, sabia? Eu não teria ficado


chateada.
Claire nem me cumprimenta. Só empurra na minha direção
um copo de café e se senta ao meu lado de forma abrupta.
Agradeço com um meio-sorriso.
— Contar o quê? — Levo o copo aos lábios e bebo um gole.
— Reed e você.
Para a sorte dela, engoli o café. Se não, teria cuspido tudo
em sua roupa imaculada. Hoje, Claire está vestida de branco.
Casaco branco, camiseta de bolinhas e calça também branca. Os
sapatos tem o solado da mesma cor. O único ponto colorido são os
brincos que imitam rosas.
— Não há nada o que contar.
Claire faz um barulhinho com a boca, discordando.
— Ainda não sei como tudo aconteceu. 
Limpo os lábios com o dorso da mão e deixo o copo em cima
da mesa. Não quero arriscar derrubá-lo.
— Reed bancou o macho protetor fingindo ser o meu
namorado na festa de sexta. Drake, então, espalhou para a
faculdade toda que estamos juntos. Ainda não encontrei um jeito de
desfazer essa salada mista. — Sopro o ar. — Tentei subornar o
Drake ontem ou, pelo menos, convencer ele que tudo era mentira.
Não deu certo. Parece que tudo está conspirando para dar errado.
— Você sabe que Maple Hills é um ovo. Desmentir um
namoro não é assim tão fácil. Vocês precisam de algo mais...
convincente.
— Sair com outras pessoas?
— Agora? — Claire sacode a cabeça e tira, de dentro da
bolsa, uma pasta grossa com os seus inseparáveis desenhos. —
Não daria certo. Só faria os boatos irem para uma direção pior.
— E qual seria?
Claire bebe um gole do seu café.
— Que vocês têm um relacionamento aberto.
Faço uma careta.
— Basicamente, não há nada que a gente possa fazer —
concluo. — Sempre vão dar um jeito de inverter.
Claire levanta o seu copo de café na altura dos olhos.
— Bem-vinda a Maple Hills! — Ela dá risada, os dentes
perfeitamente alinhados ficando evidentes. Claire não tem nenhum
defeito. Até mesmo o ossinho do nariz é algo que a deixa ainda
mais charmosa. — Onde as fofocas são o combustível para manter
essa cidade funcionando.
Rio, me divertindo com a sua mania de fazer piadas diante de
acontecimentos ruins. Para o meu azar, o namoro com Reed não é
somente uma pedra no sapato. É uma kriptonita capaz de derrubar
não somente o Super-Homem, mas toda a minha vontade de sair da
cama.
— Tem mais uma coisa que você precisa saber.
O copo, que estava em sua boca, é abaixado em câmera
lenta.
— O quê?
Respiro fundo, criando coragem para colocar as palavras
para fora.
— Reed está devendo um favor para alguém. — Contorço
minhas mãos, sentindo as palmas ficarem suadas. — Não sei que
favor é, mas... ele disse que, se namorarmos de verdade, pode
ajudar.
Claire fica em silêncio, os grandes olhos estáticos encarando
os meus por tanto tempo que parece que o mundo inteiro congelou.
Eu ainda escuto o burburinho de conversas ao nosso redor, o vai e
vem de clientes se movimentando e o som da cafeteira moendo o
café.
— Okay. — O timbre de sua voz sai um pouco esganiçado.
— Por isso eu não esperava.
Jogo as mãos para cima da cabeça, deixando-as cair em
cima das minhas pernas logo depois.
— É muita loucura. Nem faz sentido ele me pedir isso.
Minha amiga mordisca o cantinho do lábio inferior e olha ao
redor, sondando as pessoas. A cafeteria em que estamos é uma das
poucas que tem no campus da USVL. É pequena, com paredes de
tijolinhos à vista e cadeiras com estofado laranja. O ar sempre tem
aquele aroma gostoso de chocolate quente e a música que toca
baixinho nos alto-falantes ajuda a manter o clima descontraído.
— Na verdade, pode ajudar muito mais do que vocês
imaginam.
— Não, não tem como.
Claire se remexe na cadeira, arrastando-se de forma que
fiquemos de frente para a outra. Ela segura meus dedos livres com
as duas mãos.
— Vocês ficarem negando pelos corredores não vai ajudar
em nada, Anne. Só vai deixar as coisas ainda mais confusas, dando
margem para que as pessoas só falem disso durante semanas. —
Faz uma mínima pressão contra a minha mão. — Mas, se vocês
estiverem de fato namorando, o boato vai desaparecer tão rápido
quanto surgiu.
Droga.
É duro admitir, mas sei que ela está certa. Reed e eu ainda
não encontramos nenhuma solução para o problema, além dessa
proposta horrível de um namoro. Só de pensar em ter que bancar a
namorada apaixonada... Uma vontade imensa de gritar toma conta
dos meus pulmões.
— Eu não gosto dele, Claire.
As orbes se reviram em divertimento.
— Mas ele gosta de você.
— Você está vendo coisa, isso sim. — Me solto de seu aperto
e encho a boca de café. Só quero evitar essa conversa e ir logo
para casa. Hoje é meu último dia de folga antes de voltar para a
rotina conturbada de estudar e trabalhar. — Talvez você tenha razão
em relação aos boatos, mas quanto ao restante... Sem chance,
Claire. Prefiro ficar mal falada a enfrentar um namoro com o Reed
Rollins.
Claire projeta o lábio inferior para frente e pisca as pálpebras
inocentemente igualzinho ao Gato de Botas.
— Ele não é tão ruim.
Dou uma cotovelada em sua costela.
— Ele é um atleta cheio de si, com nariz empinado e que se
acha o dono do universo porque vai conseguir ser draftado por um
time muito bom. E quando esse dia chegar, ele não vai pensar duas
vezes em fazer as malas e ir embora dessa cidade — resfolego. —
É isso que Reed Rollins é, Claire.
Ela deixa escapar uma risada curta, seguida de um sorriso.
— Entendi. Nada de Reed Rollins para você, então.
Sorrio e aperto a sua bochecha, dando um beijo estalado na
outra.
— Exatamente. Nada de Reed Rollins, nem mesmo como
meu namorado. Só como o melhor amigo do Dave.
— Se é assim que você quer, eu não vou me opor.
— É exatamente assim que deve ser. — Faço um movimento
com a mão, como se estivesse afastando um mosquito, e dou duas
batidinhas sobre a pasta grossa em cima da mesa. — Agora me
conta como vai o seu projeto das roupas sustentáveis. Preciso de
uma distração urgentemente.
Claire abre um sorriso tão feliz que me faz ter a certeza de
que ela tem boas notícias.
— A minha irmã conseguiu marcar uma entrevista online com
aquela empresa gigante da costa leste! — exclama, animada. —
Estou super nervosa, com medo de que eles não aceitem a
proposta. A ideia, no momento, é apresentar o projeto e fazer um
convite formal. É tudo meio incerto ainda, mas já estou feliz que eles
aceitaram me ouvir, pelo menos.
Claire é uma das pessoas mais sonhadoras que conheço. Se
esse projeto se concretizar da maneira que ela está planejando, vai
trazer um grande destaque para o curso de Moda da USVL. Pelo o
que eu soube, os investimentos na área estão um pouco baixos,
limitando um pouco a realização de iniciativas como essa.
— Vai dar tudo certo, você vai ver — garanto.
— Se eles não aceitarem, a gente manda o time inteiro de
futebol americano bater em peso na empresa.
Gargalho alto diante da sua sugestão.
— Será que o Dave toparia fazer um negócio desses?
— Acho que não, mas eu sempre consigo convencê-lo. —
Apruma os ombros daquele jeito que só ela consegue fazer. —
Consigo fazer maravilhas com a minha boca. Recomendo você
tentar um dia desses com o seu namorado. Ele pode se juntar a nós
nessa missão.
Coloco a língua para fora e finjo uma ânsia de vômito.
— Eu prefiro morrer!
Claire revira os olhos dourados e bebe um gole do café, os
lábios ficando manchados no cantinho.
— Um dia eu ainda vou fazer você mudar de ideia. Guarde as
minhas palavras, Anne.
Cruzo os braços e relaxo a coluna contra o assento da
cadeira.
— Vai sonhando, Howard.
 
 
 
 
 
“Eles estão todos posando em uma moldura
enquanto o meu mundo está desabando”
To Die For | Sam Smith
 

 
Cada parte do meu corpo está formigando enquanto o
treinador Turner apita e gesticula para os jogadores que correm pelo
campo. Minhas chuteiras afundam no gramado enquanto a minha
cabeça lateja em exaustão. Estamos há tanto tempo seguindo os
comandos e as correções que não consigo mais me lembrar nem
mesmo do que comi no café da manhã.
— Ele quer nos matar, só pode. — Dave ofega ao meu lado,
a camiseta molhada de suor. — Não me lembro da última vez em
que senti meu pulmão doer tanto.
— Deve ter sido quando você nasceu.
Ele me mostra o dedo do meio.
— Hoje você está muito engraçadinho, Rollins.
— Não há outra forma de aguentar esse treino sem ser
fazendo piada.
Dave revira os olhos e continuamos a correr ao redor do
gramado, nos esforçando para terminar a última sequência de
exercícios. O treinador Turner deve ter tido um péssimo começo de
manhã, porque está descontando em nós a sua raiva. Até Mason
levou um esporro quando errou o passe.
Não está sendo um dia fácil para ninguém.
— E quando você pretendia me falar sobre esse seu lance
com a Anne?
E lá vamos nós de novo.
— Não enquanto estamos no meio de um treino, pode
acreditar.
Dave dá um empurrão de brincadeira no meu ombro, quase
me derrubando no chão.
— Depois que acabarmos aqui, então. No Cheers Bar?
— Pode ser.
Quando o último apito é assoprado, suspiros de alívio
escapam de todos os jogadores. Posso até ver, pelo canto do olho,
Murray — nosso cornerback[3] — levantar as mãos para o céu e
murmurar um agradecimento.
Ao entrarmos no vestiário, o cheiro de suor é repugnante. A
maior mentira já inventada é que esses lugares são cheirosos. A
realidade é bem pior. Tem cheiro de chulé, cueca velha esquecida
dentro da máquina de lavar roupa e alguma outra coisa azeda que
nem prefiro saber o que é.
— Ei, Rollins — JP me chama.
Nós não somos muito próximos, mas ele sempre faz ótimas
jogadas, ajudando nas pontuações mais importantes do jogo.
— Fala, cara.
JP usa o ombro para se escorar no armário de alumínio azul
escuro. O cabelo loiro é cortado rente a cabeça e sua presença
exala aquela energia de surfista que errou o caminho para a praia e
acabou indo parar no campo de futebol.
— O que você e a Anne vão fazer na sexta?
Porra.
Mordo a minha língua para não deixar que minha expressão
entregue a verdade.
— Não faço ideia. — Abro a porta do armário, criando uma
barreira para que ele não veja o meu rosto. — Assistir Meninas
Malvadas, talvez?
JP dá risada.
— Minha namorada acabou de abrir um restaurante em
Sunbay. Seria legal se vocês fossem para a inauguração — sugere.
— A festa vai ser com o tema de namorados, então vocês estão
convidados.
Eu nem sabia que ele tinha uma namorada.
— Maneiro — digo da forma mais entusiasmada que
conheço. — Vou passar o recado para ela, mas pode contar com a
gente.
Sério, Reed?
Agora estou atolado na merda até a cabeça.
JP dá dois tapinhas no meu ombro e segue para os
chuveiros, me deixando sozinho. Encosto a testa no armário, não
acreditando que estou deixando as coisas chegarem a esse ponto.
Da próxima vez, não duvido que Anne surja através do ralo da pia e
me puxe para a rede de esgoto, dando um fim à minha existência.
Massageio a ponta do nariz e pego uma toalha, rumando
também em direção aos chuveiros. Depois de uma ducha
revigorante ao som de uma conversa nada agradável entre Chad e
O’Malley, estou caminhando para o estacionamento.
Destravo as portas e jogo o meu corpo no assento do Jeep,
esperando por Dave. Assim que insiro a chave na ignição, o meu
celular começa a vibrar em cima do painel. O nome de minha mãe
brilha na tela.
Atendo com um sorriso.
— Oi, mãe.
— Oi, mocinho — cumprimenta animada. — Como você
está?
— Sobrevivendo. — Rio comigo mesmo. — Acabei de sair do
treino. Hoje foi puxado, mas vai valer a pena depois. E você?
Minha mãe suspira feliz do outro lado da linha.
Quando ela e Ricky se divorciaram, meu coração ficou
dolorido não por ter os meus pais mais juntos. Na escola, eu odiava
a sensação, porque sentia que minha família era infeliz. Levou
alguns anos para eu entender que a separação fez Noreen muito
mais feliz.
— Estou planejando uma viagem para Cancún no final do
ano. O que você acha?
— Acho que vai ser incrível para você. — Encaro o
estacionamento praticamente vazio. Só tem o meu carro
estacionado e os de mais alguns alunos. — Talvez dessa vez você
conheça o grande amor da sua vida e se torne uma mulher
milionária que nunca mais vai precisar colocar os pés em um fórum.
Ela dá risada.
— Você sonha alto, filho.
— Não podemos deixar de pensar nas possibilidades.
Noreen grunhe, algo que costuma fazer sempre que discorda
de algo que eu digo.
— E o seu pai?
Fico tenso no mesmo instante.
— Me encontrei com ele na semana passada. Sabia que ele
vai casar de novo?
— O quê? — exclama. — Quem é a azarada da vez?
Caralho, eu amo a minha mãe.
— Dianna. Devo conhecer ela daqui a algumas semanas.
Ricky quer que eu vá jantar na casa dele.
— Se precisar que eu te busque, me avise, okay? Não há
nada pior do que conhecer a quinta futura esposa do seu pai.
Concordo, embora ela não possa ver.
— Vai ser entediante, como sempre.
Minha mãe e eu, então, entramos em um debate sobre todas
as outras três esposas do meu pai. Josie foi a segunda e eles se
conheceram durante uma viagem que ele fez para Nova York. Se
casaram com somente dois meses de namoro e se divorciaram
menos de um ano depois. Hoje, ela trabalha do outro lado do
mundo.
Gina foi a terceira e uma das mais divertidas. O seu senso de
humor era um pouco peculiar, mas arrancava algumas risadas
minhas durante os jantares. Ela engravidou e eles tiveram gêmeos.
Tive pouco contato, mas eles odeiam futebol americano. Acho que
essa foi a causa do divórcio.
A quarta foi a pior de todas. Susan criou uma teoria de que
meu pai tinha um caso com uma modelo dez anos mais nova e
conseguiu encontrar provas que vieram a público. Conseguiu o
apoio da mídia e quase acabou com a carreira de jogador
aposentado do meu pai. O divórcio se estendeu por anos até que
Susan ficou contente em levar uma boa bolada de dinheiro para
casa.
Acreditei que, depois dessa dor de cabeça infinita, meu pai
teria desistido do casamento. Nunca estive tão enganado. Só
espero que Dianna seja a última. Ninguém aguenta mais esse papo
de amor verdadeiro.
— Espero que Gina esteja bem — minha mãe diz, soando
perdida nas próprias lembranças. — Eu gostava dela.
— Eu também. E os gêmeos eram divertidos.
Noreen e eu conversamos por mais alguns minutos e nos
despedimos com a promessa de que ligarei mais vezes. Diferente
do meu irmão, não tenho sido um filho muito presente nos últimos
dias. Desde que o namoro explodiu como uma bomba ao meu redor,
não tenho pensado em muitas coisas além disso.
Sou despertado dos meus pensamentos quando a porta do
passageiro é aberta e Dave entra em um pulo, jogando a mochila do
treino no chão. Assim como eu, ele está usando a jaqueta do time
com a águia bordada nas costas.
— O treino de hoje foi de derrubar qualquer um — reclama
enquanto coloca o cinto de segurança. — Mal vejo a hora de chegar
em casa e enfiar meus pés dentro de um balde com gelo.
— Estou contando os minutos para isso também. — Insiro a
chave na ignição e saio do estacionamento da USVL. — Você acha
que temos chance de chegar aos playoffs esse ano?
Dave brinca com o brinco pequenino na orelha, ponderando
uma resposta.
— Estou confiante, mas você sabe como são essas coisas.
Não dá pra contar vitória até estar com a bunda roxa de tanto levar
chute no gramado.
Sopro uma risada. Dave e eu somos parceiros de time desde
que entramos na USVL; a única diferença é que ele é bolsista, então
o seu comprometimento com o esporte não tem nenhuma relação
com um pai que já foi a estrela do esporte.
Dave joga futebol americano porque ama de verdade. Faz
parte de quem ele é. É quase como uma extensão dele mesmo. Ser
o quarterback do time reflete no quanto ele leva isso a sério.
— Se a gente chegar nos playoffs, pode ter certeza que não
vai ser só a nossa bunda que vai ficar roxa.
Dave ri pelo nariz e se acomoda melhor no banco, esticando
as pernas compridas. Uma música baixinha toca no rádio e, por
mais que eu tente impedir, sou puxado de volta para os problemas
que estou tentando resolver.
— Reed? — Lanço um rápido olhar para o meu amigo. Ele
me observa com curiosidade, uma das mãos apoiadas na porta. —
Como você vai acabar com os boatos envolvendo você e a Anne?
Porque, hoje na aula de Empreendedorismo, o pessoal só falava
disso.
Ao mencionar o nome de Anne, o rosto dela batuca na minha
cabeça como um pica-pau irritante. A ideia de namorarmos...
Sinceramente, onde eu estava com a cabeça para propor isso a
ela? Era óbvio que seria uma péssima ideia.
E como ela disse, nós dois não gostamos um do outro. Anne
Scott, em especial, não só gosta de mim como me odeia. Não tenho
dúvidas que, se tivesse oportunidade, já teria me jogado na fogueira
da festa dos calouros. Desde aquela noite, quando fiz uma
brincadeira dizendo que a minha língua ia caber perfeitamente
dentro da sua boca, a nossa relação nunca progrediu.
Talvez eu tenha jogado sujo naquela noite.
Um ano e meio atrás, eu a teria beijado. Éramos calouros e a
única coisa que eu pensava era que queria aproveitar ao máximo a
vida de solteiro. Sorte que o tempo passa e os pensamentos
mudam. Mudam tanto que agora Anne Scott é minha namorada de
acordo com as fofocas.
Profiro um muxoxo e afundo levemente o pé no acelerador.
— Eu dei a ideia de namorarmos de mentira. — Jogo a
bomba de uma vez, já não aguentando mais.
Dave arregala os ombros e grunhe um palavrão que
ofenderia até as gerações anteriores da sua família.
— Você está fodido, sabia? Ela nunca vai aceitar.
— A minha sorte é que tenho você ao meu lado para curtir o
fundo do poço comigo.
A resposta de Dave é me mostrar o dedo do meio.
 
“Se você quer ser meu amor, saiba que vou te deixar maluco”
Baby | Madison Beer
 

 
Na quarta de manhã, estou de volta ao meu trabalho no
Brooklyn Blues. A demanda de clientes é alta, me deixando mais
cansada que o normal. A cada vez que forço minhas pernas a
pegarem impulso sobre as rodinhas e rodarem entre as mesas, os
músculos protestam em descontentamento.
É praticamente final da tarde quando as coisas se acalmam.
Becky está em seus minutos de descanso, fumando nos
fundos da lanchonete, enquanto Adele e Jackson conversam
embaixo do toldo em frente a porta de entrada. A relação dos dois
me desperta a curiosidade. Não sei se não inimigos ou qualquer
outra coisa perto de amigos.
Ao pensar nesse assunto, o rosto de Reed me vem à mente.
Os cabelos escuros penteados para trás, o maxilar bem definido e
os olhos expressivos que não deixam os sentimentos serem
mantidos em segredo.
Mordisco o cantinho do lábio inferior, a proposta feita por ele
retumbando na minha cabeça. Vamos ser namorados. É muito doido
pensar que isso poderia funcionar entre nós e, de quebra, ainda
acalmar os boatos entre nós.
Durante o começo dessa semana, tive a esperança de que,
com o passar dos dias, as coisas iriam ser esquecidas. Nunca estive
tão enganada. Duas garotas da irmandade Sigma Nu me pararam
no corredor para me convidar a participar de uma das festas —
desde que Reed também fosse. Houve ainda uma outra menina que
me entregou um convite para participar da sua peça de teatro, com
o meu nome e o do Reed estampados no envelope.
As pessoas estão se esforçando para nos verem juntos em
todos os ambientes possíveis.
Xingo um palavrão, não acreditando que minha vida tomou
essa perspectiva.
O sininho da porta de vidro ressoa e vejo Sidney e Moose
entrarem. Ela está usando um moletom com a logo da USVL,
enquanto ele exibe as tatuagens coloridas do antebraço com
orgulho. Até hoje não sei qual curso ele faz.
— Olá. — Cumprimento-os com um sorriso. — Não sabia que
vocês estavam em Sunbay hoje.
— Temos alguns assuntos importantes para tratar — Sidney
diz, meio acanhada, se sentando em uma das banquetas de frente
para o balcão. — Você tem alguns minutinhos?
Algo dentro do meu estômago se remexe, não gostando nem
um pouco da expressão que ambos exibem. Sidney cruza as mãos,
os dedos tremendo timidamente. Já Moose mantém os olhos fixos
em mim, como uma águia se preparando para o ataque.
Antes mesmo que eles digam alguma coisa, sei que vou ser a
maior afetada da história. Eles não iriam dirigir até Sunbay se não
fosse algo importante.
Respiro fundo e engulo em seco, a garganta arranhando.
— É claro. — Limpo as mãos no tecido do avental. — Vocês
querem beber alguma coisa antes?
— Não será necessário. — Moose dispensa a minha
cordialidade com um aceno de mão e se aproxima da namorada,
pousando a palma sobre o ombro dela. — Vamos ser rápidos.
— Okay. — Tento soar tranquila. — Sobre o que vocês
querem conversar?
O silêncio dura curtos segundos. As íris de Sidney se
desviam das minhas, encarando o mármore do balcão e, depois, o
cardápio escrito com giz atrás de mim. Quando encontra coragem
dentro de si, finalmente olha para mim. Ela nem disse nada, mas
nem é preciso. Sei exatamente o que vai acontecer.
— Você precisa se mudar, Anne.

Um saco cheio de areia para eu encher de socos cairia bem


agora.
Ou talvez um boneco inflável para eu disparar dardos até ele
furar e esvaziar, o rosto de plástico não passando de um pedaço
murcho no chão.
Qualquer coisa serviria para eu descontar o turbilhão de
sentimentos que estou sentindo. Não acredito que Sidney disse para
eu me mudar só porque quer ter privacidade para morar com o
namorado. E acredito menos ainda que esteja acontecendo comigo.
Sou o ser humano mais azarado que já habitou Maple Hills,
não tenho dúvidas.
— Que vaca — Claire comenta do outro lado da linha. —
Aposto que é ideia do Moose te chutar para fora do apartamento.
Ele nunca gostou de você.
Bufo, relaxando as costas contra a parede.
Estou sentada no chão dos fundos do Brooklyn Blues
acompanhada de um copo de milkshake de chocolate e um donut
que Adele comprou para mim. O céu estrelado é o maior indicativo
de que já está tarde o suficiente.
— Certeza — respondo de boca cheia, farelos de donut
caindo no meu vestido. — E eu não posso fazer nada. Nós nem
somos assim tão próximas.
Se nós fôssemos amigas, como sou de Claire, eu me sentiria
segura em rebater o seu pedido. Mas, se Sidney fosse como Claire,
nada dessa merda teria batido no ventilador. Eu teria um teto para
morar e uma colega de apartamento que não cederia tão fácil às
insistências do namorado.
— E o que você vai fazer agora?
— Procurar por um novo apartamento. Sidney me deu um
prazo de uma semana.
Claire xinga tão alto que sou obrigada a afastar o celular da
orelha.
— Vaca ao quadrado. Como ela pode ter coragem? — Sei
que é uma pergunta retórica, então permaneço em silêncio. — Um
mês era o mínimo que você merecia. É impossível encontrar um
apartamento em uma semana.
Fecho os olhos, consciente do imenso problema que tenho
diante de mim. Encontrar um apartamento para dividir em Maple
Hills não é assim tão fácil — e com um valor acessível, mais difícil
ainda. Ter conseguido morar com Sidney foi um golpe de sorte.
Contudo, as probabilidades de eu conseguir um lugar tão
bom quanto esse é como encontrar um ingresso para o show da
Beyoncé dando bobeira na rua.
— Estou ferrada, eu sei.
— Você sabe que se eu pudesse, eu te ajudava, certo?
— Eu sei, amiga.
Claire é o ser humano mais bondoso e altruísta que conheço.
Não tenho dúvidas de que, se fosse possível, ela sacudiria uma
varinha mágica e faria um teto magicamente surgir em cima da
minha cabeça.
— Mas a gente vai pensar em alguma coisa, não se
preocupe.
Rio.
— Esse é um conselho horroroso porque estou aqui, sentada
no chão, comendo um donut e bebendo milkshake enquanto crio
coragem para voltar para casa.
Claire arqueja.
— Você quer que eu te busque?
Quero ser orgulhosa e dizer que não preciso de sua ajuda.
Que é só um momento ruim que vai passar. Só que não é verdade.
A coisa que mais quero é um abraço apertado e um chuveiro
quentinho para tomar banho.
Eu até poderia ligar para a minha mãe, já que ela mora aqui
em Sunbay, mas não quero enchê-la de mais problemas. Saí da sua
casa justamente para facilitar a sua vida e deixá-la ter um pouco de
sossego. Bater na casa dela, com o uniforme imundo e com a
maquiagem borrada, só a faria se preocupar ainda mais.
— Sim, por favor.
Escuto o barulho de alguma coisa caindo no fundo e depois a
voz de Claire alcançando meus ouvidos:
— Em menos de meia hora estou aí.

O carro de Claire é tão aconchegante que quase pego no


sono conforme ela dirige de volta para Maple Hills. Para a nossa
sorte, a viagem não demora muito, porque o pior horário do trânsito
já passou, então em menos de quinze minutos, ela está
estacionando o carro em frente ao apartamento de Sidney.
É uma construção singela, já que Maple Hills não tem
nenhum tipo de arranha-céu. As casas são todas no estilo
americano e os prédios são de, no máximo, cinco andares. É uma
cidade boa de se morar, mas viver em North Groove — o coração
do Condado de San Valley — deve ser incrível.
Claire desliga o motor e se vira no assento, ficando de frente
para mim. Nesta noite, ela não está usando nenhuma peruca. Os
cabelos curtinhos, praticamente raspados, quase nunca são
mostrados. Ela continua linda do mesmo jeito.
— Você vai ficar bem?
Concordo com um aceno, apertando a bolsa ao redor dos
meus braços.
— Vou, sim. Desculpe por te atrapalhar.
— Você é a minha melhor amiga, Anne. O mínimo que eu
poderia fazer era te ajudar.
Sorrio.
— Muito obrigada.
— Não há pelo o que agradecer. — Lança um rápido olhar
para o prédio. — Se precisar de qualquer coisa, não hesite em me
ligar. Amanhã eu passo aqui mais cedo para procurarmos algum
apartamento, pode ser?
— Você é boa demais, que saco. — Projeto o lábio inferior
para frente, fingindo estar irritada.
Ela dá risada e me abraça meio de lado.
— Não posso deixar minha amiga morando com os ratos.
Seria maldade demais.
— Não será dessa vez que vou conhecer o Remy do
Ratatouille.
Claire se arrepia e esfrega os braços.
— Vou ter pesadelos com esse rato cozinheiro e vai ser culpa
sua.
— Ei! — Empurro seu ombro de brincadeira e nós duas
gargalhamos.
Depois de mais algumas palavras trocadas e a promessa de
que ligaria para ela diante de qualquer problema, Claire vai embora.
Subo, então, para o apartamento. Ao entrar no ambiente, não
consigo conter o alívio que me inunda ao não encontrar Sidney no
sofá da sala estudando, como de costume.
No entanto, a luz acesa que atravessa a porta fechada do
seu quarto denuncia a sua presença. Acho que assim como eu, ela
não está no clima para enfrentar uma conversa.
Tiro os sapatos e deixo os patins jogados em um canto. Faço
o mesmo com a mochila e a jaqueta. Ao observar as paredes com
pôsteres dos seriados favoritos de Sidney, fico triste ao pensar que
essa é uma das últimas noites que vou passar nesse apartamento.
Na semana que vem, cada momento vivido aqui vai ser
somente uma memória.
Deixo um choramingo escapar e caminho até a cozinha.
Pego um pacote de salgadinhos e sigo para o corredor. Paro por
míseros segundos em frente à porta do quarto de Sidney,
ponderando se devo ou não bater.
Chutar é uma boa opção também. Quase rio com o
pensamento que surge repentinamente. Seria divertido ver Sidney
dar um gritinho de susto para compensar o que ela disse hoje. Foi
tão insensível que me deixou com o coração dolorido.
Mostro o dedo do meio para a porta e entro no meu quarto,
passando a tranca. Ao encher a boca de salgadinho, paraliso ao
encontrar um bilhete em cima da cama. A caligrafia redondinha não
engana porque é idêntica a dos recados que estão colados na
geladeira. É de Sidney.

Amasso o bilhete e o jogo na parede com força, a bolinha


quicando e rolando para debaixo da cama.
— Filha da mãe!
Apesar dos esforços contínuos meus e de Claire durante boa
parte da manhã, encontramos somente um apartamento.
E ele é tão ruim que fico com coceira só de pensar a respeito.
Além de ser longe demais da USLV, o aluguel é absurdo e a
garota não me parece muito confiável. Posso estar sonhando alto,
mas gostaria de morar em um lugar habitável, sem estar correndo
nenhum risco de vida — como um possível incêndio.
Solto uma longa lufada de ar e relaxo o corpo contra o
assento do passageiro. Claire está com as mãos fechadas ao redor
do volante, soando tão desanimada quanto eu. Os lábios grossos,
pintados de batom roxo, estão curvados para baixo e os ombros
pendem para frente, cabisbaixos.
— Não acredito que isso está acontecendo. Não é possível
que não haja nenhum apartamento disponível. É uma cidade
universitária, droga.
— Sou azarada, Claire, essa é a realidade.
Ela balbucia em irritação e liga o carro, dirigindo para a
universidade.
Durante o percurso, que não dura mais que cinco minutos,
fico pensando em formas de sair dessa situação. Voltar a morar com
a minha mãe não é nem mesmo uma possibilidade. Sou orgulhosa
demais para retornar para sua casa com meus pertences e uma
expressão de perdedora.
Ir morar com o meu irmão e o seu namorado em North
Groove, menos ainda. Eles acabaram de comprar a casa própria e
contar com a minha presença só atrapalharia. E Claire nem mesmo
é uma opção por causa da política das irmandades.
Não me resta nenhuma opção, essa é a verdade.
Tento não entrar em pânico, mas é difícil diante dos últimos
acontecimentos. Primeiro os boatos sobre o namoro com Reed.
Agora o despejo do apartamento. Qual vai ser o próximo golpe? A
minha demissão do Brooklyn Blues?
Estremeço só de pensar.
— E se você tentar uma vaga nos dormitórios?
— É muito caro. Não consigo pagar nem mesmo 50% do
valor com o dinheiro que ganho trabalhando na lanchonete.
— E a Sigma Nu?
A Sigma Nu é uma das irmandades mais influentes de Maple
Hills. Assim como a fraternidade Martial Kappa Tau, ela é famosa
por seus anos de história e pelas tradições que não se apagaram
com o tempo. Fazer parte dela não é tão difícil, mas vai contra tudo
o que acredito.
— Nem fodendo, Claire. Eu tenho amor à minha vida.
— Então... Estamos com zero opções.
Estico o pescoço para trás, encarando o teto do carro. O
ambiente cheira a baunilha e perfume importado, a marca registrada
de Claire.
— Tem o apartamento que visitamos.
Ela me lança um rápido olhar antes de voltar a atenção para
o trânsito.
— Eu não vou te deixar morar lá. Vai contra os princípios de
sobrevivência das melhores amigas.
— Eu não teria coragem de me mudar, de qualquer jeito. —
Tiro o celular de dentro da mochila. Ainda são nove horas da
manhã. — Se eu encontrar mais um emprego, talvez consiga alugar
o meu próprio apartamento.
— Se você trabalhar mais do que já trabalha, sabe o que vai
acontecer? — questiona, enquanto estaciona o carro em uma das
vagas disponíveis. Nego. — Você vai desaparecer. A lenda urbana
de Anne Scott.
Para o meu azar, ela tem razão. Meu turno na lanchonete não
é tão extenso, mas já ocupa boa parte do meu dia. Se eu procurar
por mais um emprego, teria que ser no período da noite. E isso
significa que eu não dormiria nada além de três horas. É, virar um
zumbi não é uma boa ideia.
— Não sei o que fazer, Claire.
Ela solta o cinto de segurança e pega a bolsa atrás do banco.
— Nós vamos encontrar alguma coisa. Nem que você vá
morar com os meninos na casa do Reed.
— Agora você está exagerando. — Abro a porta, saltando
para fora. — Isso vai além de todos os meus limites. Prefiro perder
os dentes do que dividir uma casa com três jogadores de futebol
americano.
Ela dá risada e sai do carro também, travando as portas.
Apoia o braço no teto do carro e arqueia as sobrancelhas escuras.
Hoje ela usa uma peruca roxa e óculos de grau falsos, além de um
vestido com estampa de onça. Colorida e excêntrica, como sempre.
— O Mason é divertido. O Keeran é meio chulé, mas você
aguenta — diz. — E o Reed...
Finjo fazer uma arminha com a mão e disparo contra a minha
cabeça.
— É um atentado à minha existência.
— Você exagera demais.
— Apenas os fatos.
Ela discorda, mas se limita a dar de ombros e engatar o
braço no meu, como de costume. Conforme saímos do
estacionamento e caminhamos pelo gramado bem aparado da
USVL, torço baixinho para conseguir encontrar algum anúncio de
apartamento nos murais dos corredores da universidade.
Porque, se não encontrar nenhum, não sei o que farei além
de chorar no banho.
 
 
 
“Onde está a minha mente?
Talvez esteja na sarjeta, onde deixei o meu amor”
Bellyache | Billie Eilish 
 

 
A aula de Jornalismo Esportivo é a minha favorita de todo o
curso.
Poderia gozar de felicidade só de ouvir o professor falar
sobre as coberturas jornalísticas e as reportagens que fizeram
vários jornalistas alcançarem o topo de suas carreiras.
Unir as duas coisas que mais amo em um único lugar é a
minha parte favorita do curso. Não é todo mundo que consegue
esse privilégio.
A única coisa que me deixa desanimado é pensar que, se eu
for entrar para um time da NFL, o jornalismo vai ficar em segundo
plano. Não serei o entrevistador, mas o entrevistado. Deve ser
divertido também, é claro. Só não sei se irei me acostumar aos
holofotes como o meu pai.
Me sento em uma das cadeiras vagas e, como se um imã
estivesse me puxando, meus olhos se movem para a porta de
entrada. Anne entra distraída, a atenção fixa no celular em suas
mãos.
A temperatura hoje é agradável, então ela dispensou a
costumeira jaqueta jeans, ficando somente com uma camiseta que
combina com o tom de sua pele. A calça adere as coxas torneadas
e preciso me esforçar para desviar o olhar da sua bunda.
Passo a ponta dos dedos pela barba, que já está crescendo,
e acompanho Anne se sentar do outro lado da sala. Não penso duas
vezes. Ajunto minhas coisas e vou até onde ela está. Do jeito mais
silencioso possível, me acomodo na cadeira atrás de si e curvo o
corpo para frente, sussurrando em seu ouvido:
— Oi, joaninha.
Ela dá um salto, quase derrubando o celular no chão.
— Porra, Reed — xinga. — Você quer me matar de susto?
— A intenção ainda não é essa.
Anne revira os olhos e volta a atenção para o celular,
ignorando a minha presença. Eu, no entanto, continuo com os olhos
pregados nela. O perfume de morango chega até as minhas narinas
e, quando ela agita o cabelo, prendendo-o em um coque bagunçado
no topo da cabeça, torna-se difícil não encarar seu pescoço esguio.
— Sua resposta ainda é não?
Ela franze a pontinha do nariz de um jeito fofo.
— Sobre o quê, exatamente?
Estico o braço e tampo a tela do seu celular, obrigando-a a
prestar atenção em mim.
— Sermos namorados — digo baixinho.
As íris de Anne recaem sobre a minha boca por um milésimo
de segundo. É tão sutil que facilmente passaria despercebido, mas
não por mim.
— Nem que você fosse a última pessoa habitando essa
Terra, eu cogitaria a possibilidade de aceitar.
Estalo a língua no céu da boca.
— Não seja teimosa.
Ela se ofende, as sobrancelhas quase alcançando o couro
cabeludo.
— Não seja você um sapo asqueroso que não consegue
largar do meu pé.
— Um sapo? — Rio. — Você não tem um xingamento
melhor?
— Tenho vários, mas vou poupá-los para outro dia.
Cruzo os braços sobre a mesa.
— E que dia tão espetacular seria esse?
— O seu elogio fúnebre. Só que não vai ter elogio nenhum.
Droga.
Implicar com Anne não deveria ser assim tão divertido. E eu
não deveria gostar tanto. É difícil conter o sorriso ao vê-la trincar os
dentes, levantar o queixo e rebater minhas provocações.
— O que preciso fazer para você aceitar?
— Já te falei, Reed. — Empurra a cadeira para frente, criando
um espaço maior entre nós. — Não vou aceitar essa proposta. É tão
sem noção que começo a questionar suas habilidades de distinguir
a realidade de uma alucinação.
— Minhas habilidades vão muito bem, obrigado pela
preocupação. — Sopro um beijo e ela se vira na cadeira, ficando
novamente de costas. Arrasto a cadeira no piso, me aproximando. O
professor ainda não chegou, o que é um ponto a meu favor. — Faço
o que você quiser. Qualquer coisa.
Anne hesita ao ouvir minha última frase e percebo, tarde
demais, que falei o que não deveria. Essa é a oportunidade perfeita
para ela me sacanear do pior jeito possível. Já me vejo desfilando
pelos corredores da universidade só de cueca ou tatuando Anne
Scott na minha bunda, acompanhado de um coraçãozinho.
— Encontre um lugar para eu morar.
Fico momentaneamente confuso, porque não era essa a
resposta que eu esperava.
— Um teto, Reed — pede, meio áspera. — Se você achar um
lugar para eu morar, aceito sua proposta de sermos namorados.

Anne não estava brincando quando disse que conseguir um


apartamento vago em Maple Hills não seria uma tarefa fácil.
Ela fez isso de propósito, com certeza. Foi a maneira mais
prática que encontrou de fugir da minha proposta de sermos
namorados. Porque, para os poucos números que liguei, não obtive
nenhuma resposta positiva.
Um soco teria doído menos.
Estou feliz que hoje não tivemos treino. Seria um tormento ter
que me concentrar em qualquer coisa que não seja conseguir a
droga do apartamento.
— Reed!
Sigo o som da voz me chamando e vejo Angel atravessando
o gramado. Seu rosto exprime a mais pura felicidade e sei que ela
só está assim porque dei um jeito de acabar com os boatos ao seu
respeito. Entretanto, ao mesmo tempo em que fico feliz por ela, fico
irritado comigo mesmo. Pelo visto, não há como todos saírem
vitoriosos nessa história.
Ela me cumprimenta com um beijo estalado na bochecha e
se senta ao meu lado. Estou do lado de fora da cafeteria do
campus. O cheiro que vem das janelas é delicioso. Com a
temporada de jogos prestes a começar, o time inteiro já entrou em
uma dieta esportiva. E um bolo cheio de cobertura não está incluso
no cardápio, para o meu gigantesco azar.
— Estou atrasada para a minha aula de canto, mas queria te
fazer um convite — Angel fala, me puxando de volta para a
realidade.
A boca dela está esticada em um sorriso bonito que me deixa
receoso. Boa coisa daí não vem.
— Faça seu convite, minha querida donzela. — Faço um
floreio com a mão, lhe arrancando uma risada curta.
— Quero convidá-lo para um encontro duplo.
Puta merda.
— Você está saindo com alguém?
— Não é nada demais. A gente se conheceu há algumas
semanas, mas... Por causa dos boatos sobre nós dois, ele ficou
inseguro de levar adiante. E agora que você está namorando a
Anne, a gente finalmente conseguiu se entender. Seria muito
importante se você o conhecesse. E eu também quero conhecer a
Anne. Ela me parece ser muito legal.
Você não faz ideia do quanto, Angel.
— Não vai ser constrangedor? — questiono e gesticulo para
nós dois. — Nós dois já transamos, Angel.
É tão estranho. Meses atrás, eu não pensava em outra coisa
que não fosse ficar com Angel. Agora, não consigo sentir nada além
de um grande carinho por nossa amizade. Às vezes, tenho a
impressão de que tomamos o caminho errado. Desde o começo,
deveríamos ter sido somente amigos.
Fico feliz que hoje em dia consigamos ver a situação com
mais clareza.
— Ele não vai se importar com isso. Já entendeu que é coisa
do passado e que agora... — Aponta para o próprio peito e depois
para o meu. — Você e eu somos amigos.
Relaxo a lombar no encosto da cadeira e abro o melhor
sorriso que consigo.
— Então, considere o seu convite aceito.
Angel dá um gritinho animado.
— Quando você e a Anne vão estar livres?
Na próxima vida, quem sabe.
— Preciso ver com ela. Sabe como é... Vida de estudante e
tudo mais. A temporada começa em breve, então nossas agendas
estão um pouco confusas.
Sua cabeça se movimenta em um gesto de concordância.
— Sem problemas. Só me avisa, okay?
Ela se levanta da cadeira, se preparando para ir embora.
Preciso me segurar para não suspirar em agradecimento. Não sei
se aguentaria mais cinco minutos de uma conversa envolvendo o
meu namoro — inexistente — com a Anne. É incrível a capacidade
que ela tem de me desestabilizar mesmo não estando presente.
— Te mando uma mensagem.
Angel sorri e se despede com um aceno, seus pés saltitando
pela calçada de lajotas em uma felicidade que me causa inveja.
Porque, pelo visto, a única coisa que tenho feito nos últimos dias é
pular de uma merda para a outra.
Namoro de mentira, boatos e encontro duplo foram tudo o
que consegui em apenas uma semana. Não quero nem pensar no
que vai acontecer daqui um mês.
Quem sabe, uma bola de merda que vai me engolir tão em
cheio que não vou conseguir fazer nada além de ficar lá, atolado.

Depois de duas horas procurando por um apartamento para


Anne, eu desisto. Ou pelo menos, desisto de tentar por hoje.
Amanhã posso ir atrás de outras possibilidades, como perguntar
para um dos meninos do time se eles sabem de algum lugar vago.
Deve haver alguma namorada procurando por uma colega de
apartamento.
Com esse pensamento positivo em mente, eu estaciono o
Jeep em frente ao pub do meu irmão. Ainda está cedo demais para
as portas estarem abertas, então vou até os fundos. Encontro-o
onde imaginei que estaria: no depósito, checando o estoque de
bebidas.
O London Foot Pub é o lugar favorito do meu grupo de
amigos. A cada partida vencida durante o campeonato, gostamos de
vir aqui comemorar.
Assovio para chamar a atenção e Aaron gira sobre os
calcanhares. Ele está com uma prancheta nas mãos repleta de
papéis e a caneta se mantém presa atrás da orelha. O cabelo, como
de costume, está escondido por um boné, com alguns fios
escapando pelo regulador.
— Não sabia que você viria hoje.
— Estou cheio de problemas, então achei que poderia ser
uma boa vir aqui encher o seu saco e esfriar a cabeça.
Aaron estreita os olhos, idênticos ao de nossa mãe, e aponta
para o banquinho de madeira em um canto. Me acomodo ali,
enquanto ele continua a verificar o inventário. Meu irmão poderia
fazer isso pelo computador, mas ele não é muito adepto às
tecnologias — e olha que ele tem apenas 30 anos de idade.
— O que você aprontou dessa vez? — Faço menção de
responder, mas ele me corta no meio. — Deixa eu adivinhar...
Incendiou a casa de um amigo? Foi pego pelo treinador transando
nos vestiários? Ou pior ainda, foi pego no teste antidoping?
— Estou namorando.
O silêncio é assustador.
Em câmera lenta, meu irmão se vira para mim, os olhos
arregalados e os lábios pressionados em uma linha reta.
— Você está zoando comigo, não está? — pergunta, me
medindo de cima a baixo. A prancheta é colocada embaixo do
braço. — Alguma brincadeira de mau gosto?
— Estou com cara de quem está brincando, Aaron?
Ele caminha até onde estou, me observando com cuidado.
Embora meu irmão não se dedique a treinos exaustivos de futebol
americano, seu porte físico é de causar inveja em qualquer um.
Intimá-lo para uma briga é ter a garantia de voltar sem os dentes
para casa.
— Isso está me cheirando a coisa ruim.
— E você não está errado.
Dito isso, eu conto a situação envolvendo Anne e Angel.
Detalhe por detalhe. No meio da conversa, ele retorna a atenção
para a prancheta, mas ainda me ouve atentamente conforme
caminha por entre as prateleiras. Quando falo sobre a questão
envolvendo o apartamento de Anne, a caneta paralisa no papel e
ele franze as sobrancelhas, me lançando um olhar de soslaio.
— Você não vai encontrar, lamento informar.
— Obrigado pelo incentivo, irmão.
— Estou falando sério e não para te encher de bajulações.
Deixo isso para a nossa mãe. — Tira o boné e passa os dedos pelos
fios bagunçados. — Vai ter que apelar para outra tática, se você
quer que Anne aceite essa proposta.
— Não tem outra tática, Aaron. Se não tem um teto para ela
morar, não tem namoro.
— Acho que Ricky te derrubou tantas vezes no chão que
acabou afetando a sua capacidade de pensar rápido, Reed.
Está aí uma coisa que Aaron nunca faz: chamar Ricky de pai.
Desde que ele largou a USVL, a relação dos dois nunca mais foi a
mesma. Meu pai evita o filho o máximo que pode, enquanto Aaron
faz o que está ao seu alcance para manter Ricky o mais longe
possível.
Já pensei que seria capaz de juntá-los novamente. Que a
minha paixão pelo futebol americano faria os dois estarem na
arquibancada torcendo por mim. Nunca aconteceu. Se Ricky está
entre os torcedores, Aaron vai estar em casa. E se Aaron estiver
vibrando por mim, Ricky vai dar um jeito de assistir ao jogo, mas
bem longe da sua presença.
Até penso em falar sobre o noivado dele com Dianna, mas
não vai servir de nada. Só vai aumentar o abismo entre os dois que
já é do tamanho de uma cratera gigantesca.
— Isso não tem graça, Aaron.
Ele dá um peteleco na minha cabeça.
— Pense, porra — resmunga. — Se não há nenhum
apartamento aqui na cidade para Anne Scott morar, então...
Obrigo meu cérebro a seguir a linha de pensamento do meu
irmão. Seu olhar queima na minha pele e não tenho dúvidas de que,
em breve, ele vai dar com a prancheta na minha testa em um gesto
de brincadeira.
— Tic tac... — Imita o barulho de um relógio, a língua
batendo no céu da boca. Ele está igualzinho ao nosso pai agora,
mas nunca vou dizer isso em voz alta. Quero voltar com meu nariz
intacto para casa. — Vamos lá, Reed.
Levanto as mãos, desistindo. Se eu ficar mais um segundo
nessa situação, o rosto de Aaron vai ser substituído pelo de Ricky.
— Não sei, porra! Você é muito chato e está me deixando
nervoso.
Aaron faz uma expressão de decepção. As sobrancelhas se
agitam, como se a resposta estivesse estampada na sua testa em
um painel de estrada brilhoso.
Babaca.
— Se não há nenhum apartamento aqui na cidade para Anne
Scott, então ela vai morar com você e os meninos.
E dito isso, ele bate com a prancheta de leve na minha testa,
bem do jeito que imaginei que faria.
 
“Todos querem roubar a minha garota. Todos querem levar seu
coração.
Há bilhões de pessoas no mundo. Procurem outra pessoa,
porque ela é minha”
Steal My Girl | One Direction  
 

 
É a ideia mais ridícula que meu irmão já teve?
Claro que sim.
É tão ruim que tenho dor de barriga só de pensar nas
consequências que ela vai me causar. O lado bom é que eu já estou
tão ferrado que mais uma cagada para a lista não vai mudar em
nada.
Com isso em mente, estico o braço e toco a campainha do
apartamento que Anne divide com Sidney. Ou que dividia. Sei lá. Ela
estava tão afobada me contando o que aconteceu antes que o
professor de Jornalismo Esportivo chegasse para a aula que fiquei
momentaneamente confuso.
O ressoar da musiquinha ecoa pelo corredor vazio, me
causando uma onda de calafrios. Se ninguém atender dentro dos
próximos dez segundos, vou girar sobre os calcanhares e ir embora
sem hesitar.
Faltando dois segundos para o tempo acabar, escuto as
chaves tintilarem e a tranca ser aberta. Sidney aparece, com uma
expressão de surpresa no rosto. Diferente de Anne, que tem
cabelos loiros, ela possui mechas castanhas escuras e olhos doces
escondidos por uma armação de óculos cinza.
— Reed?
— A Anne está? — pergunto e escondo as mãos dentro dos
bolsos da calça jeans.
Sidney gagueja uma resposta e dá um passo para trás, me
convidando a entrar. O apartamento é bonito. As paredes são
pintadas de cinza claro e há uma televisão na sala, assim como
também um sofá de quatro lugares cheio de almofadas e uma mesa
para as refeições.
Procuro encontrar por algo que remeta a presença de Anne
no ambiente, mas cada detalhe aparenta pertencer somente a
Sidney. Arrisco dizer que Anne é como uma intrusa nessa casa.
— Ela está no quarto. — Sidney aponta para o corredor. —
Pode ir até lá. É a segunda porta à direita.
Agradeço com um sorriso e caminho até o quarto, dando
duas batidinhas antes de entrar. Anne está sentada na cama,
cercada de livros, canetas e papéis, o computador repousando em
uma almofada no formato de donut.
— O que você está fazendo aqui? — Gira o corpo na cama e
me fulmina com o olhar assim que me vê.
Fecho a porta e me recosto na superfície de madeira. Meu
coração está batendo agitado no peito. Nem parece que encaro
jogadores com quilos e mais quilos de músculos em uma simples
partida de futebol americano.
— Tenho uma proposta para te fazer.
— Mais uma? — debocha.
Reprimo a vontade de revirar os olhos e caminho pelo seu
quarto, observando os detalhes, desde a cama de solteiro no centro
até a cômoda bagunçada e os patins esquecidos em um canto. Há
também uma pequena estante perto da janela, com livros que não
conheço e um mural cheio de fotos pregado na parede. A maioria é
de Anne com Claire nas festas da USVL.
Foco minha atenção no chão e permaneço de costas para
Anne. Forço minha garganta a engolir a saliva, criando coragem
para dizer o que quero. É mais difícil do que pensei. As chances
dela arremessar o abajur em cima da minha cabeça vão ficar bem
altas daqui a pouco.
— Não encontrei nenhum apartamento — despejo, a
garganta arranhando. — Mas você pode vir morar comigo e com os
meninos.
O silêncio que se segue é perturbador, semelhante à
expectativa que se cria durante um filme de terror. Se os
pensamentos de Anne tivessem som, seriam o de trovoadas, porque
é essa sensação que tenho enquanto fico parado no meio do quarto,
esperando por sua resposta.
— Nem fodendo — Anne diz, o colchão fazendo barulho com
os seus movimentos.
Com certeza está pegando o abajur em cima da mesinha de
cabeceira.
— É o único lugar disponível que você vai encontrar,
joaninha.
— Não, Reed. Não é.
Estou morrendo de vontade de encará-la, mas permanecer
de costas torna as coisas menos piores. É mais fácil domar o seu
inimigo se ele não souber das suas fraquezas. Pelo menos, foi isso
que me disseram. 
— É, sim, confie em mim — insisto.
Ela xinga um palavrão e seus passos ecoam pelo piso, até
que ela me dá um empurrão ao ficar de frente para mim. Sou pego
de surpresa e caio de costas na cama, os pés se mantendo fixos no
chão. Anne permanece de pé, me olhando de cima e esbanjando
um olhar que poderia fazer um bebê sair correndo atrás da mãe.
As pupilas dilatadas e os lábios franzidos a deixam gostosa
pra caramba. O cabelo mantido preso em um coque bagunçado
deixa à mostra cada detalhe do seu rosto.
— Essa merda não me beneficia em nada — grunhe, a
mandíbula cerrada. — O combinado não era esse, Reed. Era você
me arranjar um teto.
Sorrio de forma lasciva.
— Você não especificou o tipo de teto.
Anne geme em irritação e sobe em cima de mim em uma
velocidade surpreendente para uma pessoa tão pequena. Ela pousa
os joelhos no colchão, se mantendo equilibrada sobre o meu quadril.
São minúsculos centímetros nos separando.
Estico o pescoço para trás para conseguir encará-la. Puta
merda. É demais para mim.
— Não estou no clima para brincadeirinhas, Rollins — rosna.
— Você vai arranjar um teto para mim. Um teto onde não haverá
espaço nenhum para você e sua bunda suada.
— E então você vai aceitar ser minha namorada? — Subo
com as mãos por suas coxas, deslizando os dedos ao longo da pele
nua. Anne não usa nada além de um shorts de pijama e uma
camiseta duas vezes maior que o seu tamanho. — Um teto longe de
mim e um sexo gostoso na sua cama como forma de
agradecimento?
Tudo acontece tão rápido que mal consigo processar. Um
segundo atrás, Anne estava pairando sobre mim, os olhos faiscando
em fúria. Agora, há uma régua sendo pressionada contra a minha
garganta — que, com certeza, ela pegou entre as coisas que estão
espalhadas em cima da cama. O seu corpo pende para mais perto
do meu, os seios a poucos centímetros do meu rosto.
Nossas respirações estão tão aceleradas que consigo sentir
meu coração retumbando com força nos ouvidos, o sangue
pulsando em cada maldita célula. Anne não está tão diferente. O
peito sobe e desce de forma descompassada, os lábios
entreabertos.
— O único agradecimento que você vai ter aqui vai ser eu
tacando fogo nas suas roupas. — A régua pressiona com mais força
a minha garganta. — E só depois disso é que vou aceitar ser sua
namorada.
— Você quer me ver pelado, então? — Inclino o rosto para o
lado, a ponta da régua tocando um ponto dolorido. — É só você
pedir, joaninha. Você pede, eu faço.
— No dia em que eu te ver pelado, pode ter certeza que
meus olhos vão cair no chão.
— De tesão, não é? — Dou uma risadinha debochada. —
Prometo não contar para ninguém.
Anne range os dentes e faz mais pressão com a régua.
Encaramos um ao outro, a tensão aumentando no ar de forma que
sinto o oxigênio ficar mais pesado. O silêncio, combinado com a
expectativa do que está por vir, me deixa inquieto.
— Sabe o que eu quero que você faça? — Ela não me dá a
chance de responder. Inclina o rosto para mais perto, diminuindo a
curta distância que nos separa. — Quero que encontre um
apartamento para mim. Nem que para isso precise subornar
alguém.
Mordisco o canto do lábio inferior e deslizo uma das mãos
pela coxa exposta, parando na sua cintura. Ela me observa
desconfiada, mas antes que possa dizer algo, fecho os dedos da
mão livre ao redor do seu braço e inverto as nossas posições. Ela
dá um gritinho quando as costas atingem o colchão, me deixando
por cima.
Separo suas coxas, me acomodando entre elas porque não
tenho dúvidas de que, se ela tiver a oportunidade, vai me dar um
chute nas bolas. É o truque mais antigo e previsível de todos.
— Você é a única pessoa que estou disposto a subornar. —
Prendo as mãos dela acima da cabeça, deixando-a encurralada. —
More comigo e os meninos e seja a minha namorada. Depois disso,
faço o que você quiser.
Os olhos esverdeados se estreitam, cheios de desconfiança.
— Por que se esforçar tanto para isso?
— Já te falei, estou devendo um favor para uma amiga e o
melhor jeito de fazer isso é sermos namorados.
Anne balança a cabeça para o lado, me dando uma visão
privilegiada do seu pescoço. Há uma veia ali pulsando, indicando
que ela está tão nervosa quanto eu. A diferença é que estamos
assim por motivos variados. Ela, porque me odeia com todas as
forças. Eu, porque é a primeira vez que estou quase implorando
para conseguir alguma coisa vindo dela.
— Você me odeia, Reed.
— Você é quem me odeia, Annie. Eu só te detesto na maior
parte do tempo.
Ela solta um muxoxo irritado.
— Sua definição de me detestar é um pouco incoerente,
sabia? — Remexe-se embaixo de mim, a barra da camiseta subindo
alguns centímetros. — Se isso fosse verdade, você não estaria com
o joelho enfiado entre as minhas pernas.
— E o seu ódio por mim é infundado. Não faz um pingo de
sentido.
Anne arrebita o nariz para cima. Inferno de garota irritante.
— Claro que faz — murmura, teimosa.
— Me diga, então, um bom motivo para você me odiar.
Continuamos na mesma posição, com ela embaixo de mim e
as mãos erguidas para cima da cabeça. O quarto se encontra
mergulhado em um tipo de inquietação desconhecida por mim. Para
ser sincero, nunca estivemos assim tão próximos. Anne está tão
perto de mim que consigo sentir seu perfume de morango.
— Porque você é você — diz, finalmente cortando o silêncio.
Arqueio a sobrancelha.
— E o que isso significa?
— Que você é tudo aquilo que eu detesto e mais um pouco.
— Ainda não faz sentido para mim.
Anne bufa.
— Bom, para mim faz — insiste. — E muito.
Respiro fundo e afrouxo levemente os dedos ao redor dos
seus pulsos. Quando ela faz menção de se soltar, estalo a língua no
céu da boca, negando com a cabeça.
— E o que eu posso fazer para mudar essa situação?
— Encontrar um apartamento para mim.
— Eu tentei, joaninha. Juro para você que tentei — explico,
tão paciente que fico surpreso comigo mesmo. — Não há nenhum
lugar para você além da minha casa.
Anne murcha embaixo de mim, o lábio inferior se projetando
para frente em um biquinho decepcionado. Pelo visto, eu era a sua
última esperança, porque conseguir um apartamento com um preço
acessível e vago durante o início das aulas é uma tarefa impossível.
Nem com os melhores contatos da cidade seria possível.
— Não há outra opção, certo?
Balanço a cabeça, negando. Ela fecha os olhos e suspira.
Longos segundos se passam até que Anne abre as pálpebras
e me encara de baixo. Solto seus braços, sabendo que dessa vez
não corro nenhum risco. Lentamente, saio de cima dela, me
deitando ao seu lado na cama de solteiro. O espaço é pequeno
demais para nós dois, de forma que preciso deixar meus pés para
fora.
Anne cruza as mãos sobre a barriga.
— Tudo bem — cede, por fim. Posso jurar que um arrepio
atinge cada parte esquecida do meu corpo. — Eu aceito morar com
você.
Viro o corpo no colchão, ficando de lado. Observo cada
detalhe do seu perfil: o nariz pequeno e arrebitado na ponta, os
lábios retesados em uma linha reta que expressa a sua insatisfação
e o cabelo loiro bagunçado. Anne não sabe, mas ela é uma das
garotas mais bonitas que tive o desprazer de conhecer.
— E ser minha namorada?
Anne se vira também, apoiando o braço no travesseiro para
sustentar a cabeça. Trocamos um olhar difícil de entender. Não sei
se ela está brava, chateada ou cansada. Pode também estar
planejando uma forma de me assassinar durante a noite, já que
estaremos morando juntos. Vai ser a oportunidade perfeita.
— Eu não vou beijar você, Reed.
Dou risada.
— Acha que é fácil assim me beijar? — Agito as
sobrancelhas. — Você vai ter que batalhar, Annie. 
— Batalhar para conseguir um beijo seu? — Sopra os lábios
de um jeito engraçado. — Vai sonhando. Vou batalhar para me livrar
de você o quanto antes, isso sim.
— Sempre tão romântica... Vai ser difícil convencer as
pessoas que você está perdidamente apaixonada por mim.
— Já te falei, Reed. — Estica a mão e acaricia o meu braço
nu com a ponta dos dedos. — Fingir não é um problema para mim.
Para você, vai ser?
Só percebo que prendi a respiração quando Anne abre um
sorriso e pisca as pálpebras de um jeito inocente que não combina
nada com sua expressão irônica.
— Fingir é minha especialidade. Você nunca vai ter alguém
tão bom quanto eu nisso — retruco.
— Só acredito vendo.
— E você vai ver.
Pego sua mão, que estava repousada sobre o meu braço, e
entrelaço os nossos dedos. É tão estranho. Nunca imaginei que
chegaríamos a esse ponto de nossa irritante relação. Estamos os
dois deitados na sua cama, em um apartamento que não é dela e
com as palmas pressionadas uma na outra.
Encaramos juntos as nossas mãos e, como se uma onda de
choque nos acertasse, nos soltamos de imediato. Anne esconde a
sua embaixo do travesseiro e volta a encarar o teto, evitando o meu
olhar. Acomodo-me melhor no pequeno espaço restante do colchão
e obrigo a pulsação a se acalmar.
Permanecemos quietos, uma muralha invisível crescendo
gradativamente entre nós. Se eu conhecesse Anne, até poderia
dizer que está abalada com o que aconteceu, mas ela é uma
fortaleza impenetrável.
— Para quem você está devendo um favor, Reed? —
pergunta em um fio de voz.
Balanço o pé para cima e para baixo, mantendo os olhos
fixos na parede em que as fotografias estão coladas com fita
colorida.
— Angel Patterson.
— E posso saber por que?
Conto para Anne cada detalhe. Desde o momento em que
Angel e eu nos conhecemos ao pedido que ela me fez na festa da
Martial Kappa Tau. Menciono até mesmo a mensagem que ela me
mandou agradecendo por assumir o meu namoro com Anne.
Quando as últimas palavras são despejadas, fico com a sensação
que um peso invisível saiu dos meus ombros. O que é bizarro,
porque desabafei sobre esse assunto com o meu irmão horas atrás.
No entanto, sinto que dessa vez foi diferente. Talvez porque Anne
esteja envolvida nessa confusão.
— Você não precisava fazer isso, sabia? — Inclina o pescoço
para o lado e me dá um olhar duro. — Era só dizer para ela
encontrar um jeito de se livrar dessa bagunça.
Faço uma careta.
— Eu não sou um cuzão, Scott.
Ela semicerra os olhos, deixando claro a sua opinião.
— Comigo você é.
— Porque você merece.
Meu ombro é empurrado, mas mal saio do lugar. Continuo
acomodado no travesseiro e no minúsculo espaço em que consegui
me encaixar do colchão de solteiro.
— Se o seu objetivo é me derrubar da cama, você não vai
conseguir.
— Consegui dominar você com uma régua, Reed.
Abro um sorriso de canto.
— Eu deixei você fazer aquilo comigo, Annie. E foi bem
excitante, por sinal.
Anne cospe uma sequência engraçada de palavrões e se
levanta da cama, me dando uma visão privilegiada da sua bunda.
Como se compreendesse o rumo do meu olhar, ela empurra a
camiseta comprida para baixo e cruza os braços na altura do peito.
Estico os braços para trás e me esparramo na cama.
— É por isso que precisamos namorar, então? — Retorna ao
assunto anterior enquanto fecha a cortina. — Para que as pessoas
parem de falar sobre ela?
Concordo com um aceno e Anne sacode a cabeça,
discordando.
— E quando a gente terminar esse namoro? Você acha
mesmo que as pessoas não vão ficar falando sobre mim também?
Desvio o olhar para a coberta com vários queijos estampados
de diferentes tamanhos. Me abrir com Anne a respeito dos meus
problemas nunca foi uma possibilidade. Não temos esse tipo de
intimidade em que eu desabafo sobre as merdas envolvendo o meu
pai e, no final, ela me consola com um abraço. Esse tipo de coisa
não acontece entre a gente.
Por isso, opto pela versão resumida e que não deixa de ser
verdade.
— Ano que vem, vou ser draftado por algum time. Os boatos
vão acabar assim que eu for embora de Maple Hills.
Anne esquadrinha atentamente o meu rosto. A primeira coisa
que penso é que ela deve estar aliviada por termos poucos meses
juntos. O draft acontece durante o offseason[4], ou seja, temos
alguns bons meses para tirar um ao outro do sério. Depois disso,
acabou.
— Você não vai terminar o curso de Jornalismo?
Aperto os lábios, odiando o rumo dessa conversa.
— É bem provável que não — murmuro. — Então, não
precisa se preocupar. A gente termina o nosso namoro meses antes
e sua vida volta ao normal. Eu também vou estar super ocupado
com a época dos playoffs, então não vou ter tempo para muita
coisa. Só quero que Angel se livre desse pesadelo.
A resposta de Anne é se esticar sobre a cama e recolher os
materiais espalhados. Acompanho cada movimento, analisando-a
por mais tempo do que deveria. Ela é difícil de decifrar. Parece estar
sempre na defensiva, pronta para atacar qualquer um que ousar se
aproximar.
— Quais são os termos?
Pisco os olhos, confuso.
— O quê?
Ela coloca os livros na estante e se vira novamente para mim,
se sentando na beirada da cama.
— Quais são os termos para o nosso namoro, Reed?
Abro um sorriso de pura felicidade. Eu facilmente poderia
puxá-la para um abraço e enchê-la de beijos por estar disposta a
seguir em frente com essa ideia. É inacreditável que isso esteja, de
fato, acontecendo.
— Não vamos namorar de verdade, se essa é a sua
preocupação.
Um suspiro falso de alívio escapa da boca dela.
— Que sorte a minha, pois serei a primeira namorada que
não vai transar e nem beijar o namorado — diz de forma irônica.
— Ainda vai ter que bancar a namorada apaixonada, para o
seu azar.
— Já disse que não será um problema para mim. O que
mais?
Coço o nariz, pensando.
Nunca tive uma namorada. Desde que entrei na puberdade,
meu tempo livre sempre foi dedicado ao futebol americano. O
envolvimento com Angel foi o relacionamento mais longo que tive
durante esse período estudando na USVL. Anne vai ser a primeira
que vai ocupar esse cargo na minha vida.
— Temos que aparecer juntos para convencer as pessoas
que estamos namorando e levando a nossa relação a sério.
— Eu morar com você já não é resposta o suficiente?
— É claro que não, joaninha. — Impulsiono o corpo para
cima e me aproximo de onde ela está. Anne só não se afasta
porque cairia da cama. — Não podemos deixar nosso namoro cair
na rotina.
Ela dá risada, o pescoço pendendo para trás.
— O que você planeja, então?
— JP nos convidou para a inauguração do restaurante da
namorada dele em Sunbay nesta sexta. Prometi a ele que iríamos.
— Diminuo mais a distância entre nós enquanto falo, até estar
sentado de frente para ela. — Angel também quer te conhecer. Um
encontro duplo.
Anne estreita as pálpebras.
— E o que mais?
— Também não vamos sair com outras pessoas.
— Era o mínimo que você poderia me oferecer.
Umedeço os lábios com a pontinha da língua e coloco uma
mecha que escapou do seu coque para atrás da orelha. Ela está
paralisada diante da minha aproximação, a respiração soando
descompassada. 
Fixo a atenção em seus olhos e depois desço para sua boca.
Vai ser difícil convencer as pessoas de que somos namorados sem
nos beijarmos nenhuma vez, mas seria demais para mim e para
Anne. Esse é um limite que não estamos dispostos a ultrapassar.
— O que você está fazendo? — Anne pergunta baixinho, a
voz tremendo.
Não falo nada. Desço com o polegar pelo seu pescoço e
encaixo a palma ali. Inclino o queixo dela para cima e, porra, é a
visão mais excitante do mundo. Anne está com as bochechas
coradas, os lábios entreabertos e os olhos cintilando.
Quando faço menção de tocar os lábios em sua bochecha,
Anne dá um tapa no meu braço e me empurra para longe.
— Tira suas mãos pegajosas de mim, Reed!
Dou risada.
— Você não deveria falar assim com o seu namorado.
Ninguém vai acreditar em nós se você agir assim toda vez que eu te
tocar.
A compressão cruza o seu olhar e ela faz um beicinho
enraivecido. Acaricio seu braço, subindo de forma lenta até chegar
novamente ao seu pescoço. Dessa vez, ela não se contrai, mas
ainda mantém os muros erguidos ao seu redor, não me deixando
ultrapassar o limite.
Roço a maçã do rosto com os nós dos dedos e encaixo a
palma ao redor da nuca. Lentamente, aproximo nossos rostos. Anne
mantém os olhos abertos, me encarando com tanto fervor que me
deixa constrangido. Se fosse outra garota, ela já estaria de olhos
fechados e afundando a boca na minha.
Devolvo o olhar de Anne e uso o polegar para contornar os
seus lábios. Ela os entreabre, ofegante, mas o sinal de alerta que
grita de suas íris é que, se eu passar dos limites, ela não vai pensar
duas vezes em se vingar. O abajur aguarda o seu momento de ser
espatifado na minha cabeça.
Respiro fundo, sentindo a boca seca, e aproximo meus lábios
da orelha dela. Anne afunda as unhas na coberta. Posso jurar que
ouço o seu coração palpitar quando deslizo o nariz pelo seu cabelo.
É um gesto pequeno, mas que vai além de tudo o que já fizemos
juntos.
— Nós temos um acordo, então? — sussurro, prolongando as
sílabas.
Anne engole em seco.
— Sim, Reed. — Concorda em um fio de voz. — Nós temos o
acordo mais improvável de todos.
 
“Não, você não significa nada para mim”
Say It Right | Nelly Furtado
 

 
As coisas que a gente aceita quando se passa por um
problema são inacreditáveis. Decisões tomadas no calor do
momento geram o quê? Isso mesmo, resultados péssimos com
consequências assustadoras.
Reed está com o porta-malas do Jeep aberto enquanto
empilha as minhas caixas etiquetadas. Ele decidiu que hoje, após o
fim do meu trabalho, seria uma ótima ideia fazermos a minha
mudança para a sua casa. Ainda não acredito que concordei com
essa loucura sem estar com um pingo de álcool na boca.
— É só isso? — pergunta ao tirar o boné azul e passar os
dedos pelos fios bagunçados.
É uma crime que ele seja bonito mesmo sem fazer nenhum
esforço. Reed Rollins esbanja aquele tipo de presença que te deixa
meio fora de órbita. A sorte é que sou imune.
Exceto quando ele está usando boné. Isso já é um detalhe
difícil de ignorar.
— Só tem mais uma caixa. Eu vou lá buscar.
Reed concorda com um sorriso e subo as escadas.
Quando entro no apartamento, uma estranha sensação de
nostalgia me atinge. Não morei aqui com Sidney muito tempo, mas
foi o suficiente para criar boas memórias.
Fungo baixinho e entro no meu quarto, pegando a última
caixa. O que me deixa mais irritada é que Sidney nem está aqui. É
como se ela dissesse: pode ir embora, eu não me importo. E mesmo
que essa situação tenha influência do Moose, ainda fico com raiva
por ela ser filha da mãe a esse ponto comigo.
Sacudo a cabeça e saio do quarto. Dou uma última olhada no
apartamento e fecho a porta, deixando a minha chave embaixo do
capacho. Desço e encontro Reed encostado na lataria do carro.
— Pronta?
Assinto e Reed pega a caixa em minhas mãos, colocando-a
junto das outras. Antes que eu possa abrir a porta do passageiro,
ele se prontifica e faz um sinal.
— Primeiro as damas.
Bufo.
— Vai se foder, Reed.
Ele dá risada e contorna o carro, acomodando o corpo no
banco do motorista. Insere a chave na ignição e dá a ré, seguindo
adiante pela rua que leva ao bairro mais nobre de Maple Hills, o que
não é nenhuma surpresa para mim, já que ele é filho de um dos
jogadores mais famosos do New England Patriots.
Mesmo que eu não acompanhe o esporte, sei que Ricky
Rollins é uma lenda. Diziam que o seu talento nos gramados era
uma coisa de outro mundo. Aquele tipo de dom que nasce com a
pessoa, sabe?
Então, é de se esperar que Reed tenha uma vida tão boa
quanto os garotos engomadinhos da fraternidade Martial Kappa Tau.
  — O que você quer ouvir? — Reed pergunta de forma
descontraída.
— Qualquer coisa que não seja a sua voz.
Seus olhos castanhos se reviram e o rádio é ligado. A voz de
Beyoncé invade os alto-falantes. Arqueio as sobrancelhas, surpresa.
— Você gosta de Beyoncé?
— Você não? — Me lança um rápido olhar, voltando a prestar
atenção no trânsito tranquilo da cidade. — Não podemos ser
namorados se você tiver um gosto musical ruim, lamento dizer.
Contenho o meu sorriso.
— Meu gosto musical é muito bom. Bem melhor que o seu,
pode apostar.
— Joaninha... Não existe nada acima da Beyoncé.
— Infelizmente, você tem razão — resmungo. — Mas eu
também gosto de Bruno Mars, Chase Atlantic e The Weeknd.
Reed abre um sorriso malicioso. Suspeito que estamos
próximos da sua casa, porque as construções são de estilo vitoriano
com grandes gramados bem cuidados e garagens espaçosas para
mais de dois carros. Nunca estive aqui antes.
— Os dois últimos são ótimos para se ouvir enquanto transa.
Isso é alguma indireta para você rebolar gostoso para mim, Annie?
Mostro a língua para ele.
— Sexo não está incluso no pacote namorados de
mentirinha.
Reed faz um bico de birra e encolhe os ombros, tentando
soar decepcionado.
— Vai me deixar chupando o dedo, então?
— Vou deixar você bater punheta no chuveiro, isso sim.
Dessa vez, ele explode em uma gargalhada e me vejo rindo
também.
— Okay, Annie. — Diminui a velocidade do carro e noto que
estamos parados na entrada de uma garagem. A casa ao fundo está
com as janelas iluminadas. — Podemos ouvir Bruno Mars da
próxima vez, já que me nego a escutar The Weeknd dentro de um
carro com você.
— Por quê? — Solto o cinto de segurança, ficando de frente
para ele.
Reed faz o mesmo, olhos me sondando de cima a baixo.
— Você não vai querer saber a resposta.
Antes que eu possa reclamar, ele abre a porta e salta para
fora, seguindo para o porta-malas. Faço o mesmo, saindo do Jeep e
pegando duas caixas pequenas. Eu não trouxe muita coisa, já que
todos os móveis e eletrodomésticos são de Sidney. Os únicos itens
que me restaram foram as roupas e os objetos pessoais.
Reed aponta para as lajotas e o sigo até a varanda. A casa é
no estilo vitoriano, com janelas espaçosas e um jardim muito bem
cuidado. Poderia facilmente ter saído de um catálogo de arquitetura
— ou do seriado Irmãos à Obra. O aluguel não deve ser nada barato
e, por um momento, sinto o bichinho verde da inveja picar o meu
ombro.
A vida que Reed tem está a milhas de distância da minha.
Enquanto seu pai ganhou a vida como jogador, o meu faleceu
em um acidente no mar quando eu ainda era pequena. Não me
lembro dele tanto como gostaria. Tudo o que me resta são as
histórias que Alex me conta e as fotografias espalhadas na casa de
nossa mãe.
Eu daria de tudo para ter meu pai presente em minha vida.
Reed é sortudo pra caralho por viver esse privilégio.
— Antes de entrarmos, quero que saiba que Mason e Keeran
podem ser meio... Exagerados demais — Reed avisa, os dedos da
mão livre fechados ao redor da maçaneta. — É a primeira vez que
vamos ter uma mulher morando com a gente.
Ergo a sobrancelha esquerda.
— Eu devo me preocupar?
Ele sorri.
— É claro que não. — Empurra a porta alguns centímetros.
— Eu protejo você, como todo namorado apaixonado deve fazer.
Mal tenho a chance de retrucar. Assim que as dobradiças
rangem, sou engolida por uma explosão de gritos e assovios
masculinos.
— Anne Scott, que honra recebê-la em nossa humilde
residência — Mason diz com um sorriso fofo e tira as caixas das
minhas mãos. — Deixa comigo.
— Você é muito educado, Mason. — Keeran se intromete no
meio e me puxa para um abraço. Sou engolida por seus braços
musculosos e, sem esperar, ele dá um tapinha de brincadeira na
curva da minha coluna. — Tem que ser mais ousado.
Reed pigarra.
— Tire as mãos da minha namorada, Flanagan.
Ele faz um biquinho e beija a minha bochecha, se afastando
logo em seguida. Ainda estou assustada com a velocidade em que
as coisas estão acontecendo.
— Ela não é sua namorada de verdade.
— Para você, ela é.
— Hum... — Ele coça a barba. — Você vai levantar a sua
perna e fazer xixi nela que nem um cachorro?
Aperto os lábios para que uma risada não me escape.
Não conheço Keeran e Mason tão bem quanto gostaria. Eles
almoçam em nossa mesa durante alguns dias da semana e são
parte do time universitário, mas nossas interações sempre se
resumiram a rápidos cumprimentos e eventuais comentários.
O pouco que sei é que Keeran tem a fama de não sossegar
com uma única garota e que Mason é o mais tranquilo dos meninos.
E depois tem o Reed... Que nem prefiro comentar a respeito. Meu
desgosto por ele é a única coisa que vale a pena ser levado em
conta.
— Se for preciso, sim.
Lanço a ele um olhar mortal e Reed dá de ombros.
— Vou subir com a Anne para arrumar as coisas. — Aponta
para as caixas e Mason as coloca acima das outras que ele já está
segurando. — Peçam três pizzas de pepperoni pra gente. Um
presente de boas-vindas para a Anne, okay?
Mason faz um sinal de positivo com a mão, ao mesmo tempo
em que Keeran tira o celular do bolso, rumando para a cozinha. Ele
o segue, deixando eu e Reed sozinhos no vestíbulo. Só agora que
percebo que a casa é muito mais organizada do que eu esperava.
Na minha cabeça, haveria bagunça espalhada por cada canto
possível.
— Vamos? — Reed me chama, obrigando meus olhos a se
moverem em direção à sua voz.
— Você não precisa de ajuda com as caixas?
Ele dispensa o meu gesto com uma piscadela egocêntrica e
segue rumo às escadas. Acompanho-o, ainda tentando assimilar o
giro de 180 graus que minha vida sofreu nas últimas horas. Até
ontem, eu estava deitada na minha cama, fazendo um trabalho de
Jornalismo Político quando Reed entrou no quarto e fechamos o
acordo mais improvável do mundo.
Claire não estava tão errada, afinal. Acabei realmente vindo
morar com Reed e os meninos.
Ao alcançarmos o segundo andar, Reed aponta para a
segunda porta do corredor. Entro no quarto e, no mesmo segundo
que meus pés tocam o piso, tenho a certeza de que esse quarto é
dele. Tem o cheiro de Reed Rollins no ar. Aquela combinação
deliciosa entre cravos e sândalo que nubla os meus pensamentos
quando ele está perto demais.
As paredes são pintadas de um cinza escuro e há dois
pôsteres pregados na parede: Top Gun – Ases Indomáveis e Missão
Impossível, ambos com o Tom Cruise. A cama de casal fica do lado
oposto, próxima da janela, e há uma porta que julgo levar ao
banheiro. A estante cheia de filmes junto da escrivaninha
organizada e as prateleiras cheia de troféus da época da escola são
detalhes difíceis de desviar o olhar.
— Que romântico da sua parte me trazer para conhecer o
seu quarto. — Giro sobre o solado emborrachado do tênis. — O
covil da cobra Rollins é surpreendente.
Reed revira os olhos e se desvia do meu corpo, deixando as
caixas em um canto do quarto. Ele se joga, então, na cama e um
suspiro alto é proferido ao acomodar os braços atrás da cabeça. A
camiseta sobe alguns centímetros, revelando um pequeno pedaço
de pele do abdômen.
— Na verdade, esse agora é o covil Rollins-Scott.
Minha boca fica seca no mesmo instante.
— Que merda você está falando, Reed?
Ele levanta a cabeça e me lança um dos sorrisos mais sujos
que já vi. É aquele tipo de sorriso que molharia a minha calcinha e
me deixaria sedenta por sua boca me chupando. A sorte é que sou
imune a qualquer tipo de sedução barata que ele vier pra cima de
mim.
Mas não posso negar que o seu sorriso abala, só um
pouquinho, a minha autoconfiança e faz a ponta dos dedos
formigarem. Porque, bem lá no fundo, vejo a fagulha de uma bomba
se preparando para ser arremessada na minha direção.
— Você e eu. — Gesticula para o próprio rosto e depois para
o meu. — Em uma cama. Na minha, mais especificamente. É disso
que estou falando, Annie. Seja muito bem-vinda ao nosso quarto.
Ranjo os dentes e pego a primeira coisa que encontro ao
meu alcance. Arremesso em sua direção com toda a força que
tenho dentro de mim. Ele desvia com facilidade do objeto que corta
o ar e atinge o chão em um baque alto. Segundos depois, Reed
explode em uma gargalhada maléfica e enterra o rosto nos
travesseiros, abafando o som.
Agora, definitivamente, Reed Rollins é a pessoa que mais
odeio nesse mundo.
 
“É como se você fizesse qualquer coisa pela minha afeição”
abcdefu | Gayle 
 

 
Uma hora mais tarde, estou na cozinha com os meninos
comendo pizza. Keeran está sentado ao meu lado, acompanhado
de uma garrafa de cerveja. Mason se mantém do lado oposto,
mastigando de boca aberta e trocando mensagens no celular.
Já Reed brinca com a tampinha da cerveja, roubando vez ou
outra um pedaço de pepperoni. Seus olhos não desgrudam dos
meus. A irritação ainda pinica em minha pele depois do que
aconteceu em seu quarto. É inacreditável que ele tenha me
convidado para morar em sua casa sem ter uma cama livre para
mim.
Só nos sonhos dele que vamos dormir juntos.
— Então, estou curioso. — Keeran vira o corpo na banqueta.
— Por quanto tempo vocês vão fingir esse namoro?
Observo o seu rosto, me atentando a cada detalhe. Keeran
tem sobrancelhas grossas, uma mandíbula bem definida e lábios
médios. Seu nariz é reto e o sorriso, arrisco dizer, é o seu ponto
mais forte. E como todo jogador de futebol americano, ele é uma
parede de músculos.
— Pelo tempo que for necessário — Reed responde. 
— Três meses — digo ao mesmo tempo.
A sobrancelha de Reed se arqueia em um arco perfeito.
— Nós ainda não conversamos sobre isso.
Pego um pedaço de pizza da caixa.
— Você me fez entrar nesse acordo maluco. O mínimo a me
oferecer é a decisão de escolher quanto tempo vai durar.
Reed trinca os dentes e enche a boca de cerveja. Dessa vez,
é a raiva que dilata as pupilas, deixando as íris castanhas quase
invisíveis.
— Três meses, então — Mason repete. — Isso quer dizer que
vocês vão comemorar o Ano-Novo juntos?
— Está cedo demais para pensar sobre isso. — Me desvio do
assunto e mordisco a pontinha da pizza. — E aposto que ninguém
vai ligar se passarmos o final de ano separados. Todo mundo vai
estar ocupado demais para lembrar da gente.
Espero que Reed diga algo, mas ele mantém o olhar fixo no
balcão.
— E quando os jogos de vocês começam? — pergunto,
voltando os olhos para Keeran.
— Na semana que vem. Temos um jogo na sexta contra os
State Tigers em Barryton. Vamos acabar com eles.
— Zero inseguranças?
Keeran abre um dos sorrisos mais cafajestes que já vi e
inclina o corpo para perto do meu. Ainda há uma distância segura
entre nós, mas sinto o olhar de Reed queimando em minhas costas.
— Eu sou o melhor wide receiver que você já viu.
Insegurança não faz parte da minha personalidade.
— E na vida pessoal? Você também é assim tão
autoconfiante quando uma garota te dá o fora?
Mason engasga com uma risada, ao mesmo tempo em que
Keeran mordisca o cantinho do lábio inferior e bebe mais um gole da
cerveja.
— Você é muito mais petulante do que eu imaginei, Anne.
Faço uma reverência.
— É o meu jeitinho único de ser.
— Acho que seremos grandes amigos.
Reed pigarra. O quadril dele está apoiado no balcão da pia e
os braços se mantêm cruzados. Os músculos tensionados e a
mandíbula rígida, como se estivesse bravo, me arrancam um
discreto sorriso. Já percebi que ele não gosta nem um pouco das
minhas interações com Keeran, porque ele não esconde o tom de
flerte na voz.
— Você não sabe onde está se metendo, Flanagan —
resmunga. — Depois não diga que não te avisei.
Keeran faz um sinal de desdém com a mão. Eu, no entanto,
apoio os cotovelos no balcão e encaixo o queixo entre as minhas
palmas.
— E onde, exatamente, ele está se metendo? — indago.
Reed troca o peso dos pés.
— No covil de uma serpente sedenta por sangue.
Mason e Keeran explodem em uma gargalhada, enquanto
Reed e eu permanecemos fulminando um ao outro. Na minha
imaginação, minhas mãos estão ocupadas apertando o seu pescoço
da mesma forma que uma serpente faria. No final do bote, ele cai
duro no chão.
— Você nunca esteve tão certo, Rollins.
Pego a cerveja esquecida em cima do balcão, levantando-a
em um brinde cheio de deboche, para logo depois beber um
generoso gole. Reed faz o mesmo e o sorriso que se insinua em sua
boca é um sinal gritante de que os próximos meses não serão nada
calmos para nós.
Depois de tomar um longo banho com direito a muito
hidratante corporal, saio do banheiro e vejo Reed esparramado no
colchão, os olhos fechados. Diferente da minha cama de solteiro, a
sua é tão grande que caberia facilmente três pessoas.
Surpreendentemente, ele consegue ocupar um generoso espaço
entre os travesseiros.
Dou uma tossida exagerada e as suas pálpebras se abrem.
Reed levanta o pescoço e me encara. Meu pijama é composto por
um shorts de malha e uma camiseta com o logo da USVL no centro.
Não é nada vulgar, mas me sinto estranha diante do seu olhar
analítico, como se ele fosse capaz de ver, através do tecido, os
meus seios livres do sutiã.
— Eu não vou dormir com você, se é isso que está
pensando.
— Tem espaço suficiente para nós dois aqui.
— Não concordei com isso quando aceitei vir morar com
você.
— Você não perguntou, então... — Inclina o queixo para o
lado de um jeito arrogante. — Ou você fica aqui comigo ou dorme
no sofá da sala.
Fecho as mãos em punho e caminho até a cama. Reed sorri,
achando que venceu essa rodada. Tenho vontade de dar um soco
no seu queixo ao pegar um dos travesseiros. No momento em que
saio pela porta do quarto, ele se dá conta do que estou fazendo e
pragueja um palavrão.
Desço as escadas correndo, mas assim que meus pés tocam
o piso do primeiro andar, mãos grandes e ligeiras se fecham ao
redor da minha cintura, me paralisando. Grito, torcendo para que
Keeran e Mason venham ao meu socorro.
— Você não vai dormir na porra do sofá, Anne — Reed
resmunga, sua voz soando tão rouca que faz os pelinhos do meu
braço se arrepiarem.
— Ah, eu vou, sim. — Arremesso o travesseiro para trás,
tentando acertá-lo. Ele desvia com uma facilidade incrível. — Não
vou compartilhar do mesmo lençol nojento que você usa para
transar com as garotas dessa universidade.
Reed ri contra o meu pescoço, seu hálito quente fazendo
cócegas. Os dedos permanecem em minha pele, pressionando-a de
forma que não consigo fugir. Mais uma vez, ele me mantém presa
em seus braços.
— Meu quarto está intacto, assim como a minha cama. Não
se preocupe. A única pessoa que vai sujar os meus lençóis agora
será você.
Meu peito queima com as palavras.
— Com o sangue do assassinato que vou provocar — corrijo-
o e sacudo meu corpo, tentando me soltar. É inútil e Reed ri atrás de
mim. — Juro por Deus, você está muito perto de ser estraçalhado
essa noite com uma motosserra. Eu não vou pensar duas vezes em
te picar todinho.
— Você fala demais. Se você fosse acabar comigo, já teria
feito isso há muito tempo.
— Nunca duvide de mim.
Ele dá uma mordidinha sorrateira no meu pescoço. Abro a
boca para gritar o mais alto que conseguir, mas Reed age em uma
velocidade difícil de acompanhar. As mãos giram o meu corpo para
frente e, de repente, estou em cima dos seus ombros, como um
saco de batatas sendo carregado. Soco as suas costas, meu cabelo
solto atrapalhando a visão.
— Reed! — exclamo, sacudindo as pernas. — Me coloca no
chão, seu babaca!
Ele dá risada e começa a subir as escadas. Assim como foi
com as caixas, não há nenhuma dificuldade durante o percurso. É
como se eu tivesse o peso de uma pena. Não faz nem cosquinha
nos seus músculos irritantes e definidos.
Assim que chegamos ao seu quarto, ele me coloca na cama
com um único movimento. Minha bunda quica no colchão.
— Eu não acredito que você fez isso.
— Não havia escolha. — Caminha até a porta e a fecha. Não
sei como Keeran e Mason ainda não vieram ver o que está
acontecendo. Tenho certeza de que meus gritos foram ouvidos
pelos vizinhos. — Não vou deixar você dormir no sofá. Não confio
naquele lugar.
— E posso saber por quê?
Reed tira a camiseta, jogando-o no cesto de roupa suja.
Obrigo meus olhos a não se desviarem do seu rosto. Não estou
interessada em ver o abdômen definido que termina em um V
perfeito. Nem um pouquinho.
— Tenho a vaga sensação que Keeran já transou lá com
alguma garota.
Engasgo com a saliva só de pensar em deitar a minha
cabeça em um lugar que já foi vítima de vários orgasmos. 
— Que nojo.
Reed concorda com um resmungo e entra no banheiro,
acendendo a luz. Pego um vislumbre das suas costas torneadas
antes dele se virar sobre os calcanhares e apoiar a mão na
maçaneta, me observando sentada em sua cama.
— Quando eu voltar, nós vamos conversar.
Formulo uma resposta cheia de ódio, mas ele não me dá a
chance de articulá-la. Fecha a porta em um clique, mergulhando o
quarto em um silêncio confortável. Escuto a tubulação ranger e o
chuveiro ser ligado. Minha mente, traiçoeira como consegue ser, se
recorda de quando encontrei Reed tomando banho no vestiário da
USVL.
Isso parece ter sido há meses, sendo que só se passaram
alguns dias.
Empurro meu cabelo para atrás da orelha e pego os
travesseiros, empilhando-os e criando uma barreira no centro da
cama. Depois, me escondo embaixo da coberta até a altura do
queixo. Fico longos minutos encarando o teto, refletindo sobre tudo
o que tem acontecido na minha vida.
É engraçado perceber o quanto as coisas podem mudar em
questão de poucos dias. Até a semana passada, eu estava muito
bem dividindo o apartamento com Sidney. Agora, tenho um
namorado de mentira e moro com pessoas que nunca imaginei que
fosse conviver diariamente.
Me mantenho tão presa nos pensamentos que não percebo o
momento em que a porta é aberta e Reed sai do banheiro. Dessa
vez, ele está usando uma calça de moletom caída ao redor do
quadril e uma camiseta de malha com o seu nome estampado nas
costas. Provavelmente é o uniforme antigo do time.
Ao ver a barreira que criei no centro da cama, ele dá risada.
— Sempre tão previsível. — Se deita ao meu lado, o colchão
afundando. O perfume chega até as minhas narinas, junto do aroma
de shampoo e sabonete. — Se eu quiser te atacar, nenhuma
montanha de travesseiros vai me impedir.
— Podem não te impedir, mas são um sinal de alerta para
mim.
As orbes se reviram em descontentamento e a luz do abajur
é apagada. Nós dois estamos com os braços cruzados sobre a
barriga e encarando o teto. O som da respiração de Reed chega até
os meus ouvidos e, mesmo que ele esteja relativamente longe de
mim, fico com a vaga sensação de que consigo sentir o calor do seu
corpo aquecendo a nós dois.
— Tem um quarto vago ao lado do quarto do Keeran — Reed
fala, cortando o silêncio. — Comprei os móveis hoje de manhã pela
internet. Deve chegar na semana que vem.
Fico momentaneamente surpresa com o seu gesto. É bom
saber que a minúscula fagulha de esperança de conseguir um
espaço só meu nessa imensa casa não foi apagada por completo.
— Vou te pagar o valor que eu pagava para a Sidney de
aluguel. É o máximo que consigo. Quanto aos móveis, vou usar o
dinheiro que tenho reservado.
Reed grunhe.
— Não vai mesmo.
— Claro que vou. Não vou vir morar com você sem arcar com
nenhuma despesa. Eu sei que o seu pai é todo cheio da grana e
dinheiro não é um problema para você, mas...
Reed me corta, soando magoado.
— Não tem nada a ver com dinheiro.
— Então, tem a ver com o quê?
Reed se vira na cama e fica de costas para mim. Encaro suas
omoplatas, odiando o clima estranho que surgiu repentinamente.
— Esquece esse assunto.
— Não vou esquecer, Reed.
— Fique com o dinheiro e com os móveis. Daqui a três
meses, você vai precisar, para encontrar um novo apartamento.
Não discuto, porque sei que ele tem razão. Em dezembro,
espero eu, já estarei preparando a minha mudança e, com sorte,
terei uma colega de apartamento que não vai chutar a minha bunda
por causa de um namorado pé no saco.
Estar aqui com Reed é temporário, assim como o nosso
namoro de mentira e o que vem junto com esse acordo. Ainda
assim, quando as coisas acabarem entre nós, vou garantir que ele
não saia no prejuízo. Posso não ter muito dinheiro na minha conta
bancária, mas nunca vou conseguir dormir em paz se souber que
estou devendo algo a ele.
Sou orgulhosa demais para aceitar tão facilmente a ajuda de
alguém. Especialmente se essa ajuda vier de Reed Rollins.
 
“Ele me machucou, mas parece amor verdadeiro”
Ultraviolence | Lana Del Rey
 

 
As manhãs na casa que divido com Keeran e Mason são
sempre uma confusão. Xingamento pra lá, bate boca pra cá e,
quando percebemos, está todo mundo atrasado para a aula. Então,
ao ouvir o despertador tocar, já me preparo psicologicamente para
ver Anne metida nessa confusão.
Viro o corpo na cama e encontro o espaço vazio ao meu lado.
Franzo as sobrancelhas, sem entender. Checo as horas no celular.
Ainda falta uma hora para as aulas começarem e, como hoje é
sexta, sei que não temos nenhuma matéria juntos.
Então, não faço ideia de onde ela vai estar ao longo da
manhã.
Saio do quarto e desço as escadas. Resfolego ao ver Anne
de frente para o fogão, usando o avental de Mason e com o cabelo
loiro preso em um rabo de cavalo alto. Meus dois melhores amigos
estão sentados em frente ao balcão, como dois cachorrinhos
adestrados esperando pelo pote de comida.
— O que está acontecendo aqui?
Keeran sorri.
— Anne está preparando o café da manhã para a gente.
Arqueio a sobrancelha.
— Vocês se esqueceram de como se prepara o café?
Mason revira os olhos e empurra uma mecha do cabelo para
trás, os músculos do braço se contraindo. Ao contrário de Keeran,
sua pele se mantém intacta, livre de qualquer tatuagem.
— Não seja tão dramático, Rollins. Ela está apenas nos
mimando.
— Vocês não merecem nenhum tipo de mimo. — Contorno o
balcão e pego por uma caneca no armário. — E ela não tem
obrigação nenhuma de alimentar a boca faminta de vocês dois.
— Porque ela só pode alimentar a sua, não é? — Keeran
provoca.
Inflo as bochechas de ar e encho minha caneca com café.
— Vai se foder, Flanagan.
Ele dá risada e empurra de brincadeira o ombro de Mason, os
dois compartilhando de uma piada que não me diz respeito. Balanço
a cabeça em negação e bebo um gole de café. Anne me observa
com as sobrancelhas erguidas e eu devolvo o gesto, franzindo o
cenho.
— O que foi?
— Só para você saber, o café da manhã é dedicado somente
a eles. — Ela puxa a caneca das minhas mãos, deixando-a em cima
do balcão. — Se quiser comer ou beber, vai ter que preparar por
conta própria.
— Você está zoando comigo?
— Nunca. — Fica na pontinha dos pés e dá um beijo estalado
na minha bochecha, movendo, então, os lábios em direção à minha
orelha. — Isso é uma vingança por tudo o que aconteceu ontem, só
para você saber.
Anne se afasta logo em seguida, dando um passo para trás e
pegando a minha caneca. Ela bebe um generoso gole do café,
sorrindo através da borda. A cena é mais excitante do que eu
gostaria de admitir. Seus olhos brilham de um jeito malicioso que faz
minha mente criar os pensamentos mais sujos possíveis.
— Você está seguindo por um caminho perigoso — alerto-a.
O queixo se projeta para a frente e a luz do sol se infiltra pela
janela da cozinha, iluminando a sua pele branca. Nessa posição, ela
fica parecendo um anjo.
— Eu não tenho medo de você e muito menos das
consequências. 
Olho sobre o seu ombro, notando que Keeran e Mason
observam nossa interação atentamente. Mason exibe o seu
costumeiro sorriso de canto, enquanto Keeran faz um barulhinho
com a boca que simula um gesto que eu não gostaria de ter
entendido.
Volto os olhos para Anne e dou um peteleco em seu nariz.
Ela não tem a chance de me dar um tapa, porque escondo minhas
mãos dentro do bolso da calça de moletom logo em seguida.
— Quero ouvir você dizer isso quando estiver amarrada na
minha cama e recebendo umas boas palmadas nessa bunda
gostosa.
Ela rosna para mim.
— Repete o que você disse sobre a minha bunda!
Engulo uma risada.
— A sua bunda é a mais gostosa de todo o campus.
Saio da cozinha antes que Anne tenha a oportunidade de
responder. Subo para o segundo andar ouvindo os assovios
debochados dos meus amigos.
Após preparar o meu café da manhã e colocar a louça suja
na máquina lava-louças, estou esperando Mason na garagem.
Todas as manhãs, vamos para a universidade juntos, enquanto
Keeran vai cerca de meia hora depois. De nós, ele é quem tem a
grade mais bagunçada possível. Nunca sei se ele vai estar em casa
ou no meio da aula.
— Ei! — Mason entra no carro, jogando a mochila no chão e
se acomodando no banco do passageiro. — Você não vai dar
carona para sua namorada?
— Achei que ela já tivesse ido para USVL.
Ele discorda.
— Ela acabou de sair. Está indo a pé.
Suspiro pelo nariz e ligo o motor do Jeep, dando a ré e
saindo da garagem. Anne Scott é a garota mais teimosa que
conheço. Ela tem um dom natural em ir contra tudo e todos. Seu
passatempo preferido deve ser tirar os outros do sério, não há outra
explicação.
Faço a curva na esquina e a encontro atravessando a rua.
Diminuo a velocidade, aproximando o carro do meio-fio, e abaixo o
vidro. Assovio alto, chamando sua atenção.
— Entra no carro, Annie.
Ela me mostra o dedo do meio.
— Não preciso de carona.
— Não vou deixar você ir a pé.
As mãos se fecham ao redor das alças da mochila e ela
aperta o passo, caminhando mais rápido. Piso de leve no
acelerador, acompanhando o seu ritmo. Ela não pode estar achando
que vai andar mais rápido que a droga de um carro.
— Não ligo para o que você deixa de fazer ou não —
resmunga. — Vai embora, Reed.
Mason ri do meu lado, se divertindo com a discussão. Um
carro buzina atrás de nós, impaciente com a minha velocidade de
tartaruga. Segundos depois, ele invade a pista contrária, fazendo a
ultrapassagem e me mostrando o dedo do meio.
— Anda logo. Não vou embora até você entrar na merda
desse carro.
Ela me ignora e continua a caminhar. Estou muito perto de
sair de dentro desse carro e carregá-la como fiz na noite passada.
Minha impaciência faz um nó desconfortável se formar ao redor da
garganta.
— Deixa isso pra lá, Reed. Ela não vai ceder — Mason
aconselha.
— Ela é a minha namorada, caramba. Não vou deixar ela ir
pra universidade sozinha sendo que moramos juntos.
— Anne não é sua namorada de verdade.
Fulmino-o com o olhar.
— Para você e pro Keeran ela pode não ser, mas para o
restante da universidade, sim. — Piso no acelerador, alcançando-o.
Anne está a poucas quadras da USVL. — Vamos logo, Scott.
Anne para de caminhar e meu pé afunda no freio. Se não
fosse pelo cinto de segurança, Mason teria voado para fora do Jeep.
Um xingamento é proferido, mas não ligo. Estico o pescoço para
fora da janela e forço minha boca a abrir um sorriso doce. É a minha
última tentativa.
— Se você me deixar levá-la para a aula, prometo fazer o
que você quiser.
Os braços se cruzam de um jeito petulante.
— Qualquer coisa?
Reviro os olhos.
— Já te falei, mas não custa repetir. É só você pedir, Annie.
Você pede, eu faço.
Anne hesita, trocando o peso dos pés. Por causa da
caminhada feita praticamente correndo, a pele dela está corada em
alguns pontos e a regata de alças finas revela as curvas das
clavículas.
— Okay — cede e eu assovio em aprovação. — Só depois
não reclame das consequências.
— Jamais — digo quando ela se senta no banco atrás do
meu. Mason se mantém quieto, meio taciturno até. — Um namorado
apaixonado nunca se queixa de agradar o amor da sua vida.
— Se você é irritante assim sendo um namorado de mentira,
prefiro nem saber como é quando o negócio é real.
Minha única reação é rir e dar partida no carro, seguindo para
a universidade.

Sexta é o único dia da semana em que os treinos são


moleza.
Moleza no sentido figurado mesmo, porque mesmo horas
depois, os efeitos ainda podem ser sentidos por cada partícula do
meu corpo. Estou exausto. Foi uma semana cansativa, com milhões
de problemas para resolver e um treinador Turner nada satisfeito
com os nossos resultados.
Ele quer que o jogo da semana que vem contra os State
Tigers seja destruidor. Quer detonar com o time, deixando-os tão
atônitos que nem vão saber onde a bola está. Acredito que exista
uma rixa antiga contra o nosso treinador e o deles, porque Dave e o
resto do time tem certeza que vamos ganhar.
Somos muito bons.
E se perdermos, não estou preparado para ver a expressão
de decepção do meu pai quando nos encontramos após o jogo. Não
gosto da sensação.
— Conto com a sua presença e da sua namorada hoje à
noite, Rollins?  
A voz grave de JP me puxa para a realidade. Estou na
cafeteria do campus, que está quase vazia para um final de tarde,
estudando para uma prova de Mídia Online na semana que vem.
Pisco os olhos, vendo letrinhas miúdas voarem ao meu redor
e, por fim, desaparecerem.
— É claro. — Aceno positivamente. — Anne está ansiosa
para encher a barriga de comida e depois reclamar que só cozinho
ovos e bacon para ela.
JP dá risada e me passa a localização do restaurante via
mensagem. Ele se despede com um aceno e eu volto para os meus
estudos. Meia hora depois, meu celular vibra em cima da mesa.
Olho de soslaio para a tela, vendo o nome do meu pai brilhar como
uma árvore de Natal.
Merda.
Pondero se devo atender ou não. Já faz mais de uma
semana desde que conversamos, então meio que desconfio do que
se trata essa ligação. Futebol americano, é claro. Ricky não liga
para a minha vida pessoal desde que não atrapalhe os meus
objetivos como futuro jogador da NFL.
— Oi, pai.
— Reed. — Ele me cumprimenta friamente. — Quando você
pretendia me contar que está namorando?
Porra.
— Como você sabe disso?
Ele ri de forma amarga do outro lado da linha.
— Tenho ouvidos em todos os lugares. Foi só uma questão
de tempo até alguém me contar.
Esse é o maior problema do meu pai. Ele consegue descobrir
sobre a minha vida em Maple Hills com uma facilidade invejável.
Basta um estalar de dedos e ele tem todas as informações sobre o
que fiz ou deixei de fazer em uma festa. Com os treinos, é a mesma
coisa. Se erro os passes, ele dá um jeito de me ligar no mesmo dia
e me encher de conselhos e correções.
— Então, é isso. — Giro a caneta entre os dedos. — Estou
namorando.
— E por que você não me contou no almoço da semana
passada?
— Não tínhamos decidido se iríamos levar as coisas a sério
ou não.
Ele não diz nada, mas aposto que sua mente avalia o quanto
esse namoro pode me prejudicar ao longo da temporada. Durante
sua carreira no New England Patriots, meu pai se manteve casado
com a minha mãe. Não havia distrações, porque Noreen era
especialista em evitar que elas surgissem.
A onda de casamentos só começou quando ele se aposentou
do esporte. Então, nesse momento da vida, as distrações eram mais
do que bem-vindas. Não havia nenhuma responsabilidade pairando
acima da cabeça dele além de aproveitar uma deliciosa lua de mel
nas Ilhas Maldivas.
— E agora é sério o bastante?
Consigo imaginar com facilidade a carranca estampada em
seu rosto amargurado.
— Sim. É tão sério como deve ser.
— E o futebol americano?
Me remexo na cadeira, desejando ser capaz de me esconder
dentro de um buraco para não ter que enfrentar essa conversa no
meio de uma cafeteria.
— Continua onde deve estar, pai. Ocupando o primeiro lugar
na minha vida.
Minha resposta parece agradá-lo, porque consigo sentir um
sorriso em sua voz. Às vezes, começo a entender porque Aaron
abriu mão dessa vida. Ele é um espírito livre pronto para desbravar
o mundo e conquistar a própria história. Aaron Rollins não precisa
de um pai famoso na sua cola, ditando regras e qual o melhor
caminho a se seguir.
Eu só queria ser como o meu irmão e não ter medo de tomar
minhas próprias decisões e defender aquilo que acredito. Sou uma
extensão do grande Ricky Rollins.
— Espero que continue dessa forma, Reed — avisa. — Não
quero ter que tomar medidas restritivas a respeito do seu namoro. A
garota deve ficar no lugar em que ela pertence.
Estremeço da cabeça aos pés. Não duvido do que meu pai é
capaz de fazer se ver que estou desviando do caminho que ele
trilhou para mim desde os 10 anos de idade. Para ele, Anne deve
ficar em último lugar na minha lista de prioridades. Um item fácil de
ser descartado — e ignorado.
— Não se preocupe, pai — garanto-o. — As coisas vão
continuar como devem ser.
— E o treino que combinamos?
— Depois do primeiro jogo da temporada estarei livre. Você
pode corrigir os erros que cometi ao longo da partida.
Você é um babaca, Reed, meu subconsciente agita os
braços, implorando para que me posicione e pare de agradar o meu
pai. É só dizer não. No entanto, a sílaba não consegue se formar.
Ela fica presa em minha garganta, como todas as outras vezes.
— Ótima ideia. Na semana que vem, eu te ligo para
acertarmos os detalhes — ele declara e murmuro em concordância,
prestes a desligar, mas o seu pigarro me impede. — Ah, Reed, mais
uma coisa. Dianna quer te conhecer e eu também estou curioso
sobre a sua namorada. Decidimos dar um jantar em breve.
É uma intimação, não uma pergunta. Ricky não quer saber se
eu ou Anne estaremos ocupados. Teremos que dar um jeito de
comparecer. Nenhuma desculpa bem elaborada vai conseguir nos
libertar desse jantar. Já estou com pena do que Anne vai ter que
aturar por causa de uma mentira que decidimos contar.
— Claro, pai. — Sorrio, embora ele não possa ver. — Estou
ansioso para conhecer Dianna.
Ele não se despede, simplesmente encerra a chamada. Jogo
meu celular em cima da mesa e afundo os dedos no couro
cabeludo, o coração palpitando. Ele pulsa em cada parte do meu
corpo, principalmente nos ouvidos e na ponta dos dedos.
Se eu fosse capaz, voltaria no tempo e tomaria decisões
diferentes. Posso amar o futebol americano com todo o meu
coração, mas gostaria que esse amor não fosse tão doloroso.
Ele me consome por inteiro, ateando fogo em minhas veias, e
não sei até quando aguentarei em silêncio essa situação. O nó está
cada vez mais perto de se romper e causar consequências
irreparáveis.
 
“Eu sei exatamente o que eu quero e quem eu quero ser”
Oh No! | MARINA
 

 
O cheiro de café moído predomina no ar.
Todas as mesas do Brooklyn Blues estão desocupadas,
exceto pela última. Meu irmão está sentado diante de mim usando
uma camisa polo e calças cáquis, idêntico a um jogador de golfe
cheio da grana. Até mesmo o seu cabelo, no tom loiro escuro, está
penteado para trás com gel. Se eu não o conhecesse, arriscaria
dizer que ele tem uma mansão de dez quartos em Los Angeles e
um carro importado que nem foi lançado no mercado.
Entretanto, Alex Scott não é nada disso.
— E o que você tem de bom para me contar? — pergunta e
bebe um gole do café que preparei. Macchiato, o seu favorito. —
Estou aqui há quase uma semana e não faço ideia do que está
acontecendo na sua vida.
— Fui despejada do apartamento em que morava e estou
namorando de mentirinha. Ah, e eu também moro com três atletas
do time.
Alex fica estático, o rosto petrificado em uma máscara de
choque. As pálpebras nem mesmo piscam durante alguns
segundos. Estico o braço e estalo os dedos na frente do seu nariz,
puxando-o de volta para a realidade.
A reação dele é beber mais um gole de café, os cantos dos
lábios ficando manchados de creme.
— Desde quando a sua vida ficou tão agitada?
Rio da sua escolha de palavras.
— Desde que Drake Collins espalhou um boato que chegou
nos ouvidos de todos os estudantes da USVL.
— Fofoca é o que move Maple Hills, acho que você deveria
saber.
Levo a mão ao coração.
— Obrigada pelo conselho, irmãozinho, mas agora já é tarde
demais.
Alex ri baixinho e dá uma mordida na torta de limão.
Meu irmão é somente dois anos mais velho que eu, mas sua
vida é tão diferente da minha que, em alguns momentos, me
esqueço que crescemos na mesma casa e fomos criados por Daisy
Scott. Não me recordo muito do meu pai, mas as fotografias não
mentem. Alex é uma cópia fiel de quem Gustaf foi um dia.
O único detalhe que ele herdou da nossa mãe foram os olhos
esverdeados. Porque o restante, desde as sobrancelhas grossas ao
nariz fino, é Gustaf em sua mais pura essência. Alex tem até mesmo
desvio no dente, no qual o incisivo central se sobrepõe ao outro.
— Da próxima vez, vou garantir que meus conselhos venham
na hora certa. — Sorri gentil e me estende o garfo, me convidando a
comer a torta com ele. — E posso saber quem é o seu namorado de
mentira?
Dou uma mordida na torta. 
— Se eu te contar, você não vai acreditar.
— Espero que não seja o Chad Eaton.
Faço ânsia de vômito.
— Que horror! Chad Eaton aconteceu em um mundo
paralelo. — Minha pele se arrepia só com a recordação da boca
dele na minha. — Você conhece o pai do meu namorado.
Minha dica faz uma careta surgir em seu belo rosto.
— Caso você tenha esquecido, eu conheço muitos pais. Mais
do que a média norte-americana, se você quer saber.
Dou risada.
Meu irmão era uma estrela do futebol americano e ninguém
tinha dúvidas de que ele teria uma carreira incrível na NFL. No
entanto, no seu último ano na USVL, ele decidiu que não iria se
inscrever no draft. Naquele dia, eu jurei que ele estava pregando
uma pegadinha.
Nunca estive tão enganada.
Alex Scott decidiu que queria ser treinador. E hoje, três anos
depois de conquistar o tão sonhado diploma, ele trabalha em uma
escola em North Groove como treinador da liga infantil. As crianças
o adoram.
— Okay. Vou dar uma dica mais específica: ele não é o
quarterback dos Rebels of Horizon.
Ele suspira alto, os lábios imitando o formato de um bico.
— Estou aliviado, porque seria bem estranho você estar
namorando o namorado da sua melhor amiga.
Empurro o seu ombro, lhe arrancando uma gargalhada. A
nossa sorte é que a lanchonete se encontra vazia. Becky deu uma
saída para resolver um problema que surgiu de última hora, então
somos só eu, Alex e Adele na cozinha.
— Você é muito palhaço, Alex!
— Culpa sua que fala essas coisas absurdas e quer que eu
reaja normalmente. — Afunda o indicador na cobertura de limão e
dá um peteleco no meu nariz, deixando-o sujo. — E então? Quem
é?
Limpo o nariz com o dorso da mão e imito o barulho de
tambores, aumentando a sua curiosidade. Meu corpo se enche de
expectativa, se divertindo com a situação e ansiando para ver a
reação do meu irmão ao descobrir que estou namorando o filho de
Ricky Rollins.
— Reed Rollins. — Despejo de uma vez só. — Reed Rollins
é o meu namorado de mentira.
— Puta merda!
— Pois é!
— Caralho, An-An! — Sua coluna descansa no banco de
couro sintético. A surpresa ilumina o seu semblante. — Como isso
aconteceu?
Conto ao meu irmão a versão resumida da história. Alex
escuta atentamente, levando vez ou outra um pedaço de torta na
boca e bebendo um gole do Macchiato. Quando termino, o ambiente
fica em silêncio. Acho que ele está assimilando as informações e
procurando, no fundo da mente, por um conselho cheio de
sabedoria que só ele tem.
— Você não tem medo?
— Do quê?
— De acabar envolvida demais?
Bufo e rio ao mesmo tempo de um jeito nada elegante.
— Isso nunca vai acontecer, Alex. Reed me odeia e eu o
odeio também. O máximo que pode acontecer é a gente botar fogo
na casa que ele divide com os meninos. Ou, talvez, eu trancá-lo por
engano no porão.
Alex pressiona os lábios em uma linha reta e desvia o olhar,
focando a atenção na janela que oferece uma vista privilegiada do
píer de Sunbay.
— Quando eu conheci o Soren, eu também o odiava.
Soren Gauthier é o namorado do meu irmão. Eles dois se
conheceram na escola em que Alex trabalha, já que Soren é
professor de Estudos Sociais. A primeira interação foi um desastre.
Alex trombou com ele no corredor e derrubou café na sua camisa
branca. Na semana seguinte, aconteceu a mesma coisa.
Foram dez copos de café derrubados e um ódio latente até
que Alex decidiu que o odiava. Aposto que Soren sentiu a mesma
coisa. Foi somente no começo desse ano em que eles perceberam
que o ódio, na verdade, era amor.
Eu não confio muito nesse lance de que esses dois
sentimentos são separados por uma linha tênue. Não há
possibilidade alguma de eu me apaixonar por Reed Rollins. Meu
coração é incapaz de deixar a raiva para trás e ser consumido pela
paixão.
Isso só funciona em filmes de romance — e com o meu
irmão, pelo visto.
— É diferente — justifico. — Você e Soren foram feitos um
para o outro. Eu soube disso desde que os vi pela primeira vez. Não
havia ódio entre vocês dois. Só desafeto e camisas manchadas de
café.
— Tem certeza do que está falando?
— Absoluta. Não se preocupe comigo. Nada vai acontecer.
A cabeça dele se move em concordância, dando por
encerrado o assunto. Conversamos sobre variados assuntos até
que Becky retorna para a lanchonete e se junta a nós. Durante a
próxima hora, debatemos a respeito de filmes, séries e músicas.
Quando Alex vai embora, Becky e eu preparamos dois
milkshakes de morango e nos sentamos em uma das mesas.
— E quais são os seus planos para hoje? — Becky pergunta
enquanto suga o canudinho.
— Vai ter a inauguração de um restaurante aqui em Sunbay.
Acho que é da namorada de um colega de time do Reed.
— Ah, sim. É da Gina Bastien — diz. — Ela se formou em
gastronomia no ano passado e se mudou para Sunbay para abrir o
próprio negócio. Me conta depois como foi. Acho que vou convidar a
minha namorada para irmos lá um dia.
— Mesmo que não seja bom, eu já fico feliz com o simples
fato de poder comer de graça.
Becky gargalha, divertida.
— Não posso discordar de você. Comer sem pagar nada é
um ato divino.
Estou prestes a fazer um comentário engraçadinho a
respeito, mas meu celular vibra dentro do bolso do avental. Pego-o
e desbloqueio a tela. Há uma mensagem de Reed na barra de
notificação. O nome que salvei o seu contato me faz rir nasalado.
Zangão: Estou aqui no estacionamento te esperando, Annie.
Fique bem gostosa para o seu namorado bonitão aqui.
Reviro os olhos e deslizo os dedos pelo teclado, dando uma
resposta. Quando a mensagem é enviada, encontro Becky me
encarando de um jeito esquisito. Seu sorriso é igual ao do Gato de
Cheshire, do filme Alice no País das Maravilhas. Assustador pra
caralho.
— O que foi?
Ela pisca as pálpebras maquiadas com sombra azul bebê e
rosa pastel, idêntico ao que as garotas faziam nos anos 80.
— Nada, não.
Fico desconfiada, mas não digo nada. Levanto do banco com
um pouco de dificuldade por causa dos patins e pego o copo de
milk-shake. Não vou embora daqui antes de terminá-lo.
— Reed já está me esperando no estacionamento, então vou
me arrumar para a inauguração do restaurante. Você dá conta de
fechar o caixa e a lanchonete?
— Sim, Anne, não se preocupe. Minha avó está aqui
também. — Dá um tapinha na minha bunda, me enxotando para
longe. — Agora vá se arrumar e ficar bem gostosa para o seu
namorado.
Meu céu da boca pinica para dizer que Reed não é o meu
namorado de verdade, mas Becky não sabe da mentira.
— Você é o ser humano mais maravilhoso que já conheci! —
exclamo enquanto impulsiono o corpo para frente e deslizo sobre os
patins.
— E você namora o cara mais gato do campus, então acho
que a maravilhosa é você! — grita de volta, sua voz me
acompanhando enquanto sigo em direção aos fundos da lanchonete
onde ficam os banheiros dos funcionários.
Solto uma risada e, antes que imagens de Reed sem toalha
possam ressurgir na minha mente, eu as empurro para longe com
um chute mental. Um chute que estou ansiando para dar nele
também. Quem sabe a noite de hoje seja perfeita para concretizar,
de uma vez por todas, esse desejo.
 
“Os arrepios começam a aumentar no momento em
que minhas mãos encontram a sua cintura.
Então, eu vejo seu rosto e coloco meu dedo em sua língua,
porque você ama provar, sim”
Sweater Weather | The Neighbourhood
 

 
Estaciono o Jeep em frente ao Brooklyn Blues. A fachada da
lanchonete é iluminada com piscas-piscas coloridos e as grandes
janelas dão uma visão privilegiada do seu interior. Comi aqui poucas
vezes, quando Dave e Claire passaram o final de semana em
Sunbay.
Tiro o celular de dentro do bolso e mando uma mensagem
para Anne, avisando que cheguei. O relógio marca pontualmente
seis horas, como o combinado. Prometi ao JP que iria comparecer à
inauguração do restaurante da sua namorada. O evento é perfeito
para que as pessoas vejam Anne e eu como um casal de verdade.
O celular vibra em minha coxa, o nome joaninha brilhando na
tela.
Joaninha: Cinco minutos para eu ficar bem feia para você. 
Sorrio, imaginando qual vestido ela vai usar. Como é um
evento importante, decidi vestir a minha melhor roupa. A camisa
branca de botões adere aos músculos e, como a temperatura está
agradável, as mangas foram dobradas na altura dos cotovelos. A
calça jeans é a minha favorita. No pé, mantenho os costumeiros
coturnos.
  A porta dos fundos se abre e Anne desce os dois únicos
degraus, surgindo em meu campo de visão.
Puta. Merda.
O ar dos meus pulmões são sugados conforme ela caminha
em direção ao Jeep. O vestido de alcinhas acompanha o ritmo dos
seus pés, a saia balançando ao seu redor como uma cauda,
deixando-a idêntica a uma sereia. Ela está bonita pra caralho.
Mantenho meus olhos fixos nela enquanto ela abre a porta e
salta para o assento ao meu lado. Anne me observa, parando por
mais tempo nos meus braços nus e depois no meu peitoral. As
mãos, então, se cruzam na altura do colo e o nariz se arrebita para
cima.
— Estou surpresa que você saiba como se vestir
adequadamente para um evento que não seja um jogo chato de
futebol americano.
— Eu poderia ter vindo pelado, se você quisesse. —
Direciono a ela uma piscadela. — Aposto que você iria se
surpreender muito mais.
— E queimar os meus olhos com a visão mais horripilante de
todas? Obrigada pela oferta, mas eu dispenso.
— Sempre dispensando as melhores coisas da vida,
joaninha. — Coloco o endereço no GPS. — Estou levemente
decepcionado com você.
— Não estou nem aí, Reed. — Estica o braço e pega o meu
celular esquecido em cima do painel. — Qual a senha?
Faço uma careta.
— Você está zoando comigo?
Ela desliza o dedo para cima, abrindo o teclado numérico.
— Quero escolher uma música. Não vou abrir a sua galeria e
ver foto da sua bunda em um ângulo esquisito, pode ficar tranquilo.
— Você não veria somente a minha bunda, pode ter certeza.
— Lanço um rápido olhar para o retrovisor e saio do
estacionamento. — Tenho aí dentro uma coleção infinita de cobras
grandes e muito grossas.
— Inofensivas, aposto.
— Não tenho certeza... Quer checar?
Anne semicerra as pálpebras em uma linha reta.
— Só quando eu morrer.
— Necrofilia não é a minha praia, foi mal. — Fecho as mãos
ao redor do volante e aponto com o queixo para o celular. — A
senha é a data do meu aniversário.
— Eu não sei quando é.
— 15 de fevereiro. — Os polegares de Anne deslizam pela
tela e então o aplicativo de músicas é aberto. — Me surpreenda com
o seu gosto musical incomparável. Duvido que seja melhor que o
meu.
Anne me mostra a língua. Depois que a música é
selecionada, a batida irrompe pelos auto falantes internos. Levo
poucos segundos para identificar a voz de Britney Spears em
Gimme More — a que Anne dançou para mim na festa da Martial
Kappa Tau.
A provocação não me passa despercebida.
Sei que ela escolheu essa música de propósito, porque
consigo identificar aquela energia desafiadora emanando do seu
corpo. Esse mesmo sentimento reflete em mim, formando pequenas
gotículas de suor na palma da mão.
— Você se acha muito engraçadinha, não é? — O GPS diz
que devo seguir para a área gastronômica de Sunbay e assim faço,
girando na rotatória. — Só não esqueça de um detalhe. Eu também
posso brincar com você.
Britney cantarola o trecho nós podemos nos divertir como se
não tivesse ninguém por perto e Anne aperta as coxas umas nas
outras. Meu sorriso surge de imediato.
— Faça o seu pior, Reed — murmura. — Eu não tenho medo.
— Se eu fosse você, pensaria duas vezes antes de dizer
isso.
— O que você pretende fazer, hum? — O tom de malícia
escorre na voz dela feito veneno.
Imagens nada comportadas surgem na minha mente. Afasto-
as com um safanão imaginário, não querendo que elas sigam por
um caminho ainda mais perigoso. O calor dentro desse carro já está
insuportável o bastante.
— Você vai descobrir hoje à noite. Afinal, é a nossa primeira
aparição como um casal.
A voz de Britney chega no refrão.
— Eu não vou te beijar, caso tenha se esquecido.
Olho-o por um curto segundo e retorno a atenção para a
estrada. Minhas bochechas estão formigando com o que estou
prestes a dizer. Provocar Anne é sempre uma delícia.
— Quem precisa de beijos quando se tem as mãos?
Britney para de cantar, como se soubesse que o clima mudou
drasticamente. Escuto apenas o som da minha respiração e a brisa
do vento atravessar as janelas parcialmente abertas.
— Se você ousar tocar um dedo na minha bunda, Reed, não
vou responder por mim.
— Acho que ainda estamos cedo demais para dedos na
bunda. — Brinco. — Mas tudo bem. Na próxima semana, quem
sabe?
O GPS indica o fim do trajeto e estaciono em frente a um
estabelecimento de dois andares, semelhante aos que aparecem
nas produções cinematográficas ambientadas em Paris. As letras
Bistrô Boucherie se destacam na fachada.
— Na próxima semana, estarei me certificando de que a
minha bunda fique bem longe da sua cama.
Faço um biquinho manhoso.
— Vou ter que aproveitar os poucos dias que me restam,
então. — Desligo o motor do Jeep e solto o cinto de segurança.
— Não ouse. — Bate com o indicador no meu ombro e
abaixa o espelhinho do quebra-sol. — Você não vai querer me ver
com raiva.
Apoio o cotovelo na lateral do volante, observando-a.
— Eu vejo você com raiva todos os dias, Annie. Não há nada
aí que eu já não esteja acostumado.
Ela bufa em descontentamento e abre a bolsa, pegando outra
bolsinha minúscula. De lá, tira um batom. Os olhos se concentram
nos lábios e o vermelho é deslizado por sua boca. Caralho. Meus
pulmões se contraem diante da visão. Acho que esqueci como se
respira.
A cena de Anne Scott sentada no banco do meu carro
passando batom vermelho vai me aterrorizar por anos, porque é
excitante demais. É uma tentação em formato de pessoa. É difícil
demais manter meu rosto inexpressivo quando ela leva o dedo à
boca e chupa, limpando os resquícios.
O barulhinho é a gota d’água que faltava. Desvio o olhar,
contraindo a barriga como uma forma de evitar que meu pau reaja a
essa cena.
Fica quietinho aí, porra.
— Vamos? — diz depois de guardar a bolsinha dentro da
outra bolsa. — Dave e Claire disseram que também viriam. Eles já
devem ter chegado.
Concordo com um aceno e saio do carro. Tranco as portas, o
alarme apitando, e contorno o Jeep. Estendo o braço, esperando
que ela entenda o gesto, mas os olhos são um mar confuso com
pontos de interrogação.
— O que foi?
— Me dê a sua mão.
Ela as esconde atrás das costas, desconfiada.
— Por quê?
Avanço um passo, ficando de frente para ela. Anne é alguns
bons centímetros mais baixa que eu, a sua boca pairando mais ou
menos na altura do meu pescoço.
— Porque você é minha namorada. — Pouso o polegar no
seu queixo, levantando-o. — Isso significa que nós devemos entrar
de mãos dadas.
Não espero que ela responda. Desço meus dedos do queixo
para o seu braço, deslizando em direção a mão, entrelaçando-as. A
palma de Anne está gelada, igual à minha. Acho que estamos os
dois mais nervosos do que gostaríamos de admitir.
Acaricio com o polegar o interior do seu pulso e ela respira
baixinho, ofegante.
— Promete que não vai terminar a noite dando um soco na
minha cara?
— Só se você prometer manter suas mãos longe da minha
bunda.
Me inclino para perto do seu ouvido e sussurro:
— Isso eu já não posso prometer. Ela é irresistível demais
para ser ignorada.
Tudo o que recebo é um soco de brincadeira no ombro.

Entro no Bistrô Boucherie com Anne ao meu lado.


O interior é iluminado com luzes amarelas e o teto imita o céu
estrelado do quadro mais famoso de Van Gogh. Nas paredes, há
espelhos refletindo não somente a nossa imagem, mas como os
outros detalhes do ambiente.
É bonito pra caralho.
Ouço um suspiro vindo de Anne, sua boca pintada de
vermelho abrindo um pouquinho em sinal de surpresa. As íris
brilham junto às lamparinas, criando estrelas no tom esverdeado. Ao
vê-la assim, ninguém poderia imaginar que ela rosna para mim
como um cachorrinho raivoso.
— Anne e Reed! — Escuto alguém nos chamar e viro
levemente o pescoço para trás, encontrando Claire.
Ela está acompanhada de Dave. Os dois estão tão bem
vestidos que poderiam estampar o catálogo da Vogue, sem
brincadeira. Hoje, ela dispensou as perucas, optando por usar os
cabelos naturais que fazem seu rosto se tornar muito mais jovem.
Já Dave decidiu prender os dreads em um coque torcido para
trás. O brinco na orelha balança quando ele dá um tapinha nas
minhas costas, me cumprimentando com um largo sorriso.
— Como vocês estão?
— Estamos bem. — Aperto com mais força os dedos de
Anne ao redor dos meus, não a deixando escapar. — Essa é a
nossa primeira aparição como um casal, então não estraguem tudo
com a boca grande de vocês.
Claire dá risada.
— O segredo de você está a salvo com a gente. — Finge tirar
uma chave imaginária do bolso de Dave, passando na boca dos
dois e a jogando por cima do ombro. — Vamos levá-lo para o
túmulo.
Sorrio com o seu bom humor.
Nunca gostei muito dessa ideia de namorar na universidade,
mas o relacionamento de Claire e Dave é uma das coisas mais
bonitas que já vi. Eles compreendem um ao outro, se respeitam e
sabem os limites de cada um. Sei que toda relação deveria ser
assim, mas é um pouco difícil acreditar nisso quando cresci cercado
de quatro divórcios.
Meu pai não trata suas esposas dessa maneira. Ele as exibe
como os troféus conquistados ao longo de sua carreira. Não se
preocupa se elas estão felizes ou tristes. O que importa para Ricky é
ser visto e lembrado.
Mordo a ponta da língua e me obrigo a prestar atenção na
conversa se desenrolando diante de mim. Anne e Claire estão
entusiasmadas conversando sobre uma empresa de tecidos da
costa leste, enquanto Dave finge entender. Ao notar o meu
semblante, ele indica a torre com bebidas. Caminhamos até lá.
Pego uma taça de champanhe e ele faz o mesmo.
— Então, o lance do namoro entre vocês é sério mesmo.
Bebo um gole, escondendo o sorriso atrás da taça.
— Tão sério que chegou aos ouvidos do meu pai.
— Sério?
— Infelizmente, sim — falo. — Ele me ligou hoje à tarde,
preocupado se o namoro não vai afetar a minha performance ao
longo da temporada.
Dave é uma das únicas pessoas que sabe sobre as
cobranças intermináveis de Ricky para cima de mim. Até tentei
contar a verdade para Mason e Keeran, mas travo todas as vezes.
Abrir meu coração e despejar a verdadeira faceta do meu pai para
os meus amigos não é tão fácil quanto eu gostaria.
E mesmo que Mason já não goste muito dele, sinto que eles
iriam me tratar diferente quando descobrissem. A maioria das
pessoas acham que ser filho de um astro é um presente divino. Um
golpe de sorte do caralho. Quase como nascer com a bunda virada
para a lua. Mal sabem eles que viver isso na pele é bem diferente.
— Que merda, cara. — Dave sorve um gole do champanhe.
— E como você está com isso?
— Tranquilo, porque não tem como Anne me atrapalhar no
esporte se ela nem é minha namorada de verdade. — Abaixo o tom
de voz, agradecendo pela música ambiente impedir que outras
pessoas escutem a nossa conversa. — Ainda assim, sei que terei
que encarar uma longa discussão quando for almoçar com ele de
novo.
— Já sabe quando vai ser?
— Em breve. Ele quer conhecer Anne também.
Dave assovia.
— Vai ser um almoço longo, então.
Concordo com um aceno.
— Não estou nem um pouco entusiasmado para esse dia.
— Bom, se serve de consolo, eu também estou apavorado
para conhecer a família da Claire.
Embora namorem há praticamente um ano, Dave ainda não
teve a oportunidade de conhecer a família de Claire por completo.
Os pais dela viajam muito por causa do emprego como cirurgiões
cardíacos em North Groove, então a única vez que eles estiveram
reunidos foi no Dia de Ação de Graças no ano passado.
E o pai dela estava ausente porque surgiu uma emergência
de última hora.
— Cuidado, as chances dele te furar com um bisturi no meio
do jantar são bem altas.
Dave se arrepia da cabeça aos pés.
— Você não está ajudando, Rollins.
— Você sabe que conselhos familiares não são a minha
praia, Morris — esclareço. — Mas é impossível o pai da Claire não
gostar de você. Já se olhou no espelho? Se ele te odiar, vou chamar
o time em peso para aterrorizar ele no estacionamento do hospital
em que trabalha.
— Aí é de vez que ele vai me odiar.
— Dizem que a primeira impressão é a que fica. Ele não vai
conseguir te esquecer nem mesmo se quiser.
A nossa conversa é interrompida com a aproximação de
Claire e Anne. Dave não perde tempo e enlaça a cintura da
namorada com o braço livre, dando um rápido beijo em sua boca.
As coisas entre eles são tão naturais que nem soa desconfortável.
Movo meus olhos para o rosto de Anne e me deparo com ela
já me observando. Trocamos um olhar silencioso. Arrumo uma
mecha do seu cabelo atrás da orelha, movendo os dedos em
câmera lenta. Como de costume, ela respira baixinho, controlando
as reações do próprio corpo.
Beijo a sua testa do jeito mais natural possível e sou pego de
surpresa ao senti-la se aconchegar mais perto de mim, o nariz
tocando a ponta do meu queixo.
— Saiba que isso é encenação, Reed — avisa. Os lábios,
então, depositam um beijo no meu pescoço. Nessa hora, o oxigênio
é totalmente drenado dos pulmões. — Porque não estou gostando
nem um pouco de sentir suas mãos em mim.
— É claro que não, joaninha — sussurro de volta e pouso
minha mão em sua cintura, subindo os dedos pela coluna. —
Também estou odiando sentir a sua boca no meu pescoço.
— É o único lugar que ela vai tocar, já aviso de antemão.
Uma curta risada arranha minha garganta.
— Eu já não posso dizer o mesmo sobre a minha.
Ela levanta o rosto. As sobrancelhas estão tão franzidas que
chegam a se tornarem uma só. Uso o polegar para acariciar o
centro de sua testa, desfazendo o franzido.
— Você é linda demais para ficar fazendo careta para mim o
tempo todo.
— E você fica muito mais bonito de boca fechada.
Abro um sorriso malicioso.
— Você me acha bonito, então?
Ela pisa de brincadeira no meu pé e dá um passo para trás.
Enceno um gemido de dor, me afastando também. Só depois que
percebo que Claire e Dave estão nos assistindo com um vinco de
preocupação. É difícil dizer o que se passa na cabeça deles, mas
não deve ser algo muito amigável, porque o lábio inferior de Dave se
contrai de um jeito que só acontece quando ele grita comandos
durante o jogo.
— Então...
Suspiro de alívio no momento em que Dave é interrompido
com a chegada de JP. Ele nos cumprimenta com um sorriso tão
largo que dói minhas bochechas só de olhar.
— Estou feliz que vocês tenham vindo. Minha namorada está
ansiosa para conhecer vocês. — Ele se vira e grita de um jeito nada
elegante: — Ei, Gina, venha aqui!
Escuto o batuque de saltos se aproximar e meu coração para
de bater por um milésimo de segundo. Bons generosos anos podem
ter se passado, mas eu a reconheceria em qualquer lugar. O cabelo
ruivo é algo difícil de se esquecer, ainda mais quando já estampou
várias capas de revistas de fofocas.
— Gina, meu amor, quero que você conheça os meus
parceiros de time e suas namoradas. — JP apresenta primeiro Dave
e Claire e então se vira para nós. Há um nó comprimindo o meu
estômago. — E esses são Anne Scott e ...
— Reed Rollins. — Ela interrompe o namorado, os olhos tão
arregalados que poderiam saltar de órbita.
— Gina Bastien. — Faço um rápido aceno de cabeça. O
ambiente gira ao meu redor em um carrossel em alta velocidade.
— Vocês se conhecem? — JP pergunta em uma careta nada
discreta.
Procuro pela mão de Anne, entrelaçando os nossos dedos. O
que estou prestes a dizer não vai ser nem um pouco divertido.
— Gina é a terceira ex-esposa do meu pai.
 
“Eu senti amor, encontrei paz do tipo mais puro e o seu amor brilha
tão forte.
Você me traz de volta à vida”
God Made You Beautiful | Beyoncé
 

 
Se constrangimento tivesse um cheiro, eu diria que seria de
champanhe importado.
As bochechas coradas de Gina denunciam a sua vergonha.
Já o seu namorado esboça uma expressão nada contente, os
cantos dos lábios pendendo para baixo. Nenhum de nós esperava
por uma situação como essa.
— Oh! — Claire arfa ao meu lado e cobre a boca com a
palma da mão.
— Isso não tem nenhuma graça, Rollins — JP resmunga. A
mão dele pousa sobre o ombro nu de Gina, puxando-o para mais
perto.
— Ele não está brincando, JP — ela diz. — Fui casada com
Ricky Rollins há alguns bons anos. Você não se lembra porque,
bem... era uma criança.
Os acordes da música clássica mudam e os dedos de Reed
se apertam com mais força ao redor dos meus. Minha garganta
coça para fazer uma reclamação, mas sei que essa não é a melhor
hora. Gina está quase cavando um buraco no piso para se
esconder.
Me apresso em tomar uma atitude. Se a gente continuar
nessa tensão, vou acabar vomitando em meus próprios pés.
— Seu restaurante é lindo, Gina — elogio. — Estou
encantada com a arquitetura. 
Gina abre um sorriso que deixa evidente o seu alívio.
— Depois de um tempo conturbado na minha vida, decidi me
mudar para a França. Me especializei em vários cursos de
gastronomia e, como o meu avô era francês, decidi abrir esse
restaurante em sua homenagem — explica, entusiasmada. — É
uma realização não somente para mim, mas também para a
memória dele.
Ela continua seu discurso sobre os anos vivendo na França
e, conforme o assunto avança, Reed relaxa ao meu lado. Seu
aperto se torna mais leve e as gotículas de suor deixam de existir.
— Daqui a alguns minutos, vamos servir o bufê. Fiquem à
vontade — Gina avisa e afaga meu ombro, em um gesto de
agradecimento não dito em palavras.
Abro um sorriso e observo ela e JP se moverem em direção
aos outros convidados, dando-lhe as boas-vindas. Gina tem uma
presença marcante. O cabelo ruivo destaca sua pele branca como a
neve e os olhos verdes são idênticos a uma floresta. O vestido
vermelho a deixa ainda mais deslumbrante.
— Quando o seu pai se casou com ela?
Reed também está a observando.
— Quando eu tinha 13 anos, eu acho. Não me lembro ao
certo. — A taça de champanhe continua em suas mãos. — Foi o
casamento mais longo e eles tiveram gêmeos. Foi a única esposa
que não detestei.
— E por que eles se divorciaram?
Reed dá de ombros.
— Pelo mesmo motivo que todas as outras pessoas se
divorciam.
— E qual seria?
— Não faço ideia. Nunca fui casado, Annie — diz,
debochado.
— Larga de ser chato, Reed — reclamo. — Houve traição?
Uma centelha de mágoa cruza o seu olhar, mas desaparece
tão rápido quanto surgiu.
— Não que eu saiba. Acho que as coisas só pararam de dar
certo. — O garçom passa do nosso lado e Reed me entrega uma
taça de champanhe. Experimento um golinho. — Gina se mudou
para outra cidade e seguiu com a vida.
— E os gêmeos?
— Eles detestam futebol americano. — Ele soa brincalhão. —
Então, digamos que eles não são os filhos favoritos do meu pai.
— Ah, então é você?
Reed levanta uma das mãos e faz um sinal para o próprio
corpo atlético.
— Sou o favorito de todo mundo.
— Menos o meu.
— Ainda não sou — me corrige e dá um peteleco no meu
nariz. — É só uma questão de tempo para que eu seja o seu
número um.
— Você já é o meu número um.
— Sou? — Há um traço de esperança em sua voz.
— Óbvio que sim. — Fico na pontinha dos pés e sopro o ar
quente em sua boca. — O número um da lista de pessoas que mais
odeio.
Reed reage de um jeito inusitado. Leva a taça de champanhe
aos lábios, sorvendo um generoso gole. Em nenhum momento, ele
desvia o olhar do meu.
— Continue repetindo isso que, quem sabe, você consiga me
convencer que todo o seu ódio por mim não é tesão reprimido.
A taça é abaixada. Não há nenhum resquício de bebida ali.
— Posso ter muitas coisas reprimidas, Reed, mas tesão por
você não é uma delas. Não tenha dúvidas disso.
— Quero ouvir você dizer isso daqui a três meses.
Dessa vez, sou eu que encho a minha boca de champanhe.
O gosto é tão maravilhoso que quase me esqueço que Reed Rollins
habita o mesmo universo que o meu.
— Daqui a três meses, eu espero estar bem longe de você,
isso sim. 
Reed ri. O som repercute pelo meu corpo como uma rajada
de vento que antecede a tempestade. O rumo dessa conversa se
torna cada vez mais perigoso.
— Guarde bem suas palavras, joaninha — sussurra em meu
ouvido. — Porque não vou hesitar em usá-las contra você quando
estiver deitada na minha cama implorando por mais.
Entro no seu jogo. Giro sutilmente o corpo para o lado, de
forma que agora estejamos de frente um para o outro. Reed está
bonito pra cacete com o cabelo penteado para trás, a camisa branca
com os primeiros botões abertos e a barba bem feita.
— E pelo o que eu imploraria?
O pomo-de-adão sobe e desce conforme ele engole em seco.
A mão livre, que não está segurando a taça, contorna a minha
cintura de um jeito nada comportado. O polegar brinca com a
costura do vestido, se aproximando de forma perigosa da minha
bunda. Se ele me tocar lá, não garanto que ele voltará para casa
com o nariz inteiro.
— Por minha boca em todos os lugares do seu corpo. — O
tom é tão baixo que, se eu não estivesse com a atenção fixa em
seus lábios, eu jamais entenderia. — Até mesmo naqueles lugares
que nunca ninguém ousou experimentar.
Uma batida do meu coração vacila e preciso me controlar
para não esboçar nenhuma expressão.
— Sorte a nossa, então, que isso nunca vai acontecer.
Porque a única coisa pela qual vou implorar é para que você
desapareça da minha vida.
— Só mais alguns meses, Annie. — Reed abaixa a mão,
deixando o calor da sua ausência em minha pele. — E então você
vai poder fazer uma festa em minha despedida.
— Vou esperar ansiosamente por esse dia.
Limpo o cantinho dos lábios molhados de champanhe com a
ponta dos dedos. Reed acompanha o deslizar do meu polegar, meio
fascinado.
— Eu também esperarei. Vou até mesmo marcar no meu
calendário.
— Também quer se livrar de mim?
Ele sorri, acentuando a covinha.
— Você não imagina o quanto.

Estou mais bêbada do que gostaria.


Tudo ao meu redor está girando de um jeito nada legal. Solto
um arroto, rindo comigo mesma e torcendo para que Reed também
dê uma gargalhada. Ele, no entanto, mantém a atenção fixa no
trânsito.
Depois da conversa que tivemos, me entupi de champanhe
com Claire até que o jantar fosse servido. Gina fez um discurso
genial, agradecendo a presença de todos e a ajuda que o
namorado, JP, lhe ofereceu durante o processo de abrir o próprio
restaurante. Foi tão fofo que eu quase acreditei que o amor pode
nos encontrar incontáveis vezes ao longo da vida.
Os efeitos da bebida surgiram depois, mais especificamente
ao final da inauguração. Claire não estava em condições melhores
que as minhas quando entrou dentro do carro de Dave, dando tanta
risada que chamou a atenção de alguns garotos do time.
Eu já fui mais contida.
Ou talvez não.
Não sei.
Reed está me ignorando desde que colocou o cinto de
segurança em mim.
— Você não vai dizer nada? — Choramingo, emburrada.
Ele diminui a velocidade do Jeep e noto, de relance, que já
chegamos em casa. Mais especificamente, na casa que ele divide
com os amigos. Ainda não considero esse lugar minha casa de
verdade. Nem sei se vou considerar. Não quero me apegar para,
daqui a três meses, ter que recomeçar novamente.
— O que você quer que eu diga? — Desliga o motor do carro.
As luzes traseiras permanecem acesas, impedindo que a gente
fique na escuridão da garagem.
— Não sei. — Deito a cabeça no encosto do assento. — Que
eu sou muito divertida?
— Você não é divertida, Annie.
Suspiro baixinho, meu corpo ficando molengo.
— O que eu sou, então?
— Uma bêbada irritante.
Escuto o clique do meu cinto e, depois, vejo seus dedos o
empurrando para trás, me libertando. Antes que ele possa se
afastar, fecho minhas mãos ao redor do seu braço. Nossos rostos
estão próximos, de um jeito que me faz enxergar detalhes que eu
não havia percebido antes.
Reed tem uma minúscula pintinha próxima do olho. É tão
pequena que preciso estreitar os olhos para conseguir enxergá-la
com clareza. Afundo o dedo ali e solto uma risada.
— Não pedi para que você me insultasse — murmuro,
grogue. — Queria que você me elogiasse.
Uma mecha do meu cabelo é afastada para trás. Só agora
me dou conta de que uma parte da franja estava recaída sobre o
meu olho, me impedindo de enxergar com clareza. Noto que as
luzes abaixaram a intensidade, de forma que uma sombra escura
nos cerca.
— Que elogio você quer ouvir, joaninha?
Passo a língua pelos dentes, a boca seca.
— Você me acha bonita?
— Sim.
— De verdade?
Reed abre um sorriso.
— Sim, Scott. Eu te acho bonita.
— E divertida?
Dessa vez, o sorriso desaparece, dando vez a uma careta.
— Nem sempre.
Murcho.
— Posso lidar com isso, porque você também é bem chato.
— Me aconchego melhor no assento, o sono chegando. — Tão
chato e sem graça que me dá preguiça.
O som da risada dele preenche o espaço.
— E você?
— O que tem eu?
Reed abaixa a vista e seus dedos pousam sobre os meus.
Percebo, tarde demais, que minha mão ainda está em seu braço,
impedindo que ele se mova. Antes que eu tenha a chance de me
afastar, ele entrelaça os nossos dedos. Exatamente como
aconteceu durante toda a noite no restaurante, é estranho sentir o
calor de sua pele contra a minha.
Sua mão grande praticamente engole a minha. Sou um
bichinho indefeso entre seus dedos.
— Você também me acha bonito?
Meu dedo, que ainda estava em sua bochecha, desliza para
cima. Acompanho o contorno de suas sobrancelhas e desço ao
longo do nariz reto, chegando aos lábios. Minha mão treme,
enquanto a outra permanece escondida embaixo da sua.
— Às vezes — confesso. — Depende do dia, na verdade.
— E hoje?
Minha mão continua a descer, chegando na gola da camisa.
Brinco com o botão. Minhas pálpebras estão pesadas, mas obrigo-
as a se manterem abertas. Essa é uma das poucas vezes que estou
conversando com Reed sem querer arrancar a sua cabeça ou
chutar a sua bunda.
— Hoje, sim. — Fecho os olhos. — Hoje você está muito
bonito. Mas, por favor, vamos fingir que eu nunca disse isso.
Reed ri.
— Não se preocupe. Seu segredo estará a salvo comigo. Vou
guardá-lo em meu coração.
Resmungo uma resposta que nem eu mesma consigo
entender. A escuridão então, causada pelo sono e pela bebida em
excesso, me atinge em cheio e a última coisa que sinto é o polegar
de Reed acariciando meu pulso, os outros dedos ainda juntinhos ao
redor dos meus — da mesma forma que estiveram ao longo de toda
a noite.
Isso me faz sorrir. E eu prefiro não saber o motivo.

Acordo na manhã seguinte com uma terrível dor de cabeça e


um mau humor do caralho.
Fragmentos da noite anterior retornam de forma bagunçada e
a última coisa que me recordo é de ajeitar a montanha de
travesseiros entre mim e Reed antes de pegar no sono. Quando saí
do quarto, encontrei Mason preparando o café da manhã na
cozinha. Ele disse que Keeran e Reed saíram para treinar e que não
voltariam até a hora do almoço.
Foi com essa informação em mente que decidi pegar um
ônibus e ir até Sunbay visitar a minha mãe depois de vários dias
ausente.
Encarar uma conversa com Reed sobre o meu
comportamento bêbado não é o meu top cinco de assuntos favoritos
do momento. Prefiro empurrar para debaixo do tapete pelo máximo
de tempo disponível. Ou seja: até o sábado acabar.
E enquanto o relógio não marca o fim deste dia, eu vou me
refugiar na pequena casa de três quartos em que morei até alguns
meses atrás.
Quando saltito para fora do ônibus, encaro a fachada. A
maioria das casas em Sunbay são tão compostas por aquela
energia praiana: grandes varandas que oferecem uma sensação de
conforto e gramados verdinhos, além de um deque com churrasco.
No entanto, diferente das outras residências da vizinhança, a
casa de minha mãe é uma extensão de sua personalidade. Basta
bater o olho nela que você diz: essa casa é de Daisy Scott.
Minha mãe é um ser humano cheio de energia, com uma luz
que preenche nossos corações. Ouvi dizer uma vez que cada
pessoa tem uma cor de áurea. Daisy Scott tem todas as cores. Ela é
uma mistura de tenra alegria e doce felicidade.
Quem a vê andando pelo calçadão de Sunbay e trabalhando
até tarde mal imagina que, no auge do seu casamento, perdeu o
marido em um acidente no mar.
Ninguém da família gosta de falar sobre esse assunto. Nem
ela, nem eu e tampouco Alex. A morte de Gustaf é aquela ferida que
luta para se cicatrizar. Seu processo de cura é lento e, quando
achamos que ela não passa de um machucado esquecido, a
lembrança retorna e tudo volta a ser como antes.
De nós três, eu sou a única que não sofre com a dor das
memórias. O que eu tenho são fotografias e cenários que minha
própria imaginação criou a respeito do meu pai. Durante a minha
infância, eu imaginava que, se tivesse outra chance, ele me
buscaria na escola nos finais de tarde e me ensinaria sobre
navegação.
Aos finais de semana, nossa família sairia reunida para
passear de bar e contemplar o pôr do sol no horizonte. Nesse
mundo utópico que criei através de fotografias espalhadas pela
casa, Gustaf e Daisy viveriam a sua história de amor até o último
suspiro de suas vidas.
Seria eterno, como deveria ter sido desde o começo.
Pena que a vida não funciona desse jeito.
Limpo uma lágrima solitária que eu nem percebi que havia
derrubado e subo os degraus que levam a porta de entrada na
varanda comprida. Como de costume, há vasos de cactos
descansando no parapeito da janela e um carrinho de tintas
encostado no canto.
Fecho os dedos em punho e dou duas batidas na porta. Logo
em seguida, sou recebida por um abraço que tem cheiro de hortelã
e amaciante de roupas.
— Achei que tivesse esquecido que sou sua mãe, danadinha!
— Aperta minha bochecha. — Seu irmão já voltou para North
Groove porque tem um jogo importante da liga infantil hoje. Então,
seremos só nós duas.
— Melhor ainda. Assim, não preciso aguentar ele pegando no
meu pé.
Daisy dá uma curta risada e move os pés para trás, me
dando passagem para entrar. O ambiente é uma mistura de cores
vibrantes e obras de arte penduradas nas paredes coloridas.
— Podem se passar anos e vocês dois ainda vão se
comportar como dois adolescentes quando estão juntos.
— Ele que é irritante pra cacete.
— Olha a boca, Anne! — Ela dá um tapinha de brincadeira na
minha bunda e me empurra para o sofá. A cozinha fica ao lado da
sala, então consigo vê-la se movimentar enquanto prepara um chá
para nós duas. — Ele foi te visitar na lanchonete?
— Foi sim, ontem à tarde. Conversamos e logo depois ele foi
embora. Disse que tinha uns problemas para resolver antes de
voltar para North Groove.
A água quente é despejada em uma das xícaras.
— E como estão as aulas?
— Estão bem. Estou com dificuldade em Redação Criativa,
mas nada que você deva se preocupar.
Daisy franze as sobrancelhas loiras de forma que as rugas ao
redor dos seus olhos esverdeados se acentuam.
— Não me preocupar? — Faz um muxoxo. — Isso jamais vai
acontecer. Vou me preocupar com você e com Alex até quando eu
não estiver mais aqui.
Abraço uma almofada no formato de um pavão.
— Você merece viver, mãe. Viver os anos que nós sugamos
de você.
— Ninguém sugou nada de mim, Anne — me repreende. —
Estou muito feliz assim.
Ela termina de encher a última xícara e devolve a chaleira
para o fogão. Retorna para a sala com uma bandeja com os nossos
chás e uma fornada de cupcakes em um pratinho. O cheiro de
chocolate me dá água na boca e preciso me segurar para não
atacá-los.
Não tomei café antes de vir para cá. Só levantei da cama, me
arrumei e entrei no primeiro ônibus. Nem mesmo chequei o meu
celular. Deve haver inúmeras mensagens de Claire comentando
sobre a noite passada.
— Queria que você se divertisse mais... — Pego a xícara
com o chá fumegante. — Saísse com suas amigas, viajasse para
North Groove e, sei lá, tatuasse um elefante na bunda.
Ela dá risada.
— Estou feliz assim, Anne. — Se acomoda ao meu lado no
sofá e usa uma das almofadas coloridas para apoiar as costas no
encosto. — Gosto de passar minhas tardes trabalhando na
lavanderia e pintando quadros pela manhã. Não existe nada mais
satisfatório que terminar a noite bebendo uma taça de vinho ao som
de Madonna.
— Tem certeza?
Os dedos finos empurram os cabelos loiros e curtos para
trás, revelando os ombros cobertos por um vestido de babados na
cor vermelha. O tom combina com a sua pele branca e levemente
bronzeada por causa do sol.
— Não pense tanto nesse assunto — diz daquele jeito
manhoso que toda mãe domina como ninguém. — Você é jovem
demais para ficar pensando se eu estou tatuagem um elefante na
minha bunda ou não.
Dessa vez, a risada me escapa antes que eu possa me
controlar.
— Só quero que você seja feliz.
Quando digo isso, nossos olhares recaem sobre o porta-
retrato na estante. Ela e Gustaf estão abraçados na orla de Sunbay,
logo após a cerimônia do seu casamento. A foto, por causa da
passagem do tempo, está amarelada em alguns cantos. O registro
não faz jus a beleza da cidade litorânea.
— Eu sou muito feliz, Anne. — A voz dela soa distante. —
Sou feliz pela família que construí, pelo amor que ainda sinto por
seu pai e por ter dois filhos maravilhosos.
Discretamente, enxugo uma lágrima traiçoeira.
Deixo a xícara em cima da mesinha de centro, que é um
caixote antigo, e puxo minha mãe para um abraço. Enterro o rosto
na curva do seu pescoço e fecho os olhos, desejando transmitir, por
meio desse gesto, o amor gigantesco que sinto por ela. Bem lá no
fundo, nós sabemos que ela só não desistiu porque tinha Alex e eu
em suas vidas.
E nós sempre seremos gratos por ela enfrentar tantas coisas
em prol da nossa felicidade.
 
 
“Não quero, mas eu penso em você”
Heat Waves | Glass Animals
 

 
Sábado é o dia que Dave, Mason, Keeran e eu nos reunimos
na sala e assistimos um filme na televisão.
A tradição começou quando Dave descobriu que eu tenho
uma paixão — nada secreta — por produções cinematográficas.
Então, depois de muita insistência e um longo jogo de suborno,
Keeran e Mason aceitaram se juntar a nós. Para tornar o processo
mais justo, cada um tem direito a escolher um filme por mês.
Hoje, a escolha foi Uma Linda Mulher.
Não vou nem comentar sobre quem foi que fez essa escolha,
porque a resposta é óbvia.
Jogo o meu corpo no sofá e levo um punhado de pipoca à
boca, esperando que Mason ache o filme na Netflix. Cinco minutos
depois, Keeran e Dave retornam da cozinha com quatro garrafas de
cerveja. Acho que esse é o último final de semana que podemos
encher a cara sem ter medo das consequências.
A temporada de jogos começa na segunda e temos o
primeiro jogo marcado contra os State Tigers na sexta. Estou
borbulhando em tensão e expectativa. Temos esperança de
conseguir chegar aos playoffs desta vez. O treinador também está
confiante.
— E a sua namorada? — Keeran pergunta, ao se acomodar
na poltrona livre e chutar os coturnos para longe.
Dave senta na poltrona oposta e se livra da jaqueta do time.
— Não faço a mínima ideia.
A noite anterior foi uma comédia. O que começou com um
clima terrível no restaurante terminou com Anne bêbada dentro do
meu carro perguntando se eu a achava bonita. Foi difícil conter a
risada ao vê-la choramingar e fazer beicinho.
Depois de ajudá-la a subir para o quarto, dei a devida
privacidade para que trocasse de roupa e escovasse os dentes.
Quando entrei no quarto, Anne estava com o corpo esticado na
cama e o rosto enterrado no colchão. Sem escolha, me vi ajeitando
a colcha e a colocando para dormir com a barreira de travesseiros
nos separando.
Não preguei os olhos quase a noite inteira. Só fiquei lá,
deitado, encarando o teto e ouvindo o som da sua respiração calma.
Ainda estou com dificuldades em acreditar que JP, o meu colega de
time, está namorando Gina, a ex-mulher do meu pai e 16 anos mais
velha que ele.
— Ela saiu logo depois que vocês foram treinar — Mason diz.
— Não disse para onde iria, mas parecia apressada.
Dou uma checada no meu celular. São oito horas da noite.
Sei que não tenho nada a ver com o que Anne faz ou deixar de
fazer, mas fico momentaneamente preocupado com o seu
paradeiro. Será que ela foi se encontrar com alguém? Um possível
namorado?
Para com isso, Reed.
— E a Claire? — Mason pergunta para Dave ao se levantar
do chão e pegar por sua bacia de pipoca.
— Está na irmandade trabalhando em um projeto de roupas
sustentáveis que ela vai apresentar na segunda para uma empresa
da costa leste.
Mason se senta ao meu lado e bebe um gole da cerveja.
Keeran faz o mesmo e solta um arroto nada discreto. Dave nem fica
incomodado. Na fraternidade, deve ser ainda pior.
— Quer dizer, então, que hoje podemos convidar várias
strippers para a nossa noite do filme? — As sobrancelhas de Keeran
fazem uma dancinha ridícula.
— Você não consegue pensar em outra coisa além de
mulher, cara?
Escondo uma risada atrás da almofada.
— Futebol americano também. 
Dave anui em concordância, mas a expressão no rosto dele
me dá vontade de gargalhar alto. Ele bem que tenta, mas é péssimo
em disfarçar quando não está contente com algo.
— Nada além disso?
Keeran observa o rótulo da cerveja.
— E precisa de algo além disso?
Meu melhor amigo pressiona a ponte do nariz e gesticula
com o queixo para Mason.
— Só coloca esse filme de uma vez, Henderson.
Keeran dá uma risada e apaga as luzes, deixando somente o
abajur lateral aceso. 
O play no filme é dado e o rosto de Richard Gere, no papel
do bilionário Edward, ilumina a sala. Julia Roberts está bonita pra
cacete em Uma Linda Mulher. A gente entende porque o Edward se
apaixonou por ela. Até eu me apaixonaria, porra.
Quando a icônica cena ao som de Oh, Pretty Woman
começa, a porta de entrada é aberta. O curioso é que só eu pareço
notar. Keeran, Mason e Dave mantém seus olhos fixos na televisão,
encantados com Vivian provando roupas e mais roupas em lojas de
grife.
Estico o pescoço e procuro por Anne. De costas para a sala,
ela tira os sapatos e pendura a jaqueta no cabideiro, fazendo o
mesmo com a bolsa. As luzes apagadas não me oferecem uma
visão digna de um Oscar, mas é boa o bastante para que eu a note
franzir as sobrancelhas para a televisão.
— Vocês estão assistindo Uma Linda Mulher?
Mason e Dave praguejam um palavrão ao levarem um susto
do caralho. Keeran procura o controle e pausa o filme. A expressão
no rosto indica que ele não gostou da intromissão.
— Cacete, Anne. — Mason leva a mão ao coração. — Que
porra. Desde quando você está aí?
— Acabei de chegar. — Cruza os braços e se aproxima. —
Desde quando vocês assistem filme de romance?
Keeran bebe um gole da cerveja.
— Homens não podem assistir filme de romance?
— Não foi isso que eu disse.
— Mas foi isso que você pensou, joaninha — provoco-a, lhe
direcionando uma piscadela.
Ela bufa em descontentamento e gesticula com o queixo para
a televisão. Não acredito que paramos na melhor parte do filme. Ver
um bilionário se apaixonar por uma prostituta nunca foi tão divertido.
— De quem foi a ideia?
Mason vira no sofá, ficando de joelhos para conseguir
observá-la. Noto que os olhos de Anne estão inchados, como se
tivesse chorado antes de vir pra cá.
— Todo sábado, a gente assiste a um filme. Hoje foi meu dia
de escolher. — Balança as sobrancelhas, animado.
— Quer se juntar a nós? — Dave é quem pergunta com o seu
jeito gentil de sempre. — Ainda tem pipoca e cerveja sobrando.
Anne vacila, ponderando se deve aceitar o convite. Mason
faz um biquinho e pisca as pálpebras igualzinho ao Gato de Botas.
Se ele não conseguir convencer Anne a se juntar a nós, ninguém
mais irá. 
— Okay — cede e contorna o sofá, se sentando entre mim e
Mason. — Vocês me convenceram, mas só por causa da pipoca. A
cerveja eu dispenso.
Oculto o meu sorriso atrás do gargalo.
— Noite difícil, Scott?
Ela me fuzila com o olhar.
— Você não faz ideia do quanto, Rollins.
Entrego a Anne a minha vasilha com pipoca e Dave volta a
dar play no filme. Dessa vez, não somos interrompidos por ninguém.

Estou saindo do chuveiro quando vejo Anne parada em frente


às prateleiras que tenho pregadas na parede. Há ali vários troféus
conquistados na época da escola, tanto da liga infantil quanto da
juvenil. Exibi-los por aí foi ideia do meu pai. Por mim, eles estariam
encaixotados dentro do armário.
Pigarro, chamando sua atenção. Anne continua de costas
para mim, os braços cruzados na altura do peito.
— É uma coletânea invejável. Desde quando você joga?
— Desde os dez anos.
Ela assovia.
— Tempo pra cacete. — Seu tom de surpresa chega a ser
palpável. — Foi ideia do seu pai?
Respiro fundo, me recordando de quando conquistei o
primeiro troféu. Ricky Rollins mandou fazê-lo com um dos seus
amigos. Não era nada relacionado aos campeonatos estudantis. Foi
mais como uma recompensa por eu ter decidido que queria jogar
futebol americano. Lembro-me como se fosse ontem quando ele
bagunçou meus cabelos e disse que tinha um presente para mim.
Desde então, conseguir outros troféus se tornou um objetivo.
Não somente para mim, mas para ele também. A ideia sempre vai
ser que eu conquiste o mundo e que me torne tão bom quanto ele
foi — melhor, até. É tão cansativo que, às vezes, gostaria de ter dez
anos novamente e decidir por outros esportes. Beisebol, talvez.
— Inconscientemente, sim — confesso. — Sabe aquele
desejo de criança de agradar aos pais? Conseguir fazer com que
eles abram aqueles sorrisos direcionados somente para a gente?
Era isso que eu queria. Queria que meu pai sorrisse cheio de
orgulho para mim.
— E então você começou a jogar futebol americano.
Confirmo com um aceno e me aproximo, ficando de frente
para os troféus na parede.
— Você já pensou em parar?
A pergunta me faz virar o rosto. Anne imita a minha posição,
me observando com seus olhos esverdeados. Hoje, eles estão mais
escuros, até meio líquidos. Sei que ela chorou antes de voltar para
casa, mas não acho que tenhamos intimidade para eu perguntar o
que aconteceu.
Ela me odeia, afinal de contas.
E a gente nunca confia nossos segredos e inseguranças a
esse tipo de pessoa.
— Nunca. Não é uma possibilidade. — Anne concorda, em
silêncio, provavelmente sem saber o que dizer. — E você?
— O que tem eu?
— Gosta de futebol americano?
O rosto dela se contorce faz uma careta que me arranca uma
risada.
— Gostar é uma palavra muito forte. Eu apenas aturo por
causa do meu irmão.
Se me lembro bem, Anne tem um irmão mais velho, Alex
Scott. Não o conheço, mas pelo o que Dave me contou, ele era a
estrela dos Rebels Of Horizon anos atrás. Só que, contrariando as
possibilidades e o que o pessoal dizia, ele não se inscreveu no draft.
Decidiu que queria ser treinador e jogou para o alto a chance de ser
uma estrela da NFL.
Admiro a coragem dele, porque esse é o tipo de decisão que
eu dificilmente tomaria.
— A propósito, tenho um jogo na semana que vem. Como é
em Barryton, você deu sorte. — Uma ruguinha na testa de Anne
surge, em sinal de que não está entendendo nada do que estou
falando. — Mas, da próxima vez, quero que você vá me assistir.
— Nem fodendo.
— Ah, você vai sim. — Diminuo a distância entre nós e giro o
polegar ao redor da correntinha que descansa em seu pescoço. —
E você ainda vai usar uma camiseta com o meu nome estampado
nas costas.
Seus lábios se repuxam em uma linha reta de puro
descontentamento.
— Você está fazendo isso por que me odeia? É algum tipo de
vingança pelo que aconteceu ontem à noite?
Sorrio.
— Eu não iria tocar no assunto, mas já que você abriu essa
boca safada pra me relembrar...
— Não aconteceu nada ontem.
Inclino a cabeça para o lado em um gesto de deboche.
— Tem certeza? Porque, se me lembro bem, você perguntou
se eu te achava bonita.
As bochechas assumem um delicioso tom rosado. Ela está
tão fofa de braços cruzados e com a petulância colorindo as suas
feições que tenho vontade de puxá-la para mais perto e enterrar o
meu nariz em seu pescoço só para sentir aquele delicioso cheiro de
morango que emana de sua pele.
— Eu estava bêbada.
Ergo uma única sobrancelha.
— E o que isso significa?
Anne dá um passo para frente e fica na ponta dos pés, de
forma que nossos narizes se mantêm separados por pouquíssimos
centímetros.
— Significa que minha capacidade de formar pensamentos
coerentes foi pro ralo. Virou líquido feito de cevada, caso ainda não
tenha entendido.
Preciso tossir para mascarar a minha risada.
— Então agora eu posso dizer que você é tudo, menos
bonita?
Ela abre um sorriso cheio de crueldade e resvala,
propositalmente, a pontinha do nariz no meu queixo. O toque sutil
não deveria significar muita coisa, nem mesmo me abalar, mas é
como se uma bola de canhão acertasse em cheio o meu estômago.
— Você pode até dizer — sussurra cada uma das sílabas
com uma lentidão cheia de luxúria —, mas eu sei que é mentira.
Seus olhos não mentem, Reed.
— E o que eles estão dizendo agora, joaninha?
Longos segundos se passam, com nossos olhares
conectados um ao outro. O quarto desaparece, restando somente
Anne Scott e Reed Rollins na porra do mundo. Sentir essa sensação
em toda a minha pele não é nada confortável. É um grito
ensurdecedor para ter cautela.
Preciso fechar as mãos em punho com força para não tocá-la
do jeito que quero.
— Não sei... — A ponta da unha desliza pela extensão do
meu braço. — Me diga você.
Um grunhido escapa da minha garganta e essa é a reação
que Anne precisa para soltar uma risada malvada e mover os pés
para trás, se afastando. A visão dela, com o cabelo bagunçado e os
lábios entreabertos, vai me assombrar por longas noites.
E quando ela gira sobre os calcanhares e segue em direção
ao banheiro, me dando uma visão privilegiada da sua bunda coberta
pela calça jeans, eu tenho a certeza que estou muito fodido.
Fodido em proporções que só um banho de sal vai poder me
salvar.
Com isso em mente, forço minha língua a acordar do transe e
reagir.
— Annie.
Ela paralisa, a mão fechada ao redor da maçaneta da porta.
— Eu estava falando sério. Quero você na arquibancada
usando a minha camiseta e torcendo por mim como uma namorada
apaixonada e loucamente viciada em ver o seu grande amor
jogando deve fazer.
O dedo do meio levantado que recebo faz a noite valer a
pena.
 
“Você agarrou meu corpo como se você o quisesse para sempre.
Que mentira, que mentira, que mentira”
What a Time | Julia Michaels (feat. Niall Horan)
 

 
No final da tarde de quarta, estou organizando minhas coisas
no meu novo quarto.
Reed comprou uma cômoda de quatro gavetas, um colchão
muito maior do que o que eu tinha no apartamento de Sidney, uma
escrivaninha e, curiosamente, uma estante para os meus livros. O
bônus é uma poltrona azul bebê. Só de olhar pra ela, fico apavorada
porque deve ter custado muito caro.
Reed Rollins e sua carteira infinita de dinheiro podem ir tomar
no cu.
— Uau — Claire elogia ao passar pela porta segurando uma
caixa com as minhas roupas. — Eu bem que disse para você que vir
morar com os meninos não seria uma péssima ideia.
— É uma ideia horrorosa, na verdade — digo de forma
divertida e tiro dois livros da caixa, colocando-os na estante. — A
minha sorte é que posso usar esses três meses para procurar algo
melhor.
— Algo melhor? — As sobrancelhas pintadas com sombra se
erguem de forma que acabam sumindo por debaixo da franja da
peruca ruiva. — Você acha isso aqui ruim?
O indicador aponta para a grande cama de casal e, depois,
para o mural de fotos que o montador dos móveis pregou na parede
para mim.
— Não é que seja ruim, Claire. Só que não é meu.
Ela bufa e se deita na cama, balançando os pés.
Hoje, suas roupas não são uma mistura de elementos, o que
é uma novidade. Calças jeans desbotada, camiseta de algodão com
uma frase em italiano estampada que não consigo traduzir e
coturnos pretos. O único ponto colorido é a peruca ruiva comprida
com uma franjinha meiga.
— É seu. — Insiste e puxa uma almofada para apoiar
embaixo do pescoço. — Seu quarto tem até um banheiro. Não sei
como isso pode ser insuficiente.
Retorno a atenção para os livros, não querendo discutir com
ela.
É difícil fazer Claire entender que conquistar as coisas por
conta própria é algo que priorizo na minha vida. Posso ter esse
quarto perfeito para mim, mas cada item, desde o tapete embaixo
da cama às almofadas coloridas, foram compradas com o dinheiro
de Reed.
E até eu pagar por cada item, não vou sentir que eles são
totalmente meus.
Diante do meu silêncio, minha amiga se remexe na cama.
Agora, ela está com a barriga descansando no colchão e as pernas
cruzadas para o alto, o rosto encaixado entre as palmas da mão. O
sol atravessa a fina cortina, iluminando os pontinhos de glitter do
hidratante em sua pele negra-escura.
— Eu sei o que você está pensando — fala de um jeito
manhoso. — Você quer que cada item seja seu de verdade e não
um mero favor que o Reed fez para você. Mas, Anne, não tem
problema em deixar as pessoas ajudarem a gente. As coisas que
tinham no apartamento da Sidney também não eram suas.
— Eu só peguei emprestado — retruco. — Ela não me deu
de presente um quarto inteiro mobiliado.
— Encare isso como um empréstimo, então. Depois que os
três meses acabarem, você devolve para o Reed e fim de papo.
Suspiro alto, desistindo de vez de discutir. Claire Howard não
vai largar do meu pé até que eu concorde com ela.
— Tá bom. — Abro um sorriso puramente falso e tiro mais
livros da caixa. — Vou encarar como um empréstimo que custou
muito dinheiro.
Ela estreita os olhos, desconfiada.
— Eu sei que você está dizendo isso para que eu cale a
boca.
Mando um beijinho no ar para ela. Como resposta, a
almofada é arremessada em minha direção. Só que a mira de Claire
é péssima e bem na hora Mason entra no quarto. O donut bate no
seu joelho, caindo no chão.
— Que ótima recepção, hein — debocha com um sorriso de
covinhas e assovia ao notar os móveis. — Que merda deu na
cabeça do Reed? Esse quarto está mais bonito que o meu. E olha
que eu tenho um ótimo gosto para decoração.
Claire ri e dá dois tapinhas no colchão, convidando-o a se
sentar ao seu lado. Mason se joga na cama, testando a maciez e
solta um resmungo de desaprovação.
— Infelizmente, tenho uma notícia ruim para te dar, Anne.
Levanto a cabeça em direção ao som da sua voz.
Mason é enorme. Os ombros largos, a estatura alta e as
pernas compridas fazem dele um jogador e tanto. Ao lado dele,
Claire fica igual uma formiguinha ao lado de um elefante. Basta ele
dar um peteleco e ela estará voando para o outro lado do quarto.
— Pode dizer. Eu aguento mais uma desgraça na minha
vida. 
Ele encurva o canto dos lábios em um zombeteiro sorriso.
— A minha cama é bem melhor que a sua — cantarola.
— Oh, que tristeza. — Levo a mão ao coração. — Esse é o
seu jeito sutil para me convidar a dormir com você?
Mason me dá uma piscadela.
— Se você prefere somente dormir, eu não vou me opor, mas
podemos nos divertir de outras maneiras.
Claire dá um cutucão nas costelas de Mason. Ele se
contorce, desviando para o lado.
— Ela tem namorado!
— Reed não é namorado de verdade!
— Não sou o quê?
Todos os rostos se viram para a porta. Reed está parado ao
lado do batente com um dos ombros apoiados. A mandíbula
tensionada é um jeito de mascarar a risada que luta para ser
proferida.
— Nada, não. — Mason pisca as pálpebras inocentemente.
— O quarto ficou um tesão. Da próxima vez, vou te contratar como
meu decorador.
Reed entra no quarto e esconde as mãos dentro dos bolsos
da calça jeans. Ao ficar de costas, me pego encarando a sua bunda.
Se ele pode ficar falando da minha, eu também posso olhar para a
sua. E é uma bunda bonita. Charmosa até. Deve ficar mais bonita
ainda sem...
Balanço a cabeça, praguejando mentalmente. Horrível.
Nojento. Ver a bunda de Reed Rollins seria repugnante. Essa é a
verdade. Tudo que foge dessa linha é puramente resquício da
bebida que ingeri dias atrás.
— Pode ter certeza que vou comprar uma cama no formato
de um carrinho de corrida — Reed cantarola ao se acomodar na
poltrona. — E talvez um ursinho de pelúcia para você abraçar
enquanto dorme.
— Você é detestável. Não se espalha os segredos dos
amigos assim.
Reed dá de ombros.
— Foi você que começou dando em cima da minha
namorada.
— Ela nem é a sua namorada de verdade.
— Nessa vida, tudo é uma questão de perspectiva,
Henderson.
Claire engasga, chamando a atenção dos meninos. Só agora
que Reed parece perceber que estou no quarto, sentada no chão ao
lado de uma caixa e arrumando a estante. Seus olhos se movem
para o livro que tenho nas mãos.
— Esse é o livro da Clio?
Abaixo a vista, encontrando o nome de Clio McGoy
estampado na capa, junto do título Adagas & Segredos.
A gente se conheceu durante o verão, quando ela e Sagan
vieram passar curtos meses em Sunbay. Ela trabalhou na livraria de
Willa por algumas semanas e tivemos a oportunidade de conhecê-
la. Clio é uma escritora muito boa. O seu romance de época sobre o
assassinato do príncipe herdeiro é um dos melhores que já li.
— É sim.
— Legal. Ela ainda está na cidade?
— Não, ela voltou para Boston.
Claire faz um biquinho.
— Que pena, achei ela super divertida.
Mason nos observa com um ponto de interrogação pairando
acima da sua cabeça.
— De quem vocês estão falando?
Reed faz um movimento com a mão, dispensando-o.
— De uma escritora que você não conhece, já que as únicas
coisas que você lê são os rótulos de camisinha da farmácia.
Mason cruza os braços.
— Você está me confundindo com o Keeran. E eu não transo.
Eu faço amor.
Dessa vez, rimos em uníssono.
É curioso como Keeran, Reed e Mason são pessoas
extremamente diferentes em questão de personalidade. Keeran tem
aquele jeito galanteador que é difícil de ignorar. Já Mason é igual a
um cachorro golden retriever. Tem toda aquela vibe de bobão. Reed,
no entanto...
É o Reed, droga.
Chato, irritante e cheio de si. Não consigo pensar em nenhum
adjetivo bom para descrevê-lo, porque não existe.
— O último romântico da Terra. — Claire afaga o antebraço
de Mason. — Eu te entendo. É difícil viver no século da putaria.
— E como vai o namoro de vocês? — Reed pergunta.
— Às vezes, desconfio que estejamos vivendo um conto de
fadas. — Claire empurra uma mecha do cabelo para atrás da orelha.
— Tenho medo de acordar desse sonho e me deparar com um
pesadelo.
— Oh! A Claire está vivendo um conto de fadas, que terrível!
— Reed debocha e Claire dá um empurrão nele, lhe arrancando
uma risada. — Mas agora falando sério, Claire. Dave é apaixonado
pra cacete em você. Aquele típico amor de filme de romance.
— Tipo Edward e Vivian de Uma Linda Mulher — Mason
sorri, animado.
O rosto de Claire se contorce em uma expressão esquisita.
— Você está insinuando que o Dave se apaixonou por uma
prostituta, Mason?
Sou obrigada a encher as bochechas de ar para evitar dar
risada. Mason se remexe na cama e a face assume um tom
vermelho. Não sei se é de vergonha ou vontade de explodir em uma
risada. Lanço um rápido olhar para Reed. Ele mantém a mão
fechada em punho em frente a boca, provavelmente lutando para se
manter sério também.
— Prostitutas também são livres para amar, Claire.
— Não foi isso que eu perguntei — sibila.
Mason levanta as mãos em rendição e levanta da cama em
um pulo. A almofada caí no chão, mas ele não a ajunta. Somente
salta por cima e caminha para a porta, praticamente correndo.
— Esqueça o que eu disse, okay? — Cospe as palavras tão
rápido que fica difícil de entender. — Vou descer. Acho que alguém
tocou a campainha.
A porta do quarto é fechada em um baque e o som dos
passos de Mason descendo as escadas ecoa pela casa. Dois
segundos depois, Reed e eu explodimos em uma risada.
— Isso não tem graça nenhuma! — Claire bate com as mãos
no colchão, irritada de um jeito fofo.
— Ah, tem graça, sim. — Reed se curva para frente, ainda
rindo. — Ele nunca mais vai querer assistir Uma Linda Mulher
depois dessa.
— E isso agora é culpa minha?
— É claro que sim. — Concordo e fungo igual a um
porquinho. Isso faz Reed rir ainda mais, se contorcendo na poltrona.
— Você traumatizou o cara.
Claire mostra a língua para a gente e, então, seu rosto se
ilumina. Ela levanta a mão em um pedido mudo para que a gente
espere e caminha até onde deixou a sua bolsa. Vasculha o interior e
sorri quando puxa um envelope do fundo. Há um laço brilhante no
centro.
— Como vocês bem sabem, o meu aniversário é no mês que
vem — Estende o envelope para mim e gesticula para o Reed. —
Como agora vocês são um casal, minha mãe achou justo que eu
fizesse o convite em nome de vocês dois.
Arregalo os olhos.
— Você contou para a sua mãe?
Os ombros dela se remexem despretensiosamente.
— Por que eu mentiria?
— Porque é um namoro de mentira, talvez.
— Você reclama demais, joaninha. — Reed solta um muxoxo
e puxa o envelope da minha mão, jogando o laço em cima de mim.
Seus olhos deslizam pelo papel, lendo em silêncio o que está
impresso. — Uau! Festa à fantasia com temática de filmes. Posso ir
de Coringa?
O lábio inferior de Claire treme em desacordo.
— Eu pensei para vocês algo mais...
Levanto a mão.
— Vocês?
Ela cruza as pernas e pousa uma das mãos sobre o joelho,
assumindo uma postura de quem está no controle da situação.
— É uma festa à fantasia e já que vocês são namorados, a
ideia é que fossem combinando. — Ao notar a minha careta, Claire
bufa. — E nem adianta fazer essa cara para mim, Anne! Você sabe
que eu tenho razão.
Reed fica todo empolgado e sorri.
— Por mim é perfeito. Combinando fantasia com a minha
namorada ranzinza? Eu achei um tesão.
Claire dá um beijo estalado na bochecha dele e se vira para
mim. As pálpebras piscam daquele jeito inocente de quem está
querendo ganhar de Natal o maior presente da loja de brinquedos.
— Anne?
Sopro a minha franja para o lado.
— Saiba que só estou concordando com essa merda porque
você é minha amiga.
— Vai ser divertido, confia em mim! Todo mundo vai amar e
ninguém vai ter dúvidas de que o namoro de vocês é real.
Cubro meu rosto com as mãos e gemo baixinho, não
acreditando que Claire Howard, minha melhor amiga, está me
jogando aos leões. Posso até vê-la agitando os braços e dando
risada ao lado da Dave. Eles devem ter prazer em ver Reed e eu
fingindo que estamos insanamente apaixonados um pelo outro.
Só pode.
Sinto um cutucão em meu joelho e, ao abrir os olhos,
encontro o pé de Reed esticado em minha direção. O sorriso que
dança em sua face só me dá vontade de derrubá-lo dessa poltrona
escada a baixo.
— Estou ansioso para me fantasiar do amor da sua vida. Vou
até levar um arco de cupido para ilustrar que você me flechou de
jeito.
Trinco os dentes, ao mesmo tempo em que Reed me dá uma
piscadela e relaxa na poltrona, exalando a energia de quem vai
fazer dessa festa um grande Inferno na minha vida.
Porra.
Me fodi.
 
 
“Nunca acreditei muito no amor ou milagres.
Nunca quis pôr meu coração em jogo.
Mas nada em sua água é algo espiritual.
Eu nasço de novo cada vez que você passa a noite”
Locked Out Of Heaven | Bruno Mars
 

 
No jogo de sexta, fazemos exatamente aquilo que
prometemos: detonamos os State Tigers.
O placar ficou 28 X 18, o que deve ter arrancado um sorriso
orgulhoso do meu pai. Começar o campeonato com o pé direito é
quase que uma obrigação imposta por ele. Se a pontuação do time
adversário ficar próxima demais do nosso time, é um sinal gritante
de que as coisas não vão nada bem.
Por sorte, hoje não vou precisar me preocupar com os seus
longos sermões.
Entro no ônibus e me acomodo em um dos assentos. A
viagem de Barryton até Maple Hills não é muito longa. Uma hora e
meia, no máximo. O que significa que todo o time vai comemorar a
vitória no pub do meu irmão. E, porra, é sexta. Ninguém quer ficar
em casa depois de um jogo eletrizante como esse.
A adrenalina deve estar pulsando até agora no meu pau.
— Rollins. — JP me cumprimenta ao sentar ao meu lado.
Desde o que aconteceu na inauguração do restaurante, a
gente não conversou mais. Ficou aquele clima pesado no ar e eu
não me arrisquei em dizer nada. A situação já foi ruim o bastante na
hora.
— Cooney — cumprimento de volta.
Ele estica as pernas por baixo do banco à nossa frente e
solta uma longa lufada de ar.
— Não reagi bem ao que aconteceu na semana passada. Eu
não esperava que a Gina fosse esposa do seu pai.
— Ex-esposa — corrijo-o. — Eu também não esperava. E, se
eu soubesse, nem teria aparecido.
JP dá uma curta risada.
— Pelo menos teremos uma ótima história para contar no
futuro.
— E bota história nisso, cara.
Ele coloca o cinto de segurança e eu faço o mesmo. Ao
mover o braço, uma pontada de dor me atinge. Merda. Levei uma
pancada logo nos primeiros minutos de jogo. O defensive tackle [5]
do State Tigers me bloqueou de um jeito que vou levar dias para me
recuperar.
O futebol americano é um jogo violento até demais.
— E como vocês se conheceram? — A pergunta me escapa
antes que eu possa me conter.
— Em Sunbay, mesmo. Eu estava no supermercado e a
gente começou a conversar. Como você deve saber, meu avô é
dono do Jackson House, então eu estava ajudando-o nas compras
do mês. — Não, eu não sabia. Mas informação nunca é demais. —
Percebi que tínhamos um papo maneiro e chamei ela pra sair. Eu
estava crente que ela ia me dar um pé na bunda.
Rio.
JP tem um jeito tão relaxado que começo a entender porque
Gina e ele são namorados. Ela é tão de boa com a vida quanto ele.
— E ela deu?
Ele abre um sorriso cheio de malícia.
— Se ela tivesse dado, nós não estaríamos juntos agora.
Escuto uma gargalhada e, ao olhar para o lado, vejo que
Chad Eaton esteve ouvindo a nossa conversa esse tempo todo. Ele
é um babaca de primeira linha, mas como somos parceiros de time,
não posso dizer isso na cara dele.
— Quer dizer que você está comendo a gostosa da Gina
Bastien?
O rosto de JP fica vermelho na mesma hora.
— O que você disse?
Chad sorri, mostrando os dentes perfeitamente alinhados.
Quebrar um deles seria uma ótima ideia. Talvez, assim, ele aprenda
a calar a boca.
— Você ouviu da primeira vez, Cooney, mas não tenho
problema em repetir. — Curva o corpo no braço do assento. — Quer
dizer que você está comendo a gostosa da Gina Bastien?
A reação de JP acontece tão rápido que tenho dificuldade em
acompanhar. Um segundo atrás, ele estava sentado ao meu lado e
agora um dos seus braços está fechado ao lado do pescoço de
Chad, pressionando sua cabeça contra a poltrona. O ônibus, de
repente, mergulhou em uma quietude que cheira a tensão e
testosterona.
— Fala de novo da minha namorada que eu não vou pensar
duas vezes em explodir a sua cabeça com uma bola quando
estivermos no campo, Eaton — JP cospe as palavras, gotículas de
saliva atingindo o rosto de Chad.
— Você não teria coragem.
Esse é o estopim para que JP perca a paciência e desfira um
soco na cara de Chad. Escuto o barulho de um osso quebrando e,
logo em seguida, o apito do treinador Turner arrebentando os meus
ouvidos.
— Posso saber que merda está acontecendo aqui? — grita
em alto e bom som, mas ainda mantendo a calma na voz.
Ninguém diz nada por longos segundos.
JP dá um passo para trás e se acomoda de volta ao meu
lado, pouco ligando para o nariz quebrado de Chad. E Chad é tão
orgulhoso que não emite nenhum gemido de dor. Seu semblante
não combina em nada com o que acabou de acontecer.
— JP quebrou o nariz do Chad — Bradley, um dos garotos do
time, responde.
O treinador emite um grunhido nada agradável e cruza os
braços. Hoje os seus cabelos estão escondidos por um boné com o
símbolo do Rebels Of Horizon. A águia tem o mesmo olhar que ele
direciona para a gente.
— Estou vendo com meus próprios olhos, Bradley — diz,
amargo. — Para o meu azar, infelizmente.
— Por que o senhor perguntou se já sabia a resposta, hein?
Me seguro para não rir.
Bradley Powell não tem medo de abrir a boca grande e tirar o
treinador do sério. Me surpreendo que ele não tenha sido expulso
do time ainda.
— Só cale a boca, Powell. Seu desempenho no campo não
me impede de tirá-lo do próximo jogo.
Escuto Bradley choramingar e o restante do time dar risada.
Ao notarem o olhar frio do treinador, o silêncio predomina
novamente. Se Turner fosse um personagem de desenho, não
tenho dúvidas de que seria a Elsa. O cara consegue esfriar o clima
com uma facilidade desumana.
— Quando chegarmos em Maple Hills, vá cuidar desse nariz
no hospital, Eaton — aconselha ao Chad e move a atenção para o
JP. — E você, Cooney, a gente conversa na segunda. Mais alguma
coisa que eu precise saber?
— Não, treinador — Bradley diz mais uma vez ao fundo. 
— Ótimo. — Os lábios se esticam em algo que poderia ser
um sorriso. — Parabéns pela vitória de hoje. Houveram falhas, é
óbvio, mas vamos resolver isso nos próximos treinos. O nosso
próximo jogo é daqui duas semanas, na USVL contra os Willards.
Eles são um time que já conseguiu chegar aos playoffs dois anos
atrás, então estejam cientes de que não será tão fácil quanto foi
hoje.
Turner continua a apontar detalhes que passaram
despercebidos por nós e parabeniza Dave por fazer a maioria dos
pontos. Me elogia também por ter auxiliado no touchdown que
garantiu a nossa vitória e, por fim, pede para o motorista dar partida
em direção a Maple Hills.
Aproveito a descontração e tiro o celular do bolso da jaqueta,
mandando uma mensagem para a Anne.
Reed: Vitória no jogo de hoje. Quer ir comemorar com o time
no London Foot Pub?
Mantenho a conversa aberta, torcendo para que ela responda
e não me deixe no vácuo. Sorrio ao ver os pontinhos saltitando
embaixo do seu nome, indicando que está digitando.
Joaninha: Vou ter que bancar a namorada apaixonada?
Meus dedos se movem pelo teclado feito um foguete.
Reed: É claro que sim. Você vai ter que me encher de beijos
e dizer que sou o melhor jogador que a USVL já viu.
Joaninha: Então, eu não vou.
Rio. Posso imaginá-la com facilidade fazendo uma careta
para o celular.
Reed: Mesmo se eu te pagar uma rodada de bebidas e
depois uma pizza de pepperoni quando chegarmos em casa?
Anne digita por incontáveis segundos.
 Joaninha: Uma pizza e uma caixa de donuts de baunilha.
 Reed: Fechado. Te vejo lá?
Sua única reação é um emoji vomitando e, pela segunda vez,
me pego sorrindo para o celular.

O London Foot Pub está explodindo de universitários e


atletas dos Rebels Of Horizon.
A música retumba nas caixas de som e o burburinho de
conversas é um zumbido difícil de entender. Vejo, pelo canto do
olho, meu irmão trabalhar com agilidade atrás do balcão de bebidas.
— E a sua namorada, Reed? — Bradley pergunta ao meu
lado antes de virar um shot de bebida. Ele está pouco se fodendo
para a ressaca que vai acordar amanhã. — Ela não vem?
— Você acha mesmo que Anne perderia a oportunidade de
comemorar ao meu lado? — Sorrio. — Ela deve estar quase
chegando.
Dito isso, a porta de entrada do pub é aberta e Anne surge
em meu campo de visão. Por um momento, posso jurar que o meu
mundo gravita ao seu redor. Resta somente ela e sua petulância
que me arranca um sorriso cheio de alegria.
Levanto o braço e assovio, chamando sua atenção. Seus
olhos procuram entre a multidão até que me encontram a poucos
passos de distância. A expressão em seu rosto, contente por me
ver, pode até convencer as pessoas, mas é a mais pura mentira. Na
realidade, ela mal vê a hora de se livrar de mim ao me chutar de um
penhasco.
Anne desvia das pessoas até que chega na mesa em que a
maioria do time está acomodado. Uma parte dos outros jogadores
está do lado oposto, enquanto Bradley, Keeran, Mason, Cooper e
Dylan riem entre si e revezam quem vai buscar as bebidas dessa
vez. O último a ir foi Bradley.
— Anne! — Mason grita por cima do barulho. — Não sabia
que você viria!
— Não poderia perder a oportunidade de comemorar a vitória
de vocês, hein? — Dá uma risadinha curta e, para a minha total
surpresa, deposita um beijo estalado na minha bochecha. Sorte que
estou sentado na cadeira da beirada. — Parabéns pelo jogo, meu
amor.
Meu amor.
Ela só pode estar zoando com a minha cara.
Os garotos ovacionam diante do elogio e eu só posso abrir
um sorriso, porque qualquer reclamação não vai pegar bem pra
gente. Nesse momento, preciso bancar o namorado meloso.
— Os boatos são mais do que verdadeiros, então — Dylan
fala ao apoiar os braços no tampo da mesa. — Reed Rollins foi
fisgado por Anne Scott.
— Na verdade, foi ele quem me fisgou. — Anne dá uma
piscadela e Bradley gargalha ao meu lado. — Quem resiste à bunda
gostosa do Reed? Vocês tinham que ver como é vê-la ao vivo e a
cores.
— Ah, acredite. A gente vê ela todos os dias no vestiário. É
uma bunda que vale milhões no mercado de bundas — Cooper é
quem diz e, dessa vez, a mesa explode em gritos e assovios.
Até mesmo Keeran e Mason, que sabem da mentira, não
conseguem se conter. Eles estão se divertindo às minhas custas e
Anne é quem mais está gostando de ver.
— Muito engraçado, seus merdas. — Arrasto a garrafa de
bebida para mais perto e encho um copo para mim. — Não se
esqueçam que eu também vejo a bunda de vocês todos os dias.
— E o que você acha da minha? — Keeran pergunta. — É
mais bonita que a da Anne ou não?
— Não vou responder essa pergunta.
Keeran me mostra o dedo do meio e retorna a atenção para
Anne. Ela continua de pé em frente à mesa.
— Você não quer sentar, Anne? — O tom cordial pode até
enganar as garotas com quem ele transa, mas não a mim. — Tem
um espaço vago aqui no meu colo.
— Nem fodendo, porra — reclamo. — Vem aqui, joaninha.
Dou dois tapinhas na minha coxa e Anne arqueia uma única
sobrancelha, desconfiada. Não tem uma cadeira sobrando no pub e
ela tem somente duas opções: ou senta no meu colo ou vai passar a
noite toda em pé. Não precisa ser muito esperto para saber que a
primeira decisão é a mais inteligente. Ainda mais que ela está
usando um par de botas de salto que não aparentam ser muito
confortáveis.
Antes que Anne tenha tempo para pensar, puxo-o pelos
passadores da calça jeans e a bunda se acomoda no meu colo. O
cheiro de morango invade minhas narinas e preciso de todo o
autocontrole do mundo para não afundar o meu nariz no seu
pescoço.
Afundo as mãos ao redor da sua cintura, ajudando seu corpo
a se acomodar junto do meu. Não é nada fácil ignorar a pouca
distância existente entre a sua bunda e o meu pau. Vai ser a porra
de uma tortura ficar nessa posição.
— Fique quietinha, por favor — peço, em voz baixa, em seu
ouvido.
— Por que?
Mordo o interior da bochecha e empurro seu cabelo loiro para
atrás do ombro, deixando o pescoço livre.
— Você sabe bem o porquê, Annie.
A boca se curva de forma maliciosa e ela estica o braço,
pegando o meu copo de cerveja e dando um grande gole. Fecho os
dedos da mão livre na borda da mesa, incapaz de formular qualquer
pensamento coerente.
— Não espere que eu seja uma menina comportada, Reed.
— Abaixa o copo. — Não hoje, pelo menos.
Desvio o olhar e fixo minhas íris na parede iluminada do bar
do London Foot Pub. O estabelecimento parece estar mais cheio
que minutos atrás.
— Não me provoque — aviso. — Hoje não estou para suas
brincadeirinhas.
— Sobre o que vocês estão conversando aí? — Cooper se
intromete, me obrigando a mover o rosto em direção ao som de sua
voz.
— Deixa eles, cara. — Mason bagunça o cabelo loiro do
nosso defensive end[6]. — Você não quer ser o empata foda dos
pombinhos.
— Fica tranquilo, vocês não estão atrapalhando nada —
Anne garante. — Como foi o jogo de hoje?
Bradley se empolga e começa a falar sobre os passes e
arremessos que fez ao longo da partida. Dentre todos os jogadores,
ele é o mais nariz em pé e com a vaga garantida em um time de
respeito da NFL. Não digo isso da boca para fora, mas porque ele é
bom pra caralho. Nunca vi alguém jogar tão bem quanto Bradley
Powell.
No gramado, ele é um monstro e tenho certeza que ele vai
ser um jogador tão bom quanto o Dave futuramente.
— E o Dave? — Minha namorada de mentira pergunta, como
se fosse capaz de alinhar os pensamentos aos meus. — Ele não
jogou hoje?
— Ele foi para casa. Disse que estava com dor depois de
sofrer um bloqueio que deixou até o treinador Turner preocupado —
explica.
Cooper continua a falar junto do Bradley, mas minha
concentração é fatalmente prejudicada quando Anne remexe a
bunda em meu colo de um jeito que conheço muito bem. A maneira
que ela encontra de me provocar é fingir procurar uma posição
confortável.
Caralho.
— Eu sei o que você está fazendo — sussurro em seu ouvido
e movo minha mão da sua cintura para a coxa. — Para com isso,
Scott.
— Foi você quem começou — sussurra de volta.
— Estou te avisando. Se você se mover mais um centímetro,
vai sentir o meu pau na sua bunda.
Ela ofega diante da sinceridade das minhas palavras e se
remexe mais um vez. Meu pau enrijece só um pouquinho e me
prontifico em apertar a cintura de Anne, mantendo-a parada no meu
colo.
Inferno de garota petulante que não consegue sossegar.
Como não recebo nenhuma resposta engraçadinha, retorno
minha atenção para os garotos do time. Keeran já sumiu há alguns
minutos, provavelmente atrás de uma garota. Mason também
desapareceu, mas consigo ter um vislumbre do seu cabelo castanho
ao redor da mesa de sinuca. Os únicos que restam na mesa são
Bradley, Dylan e Cooper.
— Eu vou buscar mais uma bebida — Dylan anuncia ao
levantar da cadeira. — Quer beber alguma coisa, Anne?
— Pode ser uma Margarita.
— E vocês?
— Eu vou junto. — Bradley flexiona os joelhos e puxa Cooper
pela gola da camiseta. — E você também vem com a gente.
Cooper arqueja.
— Não quero.
— Quer sim. Vamos vencer o babaca do Mason na sinuca.
Os três vão embora em questão de segundos. Não me passa
despercebido que eles vazaram só para que Anne e eu ficássemos
sozinhos. E ao notar que agora as cadeiras estão vazias, ela faz
menção de se levantar do meu colo, mas prendo meu braço ao
redor do seu corpo.
— Não mesmo. Você só sai daqui quando eu sair também.
Escuto o som da sua risada.
— Entendi. Depois de várias semanas, essa é a sua
oportunidade de poder sentir a minha bunda. É isso que você tanto
queria, não?
— Você é muito chata.
— E você é um pé no saco com uma bunda feia e um ego
que fede a chulé.
Gargalho e viro o seu corpo no meu colo, de forma que agora
conseguimos encarar um ao outro. Essa é a primeira vez ao longo
da noite que tenho o seu rosto tão próximo ao meu. Os olhos estão
maquiados, acentuando o tom esverdeado, e uma fina camada de
batom pincela a boca dela.
— Quantos anos você tem mesmo? Doze?
— Se eu tenho doze, você tem seis. — Pesca um dos anéis
de cebola esquecidos em cima da mesa. Acho que ninguém comeu
além do Bradley. — Porque, se lembro bem, quem começou com
essas provocações entre a gente foi você.
— Oh, então você se lembra da noite dos calouros?
— Gostaria de não me lembrar — responde de boca cheia.
Zero educada, como sempre. — Já que foi nessa noite em que
descobri que meu ódio por você pode atravessar a camada de
ozônio.
Movo a cabeça de um lado para o outro, achando graça.
Não deveria ser tão divertido assim estar com Anne. Na
minha cabeça, esse namoro falso seria um compilado imenso de
xingamentos, empurrões e respostas ácidas. Agora estou aqui, com
ela sentada no meu colo, comendo anéis de cebola no pub do meu
irmão após uma vitória.
— Essa não foi a minha primeira impressão sobre você.
O anel de cebola paralisa no ar.
— Claro que não. Sua primeira impressão foi que a sua
língua caberia perfeitamente na minha boca. — Recita as palavras
que eu disse naquela noite. — Que ótimo jeito de impressionar uma
garota, Reed. Estou comovida até hoje.
— Eu não estava tentando te impressionar. — Dou uma
mordida no anel de cebola que seus dedos seguram. — Só queria te
beijar mesmo.
— E você ainda quer?
Limpo o canto dos seus lábios sujos de farelo e acaricio seu
rosto com o nós dos dedos.
— Sim — confidencio.
Anne sorri sem mostrar os dentes.
— Pois vai ficar querendo.
Rio pelo nariz e dou um beliscão de brincadeira na sua
cintura. Ela dá um pulinho no meu colo.
— Um dia você ainda vai mudar de ideia. Pode acreditar.
Anne pesca por mais um anel de cebola e dá uma mordidinha
na ponta. Os olhos continuam fixos nos meus e acabo descendo as
vistas para a sua boca. Mesmo que eu deteste Anne na maior parte
do tempo, nunca neguei o meu interesse em beijá-la.
Seria um beijo cheio de ódio, não tenho dúvidas disso.
— Não foi você quem disse que eu deveria batalhar para
conseguir um beijo seu?
— Se você me pedir com muito carinho, eu posso mudar de
ideia e facilitar as coisas.
Anne semicerra as pálpebras em uma linha fina e come o
restante do anel de cebola. Observo-a atentamente, dando mais
atenção à roupa que está vestindo. A calça jeans desbotada, as
botas de salto e a blusinha de mangas com um cardigã azul bebê a
deixam muito fofa.
— O que foi? — pergunta, depois de limpar as mãos no
guardanapo. — Você está me olhando com uma cara esquisita.
— Só estava pensando o quanto você fica feia comendo anel
de cebola.
— Isso já não é problema meu. Você que abaixou os seus
critérios e decidiu me pedir em namoro. Tinha outras meninas bem
mais bonitas nesse campus para você fazer isso.
Acaricio sua cintura com a ponta dos dedos. O movimento é
tão sutil que duvido que ela tenha sentido através das duas
camadas de roupa.
— Mas nenhuma delas iria me tirar do sério como você faz.
A testa de Anne se franze.
— Você gosta de ser tirado do sério, então?
— Só se essa pessoa for uma loirinha irritante que finge ser
apaixonada por mim. 
Como de costume, sua primeira reação é proferir baixinho um
palavrão e dar um empurrão no meu ombro. E, mais uma vez, me
pego rindo em sua presença.
 
 
“Tanto ódio por aqueles que amamos.
Me diga, nós dois importamos, não é?”
Running Up That Hill | Placebo 
 

 
No dia seguinte, sou acordado com meu telefone tocando
insistentemente em cima da mesinha de cabeceira.
Afundo o rosto no travesseiro e gemo alto um palavrão
enquanto estico meu braço e procuro o aparelho. Abro os olhos e
atendo a ligação, sem olhar no identificador de chamadas.
— Alô? — murmuro, meio grogue.
— Bom dia, Reed — meu pai diz em um tom frio. —
Consegui marcar um treino para a gente no ginásio do time dos The
Mountain Eagles. Te vejo lá em uma hora.
Ele nem me dá a chance de responder, só desliga na minha
cara. Grosso e estúpido, como de praxe. Quem conhece o Ricky
Rollins dos tabloides e das entrevistas da NFL nem imagina como é
a sua verdadeira personalidade.
Aperto os dedos ao redor do celular e levanto da cama, nada
contente em começar o meu sábado desse jeito. A minha sorte é
que, agora, Anne tem o seu próprio quarto. Não seria nada legal
explicar para ela essa interação entre pai e filho.
Tomo um rápido banho e arrumo minha mochila para passar
o dia inteiro treinando ao lado do meu pai. Vai ser desgastante e
meu corpo ainda nem se recuperou de ontem. Vou estar lento no
campo por causa do álcool e, consequentemente, vou deixar meu
pai puto pra cacete.
Ótimo.
Desço as escadas e rumo para a cozinha para preparar o
meu café da manhã. Eu esperava encontrar o ambiente vazio, já
que Mason e Keeran aproveitaram a vitória do time de uma maneira
que vão ficar na cama durante o sábado inteiro; no entanto, sou
pego de surpresa ao encontrar Anne parada em frente ao fogão
preparando waffles.
— Annie?
Ela gira sobre os calcanhares ao som da minha voz.
— Reed? O que você está fazendo acordado?
Deixo minha mochila em uma das banquetas e abro a
geladeira, pegando uma jarra de suco.
— Te faço a mesma pergunta.
Ela gesticula para o vestido azul que está usando. É o
uniforme do Brooklyn Blues, só que sem o avental e os patins. O
cabelo ainda não foi preso em um penteado esquisito dos anos 80.
— Hoje é o meu turno de trabalho no Brooklyn Blues —
explica e tira a jarra da cafeteira, despejando o café em sua caneca.
— E você?
Desvio o olhar do seu.
— Vou treinar.
— Você não deveria treinar com os meninos?
— Prefiro treinar sozinho.
— E tem como treinar futebol americano sozinho?
Encho meu copo com suco.
— Você já deveria saber que dá para fazer muitas coisas
sozinho nessa vida, Annie — brinco. — Treinar é uma delas.
Se ela entende a minha piada de duplo sentido, prefere
ignorar. Anne se limita somente a colocar os waffles no próprio prato
e se sentar em uma das banquetas, tomando o seu café da manhã
sem dizer nenhuma palavra.
É difícil entendê-la. Vi a noite de ontem como um progresso
para a estranha relação que temos. Entretanto, agora pela manhã,
ela permanece na defensiva, não disposta a abrir nenhuma brecha
para que eu me aproxime. Seu campo de defesa é um muro cheio
de espinhos venenosos.
— Vai querer carona?
— Não, eu consigo me virar sozinha.
Concordo com um aceno e tiro os ingredientes da geladeira
para preparar os ovos mexidos. O silêncio chega a ser torturante. O
único barulho presente no ambiente são os talhares de Anne
batendo no prato. Longos minutos se passam até que ela termina a
sua refeição e coloca a louça na lava-louças, pronta para cair fora o
quanto antes.
Antes que ela desapareça da cozinha, faço um barulhinho
com a boca, chamando sua atenção. Os pés paralisam em frente ao
balcão.
— Que horas acaba o seu turno?
— Seis horas. Por quê?
— Só para saber mesmo.
— Reed...
Coloco os ovos mexidos no meu prato e levo um punhado à
boca, mastigando. Engulo e lhe direciono uma piscadela.
— Relaxa. Não vou invadir o seu trabalho usando apenas
uma cueca do Homem-Aranha.
Os olhos se reviram em irritação e quando Anne dá mais um
passo para fora da cozinha, chamo-a de novo. A expressão em seu
rosto é de pura impaciência. Posso até ver a fumacinha escapando
dos seus ouvidos, idêntico aos desenhos animados.
— O que foi, caramba?!
— Bom trabalho, joaninha.
Os ombros se movem de acordo com a inspiração profunda
que dá. Se tivesse algo para ela arremessar em minha direção,
certamente já o teria feito.
— Tchau, Reed.
— Tchau, namorada! — grito para que ela consiga me
escutar. — Não esqueça que hoje a gente vai inaugurar o seu
colchão novo. Estou ansioso para testar a resistência dele enquanto
você rebola gostoso em cima de mim.
A resposta vem logo em seguida, cheia de ódio:
— Vai se foder, Rollins!
Gargalho alto, sentindo o começo da minha manhã ficar só
um pouquinho melhor, mesmo que esse momento de paz só dure
curtos segundos. Mas vale a pena. Vale muito a pena. Tudo que
envolve Anne Scott sempre consegue ter esse efeito sobre mim, por
mais que eu odeie admitir.

— Você está atrasado, Reed.


Meu pai me repreende assim que saio do Jeep. Ele está
parado de braços cruzados em frente ao portão do complexo da liga
juvenil The Mountain Eagles, em que seu amigo é treinador.
A tensão que demarca as expressões do seu rosto são um
sinal gritante de que meu sábado vai ser uma merda. Já estou com
vontade de entrar de volta no carro e voltar para Maple Hills.
— O trânsito estava ruim. — Uso a primeira desculpa que me
vem à mente.
— Só por causa disso a gente vai treinar uma hora a mais.
Não faço nenhuma reclamação, porque sei que ele não vai
me ouvir. Só assinto e arrumo a mochila ao redor do ombro,
acompanhando os seus passos para dentro do complexo.
Meu pai aponta para o túnel que leva para os vestiários e
sigo até lá. Coloco os meus equipamentos de proteção, como as
ombreiras e os pads[7], e calço as chuteiras. Saio do local com o
capacete em mãos e encontro Ricky sentado em dos bancos
laterais do campo, me esperando.
Sua carreira, diferente da minha, começou quando ele ainda
era criança. Meu avô, Melvin Rollins, era um amante fanático de
esportes, mas o futebol americano tinha um espaço exclusivo em
seu coração. Apaixonado pela ideia de ter um filho que dominasse
os gramados, ele incentivou Ricky a começar a treinar na liga
infantil.
Aos 16 anos, ninguém tinha dúvidas de que meu pai seria um
brilhante jogador da NFL. Ele foi draftado pelo New England Patriots
seis anos depois e se tornou uma estrela do esporte, exatamente
como Melvin tanto sonhou.
Arrisco dizer que meu avô é o primeiro e maior fã do meu pai.
O futebol americano marca a pele de Ricky Rollins como uma
tatuagem. É para sempre. É o que o motiva a levantar todas as
manhãs e enfrentar os dias difíceis. Contudo, embora seja motivo de
orgulho para ele, é também o motivo que me faz questionar se meu
pai me ama pelo que sou ou pelo que ele me transformou.
Ele pagaria a minha universidade e os demais custos se eu
não estivesse seguindo os seus passos? A gente sabe a resposta.
Não. 
— Você não cometeu muitos erros no jogo de sexta — fala,
os olhos pregados na tela do celular. Aposto que está reproduzindo
em looping a partida contra os State Tigers. — Onde você acha que
deve melhorar?
Cruzo os braços e forço minha consciência a ignorar a
sensação de queimadura que se alastra por minha pele. É sempre
assim quando estou diante do escrutínio do meu pai. Não me sinto
um jogador tão bom quanto deveria ser. A única coisa que consigo
pensar é que, embora eu me esforce, dificilmente chegarei aos pés
do meu pai.
Ainda sim, eu tento.
Tento todos os malditos.
Tento em cada jogo.
Em cada partida.
Tento até sentir cada parte do meu corpo implorar por um
descanso.
— Não bloqueei o defensive end do time adversário e por
isso o Dave sofreu um sack [8]. Se não fosse por isso, ele teria feito
um touchdown[9].
Ele concorda.
— E o que mais?
Troco o peso dos pés, não sabendo o que responder.
Os lábios dele se repuxam em uma desgostosa linha reta e o
olhar indiferente encontra o meu. Seus cabelos levemente grisalhos
na raiz estão escondidos por um boné do New England Patriots,
criando assim uma sombra sobre as pálpebras cansadas.
— E o que mais, Reed? — insiste. — O que mais você
precisa melhorar para o próximo jogo?
Repasso o jogo mentalmente na cabeça, sem encontrar
nenhum defeito. Antes do começo da temporada, meu pai e eu
passamos os últimos dias das férias de verão treinando juntos.
Melhorei muito como running back[10], então não consigo pensar no
que posso ter feito de errado. 
— Você é o half-back, filho. Você sabe o que isso significa. —
Dá um passo para frente e pega o capacete de minhas mãos. —
Você não pode ser lento. E nos últimos três quartos do jogo, você foi
a merda de um corredor lento, porra.
A frase me atinge como lâminas afiadas.
De repente, tenho de novo 12 anos. Ele estava treinando
comigo e, quando errei a recepção mais vezes do que consegui
contar nos últimos minutos, ele perdeu a paciência comigo.
Ele não me empurrou e muito menos me bateu.
Ricky Rollins só despejou todas as suas frustrações para
cima de mim.
Dez anos podem ter se passado desde aquela tarde, mas
ainda guardo na memória a maneira como me senti. A dor se infiltra
na pele como uma queimadura que não consegue sarar por
completo. É constantemente reaberta quando estamos no gramado
juntos.
— A sua sorte é que a gente consegue resolver esse detalhe
de um jeito fácil. — Gesticula para o campo. — Cinquenta voltas ao
redor completas. Vou cronometrar e depois nós conversamos.
Faço um sinal positivo com o queixo e, ao longo das
próximas horas, acato aos seus pedidos e comandos exclamados
em alto e bom som. Sou um fantoche nas mãos de Ricky Rollins e
não há nada que eu possa fazer a respeito sem causar prejuízos na
minha carreira. 
Esse é nosso legado.
E decepcioná-lo não é uma opção.

Às seis horas em ponto, estaciono em uma das vagas do


Brooklyn Blues.
O céu muda do azul para o laranja e os raios solares refletem
no oceano que cerca a costa de Sunbay. É uma visão muito bonita
que me faz abrir um pequeno sorriso depois de longas horas na
companhia do meu pai. Ele não mediu esforços em me corrigir até
que eu implorasse por um descanso.
Sua única reação foi me entregar uma garrafinha de água e
me encher de elogios pelos avanços feitos.
Ricky desafia as linhas da compreensão humana quando se
comporta dessa forma. Eu já desisti de tentar entender.
Pego o celular e mando uma mensagem para Anne. Pensar
no meu pai é algo que não quero mais fazer hoje.
Reed: Estou aqui no estacionamento te esperando. 
A resposta demora menos de cinco segundos para vir. Ela
deve estar trocando de roupa.
Joaninha: O quê? Eu disse que não precisava de carona,
Reed.
Reed: Hoje é a noite de filmes, esqueceu? Não vou deixar
você chegar atrasada. Traz essa bunda gostosa pra cá e vamos
para casa.
Ela me manda um emoji mostrando o dedo do meio.
Joaninha: Para a sua casa. Ela não é nada minha.
Reviro os olhos.
Reed: Que seja. Só anda logo.
Como meu celular não vibra com mais nenhuma mensagem,
deduzo que ela foi fazer o que pedi. Cerca de dez minutos depois, a
porta dos fundos é aberta e Anne surge. Como a encontrei pela
manhã, ela mantém somente o vestido azul rodado. Os cabelos, no
entanto, estão presos de um jeito bizarro.
Estico o braço e abro a porta. Anne salta para dentro e joga
os patins no soalho do carro. A expressão em seu rosto é difícil de
decifrar. Não sei se ela está triste, feliz ou irritada de me ver aqui. Eu
aposto na terceira opção, como sempre.
Reed e felicidade são palavras que nunca vão ser ditas juntas
por Anne. Só se houver o elemento morte no meio.
— Olá, joaninha. — Me viro no banco, ficando de frente para
ela. — Como foi o seu dia?
Anne põe o cinto e sopra o ar.
— Estava terminando muito bem até você aparecer. Por que
você veio, Reed?
— Já te falei. Hoje é a noite dos filmes e não vou deixar você
de fora. — Giro a chave, o motor rugindo baixinho. — O Keeran
pode até ser meio bonzinho e deixar você escolher o filme no lugar
dele.
Ela sorri.
— Ele vai deixar, não tenha dúvidas disso.
Franzo a sobrancelha.
— E posso saber por que você tem tanta certeza disso?
— Ah, você sabe muito bem, Rollins. — Pisca os olhos,
inocente. — Keeran está flertando comigo desde que decidimos
namorar de mentira.
Bufo.
— Ele só faz isso para me tirar do sério.
— Isso significa que você não vai ficar bravo se eu decidir
transar com ele?
Ela precisa parar urgentemente de agir desse jeito.
— A gente concordou que não iríamos sair com outras
pessoas ao longo desse namoro de mentira, se lembra? —
resmungo, as mãos fechadas em punho ao redor do volante. — Ou
vou ter que refrescar a sua memória?
— Não precisa. Eu me lembro bem do que você disse, mas
quem garante que não há uma outra garota na sua vida?
Lanço a Anne um olhar que poderia cortar o ar carregado
dentro desse carro.
— E quem garante que você não tem alguém também?
O silêncio que se segue é tão incômodo quanto o zumbido
em meu ouvido. Faço a rotatória em direção à saída de Sunbay e
caio na rodovia vazia.
— Não saio com ninguém faz um bom tempo — Anne diz e
entrelaça as mãos sobre as coxas nuas. — E a última pessoa que
transei foi o Chad Eaton. Você estragou as minhas oportunidades de
me divertir.
Dou risada.
— Se você quiser se divertir comigo, sabe que estou sempre
aberto a possibilidades.
Escuto o barulhinho de ânsia de vômito.
— Eu não vou transar com você, Reed.
Afundo o pé no acelerador e deixo uma risada escapar pelo
nariz.
— Você não quer me beijar e nem transar comigo. Já entendi
que sou desprezível para cacete. Mas eu tenho sentimentos, sabia?
Meu coração se parte toda vez que você me dá um fora.
— Não é minha culpa se você fica insistindo em alguém que
não te quer.
Ouch.
Gatinha arisca, essa é a melhor definição para Anne Scott.
— E o seu coração vai se recuperar — emenda, soando
divertida. — Você é durão.
— Vou encarar isso como um elogio. — Ligo o rádio e a voz
de Nick Jonas ressoa no volume baixo. — Durão e bonito. O meu
próximo objetivo é fazer você concordar que sou o melhor jogador
do time.
— Essa eu vou ficar devendo. — Aumenta o volume e só
agora percebo que Nick Jonas está cantando Close. — O campus
inteiro sabe que o melhor jogador é o Keeran.
— O quê? — Desvio a atenção do trânsito por um curto
período. — Nem fodendo. O melhor depois de mim é o Bradley. Ele
sim que é bom pra cacete. Vai ser draftado por um time enorme e
vai arremessar uma bola na sua cabeça só de raiva.
Anne gargalha alto, o pescoço pendendo para trás.
Diminuo a velocidade do carro e me permito encará-la só por
um segundinho a mais. As feições, normalmente tensas, deram vez
à descontração. O sorriso que dança em sua boca, juntamente das
bochechas elevadas de forma a deixarem os seus olhos menores, é
uma visão e tanto. Sem querer, me pego curvando os lábios para
cima.
Estou mantendo a calma enquanto você continua sorrindo,
Nick Jonas cantarola e a única coisa que consigo pensar é que ele
precisa calar a boca urgentemente.
— E o Dave?
— Ele é ótimo também. — A placa na estrada indica que
faltam poucas milhas para chegarmos em Maple Hills. — Mas todo
mundo sabe que ele vai ser draftado por um grande time.
Anne vira o rosto para a janela, focando no horizonte que nos
cerca.
— E você? Quais são os seus planos?
— Você sabe a resposta dessa pergunta. Meu objetivo é ser
draftado pelo New England Patriots e me tornar um jogador tão bom
quanto o meu pai foi — digo. — E você?
— Me mudar para North Groove e, com sorte, conseguir um
trabalho no PK Journal.
O PK Journal é um dos jornais mais influentes do condado de
San Valley. Eles tem três sedes, uma em cada cidade, mas a
principal fica em North Groove. É um lugar bonito que respira
Jornalismo de um jeito que chega a ser palpável. Se eu não fosse
seguir os passos de Ricky, também iria querer trabalhar lá.
— Você vai conseguir — asseguro. — E caso não consiga,
vou chutar a bunda de todos os jornalistas que trabalham lá.
— Isso é você bancando o namorado altruísta?
— Esse sou eu bancando o Reed Rollins.
Nossos olhares se chocam por um curto espaço de tempo
antes que eu retorne a atenção para o trânsito.
— E posso saber o que significa?
Batuco com os dedos no volante ao som da música. Nick
Jonas está cantando a última parte da música. Me diga, amor, o que
você quer. Oh, eu quero você perto e perto não é perto o suficiente,
não.
 — Um dia eu te conto, joaninha.
 
 
 
“É uma linha tênue entre todo esse amor e ódio”
Hate Me | Ellie Goulding (feat. Juice WRDL)
 

 
Depois do expediente no Brooklyn Blues na segunda, eu
decido visitar a minha mãe.
A caminhada da lanchonete até a sua casa não dura mais
que dez minutos e, como de costume, sou recebida com um abraço
que tem cheiro de hortênsias e chá. Estamos agora sentadas na
varanda dos fundos, contemplando o horizonte.
Deito a cabeça no ombro de minha mãe e suspiro baixinho.
Sinto mais saudades da sua companhia do que gostaria de admitir.
E embora as minhas viagens diárias para Maple Hills sejam
cansativas, a gente ainda encontra um jeito de estar presente na
vida uma da outra. No entanto, eu não consigo abandonar a
sensação em meu peito que Daisy agora deve voar para longe do
ninho em que Alex e eu fomos criados.
Ela merece ir para longe sem ter medo de voltar para casa.
— O que você acha de uma viagem para Mountain City? —
sugiro e giro o polegar ao redor da borda da xícara. — Eles têm
ótimos cursos de arte, pelo o que eu soube.
O murmúrio dela é um sinal de discordância.
— Estou velha demais para estudar.
Levanto o rosto e estico os ombros para trás. Ela se
movimenta também, agora contemplando o meu rosto com seus
olhos cansados.
Minha mãe é uma mulher bonita para sua idade. Os cabelos
loiros, do mesmo tom que os meus, hoje caem soltos ao redor dos
ombros em ondas suaves. Nas orelhas, os brincos de pérolas se
complementam com o colar rente ao pescoço. No corpo, ela usa o
seu vestido favorito feito de um tecido vermelho que alcança a altura
das suas panturrilhas.
— Quem disse? Nunca é tarde demais para começar a
estudar.
— Não acho que seja uma boa ideia, danadinha. Gosto da
calmaria que minha vida se encontra neste momento. Já tive
compromissos demais ao longo de todos esses anos. Uma pausa é
a única coisa que preciso.
Sopro minha franja para o lado, exausta.
É difícil entender a minha mãe. Quando vejo as fotos
espalhadas por sua casa, vejo outra mulher sorrindo para a câmera.
Daisy e Gustaf se conheceram adolescentes, em uma feira de
artistas em Sunbay. A cidade era muito menor do que é hoje em dia,
então todo mundo meio que se conhecia. Eles tinham um círculo de
amigos em comum e foi natural acabarem se tornando amigos.
O resto da história a gente sabe como termina: uma grande
amizade que cresceu tanto que acabou com eles dois no altar,
jurando amor eterno.
— Como você acha que seria a sua vida se o papai não
tivesse morrido naquela noite?
A tensão recai sobre os seus ombros, fazendo-os se
encolherem minimamente.
— Ele estaria sentado aqui ao meu lado, bebendo chá e
dizendo que tem muito orgulho dos filhos que tivemos — murmura
em um tom baixo. — Depois, ele iria reclamar que a tecnologia
acabou com os jovens e que o Alex deveria ter reformado o telhado
como ele pediu na semana anterior. Eu diria para ele deixar de ser
um velho chato e o encheria de bolo de baunilha, que era o seu
favorito.
Meu coração se comprime dentro do peito.
— E o que mais?
Minha mãe aperta os lábios, contendo as lágrimas que lutam
para serem derramadas.
— Quando o sol tocasse o mar, ele me puxaria para dançar
ao som de Madonna. E, de novo, ele diria que tem muito orgulho da
nossa família. Ele diria que está orgulhoso da menina incrível que
vai conquistar o mundo. — Abaixa a vista para as mãos magras. —
Você sempre foi muito parecida com ele, Anne. Quando olho em
você, só consigo me lembrar do sorriso que ele deu quando te
segurou pela primeira vez nos braços. Essa memória é a minha
favorita do dia do seu nascimento.
— Mas o Alex é igualzinho a ele.
Daisy balança a cabeça e afaga a minha bochecha com a
ponta dos dedos. Fecho os olhos, apreciando o carinho.
— Somente de aparência. De coração, vocês dois são
idênticos.
Não digo nada, só abro um sorriso sem desgrudar os lábios.
— Mas, respondendo a sua pergunta, a minha vida não seria
tão diferente da que tenho hoje. A mudança maior é que eu teria
alguém para me aquecer na cama.
Rio.
— E por que você nunca se casou de novo?
— Gustaf era minha alma gêmea. Ninguém vai ocupar o lugar
que ele tem no meu coração. Um segundo casamento seria
somente isso: uma segunda pessoa que lutaria para substituir a
anterior.
A resposta me deixa inquieta. Não consigo imaginar como
deve ser amar alguém dessa forma, de um jeito tão devoto e intenso
que li apenas em livros. Na vida real, o amor dificilmente funciona
dessa forma. Ele é muito mais duro, cruel e sofredor.
— Nada de novos amores, então?
Minha mãe aperta minha bochecha em um movimento de
pinça.
— Nada de novos amores e cursos de arte — ressalta. —
Mas posso considerar a possibilidade de fazer aulas de pintura.
Beth disse que abriu uma galeria ao lado da livraria da Willa. Nós
podemos ir lá um dia, se você quiser.
Sorrio.
— Seria perfeito, mãe.
Daisy retribui o meu sorriso e dá um beijinho na minha testa,
acariciando os meus cabelos com a ponta dos dedos. Rondo meus
braços ao redor da sua cintura, puxando-o para um abraço meio
desengonçado.
— Mas saiba que eu ainda vou conseguir te convencer a
fazer uma viagem — digo, a voz abafada. — Guarde as minhas
palavras.
— Você é o ser humano mais insistente que conheço, então
não irei te contradizer. Só vou aguardar por essa mudança drástica
na minha vida.
— Uma vida feliz, mãe — reforço. — Uma mudança de vida
feliz.
Daisy não me contradiz, o que me faz acreditar que, em
breve, ela vai compreender que respirar novos ares é a melhor
escolha. Uma escolha que vai trazer tanta cor quanto os quadros
que ela pinta para si mesma. E, nessa pintura, não há espaço para
outro sentimento além da felicidade infinita.
Quando fecho a porta de entrada, noto que a casa que Reed
divide com os meninos está estranhamente silenciosa. Por sorte, as
luzes do andar inferior estão acesas, o que indica que não estou
sozinha. Mas, ao passar pela cozinha, não há nenhum sinal de
Keeran ou Mason.
Tento não me preocupar com os seus paradeiros e subo as
escadas. As três portas do corredor se encontram fechadas e não
há nenhum barulho além do som dos meus passos. Até penso em
arriscar e chamar por alguém, mas desisto.
Entro no meu quarto e suspiro de alívio ao tirar o vestido
rodado. O turno de trabalho foi tão cansativo que contei as horas
para acabar. Os calos nos meus pés, por causa dos patins, gritam
em um pedido de socorro.
Me arrasto em direção ao banheiro para tomar um banho,
mas paraliso ao notar uma caixa em cima da minha cama. Há até
um laço no topo, acompanhado de um bilhete.
Tiro-o de dentro do envelope e meus dedos pinicam de
ansiedade ao ler as palavras escritas em uma caligrafia bagunçada:

Um sorriso idiota surge no meu rosto, mas eu o contenho o


mais rápido possível. Pare com isso, me repreendo mentalmente.
No entanto, é difícil manter a expressão entediada no rosto quando
levanto a tampa e encontro seis donuts perfeitamente alinhados e
esperando para serem devorados.
Minha boca saliva. Não vai dar para jogar essa caixa para
fora da janela.
— Que se dane. 
Pego um com confeitos coloridos na cobertura e dou uma
mordida. Droga, está gostoso pra cacete. Deve ser um dos
melhores donuts que já comi. Tem gosto de nuvens fofinhas em um
céu de verão, embora eu não faça ideia de qual seja o verdadeiro
sabor de um nuvem.
Deve ser algo parecido com isso. Tem que ser.
Meu gemido de satisfação se torna um gritinho assustado ao
encontrar Reed encostado no batente da porta. O sorriso que dança
na boca dele faz meu estômago se contrair de um jeito nada
agradável.
— Estou vendo que você gostou da minha surpresa.
Afasto o donut da boca e o jogo dentro da caixa.
— Eu odiei. Presente horroroso com gosto de mofo.
Reed dá risada e gesticula para o meu corpo.
— Bom, eu gostei da sua lingerie. Você fica bem de
vermelho.
Só então me dou conta que estou só de calcinha e sutiã. O
vestido do uniforme está jogado rente aos pés da cama e corro para
alcançá-lo. Me cubro com ele do jeito mais desajeitado possível. O
som da risada de Reed repercute pelo cômodo.
— Sai daqui, Rollins! — Gesticulo para o corredor. — Isso é
invasão de privacidade, sabia?
Reed continua a rir, se divertindo com a situação horrorosa. A
vontade que tenho de dar um chute no seu nariz só diminui quando
ele finalmente sai do quarto. No entanto, antes que eu possa me
desfazer do vestido e mergulhar em um poço de vergonha, seu
rosto espreita pela fresta da porta.
— O que foi agora? Eu mandei você cair fora! — exclamo.
Ele passa a língua pelos lábios e me mede da cabeça aos
pés. Mesmo que eu ainda mantenha as mãos fechadas no tecido do
vestido, mantendo-me coberta, me sinto nua diante do seu olhar. O
castanho líquido de suas íris se dissolve em um tipo de calor que
formiga no centro das minhas pernas.
— Só queria sugerir uma coisa
— Não estou interessada.
As orbes giram em um círculo de descontentamento. Ele não
está nem aí para o que estou dizendo.
— Quando a gente for transar pela primeira vez, use essa
mesma lingerie para mim.
Cerro os dentes e profiro um resmungo que só faz o seu
sorriso aumentar de tamanho. Se eu não estivesse tendo que
segurar a droga desse vestido contra o meu corpo, com certeza já
teria arremessado algo em sua direção.
— Isso nunca vai acontecer, seu insuportável! Nem nessa
vida, nem em todas as outras que vierem.
Reed faz um biquinho desajeitado e acena em despedida. A
porta é fechada, mas ainda consigo escutar as palavras cheias de
malícia que atravessam a madeira:
— Quero ouvir você repetir isso quando eu estiver com a
minha boca em você, joaninha.
Arquejo e arremesso o vestido no chão.
Porra, como eu odeio ele.

Após o fim das aulas, estou sentada em uma das mesas da


cafeteria do campus estudando, acompanhada de um copo gigante
de café e uma porção de muffins. Minha cabeça parece estar
pesando dez quilos e minha linha de raciocínio para criar uma boa
redação criativa já me abandonou há tempos.
Fecho os olhos e massageio as têmporas, sentindo o
cansaço me abater. Antes que eu tenha a chance de quase
adormecer em cima da mesa, uma pilha de livros caem sobre a
superfície e eu dou um gritinho estridente, pulando na cadeira.
Claire se joga sobre mim, me puxando para um abraço
desengonçado. Minhas pernas se flexionam para cima e ela começa
a pular feito uma mola. Não faço ideia do que está acontecendo,
mas pulo de volta. Pelo menos isso vai afastar o meu sono.
— Você não vai acreditar no que aconteceu! — ela diz,
animada, ao colocar as mãos sobre os meus ombros e se afastar.
A peruca cor de chiclete tutti-frutti me faz lembrar da Katy
Perry. A blusa com pirulitos estampados na gola alta e o casaco de
algodão colaboram para essa associação. Claire hoje poderia saltar
por nuvens e cantar California Gurls.
— Se você não me contar, não tem como eu saber.
Ela me mostra a língua e faz mistério, permanecendo em
silêncio e me encarando com os seus olhos dourados. Eles estão
brilhando feito um céu estrelado.
— Eu consegui o apoio da Davis Corporation para o meu
desfile de roupas sustentáveis!
Fico sem reação.
— O quê?
— Sim! Eles acabaram de me ligar avisando que o convite foi
aceito e que irão entrar em contato em breve para acertarmos os
detalhes. — As palavras são ditas euforicamente. — Eles amaram o
projeto e disseram que estão ansiosos para trabalharem ao meu
lado.
— Porra, Claire, isso é perfeito!
Claire concorda com um aceno e enxuga as pequenas
lágrimas de felicidade que desceram por suas bochechas.
— Ainda estou tentando assimilar que está acontecendo de
verdade. Antes, era só uma ideia no papel, mas agora é real. Nas
próximas semanas, eu devo apresentar para eles os croquis e um
representante da empresa vai vir até Maple Hills para me auxiliar na
escolha dos tecidos — explica. — Não é incrível?
Abro um imenso sorriso.
— É extraordinário. — Puxo-a para um abraço menos
bagunçado dessa vez. — Eu disse que você ia conseguir. O céu
nunca é o limite quando estamos falando de Claire Howard.
Ela dá um beijo estalado na minha bochecha.
— Obrigada por sempre confiar em mim, Anne. Eu estava
com medo que nada disso desse certo e o apoio seu e do Dave fez
total a diferença na hora da entrevista. — Os lábios molhados de
gloss se esticam em um mínimo sorriso. A expressão no rosto dela
ainda é de pura emoção. — Você acha que eu dou conta?
Me sento novamente e faço um sinal para que ela se
acomode na cadeira livre ao meu lado. Quando Claire está diante de
mim, eu pouso minhas mãos sobre as dela.
— Você não só vai dar conta, como também vai arrasar —
afirmo. — E eu vou estar lá na plateia, assobiando e gritando o
quanto você é maravilhosa. A Davis Corporation já notou isso em
você, Claire. E quem não notar, pode ter certeza que eu vou dar um
chute no nariz.
— Você é uma boba, sabia? — Dá risada e eu me pego rindo
de volta. — E por falar em chute no nariz, como foi a comemoração
da vitória dos meninos?
— Foi divertido. — Dou de ombros. — Por que você não foi?
— Dave me mandou mensagem logo depois que o jogo
terminou dizendo que o detonaram no campo. Esse é o jeito dele
dizer para passarmos as noites juntos abraçadinhos. — Revira os
olhos. — Coloquei gelo nos machucados e depois a gente assistiu
Gossip Girl até cairmos no sono.
Faço uma careta.
Aí está uma coisa que Claire e Dave amam fazer: assistir o
relacionamento nada saudável de Chuck Bass e Blair Waldorf. A
série é um clássico e eles já devem ter visto pelo menos umas duas
vezes juntos desde que começaram a namorar.
Eu não consegui passar do primeiro episódio. Achei um pé no
saco.
— E o Reed?
— O que tem ele?
Claire puxa a cadeira para mais perto de onde estou sentada.
— Você também colocou gelo nos machucados dele?
— Não. Eu deveria?
Os olhos marcados com delineador branco se agitam em
aborrecimento.
— Você é uma namorada horrível. Reed é o running back do
time, ele deveria estar tão detonado quanto o Dave — assinala. —
Aconteceu alguma coisa no pub que eu deva saber?
— Nada demais. Conheci os outros meninos do time e
comemos anel de cebola. — Não menciono sobre ter sentado no
colo do Reed. Prefiro guardar esse momento entre a gente. — E nós
não somos namorados de verdade. Não se esqueça desse detalhe.
As pálpebras piscam lentamente, feito o Gato de Botas.
— Você tem que aproveitar as coisas boas que existem por
trás dessa situação. Reed não é assim tão ruim.
— O que você está insinuando?
Ela espreme os lábios e depois estala a língua no céu da
boca. Os ombros se minimamente curvam para frente, ao mesmo
tempo em que sugere:
— Para você se divertir.
— Com o Reed?
Escuto-a bufar.
— Se vocês toparam um relacionamento aberto, por mim
tudo bem. Nada contra. Se joga. — Levanta as mãos. — Mas se
decidiram manter só entre vocês... Se joga também.
Não reajo por longos minutos e Claire permanece na mesma
posição, nada incomodada com o peso do meu olhar. Minha amiga
é imune a qualquer tipo de constrangimento.
— Eu não vou ser mais uma garota da lista interminável de
com quem Reed transou. 
— Eu não disse nada sobre transar com ele.
Suspiro alto.
— Você insinuou.
— Eu disse para você se divertir. Entenda como quiser.
Apoio meu corpo no encosto da cadeira e cruzo os braços,
ficando na defensiva.
— A gente pode voltar a falar sobre você, por favor? —
suplico e puxo meu copo de café para mais perto, dando um
golinho. — Eu aceito falar sobre qualquer coisa, desde que não seja
sobre esse namoro falso.
Claire estreita os olhos para mim, mas acaba cedendo,
mesmo a contragosto. Durante a próxima meia hora, falamos sobre
os croquis que ela desenhou nas últimas semanas e algumas ideias
para apresentar na próxima reunião com a Davis Corporation.
O assunto Reed Rollins, para a minha sorte, é
completamente esquecido.
Graças a Deus.
 
“Todos pensam que nós somos perfeitos.
Por favor, não deixe eles olharem através das cortinas”
Dollhouse | Melanie Martinez
 

 
Os sábados de manhã são dedicados a treinar na academia
improvisada da fraternidade que o Dave faz parte. E como meus
colegas de casa são uns folgados, eles não perdem a oportunidade
de me acompanharem. São iguais a dois cachorrinhos seguindo o
dono pela casa.
A nossa sorte é que a Martial Kappa Tau se encontra
praticamente vazia. A maioria dos garotos festejaram a sexta em
grande estilo, terminando a noite na cama de alguma caloura do
campus. Estou surpreso que Mason tenha topado acordar cedo. Ele
dificilmente faz isso nos finais de semana, já que prefere dormir até
o colchão ficar com o formato da sua bunda. 
— Você acha que a gente consegue vencer os Willards na
semana que vem? — Mason pergunta ao levantar peso. — O
Bradley disse que eles são fodas.
— Se eles forem bons, a gente arrebenta com a cara deles —
Keeran sibila. — Nada que um soco não resolva.
— Você quer ser expulso do time, Flanagan? — Dave ergue
a sobrancelha daquele jeito que ele faz sempre que está dando uma
bronca em alguém durante o jogo. — Você é a droga do wide
receiver, não o Super-Homem.
Abafo uma risada ao enterrar o rosto na curva do braço, ao
mesmo tempo em que Keeran levanta o dedo do meio para Dave,
que devolve com um mostrar de língua.
— Vocês se preocupam demais — digo. — A gente vai
detonar com eles. Estamos treinando pra cacete e o treinador
Turner não vai pegar leve com a gente durante essa temporada. Ele
está convicto que nós vamos chegar aos playoffs.
— E você acha que a gente consegue? — Mason questiona.
Há uma pitada de preocupação escondida em seu tom de voz.
— Eu acredito que sim — Dave garante e bagunça os
cabelos de Mason com a ponta dos dedos. — Se anime,
Henderson. Daqui a alguns meses, vamos estar comemorando com
todos os litros de bebidas disponíveis em Maple Hills.
Keeran limpa o suor do rosto com a barra da camiseta.
— E muitas garotas gostosas, eu espero.
Dave faz uma careta.
— Fale isso por você e pelo Mason. Eu e o Reed somos
homens que levam a sério os seus relacionamentos com suas
namoradas.
— Você sabe que o namoro do Reed com Anne é falso,
certo? — Keeran relembra. — Nada impede ele de se juntar com a
gente na diversão.
Jogo uma toalha em sua direção, acertando cabeça e lhe
arrancando uma reclamação.
— Não vou trair a Anne enquanto estivermos nesse acordo
— friso a última palavra para que ele não tenha dificuldades em
entender. — Sendo verdadeiro ou não, nunca vou deixar que ela
fique mal falada no campus. Já basta o que aconteceu com a Angel.
Três pares de olhares recaem sobre mim. Um traço de
curiosidade invade as pupilas de Dave, como se ele soubesse algo
que não quer contar para mim. Enquanto isso, Mason cruza os
braços na frente do corpo, a camiseta se agarrando aos músculos
do seu braço torneado. Keeran, contudo, se mantém neutro, exceto
pelo leve tremular de seus lábios no que suspeito ser um sorriso
sacana.
— Soldado abatido. — Meu amigo brinca e se levanta do
banquinho com estofado emborrachado que esteve sentado esse
tempo todo. — Estou vendo que só vou curtir a vida de solteiro ao
lado dos meus amigos quando a Terra virar pó.
— Você tem o Mason, o Bradley e o Cooper para te fazerem
companhia.
Como se estivesse ouvindo a conversa em um lugar
escondido, a porta de correr da academia improvisada no porão é
empurrada e Bradley surge. Usando somente uma bermuda de
academia e tênis esportivos, não duvido de que ele só estava
esperando o momento certo de entrar e encher o nosso saco.
— Eu ouvi o meu nome?
— Você estava aqui esse tempo todo? — pergunto.
Bradley dá de ombros e caminha até o supino, se sentando
no banquinho e abrindo as pernas. Ele prendeu os cabelos de
comprimento médio em um coque no topo da cabeça, deixando a
mandíbula definida em evidência.
— Estava só de passagem na lavanderia e ouvi vocês
conversarem. Qual o papo da vez e por que eu estou envolvido?
Mason coloca os pesos no supino e apoia o ombro direito na
parede.
— Keeran estava reclamando que ele é o único solteiro entre
nós. Maior drama, porque sabemos que é mentira — Dave conta. —
É só uma questão de tempo até ele encontrar sua alma gêmea.
Ouço um palavrão como resposta.
— Isso não vai rolar, Dave. Pode parar de sonhar.
O quarterback do time arqueia a sobrancelha esquerda em
um arco perfeito.
— E por quê?
— Não acredito nesse lance de amor — reclama e fecha os
dedos ao redor da barra, levantando o peso das extremidades com
uma puxada de ar. — Parei de acreditar há muito tempo, na real. É
só pra gente quebrar a cara. Elas partem o nosso coração falando
um monte de bobagem e vão embora sem pensar duas vezes. Não
quero nada disso pra minha vida. Sou muito melhor solteiro.
A quietude que recai sobre o ambiente é desconfortável.
Não sei muita coisa sobre a vida pessoal dele. Keeran
Flanagan é um mistério, na maior parte do tempo. E acredito que a
versão que ele mostra para os seus amigos não é nem 1% do que
ele é de verdade.
Acho que, no fundo, todos nós somos assim. Meus amigos
não sabem quem é o Reed Rollins por inteiro. Sem máscaras,
piadinhas ou frases polidas. Na real, duvido que alguém de fato
saiba. É difícil mostrar os nossos defeitos para as pessoas quando
há a possibilidade delas irem embora diante da primeira imperfeição
que lhes desagrada.
— Oh, alerta de coração partido. — Bradley assovia. —
Quem foi que chutou a sua bunda, Flanagan?
— Eu chutei a bunda dela antes que ela pudesse chutar a
minha.
Dave solta um grunhido que deixa evidente a sua insatisfação
com o rumo da conversa. Não deve ser nada fácil para ele aguentar
uma casa cheia de jogadores em que ele é o único que tem
namorada.
— Trabalhamos com nomes, cara.
Keeran bufa e impulsiona a barra com os pesos para cima,
descontando sua revolta no inocente do supino.
— Não me lembro. Faz tempo demais. Apaguei ela da
memória.
— Se tivesse mesmo apagado da memória, não estaria
falando dela agora.
— Vai se foder, Bradley — xinga e faz um sinal com o queixo
para que Mason o ajude a apoiar na barra no suporte de segurança.
— Apaguei ela da memória, mas não a lição que ela me ensinou.
— E qual é? — Dave questiona e, mesmo que ele tente
disfarçar, consigo perceber uma centelha de deboche por trás. —
Nos encha com sua sabedoria divina, Flanagan.
O wide receiver se limita a impulsionar as pernas para cima
ao se levantar do aparelho de academia e caminhar até o frigobar.
Tira de lá uma garrafinha de água e bebe todo o conteúdo em goles
rápidos. Ao se virar novamente para nós, não consigo entender o
que sua expressão diz.
É um bloco de gelo.
— Solteiro sim, sozinho nunca. — Abre um sorriso amargo.
— Aproveitem a vida, porra, porque no final de tudo, é sempre você
por você. E nunca acreditem em quem tentar convencer do
contrário. 

Ao final do dia, estou em frente ao fogão preparando uma


porção de waffles. A casa se encontra vazia, já que Keeran
conseguiu convencer Mason a ir com ele ao Cheers Bar. Dave
também decidiu levar Claire ao cinema e depois em um restaurante
que inaugurou aqui na cidade. Ou seja, a noite de filmes em grupo
escorreu pelo ralo, o que me dá a liberdade de assistir sozinho o
que eu quiser.
Não que eu esteja reclamando. Eu gosto pra cacete da minha
própria companhia.
Coloco os waffles no prato e meu celular vibra em cima do
balcão no mesmo instante. Lanço um rápido olhar direção a tela e
vejo que é uma chamada de vídeo da minha mãe. Sorrio e apoio o
celular na xícara vazia, dando a ela a chance de me enxergar por
inteiro quando aceito a ligação.
— Olha só quem resolveu se lembrar de que tem mãe. —
Noreen encena um choramingo e pisca os olho para a câmera. —
Ainda está vivo?
— Não foi dessa vez que você se livrou de mim, mãe —
brinco ao colocar a louça suja dentro da pia. — Como estão as
coisas aí em Mountain City?
— Iguais, como sempre. Estou planejando fazer uma viagem
com a Kirsten. Você se lembra dela?
Forço minha memória a fazer qualquer tipo de ligação com o
nome. Minha mãe costuma viajar muito e conhecer diversas
pessoas, então é difícil decorar quem é quem. Da última vez que
estive na sua casa, tive que fingir que conhecia os seus colegas de
trabalho, já que fomos apresentados meses antes.
Foi bem difícil manter o sorriso gentil no rosto por
intermináveis horas. Terminei a noite com dor no dente.
— A sua amiga do trabalho? — Arrisco, torcendo para estar
correto.
O olhar de minha mãe vacila por um milésimo de segundo.
Os dedos da mão direita brincam com o colar de pérolas ao redor do
pescoço esguio, analítica. Ela está bonita e arrumada para uma
noite de sábado. Com certeza vai sair e chutar o estresse para
longe depois de uma semana cheia no trabalho.
— Sim, ela mesma. — Acaba concordando, o receio
escondido atrás do seu sorriso. — Inclusive, quando você tiver o
final de semana livre, poderia vir me visitar. Faz tempo que não
passamos um tempo só juntos.
Não faço nenhum tipo de reclamação, porque sei que ela tem
razão.
A gente tem uma relação boa, comparando com a que
mantenho com o meu pai, mas desde que passei a morar com Ricky
em North Groove e depois fiz a mudança para Maple Hills, a nossa
principal forma de comunicação é através do celular. Não sinto o
abraço da minha mãe há meses.
Porra. Estou ficando pior que o Aaron.  E olha que o Aaron
não visita ninguém da família há anos, além da nossa mãe.
Ele é o filho ignorado. Aquele que as pessoas fazem um
breve comentário durante os jantares comemorativos, mas nunca o
convidam para estar lá. Aaron Rollins é como uma fotografia
esquecida em uma caixa dentro do armário. Você só se lembra que
ele existe quando decide revirar as memórias do passado.
Eu até tento conversar com ele a respeito, mesmo que seja
para a gente terminar a noite com uma ressaca do caralho.
Contudo, ele não cede. Aaron não quer conversar sobre o assunto.
Duvido que tenha se aberto com alguém a respeito. Ele só engole
tudo, guardando para si em um lugar que ninguém tem acesso.
— Podemos nos ver no Dia de Ação de Graças, se você
quiser. — Abro a gaveta e pego os talheres. — Não tenho nenhum
jogo nessa data.
Noreen abre um sorriso que revela os dentes brancos e
alinhados.
— Vou preparar a sua sobremesa favorita.
— E você ainda se lembra de qual é?
— Eu sou mãe, Reed. — Afina os olhos em uma linha
estreita. — Eu jamais vou esquecer do que os meus filhos gostam.
— Você tem falado com Aaron, aliás?
Puxo o prato para mais perto e espeto um pedaço do waffles,
levando-o à boca.
— Falei com ele no começo do mês. Disse que estava
ocupado e pediu desculpas por não retornar as minhas ligações. —
Ela soa triste do outro lado da tela. — Você tem certeza de que ele
está bem, filho?
Encolho os ombros, desejando ter uma resposta melhor para
dar.
— Nada de diferente. Continua o mesmo rabugento de
sempre — digo, de forma descontraída, antes que o clima dessa
conversa vire um bloco de gelo. — Não se preocupe. Se algo
acontecer, eu vou ficar sabendo. Estamos morando na mesma
cidade, afinal.
Minha mãe concorda com um rápido aceno de cabeça e troco
de assunto logo em seguida, não querendo deixá-la triste. Minutos
depois, ela se despede com um beijinho na tela e me faz prometer,
pela segunda vez, que irei ligar mais vezes. Eu levanto o dedo
mindinho só para zoar com a sua cara e Noreen encerra a chamada
entre risadas.
Estou agora dando a última mordida no waffles quando a
porta de entrada é aberta. O relógio na parede marca oito horas da
noite, então não tenho dúvidas de que é Anne. Mason e Keeran não
devem voltar para casa hoje.
Assovio, chamando-a para a cozinha e ouço seus passos se
aproximarem até estar de frente para o balcão. Como de costume,
Anne está usando o vestido do uniforme da lanchonete e o cabelo
cai ao redor dos seus ombros. As olheiras denunciam seu cansaço.
— Quer waffles? Fiz três porções.
Os lábios se retorcem em um sinal de desconfiança.
— Você colocou veneno nisso aí? — Aponta para a pilha de
waffles do outro lado da pia.
— Se eu tivesse colocado, não estaria te oferecendo.
Ela dá um passo para mais perto.
— Não sei se acredito. Essa seria a oportunidade perfeita
para você se livrar de mim de uma vez por todas. Ninguém ia
desconfiar.
Reviro os olhos e pego um prato no armário ao lado da pia,
colocando ali dois pedaços de waffles e uma calda, junto de alguns
pedaços de framboesa. Empurro em sua direção, junto dos talheres.
— E por que eu faria isso?
Anne pega o garfo e espeta a primeira framboesa, levando
aos lábios. Dá só uma mordidinha na ponta, testando o sabor. Está
uma delícia, mas duvido que ela vá dizer isso em voz alta. O orgulho
fala mais alto quando se trata de Anne Scott.
— Porque a gente se odeia, é óbvio.
— Já falei para você, Annie. Eu não odeio você. — Contorno
o balcão, ficando atrás do seu corpo. Anne troca o peso dos pés, os
ombros tensos. — Odiar é uma palavra forte demais para definir o
que sinto por você.
— E o que você sente por mim, então?
Respiro fundo, inalando o seu perfume adocicado, e uso a
ponta dos dedos para empurrar uma mecha do cabelo loiro para trás
dos ombros. O pescoço fica à mostra e preciso reunir mil toneladas
de autocontrole dentro de mim para não mordê-la bem ali.
— Um pouco de raiva.
— E o que mais?
Anne brinca com a faca entre os dedos e rapidamente minha
mente é transportada para o dia que ela afundou a régua no meu
pescoço. Pode ser só uma questão de tempo para que outro objeto
seja pressionado na minha jugular.
— Irritação quando você me tira do sério — sussurro em seu
ouvido. — E uma vontade gigantesca de te prender na parede e te
fazer calar a boca durante todas as vezes em que faz comentários
sarcásticos.
Anne dá uma risadinha e gira o quadril, ficando de frente para
mim. A distância entre nós é minúscula. Na posição em que
estamos, consigo até ver as manchas que colorem as suas íris.
Parecem grãos de areia em uma floresta.
— Isso é mais parecido com o ódio do que você imagina,
Reed.
Balanço a cabeça e pouso o indicador em seu queixo,
obrigando-a a olhar para mim.
— Se eu te odiasse, joaninha, você com certeza iria saber. —
Sopro o ar quente na boca dela e uma pontada aguda atinge o meio
das minhas pernas.
— Vou esperar ansiosamente por esse dia — retruca.
— Eu não contaria com tanta expectativa assim.
A cabeça tomba para o lado, uma mecha do cabelo
escapando por detrás da orelha.
— Por quê?
Passo a língua entre os dentes e abaixo a mão, dando um
passo para trás.
— Porque está bem longe de acontecer, Scott.
 
“Demônios jogam os dados, anjos reviram os olhos.
O que não me mata, me faz te querer mais”
Cruel Summer | Taylor Swift
 

 
Não acredito que estou fazendo isso.
Na escala das coisas ruins que já aceitei fazer nesses vinte e
dois anos de vida, estar nessa arquibancada com as bochechas
pintadas com riscos pretos e brancos consegue ser a pior de todas.
Chega a causar dor no dedinho do pé.
E como se não bastasse ter sido arrastada até aqui, há algo
ainda pior. Tão ruim que vou sofrer de dor de barriga para o resto da
minha medíocre existência toda vez que lembrar desse dia.
Estou usando a merda de uma camiseta com o número 22
nas costas juntamente do sobrenome Rollins estampado em letras
garrafais.
É como um letreiro na beira de estrada gritando “eu pertenço
a esse homem!”
— Para de fazer careta! — Claire grita no meu ouvido,
tentando sobrepor sua voz diante da gritaria dos torcedores ao
nosso redor. — Vão achar que você está com dor de barriga!
— Acho que já estou. — Pressiono as mãos contra o
estômago. — Também estou prestes a fazer cocô em mim mesma.
Claire estampa um semblante de dúvida diante da minha
frase.
Como todos os outros torcedores do Rebels Of Horizon,
minha amiga está com as bochechas pintadas com as cores do time
e com um chapeuzinho na cabeça que se parece com um bicho de
pelúcia ambulante. Ela dispensou a costumeira peruca, exibindo os
cabelos castanhos cortados bem próximos da raiz.
Nas orelhas, há os inseparáveis brincos. Só que, dessa vez,
eles são no formato da letra D.
Sim. D de Dave.
É inacreditável as coisas que a gente faz quando está
apaixonado.
— Do que você está falando? — exclama e desvia de um
homem cheio de músculos que passa por nós, empurrando quem
está no seu caminho.
Não tenho a chance de responder, porque a gritaria triplica de
tamanho conforme as líderes de torcida, as Horizon Eagles, entram
no campo. Vestidas com as saias rodadas e o top com a águia
bordada no centro, elas dão piruetas no ar e gritam frases que não
consigo entender. A capitã se encontra no centro, se movendo com
uma graciosidade invejável.
Quando a música termina, a agitação ao nosso redor se torna
um zumbido irritante no meu ouvido.
Eu nunca tinha vindo a nenhum dos jogos do time desde que
entrei na USVL, então estou surpresa com o quanto as pessoas
levam o esporte a sério por aqui. Claire, por exemplo, se torna uma
pessoa completamente diferente enquanto pula ao meu lado. Ela
grita e assovia com os dedos dentro da boca.
Entendo sua animação ao ver Reed e Dave atravessando o
túnel e surgindo em nossa linha de visão. Por mais que haja uma
distância considerável entre a arquibancada e o gramado, não é
difícil de reconhecê-los. Dave tem aquele porte atlético de
quarterback que chama a atenção: os ombros largos, as pernas
compridas e os músculos decorrentes de horas na academia
escondidos pela camiseta.
Já Reed...
Essa é a primeira vez que o vejo com o uniforme. Sua
autoconfiança com aquele capacete na cabeça chega a ser
palpável. Se eu esticar o braço, vou poder tocar o seu ego com a
ponta dos dedos. Dá pra ver que Reed Rollins nasceu para estar ali,
respirando o suor e a adrenalina que antecedem o começo de uma
partida.
Após os gritos se acalmarem, o time adversário entra em
campo também, junto das líderes de torcida. Embora eu não seja
muito fã de futebol americano, tenho que concordar que há um
pouquinho de emoção em estar aqui.
Claire se vira para mim e se inclina para mais perto. Seus
lábios, melados de gloss, grudam no meu cabelo solto.
— Acho que depois do jogo vai ter uma festa em
comemoração na fraternidade! Você vai?
Ergo as sobrancelhas.
— O jogo nem começou e eles já estão certos de que vão
ganhar? Isso traz azar, sabia?
Minha amiga abre um sorriso cheio de orgulho.
— A única coisa que vai trazer azar é se você não torcer para
o seu namorado.
Quero contradizê-la e dizer que Reed pode ser várias coisas
nessa vida, menos o meu namorado. Mas o momento é
interrompido com o agito e ambos os times se alinham no gramado.
Eu não entendo nada do que está acontecendo, exceto as poucas
coisas que Alex me contava anos atrás, então a única coisa que
consigo identificar são as posições em que Dave, Mason e Reed
estão posicionados.
O apito ecoa por meus ouvidos e o jogo começa.
Claire quase entra em combustão ao meu lado durante os
próximos minutos. Ela grita, sacode os braços, xinga palavrões e
esbugalha os olhos de um jeito engraçado, a adrenalina aquecendo
as suas veias.
Eu estreito os olhos, com dificuldade, para focar na visão de
Reed correndo de um lado para o outro. Como ele é o running back
dos Rebels Of Horizon, seu corpo é constantemente atacado pelo
time da defesa. Até já perdi a conta de quantas vezes ele foi
derrubado com a bola nos braços.
— O defensive tackle deles é muito bom — Claire reclama do
meu lado, mastigando a unha do polegar. — Que merda!
O xingamento me pega de surpresa. Olho para o painel
luminoso e vejo que os Willards estão quatro pontos na frente. Não
sei como isso aconteceu.
— Por que eles estão perdendo?
— Aquele babaca do quarterback, o Calloway, fez a merda de
um touchdown — resmunga. — Que droga, Dave! Faz alguma
coisa, porra!
Claire não poupa xingamentos quando chegamos no último
quarto de tempo. Está todo mundo tremendo de cabeça aos pés.
Sem brincadeira. Posso sentir o chão se mover embaixo de mim
tamanha ansiedade. O placar encontra-se empatado, o que faz os
jogadores ficarem ainda mais impacientes.
Posso apostar que o treinador Turner está com dor de
barriga.
Quem não estaria? Aposto que até o Reed sente o estômago
pinicar.
Foco minha atenção na camiseta 22, o mesmo número que
tenho estampado nas costas. Reed gesticula para o Dave, gritando
coisas que não entendo e depois faz um sinal para o jogador
posicionado ao seu lado. Os Willards fazem o mesmo, analisando a
melhor forma de pontuar e levar a vitória.
O apito ressoa mais uma vez e fecho os olhos, não querendo
ver o que vai acontecer.
— Porra!
— Bloqueia esse merda!
— Filho da puta!
Os xingamentos, então, se sobrepõem aos assovios e
entreabro as pálpebras. Reed está correndo tão rápido quanto o
personagem de um desenho animado. Ele desvia de um jogador e
desvia do defensive tackle. Ele ergue o braço e prendo a respiração
ao ver a bola ser arremessada em direção ao Dave.
Ele a pega no ar e corre. Quase é derrubado por outro
jogador, mas desvia com uma habilidade surpreendente. Estou
fincando as unhas na palma da mão tamanho nervosismo. Claire
não está muito diferente de mim. A mandíbula cerrada e os braços
pressionados ao redor do corpo, como um abraço de urso, são o
maior indicativo de que ela se encontra tão tensa quanto eu.
No exato segundo em que as chuteiras de Dave alcançam a
end zone, a arquibancada vibra. Latinhas de cerveja são jogadas no
ar e pingos de bebida caem no meu rosto. Claire levanta os braços
para cima e me puxa para um abraço apertado, as cordas vocais
entonando todos os tipos de exclamações.
Me pego gritando também e nem sei ao certo o motivo.
Porra. Eu nem gosto de futebol americano.
— A gente ganhou? — pergunto ao afastá-la sutilmente para
o lado.
Mesmo com gotículas de suor salpicadas na pele das
bochechas e a maquiagem borrada no canto dos olhos, Claire
continua bonita. Já eu tenho medo só de pensar em como deve
estar a minha aparência. Passo a língua pelos lábios, sentindo o
gosto de cevada.
Que nojo.
— Não sei! — Dá uma risada alta. — Mas o Dave acabou de
fazer um touchdown!
E eu rio com ela, porque estar aqui está sendo mais divertido
do que jamais pensei que seria.

Os Rebeles Of Horizon venceram os Willards com o placar de


28 X 22.
O touchdown que Dave fez foi o ponto decisivo para que o
treinador Turner abrisse um daqueles seus minúsculos sorrisos e
parabenizasse os jogadores.
E, é claro, essa vitória só facilitou para que o ego de Reed
Rollins triplicasse de tamanho.
Neste momento, seu braço está pousado ao redor dos meus
ombros enquanto subimos os poucos degraus que dão acesso a
Martial Kappa Tau. A música alta, combinada com o barulho de
conversas, é o maior indicativo de que comemorar a vitória do time
é uma das especialidades da fraternidade.
— O campeonato já é nosso, porra! — Keeran grita atrás de
nós ao entrarmos na imensa casa. — O que você achou do jogo,
Anne?
Sacudo os braços do jeito mais descontraído que consigo.
— Não entendo de futebol americano, então tudo o que eu
disser vai ser uma grande mão acariciando o seu ego.
Keeran dá risada.
— Eu preferia a sua mão acariciando outra coisa em mim.
Reed resmunga um palavrão e dá um beijo estalado na
minha bochecha. O gesto não dura mais que cinco segundos, mas
me pega desprevenida. Não sabia que nós já tínhamos avançado
nesse tipo de encenação em nosso namoro de mentira.
Nem é preciso de nada disso com o Keeran. Ele sabe da
verdade, afinal de contas.
— Fica longe da minha namorada, Flanagan. Vai procurar
outra mão pra te acariciar.
Seu amigo explode em uma risada e me dá uma piscadela
conforme Reed me puxa para a cozinha, fugindo da conversa.
Quase tropeço em meus próprios pés durante o caminho e quando
finalmente chegamos no cômodo bem iluminado, me desvencilho do
seu toque.
— Qual seu problema com o Keeran?
Reed paralisa em frente a geladeira de aço inox que é tão
grande quanto ele.
— Problema? — Uma ruguinha se acentua no centro de sua
testa.
— Você fica todo nervosinho quando ele faz qualquer tipo de
insinuação para cima de mim. — Avalio seu rosto. — Você está com
ciúmes, Rollins?
Ele cospe um palavrão e pega duas cervejas.
— Ciúmes? — Fecha a porta da geladeira com o cotovelo. —
Você está delirando.
— Uhum. — Concordo com um resmungo.
Reed se aproxima e me entrega uma das cervejas. Bebo um
gole da bebida, mas mantenho os olhos conectados aos seus. Ele
imita o meu movimento e nos encaramos através das bordas da
garrafa.
— Só não quero que mexam no que é meu — confidencia em
um sussurro.
Abaixo a cerveja.
— Desde quando eu sou sua, Rollins?
Uma risada arranha a sua garganta e ele usa a mão livre
para colocar uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Os dedos
deslizam em câmera lenta pelo pescoço, parando na gola da
camiseta do time. Se infiltram só um pouquinho para dentro,
parando na altura das minhas clavículas.
— A roupa que você está usando diz exatamente isso — diz
e inclina os ombros para baixo, de forma que agora temos a mesma
altura. — Que você é minha. Só minha. Minha Annie Scott.
Droga.
Mordo o interior da bochecha com raiva.
— Só pelos três meses que esse acordo ridículo durar, Reed.
O polegar sobe e desenha círculos ao redor do meu pescoço.
A sensação é gostosa pra cacete. É difícil evitar que um arrepio não
me acometa da cabeça aos pés.
— Isso é o que vamos ver. — O hálito pinica em minha pele,
como formigas. — Porque três meses não é tempo o bastante.
Crispo o cenho, confusa.
— Para o quê?
Reed umedece os lábios com a pontinha da língua e apruma
os ombros, dando mais um gole na cerveja. A cena é mais sedutora
do que deveria ser. Me pego encarando cada um dos seus
movimentos, hipnotizada. Deve ser o efeito de vitória pós-jogo,
porque ele nunca esteve tão bonito quanto agora.
— Você sabe muito bem, Annie. Mas, caso esteja na dúvida,
prometo que um dia eu te conto.
Bato com o pé no chão, o que faz sua risada ecoar pela
cozinha. Odeio quando ele faz esse tipo de joguinho comigo. Reed
ama deixar assuntos importantes pendendo no ar.
— E o que você achou do jogo de hoje? — Apoia o quadril na
ilha. — Você e a Claire pareciam bem animadas lá na arquibancada.
— Estávamos torcendo pelo time adversário. Não teve nada
a ver com você.
— Vou fingir que acredito — murmura. — Da próxima vez,
vou ver se consigo um convite para você lamentar a derrota do time
adversário na fraternidade deles. A cerveja deve ter um gosto
maravilhoso.
Faço um biquinho.
— E você? — Reed franze as sobrancelhas em confusão.
Dou um passo para frente, me aproximando. Tamborilo a ponta dos
dedos nos ombros dele e paro na gola da camisa de botões que
está usando. — Vai bancar o namorado ciumento se ver a sua
namorada confraternizando com o inimigo? Porque, dependendo da
resposta...
Reed arqueja e encaixa a mão na minha cintura, me puxando
em um solavanco. Meus seios pressionam o seu peitoral, ao mesmo
tempo em que minhas mãos procuram amparo em seus ombros. A
posição é esquisita.
É perto demais.
Perigoso demais.
Tentador demais.
— Não vou gostar nem um pouco. Vou ficar puto da vida.
Sorrio maliciosamente e inclino o pescoço para trás para
poder encarar os seus olhos. As pupilas dilatadas denunciam que
não sou a única que está sentindo um formigamento se espalhar
pelas veias de um jeito nada confortável.
— Isso é você confessando que sente ciúmes de mim?
Ele trinca os dentes.
— Você não vai desistir desse assunto até conseguir a
resposta que quer, não é?
— Jamais.
Reed sacode a cabeça em negação e aproxima o rosto do
meu. A respiração quente e acelerada se condensa de encontro a
minha e sinto as pálpebras vacilarem, querendo se fechar quando
os lábios quentes tocam um ponto sensível da minha orelha. Posso
jurar que ele vai me morder, como fez naquela noite na sua casa.
No entanto, ele paralisa no meio do percurso e deixa escapar
um suspiro bem baixinho, ao mesmo tempo em que ouço a voz de
Claire:
— Estou interrompendo?
Pulo para trás, me desvencilhando do toque de Reed e giro
sobre os solados do tênis. Minha amiga está parada no arco que dá
acesso à cozinha, segurando um copo de bebida e com uma
expressão de confusão.
— Não! — Me xingo mentalmente ao notar o tom
desesperado em minha voz. — A gente só estava conversando.
Claire resmunga em concordância e move os olhos para
Reed.
— Ótimo jogo hoje, campeão — elogia. — Aquele tackle no
terceiro quarto de tempo foi surreal de bom. O ombro sobreviveu?
— Está mais inteiro do que imaginei que estaria.
Claire e Reed engatam em uma conversa cheia de termos
técnicos que não faço ideia do que significam. É visível que minha
amiga procurou entender mais do esporte depois que começou a
namorar o quarterback do time.
Enquanto os observo, me pego questionando se eu seria
capaz de fazer esse tipo de esforço por alguém. Eu aprenderia
sobre algo que odeio só porque sou apaixonada por essa pessoa?
Eu faria questão de estar em todos os jogos e torcer mesmo que
não seja assim tão divertido? Eu deixaria minhas questões de lado
só para arrancar um sorriso do meu namorado?
Abaixo a vista e encaro a camiseta que estou usando.
Depois, fixo meus olhos em Reed. Ele está alheio ao turbilhão de
pensamentos que pipocam na minha cabeça, mas basta olhar para
ele para ter a minha resposta.
Não, eu não faria isso por ninguém.
E se fiz o que fiz hoje, foi só porque é tudo parte de uma
encenação.
Uma mentira que estamos contando para todos que
conhecemos.
Uma mentira que me coloca em situações que só irão durar
um curto período de tempo.
Uma mentira que não me obriga a me esforçar de verdade.
E chegar a essa constatação só me faz ter a certeza de que
nunca serei capaz de amar alguém como Claire ama Dave. Pelo
menos, não sem perder uma parte de mim durante o processo.
 
“As coisas que você sente por dentro, eu também sinto”
Lonely Eyes | LAUV
 

 
Anne está presa nos próprios pensamentos, alheia a minha
presença.
A festa acontece embaixo de nós, o time comemorando a
vitória de mais um jogo na temporada. Não faço ideia de onde
Keeran e Mason foram parar, mas aposto que estão com uma
garota no quarto. Dave e Claire também sumiram.
E como não estou no clima em terminar a noite com os
tímpanos estourados, decidi subir até o segundo andar da casa. A
sacada em que Anne se encontra dá uma visão privilegiada da área
da piscina da Martial Kappa Tau e é um ótimo lugar para esfriar a
cabeça.
— Ei.
Ela se sobressalta ao som da minha voz, quase derrubando o
copo de bebida no chão.
— O que você está fazendo aqui?
Escondo as mãos dentro do bolso da calça jeans e me
aproximo.
— Procurando pela doce presença da minha linda
namorada. 
As pálpebras se estreitam em uma linha fina, desconfiada.
Aproveito o momento para observá-la. Mesmo com Anne odiando a
ideia e me enchendo de xingamentos, a camiseta do time combinou
com o tom dos seus olhos. Além de ser um tesão do caralho vê-la
com o meu nome estampado nas costas. É uma visão que vou
relembrar incontáveis vezes antes de dormir.
— Você não cansa disso, não é? — Escora os antebraços na
balaustrada, dando as costas para mim. — Não precisamos mentir
quando estamos sozinhos, Reed.
— Ninguém te contou que as paredes têm ouvidos? — Imito
a sua posição e empurro o seu ombro de brincadeira com o meu. —
Elas sabem de todos os segredos do mundo.
— Você é um pé no saco.
Sorrio.
— Só quando estou com você.
As orbes se reviram em descontentamento e Anne dá um
gole na bebida.
— Já que estamos falando de paredes... — Começo e ela
xinga um palavrão baixinho. — Me conte algo sobre você.
— O quê?
— Me conte algo sobre você — peço. — Não tenha medo do
que as paredes vão pensar. O seu segredo vai estar seguro.
— E quanto a você?
Levo a mão ao coração com a palma pressionando o lado
esquerdo.
— Pode confiar no seu namorado. Sou um homem de
palavra.
Anne ri nasalado, soando meio irritada, mas acaba cedendo
depois de um tempo. Os dedos giram o copo de bebida, a atenção
fixa em um ponto distante no horizonte escuro.
— Nunca tive um cachorro.
— Você não pode estar falando sério.
— Estou, sim! — Vira o corpo, ficando de frente para mim. —
Meu irmão é alérgico, então a gente foi proibido de ter qualquer tipo
de animal de estimação.
— Nem mesmo um peixinho?
— Alex deixou morrer os três que ganhou do nosso pai
quando era criança e então...
A voz perde o som gradativamente, a tristeza cruzando o seu
semblante. Anne aperta os lábios e desvia o olhar do meu, não
querendo que eu veja qualquer vislumbre da sua vulnerabilidade.
Não digo nada. Somente permaneço em silêncio, deixando que ela
encontre a própria força dentro de si para seguir em frente com o
assunto.
— A gente entrou em um acordo que não teríamos mais
peixinhos. Nem cachorros. Nem gatos. Nem qualquer tipo de
pássaro. —A voz soa rouca. — Então, é isso. Nunca tive um animal
de estimação.
Não dou uma resposta de imediato.
Inclino ligeiramente a cabeça para o lado, contemplando os
detalhes do seu rosto. Decifrá-la é uma das coisas mais difíceis que
alguém pode tentar fazer. Ao mesmo tempo em que Anne te dá
abertura para entrar, ela te empurra para fora com um chute
certeiro. Ela não hesita em se manter fechada dentro da própria
casca.
É um lugar seguro.
— E você? — pergunta, os lábios inclinados de um jeito
forçado para esconder o que realmente está sentindo.
Entro na dela, porque não quero deixar o clima uma merda.
— Tive dois cachorros. Ambos morreram velhinhos.
— Não! Me conte algo sobre você, Reed. Algo que ninguém
sabe.
Estico o braço e pego o copo de suas mãos, dando um gole
na bebida. Me surpreendo ao notar que é água. Nada de álcool para
a gente, então.
— Qualquer coisa?
— Absolutamente qualquer coisa. — Abre um sorriso sapeca.
— Não irei contar para ninguém.
Troco o peso dos pés, avaliando uma resposta. Anne me
encara em expectativa, os olhos cintilando em curiosidade. Sua
animação quase me faz acreditar que não existe um ódio
permeando o seu coração ao meu respeito. Que, por uma curta
probabilidade, a gente pode ser algo além de somente namorados
de mentira.
— Um dos meus filmes favoritos é Missão Impossível.
A risada de Anne ecoa pelo espaço vazio, se mesclando ao
som da música alta.
— Você só pode estar brincando comigo, Rollins.
— É um ótimo filme, okay? Foi um marco na carreira do Tom
Cruise.
— Oh, eu posso apostar que sim — debocha.
Tenho vontade de cutucar suas costelas e enchê-la de
cócegas até que implore entre gritinhos para que eu pare. Nunca
ninguém me irritou tanto quanto ela.
— E posso saber qual é o seu filme favorito? — Deixo o copo
de bebida em cima da mesinha de ferro atrás de mim. — Se for uma
merda, eu não vou pensar duas vezes em rir da sua cara.
— É um clássico. Ofendê-lo é um crime contra a
humanidade.
Dou risada. De onde essa garota saiu e por que demorei
tanto tempo para conhecê-la?
— Eu tenho uma proposta para te fazer, então.
— Não, eu não vou me casar de mentirinha com você, Reed
— provoca. — Chega de propostas, por favor!
Apoio o quadril na balaustrada.
— Essa é a primeira vez que vejo uma mulher se negando a
todas as regalias de um casamento com um Rollins. — Dou uma
piscadela, arrancando de Anne um gemido de frustração. Fazer
piada com os inúmeros casamentos do meu pai nunca perde a
graça. — A minha proposta não envolve nenhuma aliança no seu
dedo, pode ficar tranquila.
Anne me analisa com atenção. Esconder a curiosidade não é
um dos seus pontos fortes.
— Qual é a proposta, então?
— No próximo sábado, vamos assistir aos nossos dois filmes
favoritos — proponho.
A sobrancelha loira se ergue em um sinal de desafio.
— Sem Keeran e Mason?
— Só você e eu. — Encurto a distância entre nós, voltando a
ficar de frente para ela. Anne estica o pescoço para trás, tão bonita
que poderia se tornar o oitavo pecado. — O que me diz, joaninha?
A hesitação faz meu estômago se contrair em posições
desconfortáveis. É um tiro no escuro convidá-la para passar um
tempo comigo. As chances de eu terminar a noite com um golpe na
cabeça aumentam a cada dia.
— Eu topo, zangão.

Voltar de uma festa na companhia de Anne Scott é sempre


uma diversão.
A diferença é que, dessa vez, ela não está bêbada. Contudo,
a animação causada por alguns drinques coloridos de horas atrás a
deixam com um humor contagiante. Se ela fosse descontraída
desse jeito 24 horas por dia, a minha vida seria muito fácil.
Ela se joga na cama e enterra o rosto no travesseiro, ficando
de bruços. A calça jeans adere aos contornos do seu corpo,
valorizando as coxas torneadas e a bunda que me tira de órbita. Eu
daria de tudo para lhe dar umas boas palmadas.
Se estivesse usando aquela maldita lingerie vermelha,
então...
Pisco os olhos, afastando a visão e me sento ao seu lado no
colchão. As luzes do quarto estão apagadas, exceto pelo abajur ao
lado da cabeceira.
— Você precisa parar de me levar nessas festas de pós-jogo
— murmura, a voz soando abafada.
— Por quê?
Anne levanta o rosto do travesseiro e gira o corpo na cama,
deitando de lado. O cabelo loiro cai ao redor dos seus ombros feito
um véu. Mesmo cansada e com a maquiagem borrada, ela continua
tendo aquele tipo de beleza difícil de ignorar.
— Porque eu sempre acabo me divertindo.
Crispo a testa.
— E por que isso seria um problema?
Ela sopra o ar em uma irritação engraçada.
— Não quero me divertir com você, Reed. É um dos itens
proibidos da minha lista.
Me empolgo com o assunto e me acomodo melhor na cama,
esticando as pernas, mas mantendo os pés para fora.
— Você tem uma lista sobre mim? — Levo a mão ao coração.
— Estou me sentindo tão lisonjeado com o seu carinho por mim,
Annie. Há também uma foto minha escondida dentro da sua gaveta
de calcinhas?
— A única coisa escondida na minha gaveta é uma fita
isolante para te fazer calar a boca.
Gargalho alto.
— Não curto sadomasoquismo. Deixo isso para o Christian
Grey.
Anne arqueja e se vira na cama de novo, dando as costas
para mim. O silêncio que se segue entre a gente é confortável. Não
é constrangedor e nem incômodo. São raras as pessoas com quem
consigo sentir isso.
E admitir que Anne Scott é uma delas é um chute na bunda
bem dado.
— Você não respondeu a minha pergunta, Scott.
A resposta dela é um grunhido.
— Você não fez pergunta nenhuma, seu chato.
Estalo a língua no céu da boca e chuto os sapatos para
longe. Eles caem contra o piso em um eco mudo. A casa silenciosa
indica que Keeran e Mason ainda não voltaram da festa. É somente
Anne, eu e a nossa briga de egos infinita.
— Você tem uma lista sobre mim? — pergunto em um
sussurro.
A demora em ouvir sua voz me faz acreditar que ela pegou
no sono. No entanto, Anne se vira novamente no colchão. Dessa
vez, ela apoia o cotovelo no travesseiro, usando a mão de sustento
para a cabeça.
— Não. Mas estou considerando fazer uma.
— E o que você vai colocar nela?
Anne mordisca o lábio inferior, pensativa. É uma tortura
aguardar a sua resposta e, como se ela soubesse ler a minha
mente, os olhos se juntam de encontro aos meus, ao mesmo tempo
em que uma centelha de diversão cruza a sua expressão.
— Você sabe muito bem. Mas, caso esteja na dúvida,
prometo que um dia eu te conto — diz as mesmas palavras que usei
contra ela na cozinha da fraternidade. — Agora, sai do meu quarto.
Você tem a sua própria cama.
Ela não me dá a chance de retrucar. O movimento acontece
tão rápido que, quando me dou conta, estou com a bunda estalada
no chão do quarto. Escuto a risada e depois o rosto dela urgindo na
beira da cama.
— Boa noite, Rollins.
— Saiba que isso vai ter um troco.
— Eu vou esperar ansiosamente. — Sopra um beijo e se joga
de novo na cama.
Xingo mentalmente um palavrão e me levanto, obrigando
meus pés a se arrastarem pelo piso. No entanto, antes de sair do
quarto e fechar a porta, cedo à tentação e dou uma última olhada
em direção à cama. Anne está deitada de barriga para cima, os
olhos fechados.
— Eu sei que você ainda está aí, zangão.
Abro um meio-sorriso.
— Boa noite, joaninha. Sonhe comigo.
O braço se levanta junto do dedo médio e eu me pego rindo
sozinho enquanto fecho a porta.
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
“Porque nós fomos educados para ver a vida do melhor jeito e
aguentar o que pudermos”
Ode To My Family | The Cranberries
 

 
A mensagem do meu pai pipoca na tela do meu celular.
Ricky: Ótimo jogo na sexta.
Simples e sucinta, exatamente como ele. Não há grandes
elogios ou algum traço de felicidade pelo resultado. É como se, por
trás de suas palavras, houvesse aquela sensação de que ele é o
único responsável por eu ter um bom desempenho no campo.
Zero mérito próprio.
Xingo um palavrão e jogo o celular entre as almofadas do
sofá, sem clima para respondê-lo.
O barulho chama a atenção do meu irmão. Ele estica o
pescoço para trás, tentando me ver por cima da mesa de jantar.
— O de sempre?
Aaron me conhece melhor do que ninguém. Mesmo que não
sejamos tão próximos quanto irmãos deveriam ser, ele ainda
consegue me ler com uma facilidade incrível.
— Não é como se eu tivesse outros problemas na vida além
desse.
Ele faz um bico e retorna para a sala com duas garrafas long-
neck. Me entrega uma delas e se acomoda no espaço vago ao meu
lado. A televisão está ligada em um jogo de beisebol. Nada de
futebol americano na casa do Aaron.
O apartamento, inclusive, fica em cima do pub em que ele
administra. O espaço é pequeno, mas confortável. Tem um ar meio
rústico, como a personalidade do meu irmão. As paredes são com
os tijolos à vista e há uma dedicada especialmente aos seus discos
de vinil favoritos.
— Você é um babaca mimado — murmura ao se desfazer da
jaqueta de couro e jogá-la em cima da poltrona. — As coisas vão
tão mal assim?
Não sei se Aaron realmente está curioso ou só está
bancando o papel de irmão mais velho. Ele odeia falar sobre o
Ricky.
— Nada fora do normal. E como vão as coisas no pub?
Ele tenta esconder, mas vejo seus ombros se moverem em
alívio com a troca de assunto. Na verdade, até eu fico mais tranquilo
sabendo que não vamos estragar o nosso curto momento juntos
falando do babaca do nosso pai.
— Melhores do que pensei. Esse negócio de Halloween e
temporada de jogos do time ajuda nas vendas — explica. — E por
falar nisso... E a sua namorada de mentira? Eu vi vocês dois
naquela noite e pareciam bem próximos.
— Quem me dera, mas ela topou morar comigo. Valeu pelo
conselho, a propósito. Mas continuamos do mesmo jeito. Ela segue
planejando uma forma de me eliminar da face da Terra.
Aaron estica as pernas em cima da mesinha de centro no
formato de um tronco de madeira.
— E você?
— Gosto de um crime mais limpo — provoco em um tom de
brincadeira. — Nada de facas e sangue. O negócio é o jogo
psicológico.
— Sinceramente, começo a entender porque ela te odeia —
Aaron resmunga com desgosto. — Até eu te odeio às vezes.
Dou risada.
— Eu sempre soube. Você quebrou um vaso de flor na minha
cabeça quando eu tinha sete anos.
Aaron bebe um gole da cerveja, a diversão visível em sua
expressão carrancuda. Arrancar um traço de bom humor do meu
irmão é uma conquista que poucas pessoas conseguem. Ele tem
aquela energia de quem desgosta da maioria da população e que
não faz nenhum esforço para disfarçar.
— Você era um irmão pé no saco. O vaso na cabeça foi
pouco para as coisas que você aprontava — justifica. — O que eu
queria perguntar é se você também a odeia.
Franzo o cenho, confuso.
— Quem?
— A sua namorada de mentira.
O rosto de Anne me vem à mente de forma automática. Os
olhos cheios de irritação, a boca teimosa que insiste em me encher
de provocações e o sorriso que surge quando digo alguma coisa
que a diverte. Essa é a minha parte favorita nela.
Não preciso pensar muito na pergunta de Aaron. A resposta
está na ponta da língua.
— Não. Eu não a odeio. — Bebo um gole da cerveja. — Só a
detesto na maior parte do tempo.
Aaron encrespa a testa em ruguinhas que denunciam sua
incompreensão.
— E por que você não se livra dela de uma vez?
Porra, Aaron.
Não quero nem pensar em como é ter um tipo de relação
amorosa com ele. Deve ser como levar um chute na cara dez vezes
por dia em forma de palavras.
— Sei lá. Gosto de irritá-la.
Os olhos analíticos, e da mesma tonalidade dos meus, me
avaliam com atenção. Longos segundos se passam até que Aaron
dá mais um gole na cerveja e retorna a atenção para a televisão.
— Eu realmente quebrei com força demais aquele vaso na
sua cabeça.
Infelizmente, talvez eu tenha que concordar com ele.

Horas mais tarde, estou acomodado em uma das banquetas


do London Foot Pub enquanto meu irmão prepara o estoque para a
noite. Hoje é terça, então o movimento vai ser tranquilo.
— Rollins!
Giro na banqueta ao escutar o meu nome ser chamado. Mal
tenho tempo de processar de onde veio a voz antes de ser
acometido por um abraço desajeitado. Os braços finos de Angel
envolvem o meu pescoço e o perfume adocicado pinica a ponta do
meu nariz.
— O que você está fazendo aqui? — pergunta ao se afastar.
— Achei que você estaria no treino ou, sei lá, passando um tempo
com a sua namorada.
Aparentemente, minha vida nessa cidade se resume a duas
coisas: futebol americano e Anne Scott. Não que eu esteja
reclamando.
— Vim encher o saco do meu irmão. — Aponto para as
portas que dão acesso ao estoque interno e ao seu escritório. — E
você? Tem música ao vivo hoje?
Angel tem uma banda junto de outras quatro meninas.
Eventualmente, elas vêm tocar no pub do meu irmão.
— Sim, mas nada muito especial. Estamos pensando em
preparar algo mais especial para o Halloween.
— Legal. — Sorrio e abaixo o tom de voz, não querendo que
ninguém escute o que estou prestes a dizer. — E as coisas
melhoraram para o seu lado?
Angel mordisca o cantinho do lábio inferior e troca o peso dos
pés.
— Às vezes escuto alguém comentar algo, principalmente
agora que estou saindo com alguém. Mas não se preocupe. — Faz
um sinal com a mão. — A Anne estar nos seus jogos já ajuda
bastante os boatos desaparecerem.
— Você soube do jogo na sexta, então?
— Seria difícil não ficar sabendo. Vocês foram vistos
chegando juntos na festa da fraternidade com ela usando a sua
camiseta. As coisas estão progredindo bem entre vocês, hein?
Ah, Angel, se você soubesse...
— Melhores do que eu poderia ter imaginado.
Sinto uma vontade tremenda de cair na gargalhada só de
imaginar a careta no rosto de Anne ao presenciar essa conversa.
— Falando nisso, a gente poderia marcar o nosso encontro
duplo para essa sexta. Estou ansiosa para conhecê-la — Angel
sugere. — Vocês vão estar livres?
— Acredito que sim. Só tenho jogo no final do mês, então
estou mais tranquilo.
Angel abre um sorriso que faz suas bochechas se elevarem e
diminuírem o tamanho dos seus olhos. Só agora noto que ela está
arrumada pra cacete. Maquiagem carregada, cabelo ondulado nas
pontas e um vestido preto que destoa das cores pastéis que ela
sempre usa.
Quando a vi pela primeira vez, tocando guitarra com a banda
das meninas, soube que a Angel de cima dos palcos é totalmente
oposta da Angel da vida cotidiana. É como se ela assumisse uma
segunda personalidade, cheia de sensualidade e segredos.
— Eu mando uma mensagem para confirmar. — Fica na
pontinha dos pés e dá um beijo estalado na minha bochecha. — Vou
achar um lugar bacana para a gente ir.
— Qualquer lugar menos o Cheers Bar, por favor.
— Seu irmão não ia gostar de comemorarmos no arqui-
inimigo. — Dá uma piscadela divertida e se afasta, dando pequenos
passos para trás. — A Anne gosta de comida mexicana?
Boa pergunta.
Se eu fosse um bom namorado, saberia disso. Acho que
Anne e eu precisamos — urgentemente — fazer uma rodada de
perguntas sobre o outro. Convencer Angel desse namoro não vai
dar certo se a única coisa que compartilhamos é a raiva mútua.
— Ela adora — minto, torcendo para não estar cavando
minha própria cova com essa afirmação.
— Então, tenho o lugar perfeito em mente.
Abro um sorriso, já imaginando que essa noite tem duas
opções. Pode terminar de um jeito bom, com todos nós se divertindo
e dando risada da situação. Ou, na pior das hipóteses, com uma
faca sendo pressionada contra o meu pescoço enquanto Anne
entoa para Maple Hills inteira o quanto me odeia.
Estou torcendo pela primeira opção.

Ao chegar em casa, a primeira coisa que noto é que Anne


está sentada na beira da piscina. Os pés se encontram mergulhados
dentro da água e criando ondinhas.
Empurro a porta que dá acesso aos fundos e caminho pelo
deque de madeira, descendo os únicos dois degraus e parando do
outro lado da piscina. O som chama sua atenção e os olhos
encontram os meus. Não sei decifrar o que há por trás deles.
Como de costume, os cabelos estão soltos ao redor dos
ombros em ondas bagunçadas e o vestido do uniforme adere ao seu
corpo. Os botões localizados estrategicamente no centro dão um
volume maior para o seu busto.
Aperto os lábios e me acomodo ao seu lado. Chuto os tênis
para longe e dobro a barra da calça jeans, mergulhando os pés
dentro da água. O sistema de aquecimento a gás não foi ligado
desde que o verão acabou, então a temperatura gelada me causa
um arrepio.
Não dizemos nada por um longo tempo.
Estico o pescoço para trás, encarando o céu que começa a
escurecer. As luzes da área de lazer já estão acesas, iluminando
parcialmente a borda da piscina e metade do rosto de Anne. Noto,
de relance, as olheiras causadas pelo cansaço.
— Me encontrei com a Angel hoje. — Anne vira o rosto para
mim de um jeito que diz: E daí? Não ligo. Sufoco uma risada. —
Lembra do encontro duplo que te falei? Ela quer te conhecer. Sexta.
Vai estar livre?
— Sim — diz, desinteressada. — Vou ter que bancar a
namorada apaixonada?
Abro um sorriso.
— Uma namorada apaixonada e determinada a atravessar o
oceano inteiro só para fazer o seu namorado feliz.
Os olhos se reviram em uma irritação que já conheço como a
palma da minha mão. Porra, como eu adoro tirar essa garota do
sério.
— Eu atravessaria o oceano inteiro dentro de um barquinho
se isso significasse que eu iria me livrar de você.
— Minha companhia é assim tão ruim?
— Você não faz ideia. É como enfrentar diariamente uma
tortura que nunca tem fim — murmura. — Mas estar dentro dessa
sua cabeça também deve ser um saco. Muito ego e infantilidade
para pouca inteligência.
A língua pinica para que eu faça um comentário arrogante a
respeito do meu ego, mas prefiro seguir pelo caminho mais
perigoso. Sem esperar que Anne reaja ou entenda o que estou
fazendo, fecho as mãos ao redor de sua cintura e impulsiono o seu
corpo em direção a piscina.
Ela arregala os olhos e grita, afundando as unhas no meu
antebraço descoberto pela camiseta.
— Reed! Por favor!
— O que foi, joaninha? — pergunto em um sussurro,
empurrando mais um pouco para frente. A ponta dos cabelos dela
tocam a superfície da água. — Até cinco segundos atrás, você
estava enchendo essa boca sacana para falar mal de mim. Onde
está a sua coragem agora?
Ela me fuzila.
— Você está jogando sujo. Me derrubar dentro da piscina não
é uma tática muito madura. — Empina o queixo para cima. Mesmo
prestes a morrer congelada, Anne continua teimosa pra cacete. — O
que só comprova meu ponto. 
Para irritá-la, solto um pouco o aperto, deixando que o cabelo
mergulhe mais alguns generosos centímetros dentro da água. Anne
tenta impulsionar as costas para cima, sem sucesso.
— Reed.
— Anne.
Quase nunca a chamo pelo nome verdadeiro. Prefiro muito
mais Annie. Acho que combina com ela e tudo o que representa
para mim. Então, ao ouvir as sílabas rasgando a minha garganta,
um minúsculo sorriso curva os lábios dela para cima.
— Achei que estivéssemos progredindo em nosso namoro. —
Finjo um tom tristonho. — Compro para você uma caixa de donuts,
te dou minha camiseta favorita e ainda te convido para assistir
filmes comigo... E como você retribui isso? Dizendo que minha
companhia é um saco.
— Eu não pedi que você fizesse nada por mim.
— Só pediu por um teto.
Anne suspira alto e aperta com mais força o meu braço.
— Um teto em troca de um namoro falso. Nossos favores
poderiam ter terminado aí. Você que insiste em fazer coisas além.
Estalo a língua no céu da boca e, sem esperar, desfaço o
aperto que a mantém segura. O corpo de Anne atinge a água em
um único movimento, o grito de surpresa sendo abafado pela minha
risada.
Quando o rosto dela surge, com o cabelo molhado e o
vestido boiando ao seu redor feito uma água viva, eu não consigo
me conter e curvo a coluna para frente, encurtando a distância entre
nós.
— Resposta errada, Scott.
Ela pragueja um palavrão e se aproxima de onde estou
sentado. Percebo que fui ignorante em me manter na borda da
piscina. Deveria ter levantado e deixado Anne na piscina. Sozinha.
Molhada feito um pintinho.
Mas não. Estou aqui.
E agora as mãos delas estão fechadas ao redor das minhas
pernas, o rosto encaixado entre os joelhos. A visão faz minha virilha
pinicar.
Minha imaginação é a mais traiçoeira de todas. Nela, Anne
não está usando a droga desse vestido cafona dos anos 80. Em um
cenário paralelo, ela está trajando aquela maldita lingerie vermelha
que deixa os seus seios incríveis e uma calcinha que se afunda no
meio de sua bunda.
Porra.
Fecho os olhos, obrigando a imagem ir embora. Quando os
abro novamente, Anne continua entre as minhas pernas, a mão
serpenteando de forma traiçoeira. Subindo e subindo até
alcançarem as coxas. Ela fixa as palmas ali e impulsiona o corpo
para cima. As palmas molham o tecido da calça jeans.
Tento formular uma frase, qualquer coisa para provocá-la,
mas minha garganta está seca feita o deserto. Fico quieto,
observando o seu rosto tão próximo ao meu.
— Anne. — O tom de alerta na minha voz é uma mistura
entre rouquidão e malícia.
Cacete.
As bochechas de Anne se elevam em um sorriso cheio de
diversão e a cartada final é dada. As mãos se movem rapidamente
para o meu pescoço, os dedos se entrelaçam ali e, num movimento
muito bem calculado, Anne nos puxa para trás.
Caímos na água.
Juntos.
Em uma reação automática, puxo seu corpo para o meu e as
pernas rondam o meu quadril conforme afundamos. Fico de olhos
abertos e ela também. A visão fica nublada por causa da água, mas
isso não me impede de encararmos um ao outro.
O momento é esquisito pra cacete.
Os pulmões protestam pela falta de oxigênio e impulsiono os
nossos corpos para cima. Puxo uma longa lufada ao inspirar o
fundo, sentindo cada célula gritar em desespero pela temperatura
baixa da água.
— Agora eu acho que te odeio de verdade — digo, ainda
mantendo minhas mãos nela. Ela está tremendo de frio.
— Foi você quem começou com essa brincadeira patética.
— Foi você quem começou dizendo que minha companhia é
um pé no saco.
— Não tenho culpa se você se magoa assim tão fácil com as
coisas que eu digo.
Sacudo a cabeça em negação e pressiono suas costas na
beira da piscina. Sustento o peso do corpo dela com apenas uma
mão, usando a outra para afastar uma mecha do cabelo da testa.
Anne acompanha o gesto com um vinco no centro da testa.
— Já te falei, joaninha — sussurro. — Meu coração é frágil.
Anne inspira baixinho e, com a ponta dos dedos, enxuga as
minúsculas gotas de água que recaem sobre as minhas bochechas.
Ela dedilha a pele com cuidado, como se estivesse com receio.
Paralisa na altura dos lábios, o polegar pairando a centímetros de
distância.
O clima mudou drasticamente. Sinto como se houvesse uma
pedra de gelo entalada na minha garganta.
— Você não deveria me dizer esse tipo de coisa.
— Por que não?
— Porque isso significa que ele será muito mais fácil de
quebrar.
Passeio com a mão ao longo do seu ombro coberto pelo
vestido encharcado.
— E isso é um problema para você? — indago.
Ela move a cabeça de um lado para o outro.
— O seu coração não me diz respeito, Rollins.
— Só de mentirinha, Scott. — Dou uma batidinha na ponta do
seu nariz e afrouxo o aperto, deixando que suas pernas flutuem
para longe de mim. — Enquanto o nosso acordo durar, meu coração
é seu.
Anne bufa e começa a nadar em direção à escadinha da
piscina.
— Isso é uma indireta para eu dizer que meu coração é seu
também?
Cruzo os braços e inspiro, fazendo meu corpo boiar.
— É o mínimo que as pessoas esperam.
Ela fecha as mãos ao redor do corrimão e impulsiona o corpo
para cima. O vestido se encontra tão molhado que gruda em cada
parte do seu corpo. A bunda redondinha continua sendo o meu
maior ponto fraco.
— E o que você espera de mim? — pergunta enquanto torce
o cabelo.
— O mesmo que dou a você.
Ela faz uma careta nada contente.
— Dor de cabeça?
Rio.
— Não, Annie.
Desço as pernas para baixo da água e nado até onde ela
está. Apoio os braços na borda da piscina e faço um sinal para que
ela se aproxime. A desconfiança é evidente, mas Anne acaba
cedendo. Os joelhos são flexionados para baixo, de forma a nivelar
a nossa altura.
— Me dê mais do seu coração e menos do seu ódio — peço.
— É só o que peço de você. Nada além disso.
 
“Você joga jogos estúpidos, você ganha prêmios estúpidos.
Somos eu e você, não há nada como isso”
Miss Americana & The Heartbreak Prince | Taylor Swift
 

 
O mês de outubro é uma das minhas épocas favoritas do
ano.
A cafeteria da universidade parece compartilhar da mesma
paixão que a minha. Há bandeirinhas de abóboras penduradas no
teto e o cardápio escrito em giz tem vários fantasmas desenhados.
Até os doces expostos na vitrine são temáticos.
Sem resistir, peço dois cupcakes. Estou prestes a virar sobre
as botas e procurar por uma mesa livre quando trombo com uma
garota. O grunhido escapa de nós duas e me pego segurando seus
ombros para que nenhuma de nós caia no chão.
Quando meus olhos focam em seu rosto, arquejo em
surpresa.
A garota é Angel Patterson.
Ela é muito mais bonita do que eu gostaria de admitir. Os
cabelos são de um castanho escuro, quase pretos, e caem
majestosamente ao redor dos seus ombros cobertos por um cardigã
de margaridas. Os olhos estão maquiados com delineador preto e
os lábios pincelados de batom vermelho evidenciam o tom de sua
pele branca.
Angel é igual a uma boneca de porcelana.
E, sabe lá por qual motivo, eu me sinto insegura ao constatar
esse fato.
— Oh, Anne? — Ela também não disfarça a surpresa ao me
reconhecer. — Não acredito que é você!
Pois é. Nem eu.
— Em carne e osso. Não foi dessa vez que me tornei uma
lenda urbana.
Angel dá risada.
— Todo mundo daqui conhece você. Ou seja, você pode ser
tudo, menos uma lenda urbana — diz animada. — O Reed me falou
tanto sobre você. Nem acredito que nunca conversamos antes.
Você faz Jornalismo, não é?
Okay. Angel tem uma capacidade sobrenatural de interagir
como se fôssemos amigas há anos. Não sei se isso é bom ou ruim.
Ainda estou meio travada, tentando assimilar a sua presença.
— Isso. — Concordo. — Espero que o Reed não tenha falado
merda sobre mim. O passatempo favorito dele é me encher o saco.
A constatação de que falei algo suspeito me atinge quando
Angel franze levemente a sobrancelha para cima. Sou salva quando
o garçom chama a sua senha. Ela levanta o dedo indicador, pedindo
para que eu espere, e se curva sobre o balcão, fazendo o pedido.
Pelo curto espaço de tempo, me pego imaginando como era
o seu relacionamento com o Reed. Eles não me soam compatíveis.
Não porque ela não seja bonita, porque ela é bonita pra cacete.
Acho que é mais porque a energia de Angel não se completa com a
de Reed.
Nem sei porque estou pensando nisso, porque eu nem
conheço Reed tão bem assim.
Chacoalho a cabeça. Logo em seguida, Angel retorna
segurando um copo de café.
— Eu estou meio ocupada, mas foi um prazer te conhecer —
Angel diz, meio afobada. — A gente se vê na sexta? Não sei se o
Reed comentou com você sobre o nosso encontro duplo.
— Sim, já estou sabendo de tudo. Estou ansiosa para
conhecer a pessoa que roubou seu coração.
— E eu estou curiosa para saber tudo e mais um pouco sobre
a garota que conseguiu fazer o grande Reed Rollins sossegar. —
Me dá uma piscadela. — A gente se vê na sexta, então?
— É claro.
Angel dá um beijo estalado na minha bochecha e vai embora.
Fico um tempo encarando a porta pela qual ela saiu, assimilando
sua presença marcante. Eu realmente não esperava por isso.
O assovio alto é o que me desperta da divagação. Giro o
pescoço e encontro Keeran sentado em uma das mesas no fundo,
me encarando com uma pitada de diversão. Reviro os olhos e
caminho até onde ele está.
Keeran mantém os braços cruzados na altura do peito
conforme me aproximo, me analisando da cabeça aos pés de um
jeito nada sutil. Na verdade, sutileza é uma palavra que jamais deve
ser associada a ele.
Keeran Flanagan é quente, sedutor e um poço fundo demais
para qualquer um mergulhar.
— Vejo que você acabou de conhecer a inesquecível Angel
Patterson — ele provoca e dá dois tapinhas no assento, me
convidando a sentar ao seu lado.
Coloco a bolsa no banco e me acomodo na cadeira livre,
arrancando de Keeran uma risada.
— Você aprende rápido, Scott. — O orgulho é visível no
timbre de sua voz.
— Prefiro não arriscar.
As orbes de Keeran giram em um círculo perfeito e repousam
novamente em mim. Nesta manhã de outono, ele usa uma camiseta
que recobre a pele branca de seus braços e uma correntinha ao
redor do pescoço com a letra C. Curioso, no mínimo.
O que mais me chama a atenção são as tatuagens. Não há
nenhuma colorida. Elas variam entre uma caveira com serpentes
escapando pelos olhos escuros e uma rosa inteiramente pintada de
preto. Ao redor do pulso, noto um escorpião em que a ponta do rabo
se transforma na flecha de um cupido.
— Gostou? — Keeran me puxa de volta para a realidade.
Levanto o rosto e dou de ombros.
— Achei interessante.
— Você também é bem interessante, Scott.
Faço uma careta.
— Não é muito educado de sua parte flertar com a namorada
do seu amigo.
Keeran pousa as mãos sobre a mesa e inclina a cabeça para
o lado.
— Pouco educado é você e o Reed desperdiçarem o tesão
de vocês se odiando.
Se eu estivesse comendo meu cupcake, com certeza teria
engasgado.
— Não faço ideia do que você está falando.
— Se você quer seguir por esse caminho, tudo bem. — Bebe
um gole do café. — Eu finjo que não sei de nada e você finge que é
tudo coisa da minha imaginação.
Abro um sorriso ladino.
— Fingir é a minha especialidade, Flanagan.
— Estou vendo que sim, Scott — resmunga. — E o que você
achou da Angel, então? Para essa resposta, não vale nenhum tipo
de mentira.
Passo a língua pelos lábios, sentindo a garganta secar.
Nunca desejei tanto um café quanto agora. Talvez os cupcakes não
sejam o suficiente para afastar o aperto repentino no meu
estômago.
— Normal. Nada demais.
Keeran ri pelo nariz.
— Pelo visto você é boa somente em fingir, porque essa
mentira não cola nem a pau. — Empurra o café para mim e faz um
sinal para que eu beba. — Joga a verdade, Anne.
Encaro o café, demorando a formular uma resposta.
Angel é estranhamente intimidante. Energética. Bonita. Um
espírito livre pronto para levantar voo e sobrevoar as coisas mais
lindas do mundo. Angel Patterson é aquilo que não consigo ser, por
mais que eu tente. E olha que eu nem a conheço direito.
Nem sei se quero, na real. Isso só vai contribuir para que um
buraco ainda maior cresça dentro de mim.
— Por quanto tempo ela e o Reed namoraram?
Se Keeran percebe que desviei de sua pergunta, prefere
ignorar.
— Não foi um namoro de verdade. Não igual ao de vocês,
pelo menos. Eles saíram algumas vezes, se divertiram e foi isso.
Não é como se o Reed fosse apaixonado por ela. Duvido muito que
tenha sido.
— Como assim?
Keeran hesita e aponta para o café. Dessa vez, bebo um
gole.
— O Reed nunca namorou, Anne. — Estica as pernas por
debaixo da mesa, a ponta do coturno tocando as minhas
panturrilhas. — Você é a primeira, mesmo que de um jeito meio
bizarro.
Assimilo a informação despejada na minha cara como um
balde de gelo.
Na minha cabeça, as namoradas que Reed colecionava eram
de uma lista imensa. Foi isso o que ouvi pelos corredores da USVL
logo depois da festa dos calouros. E a maneira que ele me tratou
naquela noite só comprovou isso. Babaquice escorrendo por todos
os poros.
— Eles...
— Um romance de verão, nada além disso. Não precisa se
sentir ameaçada.
— Não me senti ameaçada por ela — nego, as palavras
arranhando a garganta.
Não me senti, certo?
Foi só um susto repentino. Acontece com todo mundo.
— O que você sentiu, então?
— Eu já te falei, Keeran. — Empurro o café de volta para ele.
Porra, onde está a droga do garçom com os meus cupcakes? —
Achei ela intimidante. Só isso.
Viro o corpo na cadeira, mirando o balcão. O número de
estudantes dentro da cafeteira triplicou. A fila para fazer os pedidos
está imensa. Vou ter que encontrar outra forma de fugir daqui.
— Esqueça essa merda de se sentir intimidada. Reed e
Angel não são mais compatíveis. O lance agora é você.
Franzo a testa.
— Só até o ano acabar.
— E depois disso?
— Cada um de nós segue com a própria vida. Não finja que
não sabe disso.
Keeran me dá uma olhada cheia de significado. A boca se
curva para cima em um tipo de sorriso difícil de entender. É como
uma extensão da sua personalidade. Cheia de mistérios e
significados ocultos.
— Então, depois que essa mentira com o Reed acabar... —
Balança as sobrancelhas de forma sugestiva. — Eu posso te
chamar para sair?
Trinco a mandíbula. Uma parte minha quer cair na
gargalhada, enquanto a outra quer beirar a infantilidade e erguer o
dedo do meio.
— Você não faz o meu tipo.
Ele se curva sobre a mesa, os ombros criando uma sombra.
Keeran é tão alto quanto todos os outros meninos do time.
— E qual o seu tipo?
Abaixo a vista para as tatuagens que recobrem a pele da sua
mão e depois retorno para o rosto. Há um traço de diversão
desenhando as linhas de seu semblante.
— Com menos tatuagens, é claro.
Keeran faz um biquinho.
— Não custa tentar a sorte, hein?
— Em outra vida, quem sabe. Por enquanto...
— Por enquanto o seu tipo é Reed Rollins.
Abro a boca para retrucar, mas o garçom chega com os meus
cupcakes já quase esquecidos. Até perdi a fome depois dessa
conversa cheia de altos e baixos.
É somente quando voltamos a ficar sozinhos que Keeran se
levanta da cadeira em uma indireta de que está prestes a ir embora.
Antes disso, no entanto, ele me dá um beijo na bochecha e aperta
sutilmente meu ombro.
— E não se esqueça do que eu disse.
Franzo a testa, confusa.
— Hum?
— O lance do Reed agora é você. Goste disso ou não.
Ele não me dá a chance de retrucar. Apenas vai embora,
deixando o impacto de sua frase corroer os meus pensamentos
como uma ferrugem venenosa.
Estou trancada no quarto desde que voltei da cafeteria.
Hoje é o meu dia de folga no trabalho, então aproveitei para
colocar os meus trabalhos em dia. Tenho um artigo para entregar
sobre Jornalismo Político e um relatório de Jornalismo Econômico.
Não é muito difícil, mas minha cabeça não consegue se concentrar
desde a conversa com o Keeran, horas atrás.
A minha relação com Reed tem seguido por um caminho que
eu não esperava e o que ele me disse na piscina, dias atrás, cutuca
o meu cérebro como uma dor de cabeça. Ao mesmo tempo em que
quero compreender melhor as coisas entre nós, sinto também que
preciso fortalecer a minha zona segura.
Quanto mais longe Reed estiver de mim, melhor. E se para
conquistar isso, eu precisar despejar o meu ódio por ele em
palavras nutridas de mágoa, não vou pensar duas vezes. É assim
que eu funciono. Não consigo ver as outras de outra forma.
Respiro profundamente e pego a garrafinha de água
esquecida em cima da mesinha de cabeceira. Estou prestes a tomar
um gole quando o meu celular começa a vibrar. Procuro-o entre os
livros espalhados por cima da cama e abro um sorriso gigantesco ao
ver o nome na tela.
— Sagan! — exclamo, o rosto surgindo no mesmo instante
na tela.
— An-An! — Ele me cumprimenta no mesmo tom animado.
— Achei que tivesse se esquecido de mim. — Choramingo.
— Já faz quase dois meses desde que você foi embora.
Sagan coça a barba em um gesto envergonhado.
— Eu sei, mas as coisas estão corridas aqui em Dublin. Não
tenho passado muito tempo em casa — conta. — E quando consigo
alguma folga, acabo saindo.
O bichinho da curiosidade me pica assim que ouço a última
informação.
No último verão, Sagan conheceu Clio McGoy, a renomada
escritora de Adagas & Segredos. Ele não me contou muita coisa,
mas sei que o envolvimento deles foi intenso. Nada perto de um
romance de verão passageiro. No entanto, ele teve que ir embora,
assim como ela. Os dois seguiram em frente com suas vidas e sem
data marcada para se reencontrarem. Sagan e Clio estão à mercê
da sorte.
— Você conheceu alguém?
Ele compreende a desconfiança escondida atrás da minha
pergunta.
— Ninguém especial. Não estou no clima para nenhum tipo
de relacionamento no momento. E você? Como vão as coisas em
Maple Hills?
— Insanas. Bastante coisa mudou desde que você foi
embora para o outro lado do mundo.
Engatamos em uma conversa sobre a loucura que minha vida
se tornou no último mês. Não menciono sobre o namoro falso com
Reed, porque Sagan não vai conseguir controlar a língua. Já que,
assim como Alex, Sagan gosta de me provocar como se fosse o
meu irmão mais velho.
Não temos nenhum laço de sangue nos unindo, mas ele
ocupa um espaço especial em minha vida — mesmo com a grande
diferença de idade entre nós. Sagan esteve presente em momentos
decisivos da minha vida e me apoiou mesmo à distância, quando
morava em Nova York. E mesmo que esteja Dublin por causa da
sua carreira, ele continua presente.
Sagan está no meio de um monólogo sobre a vida noturna da
cidade quando escuto a porta do meu quarto ser aberta. Reed
espreita pela fresta e ao notar que estou sozinha, entra sem ser
convidado.
Babaca.
Em suas mãos, há uma bandeja com um prato de
macarronada e um copo de suco. Meu estômago ronca que o cheiro
maravilhoso invade as minhas narinas. Não consigo nem disfarçar,
porque Reed dá uma risadinha.
O som, para o meu grande desespero, chama a atenção de
Sagan.
— Você está com alguém, An-An? — ele pergunta.
Não tenho tempo de negar. Reed deixa a bandeja em cima
da cômoda e se joga ao meu lado na cama. O seu rosto surge na
tela, ao mesmo tempo em que os olhos de Sagan se arregalam em
choque ao reconhecer o atleta que pressiona o corpo de encontro
ao meu.
— Reed Rollins?
— E aí, coroa? — Cumprimenta-o cheio de diversão. — Ouvi
dizer que você está em Dublin agora. Bebendo muita cerveja nos
famosos pubs?
Sagan dá risada.
— Só o suficiente para dizer que não estou aproveitando a
cidade como um turista costuma fazer.
— Essa é a vida que eu quero ter daqui alguns bons anos —
Reed diz e se vira para mim. — O que você acha, Annie?
— Acho que você está sonhando alto e se intrometendo onde
não foi chamado.
Ele emite um barulhinho com a boca que indica a sua
discordância.
— Você está morando comigo. Posso me intrometer no seu
quarto quando bem entender.
Sinto meus dentes rangerem.
— Não é assim que as coisas funcionam.
— E como devem funcionar?
O pigarro de Sagan nos faz girar o pescoço em sincronia e
encará-lo atrás da tela do celular. Não gosto nem um pouco do
brilho que ilumina as íris douradas. Faz um nó se formar ao redor da
minha traqueia.
— Estou interrompendo?
Nego com um balançar de cabeça e empurro Reed pelo
ombro.
— Você não tem nada melhor para fazer? — Gesticulo para a
porta entreaberta. — Vai encher o saco dos seus amigos.
— Prefiro você.
Reprimo a vontade de soltar um palavrão e aperto o celular
com mais força entre os dedos suados. Há um sorriso tão grande no
rosto de Sagan que fico com vontade de dar um soco em qualquer
coisa que encontrar pela frente.
— E eu prefiro você bem longe daqui.
— Não seja tão ranzinza, Annie. Sagan vai achar que não
somos bons namorados.
A exclamação de Sagan me faz fechar os olhos com força.
Eu.
Vou.
Matar.
O.
Reed.
— Como assim, vocês estão namorando?!
— A gente conversa outra hora, okay? — peço afobada,
puxando o celular para mais perto do meu rosto. — Me desculpa.
Sagan não tem a chance de responder. Encerro a chamada
clicando com raiva no botão vermelho. Jogo o celular para trás e fico
de joelhos na cama. Reed está esparramado entre as almofadas,
exibindo um sorriso que mostra todos os dentes que eu gostaria de
quebrar usando a porra de um martelo.
— Acho que ele não gostou de receber a informação desse
jeito — debocha, cruzando os braços atrás da cabeça. — Será que
o coração dele aguenta?
Elimino um muxoxo irritado e jogo uma almofada em sua
cabeça com toda a força que encontro dentro de mim. Reed finge
um gemido de dor e dou um gritinho assustado quando ele vem pra
cima de mim, me encurralando. Minhas costas tocam o colchão, ao
mesmo tempo em que se acomoda entre as minhas pernas, o joelho
pedindo espaço.
E eu cedo, sabe-se lá por qual motivo.
— Você é um babaca, sabia? — digo, erguendo a cabeça
para que nossos rostos fiquem na mesma altura. — Agora ele vai
achar que gosto de você de verdade. Quando, na realidade, estou
doida para te jogar de um penhasco.
Reed dá uma risadinha e espalma as mãos ao redor dos
meus ombros, curvando o corpo para tão perto do meu que se torna
difícil manter a respiração tranquila.
— Você não ousaria.
— Te jogar de um penhasco? É claro que sim.
— Não, Annie. — A voz baixa algumas oitavas, as íris fixas
na minha boca. — Gostar de mim de verdade.
— Bom que sabe. — Tento fugir do casulo que ele criou ao
meu redor, mas é impossível. O corpo de Reed é como uma
muralha me pressionando de encontro ao colchão. — Você quer
mais alguma coisa além de me irritar? Porque se esse era o seu
objetivo, já pode sair de cima de mim.
— Eu trouxe o seu jantar — diz baixinho. — Fiz macarronada.
— Não sabia que você cozinhava.
— Eu não cozinho. Só em ocasiões especiais.
Ergo as sobrancelhas.
— Posso saber que ocasião especial é essa?
Reed inclina os ombros para frente, de forma que agora a
boca se mantém separada da minha por míseros centímetros. Nos
encaramos com afinco.
— Você é a pior namorada que Maple Hills já viu. — Resvala
o nariz no meu. O hálito quente pinica na minha língua. — Hoje
comemoramos um mês de namoro, joaninha.
— E aí você decidiu fazer uma macarronada?
O lábio inferior projeta-se para baixo em decepção. Parece
uma criança chateada porque não recebeu o presente de Natal que
queria.
— Você não gosta de macarronada?
Rio. Essa conversa tomou um rumo inesperado.
— Não sei se gosto da sua macarronada em específico, mas
no geral eu curto. — Dou de ombros. — Você não está fazendo isso
só como uma forma de me envenenar, certo?
Reed sacode a cabeça e dá um beijinho na minha testa, para
logo depois se afastar. O gesto me pega tão de surpresa que fico
alguns segundos petrificada, com as mãos caídas ao redor do
corpo.
— Envenená-la é a última coisa que quero fazer com você.
Ele se levanta da cama e caminha até a cômoda, pegando a
bandeja com a comida. Seu andar exala uma autoconfiança
invejável e me pego virando o corpo para admirá-lo de costas. Os
ombros de Reed são largos e imponentes por causa dos treinos
incansáveis na academia, enquanto os músculos do braço se
agarram ao tecido da camiseta branca.
Reed é bonito.
Bonito demais.
Mais bonito ainda quando se vira e abre um sorriso de
covinhas para mim.
— Gostando da visão?
Nego, apoiando o cotovelo no travesseiro.
— Já vi melhores.
A risada repercute pelo cômodo conforme ele caminha até
onde estou deitada e coloca a bandeja com a macarronada ao meu
lado. O cheiro é delicioso e a minha boca se enche de saliva.
— Tipo o Chad Eaton?
Projeto a língua para fora em um gesto de vômito.
— Ele está no top cinco dos piores.
Reed faz um sinal para que me sente. Puxo as pernas para
mais perto, ficando em posição de yoga. Gentilmente, ele me
entrega o prato de macarronada, juntamente de um par de talheres.
É um gesto que me deixa inquieta porque exala um tipo de cuidado
que não estou acostumada a receber.
— E o top cinco dos melhores?
Levo um punhado de macarronada para a minha boca e me
pego soltando um gemido involuntário de satisfação. Está bom pra
cacete.
Reed não consegue se conter e abre um sorriso. Ele sabe
que, se isso fosse um jogo, teria feito uma pontuação altíssima.
— Não costumo enumerar as coisas boas dessa forma —
respondo de boca cheia, sem nenhum pingo de vergonha. — Só as
piores para que eu não cometa o erro de repeti-las.
— Eu estou no top cinco das coisas ruins, não é?
Dou uma risadinha e gesticulo para o copo de suco. Bebo um
pequeno gole, só para a macarronada não ficar presa na garganta.
— Você é o número um, Reed. — Sorrio, provocadora. —
Achei que já soubesse disso.
Ele revira as orbes em descontentamento e se deita no
colchão, esticando as pernas. Diferente da cama que eu tinha no
apartamento de Sidney, nessa aqui cabe tranquilamente umas três
pessoas — quatro, se não houver nenhum jogador de futebol
americano determinado a ocupar todo o espaço disponível.
— Eu ainda vou fazer você mudar de ideia, Annie. — Afaga o
meu joelho nu com a ponta dos dedos. — E me tornar o número um
no seu coração.
— Pois saiba que isso nunca vai acontecer — garanto. —
Meu coração é imune a Reed Rollins.
— Eu já não posso dizer o mesmo sobre o meu. — Tomba a
cabeça para o lado e me lança uma piscadela. — Feliz um mês de
namoro, joaninha.
Levanto o prato e entro na sua brincadeira.
— Feliz um mês de namoro, zangão.
 
“Eu estava de pé e você estava lá.
Dois mundos colidiram e eles jamais poderiam nos separar”
Never Tear Us Apart | INXS
 

 
Depois do treino de sexta, no qual o treinador Turner não
poupou esforços para que todos os jogadores do time encerrassem
o último treino da semana com os músculos da perna tremendo em
exaustão, Dave me convidou para ajudá-lo a comprar um presente
de aniversário para a Claire.
Por isso, neste momento, estamos caminhando pela área
comercial de Maple Hills.
— Estou pensando em fazer uma surpresa.
Dave diz essa frase tão de repente que meu pescoço se vira
de imediato em sua direção. Ele mantém o semblante tranquilo, mas
há um sorriso lutando para surgir. As mãos escondidas dentro dos
bolsos da jaqueta do time são um péssimo disfarce.
— Porra. Que tipo de surpresa?
— Se eu contar, vai deixar de ser uma surpresa — aponta e
eu resmungo em desacordo.
— Vai pedir a Claire em casamento?
Dave hesita, mas acaba negando com um balançar de
cabeça.
— Ainda não. — Gesticula para uma loja que tem vários
vestidos coloridos na vitrine. — A gente meio que já entrou em um
acordo que só vamos nos casar depois que terminarmos a
faculdade.
Mordo o interior da bochecha e entro na loja. Sou sugado por
um furacão de roupas coloridas e sapatos chamativos —
exatamente o tipo favorito de Claire. Curiosamente, o seu estilo é
uma extensão da sua personalidade: alegre e cativante.
— Não foi dessa vez que consegui levar você para uma
despedida de solteiro cheia de strippers — digo, brincalhão, e
recebo um tapa na nuca como resposta. — Vai dizer que você ia
odiar? São strippers, Dave. Esse tipo de presente não se nega.
— Eu detestaria. — Remexe em uma das araras, analisando
os vestidos. — E a Claire nunca me perdoaria.
— E quem garante que ela não iria em uma despedida com
homens usando cuecas dois números menores?
O olhar mortal que recebo poderia derrubar um jogador de
futebol americano.
— Você é ridículo. É por isso que seu único namoro é de
mentira.
Apoio o antebraço na arara e estico a coluna, tentando
relaxar. Meu corpo está fodido em níveis preocupantes que só me
fazem pensar na minha cama. O foda é que hoje ainda tem o
encontro duplo com a Angel. As chances de eu conseguir dormir
cedo estão bem próximas de zero.
Que cocô ambulante de dia.
— O lado bom é que me poupa das obrigações de ser um
namorado apaixonado 24 horas por dia. Tipo você — provoco e
Dave elimina um muxoxo, me dando as costas conforme caminha
pela loja. Impulsiono as pernas para frente, seguindo-o. — Estou
pensando em aderir aos namoros falsos depois que esse acordo
com a Anne acabar. O que você acha?
— Acho que você esqueceu do capacete hoje no treino e
bateu a cabeça com força demais no gramado.
Solto uma risada.
— É uma possibilidade.
Dave sacode a cabeça em negação e pega um vestido cheio
de lantejoulas
— Sabe o que eu realmente acho? — Ele não me dá a
chance de responder. É uma pergunta retórica. — Que está na hora
de você parar de mentir para si mesmo.
Pisco as pálpebras, confuso.
— Você precisa ser mais específico, Dave. Eu não sou a
porra do Edward Cullen que lê mentes.
Ele dá uma risadinha pelo nariz e pega mais um vestido.
Dessa vez, é preto com um decote que imita um coração. Simples,
mas Claire sempre consegue transformar peças básicas em algo
único.
— Esse lance de fingir que a Anne não significa nada para
você já não rola mais — avisa. — Não comigo, pelo menos.
Um frio nada agradável atinge a boca do meu estômago.
Vomitar poderia ser uma boa possibilidade para sair dessa
enrascada que me meti.
— Eu nunca disse que ela não significava nada para mim. —
Desvio a atenção para a arara de roupas, remexendo nos cabides.
— Só que a sua presença era indiferente na minha vida.
Dave cruza os braços, os dois vestidos ficando pressionados
contra o seu peitoral largo.
— E ainda é?
— Não sei. É difícil de entender — respondo e ergo as vistas.
Dave me observa com curiosidade. — Não dá pra fingir que ela não
existe quando está, literalmente, dormindo embaixo do mesmo teto
que o meu.
— Você que convidou ela para morar com você.
— Foi o jeito que encontrei dela aceitar namorar comigo.
Cavar um buraco e me esconder dentro dele é o meu maior
desejo neste momento. Falar sobre Anne Scott me desperta
sensações estranhas, porque é difícil ordenar os pensamentos a
respeito do que tem acontecido nas últimas semanas.
É como pisar em um punhado de ovos recém botados.
— E depois?
— Ela vai encontrar um novo lugar para morar e seguimos
com as nossas vidas assim que a temporada de playoffs começar.
— E é isso que você quer?
Franzo a testa.
— Isso aqui virou a porra de um interrogatório e não estou
sabendo?
Dave suspira e se aproxima de onde estou. A nossa
diferença de altura é de poucos centímetros, então nossa linha de
visão é a mesma. Encaramos um ao outro em silêncio. E, para o
meu grande azar, fico com a leve sensação de que meu melhor
amigo sabe de alguma coisa que não quer me contar.
Os seus olhos não mentem. Ele é péssimo em disfarçar.
— Só estou querendo entender o que está rolando. As coisas
são esquisitas entre vocês dois desde a festa dos calouros.
A mera menção a aquela noite faz meu coração errar uma
batida. Às vezes, me questiono como as coisas seriam entre mim e
a Anne se eu não tivesse dito nada, se tivesse deixado rolar
naturalmente. Provavelmente não estaríamos aqui, com ela
bancando a minha namorada de mentira e me derrubando para fora
da sua cama.
— Ela me odeia porque falei uma merda logo que nos
conhecemos. Foi isso que rolou entre a gente naquela noite —
explico. — E ela só não contou nada para a Claire porque não
queria que o clima ficasse esquisito toda vez que nos
encontrássemos. E agora ela me odeia ainda mais porque estamos
juntos por causa de um boato.
Dave assente, taciturno, e vira de costas, retornando para a
arara de roupas. Franzo a testa, desacreditado com a sua rápida
mudança de expressão.
— Você fez todas essas perguntas e não vai dizer nada?
Os lábios carnudos dele se curvam em um sorriso.
— O que você quer que eu diga, Rollins?
— Um conselho, quem sabe.
— Sobre o quê, especificamente?
Bufo, já ficando irritado.
— Você é um pé no saco. Não acredito que somos amigos.
Uma risada é proferida e mais vestidos são escolhidos. Daqui
a pouco ele vai comprar a loja inteira de presente para a namorada.
— Ainda dá tempo de você pular fora.
Aponto o dedo em riste em sua direção.
— Na primeira oportunidade que eu encontrar, pode ter
certeza que o Bradley vai ocupar o seu cargo de melhor amigo. Não
dá pra continuar desse jeito, Morris.
O quarterback se limita a revirar as orbes em um círculo
perfeito e volta a caminhar por entre as araras. No entanto, antes de
mudar para a seção de lingeries da loja — onde ele vai gastar boa
parte do seu dinheiro —, Dave inclina ligeiramente a cabeça para o
lado e diz:
— O meu conselho é muito simples, Rollins. Não pise na
bola, porque Anne é uma garota bacana demais. Ela não merece
passar por uma situação ruim por sua causa.
Fico na defensiva.
— Eu nunca faria isso com ela.
Dave sorri de um jeito orgulhoso, as bochechas
acompanhando o subir de lábios.
— Eu sei.
E sem esperar por minha resposta, Dave gira sobre os
calcanhares e me deixa sozinho no meio de um emaranhado de
vestidos extravagantes que Anne Scott jamais usaria.

A primeira coisa que faço ao chegar em casa é procurar por


Anne.
Conforme subo os degraus, escuto a música alta ressoar do
seu quarto. Me aproximo lentamente, enquanto tento decifrar a
melodia. Para a minha sorte, a porta se encontra entreaberta, então
espio pela generosa fresta.
Anne está de frente para o espelho da penteadeira usando
um roupão de cetim e passando batom vermelho nos lábios que
pensei em beijar quando nos conhecemos, vários meses atrás. 
Ela ainda não notou a minha presença porque cantarola o
refrão da música em alto e bom som.
Aproveito esse momento de distração para observá-la
melhor. Anne está descalça, as unhas dos pés pintadas de azul, e o
quadril rebola sutilmente de um lado para o outro. Os cabelos loiros
foram ondulados na ponta e caem ao redor dos ombros ossudos. Há
ainda esse roupão que não deixa muito espaço para a imaginação.
Eu daria de tudo para puxar a porra do laço e vê-la somente
de lingerie na minha frente como da última vez.
E se ela gemesse o meu nome baixinho, eu já não
responderia por mim.
A merda desse quarto ia ficar cheirando a nós dois por horas.
Passo a ponta do polegar pelos lábios e desço para o queixo.
Preciso engolir uma quantia espessa de saliva quando o trecho da
música ecoa pelo quarto em um tipo de tentação nem um pouco
divertida.
Chupando um pirulito, rebolando no meu jeans na pista de
dança e sem calcinha.
Como se houvesse um imã nos puxando, Anne desvia a
atenção da própria boca e me encontra atrás do reflexo do espelho.
Não dizemos nada. Ela só fica lá, parada e me observando.
— Há quanto tempo você está aí? — pergunta, abaixando o
batom e o tampando.
Escoro o cotovelo no batente da porta.
— Tempo o bastante para imaginar você rebolando em outra
coisa.
Anne xinga um palavrão, como de praxe, e estica o braço
para abaixar o volume da música no celular, mas eu nego.
Lentamente, caminho para onde ela está e pouso as mãos sobre as
suas clavículas. Seu corpo estremece sutilmente com o contato.
— O seu jeito de flertar comigo está ficando cada vez pior —
murmura rispidamente.
— Não estou flertando com você, Annie.
Movimento o dedo sutilmente para o lado, esbarrando na
barra do roupão.
— O que você está fazendo, então?
Respiro uma longa lufada de ar, enchendo os pulmões, e
procuro pelo olhar dela através do espelho. O rosto de Anne é uma
máscara congelante. Não há nenhum indicativo do que ela está
pensando.
— Só dando voz aos meus pensamentos.
Ela sorri, cheia de malícia.
— Você tem pensado em mim?
Aproximo os lábios da sua orelha e sopro o ar. Anne bem que
tenta disfarçar, mas vejo os dedos se fecharem com força ao redor
do tubo de batom. Estamos seguindo por um caminho perigoso, não
tenho dúvidas disso.
— Você não faz ideia do quanto. — Empurro uma mecha do
cabelo dela para o lado. — Penso em você todos os malditos dias
como um namorado apaixonado deve fazer.
Anne troca o peso dos pés e engole em seco, os olhos
faiscando em chamas. Os meus devem estar da mesma maneira.
Prontos para incendiar a porra desse quarto. Prontos para desnudá-
la em pensamentos e afundar minha boca de encontro à sua como
tenho desejado fazer há muito tempo.
Pigarro para afastar a vontade de proferir um gemido e
aproximo o nariz do seu pescoço, inspirando o perfume.
— É esse papel que desempenharemos essa noite?
O tom sussurrado, quase como se arranhasse a sua
garganta, não me passa despercebido.
— É esse papel que eu desempenho diariamente — retruco,
mordiscando a pontinha do lóbulo da sua orelha. — Só falta você
entrar no papel também.
— Eu sou muito boa em fingir, Rollins.
Sorrio e sussurro em seu ouvido:
— Prova pra mim quão boa você é, Scott.
Minha frase é interpretada como um desafio que Anne está
mais do que disposta a vencer. Ela pousa a mão sobre a minha que
ainda descansa em seu ombro e gira o corpo, ficando de frente para
mim. Nesse milésimo de segundo, meu estômago se contrai
involuntariamente.
A consciência de que estou me metendo em uma enrascada
me atinge em cheio. É tipo um chute nos testículos.
Obrigo meu coração a se acalmar, mas é praticamente
impossível. Anne fica na pontinha dos pés e pressiona os seios de
encontro ao meu peitoral. Os mamilos ficam intumescidos, sedentos
para serem chupados por minha língua.
Abaixo o olhar para a sua boca e vejo que ela faz o mesmo,
encarando os meus lábios. A mão volta então a se movimentar,
descendo e se esgueirando para dentro da minha camiseta. A
palma gélida me causa um arrepio mais do que bem-vindo.
É gostoso pra caralho.
Permaneço estático no piso, apreciando a mulher que
desabrocha diante de mim. Anne arranha o meu abdômen com a
ponta das unhas e morde de leve o meu queixo. Controlar o arquejo
que luta para escapar é tão difícil que me vejo fechando as mãos
em punho.
Como se ela fosse capaz de compreender o turbilhão de
sensações que dominam cada uma das minhas células, as íris
esverdeadas procuram pelas minhas, trêmulas.
— Coloca as mãos em mim, Reed — exige em um tom rouco.
E eu faço exatamente o que ela pede.
Porque isso aqui é fingimento.
É um desafio.
É Anne provando que ela é tão boa jogadora quanto eu.
Enrosco minhas mãos ao redor de sua cintura, mas a cabeça
dela oscila de um lado para o outro em discordância.
— Mais para baixo.
Desço, parando na altura do seu quadril.
— Mais um pouco, zangão. — Resvala o nariz no meu. —
Você sabe do que eu estou falando. 
Fecho os olhos e deslizo as mãos para baixo, segurando a
bunda coberta pelo roupão de cetim. Afundo os dedos na carne
macia. A palma da mão formiga para desferir um tapa ali por todas
as coisas que ela já me disse e por todas as outras que estão se
passando na minha cabeça.
Meu pau está começando a despertar dentro da calça jeans e
isso não é nada bom.
— Está bom agora?
Anne sorri e usa a mão livre para acariciar a minha bochecha.
— Está mais do que bom, Reed — diz. — Suas mãos estão
exatamente onde deveriam estar.
Bato com a língua no céu da boca.
— Eu não sei se concordo. Acho que existe um lugar muito
melhor para elas estarem. 
Ela arqueia sugestivamente uma das sobrancelhas loiras.
— Só em seus sonhos.
— Nos meus sonhos eu faço muito pior.
Anne ofega, pega de surpresa, mas se recupera com uma
facilidade incrível. É admirável ver como ela consegue assumir o
controle da situação e ainda me deixar com tesão. Há brutalidade e
raiva pulsando em suas pupilas, mas também um fogo que envolve
nós dois perigosamente.
— Estou esperando por esse seu lado — provoca —, porque,
até agora, você não fez nada demais.
Rosno um palavrão e dou um tapa na sua bunda. Anne
arregala os olhos e dá um pulinho, pega de surpresa. Não foi forte o
bastante, somente para fazer a região formigar e a palma da minha
mão se lembrar disso para o restante da noite.
— Não brinque comigo — aviso. — Você não vai querer
embarcar nesse jogo.
Anne faz um biquinho fofo e esfrega a pélvis na minha de
forma lenta. Meu pau pulsa com o contato, adorando a sensação.
— Eu não só embarquei, como já estou no controle.
A mão que estava descansando debaixo da minha camiseta
esse tempo todo se movimenta mais uma vez, terminando o
percurso ao repousar sobre os meus ombros. Trocamos um olhar
que poderia incendiar cada maldito canto desse quarto.
— Annie... 
O meu tom de alerta, mesclado com o nervosismo, faz um
sorriso maléfico surgir e, com uma facilidade invejável, ela dá um
passo para trás, fazendo o mesmo com o meu corpo ao dar um sutil
empurrão. Minhas mãos caem para baixo, deixando-a livre.
Não sei explicar o que acabou de acontecer. Um delírio, sem
sombra de dúvidas.
— O que achou? Fingi bem o bastante para você?
A pergunta tem o mesmo impacto que um soco na boca do
estômago. Eu havia me esquecido que os últimos minutos não
passaram de uma encenação para a noite que nos aguarda.
— Vai servir, Scott.
Ela me dá uma piscadela e aponta para o meu peitoral.
— E você?
Cruzo os braços e abro um dos sorrisos mais cafajestes.
Minha perna está tremendo.
— Aguarde e verá. Garanto que posso ser tão talentoso
quanto você.
A resposta de Anne é girar sobre os calcanhares descalços e
retornar a atenção para o espelho, para logo em seguida dizer:
— Prova pra mim o quão bom você é, Rollins.
 
“Você continua fazendo ser mais difícil ficar,
mas, mesmo assim, eu não consigo fugir”
Prisoner | Miley Cyrus (feat. Dua Lipa)
 

 
— Como vai ser?
Minha pergunta faz Reed virar o rosto em minha direção.
Estamos dentro do seu Jeep, com somente a luz do poste
iluminando o interior. Faz cerca de cinco minutos que ele estacionou
o carro em uma das vagas do Hambre, um restaurante de comida
mexicana aqui em Maple Hills.
Chegamos mais cedo que o previsto porque ainda não
decidimos como essa noite vai ser — e tampouco que história
iremos contar para Angel. Estou um pouco nervosa, porque ela é
uma das responsáveis por esse namoro falso existir, embora não
faça ideia disso. Na cabeça dela, Reed e eu estamos envolvidos há
mais tempo do que somente um mês.
— Você tem alguma ideia?
Solto o cinto e me acomodo melhor no banco do passageiro.
— O que você disse para ela quando contou sobre mim?
Reed coça a nuca, pensando. A manga da camisa sobe uns
pequenos centímetros, revelando o relógio de pulso que deve custar
o valor da minha casa em Sunbay.
Às vezes, eu me esqueço que ele é rico e que bancar esse
jantar não será nenhum problema para ele. Para mim, no entanto, a
única forma de conseguir jantar no Hambre é cobrindo os turnos de
Becky na lanchonete todos os sábados do mês.
— Nada demais, além de que não revelamos o namoro antes
porque não tínhamos certeza se era o momento certo.
Bato palmas.
— Perfeito. Isso dá a chance da gente dizer que começamos
a nos envolver há uns dois meses. Pode ser?
Reed assente, os olhos longe dos meus. Ele está distante
desde que saiu do meu quarto para se arrumar. Nada de
brincadeirinhas ou provocações a respeito da minha roupa. A única
reação dele foi esboçar um rápido sorriso e abrir a porta para que eu
entrasse no Jeep.
Esquisito.
— Okay, então estamos há dois meses juntos e
perdidamente apaixonados um pelo outro — tagarelo. — E o que
mais?
Os dedos compridos batucam no volante.
— Me diga cinco coisas sobre você.
— O quê?
— Cinco coisas sobre você, Annie. Um namorado
normalmente sabe dessas baboseiras.
Faço um barulhinho com a boca, me amaldiçoando por não
ter pensado nisso.
— Minha cor favorita é azul. Não gosto de Friends e nem de
chocolate quente. Donuts e sanduíche de atum são o meu ponto
fraco. Quando eu tinha sete anos, quebrei o dente. — Coço a
pontinha do nariz enquanto tento me lembrar de mais coisas. — Não
vou te dizer o meu filme favorito porque isso tem que ser uma
surpresa e o mais importante de todos: detesto futebol americano.
Reed revira os olhos.
— É claro que detesta. — Vira o corpo, ficando de frente para
mim. — Minha cor favorita também é azul. Não gosto de filmes de
romance e nem de garotas loiras que bancam as espertinhas. Quero
jogar profissionalmente pelo New England Patriots e jogo futebol
americano desde os 10 anos.
Faço um sinal afirmativo com a cabeça.
— Acho que é o suficiente. Só estou decepcionada por você
não gostar de filmes de romance. — Projeto o lábio inferior para
frente, decepcionada. — Nosso namoro está fadado ao fracasso por
causa disso.
Reed abre um sorriso e dá um peteleco no meu nariz.
— Não precisamos de filmes de romance. Eu já sou
romântico o bastante.
Deixo escapar uma risada baixa e aponto com o queixo para
o restaurante.
— Estou pronta. E você?
Ele solta um longo sopro de ar e estica o braço, procurando
por minha mão. De forma automática, como se fosse um gesto que
eu fizesse todos os dias, entrelaço os meus dedos junto aos seus.
Ainda é um negócio esquisito, porque esse gesto representa um tipo
de intimidade que não temos.
No entanto, sei que isso faz parte do acordo e da mentira que
estamos contamos juntos. Nada além.
— Vamos lá mostrar como ser um casal de verdade,
joaninha.
Dou risada da sua escolha de palavras e salto para fora do
carro. Reed contorna o para-choque e rodeia minha cintura com o
antebraço, me puxando para mais perto. A aproximação, se fosse
semanas atrás, teria me despertado uma vontade imensa de sair
correndo. Hoje, no entanto, já estou acostumada a sentir o calor do
seu corpo aquecendo o meu.
— Você sabe quem é o namorado da Angel? — pergunto
enquanto subimos os degraus que levam à porta de entrada do
restaurante.
— Não faço a mínima ideia. — Reed faz um sinal para que eu
entre primeiro. — Mas espero que ele não seja mais bonito que eu.
— Mesmo que seja, vou fingir que ele é feio só para não te
magoar.
Ele leva a mão ao coração, emocionado.
— Muito obrigado, Annie. É por isso que somos namorados.
Mando um beijinho no ar e enrosco meu braço ao redor do
seu. No mesmo instante em que as luzes amarelas do Hambre
pinicam em minhas vistas, escuto o gritinho animado de Angel, ao
longe, nos chamando.
— Talvez eu tenha esquecido de mencionar que ela é meio
animada demais — Reed sussurra em meu ouvido conforme Angel
se aproxima de onde estamos.
Como da primeira vez, Angel exibe uma áurea invejável de
beleza. Os cabelos escuros foram presos para o alto, revelando o
pescoço esguio e a pele pálida das clavículas. Os lábios pintados de
vermelho juntamente do vestido amarelo a deixam idêntica a Branca
de Neve.
— Eu já estava pensando que vocês tinham desistido de vir
— diz, ao nos cumprimentar com beijos estalados. — Estávamos
quase cedendo à fome e fazendo os pedidos.
— A gente se empolgou um pouco antes de vir. — Reed dá
uma piscadela, arrancando uma risada de Angel. Ele acabou de
dizer que... Meu Deus. — E onde está o seu namorado misterioso?
— Escolhemos uma mesa mais reservada. — Indica os
fundos do restaurante. — É por aqui.
Angel caminha alguns passos à nossa frente. Aproveito o
momento de distração para dar um beliscão no braço de Reed. Ele
geme, me fuzilando com o olhar.
— Qual a porra do seu problema? Achei que estava tudo bem
entre a gente — reclama baixinho para que não sejamos ouvidos.
— Você acabou de insinuar que a gente se atrasou porque
estávamos transando.
— Talvez você tenha se esquecido, mas não custa relembrar.
— O hálito pinica no meu pescoço. — Namorados costumam
transar, principalmente aqueles que estão em começo de
relacionamento.
Movo minhas íris de encontro às suas. Dura curtos segundos,
porque não quero correr o risco de tropeçar e cair, mas é tempo o
bastante para que eu deixe a minha mensagem muito clara: vou
matá-lo quando chegarmos em casa.
— Não somos como os outros casais. Decidimos esperar.
— Uma porra que decidimos esperar. No meu mundo de
mentiras, eu já te peguei de quatro várias vezes.
Abro a boca para despejar uma quantia absurda de insultos,
mas Angel se vira novamente para nós. O rosto dela carrega um
semblante tão carinhoso que me esqueço do que senti aquele dia
na cafeteria. Agora, ela não me soa nada intimidante. É somente
uma garota apaixonada que precisou recorrer a Reed para poder
viver seu novo relacionamento em paz.
Nessas horas, eu odeio o quanto os estudantes da USVL
conseguem ser cruéis.
— Bom, não adianta mais fazer mistério. — Dá um pulinho,
animada. — Quero que vocês conheçam o Micah.
Dito isso, o garoto sentado na mesa atrás de Angel se
levanta e vem nos cumprimentar. Ele exibe um sorriso tão grande
quanto o da namorada, de forma que um pequeno buraquinho no
centro do queixo acaba surgindo. Assim como a barba que cobre a
mandíbula, as sobrancelhas e os cabelos são em um escuro de
castanho, combinando com o tom dos olhos.
Micah é meio mauricinho, eu diria. Consigo facilmente
imaginá-lo usando uma gravata borboleta e mocassins em um dos
eventos chatos que os pais da Claire oferecem anualmente.
— É um prazer conhecê-los. — Ele cumprimenta Reed com
um aperto de mão e depois deposita um suave beijo no dorso da
minha. — O grande Reed Rollins e a inesquecível Anne Scott.
Uau.
— O prazer é todo meu — Reed diz de um jeito tão educado
que fico surpresa.
Angel murmura algo que não consigo prestar atenção e
aponta para a mesa. Nos acomodamos lado a lado, com o novo
casal sentado à nossa frente. A combinação entre eles é curiosa.
— E então, Micah, de onde você é? — meu namorado de
mentira questiona, esticando o braço e pousando-o sobre meu
ombro. — Percebi que você tem um leve sotaque britânico.
A ponta do nariz de Micah cora de um jeito fofo.
— Sou de Leeds, uma cidade do norte da Inglaterra —
explica. — Meu pai é piloto de avião, enquanto a minha mãe se
aposentou da carreira de modelo faz uns bons anos. A gente decidiu
se mudar para os Estados Unidos mais ou menos nessa época.
Eles queriam um pouco mais de sossego.
— Deve ter sido difícil a adaptação.
— Em partes. — Micah concorda. — Sinto saudades de
Leeds, mas estar aqui em Maple Hills não é nada mal. Ter Angel ao
meu lado, melhor ainda.
Ela se derrete na cadeira e pousa a cabeça no ombro do
namorado, suspirando de forma prolongada.
Reed arqueia sutilmente as sobrancelhas para mim e
entendo como um sinal. Puxo minha cadeira para mais perto da sua
e cruzo as pernas, de forma que a ponta do meu sapato toca a sua
panturrilha. Aproveito a oportunidade e pouso minha mão sobre a
coxa musculosa.
— E como foi que vocês se conheceram? — indago.
Sou obrigada a afugentar um gritinho assustado ao sentir a
ponta dos dedos de Reed passearem por minha pele em uma
carícia lenta. Como o vestido que estou usando é um tomara que
caia, meu colo e braços estão completamente nus. Controlar a onda
de arrepios é difícil pra cacete.
— Vou deixar essa história para a Angel, porque ela adora.
Angel dá uma risada e se curva sobre a mesa.
— Eu estava com dúvidas sobre alguns papéis a respeito da
minha bolsa de estudos e fui até o setor administrativo do campus.
Estava tão distraída que não percebi o momento em que esbarrei
com o Micah no corredor. Quando olhei para ele, a única coisa que
se passou na minha cabeça era que ele era o homem mais bonito
que eu já tinha visto — conta. — Pedimos desculpas e ele foi
embora. Depois, quando cheguei na administração, adivinha quem
foi que me atendeu?
Reed arqueja um palavrão.
— Não brinca.
— Pois é! Micah resolveu o meu problema e antes de eu ir
embora, ele me passou o seu número de celular caso eu tivesse
alguma dúvida. E como eu não sou boba, já sabia que ele tinha um
pingo de interesse em mim.
Micah revira os olhos.
— É impossível resistir à sua beleza, Angel. No momento em
que te vi derrubando todos aqueles livros no chão e me pedindo um
milhão de desculpas, eu já sabia que você seria a mulher da minha
vida.
Não faço ideia de que forma reagir diante dessa declaração.
Me limito a morder o interior da bochecha enquanto vejo Angel e
Micah declararem o seu amor de um jeito que eu jamais vou
conseguir fazer. Me sentir vulnerável dessa forma, a ponto de
entregar meu coração para outra pessoa cuidar, ineditamente me
causa uma sensação de sufocamento.
O constrangimento causado pelo silêncio é salvo pela
chegada do garçom. Angel e Micah aparentemente vêm aqui com
frequência, porque fazem o pedido sem nem olhar o cardápio. Reed,
no entanto, analisa os itens com atenção, a mão ainda deslizando
por meu braço, como se fizesse isso todos os dias.
— O que você acha de um Pozole[11]? — sugere.
— Por mim pode ser. Você vai comer o quê?
Ele abaixa o cardápio e olha para a minha boca.
— O mesmo que você.
Engulo em seco. De repente, aqui ficou tão quente quanto a
droga de uma sauna.
— Pode ver pra gente o Pozole — peço ao garçom. — E para
beber, dois Licuados [12]de framboesa.
O garçom assente e se afasta, dizendo que logo vai voltar
com os nossos pratos. O assunto, então, retorna para Angel e
Micah. Não faço muitos comentários, apenas escuto o que eles têm
a dizer, principalmente Micah. Ele mantém os ombros eretos o
tempo todo, passando uma energia de pessoa que se sente segura
consigo mesma e que consegue desenvolver uma conversa de
forma profissional.
Fico curiosa a respeito da sua idade. Ele é visivelmente mais
velho que a gente.
— Agora fiquei na dúvida a respeito de você, Reed. Rollins
não é o sobrenome de um dos melhores jogadores que o New
England Patriots já teve?
O corpo de Reed congela ao meu lado.
— É sim. — Ele concorda, a voz rígida. — Ricky Rollins é o
meu pai.
Micah assovia em aprovação.
— Suponho que você também jogue.
— Sim, estou nessa desde os dez anos de idade.
— Não deve ser nada fácil. Ricky era um monstro no esporte,
se não, um dos melhores que já vi.
Reed agita a perna embaixo da mesa, o desconforto com o
assunto ficando cada vez mais visível. Não sei o que está se
passando na sua cabeça, mas me vejo na obrigação de fazer algo.
Nem que seja algo minúsculo e insignificante.
Em câmera lenta, deslizo minha mão à procura da dele por
debaixo da mesa. Ao encontrar os dedos fechados em punho,
acaricio com a ponta do indicador o dorso em um pedido mudo de
permissão. Reed cede e entrelaça a mão ao redor da minha em um
aperto gentil. Aperto de volta, demonstrando que estou ali para ele. 
— Ele é realmente muito bom. Tenho sorte de tê-lo como
meu pai.
— E como treinador também, certo? — Micah frisa. —
Porque para ser tão bom quanto ele, você precisa ser treinado por
alguém no mesmo nível.
Reed abre um meio-sorriso, anuindo a contragosto.
— Os treinos ajudam, é claro. Mas o time da USVL tem
muitos jogadores bons também. Não serei o único a ser draftado
pela NFL.
— Mas vai ser o único a conseguir uma vaga no melhor dos
times — Micah retruca. — Guarde minhas palavras, Reed. Eu
entendo do assunto e sei que, daqui a alguns anos, você vai estar
brilhando tanto quanto o seu pai.
A irritação com o tom desdenhoso de Micah começa a me
irritar e me intrometo na conversa. Angel não tem coragem para
isso. Ela está encarando a mesa de forma desconfortável desde que
o namorado metido abriu a boca.
— E mesmo que ele não seja draftado pelo melhor time do
mundo, Reed vai continuar sendo um jogador incrível. — Saio em
defesa. — Com ou sem Ricky Rollins no meio disso, ele é bom. Bom
pra cacete.
Micah trinca os dentes, sem saber o que dizer.
O aperto dos dedos de Reed ao redor dos meus se intensifica
e movo a cabeça para o lado. Ele já está com os olhos engolindo os
meus. Um sorriso tímido curva os lábios para cima.
— Você é a melhor do mundo, sabia?
Ele não diz isso em voz alta, então preciso fazer a leitura
labial e, quando compreendo as palavras, sacudo os ombros.
— Eu sei.
Reed balança a cabeça em negação e, pelos próximos
minutos, vejo-o fazer um esforço absurdo para seguir conversando
com Micah e Angel. O garçom também retorna com os nossos
pedidos e eu aproveito para encher minha boca de comida para
evitar qualquer tipo de xingamento. O Pozole está uma delícia, o
que ajuda a compensar a babaquice do Micah.
Dar um soco na cara dele seria uma ótima forma de
terminarmos a noite.
— Já que estamos falando sobre a vida, posso fazer a
pergunta de milhões, huh? — Angel bebe um gole da sua cerveja e
limpa a boca com o guardanapo. Sua atenção se mantém em mim e
Reed. — Como vocês dois souberam que estavam apaixonados um
pelo outro?
Porra.
Meu coração erra uma batida ao constatar que essa pergunta
não estava no nosso roteiro.
Me remexo na cadeira, desesperada para sair correndo
daqui, mas Reed pousa a mão sobre o meu joelho nu, os dedos
brincando para cima e para baixo. O semblante dele é de pura
calmaria.
— Não acho que tenha sido um momento em específico, mas
uma coletânea de pequenas coisas. — Reed olha para mim como
se houvesse corações saltitando de suas íris castanhas. — Me
apaixonei pela maneira em que ela sorri das piadas ruins que eu
conto, do jeito em que o nariz se franze na ponta quando estamos
provocando um ao outro e no som de sua risada nas noites que
passamos juntos. Me apaixonei quando nos conhecemos na noite
dos calouros, mesmo que ela tenha me achado um babaca. Me
apaixonei quando a última coisa que eu desejava era estar dando
uma parte do meu coração para outra pessoa.
O silêncio que se segue após a sua declaração faz as batidas
do meu coração se tornarem insuportáveis. Não duvido que Reed
consiga ouvir ele batendo insistentemente contra o meu peito,
pronto para partir as minhas costelas.
Puta merda.
Não acredito que ele acabou de dizer todas essas coisas.
É jogo sujo.
— Reed...
Ele balança a cabeça de um lado para o outro.
— Foi assim que eu soube que estava apaixonado por Anne
Scott. — Afirma para Angel e Micah, que nos observam petrificados.
— E se me fizerem essa mesma pergunta daqui algumas semanas,
terei outros milhões motivos para listar. Todo dia eu descubro uma
nova forma de amá-la.
Se meu corpo pudesse virar gelatina, pode ter certeza que
seria assim que ele estaria neste momento.
Derretido.
Dissolvido.
Zero consistência.
Feito somente de um líquido visguento e nada atrativo.
— E você, Anne? — Angel questiona. Não estou vendo seu
rosto, mas certamente há estrelas pipocando ao seu redor de pura
paixão. — Como soube que estava apaixonada pelo Reed?
Sorrio.
— Quando ele me beijou pela primeira vez. — Entro no jogo
de fingimento, determinada a mostrar que não vacilo. — Foi aquele
tipo de beijo que as garotas sonham em receber. Intenso. Quente.
Alucinante. Foi como se o mundo congelasse ao nosso redor e
existisse somente nós dois descobrindo que poderíamos ser ainda
melhores se estivéssemos juntos.
Micah assovia.
— Me soa bastante intenso.
— Você não faz ideia do quanto, Micah.
Reed aperta os lábios em uma linha reta e pousa o polegar
sob o meu queixo, levantando-o. Trocamos um olhar tão intenso que
poderia derreter a porra de uma calota polar no Polo Norte.
— Você ainda vai me matar um dia, joaninha.
Para tornar o fingimento ainda mais convincente, beijo a
ponta do seu nariz.
— Esse é o objetivo, zangão.
 
“E pela primeira vez, você esquece dos seus medos e seus
fantasmas”
You Are In Love | Taylor Swift
 

 
Jogo as chaves do carro em cima do aparador que fica no
vestíbulo e ajudo Anne a tirar os sapatos de salto. As luzes estão
todas apagadas, dificultando que enxerguemos um palmo à nossa
frente.
— Argh, eu odeio essa merda — Anne reclama ao chutar
para longe um dos sapatos. Ele quica no chão feito uma mola. — E
odeio mais ainda ter que usá-los.
— Era só você ter ido de tênis — argumento, equilibrando-a
com o meu braço conforme o outro sapato é tirado. — Ninguém iria
reclamar.
Anne resmunga um palavrão e relaxa os pés contra o piso.
Sem os saltos, seu tamanho diminui novamente. A diferença de
altura entre nós não é tão grande, talvez uns trinta centímetros, mas
por eu ser uma parede de músculos, ela fica minúscula ao meu
lado. Consigo escondê-la entre meus braços sem nenhuma
dificuldade.
— Você viu como a Angel estava vestida? Seria um crime eu
ir de tênis. Ela é intimidante pra cacete.
Dou de ombros e tiro a jaqueta, pendurando-a no cabideiro
ao lado da porta. Gesticulo para que Anne faça o mesmo. Ela se
livra do casaco, ficando somente com o vestido que deixa seus
seios bonitos pra cacete.
Uma tentação difícil de desviar o olhar mesmo na escuridão.
— Não reparei. Eu só tinha olhos para você.
Ela range os dentes.
— Nós não precisamos mais fingir, Reed.
— Mas isso não me impede de elogiá-la. — Movo os pés
para frente, encurtando a nossa distância. — Você está muito
bonita. Azul combina com você.
— Você também não está nada mal. — Coloca uma mecha
do cabelo atrás da orelha. — Essa pose de namorado apaixonado
combina com sua personalidade de irritante metido.
Rio.
— Você não consegue me elogiar sem soltar um insulto logo
depois?
Anne me mostra a língua, como uma criança de cinco anos.
— Eu ter me dado ao trabalho de pensar em um elogio já é
um avanço e tanto.
— Falando assim você me faz acreditar que, em breve, outra
coisa vai estar saindo da sua boca.
Ela resfolega e empurra meu ombro de brincadeira, revirando
as orbes.
— Você é tão babaca.
Aproximo a boca da sua orelha.
— Mais um insulto e eu juro que vou te dar umas boas
palmadas nessa sua bunda safada.
Mesmo com o ambiente escuro, consigo notar que a
provocação tem o efeito desejado. As sobrancelhas se franzem
minimamente em um sinal de desafio e os lábios se repuxam para
cima.
— Estou começando a achar que você é do tipo que fala e
fala, mas quando chega a hora de agir, acaba não fazendo nada. —
Empina o queixo. — Estou enganada?
Maldita.
— Não me teste, Annie. — Abaixo o tom a ponto de minha
voz não passar de um sussurro quase inaudível. — Porque não há
nenhuma garantia que a sua bunda vá aguentar.
Anne pisca os cílios, fingindo inocência.
— Minha bunda aguenta muitas coisas, Reed.
Rosno um palavrão, não querendo ter compreendido o
segundo sentido por trás de sua frase. Ela fez de propósito, não
tenho dúvidas.
Minhas mãos formigam para encurralar o seu corpo pequeno
contra a parede atrás de nós e deixar bem explícito que ele não vai
aguentar merda nenhuma.
— Isso é o que vamos ver.
Dou um passo para trás e viro as costas, deixando-a sozinha
enquanto rumo para a cozinha. Escuto uma reclamação baixinha e
logo em seguida o som dos seus passos me seguindo. Mesmo
descalça, Anne não consegue ser silenciosa.
Não sei se vejo isso como algo bom ou ruim.
— Você está me desafiando?
A pergunta é feita no mesmo instante em que acendo as
luzes que ficam pendentes sobre a bancada de mármore.
— Eu não ousaria. — Abro a geladeira, procurando pela jarra
d´agua. — Você já me estressa o bastante. Um desafio só tornaria
as coisas ainda piores.
Anne se aproxima do balcão e cruza as mãos sobre a
superfície.
— Vai desistir assim tão fácil, Reed? Achei que você fosse
melhor que isso.
— Eu não vou responder essa merda. — Procuro por dois
copos no armário, ainda me mantendo longe da mira do seu olhar.
— Mas não estou desistindo, apenas evitando alimentar uma onça
sedenta por sangue.
Anne dá risada quando entrego para ela o copo com água e
bebo um gole do meu.
— Agora sou uma onça? Nada de joaninha?
Travo a mandíbula para esconder o meu sorriso.
— Você sempre será a minha joaninha.
O silêncio nos engole de um jeito nada agradável. Anne gira
o indicador ao redor do copo e começo a me arrepender do que
falei. Ela vai sair correndo daqui cinco segundos, se a conheço bem.
— Eu vou subir — Anne cospe as palavras com pressa,
exatamente como suspeitei. Coloca o copo dentro da pia e me dá
um meio-sorriso. — Boa noite, Reed.
Não tenho a oportunidade de responder, porque Anne sai da
cozinha como se o ambiente estivesse pegando fogo.
Suspiro alto e fico encarando o espaço vazio que a ausência
dela deixou. O cheiro de morando predomina no ar, o que torna as
coisas ainda piores, porque se eu fechar os olhos, vou conseguir
sentir o seu corpo junto do meu. Vou conseguir sentir até a porra do
seu hálito pinicando em minha língua.
Xingo um palavrão e abandono o copo para trás, subindo
também. No entanto, antes de entrar no meu quarto, lanço um olhar
para a última porta no final do corredor. Um milhão de pensamentos
passam pela cabeça, mas os empurro com um chute imaginário.
Para com essa merda, Reed.
Dou voz ao meu consciente que banca o Rei da razão
sempre que pode e entro no quarto. Os troféus na parede
debocham de mim, mas não estou nem aí. Só tiro a roupa e entro
no chuveiro, consciente que nenhum banho frio vai ser capaz de
silenciar a minha mente.
Vai ser uma longa noite.

— Quais são os planos para hoje?


O questionamento de Keeran me obriga a tirar o fone do
ouvido.
Nos sábados de manhã, quando meu pai não está bancando
o treinador e o time está cansado após uma sexta barulhenta, nós
costumamos treinar juntos. Acordamos cedo e corremos alguns
bons quilômetros no parque que fica próximo da casa que dividimos.
— Noite do filme com a Anne.
Keeran ergue a sobrancelha.
— E a gente está convidado?
Diminuo o passo. Já estamos na última parte do percurso.
— É claro que não. — Gesticulo para o seu peitoral coberto
por uma regata. — Encontre um lugar para ir e leve o Mason com
você.
Meu amigo emite um barulho esquisito com a boca.
— Não garanto que vou conseguir que ele não volte para
casa. Estamos no começo da temporada e com um jogo daqui duas
semanas. Encher a cara não é uma opção.
Balanço os ombros daquele jeito que sempre o irrita.
— Apresente uma garota para ele e deixe a mágica
acontecer. Confio no seu potencial, Flanagan.
— Vai se foder, Rollins.
— Ah, vai dizer agora que você tinha planos de passar o
sábado comendo pipoca e assistindo um filme clichê dos anos 90?
— Tinha me esquecido que é a sua vez de escolher um filme.
Dei sorte, então. — Suspira de alívio. — Maior castigo nessa vida é
assistir as suas merdas.
Estreito os olhos.
— A gente assistiu Uma Linda Mulher da última vez —
contesto.
Keeran faz um sinal com a mão, me dispensando.
— Estamos falando de Julia Roberts, porra. — Agita as
sobrancelhas escuras, a testa criando pequenos vincos. — Eu
assistia qualquer merda só para vê-la. A mulher é fenomenal.
— Bem que o Mason me avisou que você curte as velhonas.
Keeran para de correr de imediato e assume uma posição
que o deixa igual a uma criança birrenta que teve o seu doce
favorito negado. A cereja do bolo é o beicinho projetado para frente.
Quero explodir em uma gargalhada com a cena.
Se ele soubesse o quanto fica feio assim, aposto que pararia
com essa merda sem hesitar.
— Você precisa aprender muita coisa ainda sobre a vida:
mulheres são como vinho. Quanto mais velhas, melhores são.
Finjo ânsia de vômito.
— O caminho para o asilo é para o outro lado, caso tenha se
esquecido.
Nessa hora, nem ele consegue se conter e rimos em
uníssono. A barriga chega a doer. Porra, eu tinha me esquecido o
quanto é bom passar um tempo conversando com Keeran. A gente
não é tão próximo quanto eu sou do Dave, mas sua amizade
também ocupa um espaço importante na minha vida.
Vai ser uma merda quando formos draftados para times
diferentes. A chance de jogarmos juntos fora da USVL são quase
nulas.
— Mas eu entendi o recado, não se preocupe. — Sorri
maliciosamente. — Vou dar um jeito de chutar o Mason para longe e
deixar a casa para vocês dois. E nada de transar no sofá. Eu gosto
de dormir lá quando estou de ressaca.
— A gente não vai transar.
Flanagan faz uma expressão de desdém.
— Não precisa mentir para mim. Transar não é pecado.
Bufo e volto a correr, deixando-o falando sozinho. Keeran
aperta o passo e me alcança mais rápido do que eu gostaria.
Nessas horas, gostaria que ele fosse uma pedra para que eu
pudesse chutá-lo para bem longe apenas para calar a boca.
— Se você abrir essa boca mais uma vez, Flanagan, vou
descer minha mão no seu nariz que você vai até se esquecer de
como se respira.
Como de costume, Keeran não se sente ameaçado diante
dos meus resmungos. Ele só assovia em deboche e apruma a
coluna.
— Se vocês não vão transar, qual vai ser, então? Comer
pipoca de mãos dadas e depois dormir de conchinha?
Escondo meu sorriso ao imaginar essa cena. Anne
arremessaria o abajur na minha cabeça só com a mera menção de
terminamos a noite assim. Mas eu não reclamaria. De ser atingido
pelo abajur, claro que sim, mas o resto...
— Por que você é tão enxerido? — A placa na trilha indica
que falta pouco para o fim. Quase suspiro de alívio. — Eu não estou
perguntando em como você vai transar essa noite.
— Se você quiser saber, eu te ligo logo depois contando.
Adoro compartilhar minhas experiências.
— Você é babaca pra cacete. Por isso que está solteiro.
— Estou solteiro porque nenhum relacionamento vale a pena.
Tenho coisas melhores a fazer na vida do que dedicar meu tempo
inteiramente a uma pessoa que depois de alguns meses vai me
trocar por outra.
A conversa que tivemos na academia da fraternidade retorna.
Foi um confusão de argumentos e reclamações por parte do
Bradley, mas notei a mágoa oculta por trás das palavras de Keeran.
Ele não pensaria dessa forma se algo ruim não tivesse acontecido.
E como ele não me conta muita coisa, a única suspeita que
tenho é que falar sobre esse assunto não é nem mesmo uma
possibilidade.
Por isso, decido seguir pelo caminho mais fácil.
— A Anne não é assim.
Ele deixa escapar uma risada sem humor.
— Está me dizendo que devo chamar a sua namorada pra
sair? Porque, assim, ela já me disse que eu não faço o tipo dela.
Olho para as tatuagens que recobrem a pele branca dos
braços e depois para o seu rosto. As íris exibem um tipo
vulnerabilidade que vi pouquíssimas vezes. Na maior do tempo,
Keeran tenta mascarar esse traço, quase como se ele fosse
contagioso.
— Fique longe da Anne, já te avisei — alerto. — Mas o que
eu quero dizer é que, talvez, seja só uma questão de conhecer
alguém que compreenda o que você sente.
Keeran revira os olhos.
— Agora você virou conselheiro amoroso? Esse cargo é do
Dave. Ele tem propriedade para encher a gente com suas histórias
de amor verdadeiro já que namora desde que botou os pés nessa
universidade.
— Só estou dizendo que nem todo mundo é um monstro,
como você gosta de pintar — murmuro. — E se a pessoa gostar de
você de verdade, ela não vai te trocar na primeira oportunidade que
surgir.
Keeran trinca os dentes e desviar o olhar para as árvores que
nos cercam. É difícil ler sua expressão corporal. Assim como Anne,
ele é uma muralha impenetrável que não deixa ninguém chegar
perto. Diante de qualquer ameaça, as defesas se erguem ainda
mais.
— Acredite, ela vai sim. — A mágoa escorre de suas
palavras. — Vai te trocar por algo melhor, porque não está a fim de
lidar com alguém cheio de problemas.
Um nó aperta minha garganta.
— Keeran...
Ele balança a cabeça repetidas vezes e coloca os fones
novamente, dispensando minha presença. Não me dá nem a
chance de acompanhá-lo no final da corrida. Keeran aperta o passo
e some por entre as árvores.
Sozinho. Exatamente como ele sempre gosta de estar.

O cheiro de pipoca de manteiga predomina no ar,


despertando a curiosidade desenfreada do meu estômago.
Anne parece compartilhar da mesma sensação, porque solta
um gemido ao entrar na cozinha. As pálpebras se fecham e um
sorriso minúsculo surge.
— Essa é sua chance de me envenenar, porque esse
negócio está tão cheiroso que nem vou me importar — murmura
engraçadinha e se aproxima de onde estou, espiando a pipoqueira
por cima do meu ombro. Flexiono um pouco os joelhos para baixo,
facilitando. — Essa pipoca só perde para o sanduíche de atum e os
donuts de baunilha.
Ao mencionar os donuts, me lembro automaticamente de
algo.
— Por falar em donuts, tem uma coisa ali para você. —
Aponto para o balcão e Anne caminha até lá, meio receosa. — Não
tinha os seus favoritos, então tive que comprar os de chocolate.
Escuto o barulho da tampa da caixa ser aberta e o arquejo de
surpresa.
— Você comprou isso para mim?
Aperto os lábios com força, não querendo sorrir.
— É um presente por você ter sido uma namorada
comportada ontem e não terminado a noite chutando a minha
bunda.
Desligo a chama do fogão e giro sobre os calcanhares,
apoiando o quadril no balcão da pia. Anne está segurando a caixa
entre as mãos, um vinco mantendo a testa encrespada. Não sei se
ela está contente, irritada ou planejando uma maneira de
arremessar os donuts na minha cabeça.
Eu aposto na terceira opção, como de costume.
Não dá pra baixar a guarda quando se trata dos humores
peculiares de Anne Scott.
— Vontade para chutar a sua bunda e o seu sorriso
engraçadinho nunca me falta. A noite de ontem foi uma exceção em
nome do nosso relacionamento.
Para provocá-la, abro um sorriso de covinhas.
A resposta dela é um rosnado semelhante ao de um cachorro
chihuahua.
— Já estou me arrependendo. — O polegar brinca com o
adesivo que estampa a caixa da doceria que fica do outro lado da
cidade. — Mas só para não criar expectativas, não comprei nada
para você. Nem sabia que tínhamos começado com essa
palhaçada.
Dispenso-a com um sinal e retorno para a pipoqueira. Pego
uma vasilha grande no armário e despejo a pipoca.
— Não começamos nada. Veja mais como um gesto de paz.
— Você está querendo comprar a minha paz com uma caixa
de donuts de chocolate?
Movimento os ombros em um gesto inocente.
— Não custa nada tentar, hein? Da próxima vez, quem sabe,
eu acabe comprando alguma coisa mais grandiosa, tipo... Um carro.
Mesmo de costas, sinto o olhar dela queimar em minhas
costas.
— Se você aparecer com um carro, não vou hesitar em enfiar
um milhão de pregos em todos os pneus.
Engasgo com uma risada.
— Sorte a minha, então, que você ainda não fez isso com o
meu Jeep.
— É uma questão de tempo, Reed. Um dia, você vai acordar,
e seu carro não vai passar de um veículo chamuscado.
Viro novamente o corpo para frente e coloco a vasilha com a
pipoca em cima do balcão. Anne continua segurando a caixa de
donuts, como se não soubesse o que fazer. Dou um cutucão na sua
cintura e ela se esquiva antes que eu possa enchê-la de cócegas.
— Vai ser um dia triste, porque daí não poderemos transar no
meu carro como fazem todos os universitários.
— É exatamente por isso que quero tacar fogo nele. As
chances da gente transar ficam estagnadas no zero.
— Ainda temos o meu quarto e o seu. — Encurto a distância
entre nós e Anne dá um passo para trás. — Não podemos nos
esquecer também do sofá. Há ainda o vestiário dos meninos e o
auditório da USVL.
Anne arqueia a sobrancelha loira.
Só agora noto que ela não está usando maquiagem. A pele
branca não tem nenhuma imperfeição e os cílios longos tornam o
seu olhar mais ameaçador. O esverdeado mudou para uma
tonalidade idêntica a água da piscina da área de lazer. É difícil
associar a sua imagem raivosa com a garota bonita diante de mim.
A nossa vida seria muito fácil se não houvesse tanto ódio
envolvido. Embora, bem lá no fundo, eu esteja com a mera
sensação de que esse ódio infinito tem diminuído nessas últimas
semanas.
— Não duvide da minha capacidade de colocar fogo em
todos esses lugares.
Acaricio o seu queixo com a ponta do indicador. O toque
queima na pele.
— O único lugar em que quer ver você queimando é na
minha cama, joaninha.
Como Anne nunca cansa de me surpreender, ela leva um
donut na boca e dá uma generosa mordida. Então, abre um sorriso
com os dentes cheios de massa e lambuzados de chocolate.
Eu deveria achar essa cena ridícula, mas só consigo pensar
que ter conhecido essa garota é o equivalente a ter encontrado um
pote de ouro no final do arco-íris.
— Suas tentativas de sensualizar são bem preocupantes,
mas não vou reclamar. — Inclino o corpo para frente e estico o
braço, abrindo a geladeira. Anne dá um passo para frente,
diminuindo a distância. A caixa fica pressionada contra as nossas
barrigas. — O que você vai querer beber?
— Um refrigerante está ótimo — responde de boca cheia.
Nada educada — não que ela se importe com isso.
— Então, preciso que você se afaste. Embora eu esteja
gostando muito de ter você assim perto de mim.
— Foi você que veio para cima de mim.
A temperatura fria que emana do interior da geladeira
começa a me deixar com frio. O que é estranho, considerando que
minhas veias pulsam em um tipo de calor incomum.
— Você que sempre está no meio do caminho.
— Se está incomodado, passa por cima.
Rio nasalado.
— Você é tão irritante, porra. — Fecho as mãos em sua
cintura num aperto e impulsiono o corpo para cima, colocando-a
sobre o balcão. Anne dá um gritinho assustado, a caixa de donuts
quase saindo no chão. — Minha expectativa de vida diminuiu uns
vinte anos desde que você veio morar comigo.
Pego o refrigerante favorito de Anne, junto de uma garrafa de
água para mim, e fecho a porta da geladeira. Quando retorno meu
olhar para o balcão, Anne está balançando os pés no ar.
— Ao menos, até o final do ano, terei certeza que terei
sugado boa parte da sua juventude. — Lambuza o dedo com
cobertura de chocolate e leva à boca, chupando. Desvio o olhar. —
Você vai perder os seus anos de ouro no futebol americano.
— Não sei se fico triste ou feliz com essa informação.
O impacto da confissão nos atinge como um trem
desgovernado. Ela empurra a caixa de donuts para o lado e limpa o
dedo lambuzado em um guardanapo. Os olhos, quando procuram
pelos meus, transmitem um tipo de conforto inesperado.
— Você quer conversar sobre o que aconteceu ontem?
Viro o rosto para o lado e engulo em seco. Parece que há mil
facas na minha garganta só de lembrar do tom usado por Micah. Me
lembrou muito dos conselhos cheios de razão que meu pai adora
dar sem ninguém ter pedido. O incômodo habitou o meu estômago
não foi nada legal. Me deu vontade de deixar o namorado de Angel
falando sozinho e levar Anne comigo para um lugar bem longe
daquele restaurante mexicano.
— Não sei se há muito o que dizer. — Encolho os ombros,
envergonhado.
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior, pensativa, e faz
um sinal para que me aproxime. Deixo a garrafa de água e o
refrigerante ao lado da caixa de donuts e sou pego de surpresa
quando ela me puxa pela gola da regata. Me acomodo entre as suas
pernas, ainda meio sem reação.
É uma posição curiosa.
— Apenas me conte o que você se sentir confortável — pede,
baixinho. — E se não quiser falar nada, está tudo bem também. Não
vou ser uma cuzona com você, pelo menos não a respeito desse
assunto.
Abro um sorriso amargo e pouso as mãos sobre as suas
coxas cobertas por uma calça fina de pijama.
— E o nosso filme?
— A gente tem a noite toda, zangão. — Soa manhosa. — Eu
não vou a lugar nenhum.
Sopro o ar, me rendendo.
Continuar guardando uma bola de sentimentos dentro de mim
não é uma coisa que está me agradando nas últimas semanas. E o
que aconteceu durante o jantar envolvendo Micah é uma prova de
que o assunto me incomoda mais do que eu gostaria de admitir.
Falar de Ricky Rollins é como cutucar uma ferida com ferro
quente.
— Digamos que o meu relacionamento com o meu pai não é
um dos melhores — confidencio, dedilhando sua perna com a ponta
dos dedos. Se eu não encará-la, talvez fique mais fácil de falar em
voz alta. — A gente se dá bem como pai e filho, mas quando
estamos falando do futebol americano...
— Não é nada legal — completa a minha frase e eu concordo
com um aceno. — E o que a sua mãe acha disso?
— Essa é a pior parte, porque ela não sabe de nada. — Meus
dedos continuam a subir e descer, amassando o tecido da calça. —
Moro com o meu pai desde que ela se mudou para Mountain City à
trabalho, logo depois do divórcio. Como eu ainda era criança, fiquei
com Ricky em North Groove.
Anne sibila e encaixa o indicador embaixo do meu queixo, me
obrigando a olhá-la. O que encontro em seu olhar é exatamente o
que suspeitei: uma mistura de afeto com pena. Meu coração se
aperta diante da visão.
— Mais alguém sabe do que está acontecendo?
— Só o meu irmão e o Dave. — Sorrio amarelo. — E agora
você.
A cabeça dela oscila de um lado para o outro, dispensando a
última informação.
— Foi por isso que você ficou tenso ontem? Por causa das
coisas que o Micah disse sobre o seu pai?
Assinto e depois nego. Minha cabeça é uma confusão
irritante.
— Não necessariamente sobre a carreira do Ricky, mas pela
maneira em que ele falou. Parecia o meu pai gritando um monte de
merda para mim quando faço alguma coisa errada no campo ou o
time acaba perdendo algum jogo. — Anne desliza as mãos para os
meus ombros, os massageando com cuidado. — Ele quer que eu
seja o melhor. Que tenha uma carreira tão grandiosa quanto a dele.
Meu pai quer me ver no topo, porque é o único lugar em que sabe
estar.
Anne não responde de imediato.
Os dedinhos continuam a trabalhar, fazendo minhas
pálpebras oscilarem para se fecharem e um gemido de satisfação
ser proferido. Mordo a minha língua, não querendo dar na telha o
quanto gosto de ter suas mãos em mim.
Mas eu gosto.
Muito.
Gosto pra cacete de ter Anne sentada aqui na bancada da
cozinha me ouvindo falar do quanto a minha vida não é tão perfeita
como mostro por aí.
Gosto tanto que, por um milésimo de segundo, me esqueço
de que isso aqui não é fingimento.
É verdadeiro.
Não tem ninguém além de nós dois aqui, então não
precisamos desempenhar nenhum papel.
Somos apenas Reed Rollins e Anne Scott conversando em
uma noite de sábado.
— E você quer estar no topo?
O questionamento me faz puxá-la para mais perto. Não sei se
Anne percebe, mas as pernas torneadas se encaixam com perfeição
ao redor do meu corpo, como se tivessem sido feitas para estar ali e
em nenhum outro lugar.
— Não gosto de grandes alturas.
Anne empurra a minha cabeça de leve para o lado em um
gesto de brincadeira, me arrancando uma risada sincera. O clima
dessa conversa pode não ser um dos melhores, mas não me sinto
nem um pouco acuado. É fácil desabafar com a minha namorada.
— Eu estou falando sério, Reed!
— Eu sei que está, joaninha. Quer saber a real? Eu só queria
jogador futebol americano sem que cada respirada minha fosse
controlada. Queria não ter medo do futuro e de decepcionar o meu
pai. Queria que seguir o meu sonho não fosse também um
pesadelo.
Fico surpreso comigo mesmo por ter colocado para fora o
que estava entalado na garganta. Posso desabafar com meu irmão
sobre várias coisas, mas falar sobre nosso pai não é um tópico fácil.
E Dave, mesmo que ele seja o amigo que mais confio, ainda é
complicado.
Não quero enchê-lo com os meus problemas como se ele
também não tivesse os seus envolvendo o esporte.
No entanto, falar com Anne e abrir o meu coração... É
diferente.
— Não precisa ser um pesadelo, Reed. — As mãos se
movem para as minhas bochechas, as palmas pressionando a pele.
Quente e frio. — Não quando são os seus objetivos que estão em
jogo.
Respiro fundo e faço algo inesperado: puxo Anne para um
abraço. A posição é meio esquisita, mas não estou nem aí. Fecho
os olhos e afundo o nariz no tecido da sua camiseta.
Se isso aqui for o Paraíso, não vou reclamar nem um pouco.
Anne fica meio hesitante no começo, por ter sido pega de
surpresa, mas acaba cedendo. As mãos afundam em meu couro
cabeludo, acariciando os fios lentamente, ao mesmo tempo em que
as pernas se firmam mais ao meu redor. Estou a um passo de pedir
para ela nunca mais ouse me soltar.
— Agora, talvez, seja uma boa hora para a gente ver o meu
filme favorito. Uma forma de consolo depois de eu despejar em cima
de você meus problemas. — Minha voz fica abafada, mas acho que
ela consegue me ouvir, porque o corpo vibra em uma risada.
— Se ele filme for ruim, pode ter certeza que vou puxar o seu
pé enquanto estiver dormindo esta noite — ameaça. — E vou
garantir que ninguém venha te socorrer. Vai ser um crime sem
testemunhas.
Sorrio.
— Guarde seus truques assassinos para outra noite, Annie,
porque estamos prestes a ver a melhor produção já feita pelo ser
humano.
O nariz se enruga na pontinha.
— Você só diz isso porque ainda não assistimos ao meu filme
favorito.
Belisco sua cintura de brincadeira e ela dá um gritinho,
tentando fugir do meu agarre. O que é impossível, convenhamos. E
antes que ela encontre qualquer brecha para fugir de mim, encaixo
os braços por debaixo de suas coxas e a puxo para o meu colo.
— Reed! Que merda! O que você está fazendo?
As mãos se firmam em meus ombros. O medo de cair chega
a ser tão palpável quanto o corpo pressionando o meu. Movo as
mãos para cima, segurando sua bunda. Não faço nenhuma
gracinha, embora essa cena me lembre o que aconteceu em seu
quarto na noite anterior antes de irmos para o restaurante mexicano.
Essa lembrança, em específico, vai me render inúmeros
banhos frios para as próximas semanas.
— Facilitando as coisas para a gente — digo. — Porque você
está prestes a ter a melhor noite da sua vida.
Anne arqueia as sobrancelhas e indica com o queixo as
coisas esquecidas em cima da bancada. A manteiga da pipoca já
deve ter esfriado depois de todo esse tempo e as bebidas estão
com as superfícies cheia de gotículas de suor.
— Esquece isso aí. Pega só a caixa com os donuts.
Anne estica o braço e abraça a embalagem como se fosse
um tesouro. Escrutino o seu rosto, analisando por mais tempo os
olhos. Sempre os achei muito bonitos, sendo uma das coisas que
mais me chamaram a atenção quando nos conhecemos na festa
dos calouros, contudo, hoje eles estão diferentes.
Estão mais vivos.
Mais felizes.
Mais vibrantes.
E como sou um egocêntrico do cacete, não posso deixar de
pensar que o motivo para eles estarem assim é eu.
Somente eu.
Firmo as mãos com mais força, impulsionando seu quadril um
pouquinho mais para cima, e umedeço os lábios com a pontinha da
língua. Se as coisas entre nós não estivessem tão confusas e
nebulosas, eu a beijaria neste exato instante.
Afundaria a boca de encontro a sua e deixaria que o resto do
mundo desmoronasse ao nosso redor.
— Pronta, Scott?
Anne apruma os ombros e sorri.
— Pronta, Rollins.
Concordo com um aceno e sigo em direção à sala. A cada
passo que dou, me sinto o homem mais feliz do mundo inteiro — e
essa sensação não tem nada a ver com o fato de estarmos prestes
a ver o filme favorito.
Não mesmo.
 
 
 
“Se você precisa ir devagar, eu não me importo”
Cool Out | Matthew E. White (feat. Natalie Prass)
 

 
— A coisa foi boa no sábado?
Viro o rosto diante da voz de Mason. O time inteiro está no
gramado fazendo os aquecimentos antes do treino começar para
valer. É a parte que eu acho mais chata, porque isso dá margem
para que meus amigos me encham de perguntas sobre a noite de
dois dias atrás.
Aperto o passo, aumentando o ritmo da corrida, mas Mason
não tem nenhuma dificuldade em me acompanhar. Posso ser o
corredor dos Rebels Of Horizon, mas isso não quer dizer que eu
tenha me tornado o Flash.
— Foi boa.
Minha resposta evasiva não o agrada.
— É só isso que você tem a dizer? Que foi boa? — Ele
empurra o meu ombro de brincadeira. — Larga disso, Rollins. Quero
saber como foi de verdade.
Trinco os dentes.
— Por que você não pergunta para a Anne?
Mason assovia e Keeran, acompanhado de Dave, se
materializam ao meu lado em um tipo de feitiço assustador. Quase
tropeço em minhas próprias chuteiras por causa do susto. Como eu
odeio esses caras.
— Puta merda! De onde vocês saíram?
— A gente estava aqui esse tempo todo. — Dave passa a
mão pela testa, afastando o cabelo para trás e enxugando as
gotículas de suor. — Que papo é esse de você passar a noite com a
Anne? O Keeran acabou de me contar que você chutou ele e o
Mason para fora de casa.
— Não foi exatamente assim.
Keeran cospe um sorriso.
— É claro que foi, Rollins — insiste. — Agora conta pra
gente. Assistiram ao filme de mãos dadas e deram pipoca um na
boquinha do outro?
— Sabe o que vou dar na boca de vocês dois? — Keeran
abre um sorriso tão grande quanto os músculos do seu braço diante
da minha frase. — Um soco que vai arrebentar cada um desses
dentes. Vão ter que usar dentadura para o resto da vida.
Mason explode em uma gargalhada e acelera um pouco o
ritmo, ficando na minha frente. Vira-se então de costas, agora
correndo sem olhar para onde está indo. Estou torcendo para que
ele caia de bunda no chão.
— Não seja um velho chato de cinquenta anos. A gente só
está curioso — Dave questiona no seu tom calmo de sempre. —
Rolou alguma coisa ou não?
Inspiro o ar, compreendendo que eles não vão largar do meu
pé até que eu dê qualquer tipo de migalha a respeito da noite
anterior. O ruim é que não quero falar sobre a conversa que Anne e
eu tivemos envolvendo os problemas com o meu pai.
Foi um momento legal e que vai ficar só entre a gente. Se ela
quiser contar para a Claire, tudo bem, mas eu não vou abrir a minha
boca.
— Comprei uma caixa de donuts para Anne. Não tinha os
seus favoritos, então acabei pegando uns de chocolate. Ela gostou
do mesmo jeito — digo, sem olhar para eles. — Depois disso,
assistimos Top Gun – Ases Indomáveis. Ela odiou.
Keeran uiva feito um lobisomem, rindo logo em seguida.
Mesmo com a palhaçada, ele consegue acompanhar o meu ritmo.
Não estamos na frente, como JP e Chad, e nem por último, como
Bradley e Cooper. O que quer dizer que essa conversa tem
pequenas chances de ser ouvida por uma boa parte do time.
— É aquele filme com o Tom Cruise? Em que ele sobe em
cima de uma moto enquanto toca Take My Breath Away? — Dave
coça a sobrancelha, pensativo.
Sorrio só com a lembrança da cena. Mas, em vez da minha
cabeça projetar a imagem de Maverick e Charlie embalados em sua
primeira noite de amor, estou vendo Anne sentada no sofá com a
caixa de donuts repousando entre as pernas.
A boca manchada de chocolate não era um incômodo para
ela, mas era um problemão para mim. Porque, enquanto o filme
rodava na tela, eu só conseguia pensar como seria puxá-la para o
meu colo e beijá-la.
Beijá-la do jeito que tenho imaginado fazer desde que
coloquei os meus olhos nela na primeira vez. E isso já faz a porra de
um ano.
— Esse mesmo. — Concordo. — São poucas as pessoas
que sabem apreciá-lo de verdade.
Dave grunhe.
— Aparentemente, a sua namorada não está inclusa nessa
sua porcentagem esquisita — aponta. — E depois que ela odiou a
sua obra-prima, o que vocês fizeram?
— Nada demais.
Mason bate com as duas mãos no peito, simulando alguma
coisa que não consigo entender.
— Pare de enganar a gente, Rollins! Conta aqui pro
Henderson em detalhes. Prometo que não vou zoar vocês dois no
café da manhã.
— Já te falei, porra. Nada demais. Terminamos de comer os
donuts enquanto conversávamos e depois cada um subiu para o
seu quarto — resmungo. — Fim da noite.
Keeran murcha ao meu lado feito uma planta esquecida no
deserto.
— Inacreditável. Qual o problema de vocês dois? Passaram a
noite sozinhos e não fizeram nada. Vocês têm 16 anos de novo e
não me contaram?
Mason assente, concordando com o amigo. Dave se limita a
me encarar com uma expressão difícil de entender.
Esses três são uns babacas. Se eles estivessem lidando com
a companhia de Anne Scott como eu lido diariamente, saberiam que
não é assim que as coisas funcionam. Qualquer aproximação nesse
nível vai me render um chute na bunda e um soco no queixo.
— Acho que vocês se esqueceram da parte que ela me
odeia.
Mason revira os olhos. Diminuímos o ritmo das passadas e o
restante do time segue nos acompanhando. Bradley e Cooper dão
passos de tartaruga. Não duvido que tenham saído ontem e
chegaram pela manhã em casa.
O treinador Turner vai ficar puto.
— Esse lance aí é passado já. Se ela odiasse de verdade,
não teria concordado em namorar com você e ainda compartilhar o
mesmo teto — Dave argumenta.
— Foi uma troca de favores — relembro-o. — Um teto por um
namoro. Anne não se mudou por livre e espontânea vontade para a
nossa casa.
— Você está analisando as coisas da perspectiva errada,
Reed — Mason fala, me obrigando a encarar o seu rosto. — Já faz
um mês que Anne está morando com a gente. As coisas mudaram.
Arqueio a sobrancelha, curioso diante da sua análise.
— Tipo o quê?
— Talvez ela ainda te odeie, mas não nas mesmas
proporções que antes. Não dá pra odiar uma pessoa e também
namorá-la. Os sentimentos não batem.
Lanço um olhar para trás. Bradley e Cooper estão entretidos
nas brincadeiras que só eles dois entendem, alheios à nossa
presença. JP e Chad seguem a vários metros de distância,
concentrados no treino. Não devem estar nem aí para o que o
restante de nós está fazendo ou dizendo.
Ou seja, território limpo.
— Um namoro de mentira, quer dizer. — Meus pulmões se
contraem. Não é divertido conversar e correr ao mesmo tempo. —
Você está se esquecendo dessa parte.
— Um pequeno detalhe. — Sacode a mão, dispensando o
que acabei de dizer. — Aposto que nem ela mais se lembra disso.
Rio sem humor.
— Ah, pode apostar que se lembra, sim. Vida real não é um
filme dos anos 90, Henderson. — Dou um tapa na sua testa. — Para
de achar que a gente vai terminar namorando de verdade, com uma
cachorra chamada Luluzinha e com duas crianças correndo no
gramado.
Keeran contorce o nariz.
— A parte das crianças não me agradou, mas seria legal ter
um cachorro. A nossa casa está meio vazia desde que o hamster do
Mason morreu.
Mason faz um biquinho, tristonho.
— Sinto saudades do Faro Fino. Ele era um companheiro e
tanto.
Faro Fino era o hamster de Mason. Quando decidimos morar
todos juntos, o bicho já estava nos últimos momentos de vida.
Brincava vez ou outra na roda, mas passava boa parte do dia
dormindo. Acabou morrendo uns cinco meses depois do início do
semestre.
— Ele não fazia nada, Mason. Só ficava lá, existindo.
Os olhos do meu amigo se enchem de lágrimas. Fico em
pânico, mas ele explode logo em uma gargalhada escandalosa ao
notar a minha expressão.
Filho da puta.
— Ele era um bom companheiro exatamente por esse motivo.
— Flexiona os braços. — Estava comigo nos bons e ruins
momentos.
— E a gente não? — Keeran reclama.
Nessa altura, já não estamos mais correndo. Estamos
caminhando do mesmo jeito que Bradley e Cooper: a passos de
tartaruga. É vergonhoso para os jogadores que planejam chegar aos
playoffs.
— Você não sabe brincar em uma rodinha.
— E ele não sabia dar conselhos. Ponto para mim, porra. —
Dave agita as pernas para cima e para baixo, como se estivesse
correndo, mas sem sair do lugar.
— Aquele bicho ainda era o maior preguiçoso. Dava duas
voltinhas e já estava cansado — Keeran relembra.
Prendo a respiração para não rir.
— Ele era um senhorzinho de idade — Mason defende Faro
Fino como se o hamster ainda estivesse entre nós.
Faro Fino agora não deve passar de um monte de
minúsculos ossos enterrados nos fundos do jardim.
— Ele era sem graça, essa é a verdade. Admita, Henderson.
Mason grunhe.
— Não vou admitir nada. Você está insultando o meu
hamster.
Keeran está prestes a formular um argumento quando o apito
do treinador Turner ecoa em nossos ouvidos. E como se pudesse se
teletransportar com apenas um estalar de dedos, ele surge ao nosso
lado. Pousa as mãos grandes em um dos meus ombros, enquanto a
outra repousa no de Dave. Os olhos audaciosos miram Mason e
Keeran.
Ser alvo do olhar moral do treinador é o meu maior pesadelo
na Terra.
— Posso saber sobre o que os bonitões estão conversando
em vez de estarem treinando para o jogo da semana que vem?
— Nada demais.
— Hamster morto.
— Faro Fino.
As vozes dos meus amigos se mesclam e os dedos do
treinador afundam só um pouquinho no tecido da camiseta do
uniforme.
— Faro Fino? Que merda é essa?
Mason coça a nuca, envergonhado.
— Meu hamster, treinador.
Turner pigarra alto demais.
— Seu hamster se chama Faro Fino?
Olho de soslaio para Dave. Ele tenta manter a expressão
séria, mas não consegue. Os lábios pressionados em uma linha reta
denunciam sua falha tentativa.
— Se chamava. Ele morreu.
Dessa vez, sou obrigado a morder a minha língua. A
garganta está coçando loucamente para soltar uma risada.
— Oh! — O treinador se solidariza com um arquejo surpreso.
— Há quanto tempo?
Mason faz a conta nos dedos, quase em câmera lenta. Ele
não é ruim de datas. Sabe exatamente há quanto tempo o Faro Fino
morreu. Só está fazendo isso porque está se divertindo com a
situação.
— Quase um ano, eu acho.
O treinador bufa e dá um tapa na minha cabeça e no de Dave
ao mesmo tempo. Gemo com o ato, pego de surpresa com a
ardência contra a pele já aquecida por causa do sol.
— Um ano é tempo o bastante para vocês esquecerem a
existência desse rato e nunca mais se lembrarem dele no meio de
um campeonato. — Indica o gramado. — Voltem para o treino se
querem ir para os playoffs. Se quiserem chorar pelo bicho morto, o
banco está ali esperando vocês.
— Hamster, treinador.
O treinador Turner vira o rosto ao som da voz de Mason.
— O que disse, Henderson?
— Não era um rato. Faro Fino era um hamster.
Começo a correr antes de ouvir a resposta do treinador e
puxo Dave e Keeran comigo. Meio que saímos aos tropeços, mas
que se foda. É uma luta pela vida.
Se Mason quer ser morto antes do campeonato, o problema
não é meu.
Eu que não vou arriscar o meu pescoço.

Estou saindo do vestiário após um treino que arrancou a


minha alma quando meu telefone começa a tocar.
Tiro-o de dentro do bolso da jaqueta e paraliso ao ver o nome
do meu pai. A gente não conversa desde o último jogo. Como não
cometi nenhuma gafe durante a partida, fui poupado dos seus
conselhos passivos agressivos. Essa é a primeira vez, depois de
semanas, que ele se lembra da minha existência.
Engulo em seco e grito para que meus amigos não me
esperem. Não sei quanto tempo vai durar essa ligação e ficar
sozinho é a melhor forma de lidar com o furacão Ricky Rollins.
Me afasto da porta de saída do vestiário, entrando em um
corredor adjacente, e atendo a chamada.
— Pai.
— Reed.
Respiro fundo e fixo a atenção nos troféus que estão
espalhados em um memorial para o time. Há uma foto de Jordan
Harris, um dos primeiros jogadores da USVL a ser draftado por um
time grande. O registro é antigo, não valorizando a sua aparência de
jovem adulto sedento para conquistar o mundo.
— Como você está?
— Ocupado. Em breve vou participar da inauguração de um
centro esportivo voluntário em parceria com a USVL em North
Groove. É um projeto grande que vai chamar a atenção da mídia. O
organizador do evento não quer que nada dê errado — discorre em
um tom calmo, mas há um traço de orgulho por trás. Ser o centro
das atenções é o que ele mais ama nesse mundo. — E como estão
indo as coisas em Maple Hills?
Afugento um suspiro de alívio por ele não me convidar para
participar desse evento.
— Nada de diferente. Montei uma grade mais tranquila esse
semestre por causa dos jogos, então as aulas estão de boa.
— Até porque essas aulas não vão levar você a lugar
nenhum. O importante mesmo são os treinos e a temporada de
jogos. Quando é o próximo?
A rápida mudança de assunto é uma tática que Ricky
encontrou para que eu não discuta com ele. Para que eu concorde
com um aceno de cabeça e mantenha a boca calada. No entanto,
minha cabeça formiga com a conversa que tive com Anne no
sábado à noite.
Posso confrontar o meu pai.
Posso discordar das coisas que ele diz.
Posso impor as minhas opiniões, porque não sou mais uma
criança.
Só que é aí que entra o bicho de sete cabeças: não consigo.
Toda vez que penso em confrontá-lo, meu corpo deixa de
responder aos comandos básicos. Minha língua passa a pesar dez
quilos e minhas cordas vocais não conseguem reproduzir nenhum
som. Eu travo da cabeça aos pés.
— Na semana que vem — respondo somente a última parte
em um tom engasgado.
A decepção me atinge em um raio certeiro.
— Em Maple Hills?
Posso ver o rosto do meu pai se projetando na minha frente.
A barba rala cobrindo a mandíbula, os lábios repuxados em um
sorriso de escárnio e os olhos castanhos que um dia já
representaram um porto seguro para mim.
Hoje, não sei mais o que eles significam.
— Não, em West Falmouth.
— Estarei lá.
Concordo com um aceno, embora ele não possa ver.
— Mais alguma coisa, pai?
Faço a pergunta, ao mesmo tempo em que encaro o meu
reflexo no vidro do memorial. Diferente de Jordan Harris, não há
nenhum traço de felicidade em minhas feições. O que vejo é um par
de olhos vazios e cansados, combinado com um rígido pressionar
de lábios.
— Não se esqueça do jantar com a Dianna no próximo mês.
Pensei em convidar os meus amigos da época do New England
Patriots. — Há uma ameaça oculta por trás caso eu faça merda. —
Sua namorada não vai se incomodar, acredito.
Fecho os olhos ao pensar em Anne. Estou arrastando-o para
um buraco fundo demais.
— Com jogadores de futebol americano aposentados ou não,
Anne vai comigo do mesmo jeito. — Friso o seu nome. — Ela é
parte da família agora.
Ricky resmunga algo que não consigo entender.
— Tudo bem, como quiser — cede. — Mas não se esqueça
do que falei. Não quero ela atrapalhando sua carreira. Você nasceu
para estar no topo, Reed.
Massageio a têmpora esquerda com a ponta dos dedos,
descendo para a ponte do nariz. Abro os olhos e encaro meus tênis.
A minha sorte é estarmos tendo essa conversa por telefone. Se
fosse pessoalmente, eu estaria me sentindo um lixo fedido dentro de
uma caçamba abandonada.
— Eu sei disso, pai. Estarei sempre no topo, exatamente
como um Rollins.
Posso sentir Ricky sorrindo do outro lado da linha.
— Esse é o meu garoto — diz, satisfeito. — Preciso desligar.
A gente se fala depois do jogo de sexta.
E, como de costume, ele não me dá a chance de responder.
Desliga o telefone e encerra a chamada. Guardo novamente o
celular dentro do bolso da jaqueta e exalo a respiração, esvaziando
os pulmões. A sensação é revigorante, mas não afasta a dor em
meu peito.
Tampouco a decepção de que, mais uma vez, não fui capaz
de confrontar Ricky Rollins.
E o pior é que eu nem sei se um dia irei conseguir.

Saio da aula de Antropologia da Comunicação e vou direto


para o refeitório. O ambiente está entupido de estudantes
conversando em um burburinho irritante, mas não tenho nenhuma
dificuldade em encontrar Claire e Dave. Eles estão sentados na
mesa de todos os dias, com Anne acomodada do lado oposto.
Desvio de algumas pessoas que me cumprimentam com um
sorriso simpático demais e me aproximo a passos lentos.
— E aí — cumprimento o casal de namorados apaixonados e
depois movo minha atenção para Anne. — Oi, joaninha.
Como sei que estamos sendo observados, não hesito em me
sentar ao lado dela e depositar um beijo no canto dos lábios.
Encaixo também o braço em seus ombros, puxando-a para mais
perto de mim. Minha boca desliza por sua pele, até chegar na altura
da orelha.
— Não surte — sussurro em seu ouvido. — Só entra na
minha.
Os dedinhos de Anne afundam no meu cabelo, fazendo
carinho. A sensação é deliciosa demais e me esforço para não
deixar transparecer. Mantenho apenas o sorriso apaixonado nos
lábios ao me afastar e empurrar o cabelo dela para trás.
É nesse momento que noto o que Anne está usando. A
regata fina deixa muito pouco para a minha imaginação. Não é nada
indecente ou inapropriado, mas não me impede de encarar.
Porra.
Levanto as vistas rapidamente. Contudo, é inútil. Ela me
pegou no flagra e o sorriso é a maior prova disso.
— Olá, zangão. — Pega o suco de caixinha, dando um
golinho. — Quem está surtando agora?
Mordo um sorriso.
— Você está jogando sujo.
Ela sacode a cabeça, negando.
— Estou jogando com as armas que tenho. — Cruza as
pernas por debaixo da mesa e a saia curta acompanha o
movimento. Que merda deu na cabeça dela hoje? — Só estou
curiosa a respeito de onde você está escondendo as suas. 
Abro o pote com a salada verde e espeto com o garfo uma
quantia generosa, levando à boca.
— É só puxar a minha calça para baixo que você já vai
descobrir.
O assovio baixo que escuto não vem de Anne. Mas sim, de
Dave.
Merda.
Eu tinha esquecido que tínhamos companhia.
Como todas as outras vezes, Claire e Dave nos analisam
com um olhar atento. Ainda não esqueci da conversa que tive com
ele na loja de roupas, alguns dias atrás. Assim como meu amigo,
também estou tentando entender a minha relação com Anne.
Estamos fingindo esse tempo todo?
Esquecemos que não precisamos interpretar os nossos
papéis 24 horas por dia?
Há outra coisa acontecendo?
Essas são perguntas para as quais não consigo formular
nenhum tipo de resposta.
— Guarde suas armas para quando estiverem sozinhos no
quarto brincando de lutinha, Reed — Claire alfineta antes de
mordiscar um pedaço do sanduíche de frango.
— Ninguém vai brincar de lutinha — Anne protesta, cruzando
os braços sobre a mesa e dando um pulo discreto para o lado. — É
apenas uma provocação boba.
Dave ri e limpa as mãos no guardanapo.
— É claro. — O tom condescendente não é percebido por
Anne, mas eu o conheço melhor do que gostaria. — A propósito, já
decidiram com que fantasia vão no aniversário da Claire?
Claire faz um beicinho fofo.
Nesta manhã, ela conseguiu um feito e tanto: conseguiu
combinar as suas roupas coloridas com as do namorado. Diferente
de Claire, que se veste com todos os tons possíveis, Dave é do
monocromático.
Gosto de pensar que a Claire é a cor que faltava na vida dele.
E mesmo que eu não acredite nesse lance de almas gêmeas,
não tenho dúvidas de que foram feitos um para o outro. Quem os vê
de longe, mesmo sem conhecê-los, já tem uma certeza: eles se
amam intensamente. Seja pela forma em que se tocam, se tratam
ou conversam, em cada atitude, é possível perceber que Dave
atravessaria a porra do oceano para vê-la feliz. E Claire não
hesitaria em fazer o mesmo.
— Estou mais curiosa para saber com que fantasia vocês
dois vão. — Anne aponta para os dois. — Esse mistério todo está
me matando.
— Aposto que a fantasia deles é horrível e estão com
vergonha de admitir.
Claire me chuta por debaixo da mesa e dá risada.
— Não seja ridículo, Reed. Você acha mesmo que eu, Claire
Howard, me vestiria mal para a festa do meu aniversário? —
Gesticula com as mãos, as pulseiras ao redor do pulso fazendo
barulho. — Seria um crime contra mim mesma.
— E contra o Dave, não?
Dave pousa o braço sobre os ombros da namorada e dá um
beijo na lateral da cabeça dela.
— Mesmo que eu vá vestido em um saco de lixo, não me
importaria. Meu relacionamento com a moda é um divórcio cheio de
mágoas.
Levo mais um punhado de salada à boca.
— Nenhuma dica para a gente, então? — Anne insiste, agora
comendo também o seu sanduíche de atum.
Não sei como ela consegue.
É ruim.
Ruim mesmo.
Ruim do tipo: nunca mais quero experimentar isso na vida.
— Digamos que faz referência a uma coisa que a gente gosta
muito — Claire fala.
— Vocês gostam de coisa pra cacete. Essa dica foi péssima
— desdenho. — Elabore uma melhor, Morris.
O quarterback do time contorce os lábios cheios de um lado
para o outro, procurando por uma resposta. Empurra os cabelos
com dreads para trás e agita o brinco da orelha com a ponta dos
dedos. Dave nessa situação é mais engraçado do que eu gostaria
de admitir.
— Hummm... É inspirado em um filme da Disney. Única coisa
que consigo pensar.
Anne bufa ao meu lado e cruza os braços. Ela fica tão fofinha
que eu poderia enchê-la de beijos e beliscões.
— Continua sendo difícil, então espero ser surpreendida —
diz, animada. — A festa inteira vai ser uma surpresa, na verdade.
Os próximos minutos, então, são dedicados à festa da Claire
que vai acontecer no sábado, uma semana antes do jogo em West
Falmouth. E não é nenhuma novidade que o aniversário de Howard
é sempre comemorado em grande estilo. Com direito a fogos de
artifício, se duvidar.
— E quando vai ser mesmo o seu desfile? — pergunto,
dando uma mordida no frango frito.
— No começo de dezembro. Alguns dias depois do Dia de
Ação de Graças, se tudo der certo como o planejado.
— Talvez você devesse convidar o irmão da Anne. Você
acredita que até hoje ela não me apresentou para ninguém da
família?
Anne me dá uma cotovelada.
— Não é como se houvesse uma árvore genealógica com
milhões de galhos para você conhecer. E como você acha que eu
vou te apresentar? Ei, família, esse é o meu namorado de mentira?
— Pode me apresentar do jeito que você quiser, eu não vou
reclamar. — Sorrio. — Desde que eu possa conhecê-los, já fico feliz.
— Vou te apresentar como um cara irritante, mimado e cheio
da grana. Acho que minha mãe vai te odiar no mesmo segundo.
— Impossível, Annie. Eu sou irresistível. Sua mãe vai se
apaixonar por mim assim que me conhecer.
— Vou deixar você sonhar. — Limpa as mãos com o
guardanapo e arruma a bolsa ao redor do ombro. Faço um esforço
para não olhar para os seus seios quando ela se levanta. — Está
muito legal ouvir você o quanto consegue ser galanteador, mas eu
preciso ir trabalhar.
Claire choraminga.
— Mas já?
— Adele pediu para que eu fosse mais cedo para ajudá-la a
receber um novo estoque no depósito — explica. — Mas o nosso
grupo de estudos ainda está de pé, huh?
Sua amiga concorda e Dave deseja a Anne uma boa tarde de
trabalho na lanchonete. Depois de agradecer com um sorriso, a
atenção dela se locomove para mim. Permaneço sentado, mas
estico o braço e pego a mão entre as minhas.
Faz parte do fingimento, repito mentalmente.
— Você quer que eu te leve? Não tenho mais nenhum treino
hoje, só uma aula de Mídia Social no final da tarde.
Ela discorda com um chacoalhar de cabeça.
— Não precisa. Eu me viro sozinha. — Se abaixa e dá um
beijo estalado na minha bochecha. — Mas, quando eu chegar em
casa, uma pizza de pepperoni talvez seja o que mais esteja
precisando no momento.
— Vou providenciar.
Anne sopra um beijo para Claire e Dave e gira sobre os
calcanhares, indo embora. Acompanho-a com o olhar até empurrar
as portas de vidro e sumir.
Quando retorno a atenção para os meus dois amigos, vejo-os
sorrindo de uma forma tão assustadora que me dá medo. Posso ver
até as gengivas de Dave.
— O que foi?
Claire sacode a mão, espantando um mosquito imaginário.
— Ah, nada demais. — Finge um riso inocente. — Acho que
você está apaixonado demais.
— Faz parte do fingimento, Claire.
Ela sorri e deita a cabeça no ombro do namorado.
— É claro que sim. Vocês estão desempenhando o papel
bem até demais.
Solto um grunhido e arremesso uma batatinha frita que Anne
deixou no prato. Antes que Claire possa ser atingida, Dave pega a
batatinha no ar e dá uma mordida, sacudindo as sobrancelhas de
forma arrogante.
— Vão se foder vocês dois.
Meu insulto faz ambos caírem na risada, se divertindo às
minhas custas. Fico irritado e me levanto da mesa em um pulo,
pegando a bandeja com a comida que ainda não terminei.
— Vou embora também. Não dá pra almoçar com vocês dois.
Dave limpa as lágrimas ao redor dos olhos.
— Você não engana a gente, Rollins! Não adianta fugir!
Me afasto, mas antes de procurar por outra mesa, levanto o
dedo do meio sobre o ombro.
E, de novo, eles caem na risada.
 
 
“Você incendiou meu mundo, não conseguiu lidar com o calor”
Ruin My Life | Zara Larsson
 

 
O senhor Adkins caminha pelo púlpito com um sorriso
discreto. É como se ele estivesse escondendo um segredo que
ninguém mais deveria saber, mas que está se esforçando para não
contar.
— O que será que ele está tramando? — Reed pergunta
baixinho. — Alguma coisa tipo o Massacre da Serra Elétrica?
— Se isso aqui fosse um filme de terror, pode ter certeza que
você não demoraria muito para morrer.
Reed se remexe na cadeira, ficando de frente para mim. O
perfume masculino só me faz relembrar da noite em que assistimos
Top Gun – Ases Indomáveis. O cheiro de cravos com sândalo
impregnou na minha pele feito uma tatuagem.
— Ah, é? E posso saber por quê?
— Você é o típico estereótipo de filme de adolescente.
Popular entre as meninas, jogador de futebol americano, cheio da
grana e com um ego gigante para compensar a falta de caráter. —
Enumero as características. — Em filmes de terror, esse tipo de
personagem costuma namorar a garota loira com zero neurônios e
morrer logo depois de transar com ela em uma cena pra lá de brega.
A reação de Reed me pega de surpresa. Ele não dá risada e
nem me contradiz como imaginei que faria. Muito pelo contrário:
abre um sorriso de covinhas e estica as pernas, os pés se
escondendo embaixo da cadeira à nossa frente.
— Você só esqueceu um detalhe, mas muito importante
dessa história. — Ergo sugestivamente a sobrancelha, incentivando-
o a continuar. — Se estivermos mesmo presos em uma remake ruim
de O Massacre da Serra Elétrica, eu não estaria apaixonado pela
loira burra com zero neurônios.
— Não?
— É claro que não. — Toca a ponta do meu queixo. — Eu
estaria apaixonado por você. A loira inteligente que insiste em me
odiar, mesmo quando eu sei que é mentira.
Ranjo os dentes e empurro seu ombro, afastando-o de mim.
— Eu não sou o tipo de pessoa que mente.
Ele solta um sopro de ar e estica o braço, pousando-o sobre
os meus ombros. Não tenho dúvidas que alguns alunos nos
observam de um jeito nada discreto.
— Você é do tipo que finge, eu sei. Já entendi como funciona
seu jogo. 
Viro o rosto para frente e encaro a parede. Obrigo minhas
feições a se manterem congeladas enquanto me mantenho em
silêncio. Reed dá uma risadinha cheia de sarcasmo e aproxima a
orelha da minha boca, sussurrando:
— E ele nunca me pareceu tão gostoso de jogar, Annie.
Meu nome soa de um jeito tão sedutor que me pego
apertando as coxas uma contra a outra. Minhas terminações
nervosas se agitam, rumando para um cenário que estou evitando a
todo custo de imaginar: Reed Rollins transformando em realidade
tudo aquilo que sai de sua boca irritante.
A saliva se torna mais espessa e a engulo com força.
Quase suspiro de alívio quando o senhor Adkins fecha a
porta do auditório e apaga as luzes. Ele não precisa dizer nada,
porque os alunos compreendem. O burburinho de conversas é
encerrado e resta somente o silêncio.
Agora não sei se estou ansiosa para o que professor tem a
dizer ou nervosa por causa das palavras cheias de duplo sentido
que Reed sussurrou.
Desgraçado.
Minha vontade de chutá-lo de uma janela acabou de triplicar
de tamanho.
Como se fosse capaz de ler a minha mente, em um estilo
meio Edward Cullen, Reed desliza levemente o polegar pelo meu
braço nu e afunda o nariz em meus cabelos, inspirando.
— Relaxa, joaninha — pede. — Consigo escutar os seus
pensamentos daqui.
— Então, você deve estar ouvindo que eles estão sedentos
para dar um chute no seu nariz.
Reed ri e se acomoda melhor na cadeira. Os dedos
permanecem dançando pelo meu braço em uma carícia mais do que
provocadora.
— Depois que essa aula acabar, a gente pode resolver isso lá
fora. O vestiário vai estar vazio. Ninguém vai nos descobrir.
— Você é irritante demais.
Para a minha sorte, Reed permanece calado durante os
próximos minutos. O senhor Adkins caminha até o computador e se
curva diante da tela. Logo em seguida, o projetor reproduz um
folheto repleto de informações com o ícone do PK Journal no topo.
Ofego.
Não preciso de mais de cinco segundos para entender o que
significa, porque já sonhei com isso mais vezes do que gostaria de
admitir.
— Hoje eu tenho uma notícia ótima para dar para vocês. Na
verdade, eu ia manter segredo, mas não consigo me conter. — Os
alunos dão risada de sua fala. — Uma vez por ano, o jornal mais
prestigiado do condado de San Valley abre três vagas de estágio
para diferentes áreas. Eu trabalhei no PK Journal por dez anos e foi
uma das experiências mais transformadoras da minha carreira.
Tenho consciência que não serão todas as pessoas que terão essa
oportunidade, mas se algum de vocês tem interesse em ser um
profissional que atua com dignidade, ética e respeito, iniciar seus
primeiros anos de trabalho no PK Journal é a melhor decisão a ser
tomada.
Se fosse possível, meu coração já teria saltado para fora do
peito.
É a oportunidade que estou buscando desde que fui
aprovada na USVL.
No ano passado, quando os professores divulgaram as vagas
de estágio no PK Journal, não consegui nem passar da primeira
fase. Fiquei super triste. Magoada em níveis preocupantes. Quis
desistir do Jornalismo diante do primeiro não que recebi.
O sermão que Claire me deu naquela época foi o suficiente
para eu entender que não deveria desistir.
O professor continua a falar, sua voz preenchendo cada
espaço vazio da minha mente. Quero manter os pés no chão, mas é
impossível não criar expectativas. Essa vaga precisa ser minha.
— As informações para concorrer às vagas vão estar no site
do PK Journal e, quem tiver interesse, pode se inscrever. Como no
ano passado, serão duas fases e quatro vagas. Eu vou participar de
uma das fases do processo, então estarei de olho em vocês. — Ele
dá uma piscadela divertida. — Alguma dúvida?
Durante os próximos minutos, o senhor Adkins se dedica a
responder às perguntas dos alunos. Eu aproveito o momento e puxo
o meu celular do bolso da mochila. Abro o site do PK Journal e
sorrio comigo mesma enquanto leio as informações sobre a vaga de
estágio.
— Você vai tentar?
O som da voz de Reed me faz levantar as vistas. Ele
continua na mesma posição de antes, mas agora os braços
descansam nas laterais da cadeira.
— Não só tentar, como vou fazer de tudo para conseguir —
digo e volto a atenção para o celular. São quatro vagas em
diferentes editorias. — Você sabe que meu sonho é trabalhar nesse
jornal.
— E você vai conseguir — afirma. — Posso te achar um pé
no saco na maior parte do tempo, mas eu não estava brincando
quando disse que você é inteligente e pode conseguir tudo o que
quiser.
Arqueio a sobrancelha e abaixo o celular. Analiso suas
feições, procurando por algum traço que indique que ele está
zoando com a minha cara, mas Reed se mantém sério.
— Isso, por acaso, foi um elogio?
— Pode parecer meio bizarro para você, mas eu não tenho
dificuldades em elogiar as pessoas, Annie. Não dói nada.
Recomendo você tentar, pode fazer bem para a sua alma sombria.
— Eu sei elogiar as pessoas, okay? — Empino o queixo. — O
problema é encontrar elogios para você.
— Eu devo ser mesmo muito ruim. Um saco de lixo
ambulante.
Aperto os lábios para evitar dar uma risada. Estar na
presença de Reed era mais fácil quando não sabíamos tanto um
sobre outro. Agora eu passo quase 24 horas do meu dia ao seu
lado. É inevitável não me divertir na sua companhia.
— Um saco de lixo com um lacinho no topo — provoco-o. —
Mas ainda é o melhor namorado que eu poderia ter.
— E por falar em namorado... — Reed se inclina para frente.
A luz do palco ilumina seus traços, deixando-o bonito pra cacete.
Deve ser a droga dessa barba rala que ele deixou crescer nesses
últimos dias. — Vai ter um jogo em West Falmouth na semana que
vem. Seria legal se você fosse.
West Falmouth é uma cidade que fica a cerca de duas horas
e meia de distância de Maple Hills. Fui lá pouquíssimas vezes,
quando criança. É um lugar bonito.
— E onde eu ficaria?
— O time normalmente fica no hotel. Posso dar um jeito de
conseguir um quarto para a gente.
Rio.
— Eu não vou transar com você.
Reed levanta a sobrancelha esquerda de forma debochada.
— Ninguém disse nada sobre transar.
Ranjo os dentes.
— Eu conheço suas táticas, Reed. Você não me engana.
Ele passa a língua pelos lábios e afunda os dedos no couro
cabeludo. O cabelo castanho é empurrado para trás, as mechas
ficando bagunçadas, como se ele tivesse acabado de transar.
Merda.
Antes que imagens de Reed seminu possam habitar a minha
mente e despertar novamente o formigamento entre as minhas
pernas, eu desvio o olhar. Me obrigo a prestar atenção somente no
celular e nas informações sobre a vaga de estágio.
— Então, você vai ou não?
Pondero.
Minha consciência sabe que boatos surgiriam se eu deixasse
de ir no jogo e West Falmouth nem é assim tão longe. Se minha
memória não estiver tão ruim quanto a da Dory de Procurando
Nemo, Claire costuma acompanhar as partidas de Dave fora de
Maple Hills.
Ela é a maior fã de ver o namorado em campo. Só falta
erguer um cartaz com o nome de Dave impresso em caixa alta e
usar uma camiseta com o rosto dele estampado no centro.
Será que a definição de estar apaixonada é isso?
Confeccionar uma camiseta com o rosto do meu namorado e
combinar os nossos sobrenomes na última folha do caderno? Que
pesadelo horrível.
— Vou pensar no seu caso.

Ao final do dia, estou sentada em uma das banquetas do


Brooklyn Blues com o meu computador aberto no site do PK
Journal. Estou respondendo todas as perguntas do formulário e
tentando mostrar através das palavras que, desta vez, sou boa o
bastante para conseguir ser classificada para a primeira fase.
Cada partícula do meu corpo treme em expectativa.
— Um milkshake de baunilha com muito chantilly para a
futura jornalista do jornal mais famoso de San Valley — Becky
anuncia ao deslizar sobre os patins e depositar um copo gigantesco
na minha frente.
Abro um sorriso em agradecimento e afundo o canudo no
chantilly, bebendo um generoso gole.
— Estou torcendo muito por isso. Vou entrar em um mar de
tristeza infinita se não conseguir a vaga dessa vez.
— Temos que pensar positivo e não há motivo para eles não
aceitarem. Você é boa demais para desperdiçar seu talento em cima
de um par de patins pesados.
Semicerro os olhos.
— Você não pode dizer muito, Becky.
Ela revira os olhos e impulsiona o corpo para frente, ficando
atrás do balcão. Assim como eu, minha parceira de trabalho está
com os cabelos presos em um penteado dos anos 80 e com uma
maquiagem que evidencia sua beleza. O delineador é colorido, com
pequenas pedrinhas brilhosos coladas no canto superior das
têmporas.
— Meu sonho de ser atriz vai ficar para outra vida. — Pega
uma xícara e começa a enchê-la de café. — E eu também não
quero deixar minha avó sozinha aqui em Sunbay. O que já é bem
diferente do seu caso. Você pode conquistar o mundo inteiro.
— Acho que o mundo inteiro é demais para mim. Mas
conseguir trabalhar com aquilo que amo já seria uma grande
realização. Morar em North Groove também não seria uma má ideia
para o futuro.
Becky despeja dois saquinhos de açúcar no café e me lança
um olhar sobre os cílios maquiados.
— North Groove e o PK Journal é apenas o começo —
murmura, antes de beber um gole do café e apontar para mim. —
Daqui a alguns anos, vou poder dizer que te conheci quando ainda
estava dando os primeiros passos da carreira. Quem sabe eu até
venda informações sigilosas sobre o seu passado obscuro.
Deixo escapar uma risada, mas logo em seguida, me recordo
de um assunto mais importante. Aprumo os ombros e abaixo a tela
do computador, possibilitando que eu possa ver melhor o rosto de
Becky. Ela me observa com curiosidade.
— Se eu conseguir o estágio... — Remexo as mãos, tensa.
— Eu vou ter que deixar vocês na mão. Não vou conseguir conciliar
os dois empregos e a universidade. Não vai ser um problema para
vocês?
— Você não está amarrada aqui com a gente, Anne. Adele e
eu sempre soubemos que, em algum momento, você iria pedir
demissão. Sabíamos que o Brooklyn Blues era algo temporário na
minha vida.
— Eu...
— Não há pelo o que se preocupar. A gente vai sobreviver, só
vamos sofrer de saudades, porque você é a melhor colega de
trabalho do mundo. — Abre um sorriso triste, mas que desaparece
com uma facilidade surpreendente. Becky não é o tipo de garota
que deixa se abalar. — Não se sinta culpada por correr atrás dos
seus sonhos.
Meus lábios tremem quando sorrio.
— Obrigada, Becky. Não só pelo o que acabou de dizer, mas
por tudo.
Ela funga baixinho e se esconde atrás da xícara de café, não
querendo deixar transparecer as próprias emoções.
— Saiba que sempre que precisar, vou estar aqui para ser o
braço amigo que você precisa.
— Daqui a alguns anos, quero te ver em cima dos palcos
atuando. Não aceito menos que uma carreira repleta de premiações
para você.
— Não vou te decepcionar. Eu prometo.
Levanto o copo de milkshake e improvisamos um brinde entre
risadas. Se eu conseguir a vaga de estágio, não tenho dúvidas que
vou sentir saudades dela, de Adele e desse ambiente descontraído.
Os patins, no entanto, são um dos itens de que vou me livrar com a
maior felicidade do mundo.
Deixo essa tortura de usá-los todos os dias para a próxima
vida.
Nessa, eu quero alcançar os meus sonhos.
Quero encontrar meu próprio caminho.
E não vou permitir que nada atrapalhe isso.
 
 
 
“Me dê o que eu preciso, me puxe para perto, bem fundo.
Me possua como eu quiser. Eu quero que você me queira”
I’ll Make You Love Me | Kat Leon
 

 
Aposto que tenho uma dívida de jogo na vida passada.
Devo ter sido um lorde viciado em frequentar casas noturnas
e torrar meu dinheiro com jogos de azar e bebida com gosto de mijo.
Única explicação plausível.
— Não vou vestir essa merda.
Anne dá uma risadinha que faz suas bochechas se elevarem,
os cílios tocando a pele corada. Mesmo irritado, tenho que
concordar que ela está bonita.
— Você vai sim. Faz parte do combinado, Reed.
Resmungo um palavrão.
Hoje é o aniversário de Claire. E, como é de conhecimento
geral, ela não costuma decepcionar em suas festas. No entanto,
esse ano ela decidiu seguir por um caminho mais ousado. Todos os
convidados, sem exceção, devem ir fantasiados.
E não pode ser uma fantasia qualquer. Tem que ser algo fora
do comum. Nada de anjinho e diabinha. Isso é para quem não tem
criatividade nenhuma.
E Claire Howard e criatividade são duas palavras que
caminham juntas no dicionário.
— Para de ser um pé no saco — Anne grunhe, se curvando
sobre a cama e tirando as nossas fantasias de dentro do saco com
zíper. — Quando Keeran deu a ideia para a gente, você achou legal.
Agora vai bancar o bunda mole?
Okay.
A proposta de fantasia não é ruim. O que me incomoda é o
fato de que irei em uma festa repleta de universitários usando uma
calça social, uma camisa de botões e um paletó preto. Sem contar
os sapatos que, de tão ilustrados, podem refletir as luzes do teto.
Vou sair diretamente do aniversário para uma reunião de
negócios com o Christian Grey.
— Eu tinha me esquecido da parte em que vou passar a noite
vestido igual a um CEO.
Anne revira os olhos e me entrega a camisa, juntamente da
calça e o paletó. O traje completo de John Smith.
— Um assassino de aluguel — me corrige, dando um tapinha
no meu peitoral. — Tire logo essa roupa e se vista. A gente já está
atrasado.
— Esse é o jeito que você encontrou para me ver só de
cueca? — Abro um sorriso malicioso. — Porque você sabe, Annie. É
só pedir que eu faço. Não precisa fazer nenhum tipo de joguinho.
— Quando esse dia chegar, não tenha dúvidas de que vou
cair dura no chão — rebate. — Meus olhos não vão sobreviver a
tamanho horror.
Inclino a cabeça para o lado, ao mesmo tempo em que uso a
mão livre para puxá-la para mais perto. Anne tropeça nas próprias
pantufas e espalma as palmas em meu peitoral para não perder o
equilíbrio. A quentura da pele atravessa a regata fina que estou
usando.
— Você é uma péssima mentirosa. — Dedilho a coluna dela
coberta apenas pelo fino roupão de seda. — Não faz mal admitir
que você sente tesão, Scott. Porque... — Subo mais um pouco,
parando na altura do seu pescoço. Enrolo os dedos ali e curvo a
cabeça para trás, obrigando que os olhos me encarem. — Eu
também sinto.
Anne hesita e engole em seco. A ponta das unhas afundam
em minha pele. A atmosfera que nos cerca muda, se tornando mais
densa. Até o ar fica mais difícil de puxar para os pulmões.
— Não vou admitir nada. — Semicerra as pálpebras, me
desafiando. — Porque não estou sentindo tesão nenhum.
Afugento uma risada amarga.
Fazer Anne Scott abaixar a guarda é um desafio que vai me
render incontáveis dores de cabeça. Ela não faz o tipo que cede.
— Eu posso verificar com os meus próprios dedos, então?
Anne estreme, mas se recupera tão rápido quanto um
foguete. Eu, no entanto, não perco a oportunidade de fazer uma
mínima pressão em seu pescoço. Meu pau se anima só com a
possibilidade de repetir essa mesma cena com ela deitada nua na
minha cama.
Ou usando somente aquela lingerie vermelha que faz os seus
seios ficarem empinados e sedentos para serem chupados por
minha língua.
— Avance um centímetro e vai sofrer as consequências. Não
se esqueça que a Jane não hesitou em explodir o John — sibila. —
Eu também não vou pensar duas vezes em acabar com você.
Abaixo o rosto e trocamos um olhar que incendeia minhas
veias.
— Eu bem que te acharia bem sexy apontando uma arma
para a minha cabeça. — Inclino o pescoço para o lado e resvalo os
lábios em sua mandíbula. Anne estreme por debaixo da minha mão
que não está segurando a fantasia de John Smith. — E seria um
tesão do caralho ver você explodir a casa inteira. Eu não me
esqueci das suas ameaças incendiárias, Scott.
Anne abre um sorriso malicioso.
Um sorriso que eu estava morrendo de saudades de ver.
Eu adoro provocá-la com brincadeiras bobas, mas nada se
compara à versão que assumimos quando as palavras seguem para
um rumo mais sujo.
— Você quer fogo, Reed?
— Eu quero muitas coisas, Anne — digo seu nome como se
fosse um segredo que ninguém mais pudesse saber. — Mas um
pouco de fogo estilo Jane Smith seria ótimo para nós dois.
A língua bate no céu da boca e entrego a ela o controle da
situação. Sei exatamente a maneira que Anne gosta de brincar
comigo.
Por isso, não faço nenhuma objeção quando suas mãos
empurram o meu peito para trás e minhas costas atingem a cama.
Abro as pernas, deixando que ela se acomode entre elas, ainda de
pé. A visão é de encher os olhos de qualquer um. 
Eu, um jogador de futebol americano com mais de um e
oitenta de altura, sendo dominado por uma loirinha que é tão
ameaçadora quanto um chihuahua.
— Tem certeza disso? — questiona. — Você pode se
queimar.
— Eu não ligo.
Anne ofega baixinho e se inclina para frente. Um dos joelhos
afunda no colchão, enquanto as mãos repousam em meu peitoral.
Mordo o interior da bochecha com força para evitar que meu corpo
reaja.
— Se eu fosse você, tomaria mais cuidado.  
Arqueio levemente o pescoço para trás, mirando sua face. As
bochechas coradas, os olhos maquiados com um risco preto e os
lábios livres de batom me fazem desejar inverter as nossas posições
e beijá-la de uma vez por todas.
Detesto essa tensão sexual infinita.
E detesto mais ainda que Anne negue o que está
acontecendo entre a gente.
Não posso ser o único a sentir isso.
— Eu sei me cuidar.
Anne imita um biquinho tristonho e desliza a ponta do
indicador por meu peitoral, subindo pelo tecido da regata e parando
na altura da minha boca. Ela empurra meu lábio inferior para baixo e
eu resfolego em resposta.
— Se eu fosse você, me cuidaria ainda mais. — Curva a
coluna para frente e o tecido do roupão de seda desliza por seu
ombro, revelando parcialmente a curva do seio direito. —
Especialmente essa noite, senhor Rollins-Smith. Nunca se sabe
quando haverá uma assassina de aluguel determinada a acabar
com a sua vida.
Não tenho a chance de tocá-la, porque Anne prevê o meu
movimento e se afasta, dando um passo para trás. Uma curta risada
lhe escapa, mas há um traço de nervosismo por trás. Ela bem que
pode tentar disfarçar, mas eu já conheço suas táticas para se
esconder.
Sorrio por dentro, consciente de que não fui o único a quase
perder o controle. 
— Agora, vá se arrumar, Reed — pede, apontando para a
porta que dá acesso ao corredor. A mudança repentina de
expressão não condiz com o tom rosado da pele dela. — Antes que
eu encontre outro namorado falso para ir comigo.
Me sento na cama e pego as peças de roupa já esquecidas.
Antes de sair do quarto, no entanto, dou uma última olhada em
direção a Anne.
— Você só se esqueceu de uma coisa, Scott-Smith. — Faço
a mesma combinação de sobrenomes que ela fez comigo. — Por
essa noite, eu também sou um assassino de aluguel. E não vou
pensar duas vezes em explodir uma cozinha inteira para ter você só
para mim.
Não dou a ela a chance de responder.
Saio do quarto e fecho a porta com o meu coração prestes a
sair pela boca e cair no chão a qualquer momento.
Porra.

— Nada mal, hein. — Mason dá risada ao descer as escadas


e me encontrar no corredor esperando por Anne. — Qual a sua
fantasia, afinal? James Bond versão universitário?
Mostro a ele o dedo do meio.
— Vai se foder, Henderson — resmungo. — Minha versão
James Bond vai explodir sua cabeça antes que possa pensar em
implorar por misericórdia.
Ele cruza os braços e apoia o quadril na parede. O tecido da
fantasia adere a todos os músculos do corpo, quase como uma
segunda pele.
— Então o lance é James Bond mesmo?
Trinco a mandíbula e aponto para a aranha bordada no
centro do peitoral dele.
— E o seu lance é subir pelas paredes e se pendurar em uma
teia?
Mason fica imediatamente ofendido e leva a mão ao coração,
projetando o lábio inferior para frente.
— Homem-Aranha é uma obra-prima. Não é só subir pelas
paredes e se pendurar em uma teia. Tem toda uma história por trás.
— Aham, sei bem. — Finjo concordar e passo as mãos pelo
cabelo. Diferente de John Smith que tem os fios raspados, eu tive
que batalhar uma guerra com Anne para que ela entendesse que eu
não iria incorporar a fantasia desse jeito. Tudo tem limite, porra. —
Espero que nessa versão você consiga salvar sua namorada da
morte.
— Agora você pegou pesado, cara.
— Foi mal, mas temos que aceitar os fatos.
Mason choraminga, imitando um cachorrinho que caiu da
mudança.
Às vezes, eu custo a acreditar que moro com ele e Keeran.
Não temos quase nada em comum, exceto a paixão pelo futebol
americano. E sendo bem sincero, acho que se não fosse por esse
detalhe, nunca teríamos nos tornado amigos — mesmo que
jogássemos no mesmo time.
— Isso é um bebê chorando? — Keeran debocha, conforme
desce os degraus pulando de dois em dois. — Porque se for, eu
estou caindo fora. Não gosto de criança.
Dou risada.
— Já pode preparar o berço no tamanho de dois metros,
porque isso aí é o Mason chorando.
As sobrancelhas grossas se erguem na altura do couro
cabeludo.
— Por causa do Homem-Aranha?
Mason impulsiona o corpo para frente ao se desencostar da
parede, se intrometendo entre a gente. O movimento me dá uma
visão curiosa da sua bunda.
Bem desagradável, diga-se de passagem. Não acredito que
ele realmente achou uma boa ideia vestir essa fantasia. Dá pra ver
até demais.
— Por causa da morte da Gwen Stacy.
Keeran assovia.
— Uh, dessa vez você pegou pesado. Até eu fiquei triste
quando ela morreu.
Mason sacode a cabeça em concordância e dá um tapinha
no ombro de Keeran em forma de agradecimento. Eu não digo
nada, apenas reviro os olhos. Tem vezes que as conversas com
esses dois não fazem um pingo de sentido.
E o que faz menos sentido ainda é a roupa que Keeran está
usando.
A regata branca e fina deixa os músculos e as tatuagens à
mostra, especialmente aquelas que eu nem me lembrava da
existência. A calça baixa e larga estilo anos 2000 dá uma visão
irritante do elástico da sua cueca. E o pior de todos vem agora: os
cabelos castanhos foram empurrados para trás e escondidos por um
boné de aba reta.
— Que merda de fantasia você está usando, Flanagan?
Keeran se prepara para responder, mas é outra voz que
preenche o ambiente:
— Você nunca ouviu falar do Magic Mike, Reed?
Abro a boca, mas meu queixo paralisa no meio do caminho
quando vejo Anne no topo das escadas, uma das mãos apoiadas no
corrimão.
Puta.
Merda.
Puta merda ao quadrado.
Puta merda demais.
— Porra.
A voz sussurrada de Mason exemplifica perfeitamente o que
está se passando na minha cabeça.
Anne Scott está de matar.
O vestido idêntico ao da Jane Smith adere a todas as suas
curvas, evidenciando o tamanho dos seios e se abrindo em uma
fenda que exibe as coxas torneadas. O sapato de salto possui
alguns bons generosos centímetros de altura e, conforme ela desce
os degraus, meio que em câmera lenta, posso jurar que fui sugado
para dentro da boca do tubarão.
— E então? — Anne pergunta, divertida, ao dar uma voltinha.
É difícil desviar o olhar da sua bunda. Eu daria de tudo para
tê-la em minhas mãos.
— Não vou reclamar se você quiser me assassinar hoje estilo
Jane Smith — Mason quem diz e abre um sorriso brincalhão.
Anne dá risada.
— Eu estava falando do Magic Mike, Henderson. — Revira os
olhos maquiados e move sua atenção para onde Keeran está. Ele
não disse uma palavra desde que Anne surgiu no meio da conversa.
— Uma pena que quase ninguém vai te reconhecer nessa fantasia.
Keeran dá uma piscadela e cruza os braços na altura do
peitoral.
— A intenção é justamente essa, Scott. Ser reconhecido
somente por quem realmente importa.
As segundas intenções por trás de palavras dele não me
passam despercebidas e encaixo minha mão ao redor da cintura de
Anne, puxando-o para mais perto. Ela acompanha o meu
movimento com uma facilidade de quem já está acostumada a ser
pega desse jeito.
— Vai amarrar seu bode em outra árvore, porra — resmungo
em um mau humor encenado.
— Você está muito territorial ultimamente, Rollins — Mason
comenta. — Qual vai ser o próximo passo? Colocar uma coleira no
pescoço da sua namorada de mentira?
— Pelo menos eu não deixei a minha namorada morrer.
Uma sequência infinita de assovios e xingamentos
preenchem o corredor e Mason me dá o dedo do meio, já cansado
de ser sacaneado por causa do lance envolvendo a Gwen.
— Vai se foder, caramba! Nem personagem fictício consegue
ter paz nessa vida?
Dou risada e Anne tenta disfarçar, mas o corpo vibra
timidamente em contato com o meu.
— Eu vou cair fora antes que sobre para mim. — Keeran
levanta as mãos em rendição e pega o celular e a carteira em cima
do aparador. — E se eu fosse você, faria o mesmo, Mason.
Meu amigo concorda e acompanha Keeran. No entanto,
antes de sumir pelo arco que dá acesso ao vestíbulo, ele gesticula
para os próprios olhos e depois para a gente. A expressão não é
nada ameaçadora, por mais que ele tente.
— Saiba que estou de olho em vocês — avisa. — E que essa
conversa vai ter vingança.
Anne estica o pescoço para trás, mirando-o com um sorriso.
Os lábios melados de gloss vermelho me levam para um cenário
perigoso pra cacete em que ela está, novamente, usando aquela
lingerie enquanto chupa o meu pau.
Vai ser uma tortura aguentar essa noite na sua presença.
Comer vidro e tomar dez litros de veneno talvez não seja uma
ideia tão ruim.
— Eu posso acabar com a sua vida hoje, Homem-Aranha —
diz, brincalhona. — Não se esqueça de que eu sou uma assassina
de aluguel.
Mason nos mostra a língua e vai embora quando Keeran grita
por ele. Assim que a porta de entrada é fechada, a casa mergulha
em um silêncio esquisito. Ao mesmo tempo em que não quero olhar
para Anne, quero manter minhas mãos presas em seu corpo.
Quero fugir, mas não quero que ela fuja de mim.
Confuso? Com certeza.
Como se Anne compreendesse o rumo dos meus
pensamentos caóticos, as mãos deslizam por meus ombros e
arrumam a gola da camisa branca. Dispensei o uso da gravata,
porque ia contra os princípios da sobrevivência.
— Até que não ficou tão ruim — elogia falsamente, os olhos
fixos na minha boca. Curiosamente, os meus também estão
fissurados na sua. — Mas está faltando um pequeno detalhe.
Suspiro alto quando ela se afasta e caminha até o aparador,
puxando uma caixa pequena de dentro de uma dos compartimentos
do armário.
— Se você me aparecer com uma gravata com o seu nome
gravado, juro por Deus que ninguém vai nessa merda de
aniversário.
Anne dá uma risadinha ao se abaixar para pegar a caixa. O
tecido do vestido desliza para o lado, revelando uma faca de mentira
escondida em sua coxa. Ela entrou na personagem de um jeito que
faz o meu pau cutucar a costura da calça.
— Até que não é uma má ideia — diz, ao se aproximar com
dois objetos na mão que não consigo identificar. — Mas não foi
dessa vez que você tatuou Anne Scott na sua bundinha de jogador.
Tenho uma coisa muito melhor.
— E o que seria, Anne Scott-Smith?
Chamá-la pelo nome verdadeiro, sem ser o apelido que lhe
dei, causa uma sensação estranha não somente na boca do meu
estômago, mas também em Anne. Noto a maneira que seus ombros
estremecem de leve e o incisivo mergulha no lábio inferior, puxando-
o para dentro timidamente.
No entanto, Anne se recupera tão rápido quanto foi atingida.
Ela aproveita o meu momento de distração e, em um
movimento fluído, pressiona o cano de uma arma de brinquedo em
minha jugular. Os olhos esverdeados faíscam em luxúria, tesão e
provocação.
E eu tenho que admitir: é sedutor pra caralho vê-la
assumindo o controle.
Me dominando sem que eu me sinta acanhado.
Me desnudando sem tirar nenhuma peça de roupa.
Essas são as minhas partes favoritas de todo esse acordo
sem pé e nem cabeça que firmamos.
— Isso aqui. — As sílabas saem rasgando. — Eu não poderia
deixar que faltasse o item principal da nossa fantasia.
Arqueio a sobrancelha e deslizo o polegar por sua cintura,
descendo pela coxa nua. Paraliso ao sentir o cabo da faca.
— Você, finalmente, me matando?
Anne tomba a cabeça para o lado e o cabelo solto
acompanha o movimento. As alças do vestido são tão finas que não
sei como os seios ainda não saltaram pelo decote. Deve ser algum
tipo de mágica que as mulheres sabem fazer.
— Eu bem que gostaria. Mas hoje eu vou me contentar com
as nossas armas de brincadeira.
Dito isso, ela dá um passo para trás e esconde a arma na
coxa, juntamente da faca oculta. Assisto, hipnotizado, a cena. Agora
eu entendo porque o John Smith não pediu o divórcio definitivo
quando viu a máscara da sua esposa cair.
Jane Smith e Anne Scott se dariam muito bem.
Exceto pelo fato de que — talvez — Anne explodiria a
cozinha comigo dentro.
— E a faca? — Aponto para a fenda do seu vestido.
Anne sacode os ombros.
— Não garanto que ela seja de brincadeira.
— Isso é um convite para que eu levante o seu vestido e
verifique com as minhas próprias mãos?
Anne resmunga um palavrão que representa sua irritação e
arremessa, em minha direção, uma arma idêntica a que apontou
para o meu queixo minutos atrás. É leve como uma pluma e feito de
um plástico frágil. Tão inofensiva quanto um peixinho dentro de um
aquário.
— É um alerta para você manter as mãos longe de mim ao
longo desta noite, Rollins.
Ergo somente uma sobrancelha sugestivamente.
— E depois da meia-noite?
Os dedos empurram o cabelo para trás das orelhas, dando
uma visão privilegiada das feições misteriosas.
— Você pode tentar a sorte e torcer para que a minha faca
também seja de brinquedo.
Dou um passo para frente, encurtando a distância entre nós.
Anne não recua, se mantém cheia de marra com o queixo projetado
para cima. Sua superioridade é engraçada, porque não me afeta em
nada.
— Esse é um convite para levantar o seu vestido, joaninha?
— Sopro o hálito quente na boca dela. — Porque você não precisa
pedir duas vezes.
A risada doce ressoa, combinando-se com o respirar
profundo que movimenta os ombros para cima. O perfume de
morango coça as minhas narinas. É uma tortura, como todas as
outras vezes.
A diferença é que, agora, as coisas estão diferentes entre
nós.
— Pode ser um convite para algo maior, talvez — cantarola.
Franzo o cenho e coloco a arma de brinquedo dentro do cós
da minha calça social. Gostaria de ter uma faca também. Ou, quem
sabe, um arco e flecha. Bancar o arqueiro John Smith seria
divertido.
— Annie — repreendo-a. — Não brinque comigo.
Os lábios dela se curvam em um sorriso sedutor e os pés
recuam para trás. Trocamos um olhar que comprime o meu coração.
— Estou com cara de quem está brincando com você?
— Você está com cara de quem está pedindo umas boas
palmadas na bunda.
Ela sacode os ombros e caminha em direção ao vestíbulo,
rebolando a bunda de propósito para mim. O vestido marca cada
uma das suas curvas, me deixando com vontade de puxá-la pela
cintura e não sairmos dessa casa até que nossas roupas não
passem de um amontoado de tecido no chão do meu quarto.
As íris encontram as minhas quando ela procura o meu olhar
sobre o ombro. Anne parece uma miragem. Tão linda e tão
inalcançável.
— Talvez seja exatamente isso que eu esteja querendo,
Reed.
E como de costume, não tenho a chance de responder,
porque ela vira as costas e volta a caminhar, o barulho dos seus
saltos mascarando as batidas altas do meu coração.
Porra.
 
 
 
 
 
“Você sabe o que eu estou pensando, vejo isso nos seus olhos.
Você odeia me querer”
Die For You | The Weeknd
 

 
Uma vez, me disseram que a família Howard era especialista
em realizar as melhores festas. Não importava se fosse uma
comemoração íntima entre amigos, o anúncio de um noivado na
família ou um simples evento para festejar alguma data especial.
Eles sempre souberam surpreender os seus convidados.
E Claire Howard sabe honrar as suas raízes, porque o que
estou vendo diante de mim é, provavelmente, uma alucinação vinda
de outro mundo.
Puta merda.
Ela não estava brincando quando disse que queria
comemorar os seus vinte e dois anos em grande estilo.
— Uau! — Anne assovia um elogio ao ver a fachada da
irmandade Sigma Nu decorada com luzes brilhantes e um tapete
vermelho na entrada. Tem até uma estatueta imitando o icônico
Oscar. — Ela pegou pesado dessa vez. Nem que eu trabalhasse a
minha vida toda, conseguiria pagar uma festa dessa.
Escondo uma das mãos dentro do bolso da calça, enquanto a
outra descansa confortavelmente na cintura de Anne.
— Não se preocupe com isso. Suas próximas festas de
aniversário serão bancadas por mim. Serei a estrela da NFL em
breve. Ou seja, dinheiro não vai ser um problema no nosso
relacionamento.
Recebo um beliscão de leve no meu bíceps.
— Não quero festa nenhuma, Reed. Ainda mais se for
bancada por você.
Reviro os olhos e indico com o queixo a entrada ornamentada
da irmandade. Anne entende o meu sinal e começamos a caminhar
pela calçada, até alcançarmos o tapete vermelho. Ao lado da
estatueta do Oscar, há um segurança de terno e gravata. Ele pede
por nossos nomes, checa a lista e libera nossa entrada.
— Quando você faz aniversário, a propósito? — pergunto, ao
atravessarmos as portas duplas.
Anne demora para responder. A atenção dela passeia pelo
espaço, parando por mais tempo no imenso lustre pendurado no
teto e terminando na parede de espelhos. Observamos, juntos, o
nosso reflexo de corpo inteiro.
Mesmo com os sapatos, ainda há uma diferença de altura
entre nós. No entanto, a maneira segura que Anne se equilibra em
cima dos saltos e exibe esse vestido preto a deixam tão alta quanto
eu. Ela tem um magnetismo que prende feito uma cola resistente.
— Se eu falar, você vai fazer uma festa?
— Se eu fizer, você vai me odiar ainda mais?
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior e gira o pescoço,
me encarando agora cara a cara.
— Não acho que seja possível te odiar ainda mais, Reed —
murmura, séria, mas noto um traço oculto de diversão na voz. —
Mas, se você fizer uma festa, pode ter certeza que vou tacar água
sanitária em suas roupas favoritas.
Rio e entrelaço nossas mãos. Meu polegar brinca com o
interior do seu pulso em uma carícia que meus dedos já fazem de
forma inconsciente.
— Sempre dando um jeito de me ver pelado. Você precisa
ser mais sutil, Annie. Ou, se quiser, pode pedir com todas as letras.
Tirar a roupa para você não vai ser um problema.
— Você é um chato, sabia?
— Só quando estou com você.
— Essa é sua maneira de dizer que também me odeia, por
acaso?
Nego.
— Essa é a minha maneira de dizer que gosto de ter você na
minha vida.
A confissão atinge a nós dois igual a um trem desgovernado.
Não sei qual direção vamos tomar, se vamos avançar alguns passos
nessa estranha relação ou regredir para um terreno que nos era
seguro há semanas. Lidar com Anne é como pisar em ovos.
Fixo minhas íris nas suas e vejo o pavor cintilar ali. Brilha
tanto quanto um letreiro de beira de estrada. Anne pede socorro em
dez idiomas diferentes.
— Esquece o que eu disse. — Faço um movimento com a
mão, querendo empurrar o constrangimento para longe. — Claire já
deve estar preocupada com o nosso atraso.
Faço menção de caminhar com Anne ao meu encalço em
direção às portas que levam para a festa, mas sou impedido pelo
aperto dos dedos ao redor dos meus. Olho para baixo e depois para
o seu rosto.
Anne parece meio envergonhada. Acanhada, até.
— Eu também gosto de ter você na minha vida, Reed. —
Encolhe os ombros. — Mesmo que você seja um pé no saco na
maior parte do tempo.
Abro um sorriso tão grande que até minhas gengivas devem
estar visíveis.
— E pode esconder esse sorrisinho convencido aí. — Aponta
para a minha boca, o dedo em riste. — Porque eu jamais vou admitir
isso de novo. Foi coisa do calor do momento.
— É claro, Annie. — Aperto os lábios e obrigo meus pés a se
manterem fixos no piso. Eu poderia sair pulando por aí igual a um
canguru de desenho animado. — Vou fingir que foi alucinação
minha.
— Muito obrigada.. — Agradece ironicamente e engancha o
braço ao redor do meu. — E respondendo a sua pergunta... Eu faço
aniversário dia 20 de maio.
Faço um biquinho e aproximo minha boca da sua orelha,
sussurrando:
— Sabe o que isso significa? — Anne balança a cabeça e
aproveito para afundar o nariz na curva do seu pescoço. — Que
terei que fingir ser o seu namorado até lá para poder bancar uma
festa de arromba.
Ela pragueja um palavrão que é abafado pelo som da festa,
mas sei que está sorrindo.
Porque eu também estou.
Sorrindo pra caralho.

A festa está lotada de pessoas.


Uma lei da Física aí diz que dois corpos não podem ocupar o
mesmo espaço, mas não sei se concordo. É difícil pra cacete
atravessar o mar de universitários que conversam e bebem
animados na sala de estar da irmandade e seguir para a cozinha.
Maple Hills inteira deve estar aqui dentro.
Uma música desconhecida retumba nas caixas de som e o
DJ diz algo que não consigo entender. As pessoas na pista de
dança gritam em resposta e meus ouvidos pinicam. É demais para
aguentar estando sóbrio.
Entretanto, antes de sair de casa, eu fiz a promessa que não
colocaria uma gota de álcool na boca, porque, 1) estou dirigindo e 2)
ano passado eu fiquei tão bêbado que não me lembro nem da
metade da festa. Desta vez, quero ter alguma memória que valha a
pena.
Afinal, estou fantasiado de John Smith. Seria um crime não
honrar um dos melhores filmes já feitos — na minha humilde
opinião.
— Hey, Rollins!
Alguém grita o meu nome sobre a multidão e me viro para
trás, procurando pelo dono da voz. Não demora muito para eu ver o
rosto de Bradley. Ele está irreconhecível vestido de Sherlock
Holmes. O cachimbo equilibrado entre os dentes me arranca uma
gargalhada.
— Sem gracinhas para cima de mim, porque você está
vestido igual a um empresário que transa escondido com a
secretária no armário do zelador — reclama ao se aproximar e me
cumprimentar com um tapa nas costas. — Qual é a da fantasia?
Tiro a arma de brinquedo de dentro do cós da calça e a giro
entre os dedos, fazendo uma pose. As sobrancelhas loiras de
Bradley se escondem embaixo da boina xadrez, sem entender porra
nenhuma.
— James Bond?
— Não, porra. John Smith.
Bradley revira os olhos e bebe um gole da cerveja.
— E cadê a Jane? — Estica o pescoço, procurando por
Anne.
— Está na pista de dança com a Claire — digo e começo a
preparar o drinque de Anne. Ela pediu por algo sem álcool, então
acho que nenhum de nós está no clima de encher a cara esta noite.
— Provavelmente rebolando aquela bunda gostosa para todo
mundo ver.
Meu amigo dá uma curta risada e apoia o quadril no balcão
da pia. Noto, então, que ele está usando um casaco grosso que
chega quase na altura dos seus joelhos. Há também uma lupa
escondida dentro de um dos bolsos. Ele levou a sério esse negócio
de Sherlock, pelo visto.
— Você não vê problema nisso?
Arqueio a sobrancelha ao pegar por gelos dentro do balde.
— Sou o namorado, não o dono dela.
— Ah, sei lá. — Dá de ombros. — Tem caras que são
ciumentos com esse tipo de coisa. Tipo o Chad.
Ao ouvir o nome de Chad, um alerta pisca na minha cabeça.
Sei que o envolvimento dele com Anne foi curto, um lance de uma
noite, mas não consigo deixar de ficar desconfiado. Chad é famoso
por encher a boca para falar merda sem medir as consequências.
— O que isso tem a ver com a Anne?
— Nada. Mas eles se envolveram uma vez, não?
— Sim, mas foi só uma transa — explico e afundo o
canudinho no copo. Adiciono também um enfeite no formato de uma
claquete de cinema com o nome de um filme dos anos 90 que Anne
não deve conhecer. — Não acho que eles tenham levado a coisa
para frente.
— Só fica de olho. — Dá um apertão no meu ombro. — Ele
andou falando uma merdas pro JP aquele dia após o jogo em
Barryton. Então, se ele disser algo contra a Anne, vou arrebentar a
cara dele. Gosto dela.
Viro o rosto, encarando Bradley.
— Agora você também decidiu que gosta da minha
namorada? Que merda é essa?! Um complô contra mim?
Ele dá risada e bebe mais um gole da cerveja.
— Essas são as consequências de namorar uma garota
legal, Rollins — diz e dá um passo para trás, indicando que está
prestes a sair daqui e voltar para a festa. — Cuide dela, viu? Você é
meio irritante, mas merece alguém como ela.
— Pode deixar — garanto.
Bradley faz um joinha e sai da cozinha, cantarolando a
música que ecoa pelo ambiente. Após terminar o drinque de Anne,
solto um suspiro e crio coragem para enfrentar o mar de pessoas
que me espera.
Mantenho a mão em cima do copo enquanto empurro
gentilmente as pessoas para o lado. A última coisa que preciso que
aconteça essa noite é que um desgraçado coloque alguma merda
na bebida de Anne. Nunca vi acontecer isso com nenhuma garota
que conheço, mas os riscos estão sempre aí.
Quer a gente queira ou não.
E como se um imã me puxasse, queimando a pele feito
brasa, meu olhar encontra Anne Scott na pista de dança.
Perco o ar imediatamente.
Nesse único segundo, o mundo ao meu redor desaparece,
restando apenas nós dois e a batida da música. E numa sensação
alucinante de déjà vu, eu reconheço a letra. É Gimme More, da
Britney Spears.
A mesma música que tocou na noite em que fingi ser o
namorado de Anne para que Drake saísse do seu pé.
É, a vida é mesmo engraçada.
Passo a língua pelos dentes e assisto Anne dançar, imersa
nas próprias sensações. O vestido acompanha o ritmo dos seus
movimentos, agindo quase como uma extensão do seu corpo. As
mãos afundam no cabelo loiro e ela rebola o quadril, as pálpebras
se mantendo fechadas.
Anne sente a música de um jeito tão intenso que me pego
engolindo em seco, desejando que, desta vez, ela me convide para
dançar com ela.
Como se meus pensamentos tivessem sido gritados em um
megafone, ela abre os olhos e me encontra do outro lado da pista,
parado próximo a uma pilastra decorada com luzes coloridas. As
mãos continuam a passar por seu corpo, mas há um tipo diferente
de calor em suas íris.
Não sei se é possível um coração gaguejar, porém essa é a
única definição que consigo encontrar ao ver Anne dizer algo no
ouvido de Claire e caminhar na minha direção.
Acompanho cada um dos seus passos e me pego prendendo
a respiração quando Anne para diante de mim, os seios subindo e
descendo de acordo com a sua respiração acelerada. Ela nunca
esteve tão linda.
— Você trouxe a minha bebida? — pergunta em um tom mais
alto por causa da música, mas sem gritar.
Olho para o copo em minhas mãos e depois para ela. Acho
que esqueci como montar uma frase sem parecer um adolescente
sendo notado pela garota mais bonita da escola.
Porra, Reed.
— Acho que sim.
Anne dá uma risadinha e estica o braço, entrelaçando as
nossas mãos. A palma suada e gelada causa um contraste curioso
com a minha, porque estou mais quente que a droga da fogueira da
festa dos calouros.
— Você vai ficar só me olhando dançar ou vai, finalmente, se
juntar a mim? — Fica na pontinha dos pés e resvala a boca na
minha orelha. — Estou esperando você aceitar o meu convite desde
aquela festa, Reed.
Uso a mão livre para acariciar a curva da sua cintura. Como o
vestido tem uma abertura nas costas, meus dedos tocam a pele
dela, dedilhando. Nós dois ofegamos com o mínimo contato.
— E a sua bebida?
Anne tira o copo de plástico das minhas mãos e entrega para
um garoto desconhecido que está passando ao nosso lado. Ele nem
reage, sendo pego de surpresa.
— Que se dane a bebida, caramba. — Me puxa. — Só dança
comigo logo. Você sabe dançar, certo?
Sorrio.
— Ainda duvidando da minha capacidade de fazer algo
maravilhosamente bem além de jogar futebol americano, joaninha?
Nos misturamos entre as pessoas, nos tornando parte de
uma massa de universitários suados e bêbados.
— Nunca vou cansar de duvidar de você — murmura.
A melodia muda e a minha namorada falsa brilha mais que a
porra do sol ao identificar a música. O DJ não está de brincadeira.
Ele gosta de Britney Spears pelo visto, porque agora é If U Seek
Amy que ecoa pelas caixas de som.
Não dou tempo para Anne fazer outro comentário
engraçadinho. Puxo-a pela cintura e encaixo minhas pernas entre as
suas. O corpo pequeno se funde com perfeição ao redor do meu,
mesmo que eu tenha o dobro do seu tamanho.
Deslizo uma das mãos para a nuca dela, fechando os dedos
ao redor dos cabelos loiros e inclinando levemente o pescoço para
trás, obrigando que os olhos não desviem do meu em nenhum
momento sequer. Quando começamos a nos mover de acordo com
a música, tenho certeza de que estamos chamando a atenção.
Não sou o tipo de cara que dança com garotas. Para ser
sincero, eu não consigo nem me lembrar da última vez que estive na
pista de dança com alguém. Mas abrir uma exceção para a minha
namorada não faz mal, certo? Claro que não, porra.
Nossas pélvis roçam uma contra a outra e meu pau pinica no
zíper da calça social. Com uma rápida olhada para baixo, noto que
os bicos dos seios de Anne estão intumescidos. Eles pressionam o
tecido do vestido e roçam no meu peitoral em uma carícia de apertar
as bolas.
— Agora quero que me diga a verdade. — Resvalo os lábios
no queixo de Anne, seguindo em direção ao ouvido. — Você ainda
acha que não me juntei a você daquela vez porque não sabia
dançar?
Anne resfolega e gira o corpo, ficando de costas para mim.
Ela rebola a bunda contra o meu pau e desce lentamente, se
equilibrando sobre os saltos. A cena faz meu cérebro formigar ao
imaginá-la de joelhos entre as minhas pernas em um quarto
fechado.
Essa dança está sendo um atentado a minha existência.
Vou terminar a noite dentro de uma ambulância e a culpa vai
ser unicamente dela.
— O que eu acho não tem mais tanta importância agora,
huh?
Ela flexiona os joelhos para cima e inclina levemente as
costas para trás. Meus lábios deslizam por seu pescoço. Passo
carinhosamente a língua por ali, arrancando um gemido.
— A sua opinião sempre vai ser importante para mim, Annie.
— Acompanho o rebolar do quadril, a batida da música muito mais
agitada que os nossos movimentos. — Joga a real. Não vou ficar
chateado.
Anne disfarça uma risada e gira sobre os saltos, voltando a
ficar de frente para mim. Trocamos um olhar que começa nas íris e
termina em nossas bocas. Ela entreabre os lábios livres daquele
gloss melado e me pego passando a língua pelos dentes.
Minhas terminações imploram para beijá-la.
— Até que não foi tão ruim. — Balança a cabeça de um jeito
engraçadinho e pousa as mãos em meus ombros, seguindo o ritmo
da música que já está no final. — Mas ainda tem bastante coisa
para melhorar. Posso te dar umas aulas, se quiser.
Ergo a sobrancelha.
— Eu vou ter que pagar?
— Depende. — Seu tom dá uma indicação de que estamos
flertando. — Quanto de dinheiro você está disposto a me dar?
Inclino a cabeça para o lado e enlaço sua cintura, diminuindo
de uma vez por todas a distância entre nós. Gosto de sentir cada
parte de Anne pressionando a minha, como se não houvesse
nenhum outro lugar para ela estar além dos meus braços.
E que se dane que tudo isso não passa de uma mentira.
O que estou sentindo não é.
Deixou de ser há muito mais tempo do que eu gostaria de
admitir.
— Te dou a porra de todo o meu dinheiro se isso significar
que vou dançar igual ao Tyler Gage em Ela Dança, Eu Danço.
A gargalhada de Anne me faz rir também.
— Vamos manter os pés no chão, zangão.
— Na verdade, estou ansioso por outra coisa.
Ela arqueia a fina sobrancelha. Britney foi substituída por
uma música mais lenta. Ainda há uma batida que permite as
pessoas dançarem, mas não é nada que arranque o seu pulmão na
base de chutes.
— Estou com medo de perguntar sobre o que você está
falando.
Reviro os olhos e acaricio o rosto de Anne com o nó dos
dedos. Contemplo os detalhes das suas feições com uma devoção
difícil de disfarçar. Sei que o que estou prestes a dizer vai me render
um bom beliscão nas costelas e, talvez, aquele sorriso que exibe a
irritação que ela sente em relação a mim.
— Eu finalmente vou poder dizer que estou namorando uma
professora gostosa.
A reação que recebo é exatamente a que eu já esperava.
 
 
“Nós temos esse amor, do tipo maluco.
Eu sou dele e ele é meu.
No final, somos ele e eu.”
Him & I | G-Eazy feat. Halsey
 

 
Claire está deslumbrante em seu vestido idêntico ao de
Tiana, do filme A Princesa e o Sapo. Os diferentes tons de verde
combinam com a sua pele negra-escura, evidenciando a tonalidade
dos olhos. Desta vez, as inseparáveis perucas foram dispensadas,
revelando o seu cabelo cortado bem curtinho.
Os detalhes da sua fantasia são tão perfeitos que ela poderia
facilmente se passar por uma princesa perdida de um reino distante.
Dave também não fica para trás. E é claro que ele viria de
Príncipe Naveen, o par de Tiana. Os dreads foram presos em um
coque no topo da cabeça e, não sei como, mas ele está usando o
mesmo casaco verde escuro com a capa verde clara que Naveen
usa no filme.
Mas se tem uma coisa que aprendi sendo amiga de Claire, é
que não dá para duvidar de suas capacidades. Quando o assunto
envolve roupas e moda, ela atravessaria um oceano inteiro só para
encontrar a peça perfeita.
E se tratando de uma fantasia para o seu namorado, ela
pegaria até mesmo um foguete para Júpiter, se pudesse.
— O que você acha que eles estão aprontando? — Mason
pergunta do meu lado, segurando um copo com refrigerante em
uma das mãos, e na outra, um cupcake com um sapo desenhado no
topo. O sapo é Naveen, no caso. — Dave comentou alguma coisa
sobre uma surpresa para a Claire.
— É isso mesmo. — Reed concorda ao meu lado. — Uma
surpresa para Claire em comemoração ao seu aniversário.
— Você sabe o que é? — questiono.
Reed me lança um olhar que dura mais tempo do que
deveria.
Depois que dançamos na pista de dança — e descobri que
ele não tinha dois pés esquerdos —, um frio desagradável tem feito
morada na minha barriga. Cada vez que seus dedos me tocam e
sua atenção repousa em mim, o calor sobe pela garganta, se
tornando difícil de respirar.
Não é nada legal. Mas não sei como refrear essa sensação e
chutá-la para a puta que pariu.
— Não faço ideia. Ele não quis me contar.
Reed leva o copo de bebida aos lábios, dando um rápido gole
e me entregando. É um drinque sem álcool, como todos os outros
que ele tem preparado para mim ao longo da noite. É fofo da parte
dele, considerando que tenho que trabalhar amanhã na lanchonete. 
Voltar para casa bêbada não é uma opção.
— Vai ser uma surpresa para todos nós, então.
Mason resmunga em afirmação e as luzes coloridas do teto
são desligadas, deixando somente uma central, onde Claire e Dave
estão, e outra nas laterais da grande sala da irmandade. Mesmo
que o espaço seja maior que a casa de minha mãe em Sunbay,
ainda há a chata sensação de ombros roçando um no outro.
Claire convidou gente demais. Eu nem sabia que ela
conhecia tantos estudantes da USVL assim. Contudo, isso não é
nenhuma surpresa. Ela tem um carisma que encanta. É impossível
você conversar com ela e não querer ser amiga dela para sempre.
Reed solta um assovio animado quando um dos garotos do
time entrega um microfone para Dave. Mesmo de longe, noto que
ele está nervoso. A luz que ilumina sua pele negra-retinta revela as
pequenas linhas de preocupação.
Meu Deus. Será que ele vai...
— Reed. — Afundo as unhas no seu bíceps. É como uma
melancia, de tão grande e duro. — O Dave vai pedir a Claire em
casamento?
— O quê?
Olho apavorada para Dave e depois para Reed.
— Casamento. Ele não vai pedir ela em casamento, vai?
— Eu acho que não. Se ele fosse pedir, teria me falado. E
eles combinaram de ir em frente com esse lance de casamento
depois da formatura. Diploma antes da aliança. Uma coisa assim.
Suspiro aliviada. Reed dá risada da minha reação e aproxima
os lábios da minha orelha. O hálito, uma mistura entre amora e
limão, faz o céu da boca coçar. 
— Você vai surtar assim também quando eu te pedir em
casamento?
— Primeiro, que para você me pedir em casamento, eu teria
que estar muito fora de mim. Bêbada e em Las Vegas. — Faço um
movimento com a mão. — E como eu não tenho dinheiro para ir
para Las Vegas, suas chances caem para zero. E segundo, nós
nunca vamos nos casar, Reed. A nossa mentira não vai chegar a
esse ponto.
— Gosto de pensar em possibilidades.
Faço uma careta.
— Você gosta de viver em um mundo paralelo, isso sim.
Reed ri pelo nariz e Dave dá dois toquinhos no microfone,
testando o som. O silêncio recai entre os inúmeros convidados. A
curiosidade sobre o que está prestes a acontecer me deixa com
vontade de gritar.
Dou uma rápida olhadinha em Claire. O sorriso que estica
seus lábios delineados de batom vermelho é de uma garota
apaixonada. Nada apavorada. Aposto que se Dave se ajoelhasse e
a pedisse em casamento, ela nem iria reclamar deles estarem indo
contra os próprios planos.
O amor faz coisas estranhas com as pessoas.
Ao mesmo tempo em que acho bonito, acho também
pavoroso. Tenho vontade de vomitar em meus sapatos ao pensar na
mera possibilidade disso acontecer comigo.
— Bom, acho que não é novidade para ninguém que hoje é
aniversário de Claire Howard, a garota mais bonita do campus da
USVL de acordo com a Revista Morris. — Todo mundo ri de sua
fala. — Desde que nos conhecemos, há um ano e meio, eu sabia
que o aniversário de 22 anos seria inesquecível para nós dois,
porque seria o primeiro que passaríamos como um casal de
verdade. Então, fiquei um bom tempo planejando o presente
perfeito. E acreditem, é muito difícil surpreender uma mulher que já
tem o mundo aos seus pés.
Claire revira os olhos e Dave coça a nuca, envergonhado.
— Pensei em várias possibilidades e Mason até sugeriu que
eu mandasse esculpir uma estátua de Claire no estilo que os
romanos faziam. Foi a maior bobagem que já ouvi. Foi mal,
Henderson.
— É um ato de romantismo, Morris! — Mason exclama ao
meu lado e as pessoas o acompanham em uma sessão de
assovios.
O quarterback encolhe os ombros de um jeito fofo e retorna a
atenção para Claire, levando o microfone aos lábios. Não sei se ele
está improvisando ou se realmente preparou esse discurso.
— Depois de pensar a ponto de quase derreter o meu
cérebro, eu comprei vários presentes; de todos os tipos que alguém
pode imaginar. Cada um deles devem ser abertos em um momento
especial durante os próximos 365 dias que antecedem ao seu
próximo aniversário — diz, os olhos fixos nos de Claire. — Mas você
sabe que a gente não costuma falar sobre os nossos sentimentos
em voz alta. Somos mais de atitudes. Hoje, no entanto, eu decidi
arriscar.
Claire balança a cabeça de um lado para o outro, tentando
afastar a vontade de chorar. Até eu estou sentindo um nó se formar
na minha garganta e o fundo dos olhos pinicar.
Porra, hein, Dave.
— Uma vez você me fez assistir um filme chamado “Set It
[13]
Up ”. Eu não sou chegado a romances, mas assisti mesmo assim.
Em uma cena, a amiga da protagonista discursa para o noivo e diz
algo sobre: você gosta porquê e ama apesar de. Quando essa cena
chegou, você quase me fez colar o nariz na televisão.
Claire esboça um sorriso trêmulo.
— Naquela época, eu não tinha entendido direito o que
significava o porquê desse filme ser tão importante para você.
Agora, eu compreendo que esse foi o seu jeito de dizer para mim,
através de uma cena, que me amava. — Dave entrelaça os dedos
ao redor dos da namorada, enquanto a outra mão afaga o seu rosto,
enxugando as lágrimas. — Claire, respeitando o fato de que você
ama esse filme tanto quanto ama sapatos e roupas coloridas, eu
não poderia deixar de dizer agora, com todas as letras: eu gosto de
você porque você é uma das mulheres mais encantadoras que já
conheci, com um sorriso que ilumina meus dias e um coração que
transborda de amor. E te amo apesar de seu talento na cozinha ser
um crime contra a humanidade, cantar mal pra cacete no chuveiro e
ser um furacão colorido contra a minha monotonia.
Minha amiga não diz nada. Com o seu tom afobado de
sempre, os braços se entrelaçam ao redor do pescoço de Dave e o
puxa para um beijo apaixonado. Os convidados se animam com a
declaração cheia de sentimentos e uma sequência escandalosa de
gritos, assovios e palmas ecoam em meus ouvidos.
Reed leva os dedos à boca, se juntando a comemoração.
— É isso, pessoal! — Dave diz contra o microfone quando
consegue se afastar da boca de Claire, agora manchada de batom
vermelho. — Bora curtir a festa!
Solto um gritinho de surpresa quando Reed me gira no ar e
Mason bagunça meus cabelos.
— Pronta, Annie?
Cruzo os braços na altura do peito. O copo de bebida já
desapareceu e eu nem sei como isso aconteceu. Viro o pescoço
para trás e vejo Mason virando o restante do líquido em um único
gole.
Okay.
— Para o quê, especificamente?
Reed abre um sorriso de covinhas.
— Você já vai descobrir.

Mais uma vez, estou sentada no banco do passageiro do


Jeep de Reed e, dessa vez, mal posso sentir as minhas pernas.
Meus pés já deixaram de existir há horas. São feitos agora de uma
gelatina derretida em um dia de calor em Sunbay.
E essa sensação é inteiramente culpa de Reed.
Nós dançamos pelo menos umas oito músicas juntos desde a
declaração inesperada de Dave. Bebi sabe lá quantos drinques sem
álcool, me enchi de cupcakes coloridos e fiz xixi atrás de uma árvore
nos fundos da irmandade porque o banheiro estava lotado.
Não sei como vou trabalhar nessas condições amanhã.
E ainda tem essa maldita sensação de frio na minha barriga
que não passa desde que Reed entrou no meu quarto, horas atrás,
reclamando que iria ficar idêntico a um CEO de camisa e calça
social.
A verdade é bem outra: ele está um gostoso vestido de John
Smith.
Eu não iria reclamar se ele usasse essa roupa pelo menos
uma vez durante a semana. Minha imaginação — e minha boceta —
iriam ficar mais do que agradecidas.
Reed tira a chave da ignição e desliga o rádio, me puxando
de volta para a realidade. Estamos na garagem, com as luzes da
traseira do carro iluminando parcialmente o espaço. É difícil ver o
seu rosto com clareza, mas sei que os olhos estão em mim.
O olhar de Reed é do tipo que se alastra pela pele,
arranhando e deixando um rastro de arrepios. É impossível de não
sentir. Por isso sei que eles não saíram de cima de mim ao longo de
toda noite. Mesmo quando eu estava distraída conversando com
alguém, eu o sentia.
Por inteiro.
Não somente o seu olhar, mas Reed Rollins por completo.
Um nó desconfortável se forma ao redor da minha garganta e
forço minha saliva a descer. De repente, minha boca fica seca de
um jeito nada legal.
— Anne...
Reed se mexe no assento do motorista, soltando o cinto de
segurança e ficando de frente para mim.
Quando ele me chama de Anne, posso sentir que tudo dentro
de mim desmorona. É uma tortura me manter afastada e longe do
magnetismo que sua presença exerce sobre mim. Massageio as
têmporas em uma tentativa de me manter focada.
No entanto, me pego girando o pescoço e focando a atenção
uns centímetros abaixo da sua face. Os primeiros botões da camisa
branca foram abertos, revelando a pele bronzeada do verão que
estou doida para lamber. 
Eu não deveria estar olhando.
O problema é que eu sei muito bem o que tem por debaixo
desse tecido. Eu tentei apagar da minha memória, mas é um desafio
esquecer o que Reed Rollins esconde debaixo da merda dessa
roupa.
— Reed... — sussurro de volta, soando algo entre afogada e
rouca.
Ele grunhe e estica o braço, soltando o meu cinto de
segurança com uma facilidade invejável. O próximo movimento é
tão rápido quanto sua agilidade dentro do campo de futebol. As
mãos se prendem em minha cintura e me puxam, indicando o lugar
que devo ir.
Seu colo.
Ele quer que eu sente no colo dele.
Puta merda.
Abro a boca para reclamar, mas, novamente, os seus olhos
sugam os meus. As pupilas dilatadas cobrem o castanho e gritam
aquilo que nenhum de nós quer dizer em voz alta. Não tão cedo,
pelo menos.
— Não pense demais, Scott.
Afundo as unhas na palma e me sento sobre o colo dele. O
volante pressiona as minhas costas e, ao notar o meu desconforto
com a posição, Reed empurra o banco para trás, dando mais
espaço para mim. Meus joelhos pressionam o couro do assento e
minha boceta descansa sobre o seu pau, a bunda acomodada com
perfeição em suas coxas.
A única coisa que nos separa é o tecido da minha calcinha e
da sua calça social.
Reed respira fundo e, de forma cautelosa, pousa as palmas
geladas em minhas coxas. A faca continua no mesmo lugar de
antes, escondida debaixo do vestido. Os dedos passeiam pela
região, brincando com a minha paciência.
Sobem e descem.
Avançam e recuam.
— Já passou da meia-noite. Sabe o que significa? — Reed
questiona com um meio-sorriso. O polegar para na metade da
minha coxa, encontrando o cabo da faca. — Você já pode me contar
se esse tempo todo esteve carregando uma faca de verdade ou
apenas brincando de assassina de aluguel comigo.
Esboço um sorriso.
— Por que você mesmo não checa?
O som de um ranger de dentes ecoa pelo silêncio do carro.
— Sem riscos de morte?
— Sem riscos de morte.
Reed assente e uma das mãos sobe por minha coxa,
dedilhando a pele nua em uma carícia. Preciso reunir a maior
quantia de autocontrole armazenado dentro de mim para não
rebolar o quadril.
A pinicação me consome por inteira.
O tecido do vestido se acumula ao redor da minha barriga e a
faca é revelada por completo. Reed abre um pequeno sorriso e
aproxima o polegar da ponta afiada. Quando a pele afunda, mas
sem nenhuma gota de sangue se acumulando na ponta do dedo, o
ar muda.
Meu pulmão se comprime contra a caixa torácica. Não duvido
que, se ele pudesse, quebraria as minhas costelas ao meio.
— Eu deveria estar surpreso, Annie? — pergunta ao fechar
os dedos ao redor do cabo.
Dou de ombros e apoio uma das mãos em seu peitoral.
Consigo sentir o coração acelerado bater contra a minha palma.
Ele solta uma longa lufada de ar e minhas vistas se fixam no
seu semblante. As luzes traseiras do Jeep se apagaram, dificultando
a minha visão. Entretanto, mesmo com a escuridão, consigo notar o
sorriso inconfundível.
É aquele maldito sorriso que Reed dificilmente revela para
mim, mas que faz a minha calcinha pinicar.
— Você estava com planos assassinos e não me contou? —
indaga, brincalhão.
Reviro os olhos em diversão, mesmo que haja uma
possibilidade dele não conseguir ver.
— Ela não machuca — explico. — Não de verdade, pelo
menos.
Reed puxa a faca da minha coxa com um único movimento e
a joga por trás do ombro. O objeto atinge o banco traseiro. Fico sem
ar, pega de surpresa.
— Não estou a fim de testar se você está falando a verdade
ou não.
Arqueio a sobrancelha.
— E o que você está a fim de fazer, Reed?
O silêncio se prolonga entre nós dois por intermináveis
minutos. Não vacilo, nem mesmo quando sua outra mão, a que não
está pousada em minha coxa, sobe por minha coluna, parando na
altura do pescoço.
Os dedos se enrolam ali e refrear os pensamentos que
surgem na minha cabeça já é uma tentativa falha. Eu deixo que eles
venham. Deixo que eles me desnudem. Que me inflamem e me
queimem feito gasolina.
Minha língua brinca com os lábios, umedecendo-os.
— Não sei se você está preparada para ouvir, Anne.
Anne.
Anne.
Anne.
Socorro.
Eu vou desfalecer daqui a pouco.
— Não custa nada arriscar.
Reed permanece estático, as costas pressionando o encosto
do banco e as mãos repousadas em mim. O peitoral sobe e desce
de acordo com a respiração. Começo a suspeitar de que ele está
criando coragem para falar, o que me deixa ainda mais nervosa.
Remexo sutilmente o quadril e os dedos compridos afundam
na minha coxa com força. Refreio um gemido ao sentir o seu pau
endurecer debaixo de mim.
— Se você se mexer, vai ser pior — murmura, rouco. —
Porque aí eu não vou só falar. Vou ter que fazer também.
Ofego.
Se eu pudesse sair correndo de dentro desse carro,
certamente já teria feito.
Em outras condições, eu estaria trancada dentro do meu
quarto reprimindo a dança alucinante que se agita dentro da minha
barriga.
No entanto, ainda estou aqui e não saber o significado disso
me apavora.
— Ainda estou esperando você dizer, Reed — peço e me
surpreendo ao notar a maneira que minhas palavras soam. —
Prometo que, dessa vez, não vou te odiar por ouvi-las.
Ele fecha as pálpebras e geme baixinho, o som atingindo o
meio das minhas pernas. Quando Reed as abre novamente, eu sei
que estou ferrada. Fodidamente fodida.
— Eu quero te beijar, Anne — confessa, encarando a minha
boca. — Quero tanto que não consigo pensar em outra coisa que
não seja te beijar agora mesmo.
Minha primeira reação é inclinar o corpo para frente.
A segunda é afundar uma das mãos em seus cabelos
macios.
E a terceira reação é exclusivamente de Reed.
Ele puxa meu rosto para perto do seu, com pouquíssimos
centímetros separando as nossas bocas. O hálito quente é como
formiguinhas coçando os lábios e meus incisivos afundam neles
como uma tentativa de afugentar a sensação.
Reed arqueja diante da visão.
Eu arquejo junto, não conseguindo controlar nenhuma parte
do meu corpo.
Em câmera lenta, a boca dele passeia por meu pescoço, a
língua deixando um rastro de desejo para trás. Ao chegar no queixo,
eu afundo as unhas em seu ombro, enquanto a outra puxa alguns
fios do seu cabelo. O corpo imenso embaixo de mim vibra em
satisfação.
— Eu tenho pensado em te beijar desde que nos
conhecemos — murmura de forma abafada. — Tenho pensado em
como seria desde que te vi naquela festa, usando a droga daquele
vestido azul. — Ele empurra o meu pescoço para trás e desce os
lábios por meu pescoço novamente, sugando. — Tenho pensado se
você me deixaria te prender contra a parede, se iria gemer em meus
braços ou se, no final de tudo, iria dizer que ainda me odeia mais
que tudo nesse mundo.
Minhas cordas vocais não conseguem formular nenhum tipo
de resposta.
Eu somente fecho os olhos e empurro o quadril para frente. A
calça que Reed está usando é a pior barreira entre nós.
— E fingir que você não mexe comigo me tira do sério tanto
quanto ver você dizendo que não sente nada, cacete.
Puxo uma grande quantia de ar e pressiono os seios no
peitoral musculoso. Os bicos entumescidos gritam o desejo que se
alastra por cada parte adormecida de minhas células. A umidade
que começa a se formar na minha calcinha também é um indicativo
de que estamos seguindo por um caminho perigoso.
Desta vez, sou eu que arrasto a minha boca por seu maxilar.
Os pontinhos da barba recém-aparada ardem em contato com os
meus lábios sensíveis. Reed suspira alto, lutando para manter o
controle da situação.
Estamos brincando um com o outro, vendo até onde
conseguimos aguentar.
Roço lentamente minha boca na sua, sentindo a maciez.
Minhas pálpebras tremulam e nós dois ofegamos ao mesmo tempo.
É como ser sugada para um buraco escuro em que tudo o que
consigo ouvir é o meu coração batendo com força nos ouvidos.
Tum. Tum. Tum.
Encosto nossos narizes e sopro o ar quente, o sorriso
surgindo.
— Eu não vou ceder, Reed.
As mãos de Reed se fecham em conjunto: a primeira, em
meu pescoço; a segunda em minha coxa nua, me reivindicando.
Não tenho para onde correr. Estou à sua mercê, mas — ao mesmo
tempo — mantenho o controle da situação.
Vejo uma montanha de pensamentos surgirem. Eles duelam
entre si, procurando encontrar um vencedor para esta partida. Reed
não sabe se recua ou se avança. Se abaixa a guarda ou me
enfrenta de uma vez por todas.
Sua decisão é tomada em cinco segundos.
Sem hesitação.
— Que se foda, Anne.
A boca afunda de encontro a minha em um choque de
desejo, luxúria e tesão reprimido. Qualquer pensamento que eu
pudesse ter em relação a não ceder para Reed Rollins se desfaz
feito fumaça. Resta somente a sensação de sentir cada parte do
meu corpo estar pressionando cada parte dele.
Meus mamilos roçam no tecido fino da camisa e minha
boceta se contrai, ao mesmo tempo em que ofego, deixando que a
língua quente de Reed passeie por meu lábio inferior, para logo em
seguida procurar pelo calor da minha.
Nossos gostos se misturam e identifico, bem ao longe, o
sabor do drinque de amora com limão que bebemos juntos.
Esse é o principal indício de que não estou delirando.
De que este momento é real.
De que Reed Rollins está me beijando.
E eu estou o beijando de volta.
Afundo as unhas no couro cabeludo e gemo em sua boca,
deixando que ele tome tudo de mim. Me entrego à maneira deliciosa
com que as mãos geladas exploram o meu corpo e agarram a
minha bunda com força, me puxando ainda para mais perto.
Sinto o seu pau duro cutucar a minha boceta molhada e não
tenho dúvidas de que, em breve, ele vai sentir a umidade
atravessando o fino tecido rendado.
Eu daria a minha vida para sentir mais dele.
Mais dele dentro de mim.
Rebolo propositalmente sobre o seu colo e dou um pulinho
assustado ao sentir uma palmada certeira atingir a minha bunda.
Ele me deu um tapa.
A porra de um tapa enquanto estamos nos beijando.
Arfo em sua boca e essa é a oportunidade perfeita que Reed
encontra para ir mais além. Antes, o beijo era um pequeno passo.
Estávamos testando o terreno e garantindo que nenhum de nós iria
fugir.
E agora, que temos a certeza de que não vamos a lugar
nenhum, afundamos juntos. Fecho os olhos com ainda mais força e
sugo sua língua em um pedido que faça o mesmo com a minha.
Reed não decepciona.
O beijo se torna animalesco. Violento. Necessitado. Um grito
no vácuo para o que realmente queremos um do outro. O beijo
arranca o meu fôlego de um jeito que me faz duvidar de que
conseguirei, um dia, encontrar o oxigênio novamente.
A mão estapeia novamente a minha bunda e gemo baixinho,
não conseguindo aguentar. Me afasto minimamente e entreabro os
olhos. Reed já está com os seus abertos, me encarando de um jeito
tão malicioso que minha barriga se contrai.
O sorriso cresce conforme ele desliza os lábios novamente
por meu pescoço. Ele chupa a região e depois dá uma mordiscada,
me marcando. Me marcando para que, quando me olhar no espelho
amanhã de manhã, eu me lembre de que foi Reed Rollins quem fez
isso comigo.
De que eu cedi para ele, mesmo quando disse que nunca o
faria.
— Diz agora que não sente nada, Anne — Reed murmura
contra a minha pele, a língua fazendo círculos em um ponto atrás da
orelha. Estou tremendo em seus braços. — Diz para mim que você
me odeia, mesmo que esteja com essa bunda deliciosa
pressionando o meu pau e implorando por mais.
Minha garganta arranha e eu tento criar sustento em minhas
pernas, mas estou molenga e incendiando de tesão.
— Diz para mim, Anne — pede novamente e aperta os dedos
ao redor da minha garganta, me privando de respirar por curtos
segundos. — Diz para mim que me odeia tanto quanto eu gosto de
você.
Puta merda.
Agarro as laterais do banco e encaro-o com toda a raiva que
consigo encontrar dentro de mim.
— Eu odeio você, Rollins.
Reed sorri lascivo e empurra o meu lábio inferior para baixo.
— E eu não consigo te odiar, Scott.
Dito isso, ele me beija de novo.
E de novo.
E de novo.
Me beija até eu perder o ar e ver estrelas, mesmo com as
pálpebras fechadas.
Reed toma para si cada pedacinho de mim enquanto roça os
lábios macios nos meus, brincando com a língua. Quando sinto que
estamos prestes a dar um fim em tudo isso, ele avança novamente,
sem nenhuma dose de piedade.
Desta vez, Reed empurra gentilmente minhas costas para
trás, até que elas estejam tocando o volante. Ele se senta junto
comigo e afasta uma mecha do meu cabelo para trás, revelando os
ombros nus. O polegar passeia pela alça fina do vestido,
ponderando se o puxa ou não para baixo.
— Agora eu fiquei curioso, Anne — diz, em um tom tão baixo
que eu não conseguiria ouvir se não estivesse fissurada em sua
boca inchada. — Esse é o seu jeito de não ceder para mim?
O questionamento é como um copo de água fria despejado
em cima da minha cabeça.
É o indício gritante de que deixei as coisas irem longe demais
e de que eu preciso retomar o controle da situação. Está mais do
que claro que quem comanda agora as coisas é Reed.
É apavorante pra cacete.
É um pesadelo do qual não consigo acordar.
Nesse pesadelo, Reed movimenta os pauzinhos ao seu favor
para garantir que eu vá terminar a noite deitada em sua cama,
fazendo tudo aquilo que jurei que jamais aconteceria.
Porra, Anne.
— Não, Reed. — Aprumo os ombros. — Esse é o jeito de
fingir que cedi para você. A realidade é bem outra.
Não dou a Reed a chance de responder.
Destranco as portas do Jeep e empurro seu peitoral para trás
até as costas alcançarem o encosto do assento, dando espaço livre.
As mãos frias, que até então estavam presas em mim, caem
derrotadas ao lado do seu corpo.
A decepção é evidente em cada detalhe de sua expressão,
mas não dou nenhuma atenção.
Me obrigo a não olhar de volta.
Salto para fora do carro do jeito mais elegante que consigo e
bato a porta. Não olho para trás nenhuma vez conforme faço o
percurso até a porta de entrada da casa de dois andares, mas
minhas costas queimam com o seu olhar frio.
Reed não deixa de me olhar nem mesmo quando minha
presença não passa de um pontinho esquecido no escuro.
 
 
 
 
 
 
 

 
 
“Seu jogo favorito é ficar na defensiva.
Eu desafio você a deixar isso de lado às vezes”
I Hate The Way | Sofia Carson
 

 
Estou puto pra caralho.
Desde que acordei com o sol batendo na minha cara porque
esqueci de fechar as cortinas na noite passada, o mau humor tem
se apossado de mim feito um parasita.
Posso até sentir as garras dele enfiadas em meu corpo,
sugando toda a energia vital que luto diariamente para nutrir.
Sendo bem sincero? Estou puto e na merda.
Afugento um palavrão e ligo a cafeteira. São nove horas e,
por mais que eu goste de seguir um treino rigoroso nas manhãs de
sábado, sei que ninguém estará a fim de me acompanhar.
Keeran chegou tarde da noite com uma garota.
Mason entrou em casa logo depois que deitei na cama.
E aposto que nem Bradley, Dave ou Cooper vão mover um
músculo para fora da cama.
A festa de Claire foi insana. Não somente pelo número
absurdo de convidados, mas porque todo mundo aproveitou até
sentir que não havia mais nenhum pico de energia para ser
estabelecido.
Massageio as têmporas com a ponta dos dedos e abro a
geladeira, pegando os ingredientes para preparar uma porção de
ovos mexidos. Acho que, depois que terminar por aqui, vou fazer
uma visita ao meu irmão.
Aaron deve ser o único ser humano em Maple Hills que vai
aguentar a minha presença hoje.
Quebro os ovos na frigideira e minha mão paralisa ao ouvir o
som de passos descendo as escadas. Não preciso de mais de cinco
segundos para reconhecer a maneira em que os pés se movem no
chão e o perfume de morango que se mistura no ar.
A presença de Anne é difícil de não ser sentida.
O que aconteceu na noite anterior é a maior prova disso:
mesmo depois de eu ser rejeitado da pior forma possível, eu ainda
não consigo tirar Anne da minha cabeça. Fui dormir com o gosto da
sua boca na minha. Não havia a merda de nenhum creme dental
capaz de me livrar dessa sensação.
E ao abrir os olhos pela manhã, me senti ainda pior. Minhas
mãos formigavam com a lembrança de sentir o seu corpo roçando
no meu. Dos seus seios pressionando o meu peitoral. Da sua bunda
se encaixando com perfeição entre os meus dedos.
Cada parte do meu cérebro acordou condicionada a reviver
cada maldito minuto dentro daquele carro. Cada momento em que
minha boca desnudou a sua pele, chupou sua língua e mordeu seus
lábios. Cada momento em que me controlei para não arrancar
aquele vestido e ver se ela estaria usando a mesma lingerie
vermelha que povoa minha mente há incontáveis semanas.
Estou preso em uma tortura que atende pelo nome de Anne
Scott.
Ela entra na cozinha e se movimenta atrás de mim, não
dizendo nenhuma palavra. Abre a geladeira e pega a garrafa de
leite. Faz o mesmo com a caixa de cereal e, no momento em que
vai abrir a gaveta dos talheres, eu desligo a chama do fogão e jogo
a espátula dentro da pia.
Anne dá um pulinho, assustada.
Giro o quadril e a encaro pela primeira vez depois das últimas
horas. Se a maneira de Anne ficar na defensiva pudesse ser visível,
pode ter certeza que eu bateria a minha cara em uma muralha.
— O que nós estamos fazendo, Scott?
Os dedos se fecham ao redor da caixa de cereal e uma
centelha de pavor cruza as suas íris.
— Não sei do que você está falando, Rollins — murmura e
pega uma colher na gaveta, fechando-a com o quadril.
O costumeiro vestido azul do uniforme balança com o
movimento, revelando as coxas torneadas.
Respiro fundo e cruzo os braços, assumindo a mesma
posição que a dela.
— É isso que você quer fazer, então? — Braceio, apontando
para nós dois. — Fingir que nada aconteceu?
— Não é isso que temos feito no último mês? Fingido para
todo mundo?
— Existe uma grande diferença entre fingir para os outros e
fingir entre a gente, Annie. — Dou um passo em sua direção, ao
mesmo tempo em que os pés dela recuam para trás. — Esse papo
de fingir não me convence mais. Não depois do que aconteceu
quando você sentou essa bunda gostosa no meu colo e gemeu na
minha boca.
Anne ofega tão alto que não duvido de que os vizinhos
tenham escutado. A caixa de cereal pressiona a barriga com mais
força, como se uma simples embalagem fosse uma barreira grande
o bastante para me manter longe.
Não vai funcionar.
— Eu ainda odeio você.
A afirmação, diferente das outras vezes, não me incomoda.
Porque eu sei que é mentira. Não tem como odiar alguém depois
daquele beijo.
Sorrio e apoio as duas palmas no balcão, prendendo-a contra
mim. A posição me lembra de quando ela apareceu no vestiário
masculino após o treino.
Abaixo os ombros e deslizo a ponta do nariz por seu queixo.
Anne fecha as pálpebras e morde os lábios, prendendo-os entre os
dentes. Estou louco para beijá-los novamente e fazê-la admitir que,
sim, nada disso é fingimento.
É a merda da realidade.
— Vamos ver se você ainda vai me odiar quando eu te beijar
— sussurro, soprando o hálito quente. — De novo.
Anne entreabre as pálpebras e me fulmina.
— Você não ousaria.
Tombo a cabeça para o lado.
— Tenho pensado em te beijar há muito tempo — murmuro.
— Pode ter certeza que eu ousaria, sim. Não tenho medo de nada
quando o assunto é ter você só para mim.
Impulsiono o corpo para trás e me afasto, pegando não
somente Anne de surpresa, mas a mim também. O vazio que se cria
com a distância repentina comprime o meu coração.
Nós dois procuramos por um apoio. Ela, no balcão que
pressiona as suas costas. Eu, na parede oposta. Meus músculos
estão tensos, latejando em procura de alívio.
— Essa conversa é ridícula. — Anne se recompõe e coloca a
caneca na cafeteira, enchendo-a de café. — O que aconteceu
ontem à noite não vai se repetir, porque...
Solto um grunhido.
— Se você disser que foi um erro, eu vou te beijar de novo
até fazê-la mudar de ideia — ameaço, a voz rouca. — Guarde as
minhas palavras. Eu te avisei para não brincar comigo, Annie.
Ela arqueia a sobrancelha loira e deixa a caneca em cima do
balcão, se aproximando novamente. Os calcanhares descalços
deslizam pelo piso em uma dança sedutora, embora eu ache que
ela faça isso sem perceber.
— E se eu brincar? — indaga, encurtando a distância até que
reste pouquíssimos centímetros separando as nossas bocas. Basta
um movimento em falso e estarei beijando-a novamente. — O que
vai acontecer, hum?
— Você não vai querer saber. 
— Ah, pode apostar que vou querer, sim. — Fica na ponta
dos pés e observo a maneira em que seus olhos tremulam,
procurando pelos meus. — Me fala o que vai acontecer se eu
brincar com você, Reed.
Aperto as mãos em punho, lutando para não tocá-la.
— Quando você admitir para si mesma que tudo não passa
de fingimento, você me procura — aviso, baixo. — Que daí eu não
vou só te contar, Annie. Vou fazer. Com a minha boca, com as
minhas mãos e com o meu pau também.
Puxo o ar em uma lufada única e contorno seu corpo,
pegando sua caneca de café e lhe dando as costas. Deixo os ovos
mexidos para trás. Depois eu me preocupo com o café da manhã.
Preciso sair dessa cozinha antes que eu faça algo que vou
me arrepender para o resto da vida.
— Só não demore muito — alerto. — Não tenho todo o tempo
do mundo.
A resposta de Anne é um silêncio doloroso.

Horas mais tarde, estou batendo na porta do apartamento do


meu irmão.
Aaron me recebe com uma expressão semelhante à minha:
uma combinação entre mau humor e cansaço. A diferença é que
meu irmão realmente aparenta estar cansado. As olheiras são o
maior indicativo disso.
— A que devo a sua estimada presença? — Dá um passo
para trás, me dando espaço para entrar no pequeno apartamento.
— Não tenho dinheiro, caso precise. Estou mais duro que nossos
antepassados.
Sufoco uma risada.
— Não preciso de dinheiro. — Penduro a jaqueta jeans no
cabideiro atrás da porta. — Queria conversar, na real. Bater um
papo de irmãos, sabe?
Aaron ergue a sobrancelha direita em dúvida, os lábios se
franzindo no canto.
Nesta manhã, ele usa uma camiseta preta com a logo de
uma banda que não conheço no centro e uma calça jeans rasgada
nos joelhos. Há também um boné escondendo os cabelos
castanhos para trás. A barba que não é feita há alguns dias o deixa
bem mais velho. Ele está parecendo um lenhador recém saído de
uma fazenda minúscula no interior da Carolina do Norte.
— Aham, papo de irmãos. — Concorda e caminha até a
cozinha. — Desembucha logo em que merda você se meteu. Na
verdade, espera um pouco. — Levanta a mão e abre o armário,
pegando um saco de salgadinhos. — Eu até poderia te oferecer
uma cerveja, mas não estou no clima hospitaleiro. Pode jogar a
bomba. Eu aguento.
Reviro os olhos e me acomodo no sofá gasto.
— Anne e eu nos beijamos.
— Anne, a sua namorada?
— Sim.
— Bom... — Prolonga as sílabas, enchendo a boca de
salgadinho e depois engolindo. — Da última vez que eu chequei, é
normal namorados se beijarem.
— Ela é a minha namorada de mentira, Aaron — retruco,
frisando a última parte. — Um dos combinados é que não
seguiríamos por esse caminho. Nada de beijos. Nada de sexo.
As feições de Aaron se transformam em uma careta.
— Seu namoro falso estava fadado ao fracasso, lamento
informar — Dá um sorrisinho arrogante, as covinhas idênticas às
minhas surgindo. — Ainda não entendi qual é o problema, Reed.
Suspiro alto e estico o pescoço, mirando o teto com
pontinhos de infiltração. Organizo meus pensamentos, procurando
criar uma linha de raciocínio que faça sentido. Uma linha que me
faça compreender o que está se passando na cabeça de Anne.
A gente se beijou. Okay.
Foi um beijo bom pra cacete. Okay.
Levei o pior fora da minha vida. Okay.
Ela quer fingir que nada aconteceu. Nada okay.
— Ela me deu um pé na bunda. — Decido seguir pelo
caminho mais fácil, despejando a merda de uma vez. — Logo
depois que nos beijamos, disse que tudo não passou de fingimento.
E agora de manhã, pediu para esquecermos tudo.
Aaron se engasga com o salgadinho.
— E sabe qual é a pior parte? — A minha pergunta é retórica,
então não espero por uma resposta dele. — Foi o melhor beijo da
minha vida. Disparado. Anne atropelou todos os outros e os jogou
no buraco do esquecimento.
— Então é pior do que imaginei. — Aaron deixa o salgadinho
em cima da mesa e se aproxima, se acomodando em um dos
caixotes de madeira. — O que você vai fazer agora?
— Sei lá. É por isso que estou aqui. Preciso de um conselho
espiritual seu.
— E eu lá tenho cara de conselheiro amoroso, Reed?
Chuto sua panturrilha de brincadeira, lhe arrancando uma
reclamação.
— Confio no seu potencial. Você já teve um relacionamento
sério, deve saber como esse negócio funciona.
Aaron coça a barba comprida com a ponta dos dedos.
— Já faz um bom tempo e você sabe que não acabou de um
jeito muito legal. — Desvia o olhar, encarando a varanda com o
cinzeiro esquecido em um canto, juntamente de um vaso com a
planta já em estado de decomposição. — É um tiro no escuro eu
tentar te aconselhar.
— Manda ver. Eu resisto. Se der errado, pelo menos a gente
pode dizer que eu me arrisquei.
Ele se levanta do caixonete e pressiona o polegar e o
indicador na ponte do nariz, subindo e descendo, até alcançar as
sobrancelhas e seguir o mesmo processo. Essa é a maneira que
Aaron se comporta quando está pensando.
Apesar de sermos parecidos de aparência, somos
extremamente diferentes de personalidade. Aaron foi criado por
Noreen, já que Ricky esteve ausente a maior parte do tempo por
causa dos jogos. Eu, no entanto, passei grande parte da minha
infância e adolescência com o meu pai.
Moramos juntos. Treinamos juntos. Fazíamos tudo juntos.
Sou uma extensão de Ricky Rollins, embora odeie admitir isso.
O espaço que separa Aaron e eu é gritante de gigante não só
por esse motivo, mas por vários outros.
Por causa de nossas vivências separadas, não sei quase
nada sobre o seu primeiro e único relacionamento. Aconteceu na
época em que tudo explodiu e Aaron teve a pior discussão do
mundo com Ricky. Desde então, meu irmão se trancou dentro de si
mesmo, negando-se a falar sobre qualquer coisa.
Ainda assim, ele está disposto a abrir uma pequena brecha
para me dar um conselho que vai trazer memórias desagradáveis do
passado.
— Não posso achar a solução milagrosa para esse problema,
Reed. Mas você, por si só, vai conseguir pensar em algo — diz. —
Você conhece Anne melhor que eu. Deve saber, ou suspeitar, do
que se passa na cabeça dela. Um beijo significa muita coisa em
uma relação, seja ela de mentira ou não. Então...
— Então... — Repito, sem entender onde ele quer chegar
com esse papo.
— Você precisa entender porque ela decidiu fingir que nada
aconteceu em vez de assumir o que fizeram. Deve ter algum motivo
aí. Sempre há, pode acreditar.
— Eu devo confrontá-la?
Aaron dá uma curta risada sem humor.
— Só se você quiser levar o segundo fora em menos de 24
horas.
Bufo e arremesso uma das almofadas em sua direção. Ele a
pega no ar e a joga novamente, acertando a minha cabeça.
— Pensa no que eu falei, okay? — A expressão no rosto dele
é séria demais. — Você vai encontrar uma solução. Se o beijo foi
tão bom quanto você está dizendo, pode ter certeza que Anne não
vai achar que foi um erro.
— Tomara que você esteja certo, Aaron.
Ele me dá uma piscadela.
— Eu sempre estou, Reed.
 
 
“Eu sei que vou me apaixonar por você, amor.
E não é isso que eu quero fazer”
Cry Baby | The Neighbourhood
 

 
Eu cometi um grande erro.
Um daqueles erros que são difíceis de consertar. Não é como
se, sei lá, eu pudesse passar uma borracha por cima e apagar o que
aconteceu.
Não tenho muita escolha a não ser admitir para mim mesma
que pisei na bola e agora tenho um elefante gigante, com braços
musculosos e um sorriso de covinhas, determinado a me perseguir
até arrancar a verdade de mim.
E qual é a verdade?
A verdade é que eu gostei de beijar Reed Rollins.
Eu esperava que fosse ser um beijo qualquer, daqueles que a
gente esquece logo depois que acaba.
Quem me dera.
Beijar Reed Rollins foi como comprar uma passagem só de
ida para o céu das maravilhas. Estou presa lá desde então,
revivendo a maneira com que suas mãos apertaram a minha bunda,
o jeito que sua boca desnudou a minha e o sabor inconfundível de
seus lábios.
Se eu soubesse que seria assim tão bom, teria o beijado na
noite da festa dos calouros, antes dele falar aquelas merdas. Teria
me poupado a dor de cabeça que estou sentindo espremer os meus
neurônios.
Abro o armário de metal gasto do Brooklyn Blues e penduro o
avental no ganchinho. Pego o meu celular e mando uma mensagem
para minha mãe avisando que hoje não vou conseguir dar uma
passada na casa dela. Estou tão exausta que meu único desejo é
pegar o primeiro ônibus para Maple Hills e enterrar o nariz no
travesseiro.
Me despeço de Becky e Jane, a garota do turno da noite da
lanchonete, e saio pela porta dos fundos. Paralido contra o chão de
cimento assim que identifico o Jeep estacionado em uma das vagas.
Puta merda.
Agarro a bolsa com mais força ao ver Reed abrir a porta e
saltar para fora. Ele abre um sorriso que causa um frio
desconfortável na minha barriga. A jaqueta jeans adere aos bíceps,
me relembrando a maneira como foi sentir cada um dos músculos
com a ponta dos meus dedos e da força que esconde por debaixo
dessas roupas.
Ele cruza os braços na altura do peito e me dá uma
piscadela.
— O que você está fazendo aqui? — Confronto-o ao descer
os degraus e caminhar na direção de onde ele está parado, o
quadril apoiado na lataria do carro.
— Basta você olhar para o céu, joaninha, e já vai ter a sua
resposta.
Bufo e estico o pescoço para trás, olhando para cima.
Grossas nuvens estão se formando, anunciando o início de
uma tempestade. Não dou mais que cinco minutos para que uma
quantia exorbitante de água recaia sobre o Condado de San Valley.
Ir pegar o ônibus a pé já não me soa como uma opção assim tão
legal. Não tenho guarda-chuva na bolsa.
— Decidiu bancar o cavalheiro comigo de repente?
— Alguma vez eu fui outra coisa a não ser um cavalheiro com
você?
Aperto os lábios e reduzo ainda mais a nossa distância,
parando na sua frente.
— Você quer mesmo que eu responda essa pergunta? Por
que você não foi nada cavalheiro quando bateu na minha bunda —
murmuro. — Duas vezes, a propósito.
— Para quem está querendo fugir do assunto, você está bem
espertinha para o meu gosto.
Ajeito a bolsa ao redor do ombro e troco o peso dos pés. Em
uma das mãos, mantenho os patins pesados.
— Foi você quem começou.
Reed não se abala. Estende o braço e pega os patins,
fazendo o mesmo com a minha bolsa. Assisto, atônita, ele abrir a
porta lateral do Jeep e colocar as coisas lá dentro, voltando a
atenção para mim. Há alguma coisa diferente nele. Uma
determinação cintila nas feições que não existia pela manhã.
— Entra no carro, Annie — pede, dando o assunto por
encerrado. — Antes que essa chuva impeça a gente de chegar em
casa. E acredite, eu estou doido para tomar um banho e assistir a
um filme de péssima qualidade com você reclamando no meu
ouvido.
— Quem disse que eu vou passar a noite de sábado com
você e os meninos?
Reed abre a porta e apoia o braço no teto do carro. Trocamos
um olhar que relembra a época em que não estávamos envolvidos
nessa bagunça.
— Quais são os seus planos, então? Comprar um para-raios
e passear pela cidade?
— Argh, você é tão irritante. — Entro no carro e me acomodo
no banco do passageiro. Reed faz o mesmo e insere a chave na
ignição. — A minha vida não gira em torno de você e desse namoro
falso.
Ele coloca o cinto de segurança e liga o rádio em uma
estação qualquer. O locutor avisa os ouvintes sobre a tempestade
que se aproxima nas três cidades do Condado. Eles recomendam
que as pessoas fiquem em casa e alertam sobre as rajadas fortes
de vento.
Acho que o Brooklyn Blues vai acabar encerrando o
expediente mais cedo. Não tem porque manter as portas abertas se
o mundo vai estar desabando em água. 
— Ah, não? — Gira a chave e o motor ruge em resposta. Ele
dá a ré, saindo do estacionamento com uma habilidade invejável e
caindo na estrada vazia. — Gira em torno do que, então?
Expedientes intermináveis em uma lanchonete, aulas cansativas na
USVL e odiar a população de Maple Hills no tempo livre?
Me seguro para não dar uma risada.
— Talvez. E você não pode falar nada sobre mim, Reed. Sua
vida gira em torno do futebol americano.
— A minha vida gira em torno das coisas que eu gosto —
corrige, me lançando um olhar significativo antes de retornar a
atenção para a estrada. — Futebol americano, filmes e, às vezes,
você.
As palavras se condensam no ar. Se elas fossem uma bola
de canhão, teriam me acertado em cheio e me derrubado para fora
do carro. Bater a minha cara no chão não parece uma ideia assim
tão ruim.
— Essa tática não vai funcionar comigo, Reed.
Reed diminui a velocidade do Jeep quando as gotas de
chuva começam a cair violentamente no vidro. O para-brisa se move
de um lado para o outro, gemendo baixinho. O horizonte está ainda
mais escuro, com nuvens carregadas e relâmpagos cortando o céu.
— Não estou tentando nenhuma tática com você. Estou
apenas dizendo a verdade.
— E aquele papo de você somente tolerar a minha presença?
— Preciso elevar o tom de voz devido a intensidade da chuva.
O trovão ecoa alto e estrondoso. Reed diminui a velocidade
do carro, já que o para-brisa mal dá conta de conter a água.
— Eu acho que essa definição já não cabe mais a nós dois,
Annie.
Analiso o seu rosto de perfil, me demorando por mais tempo
na linha reta do nariz e no contorno do maxilar. A barba cresceu um
pouquinho, recobrindo a mandíbula e o deixando com uma
aparência que causa um cutucão no meio das minhas pernas.
Eu posso negar muitas coisas nessa vida, mas dizer que
Reed Rollins não me atrai de maneiras preocupantes é uma das
coisas mais difíceis de serem feitas. A existência dele incendeia as
minhas veias e me puxa para um tipo de sentimento que não quero
me deixar ser dominada.
— Agora você não me odeia mais? É isso?
As mãos grandes se apertam ao redor do volante, os nós dos
dedos ficando brancos.
— Quantas vezes vou ter que dizer a mesma coisa, porra? —
grunhe, com raiva. — Eu. Não. Consigo. Odiar. Você. É impossível,
Scott. Você me desperta um milhão de sentimentos, mas o ódio não
é um deles.
Fico em silêncio, sem saber ao certo como reagir. Afundo as
unhas na palma da mão e forço a pulsação a desacelerar. É difícil.
Meu coração está prestes a sair pela boca e cair em cima do painel
do carro.
Reed pragueja um palavrão e dá sinal, desviando da estrada
e seguindo para um posto de gasolina fechado. A chuva cai agora
com força, os pingos repercutindo no teto e ricocheteando no para-
brisa. Não dá para ver um palmo na nossa frente, exceto as luzes
acesas do farol.
— O que você está fazendo?
— Sem condições de continuar dirigindo com essa
tempestade. Não vou arriscar — explica, ainda irritado. — E eu não
vou ter essa discussão com você enquanto estou na estrada. Vai me
fazer perder a cabeça.
Me recosto na porta, desejando ser capaz de me esconder
dentro do vestido. Eu sabia que Reed iria me confrontar em algum
momento, só não esperava que fosse agora. A tempestade caiu
como uma luva, nos obrigando a ficarmos presos dentro do mesmo
espaço.
— Você não vai perder a cabeça.
Reed suspira pesadamente e desliga o rádio. Vira o corpo
para mim, os olhos subindo na minha direção como se desejasse
me dar um chacoalhão e depois me puxar para um abraço.
— Se você continuar me tirando do sério, pode ter certeza
que sim.
Dessa vez sou eu que solto um suspiro. Está difícil manter
qualquer tipo de diálogo com ele.
— Para de descontar em mim as suas frustrações! É por
causa da noite passada? — Solto o cinto de segurança e me
remexo no banco, me sentando sobre uma das pernas. — Você está
bravo por causa daquilo que falei?
Reed desvia o olhar, focando nos vidros que já começam a
embaçar.
— Estou puto por causa da noite passada, sim. E eu nem
deveria estar te pressionando sobre esse assunto, mas eu não
consigo ficar quieto enquanto você está aqui, sentada do meu lado,
achando que eu te odeio. — O músculo do maxilar pulsa em
resposta. — Se eu te odiasse, eu não teria te convidado para morar
comigo, não teria dirigido até o outro lado da cidade para comprar
os seus donuts favoritos e muito menos te beijado na noite passada.
Ele passa as mãos pelo cabelo, bagunçando os fios. Um
sopro de ar escapa de seus lábios e a atenção retorna para mim. A
expressão dele é tão vulnerável que é como estar dentro dos seus
pensamentos. Dá pra ver que ele está chateado comigo.
— Eu não sei o que dizer.
Reed libera uma risada cheia de mágoa e balança a cabeça
repetidas vezes. Fixa a atenção no posto de gasolina fechando, se
negando a olhar para mim.
— Não achei realmente que tivesse. — Uma trovoada corta o
céu e eu me sobressalto com o barulho. — Vamos esperar a
tempestade se acalmar e aí voltamos para casa. 
Aceno em concordância, não sabendo ao certo como me
comportar. A confissão ainda ecoa em minha cabeça. Torço os
dedos uns nos outros, não suportando o silêncio que cresce entre a
gente. O som das gotas de chuva batendo na lataria com força são
um teste para a minha paciência.
— Você ainda quer que eu vá no jogo de sexta?
Reed gira o pescoço, voltando a prestar atenção em mim.
— Nós ainda estamos namorando, não estamos?
— De mentira.
— Você não precisa me lembrar disso a todo momento —
reclama. — Você foi bem clara quando disse que tudo não passa de
fingimento. Mas, sim, ainda quero que você vá. Reservei um quarto
para a gente. O treinador Turner provavelmente não vai gostar da
ideia, mas ele já está acostumado com esse tipo de coisa.
Ergo a sobrancelha.
— Com o time levando garotas desconhecidas para o quarto
de hotel?
— Com as namoradas dos jogadores acompanhando eles
nos jogos fora da cidade. — O tom é tão frio que fico arrepiada. —
Eu não costumo convidar garotas para assistirem os meus jogos.
Apenas você.
— Ah, okay. — É a única coisa que consigo proferir.
Reed batuca com os dedos no volante e ficamos sem dizer
nada por um bom tempo. A tempestade continua a cair
violentamente.
— Vou te emprestar o meu carro, a propósito. Pode dar
carona para a Claire, se quiser. Ela costuma ir com o próprio carro,
mas como vocês vão juntas dessa vez, acho que é uma boa ideia —
diz. — Ela já sabe como funcionam as coisas, mas a gente costuma
comemorar a vitória no time do bar do hotel. Nada muito exagerado,
já que estamos fora da cidade.
— E se vocês perderem?
Reed inclina a cabeça para o lado, abrindo um sorriso ladino.
— A gente não vai perder. Gosto de pensar positivo.
— Devo usar a sua camiseta?
Meu questionamento faz as íris descerem para a minha boca.
A ponta dos meus dedos formigam para tocar as suas bochechas,
puxar os fios de cabelo e arranharem os músculos torneados dos
braços. Tê-lo beijado foi um erro grotesco.
— Você quer usar?
Sim.
Não.
— Você quer que eu use? — pergunto de volta.
Estamos jogando um contra o outro, vendo quem vai ceder
primeiro e admitir o que realmente quer. Reed, como se já estivesse
na linha do abismo, estica o braço e acaricia a minha face, os nós
dos dedos escovando a pele.
— Se eu disser que sim, isso significa que você vai usar? Ou
vai bancar a teimosa e aparecer usando a camiseta do time rival?
Sorrio.
— Agora você me deu uma ótima ideia.
Escuto-o gemer em irritação e abrir a palma da mão,
encaixando-o na curva do meu pescoço. Ele puxa o meu rosto para
perto do seu de um jeito tão bruto e inesperado que me pego
friccionando as coxas umas nas outras. O movimento chama a
atenção dele, porque os olhos recaem para o meio das minhas
pernas e depois retornam para a minha boca.
— Não teste os meus limites, Scott.
— Não se preocupe, Rollins. — Resvalo a ponta do nariz
entre os seus lábios entreabertos. — Quando você olhar para
aquela arquibancada na sexta, pode ter a certeza que vai me
encontrar lá. E, com sorte, usando a droga da sua camiseta. Serei a
namorada troféu que você tanto procura.
Ele nega com um sutil balançar de cabeça.
— Você entende sempre tudo errado, não é? — Franzo o
cenho, confusa. — Não quero nenhuma namorada troféu. Só quero
você lá, usando a minha camiseta ou não. O importante é saber
que, quando eu for fazer a droga de um ponto, vou ter a quem
dedicar.
— Isso não fazia parte do nosso acordo, Reed. — Dessa vez
é ele quem fica confuso. — Declarações não estavam inclusas.
— Beijos também não, mas olha onde chegamos.
Dou uma curta risada e me afasto pelo máximo de espaço
que há disponível.
— E que não vai voltar a acontecer.
Reed deixa a cabeça pender em um gesto sarcástico.
— Isso é o que nós vamos ver.
O trovão que corta o céu torna o desafio ainda mais real.

Mesmo odiando a ideia, estou buzinando em frente à


irmandade Sigma Nu na sexta.
Claire surge poucos minutos depois com uma mala de
rodinhas e uma bolsa de lantejoulas a tiracolo. A peruca em um
corte Chanel atua como um complemento das roupas que ela
escolheu para usar hoje. A calça jeans é no estilo de combate, com
uma corrente pendendo nos passadores e o moletom curto exibe a
pele da barriga magra. Nos pés, há um par de coturnos de
plataforma que a deixam bons centímetros mais alta que eu.
— Gostei da roupa — elogio quando ela coloca a mala no
banco traseiro e se acomoda ao meu lado logo depois. — E esse
corte de cabelo combina com você. Dave vai se apaixonar ainda
mais quando te ver. Se isso for humanamente possível, é claro.
Minha melhor amiga dá uma risadinha e tira o celular do
bolso, sincronizando a sua playlist favorita com o sistema de som do
carro de Reed.
— Se as coisas continuarem desse jeito, logo ele vai me
pedir em casamento, isso sim.
Ao ouvir sua frase, minha mão paralisa no processo de girar
a chave na ignição.
Claire e Dave têm um combinado desde que começaram a
namorar: nada de pedidos de casamento. Pelo menos, não até
quando eles estiverem formados e Dave for draftado por um time da
NFL.
— E você aceitaria, se ele pedisse?
— Não sei. É complicado pensar nesse assunto. — Soa
pensativa. — A gente tem tantos planos, Anne. Eu, principalmente.
Quero conseguir o meu diploma, me mudar para Los Angeles e
lançar a minha própria marca de roupas. E tem a carreira do Dave
também. Dependendo de qual time ele for draftado, haverá uma
distância gritante entre a gente.
Noto um traço de dúvida na sua voz.
— Mas...
— Mas, ao mesmo tempo, eu sei que ele é o amor da minha
vida. Não tenho nenhuma dúvida disso. Meu coração sabe que
nunca vai conseguir se apaixonar de novo por outra pessoa. Dave
Morris me pegou de jeito. Por isso que eu digo que é complicado.
Ao mesmo tempo em que quero, eu acho que não é uma boa ideia.
Mas aí eu me lembro que não existe hora certa para o amor.
Mordo o interior da bochecha e ligo o motor.
Cuidadosamente, saio da vaga em frente à irmandade e retorno
para a avenida parcialmente movimentada.
— Então... Se ele fizesse o pedido hoje, você negaria?
Ela puxa as pernas para cima e encaixa o queixo entre os
joelhos.
— Não sei. São muitas coisas envolvidas quando falamos de
um casamento — diz. — E eu nem posso pedir a sua opinião sobre
esse assunto, porque eu sei exatamente o que vai dizer. Você vai
dizer que estarei abrindo mão de mim mesma para me encaixar na
vida do Dave, em vez de ser ao contrário.
— E eu estou errada em pensar assim?
— Dá para ter as duas coisas, Anne. Você não precisa
escolher entre uma carreira e um relacionamento duradouro —
explica. — E nenhum de nós vai abrir mão dos próprios sonhos para
se encaixar na vida do outro. Não é assim que as coisas funcionam.
Arqueio a sobrancelha, sentindo os olhos dela em mim.
— E como exatamente deve funcionar?
— Vocês sonham, almejam e conquistam juntos.
Relacionamento não é unilateral.
— Claire...
— Quer um exemplo? Bom, eu te dou um. — Me interrompe.
— Os meus pais. Cathryn e Cameron se conheceram no primeiro
ano da universidade, assim como Dave e eu, e estão juntos até
hoje. E a carreira não ficou de lado, tampouco o casamento ou os
filhos.
Afugento um palavrão, não querendo admitir que ela pode ter
razão, porque falar da Cathryn e Cameron é jogar baixo. Os Howard
são aquela típica família que todos sonham em ter. Eles se apoiam
nas decisões, acampam nas montanhas durante as férias e fazem
jantares temáticos todos os meses.
E o golpe final está exatamente aqui: eles são um renomado
casal de cirurgiões cardíacos em Trenton, no estado de Nova
Jersey.
— Você está tentando convencer a mim ou a você?  
Claire joga as mãos para o alto e bufa.
— Eu estou querendo que você veja as coisas por outra
perspectiva. Você não é a sua mãe, Anne. — Me encolho dentro da
jaqueta de Reed e aperto os dedos com força ao redor do volante.
— Ela decidiu viver dessa forma após a morte do seu pai. Foi uma
decisão tomada unicamente por ela. Isso não quer dizer que você
deve fazer o mesmo. Você não precisa se diminuir para ter um
relacionamento sério com alguém.
O fundo dos meus olhos pinicam em um tipo de choro que
não quero deixar vir à tona. O pior é que sempre reajo dessa forma
quando Claire cutuca nessa ferida. Ela não tem medo de desnudar
os meus medos e despejá-los na minha frente em uma tentativa de
que eu deixe de ignorá-los.
Às vezes, eu gostaria de ser 1% da mulher que Claire é.
Queria ter crescido com uma família completa, com um pai que me
daria conselhos e uma mãe que não desistiria dos seus sonhos por
causa do casamento e filhos. Queria que Daisy Scott pudesse
alcançar o topo do mundo, mesmo que ela já tenha desistido dessa
possibilidade há muito tempo.
— Eu estou com medo — confidencio em um sussurro quase
inaudível.
Claire pisca as pálpebras calmamente, me direcionando um
olhar carinhoso. Ela ainda não sabe sobre o beijo e não sei se me
sinto pronta para contar agora.
— Por causa do Reed?
Movimento a cabeça em um gesto confuso.
— Por causa do Reed e por causa de você. — Desvio
rapidamente a atenção da estrada para Claire. — Não quero ver a
minha amiga perdendo a si mesma e se esquecendo do potencial
que tem.
Claire estica o braço e afaga o meu ombro. As inseparáveis
pulseiras ao redor do pulso dela fazem barulho.
— Eu não vou me perder. Não há motivo para você se
preocupar com isso — garante, abrindo um sorriso que reflete a
verdade. — Mas sabe o que eu quero para você? Aquilo que desejo
com todo o meu coração?
— Hum?
A ponta dos dedos fazem uma mínima pressão em minha
pele.
— Eu quero que você se encontre e que não tenha medo —
declara. — E quero também que você seja a minha madrinha de
casamento. Não há pessoa melhor.
Não me contenho e exprimo uma risada que se torna um
sorriso.
A capacidade que Claire tem de descontrair o ambiente e
chutar para longe o clima tenso de uma conversa é um talento que
merece ser admirado. São poucas as pessoas que carregam essa
leveza.
— Obrigada. Por existir e por ser você. — Uso a mão livre e
aperto os dedos dela, que ainda repousam em meu ombro. — E
sobre esse lance de ser madrinha...
 
“Olhe nos meus olhos, não minta para mim, preciso
que você me conte a verdade”
Shut Up And Listen | Nicholas Bonnin (feat. Angelicca)
 

 
— Eu preciso da sua ajuda.
— Estou indisponível.
Recebo uma cotovelada entre as costelas e contenho um
gemido. Dave me fuzila com as orbes castanhas, mas há a sombra
de um sorriso brincando em sua boca. Nunca vi esse cara de mau
humor e duvido que alguém nessa vida o consiga tirar do sério.
Dave possui mestrado e doutorado em paciência. O que
acredito que seja um critério básico para ser o quarterback do time
e, de quebra, ainda morar em uma fraternidade entupida de caras.
É muita merda sendo ouvida diariamente.
— Estou falando sério, Reed. Preciso da sua ajuda.
Gesticulo com a mão na forma de um floreio, indicando para
que ele desembuche de uma vez.
Dave respira fundo e puxa a mochila de viagem para cima,
pousando-a sobre o seu colo. Abre um dos zíperes e tira de lá de
dentro de uma caixinha vermelha. Ofego quase que de forma
instantânea.
Eu sei muito bem o que tem dentro dessa caixinha.
— Reed...
Levo a mão ao coração e abro um sorriso emocionado.
— Que romântico da sua parte, Dave. — Enceno um tom
apaixonado, piscando as pálpebras da mesma forma que as
mocinhas fazem nos desenhos. — Não precisa nem perguntar,
porque a resposta é sim. Eu aceito me casar com você.
— Para de ser ridículo, cara. Eu estou falando sério. —
Levanta a tampa da caixinha. Ali, há um anel descansando no
centro que deve pesar dez quilos. — O que você acha?
— Eu acho que não vai caber no meu dedo.
— Mais uma brincadeira dessas e eu não vou te convidar
para ser o meu padrinho.
— Ei, ei, ei! Aí você jogou sujo. — Puxo o braço dele para
poder olhar o anel mais de perto. — É bonitão. Deve ter custado
uma fortuna.
— A Claire merece — diz com um sorriso de quem está
apaixonado até o último fio de cabelo. — Eu usaria todas as minhas
economias só para ver esse anel no dedo dela. Ela é o amor da
minha vida, Reed.
Seguro a respiração com a declaração repentina.
Estamos dentro do ônibus do time, com vários jogadores
sentados ao nosso redor, mas ninguém parece estar prestando
atenção na nossa conversa. A viagem para West Falmouth costuma
durar cerca de duas horas, então a maioria usa esse tempo para
descansar.
— E aquele lance de vocês esperarem até a formatura para
se casarem?
Dave massageia a ponta do nariz largo e guarda o anel de
volta na mochila.
— É por isso que preciso da sua ajuda. Quero um conselho.
— Balança a perna para cima e para baixo, agitado. — Eu não
estarei sendo um filho da mãe em ir contra os nossos planos e fazer
o pedido? Porque tenho pensado nisso há muito tempo. Sei que vou
ser draftado por um time em breve e que as chances de permanecer
aqui na costa leste são pequenas, mas Claire também quer se
mudar para Los Angeles quando terminar o curso. Então...
— Então...
Dave infla as bochechas de ar e empurra os dreads para trás,
os prendendo em um coque no topo da cabeça.
— Então, eu penso: por que não dar o próximo passo?
Porque adiar o que tanto queremos? No entanto, tem também o
peso de fazer o pedido sem a certeza de que ela vai aceitar —
desabafa. — Afinal, a gente tem esse combinado. Um diploma antes
de uma aliança.
Contorço os lábios de um lado para o outro, procurando por
algum conselho. Posso detestar os casamentos intermináveis de
Ricky Rollins, mas aposto que ele teria algo útil para dizer a Dave.
O que eu entendo de casamentos? Nada.
É surreal comparar a diferença entre os meus planos de vida
com os planos de Dave. Ele quer ser um grande jogador, se casar e
construir uma família — tudo isso ao mesmo tempo.
Dave Morris e Claire Howard vivem o tipo de amor raro.
— Eu acho que você já tem a sua resposta, Dave — digo. —
Você e Claire têm todo o tempo do mundo, mas, como você disse,
por que esperar? E não é como se vocês fossem subir no altar no
dia seguinte. Um casamento demora para ser preparado, ainda mais
se estivermos falando da sua namorada. Ela vai querer uma festa
de arromba.
Dave dá risada.
— Você tem razão. Não vai ser uma festa íntima com poucos
convidados.
— Não mesmo. O meu conselho para você é: procure o
momento certo. Você vai saber quando a hora perfeita chegar. E
nem você e nem a Claire vão ter dúvidas. Não tem como duvidar do
amor quando ele é sentido no coração.
Dave abre a boca para responder, mas é interrompido por um
pigarro. Viramos o pescoço ao mesmo tempo e encontramos o
treinador Turner sentado na poltrona do lado oposto do corredor do
ônibus. Como de praxe, o boné descansa sobre a cabeça dele,
criando uma sombra sobre os olhos.
— O Rollins tem razão, Morris. Se você e a sua namorada se
amam como dizem, o pedido de casamento fora de hora não vai ser
nenhum problema. É só ajoelhar e abrir o coração, moleque.
Caramba.
O treinador Turner desvia o olhar do nosso e volta a encarar
um ponto perdido. Ele bem que tenta disfarçar, mas é possível notar
um minúsculo sorriso se mantendo escondido por trás de sua pose
de durão.
— Obrigado pelo conselho, treinador. — Dave agradece e
Turner move o queixo em concordância, voltando a ficar quieto.
No entanto, antes que Dave e eu possamos voltar a
conversar, a cabeça de Bradley surge por trás do nosso assento.
Ele dá um tapa na minha nuca e faz barulhos de beijos para o Dave.
Eu não sei como esse cara consegue levar o futebol americano a
sério. Tudo na vida dele é baseado na zoeira.
— Quer dizer que você vai pedir a Claire em casamento? —
As sobrancelhas fazem uma dancinha animada. — Me convida para
a despedida de solteiro, cara. Eu sempre quis ir em uma.
— Não vai ter nenhuma despedida de solteiro, Bradley.
Bradley arregala os olhos.
— Como assim, porra? — Bate com a mão no encosto do
assento. — É um ritual de passagem. Dá sete anos de azar se não
tiver despedida de solteiro.
Franzo o cenho.
— Sete anos de azar é para quando a gente quebra um
espelho, Bradley.
— Dez anos de azar, então. Sem despedida de solteiro e a
consequência é uma década na merda e um casamento fracassado.
— Ele nem se casou e você já está dizendo que eles vão se
divorciar? — Dou um beliscão no braço dele e Bradley finge uivar de
dor. — Cria vergonha nessa sua cara feia, Powell. Cadê o seu
romantismo?
— Está bem aqui. — Bate com a mão do lado esquerdo do
peito. — Habitando esse coração que respira amor e romantismo.
Sou um príncipe. Estou apenas esperando a minha princesa.
— Só se for a Fiona, né? — Dave provoca e acabo caindo na
gargalhada.
Bradley resmunga um palavrão.
— Vocês são um bando de babacas. Ainda vou encontrar
uma mulher que vai me deixar tão loucamente apaixonado que não
vou ligar se ela for a Fiona, a Cinderela ou sei lá o quê.
— Você é um romântico incurável, Powell?
Viro o pescoço para trás para conseguir vê-lo. Assim como o
treinador, os cabelos de Bradley estão escondidos pelo boné do
time.
— Você não é? Porque deve ter algum motivo para a Anne te
aguentar sendo um pé no saco todos os dias.
Ao pensar em Anne, meu pulso palpita em expectativa.
Convidá-la para viajar até West Falmouth e ficar no mesmo hotel
que o time foi uma atitude inocente da minha parte. Na época do
convite, não imaginei que haveria uma bola de neve gigante
pairando acima das nossas cabeças.
Agora é como se pudéssemos ser atingidos em cheio a
qualquer instante. Não vai ser uma experiência divertida.
— Ah, você não faz ideia de como o Rollins é romântico, meu
caro amigo. — Dave encaixa o braço ao redor do meu pescoço em
um mata-leão. — Da última vez, pelo o que eu soube, ele
atravessou a cidade apenas para comprar os donuts favoritos da
namorada.
Minhas bochechas ficam coradas.
Que merda.
— Aposto que você faria o mesmo pelo Claire.
— É claro que sim. — Há um traço de aviso nas suas
palavras. Como se estivesse deixando subentendido a mensagem:
a diferença é que a Claire é a minha namorada de verdade. — Eu
atravessaria os Estados Unidos inteiro, se fosse necessário.
— Você não é parâmetro, Morris — Bradley reclama. — Não
dá para competir com você e seus atos românticos. Aquela
declaração no aniversário da Claire vai me perseguir para o resto da
vida, porque nunca vou conseguir pensar em nada tão bom.
Dave sorri.
— Você vai sim, confia no que estou te falando. Quando a
gente está apaixonado, as palavras fluem naturalmente. Pode ser
uma declaração boba ou espalhafatosa, tanto faz. O que importa é a
intenção por trás.
— E um anel de diamantes, é claro — provoco-o, consciente
de que logo ele vai me dar um chute na bunda. — Não dá para
conquistar apenas com palavras. Precisa de gestos românticos
também.
Bradley tira o boné e bagunça os fios. Para o nosso completo
azar, ele nota a presença do treinador ao nosso lado. Deve ser uma
tortura para ele ouvir seus jogadores falarem merda atrás de merda.
— E você, treinador? — chama-o. — O que acha?
O treinador suspira alto e afunda o corpo na poltrona. Certeza
que quer desaparecer. De todos os garotos do time, Bradley é o
único que tem coragem de puxar papo com o Turner. E o mais
divertido é que o treinador se submete a responder, mesmo que seja
com um xingamento.
— Eu acho que você deve calar a boca, Powell. Não estou no
clima para as suas brincadeirinhas hoje.
— Poxa, treinador, estou curioso para a sua opinião. — Se
escora novamente entre as nossas poltronas, os braços servindo
como apoio do imenso corpo. — O que você considera como um
grande gesto romântico?
— Você ficar quieto por vinte e quatro horas pelo bem da
sanidade mental da sua namorada — ele responde de mau humor.
Escondo uma risada atrás do punho. Essa conversa vai ser
inesquecível.
— Ah, não! Sem essa. — Coloca o boné de volta. —
Trabalhamos aqui com gestos românticos de verdade. Esse aí foi
péssimo.
A mandíbula do treinador aperta em impaciência. Em breve,
Bradley vai estar com o nariz sendo esmagado.
— Não sou romântico, Powell.
Ele não fica nada contente com a resposta, porque faz uma
pergunta que suga até o ar dos meus pulmões. Dave até arqueja,
pego de surpresa.
— O senhor já foi casado, treinador?
Bradley não tem medo de morrer? Com certeza, não.
O treinador fecha as mãos em punho e tira o boné, deixando-
o sobre as pernas. Sustenta o cotovelo no apoio de braço e
direciona a nós três um olhar que poderia nos cortar ao meio.
— Se eu fosse, pode ter certeza que eu não estaria
respirando o mesmo ar que o seu, Powell.
— Isso foi bem romântico, treinador.
Turner se limita a balançar a cabeça em um gesto negativo
várias vezes e se esconder embaixo do boné novamente. Acho que
o papo se encerrou de vez. Eu é que não vou arriscar abrir a minha
boca.
Às quatro horas em ponto, Anne está entrando no quarto que
reservei para nós dois no hotel em que o time está hospedado.
Diferente de Claire, que parece ter trazido o guarda-roupa inteiro
para West Falmouth, ela se limitou a uma pequena mala de viagem.
O básico para um final de semana.
— É bonitinho — Anne diz ao caminhar para dentro, deixando
a bolsa em cima da cama. — Espero que não tenha custado muito.
Prometo que vou te pagar depois.
Passo a tranca na porta e me apoio as costas na estrutura de
madeira.
— Você não precisa me pagar nada. Eu te convidei, então eu
que arco com as despesas. Só relaxa, Annie. Nem tudo nessa vida
se resume a dinheiro.
— Você diz isso porque o seu pai é o Ricky Rollins.
Assim que as palavras saem da sua boca, Anne se dá conta
do que disse. Além de Dave, ela é a única que sabe sobre a merda
que é a minha relação com o meu pai. Nada de flores ou unicórnios
dançantes. É um saco imenso de cocô ambulante que nenhum
dinheiro do mundo é capaz de consertar.
— Pois é. — Dou de ombros. — Pena que ser filho dele não
garante nada, não é?
— Droga, Reed. — Anne dá um passo para frente, insegura.
— Me desculpa. Eu tinha me esquecido.
— Sem problemas, eu já estou acostumado em ser pisoteado
por você feito um inseto. — Enfio as mãos dentro dos bolsos do
moletom. — Como foi a viagem?
— Ah, não. Nem fodendo — resmunga e se aproxima de vez,
os saltos da bota ecoando pelo piso. — Você não vai trocar de
assunto e fingir que está tudo bem.
— Você é especialista nesse assunto. Estou entrando na
onda.
Anne trinca os dentes e para na minha frente.
Nesta tarde, os cabelos foram presos em um rabo de cavalo
alto, revelando as maçãs do rosto magras e o pescoço esguio.
Mesmo chateada, não posso deixar de notar o quão linda Anne
está. O chute certeiro nas minhas bolas é ela estar usando não
somente a camiseta com meu nome estampado nas costas, mas
também a minha jaqueta jeans.
E mesmo com raiva dela, eu ainda não consigo odiá-la nem
um pouquinho. Nem que eu me esforce pra caralho.
— Não faz isso, Reed — pede, baixinho.
— Isso o quê?
Anne abraça o próprio corpo e ergue as vistas. Devolvo o seu
olhar, procurando entender exatamente o que está acontecendo. As
nossas interações tem se tornado uma bomba relógio. Não dá para
saber onde vamos parar ou que direção vamos seguir.
— Não fala como se eu não me importasse com você.
Porque eu me importo. — Faz uma pausa. — Eu me importo de
verdade e admitir em voz alta é difícil pra caramba. Você não faz
ideia do quanto. Então me desculpe pelo o que eu disse, okay? Foi
sacanagem da minha parte.
Fico quieto, observando a maneira em que os olhos dela
tremulam e o cantinho do lábio inferior é mordiscado no canto. Ela
estala os dedos, o barulho ecoando pelo silêncio do quarto
juntamente da minha pulsação acelerada.
Não penso antes de agir. Enlaço sua cintura e a puxo para
um abraço, enterrando o nariz nos cabelos loiros. Anne relaxa os
ombros e se aconchega contra o meu corpo, tão pequenina que eu
poderia escondê-la ao redor dos meus braços sem nenhuma
dificuldade.
Porra.
Esse abraço é a melhor coisa do mundo que já experimentei.
Anne dedilha a ponta dos dedos em minhas costas e inspira,
me abraçando com mais força. Eu abraço-a da mesma forma,
desejando viver aqui para sempre.
O jogo de hoje que se foda. Isso aqui é o paraíso em formato
de Anne Scott.
— Eu acho que ele vai estar no jogo de hoje à noite — conto,
desejando que ela não tenha conseguido ouvir. Mas escuta, porque
levanta o rosto e me observa de baixo. — Talvez vocês dois acabem
se conhecendo. Há uma possibilidade disso acontecer.
Anne faz uma careta e volta a descansar a bochecha no meu
peitoral.
— Não sei se é uma boa ideia.
— Por quê?
— Porque eu não vou conseguir me segurar. Vou acabar
xingando-o de um palavrão bem feio e aí, sabe o que vai acontecer?
— nego. — Ele vai dizer para você que sou uma péssima influência
para a sua carreira e que a gente deve terminar. Ele pode até me
oferecer dinheiro, para tornar a coisa mais emocionante.
Sorrio, imaginando a cena. Anne tem uma criatividade e
tanta.
— E você vai aceitar?
— Dependendo da quantia...
Belisco as suas costelas e ela dá um gritinho, tentando se
soltar do meu aperto. Contraio os músculos dos braços, não
deixando-a ir a lugar nenhum. Quando Anne para de se debater, eu
encaixo o polegar embaixo do seu queixo, obrigando-a a olhar para
mim.
— Eu ofereço o dobro, joaninha.
— Para que a gente termine e eu nunca mais apareça na sua
vida?
— Não mesmo. Eu ofereço o dobro de dinheiro para que
você nunca saia dela. Para que fique comigo para sempre.
— Esse namoro está ficando cada vez mais capitalista. Mas
eu dispenso o dinheiro. Daqui a pouco vou estar devendo até a
próxima vida para você.
— Eu já disse que você não precisa me pagar nada.
— Reed...
Pouso o indicador sobre os lábios dela, calando-a.
— Se você me pagar, eu não vou aceitar.
— Isso não é justo — murmura contra o meu dedo, as
palavras soando desengonçadas.
Deslizo a mão para o seu pescoço e faço uma carícia.
Cacete, como eu queria que Anne não estivesse sempre na
defensiva comigo. Eu daria todo o meu dinheiro para conseguir
atravessar essa muralha de ferro e vê-la por inteira.
— Nada nessa vida é justo, Annie. — Deposito um rápido
beijo no seu nariz. — Mas se isso acalma a sua consciência, você
pode pagar por uma dose de bebidas para a gente após a vitória do
time no jogo de hoje à noite.
— Você está confiante de que vão ganhar mesmo, hein?
Assinto e brinco com a gola da sua camiseta.
— Confiante pra cacete. Tenho um amuleto da sorte muito
bom.
— E posso saber qual é?
Inclino a cabeça para o lado e abro um largo sorriso.
— Você. — Desfiro um tapinha na sua bunda de brincadeira e
me afasto, destrancando a porta. — Eu te vejo na arquibancada
daqui a algumas horas?
Anne anuí em concordância.
— Eu vou ser a namorada troféu.
Pisco um olho para ela.
— E eu vou ser o namorado jogador.
Sopro um beijo no ar de brincadeira e saio do quarto.
Ao fechar a porta em um clique, noto que minhas bochechas
estão doendo de tanto sorrir. A droga de um sorriso que vai me
acompanhar durante as próximas horas até o jogo começar.
O vestiário borbulha em conversas e reclamações. É sempre
assim nos minutos que antecedem a nossa entrada no gramado.
Por estarmos jogando fora de casa, a ansiedade é ainda maior.
Dave estica os braços acima da cabeça e respira fundo, os
ombros se tensionando. Ele já vestiu o equipamento por completo,
faltando somente o capacete e o protetor bucal. Os dreads estão
presos em um coque e o brinco da orelha foi dispensado.
— Está nervoso? — pergunto, enquanto amarro o cadarço da
chuteira.
— Não sei. Eu deveria?
— Você é o quarterback. Seria normal estar nervoso, ainda
mais que esse é um jogo importante para o time. Os West Panthers
quase venceram o campeonato na temporada passada.
Apesar da minha confiança, sei que vencer os West Panthers
não vai ser assim tão fácil. O treinador deles, um antigo amigo do
meu pai, tem a fama de não ser nem um pouco misericordioso. Ele
coloca os jogadores para detonar com o time rival, mesmo que isso
custe alguma penalidade.
Eles só querem ganhar, custe o que custar.
— Eu confio nos meus jogadores — Dave declara. — E
confio em você também. Não porque é filho do Ricky, mas porque
você é bom no que faz e ama o esporte tanto quanto eu. Não tem
como dar errado, Reed.
Dou duas batidinhas no joelho e me levanto. A nossa
diferença de altura é de uns dez centímetros, no máximo. O porte
atlético de Dave contribui para que ele pareça ainda mais alto. Uma
muralha de músculos, como diria Claire.
— Com você falando assim, me sinto pronto para conquistar
o mundo.
Dave dá uma curta risada e empurra minha cabeça de
brincadeira para o lado, me arrancando um sorriso divertido.
— Conquistar a vitória no jogo de hoje está mais do que
suficiente.
Pego o capacete do chão e escuto, ao longe, a música que
dá entrada à coreografia das Horizon Eagles, as líderes de torcida
dos Rebels Of Horizon. A gritaria não é tão alta quanto a do time da
casa, mas é barulhento o suficiente para me deixar confiante de que
a vitória já é nossa.
— Pronto para detonar com eles, Morris?
Meu melhor amigo sacode os ombros e dá pulinhos no chão.
O restante do time também está atento e sei que não vai levar mais
que dez segundos para o treinador Turner atravessar a porta do
vestiário e fazer um discurso rápido sobre trabalhar em equipe.
Porque o futebol americano é isso: é contar com o seu
parceiro de jogo para garantir a vitória. Não tem como vencer
sozinho nesse esporte.
Dave inclina a cabeça para o lado e pega o capacete
também, encaixando-o sobre a cabeça.
— Vamos mostrar para eles o que é jogar de verdade,
Rollins.
 
 
“Se tudo é justo no amor e na guerra, eu não posso mais fazer isso”
Love & War | Yellow Claw
 

 
Mesmo não sendo uma grande fã do futebol americano, sou
obrigada a concordar que o jogo de hoje foi mais do que
emocionante. Foi de arrancar os cabelos, gritar até as cordas vocais
reclamarem de dor e de sentir o coração quase saltando para fora
da boca.
Os West Panthers estavam com sangue nos olhos,
determinados a conquistarem a vitória sem hesitar.
Reed foi derrubado tantas vezes no chão que não sei como
ele está inteiro. Dave também não conseguiu se safar dos
bloqueios. Houve um momento que eu até duvidei de que os Rebels
Of Horizon iriam conseguir vencer.
Mas, por um golpe de sorte, deu tudo certo. O placar ficou
27X25. Foi um jogo arriscado demais e que rendeu a Claire uma
quase dor de cabeça. Ela leva o esporte a sério.
Agora, algumas horas depois, estamos todos reunidos no bar
do hotel, comemorando uma das vitórias mais difíceis da temporada
com direito a música alta, drinques coloridos e um treinador
parcialmente sorridente.
Me acomodo em uma das banquetas e faço um sinal para o
barman, pedindo duas cervejas. Rapidamente sinto os braços de
Reed rodearem a minha cintura e o queixo repousar em meu ombro.
— Esse é o seu jeito de flertar comigo, Annie? Pagando uma
cerveja para mim?
Giro as orbes em um círculo, embora ele não possa ver.
— Esse é o meu jeito de aliviar a consciência, já que só falta
você pagar as minhas lingeries.
— Até que não seria uma má ideia. Quais cores você mais
gosta?
Luto contra um sorriso.
Esse tipo de provocação com Reed não deveria acontecer
com tanta frequência, porque elas me levam para um caminho que
não há mais volta. O beijo na noite do aniversário da Claire é o
maior sinal de alerta.
Contudo, eu não consigo me conter. Meu corpo corresponde
ao de Reed apesar de todos os esforços para evitá-lo.
— Vermelho, branco e azul — respondo, torcendo para que a
música alta abafe o som da minha voz.
O meu pedido não é atendido, porque Reed gira a banqueta,
de forma que fiquemos de frente um para o outro.
Inconscientemente, abro minhas pernas, deixando que ele se
acomode entre elas. A posição é mais do que perigosa: é um
prelúdio para o que nos aguarda ao final da noite.
Não sei se consigo resistir ao charme dele. Não mais, pelo
menos.
— Vermelho também é a minha favorita — murmura, os olhos
mergulhados na luxúria de uma lembrança. — Quanto ao branco e
ao azul, já não posso dizer nada.
Abro um sorrisinho arrogante e entrelaço minhas mãos ao
redor da sua nuca. Puxo levemente o rosto para perto do meu e a
atenção de Reed recai para a minha boca. Mal sabe ele que o que
estou prestes a dizer é uma bomba relógio que vai explodir —
exclusivamente — por nossa culpa.
— Talvez você possa descobrir essa noite.
Reed paralisa e o olhar sobe, encontrando o meu. Ele me
analisa com curiosidade, tentando descobrir se estou falando sério
ou fazendo uma brincadeira de mau gosto. A verdade é que nem eu
sei. Minha cabeça está confusa pra cacete e a presença dele só
torna as coisas ainda mais nebulosas.
— Anne.
Porra, eu amo quando ele me chama de Anne.
Torna as coisas mais íntimas e reais. É a certeza de que não
estou delirando ou criando cenários imaginários na cabeça
enquanto me masturbo no chuveiro.
Reed é real.
— Eu...
Ele move a cabeça em discordância e firma as mãos ao redor
da minha cintura. É um toque possessivo e que expressa a
dimensão do que ele sente.
— Não brinque comigo — avisa. — Porque eu só vou ceder
quando você decidir ceder para mim. Sem a porra de fingimentos ou
qualquer outra merda que você inventar. Eu quero você por inteira.
Empurro a grossa saliva para baixo e obrigo meu pulso a
desacelerar.
— Estou falando sério — continua a dizer e pousa o indicador
abaixo do meu queixo, inclinando minha cabeça para trás. — Não
quero metade. Não quero nem mesmo uma parcela minúscula. Não
é assim que as coisas funcionam comigo. Ou é você por inteira, ou
não é nada.
— E se eu não puder me doar por inteira?
— Então, nós teremos problemas.
Reed inclina o corpo para frente e pega as cervejas, me
entregando uma. Bebericamos um gole juntos, nossos olhares
conectados através da borda. A cena é mais sensual do que deveria
e quase me faz esquecer de que não estamos sozinhos. O time todo
está aqui, assistindo a cada maldita interação minha entre Reed.
A diferença é que, semanas atrás, eu me preocuparia em
passar a imagem de que somos um casal de verdade. Agora, no
entanto, essa preocupação está esquecida dentro um baú, porque
estar com Reed não exige nenhum tipo de encenação.
A nossa relação de mentira se tornou tão natural que pode
ser facilmente confundida com algo real.
— Não pense tanto, Annie. — Reed deixa a cerveja em cima
do balcão e fecha os dedos ao redor do meu joelho nu. Estou
usando somente uma saia jeans. — Eu não vou te devorar.
Ergo as sobrancelhas.
— Mas você bem que gostaria.
Ele dá uma risada pelo nariz.
— Não coloque palavras na minha boca, sua espertinha.
Abro um sorriso divertido e levo a garrafa de cerveja aos
lábios, sorvendo um pequeno gole. Reed contempla os movimentos
de forma hipnotizada, o corpo ainda acomodado entre as minhas
pernas. O silêncio se estende, exceto pela música que toca nas
caixas de som do bar.
É The Night Is Still Young da Nicki Minaj. Pelo canto do olho,
noto nossos dois melhores amigos dançando, mesmo com a
ausência de uma pista de dança. 
As mãos de Dave passeiam pela cintura de Claire e ele
cochicha algo no ouvido dela, arrancando-lhe uma gargalhada. O
sorriso que minha amiga dá para o quarterback é o mais bonito que
já vi. É aquele tipo de sorriso de quem tem a certeza que vai passar
o resto da vida ao lado daquela pessoa.
— Eles são um casal e tanto, não é? Quase me faz acreditar
de volta no amor.
Keeran chega de repente, o quadril encostado no balcão.
Reed e eu viramos o rosto ao mesmo tempo. Ele tem em uma das
mãos um copo de bebida, enquanto, na outra, um tipo de camarão.
Eu nem sabia que eles estavam servindo frutos do mar.
— Quase?
— Você sabe como funciona a minha vida, Scott. Nada de
relacionamentos sérios. — Dá uma mordida no camarão. — Mas,
quem sabe, para você eu possa abrir uma exceção. O meu quarto
fica no mesmo andar que o seu.
Reed grunhe.
— Quando você vai parar de dar em cima da minha
namorada, Flanagan?
— Até vocês dois pararem de mentirem para si mesmos. —
Levanta as mãos em rendição. — Estou ficando cansado. O meu
estoque de flertes já está acabando e vocês continuam nesse
mesmo joguinho de gato e rato.
— E como exatamente deveríamos estar?
Keeran passa as mãos pelo cabelo e bebe um gole da
cerveja, se afastando do balcão. Assim como os outros meninos do
time, ele veste uma camisa de botões e calças jeans. A única
diferença são as tatuagens que recobrem a pele do seu braço em
locais espalhados, dando um ar de garoto cheio de problemas e
com um passado misterioso.
— Diga-me você, Scott. — Keeran gesticula para a camiseta
que uso. — Como você gostaria de estar esta noite?
E da mesma forma que surgiu, Keeran se afasta. Ele se
mistura no mar de pessoas ao nosso redor, mas a ausência dele
não apaga o impacto da pergunta que fez.
— Não liga para o que Keeran fala — Reed diz perto do meu
ouvido, mas sem me tocar. — Ele está zoando com a gente.
Giro sobre os calcanhares e esquadrinho o semblante de
Reed. Ele está tão bonito e gostoso que parece uma miragem.
Como que eu vou resistir a esse homem até o final do nosso
acordo?
Não vou. Essa é a resposta. Não agora que eu sei o gosto
que a boca dele tem.
— E se eu ceder, Reed? — Jogo a pergunta. — O que
acontece?
Reed avança para cima de mim.
Eu posso jurar que ele vai me beijar aqui, no meio de todas
as pessoas. Entretanto, o que ele faz é o completo oposto. Os
dedos se fecham ao redor do meu pescoço em um aperto delicioso
e a boca paira sobre a minha, o ar quente escapando por entre os
lábios.
— Você quer ouvir a resposta ou quer que eu faça?
Puta merda.
Aprumo a coluna e pressiono os seios no seu peitoral.
Mesmo com o sutiã, sinto os mamilos ficarem intumescidos e
apontarem contra as duas camadas de tecido. Eles estão doidos
para serem tocados e chupados pela língua de Reed.
— Eu quero que você faça.
Não leva mais do que cinco segundos para Reed reagir. Ele
encaixa os dedos ao redor do meu pulso e me puxa para fora da
banqueta. Caminhamos por entre as pessoas e rumamos para os
fundos do bar, onde a iluminação é mais baixa. Reed não hesita em
nenhum momento. Ele abre a primeira porta e nos empurra lá para
dentro, fechando-a em um clique. Demoro curtos segundos para me
dar conta de que estamos no banheiro feminino.
Quando nossos olhares se encontram, não sei ao certo o que
pensar.
Ele mantém as costas pressionadas contra a porta, me
impedindo de fugir, e os braços cruzados em posição defensiva. A
camisa está com os dois primeiros botões abertos, revelando um
pedaço da pele ainda bronzeada do verão, e as mangas foram
dobradas para cima, na altura dos cotovelos.
O tecido adere ao seu porte atlético de um jeito que me dá
água na boca e faz a minha boceta se contrair em expectativa. Os
pensamentos de Reed, aparentemente, seguem o mesmo caminho,
porque ele me analisa com atenção da cabeça aos pés,
mordiscando o cantinho do lábio inferior.
— Venha aqui.
Ele faz um sinal com o dedo, pedindo para que eu me
aproxime.
E eu obedeço.
Meus pés se arrastam pelo piso até que estejamos
novamente de frente um para o outro. Reed empurra meu cabelo
para trás e os prende em punho, puxando minha cabeça para trás.
A ação é tão inesperada que acabo arfando em surpresa.
— Eu vou perguntar para você apenas uma vez e quero que
me responda com sinceridade, okay? — manda, de um jeito tão
rude que começo a ficar molhada.
Concordo com um aceno, mas não parece bastar. Reed dá
mais um leve puxão e meus pés se contraem dentro das botas. Eu
não sabia que podia despertar esse seu lado — e muito menos,
gostar.
— Eu quero ouvir da sua boca, Anne — exige.
— Eu vou responder com sinceridade, Reed — confirmo, a
voz arranhando as cordas vocais.
Reed curva discretamente a boca em um sorriso convencido
e usa a outra mão, a que não está presa em meus cabelos, para
apertar a minha bunda. É o lugar favorito dele no meu corpo, não
tenho dúvidas. E tenho que confessar que estou ansiosa para ele
me estapear do mesmo jeito que fez dentro do seu carro.
Foi quente.
Foi excitante.
Foi gostoso pra cacete.
— Eu vou te beijar de novo. Vou te beijar até que
esquecemos o nome um do outro. Vou te beijar quantas vezes
forem necessárias para que você nunca se esqueça por que cedeu
para mim. E, dessa vez, não quero que saia correndo ou diga que é
tudo a merda de um fingimento — murmura e aproxima as nossas
pélvis. — É isso que você quer, Anne?
Encaro os olhos felinos de Reed. Ali há um tipo de fogo que
poderia incendiar não somente esse banheiro, mas o hotel inteiro.
— Sim.
Minha confirmação é o que basta para que tudo ao nosso
redor exploda.
Reed emite um gemido e puxa a minha boca para sua,
afundando os dentes no meu lábio inferior. Eu solto um arquejo em
resposta, as pernas ficando molengas somente com o primeiro
contato que não chega nem perto do que já fiz com outras caras.
Contudo, com Reed, a intensidade não me abandona em nenhum
segundo sequer.
Ele faz valer a pena o começo e o fim.
A língua brinca com a minha, dançando em um tipo de
provocação que se assemelha a nossa relação. É como se ele
estivesse me convidando para assumir o controle da situação, mas
sem deixar de me entregar por completo.
Eu gosto de como as coisas funcionam entre a gente, desse
jeito que me confunde e me preenche de forma simultânea.
Afasto minimamente os lábios e aponto para a fechadura.
— Tranca a porta, Reed.
Ele estica o braço e gira a chave. O clique é o único som que
precisamos ouvir para que voltemos a nos beijar. Eu impulsiono as
pernas para cima e o corpo dele compreende de imediato. As duas
mãos grandes se firmam em minha bunda e me puxam para seu
colo.
Nessa posição, minha calcinha resvala no tecido da calça
jeans, que já evidencia o volume surgindo por debaixo dela, e eu
aproveito a oportunidade para rebolar o quadril em um círculo,
desejando sentir o seu pau.
Reed e eu engolimos um gemido e a boca suga com mais
força a minha, desnudando a minha alma. Ele desliza os lábios
molhados por minha mandíbula e desce em direção ao pescoço,
dando ali uma mordida que certamente vai deixar uma marca no dia
seguinte.
— Você me deixa tão louco, porra. — Dá um passo para
frente, sem nenhuma dificuldade, e desfere um tapa na minha
bunda. — Você ao menos tem noção do que faz comigo?
Fecho os olhos e mordo o lábio inferior quando Reed me
coloca sentada sobre o granito gelado da pia. As mãos retornam
para os meus joelhos, os entreabrindo. Os dedos dedilham o interior
das pernas, subindo lentamente para dentro das coxas.
Começo a ficar impaciente.
Ao notar a minha expressão, Reed paralisa os dedos. A boca
paira sobre a minha e fecho os punhos no colarinho da sua camisa.
Quero arrancar esse tecido e senti-lo pressionar cada parte minha
sem nenhum tecido nos atrapalhando.
— Eu não vou ceder para você se continuar brincando
comigo, Reed.
— Não vai? — Arqueia a sobrancelha e uma das mãos sobe,
se escondendo embaixo da minha saia jeans. — Nem mesmo se eu
me ajoelhar aqui e te chupar?
Porra.
Empino o queixo e uso de toda a confiança que tenho dentro
de mim para dizer:
— Não.
A risada irônica vem seguida de um dar de ombros, divertido.
— Isso é o que nós vamos ver.
Reed não espera que eu dê uma resposta à altura. Ele se
ajoelha em câmera lenta e ergue o rosto, me observando de baixo.
A imagem é muito mais sensual do que imaginei. Os lábios
molhados e inchados por causa do beijo, as bochechas coradas e
as pupilas dilatadas fazem minha boceta ficar molhada.
E ele ainda nem fez nada.
Sou puxada para a beirada e os dedos voltam a subir, se
infiltrando por debaixo da saia jeans. Ao chegar na altura da
calcinha, Reed brinca com o polegar no centro, sentindo a umidade
que se acumula no tecido rendado.
Não tem mais como mentir. Não quando ele me dá um sorriso
arrogante e distribui uma mordidinha no meu joelho.
— Se eu me lembro bem, você tinha dito que não ficava
molhada para mim.
Contraio a barriga.
— E eu não fico.
— E essa boceta molhada é para quem, então?
Sugo o ar com uma única lufada e fecho a mão ao redor da
beirada do balcão.
— Para qualquer um, menos para você.
Reed faz um biquinho descontente e o polegar faz uma
pressão maior contra a minha intimidade. O tecido rendado da
calcinha pinica, me deixando ainda mais impaciente.
Ele continua a me provocar; dessa vez, com a boca se
fechando no interior da minha coxa esquerda. A língua desliza por
minha pele em círculos imaginários e minha mão voa para sua
cabeça, prendendo os fios de cabelo entre os dedos.
Meu pescoço arqueia para trás e afogo um gemido quando o
nariz paira sobre a minha boceta. Ele inspira e empurra o tecido da
saia para cima. O tecido do jeans se acumula na minha cintura e,
simples assim, estou exposta para Reed, com uma fina camada de
renda me mantendo parcialmente escondida.
— A quem está tentando convencer, Anne? — Abre mais as
minhas pernas. — A mim ou a você?
— Isso importa agora? — resmungo, em um nítido mau
humor.
Reed não me responde, apenas age.
Sou puxada para a beirada da pia e os polegares se engatam
nas laterais da minha calcinha, a puxando para baixo. Ele não tem
nenhuma dificuldade em deslizar a renda molhada por meus joelhos
e finalmente pelos meus pés.
Ao tê-la em mãos, leva-a ao nariz e inspira baixinho.
Cacete.
Por um momento, cogito a possibilidade de eu mesma me
tocar diante dessa cena. Afundar o dedo em minha entrada e
acariciar o clitóris com o polegar, gemendo de boca fechada para
que ele não saiba as reações que consegue causar em mim.
Ao notar o meu olhar sobre o seu, Reed me direciona um
meio-sorriso e guarda a calcinha dentro do bolso traseiro da calça
jeans.
— Isso aqui fica comigo até segunda ordem — declara e
abaixa as vistas para a minha boceta descoberta. — Porque
imaginar você voltando para aquele bar sem essa calcinha é
excitante pra cacete.
Quem dispensa uma resposta dessa vez sou eu. Puxo-o pelo
tecido da camiseta, obrigando-o a ficar de pé, e o beijo com força,
puxando o lábio inferior entre os dentes, para logo em seguida
afundar a língua na sua boca. Nós dois gememos em uníssono e,
com os dedos trêmulos, desabotoo mais dois botões da sua camisa.
Deslizo a palma da mão por seu peitoral, sentindo os músculos se
contraírem.
Hoje, eu amo que Reed seja um atleta.
Ele volta a apertar as minhas coxas e eu me abro ainda mais
em um convite mais do que bem-vindo.
— Ainda estou esperando você me responder — sibila em
um rosnado quando se afasta abruptamente. A expressão dele é um
poço de tesão e sedução. — Porque só depois disso eu vou enfiar
meus dedos dentro de você e te chupar do jeito que eu sei que você
gosta.
Qual era a merda da pergunta mesmo? Minha cabeça é uma
nuvem de fumaça.
— Não consigo me lembrar da pergunta.
Ele arqueia uma das sobrancelhas, ponderando se refaz a
pergunta ou me deixa no escuro. A minha sorte é que Reed escolhe
a primeira opção.
— Essa boceta molhada é para quem?
Ah.
— Para você. Só para você e para ninguém mais.
— Boa garota. — Sorri e se ajoelha novamente, mantendo a
atenção fixa na minha intimidade descoberta. Estou tão molhada
que posso senti-la pulsar com o mero olhar que recebe. — É assim
que eu gosto que as coisas funcionem entre a gente, Anne. Não
quero ver você fingindo.
Reed não me dá a chance de formular nenhum tipo de
pensamento. Simplesmente dá um tapa na minha boceta e insere
um dedo. Eu dou um grito estridente, não esperando que ele já
fosse começar dessa maneira.
Mordo o interior da bochecha com força e qualquer chance
que eu tivesse de manter a minha sanidade intacta se estilhaça em
inúmeros pedacinhos quando ele afunda mais um dedo e os curva
levemente para cima, tocando um ponto que me faz revirar os olhos.
Estou tão úmida que não há nenhuma dificuldade. Ele desliza
para dentro sem encontrar nenhuma barreira no caminho.
Me contraio ao seu redor e afundo os dedos em seu ombro
quando, com o polegar, Reed começa a massagear o meu clitóris
em movimentos circulares. A pressão é perfeita e capaz de me
derrubar no chão a qualquer instante.
Não tem como eu sair viva daqui.
Meu quadril começa a dançar, acompanhando o ritmo do vai
e vem dos dedos dele e da pressão aplicada no meu clitóris. Mas eu
quero mais. Preciso de mais. Não vou conseguir gozar assim e a
última coisa que eu quero é sair desse banheiro frustrada.
Reed vai ter que ir até o fim.
— Eu quero sua boca em mim — exijo ao sentir mais um
dedo entrar. Três dedos dentro de mim. — Me chupa, Reed.
Ele inclina o pescoço para trás, me sondando de baixo com
as pupilas dilatadas. Com todos os botões da camiseta aberta e o
pau ereto se destacando no tecido da calça, eu não tenho dúvidas
de que estou vivendo um tipo de sonho. Não tem como ser real.
Não quando Reed espalma a mão livre na minha bunda e me
puxa para o limite da beirada da pia. Estou sustentada por poucos
centímetros.
— Finalmente você aprendeu, Anne. — Abaixa o rosto e
desliza o nariz para cima e para baixo em minha virilha. O seu jeito
de torturar é o mais sujo que já vi. — É só você pedir que eu faço.
Ele caí de boca na minha boceta sem hesitar, fazendo
exatamente o que pedi. A língua sobe e desce por toda a minha
extensão, os dedos sincronizando os movimentos dentro de mim
enquanto me contorço, o quadril não conseguindo ficar quieto.
Quando meu clitóris é sugado, estrelas minúsculas se
formam no canto dos meus olhos. Afundo as unhas nos ombros de
Reed e prendo o tecido entre as palmas, um gemido nada bonito
sendo liberado.
— Agora eu quero saber... — Reed murmura, os lábios
molhados com a minha excitação, os dedos ainda saindo e entrando
em um ritmo enlouquecedor. Manter minhas pálpebras abertas é
uma tortura. — Quando eu te fizer gozar, você vai continuar aqui
comigo?
Puta merda.
Ele precisa parar de falar assim comigo.
Não consigo acompanhar a linha dos seus pensamentos
quando há três dedos dentro da minha boceta. É o jogo mais cretino
de todos e que, infelizmente, combina perfeitamente com Reed
Rollins.
— Eu quero que você me responda, Scott.
Arqueio a coluna para trás e respiro fundo, entreabrindo as
pálpebras. Reed permanece de joelhos, a mão livre mantendo as
minhas pernas abertas e os cabelos bagunçados nas mais
diferentes direções.
— Eu não vou a lugar nenhum.
O sorriso malicioso exprime o orgulho ao ouvir a minha
declaração e, como eu tanto desejei durante toda a noite, ele
encaixa minhas pernas ao redor do seu pescoço e avança
novamente, sugando tudo de mim.
Dessa vez, os dedos são substituídos por sua língua. Ela
adentra a minha entrada, enquanto o polegar dedica-se ao meu
clitóris já inchado.
Meus fluidos escorrem por sua boca e me puxam para cada
vez mais perto do orgasmo. O costumeiro formigamento começa a
se formar em meu ventre e eu rebolo na boca de Reed, deixando
que ele invista mais fundo dentro de mim.
— Reed, eu...
Ele desliza novamente a língua por toda a minha extensão
molhada e esse é o golpe final. Minhas coxas se apertam ao redor
do seu pescoço e eu explodo, gemendo alto e gozando na sua
boca.
Recosto minha cabeça no espelho e relaxo os dedos,
deixando Reed livre do meu aperto enquanto um pedaço da minha
alma é drenado para longe.
Minha pulsação acelerada fica ainda mais confusa quando
Reed resvala os lábios molhados nos meus, deixando que eu sinta o
gosto do meu próprio gozo. Esse gesto é de uma intimidade tão
grande que me pego abrindo um minúsculo sorriso.
— Você não estava brincando quando disse que iria me
chupar do jeito que eu gostava.
Reed empurra meu cabelo suado para trás e acaricia minhas
bochechas com carinho, me reverenciando logo depois de acabar
com cada partícula de resistência que eu ainda poderia ter. Não
existe nenhuma possibilidade de eu ir embora e deixá-lo para trás.
— Esse é apenas o começo, Annie. — Retorna ao apelido e
beija a pontinha do meu nariz. — Porque eu, com certeza, ainda não
terminei com você.
 
 
“Você sabe, eu não consigo suportar”
I Put A Spell On You | Nina Simone
 

 
Reed e eu estamos dentro do elevador logo depois dele
proporcionar o melhor orgasmo da minha vida. Ainda posso
visualizar as estrelas no canto dos meus olhos e o leve tremular do
meu joelho. Não que eu vá admitir qualquer um desses detalhes
para ele. Vou levar cada um deles comigo até o túmulo.
Se eu elevar ainda mais o ego de Reed, não duvido que logo
ele vai atravessar a estratosfera dentro de um foguete.
Quando o elevador apita que estamos no sétimo andar,
caminhamos em direção ao quarto. Nossos passos repercutem pelo
silêncio do corredor. A maioria dos jogadores do time continuam no
bar do hotel, determinados a celebrar a vitória até o amanhecer.
Dave e Claire, curiosamente, sumiram logo depois que Reed e eu
saímos do banheiro.
— Você não precisava me acompanhar até o quarto, sabia?
— Insiro o cartão no leitor. A porta é aberta em um clique. —
Poderia ter ficado lá embaixo com os outros meninos.
Uma das sobrancelhas grossas se ergue em um arco
perfeito.
— Estou cansado, joaninha. Foi um jogo difícil, a única coisa
que eu quero é tomar um banho e me jogar na cama.
— Bom, então...
Minha dispensa é vista de outra forma e, inesperadamente,
Reed cai na gargalhada, o pescoço pendendo para trás. Quando
volta a olhar para mim, as bochechas estão coradas e há um sorriso
zombeteiro dançando em sua boca.
— Acho que você não entendeu ainda, Annie... — Se
aproxima e empurra a porta para trás, abrindo-a totalmente. Ele dá
mais um passo para frente e eu recuo, entrando no cômodo escuro.
— Mas esse quarto é para nós dois. Vamos dormir juntos, como um
casal deve fazer.
Meus olhos se arregalam e eu me afasto mais um pouco,
tateando a parede em busca do interruptor. Reed aproveita o
momento e entra de vez no quarto, fechando a porta com um chute.
Estamos agora na densa escuridão e eu não vejo absolutamente
nada.
Aguço os ouvidos, procurando escutar qualquer som, mas a
quietude predomina, exceto pelo galopar vergonhoso do meu
coração.
— Reed?
Nada.
Movo meus pés para trás, sem saber ao certo para onde
seguir. Pelo o que lembro, a cama fica no extremo oposto e, do lado
esquerdo, há a porta que dá acesso ao banheiro. O grande
problema é que não faço ideia se estou a poucos passos da cama
ou do outro lado do quarto.
— Isso não tem graça, sabia? — resmungo e cruzo os
braços. — Se é o seu jeito de me aterrorizar para que ceda o
colchão para você, saiba que não vai dar certo. Eu não cedo fácil.
Um grito agudo me escapa assim que as mãos de Reed se
fecham ao redor da minha cintura e a boca dá uma mordida de leve
no meu pescoço, a língua trilhando um caminho perigoso até a
orelha.
— Você gosta de bancar a difícil comigo, hein? — ronrona e
empurra meu cabelo para trás, respirando baixinho na minha pele.
— Quando você vai entender, de uma vez por todas, que eu gosto
de ser desafiado?
— Gosta de correr atrás de quem não está nem aí para
você?
Ele ri e infiltra os dedos por debaixo da minha camiseta.
— Gosto de conquistar o que já sei que é meu — me corrige
ao prender o lóbulo da minha orelha entre os dentes. Minha boceta
desperta embaixo da saia, sem nenhuma calcinha para mantê-la
protegida desta vez.
— Eu sou sua, então?
Reed demora para responder. As mãos exploram o meu
corpo, subindo e descendo por minhas costelas, o polegar
brincando com o arco do sutiã, mas sem avançar de fato.
— Me responda você. — Reed me vira de frente para o seu
corpo com um único movimento. Como estamos no escuro, não
consigo visualizar o seu rosto, mas tenho certeza de que está
sorrindo. — Você já é minha? Ou eu vou ter que me esforçar mais
um pouco?
— Talvez você deva fazer uma forcinha a mais. Estou
facilitando as coisas demais para você.
— Você não faz ideia do quanto você é difícil de lidar.
— Você está me insultando por acaso? E no escuro ainda,
para não correr o risco de levar um soco no nariz? Você é patético.
Reed ri.
— Eu não ousaria. Gosto do meu nariz, mas também gosto
de você.
Sugo o ar em uma lufada única.
O bom das luzes estarem apagadas é que ele não pode ver a
careta que estou fazendo. Eu ter deixado as coisas avançarem entre
nós não significa que estou pronta para me desnudar dessa forma.
Não quero me entregar por inteira, muito menos me permitir
sentir qualquer sentimento grande demais por ele.
— Não torne isso maior do que é — suplico e subo com as
mãos, parando-a na altura dos ombros largos. Reed é gigante.
— E o que é isso entre a gente?
— Algo casual. Um bônus pelo nosso namoro falso.
Reed fica quieto em primeiro momento. A primeira reação
que ele tem é mover as mãos pela minha cintura e parar na altura
do pescoço. A segunda é encaixar os polegares ali, massageando
de leve.
— É isso que você quer, Annie?
Concordo, desejando poder ver o rosto dele e saber
exatamente o que está pensando. Ler Reed é fácil. E talvez seja por
isso que estejamos tendo essa conversa no escuro. Com as luzes
acesas, nos tornamos vulneráveis.
— Sim.
Ele abaixa as mãos e dá um passo para trás.
— Que assim seja.
Então, ele acende a luz com um leve toque no interruptor.
Demoro a me acostumar com a claridade do quarto, mas quando
meus olhos conseguem focar nos de Reed, um friozinho se apodera
da minha barriga.
Existe um tipo de calor dilatando as pupilas dele que estou
notando pela primeira vez.
Ele passa a língua pelos lábios e leva a mão ao bolso traseiro
da calça jeans. De lá, tira a minha calcinha. A calcinha que levou ao
nariz e cheirou, gemendo logo em seguida.
Puta merda.
Pensar nessa cena me deixa com vontade de empurrá-lo
para cima da cama, subir em seu colo e gozar de novo com a sua
boca irritante na minha boceta. O calor aquece as minhas
bochechas e tenho certeza de que ele compreende o rumo dos
meus pensamentos, porque dá uma risadinha arrogante.
— Esqueci de falar para você... — Gira a calcinha no polegar
e a arremessa em cima da cama. — Mas há uma chance de azul
ser a minha cor favorita agora.
O tecido rendado, na cor azul, se destaca na colcha branca
da cama de casal.
— Desistiu da ideia do vermelho?
Reed discorda com um aceno de cabeça, os olhos devorando
o meu corpo de cima a baixo. Mesmo usando a saia jeans e a
camiseta com o seu nome nas costas, me sinto nua diante da
intensidade que emana de suas íris.
— Guarde as suas lingeries vermelhas para a próxima vez —
declara autoritário e contorna meu corpo, rumando para o banheiro.
Antes de entrar no cômodo, no entanto, ele me observa sobre o
ombro. — Porque haverá muitas para eu tirar a sua roupa no futuro.
Eu não vou desistir de você, Annie.
Como de costume, ele não me dá a chance de responder.
Entra no banheiro e fecha a porta. Mesmo com o silêncio me
rodeando, ainda sinto suas palavras flutuando no ar, atingindo em
cheio o único lugar que quero manter intacto: o meu coração.

Uma hora e meia depois, estou saindo do banheiro com os


cabelos secos e um pijama confortável. Reed está esparramado na
cama, as mãos cruzadas atrás da cabeça e não usando nada além
de uma calça de moletom.
É uma merda ter que admitir, mas não consigo desviar o
olhar.
O abdômen é feito inteiramente de músculos, com os seus
gominhos se destacando e terminando em um V que leva
diretamente para aquele lugar. Os braços também são uma visão e
tanto. Os bíceps se destacam devido às inúmeras horas de treino e
de esforços físicos no gramado.
Repentinamente, fico com vontade de passar a minha língua
por cada um deles.
Balanço a cabeça em negação e abraço meu próprio corpo,
desejando que a cama fosse muito maior. É um jogo sujo ele ter
alugado um único quarto para nós dois — ainda mais depois do que
aconteceu no banheiro do bar. Se não estivéssemos fingindo ser um
casal, eu certamente teria ido até a recepção e implorado de joelhos
por um quarto só para mim.
Mas já que estamos metidos nessa farsa, não me resta
escolha.
— Está com medo? — Reed pergunta com o seu jeito
provocador, me lançando um sorriso ladino e dando um tapinha no
espaço vago ao seu lado. — Prometo que não vou tentar te seduzir
com o meu pau mágico.
Bufo pelo nariz e me aproximo, me sentando na beirada do
colchão.
— Até porque eu duvido que ele seja capaz de fazer
milagres. Preciso muito mais do que um pau mágico para ser
seduzida.
Reed puxa um travesseiro, colocando-o atrás do pescoço.
— Meus dedos dentro de você, por exemplo?
A vermelhidão da vergonha inunda as minhas bochechas e
arremesso o travesseiro livre em sua direção. Reed dá risada, se
divertindo com a situação.
— Agora você está com vergonha? — Ele estreita os olhos
em uma fenda e estende o braço para mais perto de onde estou
sentada. — Vem cá e deita comigo, Annie.
Hesito, embora eu saiba que não tenha outras opções.
Dormir no chão não me soa nada confortável e obrigar Reed a sair
da cama depois de um jogo como o de hoje seria maldade. O corpo
dele deve estar todo detonado e dolorido.
Me desfaço das pantufas e me acomodo ao seu lado.
Mantenho a barriga para cima, encarando o teto. O perfume de
Reed me rodeia, assim como o calor do corpo dele. É impossível
ignorar a sua presença, especialmente com o braço nu roçando no
meu.
— Nada de pilha de travesseiros entre a gente hoje? —
pergunta baixinho.
Eu me viro no colchão, ficando de frente. Reed mantém os
olhos castanhos nos meus, analisando cada detalhe com atenção.
O foco se mantém por minutos a mais na minha boca e me vejo
entreabrindo os lábios, desejando — bem lá no fundo — que ele me
beije de novo.
— Confio em você.
— Decisão horrorosa — debocha e empurra uma mecha do
meu cabelo para trás. — Com uma pilha de travesseiros entre a
gente ou não, eu nunca iria fazer algo que você não quisesse.
— Ah.
— Sempre me dando pouco crédito — diz. — Não sou tão
ruim assim, Annie. Na maior parte do tempo, não costumo ser um
babaca.
— Exceto quando nos conhecemos — relembro-o e Reed faz
um movimento com o queixo, pronto para discordar. — Nem vem
com esse papo. A gente não tinha nem trocado duas palavras direito
quando você soltou aquela frase horrorosa para cima de mim.
— Eu estava nervoso.
— Com o quê?
— Por estar perto de você.
— Não seja ridículo.
Reed sopra o ar pelas narinas e se aproxima, o nariz tocando
a minha testa. Eu tento manter as minhas mãos paradas, mas
quando me dou conta, elas estão deslizando por seu peitoral,
acompanhando o contorno dos músculos. Eles estão tensos
embaixo da minha palma.
— Estou falando a verdade, joaninha. — Um gemido escapa
de sua boca quando toco em um ponto dolorido da sua costela. —
Você não faz ideia do quanto consegue ser intimidadora quando
quer. E naquela noite, porra, você poderia ter me chutado na bunda
que eu não iria reclamar.
— Estou começando a achar que você gosta de
sadomasoquismo.
O nariz dele se move em minha testa, indicando que está
negando com um balançar de cabeça.
— Eu gosto de você, Anne Scott. É diferente.
Reprimo a vontade de erguer a cabeça e encarar as suas
vistas. É difícil compreender o que ele realmente quer dizer com
essa frase e que tipo de resposta espera de mim.
Devo dizer que também gosto dele? Ou permanecer quieta?
É difícil saber.
— Você está falando sério ou...
— Zoando com você? Posso fazer outras milhões de coisas
com você, Annie, mas zoar não é uma delas. — Gentilmente, meu
queixo é inclinado para cima. Nossos olhares congelam de encontro
um ao outro. — Posso fingir quando estamos na frente de outras
pessoas, mas quando estamos sozinhos, como agora, eu não
consigo.
Mordo o interior da bochecha.
— Você realmente estava nervoso quando nos conhecemos,
então?
Ele me dá um meio-sorriso.
— Você não faz ideia do quanto. Se eu pudesse voltar no
tempo, agiria de outra forma com você. Não foi nada legal da minha
parte.
— Não foi mesmo. Um dos motivos para eu te odiar foi por
causa daquela noite.
— E agora? Você ainda me odeia?
— Se eu disser que sim, o que você vai fazer?
Ele toca a ponta do meu nariz e sorri, as covinhas surgindo.
— Tentar fazer você mudar de ideia, é claro. Eu já te falei,
não vou desistir. Não até conseguir o que eu quero.
— E o que você quer?
Reed pressiona os lábios em uma linha reta, o sorriso
desaparecendo. As mãos descem por meus ombros, me
acomodando novamente entre os seus braços. Descanso a
bochecha no peitoral dele, ouvindo o coração bater contra o meu
ouvido. É uma melodia que deixa minhas pálpebras pesadas de
sono.
Longos minutos se passam e começo a desconfiar de que ele
não vai me dar uma resposta. O sono, gradativamente, se apodera
de mim e, quando estou quase sucumbido a escuridão, escuto-o
dizer, a voz abafada por causa dos meus cabelos:
— É insano você ainda não ter se dado conta, Annie. Mas
acho que, na hora certa, você vai descobrir.

Estou sentada em uma das inúmeras cadeiras do shopping


da praça de alimentação. 
O time inteiro retornou para Maple Hills com o ônibus dos
Rebels Of Horizon logo pela manhã, mas Claire e eu decidimos ficar
em West Falmouth até o almoço. Ela insistiu para que
conhecêssemos a cidade e fizéssemos algumas compras. Dentro de
algumas semanas, Dave vai conhecer, de forma oficial, a família
dela. E como é algo especial, ela quer uma roupa inesquecível.
Rodamos a maioria das lojas e Claire não economizou nas
possibilidades. Há cinco sacolas em cada uma das cadeiras vagas
da nossa mesa. Eu comprei apenas um vestido preto e um conjunto
de lingerie vermelho.
Não sei porque fiz isso.
Mas, quando me dei conta, eu estava imaginando a reação
de Reed quando me visse usando-a. 
Batuco com as unhas no tampo da mesa e balanço o pé,
impaciente. Claire está com a atenção fixa no hambúrguer que está
comendo, meio inerente ao turbilhão de pensamentos que batucam
na minha cabeça.
Eu ainda não consegui nem tocar no meu almoço.
— Você não vai comer? — Ela abaixa o hambúrguer e bebe
um gole do refrigerante pelo canudinho. Os olhos de águia me
escrutinam através da borda do copo. — Podemos pedir outra coisa,
se você quiser. Eu pago.
Sacudo a cabeça.
— Posso te pedir um conselho?
Os lábios delineados com batom roxo, que agora desbota no
centro, se esticam em um sorriso animado. Ela abaixa o copo e se
acomoda melhor na cadeira, ajeitando a blusa de babados ao redor
dos ombros, revelando a pele negra-escura e a pequena tatuagem
de beija-flor nas clavículas.
— Finalmente você decidiu abrir essa boca e me pedir um
conselho. Eu já estava ficando ansiosa com essa sua inquietação
desde que nos encontramos para tomar café da manhã no hotel.
Crio coragem através de um suspiro longo.
— Reed e eu nos beijamos na noite do seu aniversário —
despejo a informação de uma vez só e antes que ela tenha a
chance de responder, emendo: — A gente discutiu no dia seguinte,
porque eu falei uma merda bem feia depois que ele me beijou. E
como se não bastasse, ele me chupou no banheiro do bar ontem e
dormimos abraçados durante à noite.
Claire bem que tenta esconder, mas noto o esforço para
esconder uma risadinha. O mais estranho é que ela nem parece
surpresa com o que acabei de contar.
— E o que mais?
— Não sei o que estou fazendo, Claire — desabafo. — Reed
é ... intenso demais. Quando estou com ele, é difícil dar voz aos
meus medos. Não penso nas consequências. Elas surgem apenas
no dia seguinte. E mesmo que eu tenha cedido para ele na noite
anterior, não consigo parar de pensar que estou deixando as coisas
irem longe demais.
— E por causa disso você está surtando.
— Você não estaria?
Minha amiga empurra o copo de refrigerante e o hambúrguer
para o canto da mesa, esticando o braço sobre a superfície e
remexendo os dedos para que eu faça o mesmo. Ela entrelaça as
nossas mãos.
— Pode soar assustador, mas não há problema em se
arriscar de vez em quando, Anne. Não somente na vida profissional
e acadêmica, como você gosta de fazer, mas também na vida
amorosa — diz. — E eu sei que você tem medo de perder o controle
da situação, mas quando achar que esse lance entre você e o Reed
estiver indo além, é só dizer para vocês pararem. Ele não vai te
amarrar no pé da cama e te obrigar a manter algo que não está
interessada.
— Será que não?
— Até parece que você não o conhece. Estamos falando de
Reed Rollins, afinal de contas. — Inclina a cabeça para o lado. —
Ele tem essa pose de mimado que conquista o que quer e que não
liga para nada, mas ele te respeita, Anne. Eu vi a maneira como
vocês têm convivido nessas últimas semanas. É mais do que um
namoro falso.
— E o que seria?
— A possibilidade de estarem gostando um do outro.
Nego repetidas vezes, meu cabelo quase se soltando do
coque improvisado que fiz.
— Impossível. Gostar de Reed já vai além dos meus limites.
Claire encolhe os ombros e solta as minhas mãos. Mesmo
com a franja da peruca loira cobrindo uma parte do seu olhar, noto
que há um traço de discordância cintilando mais do que a sombra
brilhosa que ela escolheu usar.
— Gostando ou não, você não precisa se preocupar tanto. —
Bebe um gole da bebida e indica com o queixo para que eu faça o
mesmo. — Deixe acontecer naturalmente e se, porventura, sentir
que precisa estabelecer limites, assim faça. Só não deixe de viver
algo legal. Nunca vou te perdoar por isso.
Mostro a língua e coloco o canudinho no meu refrigerante.
Aproveito para encher a minha boca de bebida e assimilar os seus
conselhos. O que ela disse faz muito sentido e ainda me dá a
oportunidade de manter as coisas dentro dos meus parâmetros.
A relação entre mim e Reed já é um acordo e se eu conseguir
manter assim, melhor será. Não somente para mim, mas para ele
também.
Engulo o refrigerante e aprumo a coluna.
— E você não precisa de um conselho também, por acaso?
Ela ri da minha rápida mudança de assunto nada discreta e
pesca uma batatinha, mergulhando-a dentro do molho e depois
dando uma mordida.
— Já tirei as medidas das garotas e também dei início na
costura das roupas sustentáveis para o desfile antes das férias de
final de ano, mas preciso que você me ajude com alguns detalhes,
como o anúncio nas redes sociais e, quem sabe, um comunicado na
rádio universitária convidando os alunos da USVL para prestigiarem
o evento. — Claire bate com a ponta da unha no queixo pontudo. —
Ah, e antes que eu me esqueça, é importante frisar que o desfile vai
ter o apoio de várias instituições.
Concordo com um aceno.
— Eu dou conta de tudo, não se preocupe. Preciso apenas
que você me passe todas as informações. Se quiser, posso também
entrar em contato com algum fotógrafo para a data do evento e
elaborar um briefing para as assessorias de imprensa.
— Você ainda pergunta? É claro que eu quero! — Dá um
pulinho animado na cadeira. — Caramba, esse desfile vai ser
perfeito! Se eu não conseguir um ótimo estágio depois disso, vou
ficar extremamente chateada.
— Você não vai conseguir só um, mas vários — digo com um
sorriso animado.
— A gente pode se encontrar na quinta, então, para acertar
esses detalhes?
Tiro o meu hambúrguer da embalagem e experimento um dos
bacons.
— Quinta, na cafeteria do campus?
Claire sorri, animada.
— Combinado! — Empurra a bandeja com as batatas fritas.
— Agora come. A gente não vai embora até a sua barriga estar
cheia de comida.
Sopro a minha franja para o lado, irritada, mas faço o que ela
manda.

O sábado está quase no fim quando bato na porta do quarto


de Reed. Escuto seus passos do outro lado e, poucos segundos
depois, as dobradiças rangem. Ele surge diante de mim, usando
somente uma calça de moletom e uma regata fina.
— Annie?
Cruzo os braços e me balanço para frente e para trás sobre
os pés descalços.
— A gente pode conversar?
Reed faz uma expressão de suspeita, mas dá um passo para
trás, me convidando para entrar. A última vez que estive no seu
quarto foi há semanas, mas o ambiente continua idêntico.
O computador está ligado em cima da cama, junto com
outros livros, indicando que ele estava estudando antes de eu
entrar. Reed os empilha em cima da escrivaninha e faz um sinal
para que me sente no colchão. Quando minha bunda está
acomodada na colcha, ele se junta a mim, mas apoiando as costas
na cabeceira.
— Ao que devo a sua estimada presença? Veio me mostrar a
sua coleção de lingeries?
Mostro a ele o dedo do meio e puxo as pernas para cima, me
sentando em posição de yoga.
— Eu vim conversar. De verdade. — Friso a última frase. —
Nada de lingeries ou seja lá o que esteja passando por essa sua
cabeça de formiga.
Reed dá uma curta risada e faz um floreio com a mão.
— Sou todo ouvidos. Inunde os meus tímpanos com a sua
voz de anjo angelical.
— Você não consegue levar nada a sério?
Ele arqueia a sobrancelha direita.
— Não depois do que aconteceu em West Falmouth.
A mera menção à cidade faz o meu pulso palpitar.
A minha sorte foi que, ao despertar hoje pela manhã, Reed já
tinha ido embora do quarto de hotel. Acordei com uma mensagem
sua no meu celular, avisando que o ônibus já estava de saída para
Maple Hills e que a gente se via em casa depois.
Ele não sabe, mas o tempo que passamos longe foi essencial
para eu organizar os meus pensamentos e pedir conselhos para
Claire. Preciso assumir o controle da situação para sentir que esse
relacionamento estranho não tome um caminho perigoso demais.
— É sobre isso que quero conversar com você.
Reed trava a mandíbula e desvia o olhar, os ombros
descendo. A expressão risonha e divertida dá lugar à preocupação.
— Não sei se quero ouvir — reclama. — Vai ser uma merda?
Belisco a perna musculosa dele de brincadeira.
— É claro que não. Só quero esclarecer as coisas e deixar a
nossa consciência limpa. — Procuro por seus olhos e, como ele
continua a encarar a janela, eu me inclino para frente. Viro seu
rosto, obrigando-o a olhar para mim. — Eu não vou te dar mais um
fora, se é nisso que você está pensando.
Reed finge um suspiro de alívio.
— Até porque eu acho que não resistia a dois foras em uma
única semana, joaninha.
— Você está sendo dramático pra cacete.
A cabeça dele oscila para o lado e a mão entremeia-se entre
os meus fios de cabelo em uma carícia que me deixa menos na
defensiva. É como se, com o passar do tempo, Reed estivesse
aprendendo como perfurar as minhas barreiras e se aconchegar,
timidamente, na minha vida.
— Não gosto de ter o meu coração pisoteado. Você é
conhecida por ser impiedosa.
— Gosto de fazer as coisas do meu jeito — corrijo-o. — E
não costumo ceder para as pessoas.
— Devo me sentir privilegiado?
Balanço os ombros de forma despretensiosa e coloco as
mãos sobre os seus ombros, criando sustento. Reed, como nunca
perde a oportunidade de ter as mãos sobre o meu corpo, me puxa
para o seu colo.
— Quero te relembrar que isso aqui não é um namoro de
verdade — murmuro, apontando para o peito dele e depois para o
meu. 
Ele agarra a minha mão, beijando a ponta dos meus dedos e
mordiscando a ponta do mindinho.
— O que é, então?
— Eu já te disse, Reed. — Faço uma pausa, não querendo
demonstrar o efeito que ele causa em mim. — Um bônus pelo nosso
namoro falso.
Ele assente em compreensão, mas continua a brincar com os
meus dedos, seguindo em direção ao pulso. Quando Reed exala a
respiração contra a minha pele, manter os arrepios escondidos
dentro de mim se torna uma tarefa impossível.
Meu corpo fraqueja e escuto a risadinha debochada, aquela
que já ouvi inúmeras vezes desde que nos conhecemos.
— Mais alguma coisa, Annie?
— Eu decido quando esse... lance termina entre a gente —
declaro, a voz firme. — Sou eu que determino as regras aqui.
— Sempre tão mandona. — Faz um barulhinho de
discordância com a boca e coloca a minha mão sobre o seu
coração. Ele bate descompassadamente. — Bônus pelo nosso
namoro falso e você decide quando eu devo parar de te chupar. —
Dá um sorrisinho diante da minha careta. — Nós temos um novo
acordo, então?
— Sim, Reed. Nós temos.
Ele puxa meu quadril para frente e nossas pélvis esfregam de
encontro uma na outra.
— Isso quer dizer que eu posso te beijar agora?
— Pode, Reed. Você pode me beijar.
Reed se limita a sorrir e inverte os nossos corpos, minhas
costas atingindo os travesseiros em que ele estava deitado até
agora. Minhas pernas se abrem, dando espaço para que ele se
acomode entre elas, e as mãos pousam no colchão, criando
sustento.
Ele me observa de cima com um tipo de reverência que me
deixa inquieta. A ponta dos meus seios pinicam e se destacam sob
o tecido da camiseta, ansiosos para receberem o mesmo tipo de
atenção.
— E pensar que, até umas semanas, você estava louca para
arremessar um abajur na minha cabeça — provoca e roça o quadril
no meu em movimentos lentos.
— Eu ainda posso arremessar. Você sabe disso, certo?
Reed elimina um muxoxo e se inclina.
A distância que nos separa é minúscula. Cada parte minha
está pressionada contra a dele. Sou uma formiguinha escondida
embaixo de uma montanha de músculos e um ego gigantesco que
poderia ser palpável.
— O novo acordo não permite esse tipo de violência.
— Quem disse?
— Eu. — As sobrancelhas dele dançam em divertimento. —
Tenho direito a acrescentar cláusulas novas, hum? Também estou
envolvido nesse acordo e vou defender pela minha sobrevivência.
— Cala a boca e me beija de uma vez, Rollins.
— Você quem manda, Scott.
Diferente das outras vezes, Reed me beija como se estivesse
determinado a me levar até o topo do mundo. A língua mergulha de
encontro a minha boca e sinto o seu gosto, uma combinação
deliciosa entre creme dental, menta e café.
Gemo, desejando que essa mistura não seja esquecida por
mim jamais.
As mãos, então, se deslocam para a minha cintura,
empurrando o tecido da camiseta para cima e se infiltrando por
debaixo do tecido. Os polegares passeiam pelas costelas e chegam
na altura dos meus seios ainda cobertos pelo sutiã. De repente,
começo a me arrepender por tê-lo colocado antes de vir para o seu
quarto.
Empurro meu quadril para cima e giro-o, sentindo o pau já
ereto cutucar a minha coxa. Reed suspira em minha boca e puxa
meu lábio inferior entre os dentes, mordiscando-o. Eu entreabro as
pálpebras e encontro as íris castanhas com as pupilas dilatadas
fixas em mim.
Reed exala desejo, sedução e luxúria.
— Passa a noite aqui comigo? — ele pede baixinho no meu
ouvido.
Minha boceta pulsa para aceitar o seu pedido.
Mas a minha consciência ganha a batalha desta vez.
— Não acho que seja uma boa ideia.
Empurro uma mecha do seu cabelo castanho escuro para
trás. Há um arranhão no centro da testa, provavelmente devido ao
jogo de sexta.
— Com medo de não conseguir resistir a mim?
Aproximo nossas bocas e sopro o ar quente. Reed se contrai
abaixo das minhas mãos, os músculos tensionando por debaixo da
regata. A maneira que ele me afeta é na mesma intensidade em que
consigo mexer com ele.
— Você não faz ideia do quanto.
A resposta dele é me beijar de novo.
 
 
“Quando você está bonita assim, eu simplesmente não consigo
resistir”
fOoL fOr YoU | Zayn
 

 
Estou sentado no Medi Del Mar, o restaurante favorito do
meu pai em North Groove.
Como de costume, marcamos de nos encontrar para o
almoço. Para a minha total surpresa, ele está atrasado, algo que
não costuma acontecer. Ricky é a pessoa mais pontual que
conheço.
A última vez que estive aqui foi no início de setembro,
algumas semanas antes da temporada de jogos começar. O curioso
é que, desde aquele dia, a minha vida sofreu uma reviravolta
surpreendente. Chega a ser irônico o quanto um boato espalhado
despretensiosamente é capaz de bagunçar a cabeça de uma
pessoa.
Batuco com os dedos no tampo da mesa e dispenso o
garçom quando ele pergunta se quero beber algo. Leva quase dez
minutos para que eu veja Ricky estacionar o carro em frente ao
restaurante e saltar para fora, arrumando o paletó e a gravata.
No momento em que ele se acomoda na cadeira em frente à
minha, trocamos um olhar silencioso. A expressão em seu rosto
cansado não é nada agradável. É um aviso da tempestade que se
aproxima. Vai ser um almoço difícil. Principalmente pelo fato de que
não o vi no jogo em West Falmouth, mesmo com ele dizendo  que
estaria lá.
— Como você está? — pergunta em um tom frio. — Não tive
notícias suas desde a vitória contra os West Panthers.
— Estive ocupado — respondo e pego o cardápio, criando
uma barreira segura. — É um momento importante do campeonato.
Não quero perder o foco.
Ricky deixa escapar uma risada de puro deboche e empurra
o meu cardápio para baixo. Ele me fulmina com um tipo de ódio
latente.
— Você não parece estar tão focado como diz, Reed. Tenho
estado de olho em você.
Um balde de água com gelo me atinge e instantemente, eu
sei.
Eu sei que Ricky esteve no jogo de sexta.
E sei que ele me viu com Anne no bar do hotel.
E não duvido que ele saiba o que tenha acontecido entre a
gente naquele banheiro também.
— Tenho frequentado todos os treinos e melhorado cada vez
mais a minha performance no campo — retruco. — O que você quer
além disso? 
Ele arqueia a sobrancelha com fios grisalhos.
— O que você quer da vida, Reed?
— Ser draftado pelo New England Patriots.
— E o que mais?
— Ser um jogador tão bom quanto você.
Meu pai concorda com um leve aceno e cruza os braços
sobre o peito largo.
— E o que a garota quer da vida?
A raiva cresce dentro de mim.
— Ela se chama Anne.
Ricky faz um movimento com a mão, como se estivesse
pouco interessado no que estou falando. Anne poderia ser uma
mosca que ele não hesitaria em enxotá-la para fora.
— O nome pouco me importa. Quero saber quais são os
objetivos dela.
Trinco os dentes.
— Por que você mesmo não pergunta? Essa é a
oportunidade perfeita para você encurralá-la com os seus
questionamentos e procurar por algum tipo de humilhação. — A
palma da minha mão formiga. — Por que, nos últimos anos, você
tem feito isso muito bem, não é?
Ricky aperta os lábios em uma dura linha e as feições
congelam duramente. A imagem se assemelha a de quando ele
brigou comigo pela primeira vez por não atender às suas
expectativas.
Curiosamente, desta vez, não me sinto afetado. Não vou
deixar que ele humilhe ou destrate Anne. Ele não vai fazer com ela
o mesmo que faz comigo. Esse fardo é totalmente meu.
— Você não está entendendo — ruge, mas em um tom baixo
para que não sejamos ouvidos pelos outros clientes. — Não é isso
que eu desejo para você.
— Pode apostar que estou entendendo muito bem, pai.
Ele sorri amargamente.
— Claramente entende, então, quando digo que não quero
que você perca o foco do que realmente importa por causa de uma
garota insignificante.
Xingo mentalmente um palavrão.
— E correr o risco de me casar e ter um casamento de merda
como o seu? — debocho. — Eu dispenso a sua preocupação. Ela
pode ir para a puta que pariu.
A pose tranquila de Ricky se perde de imediato. As
sobrancelhas se franzem e as rugas se acentuam no centro da
testa, o músculo do maxilar pulsando em impaciência. As mãos se
fecham em punho e as narinas dilatam quando ele respira fundo e
expira profundamente.
— Olha como você fala comigo, Reed. 
Sacudo a cabeça e arrasto a cadeira para trás, ficando de pé.
Essa é a primeira vez que o encaro de cima, sem me sentir nada
intimidado.
— E olha como você fala da minha namorada. — Espalmo as
mãos sobre o tampo da mesa. Sinto olhares curiosos arderem em
minhas costas. — Você não vai tratá-la do mesmo jeito que trata a
mim e ao Aaron. Guarde suas merdas para si mesmo, porque eu
estou indo embora.
— Se der mais um passo, não espere que eu seja
condescendente com você. Está agindo como uma criança mimada.
Reprimo a vontade de rir na sua cara.
— E o que vai fazer? Me comprar com o seu dinheiro para eu
cale a boca e suma da sua vida como você fez com o Aaron? —
Estalo a língua no céu da boca, contente por vê-lo congelar na
cadeira. — Você não vai fazer isso, é claro. Porque eu sou o seu
legado, não é?
Ricky permanece em silêncio conforme trocamos um olhar
que, se fosse semanas atrás, certamente teria me feito abaixar a
cabeça e me sentar novamente na cadeira. Entretanto, dessa vez,
não vou recuar. Essa briga não é somente por causa de Anne, mas
por tudo o que tenho aguentado nesses últimos anos.
Estou esgotado e cansado de fazer as coisas por ele e não
por mim.
— Você vai se arrepender disso, Reed. — A ameaça oculta
não me passa despercebida. — É um erro colocar uma garota
acima do que você quer para a vida.
— E se for ela quem eu quiser de verdade?
Ele move o rosto para o lado e massageia a barba.
— Você abriria mão do futebol americano por causa de uma
garota? — questiona. — Esse relacionamento pode não durar,
Reed. Já uma carreira, é para a vida toda. Ela nunca vai te
abandonar, porque depende exclusivamente de você.
— Você pensou assim quando decidiu se divorciar da
Noreen?
Sei pouquíssima coisa sobre o casamento de Ricky com
Noreen. Como eu era criança, minha percepção sobre a relação dos
dois era inocente demais. Na minha cabeça, eles estavam felizes e
sendo os pais perfeitos para mim. Não havia riscos de eu viver uma
vida com um deles ausente.
Mas aconteceu.
A pergunta, curiosamente, parece despertar também uma
onda de memórias em meu pai. Ele massageia a ponta do nariz e
sobe em direção aos cabelos, empurrando-os para longe da testa.
Quando volta a me observar, a resposta está estampada em cada
ruga de expressão.
Suspiro pelo nariz e visto novamente a jaqueta jeans. É
inacreditável como meu pai é um merda. Qualquer inspiração que
ele poderia me fornecer acabou de virar um monte de lixo.
— Não sei por que fiz essa pergunta. Eu vou embora.
Para a minha total surpresa, Ricky não se opõe. Não levanta
da cadeira, não tenta me convencer a ficar e tampouco se move. Ele
só me chama uma última vez e eu lanço um olhar frio sobre o
ombro.
— Não se esqueça do jantar — relembra. — Dianna ainda
quer conhecer você e vai preparar algo especial.
Assinto, mesmo a contragosto.
— Não se preocupe. Eu estarei lá.
Não espero que ele formule qualquer tipo de resposta,
apenas viro as costas e vou embora, consciente de que essa
discussão mudou tudo entre nós.

Volto para casa desejando esquecer as últimas horas.


Fiz o percurso de North Groove até Maple Hills com as mãos
segurando fortemente o volante, sentindo a ponta dos nós dos
dedos ficarem brancos e os pulsos latejar de dor.
Esse domingo entrou para um dos piores dias da minha vida.
Posso até sentir o gosto de bile na boca.
Entretanto, me esforço a deixar a merda do meu mau humor
para trás quando destranco a porta e penduro a jaqueta no cabideiro
do vestíbulo. Me desfaço também dos tênis, das chaves do carro e
da carteira, ficando somente com o celular.
O cheiro de pipoca predomina no ar e sigo até a cozinha.
Abro automaticamente um sorriso ao ver Anne de costas para mim,
os cabelos presos em um coque bagunçado enquanto rebola o
quadril de um lado para o outro.
Me aproximo e pouso as mãos ao redor do seu quadril. Ela
dá um gritinho assustado, mas relaxa ao notar que sou eu. Enterro o
nariz no cabelo loiro, inalando o perfume de morango. Anne é o meu
paraíso na Terra. Não há outra definição.
— Não ouvi você chegar. Faz quanto tempo que voltou de
North Groove?
— Foi agora há pouco — digo e mordisco sua orelha. — Mal
entrei e já fui atraído pelo maravilhoso cheiro de pipoca.
Anne dá uma risada e se vira, ficando de frente para mim.
Faço um esforço para mascarar a minha irritação, mas devo ter
falhado, porque ela massageia o meu cenho, desfazendo o nó.
— Como foi lá?
— Não quero falar disso agora.
Ela concorda com um aceno e aponta para a vasilha de
pipoca em cima do balcão da pia.
— Eu estava pronta para ver um filme. Quer ver comigo?
Sorrio.
— Você ainda pergunta? — Belisco a sua cintura de
brincadeira e ela se esquiva para o lado, fugindo de mim. — Porque,
se eu me lembro bem, a gente tinha combinado de ver os nossos
filmes favoritos juntos. Ficou faltando o seu.
— Eu precisava de um tempo para me recuperar depois da
gente ver um filme gravado em 1986. Minhas vistas não estavam
preparadas para algo com tão baixa qualidade.
— Você se acha muito engraçadinha, hein?
— E você adora esse meu jeito que eu sei.
Resmungo em discordância, embora nós dois saibamos que
o que ela disse é verdade. O único detalhe que mantenho para mim
é que eu adoro Anne por completo. As piadas ruins, o senso de
humor duvidoso e a maneira terrível de sempre me tirar do sério. O
combo inteiro que vem com a sua presença.
Faço um sinal para que Anne pegue a vasilha e procuro duas
latinhas de refrigerante na geladeira. Uma Coca-Cola de cereja para
ela, sua favorita, e uma Coca-Cola Diet para mim. Nada de cerveja,
porque temos aula amanhã.
— Vamos, Annie — digo e dou um tapinha na bunda dela,
empurrando-a em direção à sala. — Vamos ver o que você tem aí.
Anne me mostra a língua e faz um sinal para que eu me
acomode no sofá, colocando a vasilha de pipoca entre as minhas
pernas, enquanto as latinhas estão no apoio de braço.
Ao me sentar, constato que nossa altura fica quase a mesma,
embora ela permaneça de pé diante de mim, as mãos apoiadas na
cintura. Fofa pra cacete.
— Hoje você vai ver o que é uma produção de verdade,
Reed.
— Top Gun – Ases Indomáveis é um clássico, joaninha. Você
que não soube apreciar a magnitude do amor de Maverick e
Charlotte.
Anne faz uma careta e pega o controle remoto em cima da
mesinha, abrindo o aplicativo da Netflix na televisão.
— Para mim, o amor ficou em segundo plano. Só vi aviões
pra todo lado. O romance tem que ser a estrela do filme.
— O amor é a estrela do filme — insisto e me acomodo
melhor entre as almofadas, deixando um espaço livre para ela se
sentar.
Logo em seguida, Anne joga o corpo ao lado do meu,
subindo com as pernas no estofado.
— Só se for o amor do Maverick por aviões — rebate e os
olhos astutos encontram os meus.
Com somente a luz do abajur lateral aceso, o rosto dela fica
parcialmente encoberto pela sombra, deixando-a estranhamente
sedutora. Os lábios entreabertos livres de batom me dão vontade de
lambê-los e depois mordiscá-los até ficarem inchados.
O pior de tudo é a regata de alcinhas. Sem sutiã, consigo ver
os mamilos pressionando o tecido fino. Ainda estou doido para tê-
los na minha boca.
— Reed?
Ergo a vista. Anne está sorrindo, daquele jeito que me faz ter
certeza de que ela me pegou no flagra fazendo coisa errada. Pigarro
e aperto seu joelho. 
— É possível amar duas coisas ao mesmo tempo —
argumento contra a sua reclamação, rapidamente lembrando da
discussão que tive com o meu pai horas atrás. Quanta ironia. —
Agora coloca a droga do seu filme favorito. Quero só ver o que de
tão extraordinário ele tem.
Anne se empolga e clica em alguns botões do controle,
dando play no filme.
— Você vai vivenciar a melhor obra cinematográfica já feita.
— Cinquenta Tons de Cinza?
— Não é hoje que você vai ver o Christian algemando a
Anastácia. — Estica o braço e mergulha a mão dentro da vasilha de
pipoca. — A noite de hoje é dedicada à história de amor mais
clássica e antiga de todas. Mas de um ponto de vista diferente.
— Para de fazer mistério, Scott. Coloca logo o filme. 
— Tudo bem. — Prolongas as sílabas e faz um barulhinho de
suspense. — Pronto?
— Mais do que pronto.
Ela, finalmente, dá play no filme e deixa o controle no
minúsculo espaço vazio entre nós. Sentada ao meu lado, os braços
se agarram em uma almofada e as pernas se esticam, os dedinhos
do pé se agitando, entusiasmados.
Mantenho a atenção fixa na televisão, a primeira cena se
desenrolando. Não faço ideia de que filme é esse, mas deve ser
mais recente que Top Gun. Acho que é com a Hillary Duff.
Depois de alguns minutos, a personagem corre pelo gramado
e o nome do filme é revelado.
A Nova Cinderela.
— Ah, não! — Pego o controle e pauso o filme. Anne dá um
gritinho. — Eu não vou assistir isso.
— Como não?
— Vai além dos meus limites.
— Corta essa, Reed. — Gesticula para a televisão. — Eu
assisti aquele filme horrível de aviões com você. O mínimo que você
pode fazer é ver o meu filme favorito comigo.
— Você disse que era uma versão diferente de uma história
de amor clássica.
— Cinderela é um clássico — pontua, cruzando os braços. —
Para de ser chato e assiste. Aposto que você vai gostar.
Faço bico.
— Impossível. 
Anne suspira alto.
— O protagonista é jogador de futebol americano.
— Ele é?
Ela assente.
— Por isso que eu sei que você vai gostar. Agora dá play,
Reed. A gente está perdendo tempo e daqui a pouco os meninos
vão chegar.
— Com uma condição — digo, baixando o tom de voz.
Anne vira o rosto para mim, o cenho franzido.
— Quando esse clichê ambulante acabar, você vai me deixar
te levar para um encontro de verdade.
— Você está falando sério?
Uso a ponta dos dedos para afastar uma mecha que escapou
do seu coque e aproveito para acariciar a bochecha corada. Anne
fecha levemente as pálpebras e pousa a cabeça no encosto do sofá,
se desfazendo diante de mim. Nada de muros impenetráveis entre a
gente hoje, então.
— O novo acordo permite esse tipo de coisa, eu espero.
Ela entreabre as pálpebras e me encara sobre os cílios
compridos.
— Permite isso e muito mais — murmura, baixinho.
Resfolego.
— Não me dê ideias, Annie.
Anne se remexe no sofá e os joelhos afundam no estofado. O
coque no cabelo é desfeito e as mechas loiras caem ao redor dos
ombros expostos, em um tipo de véu. Assisto, compenetrado, a
visão diante de mim.
— Não estou dando ideias. — A ponta dos dedos passeiam
por minha perna. — Estou te dando passe livre.
Pela primeira vez em anos, não reajo de imediato. Ergo as
vistas e procuro pelas de Anne. Elas dizem um milhão de coisas, me
convidando para entrar. Dessa vez, não há nenhum tipo de medo ou
insegurança.
Então, a compreensão da situação me atinge feio um raio.
Anne está cedendo para mim.
— Puta merda.
Empurro a vasilha de pipoca para longe e a puxo para o meu
colo. A risada dela é logo calada pela minha boca afundando de
encontro a sua. Não quero saber de mais nada, porque tenho
ansiado por esse momento há tempo demais.
De um jeito nada gentil, rodeio os dedos ao redor do pescoço
esguio e faço uma mínima pressão. Anne entreabre os lábios,
ofegando em surpresa, e aproveito para deslizar a língua sobre a
sua.
Devoro o seu sabor, a sua boca teimosa e a minha vontade
de fodê-la contra a parede.
Meu corpo queima na sua presença.
As unhas de Anne se entremeiam no meu couro cabeludo e
curvo o quadril para cima, permitindo que ela sinta o que causa em
mim. Meu pau endurece, aos poucos, embaixo da calça, desejando
saltar para fora e afundar dentro dela, até o fundo.
Não sei quanto tempo vamos aguentar essa situação. Na
real, não sei quanto tempo o meu pau vai aguentar essa tortura.
Anne Scott um dia ainda vai acabar comigo.
Ela parece compartilhar do mesmo pensamento, porque os
joelhos se espaçam mais e a bunda rebola em meu colo, fazendo
círculos com um único objetivo: me deixar louco de tesão.
Afugento um gemido angustiado e aperto a sua cintura em
um sinal de aviso. Os olhos se abrem e ela me encara cheia de
tesão. Anne praticamente está implorando para que eu arranque a
sua calcinha com os dentes e foda a sua boceta gulosa.
— Você quer que eu pare?
— Nem pense nisso, Anne.
Ela estremece sobre mim quando escuta o seu nome
verdadeiro ser proferido.
— Eu gosto quando você me chama assim — murmura,
empurrando a pélvis contra a minha. Meu pau está duro feito aço. —
Faz parecer real.
Dedilho a sua barriga e continuo a tracejar a pele até
alcançar os seios escondidos pela fina regata. Os mamilos se
destacam no tecido e eu os prendo entre os dedos, fazendo uma
pequena pressão. Anne geme de imediato, o pescoço arqueando
para trás.
— Se eu te fizer gozar assim, vai parecer ainda mais real?
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior e assente. Mas eu
não quero só isso. Quero que ela diga com todas as palavras.
Quero ouvi-la entoar cada uma das sílabas para que eu jamais
possa me esquecer desse momento.
Separo os seus lábios com os meus e uso a língua para
brincar com o cantinho deles.
— Sim ou não? — Circulo o polegar ao redor do mamilo,
acompanhando o ritmo exato do seu quadril. — Estou esperando
você me dizer o que, exatamente, devo fazer.
— Sim — sibila com dificuldade. — Vai ficar real pra cacete
se você fizer me gozar com as suas mãos, Reed.
Sorrio em satisfação e volto a devorá-la. Anne devolve o beijo
de forma esfomeada e perigosa, nos puxando em direção a um
limite que vai ser difícil de resistir. Meu pau lateja e sinto a gota do
pré-gozo umedecer a minha cueca.
Deixo que ela assuma, parcialmente, o controle da situação.
Enquanto meus dedos brincam com os seios, Anne empurra a
minha camiseta alguns centímetros para cima e arranha o meu
abdômen. A sensação arranca um gemido abafado da minha
garganta e a sinto sorrir entre o beijo.
Mesmo envolvidos em uma nuvem de luxúria, ainda
gostamos de provocar um ao outro.
E eu adoro isso pra caralho.
Mordisco um lugarzinho em especial do pescoço que a faz
revirar os olhos e, quando estou prestes a sussurrar algo em seu
ouvido, paraliso.
Tem alguém descendo as escadas.
Anne compreende de imediato. No entanto, diferente de mim,
ela pensa rápido. Me puxa para mais perto do seu corpo, me
prendendo em um tipo de casulo, e nos empurra em direção ao
chão.
Estou tão perdido que acabo cedendo sem perceber. Só me
dou conta que caímos no tapete quando minha bunda quica e Anne
rola para o lado, quase parando embaixo da mesinha de centro.
Que porra?
— O que vocês estão fazendo aí no chão?
Apoio os cotovelos no chão e lanço um olhar sobre o sofá
para Mason. Ele mantém os braços cruzados na altura do peito e
nos observa em desconfiança. Se tivéssemos nos enrolado um
segundo a mais, teria dado merda.
Afugento uma risada com o pensamento e digo a primeira
coisa que me vem à cabeça:
— Estamos procurando o brinco da Anne.
Mason move o olhar para Anne e as sobrancelhas se
franzem.
— Ela está usando os dois.
— Ah, é outro brinco — Anne quem responde. — Meu brinco
da sorte.
Meu amigo balança a cabeça repetidas vezes e agradeço
mentalmente pelo sofá impedir que ele veja o volume no meio das
minhas pernas. Não teria como inventar uma mentira a respeito de
um pau duro.
— Aham, sei. — Inspeciona a televisão com o filme pausado,
a pipoca na vasilha e as almofadas bagunçadas. — Estou de olho
em vocês, seus esquisitões.
Mason vai embora, provavelmente seguindo para a cozinha,
e quando temos a certeza que estamos novamente sozinhos, Anne
e eu caímos na gargalhada.
— Brinco da sorte, hein?
Ela me dá o dedo do meio e flexiona os joelhos, se
levantando. Quando vê o meu pau se destacando no tecido da calça
jeans, uma risada arrogante é liberada.
— Se eu fosse você, daria um jeito nisso aí.
— Pode apostar que darei, joaninha. — Me apoio no sofá e
fico de pé também. — E vou me certificar de que você ouça.
 
“Geme para eu ouvir, aproveita que ninguém está aqui.
Dentro de você, quero sentir, desce como eu peço pra eu assistir”
202 | Kweller (part. Enzo Cello)
 

 
O começo da semana passa como um borrão. Faço minha
inscrição no estágio do PK Journal, trabalho exaustivamente na
lanchonete, visito a minha mãe em Sunbay, ligo para o meu irmão e
entrego dois trabalhos de Jornalismo Econômico. Agora, na quinta,
estou sentada com Claire na cafeteria do campus, ajudando-a a
acertar os principais detalhes sobre o desfile.
É um processo cansativo, mas sei que vai valer a pena no
final.
Nesta tarde, a nossa mesa está uma bagunça. Claire se
mantém debruçada sobre o seu caderno de desenhos enquanto eu
converso com um fotógrafo por e-mail. Já redigi também um briefing
e fiz anotações sobre os detalhes mais importantes do evento.
Brinco com a caneta entre os dedos e bebo um gole do café.
Minha amiga faz o mesmo, empurrando o caderno para longe
e deitando a cabeça no meu ombro. Assim como eu, Claire está
exausta. Há olheiras inchadas demarcando a sua pele negra-escura
que nem mesmo a maquiagem foi capaz de esconder.
— Eu daria de tudo para dormir, sei lá, 12 horas seguidas e
acordar com tudo resolvido. — Suspira. — Preciso de uma folga.
— Você precisa descansar, amiga. Vai para casa e relaxe.
Assista o seu filme favorito e pede uma pizza — aconselho-a. —
Você não vai conseguir trabalhar desse jeito. Vejo seus olhos
pesando daqui.
Ela faz um biquinho em decepção, mas acaba concordando
com um aceno. 
— Acho que é melhor mesmo. Minha cabeça está prestes a
explodir.
— Eu te mando um e-mail depois com todos os detalhes do
desfile, não se preocupe — digo. — E se eu souber que ficou
acordada até tarde trabalhando escondido, vou puxar o seu pé à
noite quando menos esperar.
Claire dá risada, mas sabe que estou falando sério. Ela ajeita
as coisas dentro da bolsa, pede mais um café para o garçom e vai
embora alguns minutos depois, se despedindo com beijinhos.
Estou dando uma última checada nos documentos quando o
meu celular vibra em cima da mesa. Meu coração galopa quando
vejo a notificação brilhando na tela. Abro a mensagem sentindo um
tipo esquisito de frio na barriga. 
Zangão: Tô aqui no vestiário do time. Vem pra cá.
Anne: O treino já acabou?
Zangão: Acabou faz tempo, mas eu fiquei treinando até
depois com o Turner.
Franzo o cenho, desconfiada, e mais uma mensagem chega.
Zangão: Vem logo, joaninha. Tenho uma surpresa para você.
Anne: Envolve comida?
Os pontinhos embaixo do nome de Reed pulam para cima e
para baixo por vários segundos, depois param e voltam.
Que merda ele está aprontando?
Zangão: Depende do seu ponto de vista.
Faço um bico com os lábios, embora ele não possa ver.
Anne: ?????
Zangão: Vem logo. Não tenho o dia todo, porra.
Dou risada ao ler a mensagem e, mesmo achando suspeito,
faço exatamente o que ele pede. Guardo o meu computador dentro
da bolsa e bebo o restante do café, deixando uma gorjeta em cima
da mesa.
A última vez que estive no vestiário do time foi quando o
boato explodiu na minha cara e na de Reed. Naquele dia, eu não
prestei atenção ao meu redor de tanta raiva, mas agora, enquanto
empurro a porta de metal, noto que o lugar se encontra silencioso,
exceto pelo barulho do chuveiro.
Deixo a minha bolsa em um dos bancos de metal e sigo para
a parte de trás dos armários, que é onde ficam as cabines de banho.
Dessa vez, não há cheiro de suor pungente ou de cuecas molhadas.
— Reed? — chamo, ficando na ponta dos pés, mas não
recebo nenhuma resposta.
Caminho a passos lentos até o fim das cabines, encontrando-
o na última. Ele está de costas para mim enquanto lava o cabelo, os
músculos das costas se contraindo em conjunto com os bíceps.
Pigarro alto o bastante para ele me escutar.
— Você me chamou aqui para eu te ver tomando banho? —
Arqueio a sobrancelha. — Porque, se sim, essa é uma surpresa
horrorosa.
Reed se vira e abre um sorriso de covinhas quando me vê.
Empurra o cabelo molhado para trás e apoia os braços na parte
superior da porta, me analisando da cabeça aos pés.
Instantemente, me contraio por dentro diante da intensidade
do seu olhar. Ele nem se esforça para disfarçar o que está passando
na sua cabeça.
— Te chamei para relembrarmos os velhos tempos.
— Isso inclui o treinador aparecendo de surpresa?
Ele discorda e faz um sinal com a mão.
— Vem cá, Annie.
Não me oponho. Como aconteceu na noite do hotel, eu
caminho até onde ele está. Reed está com boa parte do corpo
coberto, mas ainda há uma quantia generosa de pele exposta — e
molhada. Dá para ver o contorno do seu peitoral e o desenho das
clavículas com gotículas de água implorando para serem lambidas.
A diferença, da primeira vez que estive aqui, é que agora
posso fazer isso e muito mais. Posso não só lamber, como também
chupar.
— Quero fazer hoje uma coisa que não pude fazer da
primeira vez que você esteve aqui — Reed diz e diminui a
intensidade da água do chuveiro. Os pingos caem lentamente no
piso. — Você tem que prometer fazer silêncio.
— Você está com medo que eu seja do tipo barulhenta?
A risada repercute pelo vestiário e a porta da cabine é
destrancada em um clique. O barulhinho faz o meu estômago se
contrair. Quando ergo as vistas, Reed me encara em um tipo de
fome que conheço como a palma da minha mão.
— Abre a porta — exige. — E entra aqui.
Puta merda.
Mordisco a ponta da minha língua, hesitando. O vestiário se
encontra vazio, exceto por nós dois, e como Reed disse, o treino
acabou faz tempo, então até mesmo o treinador já deve ter ido
embora.
Engulo em seco e fecho meus dedos ao redor do pequeno
trinco, puxando a porta. Reed dá um passo para trás, me dando
espaço e, antes que eu tenha a oportunidade de desistir, a mão
molhada se estreia ao redor da minha cintura e sou puxada para
dentro, a porta da cabine fechando em um estrondo.
Minhas costas atingem a parede de azulejos e a umidade do
chuveiro se entremeia no tecido da minha camiseta. Reed apoia os
dois braços ao redor da minha cabeça, me encurralando como da
primeira vez que estive aqui. O perfume que emana do seu corpo se
infiltra em minhas narinas e faz os dedos formigarem.
— Posso te contar um segredo? — Reed questiona enquanto
pingos de água caem do seu cabelo em minhas bochechas. Não as
seco; me limito apenas a assentir timidamente. — Tenho pensado
em você mais do que gostaria de admitir. E de jeitos que não
estavam em meus planos.
Mantenho meus olhos nos seus. Se eu olhar para baixo, não
vou conseguir criar nenhum pensamento coerente dentro das
próximas horas.
— Posso te contar um segredo também? — Agrupo o
máximo de ar e exalo, criando coragem quando ele concorda da
mesma forma que eu fiz. — Eu tenho pensado a mesma coisa. E
sabe qual a pior parte? Não sei como parar.
Os dedos longos se firmam com mais força ao redor da
minha cintura e um sorriso convencido cresce na boca dele. Sem
querer, me vejo retribuindo o mesmo sorriso.
— Então, não pare, Annie. Porque eu também não vou.
Tenho que engolir o gemido quando sinto algo cutucar a
minha barriga. E, contrariando a mim mesma, eu olho para baixo.
Minúsculas gotículas de água escorrem pelos gominhos do
abdômen e terminam no V do seu quadril. Continuo a descer o olhar
até terminar no meio de suas pernas.
O pau de Reed está ereto, apontando para cima e com gotas
de pré-gozo umedecendo a sua glande. As veias proeminentes se
destacam e fazem a minha boca salivar para senti-lo dentro de mim,
me fodendo nesse chuveiro com o risco de sermos pegos por
qualquer um.
Surpreendendo a mim mesma, essa ideia me excita pra
caralho.
— Qual a chance de sermos descobertos? — pergunto em
um tom rouco.
Reed dá uma risadinha e pega a minha mão, colocando-a
sobre o seu pau. Sinto a excitação umedecer a ponta dos meus
dedos e, só para provocá-lo, começo a movimentá-los em uma
carícia feita quase em câmera lenta. Fecho, então, a palma ao redor
da sua extensão e o gemido angustiado perfura os meus ouvidos.
— A ideia de ser pega te deixa excitada?
As pupilas se fixam nas minhas e eu concordo com um
aceno.
— Você não faz ideia do quanto, Reed.
Ele pragueja um palavrão quando começo a me abaixar,
ficando de joelhos diante do seu pau. A água do piso umedece o
tecido da minha calça jeans, mas pouco me importo. O desejo de
tocá-lo é tão devastador que o meu clitóris incha dentro da calcinha,
tão ansioso quanto eu.
Umedeço os lábios com a pontinha da língua e movimento
minha mão para cima e para baixo. Meus dedos quase não se
fecham ao redor do membro grosso e inchado. Reed estica a coluna
para trás e, inconscientemente, empurra a pélvis para frente, o pau
ficando a poucos centímetros da minha boca.
O corpo dele implora, sem vergonha, pelo meu.
Levanto o rosto e pisco as pálpebras de um jeito inocente,
minha palma subindo e descendo por seu eixo. Uso o polegar para
acariciar a glande e espalhar o líquido pela ponta, deixando-o ainda
mais molhado e pronto para mim.
Não espero que Reed diga alguma coisa.
Apenas abro a minha boca e engulo o seu pau.
Ele assobia alto e apoia o braço no azulejo.
— Puta merda, Anne.
Sorrio internamente e rodeio a cabeça com a ponta da minha
língua, sentindo o gosto salgado. A água do chuveiro continua a
cair, molhando agora não somente a minha calça, como também a
minha camiseta e o meu cabelo. O vapor se condensa ao nosso
redor, criando gotículas de suor atrás da nuca.
Reed abaixa a cabeça e me encara de cima, enquanto eu
empurro seu pau cada vez mais para dentro da minha boca,
saboreando-o. Volto para a glande e a lambo com lentidão. Uso a
mão livre para deslizar por seu comprimento e reprimo a vontade de
esfregar o meu clitóris para me aliviar.
— Você gosta do perigo, então — ele formula a frase com
dificuldade, as pálpebras tremendo. — Gosta de pensar que existe a
possibilidade de alguém entrar aqui e saber que você está com a
boca no meu pau, me deixando louco?
Pisco os olhos, assentindo.
Minha confirmação é o que basta para que Reed feche as
mãos em punho ao redor do meu cabelo molhado e empurre
gentilmente a minha cabeça para trás, me afastando. Eu
choramingo em derrota.
— Sim — confesso.
Ele aperta o músculo do maxilar e usa o polegar para
empurrar o meu lábio inferior para baixo. Mordisco a pontinha e
chupo seu dedo, rodando com a minha língua. Reed se afasta logo
em seguida e segura o próprio membro na mão, a água deixando
que o movimento fique ainda mais escorregadio.
— Faça a gente ser ouvido, Scott — rosna, aproximando
mais o quadril do meu rosto. — Quero que a merda dessa
universidade inteira escute o que você consegue fazer comigo.
Abro um sorrisinho arrogante e dou a ele exatamente aquilo
que está me pedindo. Entreabro os lábios e o levo até o fundo da
minha garganta, alcançando um ponto que faz nós dois revirarmos
os olhos ao mesmo tempo. Ele aperta o punho ao redor dos meus
cabelos e começa a guiar a minha cabeça para frente e para trás,
ditando o próprio ritmo.
— Você me deixa louco — sibila entre uma arfada outra,
bombeando em minha boca. — E um dia vai acabar comigo. Estou
te avisando, Anne.
Afasto a minha boca e lambo o seu pau por inteiro. Uso as
mãos para acariciar as suas bolas inchadas e suspiro entre uma
lambida e outra. Minha boceta se contrai dentro da calcinha,
querendo também receber a atenção que estou dando a Reed.
— Eu aguento — declaro e movo meu dedo para o seu ânus,
acariciando gentilmente, mas sem penetrar de fato. — A pergunta
que fica é: você aguenta?
Não quero ouvir a merda de nenhuma resposta.
Pego-o de surpresa e levo o seu pau o mais fundo que
consigo e nós dois assumimos o controle, mesmo que de um jeito
bagunçado. Ele aperta meu cabelo com mais força e busca apoio na
parede, implorando para que eu vá adiante.
Enquanto isso, eu me dedico a chupá-lo e massageá-lo,
meus olhos já começando a lacrimejar, assim como meus joelhos
que estremecem em cansaço. Reed estica o braço e abre mais o
chuveiro para abafar os próprios gemidos.
Ele não tem vergonha de mostrar o que está sentindo.
Reed se entrega de corpo e alma para mim.
— Se você não quer que eu goze na sua boca, você precisa
parar.
Os olhos castanhos duelam, esperando por uma resposta
negativa da minha parte, mas eu me mantenho no mesmo lugar.
Essa é a confirmação que ele precisa para investir dentro da minha
boca uma única vez e explodir em um xingamento alto, mesclado
com um gemido que a água do chuveiro não é capaz de abafar.
O gozo quente enche a minha boca e eu engulo, ainda
mantendo minhas mãos em seu corpo. Vê-lo se desfazer diante de
mim é um tipo de cena que vai ser difícil de esquecer. A minha
boceta parece concordar, porque sinto a umidade inundar a minha
calcinha.
Se Reed for checar com os próprios dedos, vai descobrir que
estou pingando e mais do que pronta para também gozar em sua
língua.
— Acho que você já tem a sua resposta, Anne — ele
relembra a minha pergunta de segundos atrás quando abre os olhos
e desfaz o punho ao redor dos meus cabelos. — Eu não aguento.
O seu gosto está impregnado em minha boca e passo a
língua pelos lábios, não deixando que nenhuma gota do seu gozo
fique para trás.
— Bom saber que posso acabar com você do mesmo jeito
que você acaba comigo.
Reed está prestes a me dar uma resposta e me ajudar a ficar
de pé, mas seu corpo congela diante de mim. Eu aguço meus
ouvidos, procurando ouvir algo, mas o vestiário se encontra
silencioso.
Até um pigarro alto ecoar pelo pescoço.
— Achei que já tinha ido para casa, Rollins — o treinador
Turner entoa com frieza.
Eu me seguro para não dar risada. O pau de Reed está a
poucos centímetros do meu rosto, as veias saltadas e proeminentes
por causa do gozo recente. Tem até mesmo uma gotinha na ponta,
implorando para não ser esquecida.
— Já estava de saída, treinador — Reed diz. — Eu só vou
terminar o meu banho.
Reviro os olhos com a mentira mal elaborada e lambo a
cabeça do pau dele, me afastando logo em seguida. O joelho vacila,
pego desprevenido, e eu abafo uma risada com a palma da mão.
— Seja rápido. Se quer um banho que dure meia hora, vá
gastar a água da porra da sua casa — ele troveja e, escuto-o se
afastar, mas acaba parando. — E diga um olá para a sua namorada,
a propósito. Eu sei que ela está de joelhos entre as suas pernas,
Rollins.
Reed não faz nenhum comentário e, segundos depois, me
ajuda a levantar. Minhas coxas estão dormentes, e a minha roupa,
molhada. Estou terrível da cabeça aos pés, mas nada se compara à
expressão de pavor que decora o rosto diante de mim.
— Não acredito que ele sabia que você estava aqui.
Dou de ombros.
— Ele não só sabia, como deve ter ouvido. — Fico na
pontinha dos pés e beijo rapidamente a sua boca. — Não era isso
que você queria? Que toda a universidade soubesse que você
gozou gostoso na minha boca?
Reed chacoalha a cabeça e me abraça pela cintura, nos
direcionando para debaixo do chuveiro.
— Exceto o treinador Turner. É esquisito pra cacete —
assinala. — Ah, e a gente tem um jantar com o meu pai para ir.
Eu murcho em seus braços.
— Você sabe mesmo como acabar com um clima, Reed.
Ele dá uma risada e pega o sabonete, fazendo espuma e
ensaboando os meus braços nus.
— É que, se eu não esfriar a minha cabeça, vou acabar
fazendo algo que vou me arrepender.
Crispo as sobrancelhas.
— E o que seria?
A mão cheia de espuma se esconde por debaixo da minha
camiseta e sobe em direção aos meus seios, os massageando. O
tecido branco está tão molhado que consigo ver os meus bicos
escurecidos se destacarem, como também os dedos de Reed os
apertarem entre si. 
— Te foder.
Apoio minha mão em seu peitoral. O coração bate
aceleradamente.
— Eu não iria me opor. Você sabe disso, certo?
Reed exala a respiração em um sopro longo e descansa a
testa contra a minha. Nos encaramos através de uma pequena
fenda, o castanho líquido se chocando de encontro ao verde escuro.
Neste pequeno segundo, eu pertenço por inteira a ele.
Deixaria ele me foder em qualquer posição e arrancar cada pedaço
da minha alma sem nenhuma hesitação.
— Não nesse vestiário. — A boca encosta levemente na
minha em um beijo tímido demais para o que acabou de acontecer.
— Os seus gemidos são meus. Não quero que mais ninguém os
ouça além de mim.
Sou incapaz de formular qualquer tipo de argumento que
possa fazê-lo mudar de ideia. A única coisa que faço é puxá-lo para
um beijo enquanto a água do chuveiro recai sobre os nossos corpos
cansados.
 
 
“Estou cansado de amar de longe e nunca estar onde você está”
Car ’s Outside | James Arthur
 

 
A animação dentro do vestiário após o treino de sexta é
contagiante. Amanhã é Halloween, então boa parte do time já está
garantindo a sua presença na festa organizada pela Martial Kappa
Tau, a fraternidade que Dave faz parte.
— Você vai na festa, certo? — Mason pergunta, ao
chacoalhar a cabeça molhada do banho. — Não sei se confio no
Keeran para voltar para casa vivo.
Dou risada e visto a camiseta.
— Tenho que ver com a Anne. A gente nem lembrou dessa
festa.
A real é que eu tenho estado desligado dos acontecimentos
ao meu redor. Minha cabeça anda confusa pra caralho depois que
Anne ficou de joelhos e me fez gozar nesse vestiário como se a sua
vida dependesse disso. Foi a melhor chupada que já recebi.
Mason prende os incisivos no lábio inferior e ergue a
sobrancelha. A expressão é idêntica à de quando viu Anne e eu
caídos no tapete da sala.
— Sei... Vocês andam esquisitos. Vai me contar o que está
rolando?
— Não está rolando nada — minto, torcendo para minha voz
não me denunciar. — Estamos mais próximos, só isso.
Ele assente e fecha a porta do armário.
— E acharam o brinco da sorte?
Desvio o olhar, para evitar dar uma risada.
— Encontramos. Tudo sob controle.
Mason volta a balançar a cabeça em concordância e encaixa
a mão no meu ombro. Nessa posição, sou obrigado a encará-lo de
frente. Quero dar um chute no tornozelo dele ao notar o sorriso de
escárnio direcionado para mim. 
— Se esforce para pensar em uma mentira melhor, Reed. —
Empurra meu ombro de brincadeira para trás, mas sem aplicar força
o suficiente. — Porque não vou fingir acreditar da próxima vez.
Faço um sinal de positivo com a cabeça e Mason contorna o
meu corpo, rumando para a saída do vestiário. Eu solto um suspiro
e apoio a testa no armário, sabendo que é uma questão de tempo
para que Keeran e Dave venham também me encher o saco.
Eles não vão pegar leve.
O burburinho de conversas ao meu redor se torna
insignificante quando escuto meu celular vibrar. Pego-o de dentro do
armário e vejo uma mensagem de Anne. A gente quase nunca troca
mensagens, mas nos últimos dias, isso tem mudado. Há uma
necessidade latente de sempre estarmos em contato um com o
outro.
Joaninha: Você pode vir aqui? Estou na área de convivência.
Franzo o nariz diante da mensagem.
Reed: Aconteceu alguma coisa?
Ela rapidamente digita uma resposta.
 Joaninha: Para o seu azar, eu ainda não morri. Não é nada
importante, só vem logo.
Estou com fome.
Rio.
Reed: Se estivesse morta, pode ter certeza que eu não
estaria trocando mensagem com você.
O que quer comer?
Joaninha: Meu espírito que iria falar por mim. Ele vai te
perturbar até o fim da vida.
Sanduíche de atum e suco de laranja.
Faço uma careta diante do pedido envolvendo atum.  
Reed: Que sorte a minha, porque vou ter você só para mim
até o fim da vida.
Beleza, vou comprar.
Mais alguma coisa?
As bolinhas embaixo do nome de Anne saltitam por um longo
tempo. Aproveito a demora para vestir a jaqueta e fechar o meu
armário. Despeço-me do time com um aceno, fugindo do olhar
curioso de Mason, e quando estou saindo do complexo, o celular
vibra novamente.
Joaninha: Você gosta mesmo de mim, hein? E eu pensando
que ia ficar feliz ao se livrar de mim.
Nada mais, só traz logo sua bunda para cá.
Um sorriso quase rasga as minhas bochechas ao ler a última
parte da mensagem.

Encontro Anne sentada em um dos bancos da área de


convivência da USVL quinze minutos depois. Alheia à minha
presença, é quando desnudo cada um dos seus detalhes. O cabelo
loiro está preso em uma trança lateral e alguns fios recaem ao redor
do rosto fino. Por causa da baixa temperatura, ela usa uma calça
branca e um blusão vermelho de lã, além das inseparáveis botas.
O principal diferencial, e que faz a minha mente se agitar, é o
batom vermelho escuro. A cor idêntica a aquela maldita lingerie que
a vi usando semanas atrás. Acho que irei morrer e não vou superar.
Assovio e Anne se vira no banco de madeira, me
encontrando a poucos passos de distância. Ao me sentar no espaço
vago, ela puxa o saco de comida da minha mão, quase pulando de
alegria.
— Se você demorasse mais cinco minutos, eu ia cair dura no
chão de tanta fome.
— Que dramática. — Cruzo a perna sobre o joelho e estico o
braço no encosto do banco. — Foi para isso que você me chamou
aqui? Já te aviso que esse lance de te alimentar não é muito o meu
lance.
Anne ergue a sobrancelha ao abrir o saco de papelão e puxar
o sanduíche embrulhado de dentro.
— Não foi isso que você deixou evidente quando comprou
várias caixas de donuts para mim.
— Era uma recompensa por você ser uma boa garota.
Anne ergue o queixo para cima daquele jeito teimoso que eu
adoro.
— Considere, então, o lanche de hoje como um
agradecimento por eu ter te chupado e feito você ter o melhor
orgasmo da sua vida.
Solto uma tossida, pego de surpresa.
  — Quem disse que foi o melhor?
Anne me entrega o copo de suco lacrado e faz um sinal para
que o abra. Tiro o lacre de proteção e coloco o canudo, bebendo um
gole. 
— Vai negar? Porque os seus olhos não mentem, Reed.
— Você é irritante.
Os ombros se erguem em divertimento.
— Você não negou, então eu tenho razão.
Ela sopra um beijo para mim e faz um sinal com o queixo.
Aproximo o copo e ela bebe um gole, mas sem tirá-lo da minha
mão.
— Às vezes, posso não ter negado só para evitar uma
discussão.
— Você está tentando convencer a mim ou a você? Porque
eu não acredito.
Solto um muxoxo e uso a mão livre para puxar as suas
pernas para o meu colo. Anne empurra a bunda um pouco para
mais perto, nossos braços roçando com o contato. Essas interações
têm ficado tão rotineiras entre a gente que nem noto o momento em
que ela deita a cabeça no meu ombro e meus lábios beijam seus
cabelos.
— Sim, joaninha. Foi o melhor de todos — digo baixinho e
sinto Anne sorrir contra mim. — Só acho que, para sermos justos,
eu deveria também ser recompensado.
— E o que você quer? — pergunta de boca cheia e eu evito
dar risada.
— Você usando aquela lingerie vermelha, talvez?
Ela levanta o rosto e me observa com os olhos astutos.
— O que você acha de uma lingerie vermelha nova?
Semicerro as pálpebras.
— Nova?
Um calor rosado atinge as bochechas magras.
— Eu comprei uma nova quando estávamos em West
Falmouth.
Meu pau se contorce dentro da cueca. A cada dia a mais na
presença de Anne, eu me aproximo da minha morte iminente. Esse
deve ter sido o plano dela desde o início.
— Annie...
A palma quente pousa em meu peitoral em sinal de alerta.
Olho para baixo e puxo a mão dela para a minha boca, beijando a
ponta dos dedos e depois o interior do pulso.
— Quando você vai me mostrar?
Anne dá uma longa olhada para a minha boca e depois
morde mais um pedaço do sanduíche. Estou prestes a arremessar
esse copo de suco em uma lixeira e a puxar para um beijo, mesmo
que o sabor de atum vá me aterrorizar por semanas.
— Quando você merecer, é claro.
— Pois não duvide da minha capacidade de mover a porra do
mundo inteiro só para vê-la usando essa lingerie.
O arquejo de surpresa lhe escapa e envolvo o corpo dela
com a mão livre, não deixando espaço para que fuja de mim.
— Você faria isso? — pergunta.
— Você não faz ideia das coisas que eu faria em seu nome,
Annie.
Ela dá um sorriso para mim.
— Usar uma cuequinha do Batman está incluso?
Dou um peteleco no seu nariz e automaticamente me lembro
da festa na fraternidade. Eu não estou no clima para ir, mas se ela
quiser, tudo bem. A gente dá um jeito de encontrar uma fantasia de
última hora.
— Você quer ir de Mulher-Gato amanhã?
Anne murcha em meus braços.
— Eu tenho que trabalhar. Uma das garçonetes do turno da
noite ficou doente e Becky viajou para a casa da namorada em
Mountain City hoje de manhã. — Ela gira um farelo de pão entre os
dedos. — Mas você pode ir, se quiser. Mas de preferência sem a
fantasia do Batman.
— Posso ir de Troy Bolton.
A testa dela cria pequenos vincos.
— O quê?
— Em homenagem a aquela cena quando a Gabriella vai
embora do clube e deixa ele sozinho na ponte. Uma vibe meio de
homem abandonado. É assim que vou me sentir se for nessa festa
sem você.
Anne faz uma careta engraçada, as orbes girando em um
círculo perfeito.
— Você fala de mim, mas é tão irritante quanto.
— Não consigo resistir quando estou com você. — Abraço-a
e deposito um beijo em sua bochecha. — Achei que já soubesse
disso.
— Esse é seu jeito de tentar me convencer a ir? Porque não
vai funcionar. Meu corpo não aguenta um turno de trabalho e mais
uma festa de fraternidade.
— Se ele aguenta a minha presença há quase dois meses,
também vai aguentar essa festa.
— Reed...
Pouso o polegar em sua boca, calando-a.
— Estou brincando, joaninha. Nada de Batman, Mulher-Gato
e Troy Bolton para você. — Entrego a ela o copo de suco
praticamente intacto. — Agora termina logo esse sanduíche
horroroso. Estou quase vomitando com esse fedor.
A resposta que recebo é um xingamento acompanhado de
um beliscão nas costelas.

— E como estão os jogos? Eu tenho acompanhado algumas


notícias sobre as partidas da temporada.
A voz da minha mãe inunda o silêncio do quarto. Estamos
conversando há cerca de dez minutos e eu faço possível para
atualizá-la sobre a minha vida.
— O time está detonando. O treinador Turner está confiante
que vamos conseguir chegar aos playoffs desta vez. — Penteio o
meu cabelo para trás. — O próximo jogo é alguns dias antes do Dia
de Ação de Graças, então vou conseguir te visitar.
Vejo minha mãe abrir um sorriso na tela do celular que está
apoiado na pia do banheiro. A gente não se vê desde o feriado de
Quatro de Julho, então estou com saudades dela.
— Maravilha! A gente pode sair para almoçar em um dos
seus restaurantes favoritos, o que acha? — sugere.
Puxo o celular para mais perto e observo o seu rosto. Noreen
está com os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo e o
colar de pérolas brilha tanto quanto o abajur ao fundo. A animação é
evidente e reúno coragem dentro de mim para despejar a
informação que tem coçado para ser dita desde que atendi a
ligação.
— Eu acho que vou levar uma garota comigo.
— Você está saindo com alguém?
Saio do banheiro e apago a luz, seguindo para o armário.
Abro a gaveta e visto uma camiseta de manga comprida.
— Digamos que sim. É meio confuso, na real — falo. Sem
chance de eu contar para minha mãe que Anne e eu temos um
acordo de namoro falso. — Mas seria legal se você a conhecesse.
Ela é importante para mim. 
— Vocês se conhecem há quanto tempo?
— Quase dois anos, mas ela me odiava no começo.
Noreen dá risada.
— Acho que ela estava odiando o Rollins errado. — O
comentário me faz rir também. — Vou deixar tudo preparado para
vocês dois, então. Estou ansiosa para conhecê-la.
— Aposto que ela também está.
Tirando o fato de que, mais uma vez, estou fazendo planos
sem avisá-la. Até o fim desse acordo, Anne vai dar um jeito de me
acertar um soco no nariz. Primeiro, o encontro duplo com Angel,
depois o jantar na casa do meu pai e agora o Dia de Ação de
Graças na casa da minha mãe.
Sou um desastre ambulante.
Minha mãe e eu conversamos por mais alguns minutos e ela
se despede dizendo que vai sair com Kirsten para conhecer um
restaurante que inaugurou na cidade. Prometo, pela milésima vez,
que irei ligar mais vezes. Aaron, como de costume, não respondeu
às suas mensagens.
Continuo a me arrumar e, quando olho para a porta do
quarto, encontro Keeran com o ombro encostado no batente
vestindo uma fantasia que não reconheço. Ele sempre faz a proeza
de escolher por personagens que quase ninguém conhece.
— E aí — diz e entra no quarto, se sentando na cadeira em
frente a escrivaninha. — Que fantasia horrorosa é essa?
Olho para baixo. Estou usando uma calça jeans desbotada —
a minha favorita —, uma camiseta de manga longa e tênis. É a
roupa que escolho todos os dias.
Levanto as mãos e Keeran acompanha o movimento, a
sobrancelha erguida em um arco desconfiado.
— Não estou fantasiado, Flanagan.
Pego o celular e as chaves do carro, guardando os dois
dentro do bolso.
— Você não vai à festa?
Aperto a ponta do nariz e fico de frente para ele. Só agora
noto que um colete no tom azul marinho adere ao peitoral largo,
além de um cinto acima do quadril com uma faca de mentira
encaixada ao lado.
— Não.
— Como assim? Eu achei que você iria. É a festa da
fraternidade do Dave, porra — reclama. — É um crime contra a
humanidade não ir.
Reprimo a vontade de contrariá-lo. Keeran não consegue se
desprender da ideia que a vida deve ser regada, inteiramente, por
festas universitárias e garotas aleatórias.
Essa vida jamais combinou comigo e duvido que algum dia
combine.
Lanço a ele um olhar duro e tombo a cabeça para o lado em
um gesto displicente.
— Que se dane a festa, Keeran. Tenho algo muito mais
importante para fazer.
 
 
“Eu simplesmente não consigo tirar você da minha cabeça”
Pretty Great | Fickle Friends
 

 
Meus pés latejam de dor dentro dos patins.
Mas isso não é nenhuma novidade.
Tenho trabalhado loucamente nas últimas horas, atendendo
vários clientes e mantendo o sorriso cordial. Cobrir o turno de Jane
é um pé no saco, mas a sorte é que tenho Mally comigo, embora ela
passe mais tempo nos fundos da lanchonete bebendo milkshake e
trocando mensagens com o padrasto.
O pensamento me faz lembrar de Reed. Quando saí de casa,
ele estava no chuveiro, então não nos despedimos. Já Mason e
Keeran estavam na cozinha, e pelo o que entendi, eles vão
fantasiados de Príncipe Phillip e José Bezerra.
A ideia de Reed ir na festa da Martial Kappa Tau não deveria
me incomodar, no entanto... O bichinho do ciúme não para de me
perturbar.
Xingo um palavrão e giro sobre as rodinhas. Emito um grito
assustado quando vejo Reed Rollins sentado na banqueta do balcão
diante de mim, um sorriso divertido dançando em sua boca irritante.
Porra.
Devo estar alucinando.
— O que você está fazendo aqui? — gaguejo e isso só faz os
lábios se curvarem para cima, exibindo as covinhas.
— Onde ficam os uniformes?
Franzo o cenho.
— Você não ia estar na festa?
Reed cruza os braços sobre o balcão e me analisa. Mesmo
usando o vestido e o avental, me sinto nua diante do seu olhar.
— Nenhuma festa tem graça se você não estiver comigo,
Annie. — Meu nome é dito de forma quente, as sílabas se
arrastando. — Agora você pode me dizer, por favor, onde ficam os
uniformes?
Ele pisca as pálpebras inocentemente e uma risada escapa
pelo meu nariz.
— Acho que nenhum vestido vai caber em você.
Reed dá risada e se levanta da banqueta em um pulo,
contornando o balcão e me encurralando. Fico presa no casulo que
seus braços formam e meu pulso acelera, extasiado por saber que
ele não está em nenhuma festa.
Ele está aqui comigo.
Em uma noite de Halloween.
E determinado a ficar ao meu lado quando poderia estar com
os seus amigos.
O que isso significa? Não sei se quero saber.
— Azul não combina com a minha pele — provoca e beija a
pontinha do meu nariz. — Mas um avental já é bom o bastante.
Meio grogue, indico o armário ao meu lado. Reed se abaixa e
procura pelo avental de número maior. Ao encontrá-lo, passa por
cima da cabeça e pega também o bloquinho de notas e uma caneta,
colocando-a atrás da orelha.
— Nada de patins?
Os olhos castanhos descem para os pés e um sorriso
envergonhado é direcionado para mim.
— Sou jogador de futebol americano, Annie, não de hóquei.
As minhas habilidades se limitam a um par de chuteiras.
— Está na hora de aumentar essa sua lista, Reed. — Bato
com o bloquinho no seu peitoral musculoso e aponto para a última
vez que acabou de ficar cheia de adolescentes. — Me mostre suas
habilidades de garçom encantador.
Ele apruma os ombros e ruma em direção à mesa que
indiquei. É impossível de não notar que uma das garotas, a que está
sentada na última cadeira, deixa escapar um suspiro ao ver Reed
diante de si.
E, infelizmente, eu não posso ignorar o fato de que ele está
gostoso demais usando um avental com a logo do Brooklyn Blues
estampado no centro e abusando de um sorriso cordial nos lábios.
Em outro mundo, eu até poderia me apaixonar por ele.
Um assovio discreto me faz desviar o olhar e encontrar Mally
parada ao meu lado. Ela também está encarando Reed de um jeito
nada discreto.
— Desde quando a Adele está contratando novos
funcionários?
Cruzo os braços e chuto, de brincadeira, o patins dela com o
meu.
— Desde nunca. Ele veio ajudar a gente essa noite.
Mally coça a pontinha do nariz, o piercing do septo ficando
torto, e retorna a atenção para mim. Ela possui pequenos olhos cor
de avelã e uma pele branca salpicada de inúmeras sardas. Os
lábios imitam o formato de um coração e o cabelo castanho é
raspado em uma das laterais, dando a ela um visual meio punk.
— E quem é ele?
Suspiro alto e me viro. Pela janelinha, consigo notar Adele
nos observando com um vinco entre as sobrancelhas, o nariz sujo
de trigo. Ela também está curiosa a respeito de Reed.
Vai ser uma longa noite, pelo visto.
— Meu namorado.
Seu namorado de mentira, meu consciente me corrige com
uma careta amarga que eu afasto com uma safanão. Hoje ele pode
calar a boca.
Mally arqueja em surpresa e vira o rosto para mim, os olhos
arregalados. Ela é péssima em disfarçar a incredulidade.
— O quê?
Me escapo de dar uma resposta porque Reed retorna com o
bloquinho rabiscado e empurra o papel pela janelinha que dá
acesso à cozinha. Adele me olha desconfiada, mas não diz nada.
— Sobre o que vocês estão conversando?
Mally gagueja e contorce os dedos uns nos outros, sem
coragem de olhar para Reed. É inacreditável que ele cause essa
reação nas pessoas. É só um estudante feito de vários quilos de
músculos e um sorriso de covinhas. Dá para resistir.
— Mally perguntou quem é você.
Reed dá um passo para frente e estende o braço, esperando
que ela entenda o gesto. Quando os dedos finos se fecham ao redor
da grande mão, ele dá uma piscadela e posso jurar que ela quase
cai dura no chão.
— Reed Rollins, o namorado.
Fuzilo-o com o olhar, mas sou ignorada.
— Mally O’Neal, a garçonete.
— É um prazer conhecer você, Mally.
Ela formula uma resposta confusa e se afasta, indo atender
uma mesa que acabou de ser ocupada por um casal. Eu cruzo os
braços na altura do peito e bato com a rodinha do patins no piso que
imita um tabuleiro de xadrez.
— Você era assim na escola também? Saía conquistando
todas as garotas?
Reed apoia preguiçosamente o tornozelo no joelho oposto e
brinca com uma mecha do meu cabelo. Essa noite, eu decidi manter
alguns fios soltos, dispensando o coque elaborado. Adele queria
que a gente experimentasse algo diferente por causa do Halloween,
então caprichei na maquiagem escura e coloquei também uma meia
arrastão.
— Só aquelas que valiam a pena.
— E quem, exatamente, eram elas?
— Nenhuma delas como você, pode apostar — aponta e,
discretamente, a mão se encaixa ao redor da minha bunda. O que
nos mantém escondidos é a altura generosa do balcão no formato
de U. — Guardei as minhas energias para te conquistar.
— Você está flertando comigo, Rollins?
A sua risadinha debochada chega em meus ouvidos e o
sininho anunciando que o pedido está pronto nos interrompe. No
entanto, antes de Reed voltar para a mesa dos adolescentes, ele
me escrutina em câmera lenta e mordisca o lábio inferior.
— Não houve um único dia que eu não tenha flertado com
você, Scott.

Ao final da noite e de um longo expediente, estamos


sentados em um dos bancos de madeira do píer de Sunbay. Reed
comprou para mim um hambúrguer de bacon com batatinhas no
Jackson House e duas latinhas de refrigerante. Já ele optou por
manter a dieta esportiva, já que tem um jogo daqui a algumas
semanas — o último antes do Dia de Ação de Graças.
Isso me faz lembrar que o feriado está próximo e não fiz
nenhum plano a respeito. Eu e minha mãe costumamos comemorar
ao lado de Alex e Soren em North Groove, mas não sei quais são os
objetivos desse ano, porque, da última vez que conversei com o
meu irmão, ele disse que iria viajar para conhecer a família de
Soren.
Talvez esse ano seja apenas eu a minha mãe.
— O que você vai fazer no Dia de Ação de Graças? — Reed
pergunta, como se fosse capaz de ler os meus pensamentos.
— Não faço a mínima ideia. E você?
Reed se acomoda melhor no banco e estica as pernas, meio
nervoso. Arqueio a sobrancelha, desconfiada, e ele solta uma risada
esganiçada.
— Eu falei para minha mãe que ia te levar para conhecê-la.
Quase deixo a latinha de refrigerante cair no chão.
— O quê?
— A gente conversou antes de eu vir para cá. Eu prometi que
iria comemorar o feriado na casa dela e então... Acabei falando de
você. — Ele coça a nuca, envergonhado. — Se você não quiser ir,
eu vou entender.
Mordo o interior da bochecha, receosa.
— Você vai me apresentar como sua namorada?
Reed inclina a cabeça para o lado, me encarando.
— Como você quer ser apresentada, joaninha?
Coloco a latinha de refrigerante no chão, pensando em uma
resposta. Não faço ideia do que está rolando entre mim e Reed. Não
é um namoro de verdade — nem de longe —, mas também não
somos apenas meros amigos. Buscar uma definição me deixa
nervosa.
— Não sei. O que você disse para ela?
Ele cruza os braços e desvia o olhar do meu, voltando a
observar o oceano escuro que nos cerca.
— Eu disse que você era uma garota com quem eu estava
saindo e queria que ela conhecesse. Não mencionei sobre o nosso
acordo.
Suspiro aliviada.
— Então, diremos isso para ela. Estamos nos conhecendo
melhor. Nada de namorados de mentira.
Reed abre um sorriso discreto.
— Isso quer dizer que você vai comigo?
— Você não me deu muita escolha, não é?
Ele solta um muxoxo e se vira para mim novamente,
diminuindo a distância. Escrutino o seu rosto, memorizando os
detalhes que compõem as feições, desde o nariz reto, as
sobrancelhas grossas e a pequena cicatriz quase invisível. Quando
chego aos lábios, me pego sorrindo, porque sei exatamente o gosto
que eles vão ter se eu beijá-los agora.
— É claro. Estou te amarrando e te levando amordaçada até
Mountain City — provoca.
— O lance da mordaça não me parece uma má ideia.
Reed solta um tipo de murmúrio que faz o meu músculo
cardíaco se contrair. Flertar com ele se tornou um dos meus
passatempos favoritos, porque as suas reações sempre dão a
sensação de que ele está por um fio de me empurrar contra a
parede e me foder sem um pingo de paciência.
E saber disso me excita em proporções preocupantes.
— Você não pode falar essas coisas quando estamos fora de
casa, Annie.
Finjo um semblante inocente e dou uma mordida no
hambúrguer. Adele e Jackson podem ser concorrentes, mas não
posso ignorar o fato de que o lanche é delicioso.
— Essa é a minha vingança quando você faz planos sem me
avisar.
— Não tenho culpa se não consigo ficar longe da sua
presença.
Abaixo o lanche e apoio meu ombro no encosto do banco,
ficando de frente para ele também.
— Qual versão de Reed Rollins está dizendo isso?
— A versão verdadeira — diz e encaixa a mão ao redor do
meu pescoço. — Não há nenhum fingimento neste momento, Annie.
Até porque acho que já perdi a capacidade de fingir qualquer coisa
quando estou com você.
— Não sei o que você quer que eu diga — murmuro baixinho,
torcendo para que Reed não escute. Mas ele é um pé no saco,
então é óbvio que ouviu, porque o polegar massageia suavemente o
meu couro cabeludo. — Não sou muito boa nessa coisa de...
A cabeça balança de um lado para o outro, negando.
— Não preciso que você diga nada.
— O que você quer que eu faça, então?
Reed usa a mão livre para me puxar para mais perto. Minhas
pernas, novamente, são colocadas sobre as coxas musculosas. O
calor do corpo imenso aquece o meu e, se ele quisesse, poderia me
manter acolhida ao redor dos seus braços. Sou uma formiguinha
indefesa ao seu lado.
— Me beijar pode ser uma boa ideia, quem sabe.
Dou risada e enlaço a mão livre ao redor da sua nuca,
aproximando os nossos rostos. Reed nem disfarça a malícia que
inunda os seus pensamentos quando escorrega os dedos por baixo
do meu vestido, apertando de forma provocadora a minha coxa nua.
A pele se arrepia e não é por causa do frio.
Afugento um suspiro e resvalo, propositalmente, meus lábios
nos seus, mas não dando exatamente o que ele quer. Brinco
também com a língua e o aperto em minha coxa se intensifica,
fazendo minha cabeça inundar em pensamentos que questionam
como Reed é na cama.
Ele é do tipo exigente? Ele vai ser bruto comigo? Ou vai
deixar que eu assuma o controle da situação?
A ideia agita a minha ansiedade e enrosco meus dedos na
aba do boné, jogando-o para trás do banco. Antes que Reed possa
fazer alguma reclamação, eu prendo meus pés ao redor das suas
pernas e impulsiono o corpo para cima, o beijando. Ele geme em
minha boca, pego de surpresa.
No entanto, diferente de mim, que tento manter o ritmo lento,
Reed se afoga em minha boca, quase arrancando um pedaço da
minha sanidade. A mão se desloca para a curva da minha coxa,
enquanto a outra passeia pelo meu cabelo, me puxando para mais
perto.
Mesmo com a droga de um hambúrguer entre a gente, ele
não se importa. O único pensamento de Reed, neste momento, é
em me devorar. Ele me beija de forma sedutora, contando algo que
palavras não são capazes de traduzir.
Reed diz, através desse beijo, que me quer.
Não de mentira.
Não de brincadeira.
Ele quer de verdade.
E eu o quero também.
Quando nos afastamos, ele me observa com um tipo de
devoção que faz os meus dedinhos do pé se contraírem.
— Foi um beijo bom o bastante para compensar a minha falta
de resposta? 
Ele finge pensar, fazendo um biquinho.
— Não sei, talvez você tenha que me beijar de novo.
Empurro o ombro largo de brincadeira e a risada dele corta o
silêncio do píer. A sorte é que estamos sozinhos, já que, com o fim
da temporada de verão, Sunbay se torna praticamente deserta de
turistas. Somos apenas Reed e eu — e uma porção de batatinhas já
murchas.
Pesco uma delas e mordisco a ponta. Quanto ao outro
pedaço, Reed acaba pegando para ele, quase levando um pedaço
do meu dedo junto. A energia dele está tão descontraída que fico
até desanimada em levar adiante o que estou prestes a perguntar.
— Você provavelmente vai me odiar, mas...  Quando vai ser o
jantar na casa do seu pai?
Reed murcha no banco, mas tenta disfarçar usando os
polegares para massagear os meus tornozelos.
— Na próxima semana. Ele mora em North Groove, então
talvez a gente tenha que passar a noite lá.
— Na casa dele?
— É uma casa grande o bastante que ele nem vai se lembrar
da gente quando estiver dormindo. Isso é um problema para você?
— Não sei. Deveria ser? Eu não sei nada sobre o seu pai
além dele ser uma estrela do esporte que ninguém consegue
esquecer.
O peito de Reed sobe e desce de acordo com a respiração
lenta. Falar sobre Ricky não é um assunto fácil para ele. Estou um
pouco preocupada em como vai ser esse jantar, porque tenho a leve
impressão de que as coisas não vão se desenvolver bem.
— É o que você precisa saber. Ricky não vale o seu esforço.
— E não deveria valer o seu também, Reed.
Minha frase faz ele encolher os ombros.
— Ele ainda é o meu pai, infelizmente. Não sei se odiá-lo a
esse ponto me levaria a algum lugar.
A confissão carrega um tom tão amargo que não digo nada
que possa tornar a situação ainda pior. A relação que Reed e Ricky
possuem é complicada demais e eu não tenho o direito de me
intrometer dessa forma na vida dele. Já é um grande esforço ele ter
me contado que as coisas não são o que aparentam.
O resto ele deve compreender sozinho — e encontrar uma
forma de resolver.
— Vai dar tudo certo, Reed. E se não der, pelo menos você
tem a mim.
Ele ri e beija o topo da minha cabeça.
— Não tem como dar errado, então.
 
 
 
 
 
“Você poderia encontrar uma maneira de me decepcionar aos
poucos?
Eu espero que você possa me mostrar um pouco de simpatia
comigo”
Let Me Down Slowly | Alec Benjamin
 

 
Quando a sexta chega, eu me sinto péssimo.
É uma tarefa árdua ignorar o aperto na boca do meu
estômago que me acompanha desde que acordei pela manhã. Na
hora do almoço, nem consegui prestar atenção no que Dave e
Claire estavam debatendo. Minha cabeça se manteve focada o
tempo inteiro no jantar com o meu pai.
Respiro profundamente, obrigando meus pensamentos a se
manterem tranquilos, e empurro a porta, entrando no quarto de
Anne. O ambiente está uma bagunça, com roupas jogadas em cima
da cama e vários itens de maquiagem espalhados pela
escrivaninha.
Parece que um furacão passou por aqui. 
— O que aconteceu aqui dentro? 
Anne surge do banheiro usando um roupão. O rosto está
maquiado, deixando-a mais velha do que realmente é, e o cabelo
loiro cai em ondas ao redor dos seus ombros. Ela está linda, como
sempre.
— Estou um pouco nervosa — diz, afobada. — Nunca
conheci os pais do meu namorado de mentira. Na verdade, nunca
tive um namorado.
Abro um sorriso e fecho a porta.
— Eu também nunca tive uma namorada. Isso vai ser uma
novidade para nós dois.
Anne engole em seco e empurra os cabelos para trás das
orelhas. Lentamente, ela se aproxima de onde estou.
— Como você está?
Não é uma pergunta qualquer. É uma pergunta que envolve
não somente o meu estado de humor, mas também como estou me
sentindo diante dessa situação. A preocupação de Anne é genuína. 
— Já tive dias melhores. Não fico nervoso assim nem quando
tenho um jogo importante, então acho que estou meio na merda.
Anne dá uma curta risada e ajeita a gola da minha camisa.
— Somos duas merdas ambulantes, Reed.
— Esse é o seu conselho para mim? Porque foi terrível.
— Sou horrível com conselhos. Não espere muito de mim.
— A sorte é que sempre espero o mínimo de você, Annie.
A resposta dela é me mostrar a língua igual uma criança
petulante e voltar a se arrumar. Eu assisto cada um dos seus
movimentos, admirando a maneira que ela desliza sobre os sapatos
de salto.
Fico chateado por ver que Anne se esforçou para esse jantar,
porque não importa o quanto ela tente, meu pai não vai gostar dela.
Ele já a detesta sem terem trocado nenhuma palavra apenas pelo
simples fato dela representar uma ameaça para a minha carreira.
Mal sabe ele que Anne representa tudo na minha vida,
menos isso.
Escondo as mãos dentro do bolso da calça jeans e vejo-a
pegar um vestido azul escuro e rumar para o banheiro. Dez
segundos depois, a porta é novamente aberta e ela me direciona um
olhar pidão que me dá vontade de sorrir.
O azul combina tão bem com o tom da sua pele branca que
fico fascinado.
É surreal que essa garota seja minha namorada — mesmo
que de mentira. Devo ter feito algo bom pra cacete na vida passada.
Não há outra explicação.
— Você me ajuda com o zíper?
Gaguejo uma resposta e me aproximo, ficando a centímetros
de distância das suas costas. Anne respira com dificuldade, os
ombros acompanhando o ritmo acelerado. Não duvido que a
pulsação dela esteja a mil por hora, porque a minha também não
está diferente.
Empurro o cabelo para o lado e puxo o zíper para cima com
cuidado, a ponta dos meus dedos roçando na pele macia. É uma
carícia inocente, mas que faz nós dois ofegarmos quando o zíper é
fechado por completo. Anne gira sobre os calcanhares e trocamos
um olhar silencioso.
De repente, cogito a possibilidade de desistir desse jantar e
levá-la para o encontro que prometi que teríamos.
— Se algo ruim acontecer...
Ela balança a cabeça, me calando.
— O que de ruim poderia acontecer, Reed? — questiona. —
Tem algo que eu precise saber antes de irmos?
Sim.
Minha garganta coça para contar da discussão que tive com
o meu pai na semana passada, mas não consigo. Sou um fraco. É
por esse motivo que não enfrento Ricky como deveria. As
consequências me perseguem.
— Não.
Ela assente e segura meu rosto entre as mãos, me
oferecendo um sorriso consolador que dói no meu coração.
— Então não há motivo para se preocupar. E se algo der
errado, a gente pode ir embora. Não precisamos ficar lá.
Concordo com um aceno, desejando que ela esteja certa e
que esse jantar não termine em mais uma discussão envolvendo o
futebol americano. Embora, bem lá no fundo, eu saiba que as
probabilidades são minúsculas.

A casa que meu pai reside em North Groove fica localizada


na área nobre da cidade, em um condomínio formado inteiramente
por celebridades e empresários. Morei aqui praticamente a minha
vida inteira, mas desta vez, ao cruzarmos os portões de ferro após o
porteiro autorizar a nossa entrada, eu não sinto nenhum tipo de
saudades ou nostalgia.
Me sinto frio e vazio.
Olho de soslaio para Anne, sentada ao meu lado com as
mãos cruzadas sobre o colo. Ela tenta manter as expressões
neutras, mas há um traço de admiração presente ali. Não quero que
ela se deslumbre, porque nada disso é real. É apenas uma imagem
criada para agradar aos outros.
Estico o braço e afago a coxa coberta pelo vestido. Estou a
um passo de dar a ré com o Jeep e ir embora daqui quando a
imensa casa surge a frente, a estrutura imponente cercada de
pinheiros e com uma escadaria digna de um cartão postal.
— O futebol americano dá tanto dinheiro assim? — Anne
questiona, o olhar queimando em mim enquanto estaciono o carro
no caminho de cascalho.
— Meu pai esteve envolvido em outros projetos além do
futebol americano. Depois que ele se aposentou, o patrimônio
aumentou de forma considerável — explico. — Mas ele comprou
essa casa logo depois que se divorciou da minha mãe. O divórcio
trouxe mais visibilidade para a carreira dele.
Anne assente e solta o cinto de segurança. Acho que ela vai
sair correndo a qualquer momento.
— Ele sabe que sou filha de um pescador falecido e que
minha mãe trabalha em uma lavanderia?
— Annie...
— Ele sabe, Reed? — insiste, a voz aumentando algumas
oitavas. — Ele sabe que eu não sou uma menininha rica com um
futuro garantido?
As palavras cortam o ar e me livro do cinto também, ficando
de frente para ela. Os olhos de Anne estão marejados e eu pouso o
indicador em seu queixo, obrigando-a a manter a atenção em mim.
— Ele não sabe quase nada sobre você e, mesmo que
soubesse, não tem direito de defini-la por causa do dinheiro ou da
profissão dos seus pais — murmuro. — Essa merda nem deveria
importar, Annie.
— Acho que aquele papo do seu pai me oferecer dinheiro
para me afastar de você agora não parece assim tão cabulosa. Ele,
com certeza, vai fazer isso assim que formos embora daqui.
A risada amarga lhe escapa e eu acabo a acompanhando,
não acreditando que as coisas tomaram esse rumo. E a gente ainda
nem entrou naquela casa.
— E você vai aceitar?
Ela faz um biquinho.
— Você me prometeu o dobro. — Dá um tapinha no meu
ombro, soando brincalhona. — Confio no seu potencial em me
manter na sua vida por uma quantia exorbitante de dinheiro.
Sacudo a cabeça em negação e lhe dou um rápido beijo,
apreciando a sensação de ter a boca na minha. No entanto, não
deixo o momento se prolongar. Se vamos fazer isso, temos que
fazer direito e não vai pegar bem a gente aparecer para esse jantar
com o cabelo bagunçado e uma cara de quem acabou de dar uns
amassos no banco de trás.
— Nem todo o dinheiro do mundo seria o suficiente, Annie. —
Indico a casa com o queixo. — Pronta? Prometo que, pelo menos, a
comida vai ser boa. Talvez até tenha alguma coisa com atum, do
jeito que você gosta.
Anne finge uma animação e salta para fora do carro. Eu faço
o mesmo e contorno o para-choque, entrelaçando as nossas mãos.
Caminhamos em direção à grande porta de entrada e, a cada
degrau que subimos, gotículas de suor escorrem por minha nuca.
Toco a campainha e, segundos depois, a porta é aberta.
Quem nos recebe é o mordomo do meu pai, o senhor Norton. Ele já
é um senhor de idade, com rugas marcando as pálpebras e vários
fios grisalhos. Faz tantos anos que Norton trabalha para a família
Rollins que já deve ter virado uma peça da mobília.
— Reed. — Ele me cumprimenta cordialmente, mas com um
sorriso alegre. — Há quanto tempo não te vejo, garoto! Por onde
esteve?
— Treinando e jogando muito, você sabe — digo e ele dá um
passo para trás, nos convidando para entrar. — O objetivo desse
ano é chegar nos playoffs, então tenho estado mais ocupado que o
normal.
Norton me ajuda a tirar o casaco.
— Ocupado com a sua namorada também, eu suponho.
Anne cora ao meu lado e eu engulo a vontade de fazer um
comentário maldoso quando passos ecoam pelo espaço. Sigo o
som do barulho e vejo uma mulher elegante descendo os degraus
da grande escada de mármore.
É a Dianna, com certeza.
Ela exala beleza e simpatia com os cabelos dourados
puxados em um coque no topo da cabeça e um sorriso doce
adornando os lábios desenhados com batom escuro.
Da mesma forma que Anne, Dianna usa um vestido que
valoriza o seu tom de pele. Não parece ser mais velha que a gente,
talvez esteja na casa dos trinta anos — quase a idade do meu
irmão. Nova demais para Ricky, mas isso não é nenhuma novidade.
— Não acredito que estou tendo a oportunidade de conhecer
vocês dois! Seu pai me falou tanto de você, Reed. — Ela se vira
para Anne. — E você deve ser a Anne. A notícia desse namoro
pegou a gente de surpresa.
Eu imagino.
— É um prazer conhecê-la. — Anne sorri, a mão ainda
entrelaçada na minha. — E acho que o namoro pegou todo mundo
de surpresa. Nem eu esperava por isso.
O duplo sentido por trás da última frase me obriga a morder a
língua para não dar uma gargalhada.
— Foi um pedido de namoro inesperado, então?
— Acho que foi como o amor costuma ser. Ele não avisa
quando decide bater na nossa porta.
Dianna suspira, apaixonadamente, e as duas engatam em
uma conversa animada. Elas se dão bem de imediato e eu,
surpreendentemente, não detesto a noiva do meu pai logo de cara.
Diferente das outras ex-esposas, ela não parece preocupada em ser
perfeita. Só está sendo ela mesma.
Um pigarro alto interrompe o tom animado que nos cerca. Ao
direcionar o meu olhar para o topo das escadas, encontro meu pai
descendo os degraus em câmera lenta. O olhar duro e a mandíbula
tensa são a sua marca registrada.
Os cabelos foram penteados para trás e a camisa de manga
longa adere aos músculos do seu peitoral, feita sob medida, assim
como a calça social. No pulso, ele usa o inseparável relógio Rolex.
Ricky puxa todos os olhares para si e, ao alcançar o último
degrau, caminha até onde estamos, consciente de que ninguém
consegue desviar a atenção da sua presença. Esse é um tipo de
dom que nunca vou conseguir dominar.
— Reed.
Movimento a cabeça em um gesto positivo.
— Pai.
Os olhos analíticos recaem, demoradamente, em Anne. Ele a
analisa da cabeça aos pés, não esboçando nenhuma reação além
de um leve contorcer de lábios. Nada de cumprimentos e sorrisos.
Dianna fica desconfortável, mas Anne permanece com o queixo
empinado para cima, nada abalada.
Eu, no entanto, já estou ficando de mau humor.
— O que você acha de uma bebida antes do jantar? —
Dianna sugere para Anne e faz um sinal para Norton acompanhá-la.
— A gente pode se conhecer um pouco melhor enquanto isso.
Ela concorda com um aceno, soltando a minha mão e
seguindo o mordomo em direção ao corredor adjacente. As vozes
vão perdendo o som até que resta somente o silêncio entre mim e o
meu pai. Ele passa a mão pela barba e suspira alto.
— Essa é a garota, então.
— Eu já disse para chamá-la pelo nome, pai.
— Vai vir com esse papo de defendê-la para cima de mim de
novo, é isso?
Aperto os lábios com força.
— Por que a Anne te incomoda tanto? Você nem a conhece.
— Não preciso conhecer para saber que ela é um risco na
sua carreira, Reed.
— Não existe nenhum risco na minha carreira — resmungo.
— Estou cumprindo a agenda de treinos, a temporada está ótima e
as chances do time chegar aos playoffs são altas. O que mais você
quer?
Ricky dá um passo, ficando de frente para mim. Trocamos um
olhar duro, ninguém disposto a ceder.
— Você não entende os riscos que ela representa — fala
pausadamente. — Está apaixonado demais para entender que, por
causa de uma garota insignificante, tudo o que construí está perto
de ceder.
Tudo o que construí.
As palavras se repetem em minha cabeça e agem como um
balde de água fria. Qualquer respeito e admiração que eu poderia
ter por Ricky acaba de desaparecer.
— Tudo o que construímos, você quis dizer — corrijo-o. —
Porque, se me lembro bem, você agora é um jogador aposentado.
Quem está sempre treinando, levando porrada nos jogos e com os
pés fincados no gramado sou eu.
O músculo do maxilar pulsa em raiva e ele dá mais um
passo, encurtando a nossa distância. A respiração bate no meu
rosto, mas eu não me afasto.
— Você não seria nada sem mim, Reed — cospe. — E se
continuar com essa garota, pode ter certeza que nem mesmo o meu
sobrenome vai conseguir te salvar.
Uma risada irônica me escapa.
— O que você quer?
— Eu quero que você termine com ela.
Mil facas atravessam a minha garganta quando engulo a
espessa saliva. Anne estava certa. Não tenho dúvidas de que após
esse jantar, ele vai dar um jeito de suborná-la de alguma forma.
O que Ricky não sabe é que há uma mentira muito maior
envolvendo esse relacionamento.
— E você espera que eu faça isso?
Ricky pousa a mão sobre o meu ombro em um gesto
acolhedor, mas que só me causa o pior tipo de repulsa. Estou com
nojo de mim mesmo e por ter trazido Anne para dentro dessa casa.
Era óbvio que as coisas dariam errado.
— Não só espero, como eu sei que você vai fazer.
Permaneço quieto, sem dar uma resposta. Escrutino o
homem diante de mim, me questionando como deixei a minha vida
chegar a esse ponto. Como permiti que meu pai controlasse os
meus passos em vez de me apoiar nas decisões e deixei que o seu
sobrenome falasse mais alto que o meu talento.
Se eu for realmente bom, não preciso dele.
Não quero que minha carreira esteja sempre atrelada a quem
Ricky foi um dia. Quero ser merecedor das minhas próprias
conquistas, porque o futebol americano — junto do jornalismo — é
tudo o que tenho. Sem eles, eu não faço ideia de qual rumo tomar
daqui alguns anos.
E eu não vou deixar que meu pai tire isso de mim.
— Não. Eu não vou terminar com ela.
Os dedos afundam em meu ombro e um traço de impaciência
cruza as íris castanhas.
— Você ao menos sabe quem ela é, Reed? — A voz
aumenta várias oitavas e uma veia do seu pescoço pulsa. — Ela é a
merda de uma garçonete que trabalha em uma lanchonete em
Sunbay, com um pai morto e uma mãe que não deve nem receber a
merda de um salário decente. É esse tipo de pessoa que você quer
na sua vida? — Agora ele está gritando na minha cara. — Uma
pessoa que não tem nada de bom a oferecer? Ela é uma vadia
inútil.
Ela é uma vadia inútil.
Esse é o meu limite.
Eu explodo.
Empurro-o pelo peitoral até que as suas costas batem na
parede e a mão esbarra no aparador, derrubando um vaso no chão.
O barulho é alto o bastante para chamar a atenção. Pressiono o
antebraço contra a garganta dele e ofego alto. Meu peito sobe e
desce em adrenalina, cada parte minha ardendo em um tipo de
raiva que eu nem sabia que poderia sentir.
— Você não vai ofender a minha namorada de novo — sibilo,
rangendo os dentes. — E se você abrir essa boca para chamá-la de
qualquer coisa que não seja o próprio nome, eu não vou pensar
duas vezes em arrebentar a sua cara, porque estou pouco me
fodendo se você é a merda do meu pai.
— Você vai se arrepender disso, Reed.
— Não. Eu não vou. — Faço pressão contra sua garganta
uma última vez. — Porque, diferente de você, eu priorizo as
pessoas que eu amo na minha vida. Você já não é uma delas.
Me afasto dando um passo trêmulo para trás e quando olho
para o lado, encontro Anne parada, com Dianna no seu encalço. Os
lábios pintados de batom estão rígidos e os olhos esverdeados
tremulam. Não noto que uma lágrima me escapou até que sinto o
gosto salgado em minha boca.
Não acredito que isso acabou de acontecer.
Anne reage antes que eu. Ela se afasta de Dianna e caminha
até mim. Lentamente, entrelaça os dedos nos meus e faz uma
mínima pressão, me passando a segurança que preciso através de
um pequeno gesto. Então, direciona um olhar frio para Ricky.
Ele permanece encostado na parede, inexpressivo.
— Foi um prazer conhecer a sua noiva, Ricky. Infelizmente, já
não posso dizer o mesmo sobre você — murmura. — E pode ficar
tranquilo, a carreira do seu filho nunca vai ser estragada por uma
vadia inútil como eu.
E dito isso, nós vamos embora.

Bastou um cartão de crédito e alguns telefonemas para que


encontrássemos um hotel para passar a noite em North Groove.
Eu caminho de um lado para o outro dentro do quarto,
sentindo a fúria palpitar em cada uma das minhas células. Os
músculos estão tensos e posso jurar que ainda consigo sentir o
calor da respiração de Ricky e o último olhar que ele dirigiu para nós
antes que sumíssemos pela porta.
Acho que não tem mais volta agora.
Me sento na cama e afundo os dedos no couro cabeludo.
Segundos depois, o colchão range e Anne se acomoda ao meu
lado, massageando os meus ombros. Não trocamos nenhuma
palavra desde que embarcamos no Jeep.
— Você quer conversar? — pergunta em um sussurro.
Levanto a cabeça.
— Não queria que você tivesse ouvido nada daquilo.
Ela crispa os lábios e empurra uma mecha do meu cabelo
para longe da testa.
— Não ligo para o que ele disse sobre mim, Reed. A opinião
de poucas pessoas são relevantes e Ricky não está nessa lista —
diz. — Mas eu não sou a sua namorada de verdade. Me defender
daquele jeito foi...
Solto um sopro pelo nariz e me viro na cama. Seguro o rosto
de Anne entre as mãos, não deixando que ela desvie o olhar do
meu.
— Sendo a minha namorada de verdade ou não, você é
importante para mim, Annie. Não vou deixar que ninguém fale
qualquer merda sobre você. Não é assim que as coisas funcionam
comigo.
Mesmo contrariada, vejo sua cabeça se mover em
concordância. As mãos voltam a deslizar pelas minhas costas, mas
eu não consigo desligar a minha mente. Ela está latejando, de tanto
repetir os últimos acontecimentos em um looping.
As chances do meu pai me tratar como Aaron são altíssimas.
— Eu sei de uma coisa que pode fazer você relaxar — Anne
declara e se levanta da cama. — Eu já volto.
Ela se move pelo quarto e some dentro do banheiro. Escuto o
registro ser ligado e o barulho de portas sendo abertas e fechadas.
Minutos depois, Anne retorna com um sorriso singelo nos lábios.
Chega a ser um pecado ela ter se arrumado tanto por causa dessa
noite terrível.
— Tira a roupa — diz, apontando para a minha camisa.
— O quê?
— Tira a roupa, Reed.
Arqueio a sobrancelha.
— A gente vai transar?
Ela faz uma careta.
— Não acho que seja um bom momento para isso.
— Por que você quer que eu tire a roupa, então?
Anne bate com a ponta do sapato no chão, impaciente.
— Só tira a roupa logo. A água vai esfriar.
Ergo as mãos em rendição e tiro a camisa, depois os sapatos
e, por último, a calça. Mantenho a cueca, porque não faço ideia do
que me espera dentro daquele banheiro. Com Anne Scott, não dá
para se brincar.
Quando ela se vê satisfeita, sou puxado para dentro do
cômodo iluminado. Fico surpreso ao encontrar a banheira cheia de
espuma e uma vela aromática acesa no balcão da pia. O aroma no
ar é uma combinação entre baunilha e lavanda.
— Uma banheira? Esse é o seu plano para que eu relaxe?
— Um banho de banheira — me corrige, petulante. — E não
faça essa careta feia para mim. Banhos de banheira são
revigorantes. Você não vai conseguir pensar em outra coisa que não
seja a água quentinha batendo na sua bunda.
Rio.
— Você é tão patética. — Testo a temperatura e, mesmo
achando a ideia péssima, eu entro na banheira. É grande o bastante
para que eu não precise ficar com as pernas encolhidas, o que já é
um ponto positivo. — Uma massagem no meu pau já estava ótimo.
Anne revira os olhos e despeja um negócio líquido dentro da
água, fazendo mais espuma. Eu estico o braço e fecho os dedos ao
redor do seu pulso, não querendo que ela vá embora. Se a gente
veio para esse jantar juntos, é justo que ela relaxe também.
— Entra comigo, joaninha.
— Na banheira?
Olho ao redor do banheiro e paro no rosto dela novamente.
As bochechas avermelhadas fazem meu coração esquentar.
— Sim.
— Não acho que seja uma boa ideia.
— Por que? — Miro seu vestido azul escuro. — Você está
sem calcinha?
O vermelhidão desce para o pescoço esguio.
— Não.
— Tira logo a roupa, então. — Brinco com a espuma entre os
dedos. — Prometo que não vou olhar para a sua bunda gostosa.
Anne gagueja uma resposta e se ajoelha na beirada da
banheira, pedindo a minha ajuda com o zíper. Com a mão molhada,
eu afasto novamente o cabelo para o lado e deposito um suave
beijo na curva da sua nuca. Depois, empurro o zíper para baixo,
revelando o sutiã de renda e a curva sutil da coluna.
— Prontinho.
Os joelhos se flexionam para cima e o tecido desliza pelas
coxas torneadas. Inspiro o ar em uma lufada ao notar a calcinha
preta e o sutiã da mesma cor. Analiso, com admiração, o tamanho
dos seus seios, a barriga plana e a boceta escondida por uma renda
minúscula. Retorno para o rosto dela e a encontro mordiscando o
lábio inferior.
Levanto a palma para cima para ajudá-la. Me acomodo mais
para trás, deixando que ela se encaixe entre as minhas pernas.
Quando sinto a bunda pressionar o meu pau, circulo a cintura dela
com as mãos, abraçando-a e pousando o queixo em seu ombro.
— Está confortável assim para você?
— Sim. E para você?
Inspiro o costumeiro perfume de morango e fecho os olhos.
— Duvido existir um lugar mais confortável que esse.
Não vejo o rosto de Anne, mas aposto que há um sorriso
convencido sendo direcionado para mim.
— Eu disse que banhos de banheira eram poderosos.
Beijo o seu ombro nu.
— Apenas se for na sua companhia — murmuro contra a pele
dela. — Se eu estivesse sozinho, seria um tédio imenso.
A mão de Anne serpenteia por debaixo da água e pousa em
minha coxa, desenhando círculos imaginários da mesma forma que
fez em minhas costas minutos atrás.
— Sobre o que aconteceu hoje...
— Não vamos falar do meu pai agora — peço. — Mas eu
queria te agradecer por estar comigo e por não me dar as costas.
Sei que é uma situação merda que não estava inclusa no nosso
acordo e...
Anne se mexe dentro da banheira e curva os ombros de uma
maneira que consegue pousar o dedo indicador sobre a minha boca,
me calando.
— Não preciso de acordo nenhum para estar com você,
Reed.
— Não?
Ela nega.
— É claro que não. — Encosta a testa na minha. — Porque
você também é importante para mim. E a gente faz isso pelas
pessoas que gostamos.
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Eu quero secar aquelas lágrimas, beijar aqueles lábios.
Isso é tudo que eu tenho pensado”
Can I Be Him | James Arthur
 

 
No começo de novembro, Claire e eu estamos, mais uma
vez, na cafeteria do campus. Esse lugar virou o nosso ponto de
encontro semanal. O que fez também a gente viciar nos cupcakes
temáticos e nos frappuccinos de caramelo.
Eu já devo estar no meu segundo copo.
Claire brinca com o canudinho enquanto faz anotações no
computador. Falta um mês para o desfile, então boa parte dos
detalhes já foram acertados, mas isso não significa que a ansiedade
dela esteja sob controle.
— O que você vai fazer no Dia de Ação de Graças? —
pergunto.
Minha amiga mantém o olhar na tela do computador,
digitando furiosamente. Como estamos no final do outono, e com a
temperatura gradativamente baixando, os inseparáveis vestidos
coloridos foram dispensados, dando lugar a um casaco com vários
corações vermelhos estampados, uma calça preta e botas que
alcançam a altura dos joelhos. O grande destaque está na peruca: é
azul-escura, com mechas loiras nas laterais.
— Acho que o tom do vestido azul pode ser melhorado —
murmura, presa nos próprios pensamentos. — Não gostei do jeito
que ele ficou nas fotos.
— Claire?
— Talvez adicionar mais uma camada de tecido resolva.
— Estou falando com você, Claire.
— O que você acha?
Praguejo e empurro a tela do seu computador para baixo.
Claire dá um pulinho, assustada. Mesmo maquiada do jeito perfeito
de sempre, o cansaço é evidente. Pelo visto, o meu sermão da
semana passada não serviu de nada. Ela continua passando as
noites em claro.
— Você está estressada demais. Vai entrar em parafuso se
continuar trabalhando desse jeito. — Dou a ela o meu cupcake,
fazendo um sinal para que coma. — Já estamos com quase tudo
pronto. Faltam apenas os detalhes finais. Não tem como você
fracassar a essa altura. O pior já passou.
Ela lambuza o dedo com a cobertura e leva aos lábios,
experimentando.
— E se algo der errado?
— Não tem como dar. Pelas fotos que me mostrou, as roupas
estão lindas. Principalmente o vestido azul, que você não para de
colocar defeito. Agora vamos esquecer um pouco esse assunto. O
que você vai fazer no Dia de Ação de Graças?
Claire limpa a boca com o guardanapo, um sorriso animado
surgindo.
— Vou viajar para Trenton no feriado com o Dave. Ele
finalmente vai conhecer a minha família completa. Vamos todos
passar alguns dias juntos, então ele está meio nervoso. Minha mãe
já ama ele, agora só falta conquistar o meu pai e a minha avó.
— A sua avó?
— Ela é rabugenta. Não gosta de quase ninguém e o único
que conquistou o seu coração é um gato que tem quase a idade
dela. — A frase me arranca uma risada. — E você? Vai para...
O meu celular vibra em cima da mesa, me impedindo de ouvir
o restante da pergunta. Ao ver o número no identificador de
chamadas, posso jurar que meu coração vai sair para fora do peito e
cair bem em cima dos meus pés.
Estendo o braço sobre a mesa, sentindo os dedos tremerem
e gotículas de suor se formarem na palma.
Se for mesmo o que estou pensando que seja, vou desmaiar
bem aqui no meio da cafeteria.
Quando atendo a chamada, ouvindo atentamente o que a
pessoa está dizendo do outro lado da linha, chego à conclusão que,
sim, meu coração já não faz mais parte do meu organismo.

Entro no vestiário masculino do time, pouco me importando


com os olhares assustados que recebo. Nem ligo para as bundas
molhadas, os abdomens sarados e o cheiro de suor. Não faço nem
uma careta quando vejo Chad Eaton saindo do chuveiro com o pau
mole de fora.
Vou me arrepender para o resto da vida por ter transado com
ele.
Contorno o seu corpo alto e fico na ponta dos pés,
procurando por Reed. Ao encontrá-lo em frente aos armários, não
usando nada além de uma toalha no quadril, corro em sua direção.
Ele nem tem tempo de se preparar para o baque quando pulo em
suas costas, prendendo os braços ao redor do pescoço.
— Eu consegui!
— O quê?
— Eu consegui, Reed! — Enterro a bochecha em suas
costas. — Puta merda, eu consegui!
— Ei, ei! — Reed dá um tapinha no meu joelho e eu desço de
suas costas, ficando de frente. — Você conseguiu o quê?
Estou tão afobada que não consigo organizar meus
pensamentos de uma forma coerente, mas, com esforço, consigo
controlar a vontade desenfreada de sair gritando pelos corredores
da USVL.
— O PK Journal acabou de me ligar. Passei na primeira fase
e tenho uma entrevista daqui duas semanas. — Rio entre as
lágrimas de felicidade. — Eu consegui, Reed! Não consegui a vaga,
é claro, mas já é metade do caminho e...
Minha frase morre no ar, porque as mãos de Reed se
encaixam ao redor do meu rosto e a boca afunda de encontro a
minha. Meu momento de susto dura um curto segundo, porque
minhas mãos se fecham ao redor dos seus bíceps e me desfaço ao
redor do seu corpo, deixando que cada parte minha pressione a
sua.
O beijo é diferente.
Não sei definir com exatidão, mas ele tem um tipo de
sentimento que nenhum dos outros teve até agora.
É mais íntimo.
É como se ele conhecesse cada parte de mim.
O vestiário ovaciona em gritos e assovios e eu me afasto, as
bochechas coradas. Reed dá um beijinho na ponta do meu nariz e
sorri.
— Eu estou tão orgulhoso de você, joaninha. E mesmo que
ainda não seja a vaga de fato, eu sei que é apenas uma questão de
tempo. Porque você é extraordinária pra cacete e, se eles não
perceberem isso, vão cometer um erro terrível.
— Você me dá crédito demais, Reed.
— Estou falando a verdade, Annie. — Abaixa a cabeça,
diminuindo a distância. — E não digo isso porque sou seu
namorado.
Reed me dá uma piscadela maliciosa e eu faço um biquinho
que ele beija também, me prendendo em um abraço de urso. Estou
tão feliz que os olhares curiosos não são nada incômodos. Vejo até
Chad Eaton em um canto, nos observando com um vinco curioso
entre as sobrancelhas.
— O que você acha da gente...
A frase morre no ar quando o assovio alto do treinador ecoa
pelo vestiário. Eu me encolho entre os braços de Reed. Turner, em
breve, vai instaurar uma lei que me proíbe de entrar no vestiário dos
seus jogadores.
— Mais uma vez aqui, Scott?
Levanto a mão, acenando de um jeito que faz as pálpebras
do treinador se semicerrar em descontentamento. A mera
lembrança dele saber que fiz Reed gozar em uma das cabines do
chuveiro me faz ter vontade de cavar um buraco no chão. 
— Eu já estava de saída, treinador.
Turner assente diante da minha resposta e o aperto de Reed
ao redor do meu corpo se afrouxa. Eu pego a minha bolsa que caiu
no chão e rumo para a saída. No entanto, antes que eu possa sair
do vestiário, a mão do treinador pousa em meu ombro, me parando.
Ele abaixa a cabeça e diz, baixinho, para que ninguém mais
possa ouvir:
— Parabéns pela conquista, Scott.

Ao final do dia, estou deitada na cama do quarto de Reed,


estudando. Minhas pernas se mantêm cruzadas em posição de
yoga e o computador repousa sobre uma almofada, enquanto faço
anotações sobre o artigo que acabei de ler sobre Jornalismo
Econômico.
Tive um dia longo trabalhando na lanchonete e conversei com
Adele sobre a probabilidade de que, talvez, ela precise procurar por
outra garçonete para me substituir. O tom de felicidade em sua voz,
por saber que estou conseguindo correr atrás dos meus sonhos, fez
o meu coração inchar de alegria.
Assim como Adele, estou torcendo para que a entrevista seja
um sucesso daqui a duas semanas e que eu consiga o estágio que
tanto almejo. Aproveitei também e mandei uma mensagem para
Alex. Ele me respondeu com um meme de gatinho e vários emojis
de parabéns.
Ainda não conversamos sobre o Dia de Ação de Graças, mas
esse é um problema para a Anne do futuro resolver.
Por enquanto, decido me concentrar nas palavras diante de
mim. O objetivo, infelizmente, escorre pelas minhas mãos quando a
porta é aberta e Reed sai do banheiro.
Eu já o vi sem camisa, no mínimo, cinco vezes — não que eu
esteja contando —, mas toda vez, sem exceção, ele consegue me
tirar o fôlego. O contorno do peitoral, os gominhos em destaque e o
V que leva diretamente para o seu pau causam um formigamento
comum na minha língua.
Reed passa as mãos pelo cabelo úmido e se joga na cadeira
da escrivaninha. O perfume de cravo com sândalos inunda o quarto
e qualquer tentativa de me concentrar evapora.
— O que você acha da gente ver um filme? — sugere,
esticando as pernas.
— Não sei se é uma boa ideia.
Ele arqueia a sobrancelha, mantendo o olhar no meu.
— Por quê?
— Porque você tem um péssimo gosto para filmes. — Aponto
para o pôster de Missão Impossível pregado do lado oposto do
quarto. — E uma fixação nada saudável pelo Tom Cruise.
— Tom Cruise é uma lenda. Na próxima vida, se eu tiver
sorte, quero ser ele.
Dou risada e abaixo as vistas para a tela do computador.
Entretanto, o olhar de Reed queima em mim. Há dias, uma
atmosfera diferente nos envolve, se espalhando pelas veias e
seguindo para as nossas terminações nervosas. Não sou a única a
sentir isso, porque Reed é péssimo em disfarçar o que se passa na
própria cabeça.
Mordisco o cantinho do lábio inferior e olho de soslaio para
onde ele está sentado. Reed usa o apoio de braço para sustentar o
cotovelo, enquanto a ponta dos dedos coçam a barba rala. Ele me
desnuda sem nenhum pingo de vergonha, começando pela
camiseta larga que uso e terminando nos shorts de malha que mal
cobrem a minha bunda direito.
— Para de me olhar assim, Reed.
— Assim como? — Arqueia a sobrancelha, o desafio
escorrendo por sua voz rouca.
Respiro fundo e abaixo a tela do computador. A leitura desse
artigo vai ficar para depois. 
— Como se quisesse me foder. 
Meu coração bobo erra uma batida quando Reed impulsiona
a cadeira para frente, até ficar no pé da cama. A tensão dentro do
quarto começa a mudar gradativamente.
— E você vai me impedir?
Um longo silêncio se estende entre nós. Mantenho as mãos
repousadas sobre os joelhos, enquanto os meus incisivos
mordiscam o lábio inferior.
— Não.
Reed range os dentes e encaixa as mãos sobre os meus
tornozelos, me puxando para a beirada da cama. Dou um gritinho
estridente, misturado com uma risada. Vejo-o sorrir diante do som.
— Estou começando a achar que você é do tipo barulhenta
— murmura ao me acomodar de frente para si. Meus pés
descansam no minúsculo espaço livre do assento da cadeira.
— E eu acho que você é do tipo que fala muito, mas não age
— retruco.
A mão grande desliza por minha perna e sobe, parando no
interior da coxa. O toque me arranca um suspiro.
— Tem certeza? — Dedilha a região. — Porque se eu me
lembro bem, você não reclamou quando eu te chupei até você gozar
naquele banheiro de hotel.
— Eu fingi — digo, lutando contra a vontade de gemer.
— Acho que você fingiu mal. Porque eu senti o seu gozo na
minha língua.
— Você é sujo.
Ele abre um sorriso e beija suavemente o canto dos meus
lábios. O beijo, no entanto, não dura mais que curtos segundos. 
— E você adora.
Resmungo em desacordo e empurro a cadeira para trás.
Minhas pernas pendem para baixo e Reed fica de pé com facilidade,
me olhando de cima. As íris brilham idênticas a um caleidoscópio,
enchendo minha cabeça de lembranças de quando ele se ajoelhou
entre as minhas pernas e chupou a minha boceta.
— Você discorda? — Apoia as mãos no colchão, me
encurralando com o seu porte atlético enorme. — Será que vou ter
que comprovar a verdade com os meus próprios dedos, mais uma
vez?
Abro um sorriso sacana.
— Existem outros jeitos de você fazer isso, Reed.
— Está me desafiando, Annie?
Me afasto para longe da sua presença entre risadas e me
acomodo entre os travesseiros. A coberta abraça cada parte do meu
corpo do jeito que eu gostaria que Reed fizesse comigo.
Quero ele aqui.
Em cima de mim.
Ou embaixo.
A posição pouco importa.
— Por que você não vem aqui? — convido, manhosa. —
Prometo que não vou te morder.
Reed suspira, hesitante.
— Você me morder é uma das minhas últimas preocupações.
A consciência dele parece duelar com o que realmente quer,
mas acaba cedendo. Quase gentil demais, ele se acomoda ao meu
lado no colchão. Antes que qualquer comentário possa escapar da
sua boca, eu fico de joelhos e subo no seu colo, espalmando as
mãos no peitoral nu.
— Você se preocupa demais, Reed.
— Você que me tira de órbita.
Faço um biquinho.
— Não sei se isso é um elogio ou um insulto.
— Quando eu te elogiar, pode ter certeza que você vai saber.
Ergo as sobrancelhas, desacreditada. Ele acabou de insinuar
isso mesmo?
Porra.
— Eu odeio você, Rollins.
Faço menção de sair de cima dele, mas o aperto em minhas
coxas é um aviso para que eu não me mexa. 
— Você me tira de órbita porque não sei até onde você está
disposta a ir — explica. — Quem não garante que você não vai sair
por essa porta e fingir que nada aconteceu? Esse é um risco que
não quero correr de novo.
Ah. É sobre isso.
— Eu disse para você que não iria a lugar nenhum.
Ele me olha com desdém.
— Nem mesmo quando a gente atravessar essa linha em
específico?
Inclino a coluna para frente, encurtando a distância.
Demoradamente, meus lábios passeiam por seu queixo, em uma
dança que não quero que chegue ao fim. Eu o quero tanto que
chega a doer em lugares que eu nem sabia que existiam.
— Acho que as linhas já estão bem bagunçadas — murmuro,
a boca encostada no pescoço dele. 
— Não é essa a resposta que estou pedindo.
Levanto a cabeça e o encaro com cautela. As pupilas
dilatadas denunciam a camada de luxúria que nos recobre.
— O que você quer que eu diga?
— Você sabe o que eu quero.
Engulo em seco. O que Reed está me pedindo... É algo que
nunca dei a ninguém. As pessoas com quem transei eram
passageiras na minha vida e sabiam o que eu estava disposta a
oferecer.
Reed, no entanto, está me prensando contra a parede e
querendo que eu vá além. Que eu deixe ele entrar.
— Esse é o seu jeito de dizer que me odeia também? — Meu
tom é desesperado.
Ele discorda com um murmúrio angustiado.
— Esse é o meu jeito de dizer que quero você. Mas eu
preciso saber: você me quer, também?
Encosto a testa na dele, procurando uma forma de controlar o
frio que se espalha dentro de mim. As palavras se embolam na
língua e eu devo estar sendo a pessoa mais patética do mundo por
causa disso. Desnudar os meus sentimentos não é uma tarefa fácil.
Ainda sim, eu despejo para fora.
— Eu quero que você me queira o tanto quanto eu quero
você — gaguejo, baixinho, como um segredo que somente nós dois
podemos ouvir. — Porque eu não vou embora, Reed. Porque,
enquanto estivermos juntos, eu sou sua. E eu deixo você fazer o
que quiser comigo desde que também seja meu.
As pálpebras dele se fecham, como se estivesse com dor.
— Anne...
— Não me faça implorar, porque eu não vou aguentar.
Reed libera uma risada pelo nariz e afunda os dedos na
carne da minha bunda, me empurrando para frente para alcançar o
ponto exato em que seu pau duro está, escondido somente pela
calça de moletom.
— Eu só quero te ver implorar quando eu estiver prestes a te
foder bem do jeito que eu gosto. Enquanto esse momento não
chega, a sua resposta já basta.
Não tenho a chance de responder. Reed inverte as nossas
posições, ficando por cima de mim, e morde a minha boca em um
tipo de beijo que não é nada gentil. Ele me pega pelo pescoço,
fazendo uma mínima pressão, enquanto empurra o quadril de
encontro ao meu.
Procuro sua língua e me desfaço diante do sabor quente de
sua boca. É difícil manter os pensamentos coerentes depois disso,
principalmente quando a mão livre escorrega por baixo da minha
camiseta. Como não estou usando sutiã, Reed encontra com
facilidade os meus seios.
Os mamilos intumescidos se encaixam com perfeição entre
os dedos e eles são massageados demoradamente. Eu me contorço
embaixo do seu corpo enorme, desejando que não haja nenhuma
camada de tecido entre nós.
Reed, no entanto, não atende ao meu pedido. Ele continua a
descer até encontrar o elástico do meu shorts. A mão se infiltra por
dentro dele e o polegar acaricia o meu clitóris escondido pela
calcinha rendada. Estou molhada pra cacete e ele percebe isso,
porque abre um sorriso.
— Você nem tenta esconder, não é? — indaga e dá uma
mordida que, com certeza, vai deixar uma marca no meu pescoço
amanhã. — Qual é a cor, Anne?
— O quê?
— Qual é a cor da sua calcinha?
Demoro para pensar na resposta.
— Vermelha.
Reed arqueja em alto e bom som e fica de pé novamente.
Lanço a ele um olhar desesperador, mas qualquer frase coerente
que eu pudesse formular se desfaz na minha garganta quando sou
puxada para a beirada da cama com um tipo de brutalidade que
gosto muito.
Ao olhar para baixo, encaro Reed se ajoelhando diante de
mim.
— Se vamos fazer isso... Vamos fazer do jeito certo —
explica. — Deite-se, Anne. Porque eu vou te chupar do jeito que
você merece.
 
 
“Quero que você saiba o quão fundo meu amor vai”
All I Need | Lloyd
 

 
As palavras sussurradas de Anne, e carregadas de uma
vulnerabilidade extrema, mexem com a minha cabeça. Elas foram a
confirmação que eu precisava para seguir em frente com a certeza
de que, quando acordar amanhã, não vou encontrar apenas os
rastros da sua presença.
— Da última vez eu não mereci?
O questionamento, escondido em um ofegar agonizante, me
faz sorrir. A visão de Anne caída na cama, palpitando de desejo, é
uma imagem que vai me assombrar por anos. A realidade não
chega nem perto do que imaginei. É infinitamente melhor.
— Dessa vez, você merece o dobro. — Deslizo o tecido por
suas coxas e Anne o chuta para longe. Quando volto a olhar para
ela, perco o ar. A calcinha dá uma visão pequena da sua boceta
depilada e molhada para mim. — Porque você foi uma boa garota.
Os cotovelos se apoiam na cama, o tronco se erguendo.
— Esse é mais um dos seus presentes para mim?
Mordo um sorriso.
— Podemos chamar assim, se você quiser. — Olho para a
calcinha vermelha e depois para o seu rosto. Meu sangue ruge nos
ouvidos. — Embora eu prefira definir de outro jeito.
— Ah, é? E qual seria?
Tombo a cabeça para o lado em um gesto provocador e abro
seus joelhos, me acomodando entre as coxas. Resvalo o nariz no
interior delas, inspirando o perfume que parece habitar cada parte
da sua pele. Anne dá um gemido que me instiga a continuar
subindo, até parar na altura da boceta molhada. O tecido rendado é
o mesmo que habita as minhas mais perversas memórias.
— Esse sou eu fazendo você sujar os meus lençóis. — Uso o
polegar para acariciar o clitóris escondido pela calcinha. — Bem do
jeito que eu gosto.
Qualquer chance que Anne tenha de formular algum tipo de
resposta coerente se esvai da boca teimosa quando eu empurro o
tecido rendado para o lado e lambo as suas dobras molhadas. O
prazer escorre em um tipo de súplica que eu conheço muito bem.
Subo para o clitóris e o sugo, rodando com a língua ao redor
dele. Anne se remexe na cama, ansiosa para controlar os meus
movimentos. Gemo em desacordo e uso a mão livre para segurar a
sua bunda com força, mantendo-a quieta.
— Sossega essa bunda gostosa, Scott — aviso, afastando
meu rosto minimamente e usando o polegar para dar a devida
atenção ao ponto que já começa a inchar. — Caso contrário...
Ela entreabre os olhos e me fita de canto.
— Caso contrário, você vai bater na minha bunda?
Sufoco uma lamúria e desço meus dedos para a sua entrada.
Anne está tão lubrificada que eles deslizam com facilidade para
dentro dela. As paredes me apertam e imagino como será quando
for meu pau. Vou gozar tão forte que, se não estivéssemos sozinhos
em casa, Keeran e Mason ouviriam.
— Sim. — Giro o dedo, tocando um ponto que a faz revirar os
olhos e apertar o cobertor entre os dedos. — Eu vou bater até que
minha palma fique formigando e a sua bunda doendo por horas.
Começo a movimentar os dedos para dentro e para fora em
um ritmo que acompanha as batidas do meu coração. Inclino a
cabeça pra frente e levo novamente o clitóris aos lábios, chupando-o
e dando uma leve mordidinha.
As unhas compridas de Anne se fecham ao redor dos meus
fios e empurram a minha cabeça, não deixando que eu saia do
lugar. Não que eu fosse sair daqui. Só vou ficar de pé novamente
quando sentir o seu gozo escorrer de sua boceta e se misturar a
minha saliva.
A calcinha começa a me irritar e, sem nenhum aviso, eu a
rasgo. Anne exala surpresa ao ver o tecido ser jogado para cima da
cama, a renda desfiada.
— Eu achei que era a sua favorita.
Rio e discordo com um balançar de cabeça.
— Eu gosto muito mais de ver a sua boceta sem nada. —
Acrescento mais um dedo, que se junta ao outro que já está dentro
dela, completamente melado. — Você não faz ideia de como é linda
assim ... — Beijo o osso proeminente do quadril. — Completamente
entregue para mim e pulsando de desejo para que eu te foda logo.
Anne murmura um punhado de palavras incompreensíveis.
— E eu amo o seu gosto. — Para comprovar a minha frase,
eu lambo a sua extensão por completo, me deliciando com o sabor
salgado. — Amo tanto que poderia ficar horas aqui, dando a
atenção que você merece.
A impaciência dela alcança o ápice, porque sou puxado para
cima. Anne me fuzila com um olhar que dói feito uma queimadura.
— Para de falar e me faz gozar logo, Reed.
Giro os dois dedos dentro dela e as orbes se reviram em
contentamento.
— Hoje nós vamos fazer as coisas do meu jeito. — Beijo
suavemente a sua boca, deixando que ela sinta o próprio gosto em
meus lábios. — Eu vou te fazer gozar quando eu quiser.
— Então, talvez, eu acabe fazendo o serviço por conta
própria.
Xingo um palavrão e afasto mais as suas pernas. A boceta se
abre para mim e meu pau se anima dentro da cueca, tão ansioso
quanto Anne. Por cima da calça, eu o massageio, já sentindo a gota
do pré-gozo umedecer o tecido.
Estou louco para fodê-la de uma vez por todas.
— Sempre tão teimosa... — Solto um muxoxo e me agacho
novamente, voltando a movimentar os dedos dentro dela, sentindo-a
se contrair. — O que eu vou fazer com você?
As respostas para essa pergunta são encontradas quando
Anne impulsiona as pernas para cima e as encaixa sobre os meus
ombros. Ela é ousada, o que me faz abrir um sorriso e dar o que
tem implorado através do girar descontrolado do quadril.
Durante os próximos minutos, me dedico exclusivamente a
fazê-la gozar.
Fodo-a com os dedos, indo até o fundo e depois brincando
com o seu clitóris inchado.
Penetro-a com a língua e abro as suas dobras com os dedos,
enquanto me masturbo.
Infiltro a mão dentro da cueca e aperto o meu pau,
imaginando que seja a sua boceta.
— Reed, por favor!
O gemido sofrido, combinado do subir e descer do seu
quadril ao ritmo das minhas investidas, é o sinal de que Anne está
perto de gozar. As pernas se apertam ao redor da minha nuca e os
seios, ainda cobertos pela camiseta, se mexem de acordo com a
respiração acelerada.
Posso jurar que escuto seu coração acelerado.
Enfio os meus dedos por completo e os curvo dentro dela,
alcançando aquele ponto em específico, e, com um impulso único,
ela goza na minha boca.
Um gemido alto é proferido. 
E ele é magnífico, exatamente como nós dois.
Fico de pé, olhando-a de cima e apreciando a maneira em
que o prazer faz os seus músculos relaxarem e um sorriso crescer.
As bochechas se encontram coradas, os lábios levemente inchados
e os olhos capazes de incendiar uma floresta inteira.
— Você é tão linda. Tão linda que chega a doer.
Cubro seu corpo com o meu e resvalo minha boca na dela. O
beijo é lento, o completo oposto dos anteriores. Um sopro de
calmaria diante da névoa bagunçada que habita os pensamentos.
Os lábios se movimentam em sincronia com os meus e dou uma
leve mordidinha.
Ajudo Anne tirar a única peça que resta e, quando os seios
apontam para fora, livres da camiseta, o quarto inteiro congela em
um único segundo. Tudo o que vejo é ela e cada detalhe que a
compõe. As aréolas um pouco mais escurecidas que a pele branca
e os mamilos durinhos, esperando para serem venerados como
merecem.
— Agora falta você.
Abro um sorriso e me desfaço da calça juntamente da cueca.
Anne contempla cada uma das peças caindo no chão. Meu pau
pulsa, as veias proeminentes, adorando a atenção que está
recebendo. Ele é um canalha egoísta, assim como eu.
— Nada mal, Rollins — elogia. — Acho que vai servir.
Minha garganta arranha em um grunhido.
— Você se acha muito engraçadinha, huh?
As coxas se apertam entre si conforme um sorriso cresce,
maléfico.
— Só quando estou com você.
Reviro os olhos em desgosto e volto a me aproximar da
cama. Espalmo as mãos ao redor da sua cintura, apoiando-as no
colchão, e vou descendo lentamente. Anne me acompanha, até que
as costas estejam tocando a superfície da coberta. As coxas se
enroscam ao redor da minha bunda.
— Como você quer que seja? — pergunto, lambendo o
pescoço dela de cima a baixo, depois beijando a curva dos seios e,
por fim, a ponta do queixo. — Quer que eu te foda devagar, com o
meu pau tocando um ponto bem fundo dentro de você ou... —
Expiro o ar quente nos mamilos. — Quer que eu seja bruto, até que
essa boceta gostosa peça por mais e deixe o meu pau todo
lambuzado?
— Eu quero os dois, Reed.
Porra.
— Você ainda vai me matar, sabia? — digo e estico o braço,
abrindo a primeira gaveta da cabeceira. Tiro de lá um preservativo e
entrego a ela. — Coloca em mim.
Ela assente com um discreto concordar e abre o pacote
laminado. Antes de colocá-lo em meu pau, ela desfere um beijinho
na cabeça e pisca as pálpebras, daquele jeito inocente que mexe
com a minha sanidade. Quando o preservativo cobre o meu membro
por completo, eu inverto as nossas posições, colocando-a sobre
mim.
O meu pau toca um ponto específico entre as suas pernas, a
glande se aconchegando com perfeição entre as suas dobras.
Trocamos um olhar silencioso, como se estivéssemos nos
questionando se o que está prestes a acontecer é real mesmo ou
fruto da nossa imaginação.
— Anne.
— Reed.
Aconchego minhas mãos ao redor do seu quadril e Anne
rebola contra o meu pau, mas sem ainda estar dentro. A sensação
me deixa sem ar. Quando eu, finalmente, afundar dentro dela, não
sei se vou conseguir manter o controle.
— Se for demais, me avise.
Anne firma as mãos sobre os meus ombros.
— Se for pouco, pode ter certeza que vou avisar também.
Não faço nenhum tipo de aviso.
Apenas a penetro em um impulso.
Duro.
Cru.
Nós dois trememos.
Meu pau se aconchega com perfeição dentro dela. Como se
tivesse sido feito para estar ali. Para sempre. Deixo que ela se
acostume com o meu tamanho, as paredes se alargando conforme
afundo cada vez mais para dentro, até que eu esteja enterrado por
completo.
Anne não me dá a chance de controlar o formigamento que
se alastra por minha barriga. Começa a movimentar o quadril em
círculos, meu pau tocando pontos internos que a fazem revirar os
olhos e arquear o pescoço para trás.
Neste pequeno fragmento de segundo, Anne Scott se torna o
meu mundo.
Impulsiono-a para cima e ela compreende o que quero. Com
uma facilidade incrível, começa a quicar sobre o meu membro, ao
mesmo tempo em que sons gostosos são proferidos. Dedilho a sua
coluna e, ao chegar ao cabelo, prendo-o entre os dedos, puxando
cada fio para trás.
As orbes esverdeadas, quase invisíveis por causa das
pupilas dilatadas, procuram pelas minhas. A nossa diferença de
altura nunca foi tão vantajosa quanto agora. Empurro para dentro
dela, sincronizando minhas estocadas.
A boceta molhada me engole, toda gulosa.
Mesmo que eu adore ter controle sobre ela, não existe nada
mais excitante que ver Anne ditando o ritmo que quer que eu a foda.
Antes de mais nada, quero entender como o seu corpo corresponde
ao meu antes que eu possa fodê-la do jeito que eu quero.
Traço os mamilos com a ponta da língua, para depois chupá-
los. Eles se encaixam impecavelmente em minha boca. Ela geme
meu nome e finca as unhas compridas em meus ombros. Ela não
sabe me empurra para longe ou se me puxa para mais perto.
— Reed, eu...
Desfiro um tapa alto contra a sua nádega direita e paraliso os
seus movimentos.
— Não, Anne. Você ainda não vai gozar.
Saio de dentro dela, ouvindo um choramingo tristonho, e viro-
a de barriga para baixo. Anne não demora para entender. Os joelhos
se espaçam e a bunda empina-se para cima, pedindo por meu pau.
A boceta está vermelha e molhada.
— Hoje, você vai gozar pra mim de quatro — murmuro,
beijando suavemente a sua coluna. Alinho meu pau na sua entrada
e entro devagar. A posição me faz ir mais fundo que antes. — E vai
acordar amanhã ainda me sentindo dentro de você, porque se eu
esperei todo esse tempo para te comer, pode ter certeza que vou
fazer ser inesquecível.
Se Anne me dá uma resposta, eu não ouço.
A única coisa que faço é agarrar a sua cintura e começar a
fodê-la. Apoio um dos joelhos no colchão, enquanto o outro se
mantém flexionado para cima, e toco um ponto bem fundo. Entro e
saio. Repetidas vezes, procurando encontrar um ritmo que faça nós
dois ficarmos pendurados no limite do desejo.
Anne agarra o travesseiro e geme de forma abafada contra o
tecido. Gotículas de suor escorrem pela curva da coluna dela e
percebo, tarde demais, que jamais vou superar esse momento.
Tenho esperado por tanto tempo que a mera possibilidade de não
poder tê-la novamente em meus braços é assustadora.
Meus músculos reclamam, mas eu mantenho o ritmo. Minhas
bolas batem de encontro à sua bunda e Anne entreabre mais as
pernas. A boceta se arreganha para mim, implorando para que seja
fodida várias vezes.
— Mais forte, Reed.
Ela se contrai ao meu redor e eu quase gozo.
Mas faço exatamente o que ela pede.
Enrolo os cabelos ao redor do meu punho e vou o mais fundo
que consigo. Eu a fodo como se estivéssemos em nossos últimos
segundos de vida. Eu a fodo como se cada parte sua pudesse,
realmente, ser minha. Eu a fodo como se não houvesse a merda de
um acordo pairando acima de nossas cabeças e impedindo que eu
diga tudo o que penso.
Saio e entro de forma veloz.
Ofegamos juntos.
— Tenho uma nova cláusula para o nosso acordo.
Anne xinga.
— Você está pensando nisso agora?
A sua boceta molhada faz um barulho gostoso conforme
deslizo para dentro e para fora. A visão é bonita demais.
— Sim, agora. — Viro o rosto dela para o lado, obrigando o
seu olhar a encontrar o meu. Não há nenhuma camada de
segurança os cobrindo. — E você tem que prometer que vai cumprir.
Anne rebola o quadril e eu dou um puxão em seu cabelo em
um sinal de alerta.
— Não quero que ninguém te foda além de mim. Não quero
que essa boceta acomode outro pau além do meu — ordeno, a voz
soando mais rude do que eu gostaria. — Não enquanto eu estiver
na porra da sua vida.
— E se eu não concordar?
Dou um tapa estalado em sua bunda e tiro meu pau
totalmente para fora, para depois entrar em um único impulso. Anne
arqueja em alto e bom som, a bochecha pressionada contra o
travesseiro. O cabelo gruda em sua nuca.
— Eu vou me certificar de que você se arrependa.
Anne profere um murmúrio irritado.
— Eu odeio você, Reed.
— Eu também odeio você, Anne.
Os gemidos, que são proferidos em conjunto, são a resposta
que buscamos para o acordo que nos une. Anne acompanha os
meus movimentos. Eu bato cada vez mais fundo. A gente se perde
em uma dança que não possui um condutor.
Eu me perco dentro dela.
— Eu vou gozar — aviso, em um ranger sofrido.
— Eu também.
O formigamento se alastra por minha espinha. Anne contrai
os músculos da boceta, me afogando. Ela pressiona a palma da
mão contra a boca e, num grito abafado, ela goza lindamente, se
desfazendo em mil pedacinhos em minhas mãos.
Em uma última bombeada, eu gozo dentro dela, inundando a
camisinha.
A visão escurece nas laterais e meus músculos tremem em
um tipo de libertação que nunca senti antes. O coração palpita nos
ouvidos e meu pulso lateja, devido à força que segurei os seus
cabelos. Até mesmo o meu pulmão dói.
Saio de dentro dela e Anne se vira no colchão, esparramando
o corpo. Cada parte sua está desgastada, suada e cansada.
Fodidamente esgotada após ser fodida por mim bem do jeito que
prometi. Ao notar que estou olhando-a, ela abre um sorriso e aponta
para o peitoral.
— Sim, Reed, eu concordo.
Franzo o cenho, confuso.
— Com o quê?
Ela abraça uma dos travesseiros, ficando de lado. Quero que
essa cena jamais seja esquecida. Vou revivê-la até os últimos
segundos da minha vida.
— Com a sua nova cláusula do acordo — diz, manhosa. —
Enquanto você estiver na minha vida, eu deixo você me ter do jeito
que quiser.
Eu abro a porra de um sorriso.
O sorriso mais sincero de todos.
Porque, de um jeito bem esquisito, Anne Scott é minha.
 
“Agora você está escorrendo pelo meu corpo, temos horas para
ocupar”
Chills | Mickey Valen (feat. Joey Myron)
 

 
Acordo na manhã seguinte com o som do despertador.
E a presença de um corpo ao meu lado.
A perna está enroscada na minha e a mão sendo
pressionada na minha cintura, como se quisesse se certificar que eu
não fugiria durante a noite. Há também o calor da sua respiração
aquecendo o meu pescoço e o perfume no ar que já reconheço a
milhas de distância.
Pois é.
Eu transei com Reed Rollins.
E acabei de acordar na cama dele.
A vida é meio engraçada, às vezes, não é?
Se alguém, meses atrás, tivesse me dito que isso
aconteceria, eu certamente teria mostrado o dedo do meio e
mandado a pessoa tomar naquele lugar. Agora, no entanto, a minha
cabeça se dedica a rebobinar cada fragmento da noite passada. É
quase um sonho.
Um gemido preguiçoso ecoa no meu ouvido e Reed desliga o
despertador com um resmungo, para depois me apertar contra o
seu corpo. Dá pra sentir o seu pau cutucando a minha bunda
enquanto os lábios deslizam pelo meu pescoço e beijos são
distribuídos.
— Bom dia, joaninha.
Agradeço aos céus por ele não poder ver o meu sorriso feliz.
— Bom dia, zangão.
Reed dá um jeito de me virar no colchão, de forma que
fiquemos de frente um para o outro. Há um tipo de felicidade
gigantesca estampando a face dele. E o meu sorriso, que eu estava
com medo que ele visse, é idêntico ao que dança em sua boca.
— Como você está? — pergunta, ao colocar uma mecha do
meu cabelo bagunçado atrás da orelha.
— Como se tivesse acabado de transar.
Uma risada lhe escapa.
— Olha só que coincidência... Estou me sentindo da mesma
forma.
Dou um beliscão nas suas costelas e ele finge uivar de dor.
Os braços me circulam em um abraço que me torna quase invisível
entre os músculos. Quando eu disse que Reed era imenso, nunca
tinha parado para pensar na logística da coisa.
Acaricio o bíceps e beijo a ponta do seu queixo.
— Você é tão chato. Acorda assim todas as manhãs?
— Apenas se você estiver comigo.
Reviro os olhos e me aconchego. Não estamos usando
nenhuma roupa, então cada parte minha pressiona uma parte dele.
Um longo silêncio se estende, sem nenhuma palavra sendo dita. É
estranhamente reconfortante ter a presença de Reed ao meu lado e,
vez outra, ele beija as minhas clavículas.
Eu estava falando sério na noite passada quando disse que
não iria para lugar nenhum. O que mais me pegou de surpresa,
entretanto, foi aceitar a nova cláusula sem hesitar. Foi tão natural
quanto respirar.
Reed aconchega a cabeça no meu ombro e suspira.
— Quais são os seus planos para hoje?
— Tenho aula de Jornalismo Político pela manhã e vou
trabalhar na lanchonete até umas seis horas. E você?
— Aula e treino para o jogo da semana que vem. Você quer
que eu te busque em Sunbay? Nós podemos ir ao Jackson House
depois.
Sorrio.
— Você sabe que o Jackson House é concorrente do
Brooklyn Blues, certo?
Reed apoia as palmas no colchão, criando sustento para o
corpo que pende sobre mim. Minha mente ferve em imagens ao
imaginá-lo me penetrando exatamente nessa posição.
— Se você não contar para a Adele, eu também não conto.
— Se eu perder o meu emprego, a culpa será totalmente sua.
— Eu confio no seu potencial de guardar segredo.
Franzo a testa e Reed desfaz as ruguinhas, me dando um
beijo na ponta do nariz antes de se levantar da cama. Tombo a
cabeça para o lado, o admirando sem nenhuma peça de roupa. A
visão fica ainda melhor quando ele se vira de costas e estica os
braços para cima, se espreguiçando.
Droga.
Por que ele tinha que ser tão gostoso?
Como se compreendesse o rumo dos meus pensamentos,
Reed me lança um olhar sobre o ombro. Ele também me admira
esparramada na cama, demorando-se por mais tempo nos seios
descobertos.
Se ele quiser transar agora, eu não vou reclamar.
— Agora é sua vez de parar de olhar assim para mim, Annie.
— Por quê? Está com medo de ser devorado?
— Pelo contrário. — Se abaixa e ajunta as nossas peças de
roupa. Diferente de mim, Reed gosta das coisas organizadas. O seu
quarto é o maior exemplo disso. — Estou a um passo de te devorar.
De novo. Esse é o meu medo.
— Eu aguento, sabia? Não sou feita de cristal, Reed.
A ponta da língua umedece o cantinho dos lábios e ele agarra
os meus tornozelos, me trazendo para a beirada da cama. Eu dou
um gritinho, mas não me esquivo do toque possessivo.
— Não é esse o problema.
— Qual é, então?
Reed empurra o meu lábio inferior para baixo, me olhando
com uma intensidade dolorosa.
— Meu medo é que eu não vá aguentar — confessa, baixo.
— Você acaba comigo, Scott.
Fico sem reação e antes que um clima esquisito possa pairar
sobre nós, Reed se afasta, dando um passo para trás. No entanto,
antes de entrar no banheiro, ele arremessa algo em minha direção.
Quando olho para baixo, é a calcinha vermelha.
A minha calcinha favorita.
A calcinha que ele rasgou sem pensar duas vezes.
— Eu ainda não acredito que você fez isso.
Ergo o tecido na ponta do indicador. Há um rasgo bem no
centro e a renda virou um punhado de fios.
— Prometo comprar uma nova para você. Várias, na
verdade. Meu conselho é que você comece a andar por aí sem
calcinha. Para poupar meu tempo.
Arremesso um travesseiro na sua direção e a gargalhada
reverbera pelo quarto. E mesmo a contragosto, me pego rindo de
um jeito que não fazia há anos.
Estudar o mesmo curso que Reed é bom e, ao mesmo
tempo, ruim.
Na verdade, é mais ruim que bom.
Quando entramos no auditório para uma palestra sobre
Jornalismo Político, ele insiste que fiquemos sentados o mais
distante possível das pessoas. Eu deveria desconfiar que há algum
tipo de plano maligno por trás? É claro que sim.
Mas eu ainda estou me recuperando da noite passada, então
minha linha de pensamento está lenta pra cacete. Portanto, quando
Reed se acomoda ao meu lado e empurra o apoio de braço para
trás para que nada fique entre nós, eu não vejo malícia nenhuma
por trás do ato.
Grande iludida, hein, Anne.
As luzes são apagadas e os convidados da palestra são
apresentados. O auditório está lotado, mas Reed e eu somos os
únicos acomodados no topo. Há um grupo de meninas três fileiras
abaixo e uma dupla de amigos do lado oposto delas, mas fora isso,
somos só nós dois.
— Para qual editoria você está tentando a vaga de estágio?
— Reed pergunta baixinho.
O tornozelo está apoiado no joelho oposto em uma pose
descontraída. O braço esquerdo repousa sobre o encosto da minha
cadeira e o perfume de sândalos com cravo, desta vez, não está
somente nele, mas também impregnado em mim. Nem mesmo um
banho foi capaz de tirar o cheiro de Reed Rollins da minha pele.
— Factuais.
Reed concorda e o assunto me faz lembrar de algo. Esse é,
provavelmente, um dos seus últimos semestres no curso de
Jornalismo. Não sei se fico feliz ou triste ao saber que, ano que
vem, ele não estará mais aqui. A ideia antes me faria pular de
alegria, mas agora...
— E você? Tentaria qual?
— Esportes.
— Não há nenhuma chance de você se formar?
O rosto pende para o lado, me procurando através da
escuridão. Reed pondera uma resposta, abrindo e fechando a boca
várias vezes, até que volta a prestar atenção no trio de palestrantes.
— Depois do que aconteceu no jantar da semana passada,
eu já não sei. Não falo com meu pai desde que fomos embora, mas
é apenas uma questão de tempo para que ele me procure. — Ele
parece envergonhado. — A inscrição para o draft vai acontecer de
todas as formas. A única coisa que posso fazer é negar, caso algum
time me queira.
Faço uma pausa antes de perguntar:
— E você vai?
— Negar? — Ele ri baixinho, não querendo chamar a atenção
dos outros alunos. — Não pensei a respeito ainda. Eu amo o futebol
americano, mas também amo o Jornalismo. É uma decisão difícil.
— Eu sinto muito.
A cabeça dele balança de um lado para o outro, achando
graça.
— Pelo o quê?
— Não sei. — Tapo os olhos com as mãos e espio-o através
de um buraquinho entre os dedos. — Por você não saber o que
fazer do futuro?
— Não se preocupe, joaninha. Mesmo que eu vá para o outro
lado dos Estados Unidos, eu ainda vou encontrar um jeito de te
encher o saco. E caso eu fique aqui...
A voz, carregada de um tom malicioso, vai perdendo som até
que os lábios repousam sobre os meus. O beijo é lento, mas de um
tipo diferente. Reed chupa a minha língua e, quando eu acho que
vai avançar, o ritmo diminui novamente. Ele faz essa brincadeira por
vários segundos, me deixando impaciente.
— Eu odeio quando você faz isso — murmuro quando a boca
se afasta minimamente, para então se dedicar ao lóbulo da minha
orelha. — E a palestra...
— Que se dane a palestra.
Fecho os olhos ao sentir a língua tocar um ponto específico
do meu pescoço que faz o sangue pulsar em expectativa. Agarro a
beirada do assento ao sentir um suspiro se formar. Não vou deixar
ele escapar.
— Não acho que seja uma boa ideia, Reed.
— O que não é uma boa ideia? — indaga, tão baixo que
quase não consigo ouvir.
— O que estamos prestes a fazer.
— Não estou fazendo nada demais. — Ronrona feito um
gato. — Estou apenas te beijando.
— Já é mais do que o suficiente.
Ele sacode a cabeça e estica o braço, desfazendo o aperto
dos meus dedos contra o tecido da poltrona. Ele entrelaça as
nossas mãos, enquanto com a outra, dedilha o meu joelho coberto
pela meia calça ¾. Como hoje a temperatura não estava tão baixa,
eu achei que era uma boa ideia vir de vestido de manga longa, meia
calça e botas.
Agora vejo que a escolha serviu apenas para facilitar a vida
de Reed.
Ele vai subindo, traçando um caminho tortuoso que tem como
único objetivo acelerar a minha respiração. O coração bate com
força contra a caixa torácica e a expectativa inunda as minhas veias.
Eu sei o que vai acontecer e a ideia me deixa mais excitada do que
deveria.
— Eu acabei de me lembrar do dia que você me disse que a
ideia de ser pega te deixava molhada. — Reed inclina o corpo para
o lado e sobe mais alguns centímetros com os dedos, brincando
com a barra da meia-calça que chega na metade das minhas coxas.
— Se eu enfiar meus dedos dentro de você, agora mesmo, quão
pronta vai estar para mim, Anne?
Tombo a cabeça para o lado.
Os palestrantes são um borrão colorido.
Sou incapaz de formular qualquer tipo de resposta que não
passe de um choramingo angustiado.Sou uma vergonha. Basta um
toque para que Reed me desmonte por inteira.
— Pelo seu silêncio, vou entender que está pronta pra
cacete.
A mão se infiltra por debaixo da saia do vestido e o polegar
brinca, fazendo círculos, com o interior da minha coxa, até alcançar
o meu centro. Reed fica estático quando constata a ausência de
qualquer tecido cobrindo o meu íntimo.
— Puta que pariu — chia e eu abro mais as pernas, deixando
que ele sinta tudo. — Você está sem calcinha. Por quê?
Entreabro os olhos e sorrio, lasciva. Eu sabia que ignorar a
peça pela manhã, após tomar banho, valeria a pena de alguma
forma.
— Não faça perguntas para as quais você sabe a resposta,
Rollins.
— Você vai acabar comigo um dia desses, esteja avisada —
sibila e circula o meu clitóris, que incha em resposta, extasiado com
a atenção que tem recebido nas últimas horas. — Talvez agora eu,
realmente, tenha que comprar um punhado de calcinhas.
— Vai ser tempo perdido. Vou continuar não as usando.
Ele me fuzila com um olhar que chega a ser palpável de tão
maldoso. Essa versão de Reed Rollins mexe com os meus
neurônios.
— Quando estiver comigo, não quero que você use nada
mesmo.
Um pigarro, vindo de algumas poltronas abaixo, faz as
minhas bochechas arderem de vergonha. Reed pede desculpas
para as garotas e move os dedos embaixo da minha saia, abrindo
as minhas dobras.
— Acho que vamos ter que fazer silêncio a partir de agora.
Mordo o interior da bochecha.
— Isso é culpa sua por...
A linha de raciocínio se perde de imediato.
Perco até a minha voz.
A sensação que me acomete é tão boa que preciso tapar a
boca com a mão para não gemer. Basta um barulho e o auditório
inteiro vai saber o que Reed está fazendo entre as minhas pernas.
— Sempre tão gulosa, Anne. — O dedo médio,
acompanhado do indicador, mergulha dentro da minha boceta com
uma facilidade surpreendente. Estou mais excitada do que gostaria.
— Tão gostosa. Tão minha. Não consigo pensar em outra coisa que
não seja em você.
Aperto com mais força a sua mão contra a minha e,
involuntariamente, começo a rebolar contra os dedos compridos. Ele
toca um ponto fundo que me deixa com uma vontade absurda de
subir em seu colo e implorar para ser penetrada por seu pau.
Os estudantes ao nosso redor riem em uníssono do que os
palestrantes estão dizendo.
Eu não escuto nada.
Ignoro o que acontece ao nosso redor. Foco unicamente no
vai e vem dos dedos de Reed dentro de mim que me levam para um
lugar distante demais da realidade. Ele sabe exatamente qual
pressão aplicar e eu me contraio ao seu redor, lutando contra o
formigamento que começa a crescer em meu ventre.
O polegar faz, novamente, pressão no meu clitóris e pontos
escurecidos se formam no canto da minha visão, me puxando para
aquele limiar em que meu desejo palpita descontroladamente.
Afugento uma suspirada e entreabro mais as coxas, querendo sentir
ele ir mais fundo.
Reed ri no meu ouvido e acrescenta mais um dedo,
atendendo ao meu desejo.
Ele me fode com a mão sem se importar que possamos ser
pegos.
Jogo a cabeça para trás e procuro pelo pau de Reed. O
tecido da calça jeans não é o suficiente para cobrir a excitação que
nos inunda. Assim como eu, ele mantém a mandíbula travada,
evitando que qualquer palavra seja dita. Masturbo-o, procurando
seguir os movimentos combinados dos dedos dentro da minha
boceta e do polegar em meu clitóris.
— Você está perto de gozar? — questiona, as sílabas
rasgando a garganta.
— Sim — gaguejo, entre uma ofegada e outra.
A minha confirmação faz o vai e vem frenético aumentar
dentro de mim. Manter os olhos abertos já é impossível para mim.
Meu quadril sobe e desce, o tecido da saia mantendo minha
intimidade escondida, e o conhecido pinicar surge no começo da
minha espinha, descendo para a ponta dos pés e fazendo os
dedinhos de contraírem dentro das botas.
Basta mais uma estocada e eu vou gozar na porra do
auditório durante uma palestra de Jornalismo Político.
Então, de repente, os dedos de Reed param.
E desaparecem.
Porra.
Olho para ele, desesperada por ter o meu orgasmo negado e
a visão que encontro me deixa ainda mais irritada. Reed chupa os
próprios dedos, a língua brincando com a minha umidade que os
deixou molhados.
— Você não fez isso.
Um sorriso de covinhas surge, aumentando a minha vontade
de chutá-lo no nariz.
— Eu poderia ter feito muito pior. — Abaixa os ombros,
procurando por meus olhos que inflam em brasa. — Quando a gente
chegar em casa, eu termino isso. Porque seus gemidos são meus,
Anne. Não quero que ninguém, além de mim, os escute.
O músculo do meu maxilar pulsa em ódio e frustração.
— Saiba que vai ter vingança, Rollins.
Ele beija o interior do meu pulso, ainda mantendo as nossas
mãos juntas.
— Eu vou esperar ansioso por isso, Scott.
 
“Porque quando você vê quem eu realmente sou e diz que me ama
e olha nos meus olhos, você é a perfeição, minha única direção”
Fire On Fire | Sam Smith
 

 
O sol queima sobre as nossas cabeças.
Novembro não costuma ser um mês de altas temperaturas,
mas isso não significa que o sol dê descanso. E como o gramado
dos treinos do time são feitos a céu aberto, os raios solares tendem
a aquecer a pele e contribuir para que mais gotículas de suor
escorram pela nuca.
— Como você acha que vai ser o jogo de sexta? — Keeran
pergunta, ao jogar água no rosto corado.
— Espero que não seja tão difícil quanto o anterior.
Mason concorda com um gargarejo e cospe a água no
gramado aos nossos pés. Assim como Keeran, o rosto dele está
vermelho e a camisa do time gruda nos músculos do peito.
— Nem me fale. Da última vez, quase levei um chute nas
bolas de um defensive tackle. — Mason choraminga. — Minhas
chances de construir uma família estiveram por um fio.
Rio.
— Ainda existe a adoção, sabia? E você pode ser um pai
solteiro, também.
Mason faz um beicinho, pensativo. Keeran, como nunca
perde a oportunidade de encher o saco, dá um tapa na cabeça do
amigo e se senta ao meu lado no banco. Dave está do outro lado do
gramado, repassando os passos com o treinador Turner. Já Bradley
e Cooper estão a poucos metros de nós, treinando a defensiva. O
jogo de sexta vai requerer mais da nossa capacidade, visto que
estamos próximos dos playoffs.
— Acho que está meio cedo para pensar nesse lance de pai
solteiro. — Massageia a nuca e dá o dedo do meio para Keeran por
causa do tapa. — Mas preservar as minhas bolas não é uma má
ideia. Quero chegar vivo até o fim da temporada.
— Você vai chegar, Henderson. Jogadores ruins são os
menos atingidos durante os jogos.
A provocação de Keeran faz os dois entrarem em uma lutinha
de socos e chutes. Mason termina com a bochecha pressionada no
gramado e xingando alto. Ele pode ser grande, mas Keeran
consegue vencer qualquer um por causa da força.
— Você é um babaca, Flanagan. Não sei porque sou seu
amigo.
Keeran dá um sorriso e se levanta, limpando a grama na
calça branca.
— Porque eu sou o único que aguenta as suas merdas.
Ao longe, o treinador apita e Dave corre de um lado para o
outro, feito um caranguejo. Nas últimas semanas, ele tem se
dedicado fielmente aos treinos. Como o quarterback do time, é o
seu dever ser um exemplo para o restante dos jogadores.
Já não posso dizer o mesmo de Chad Eaton. Ele é a maior
decepção de todas. O único motivo que ainda o mantém nos Rebels
Of Horizon é o fato dele ser um bom jogador — infelizmente. Por
mim, ele poderia cair fora e parar de falar merda todas as vezes que
abre a boca.
Ainda não entendo como Anne transou com ele.
Ao pensar nela, meus pensamentos se desligam da
realidade. Como eu havia prometido, depois que a busquei ontem
no trabalho, fomos comer no Jackson House e ainda cantamos
Mamma Mia no karaokê. E quando chegamos em casa, ela não
hesitou em me puxar para dentro do seu quarto e rebolar no meu
pau como uma mulher sedenta e louca para gozar.
Minha vida nunca esteve tão boa quanto agora.
Exceto a confusão envolvendo o meu pai.
Mas esse é um problema que não quero pensar no momento.
Porque, não tenho dúvidas, ele vai estar no jogo contra os Fox
Barnes. É a última partida antes do feriado de Dia de Ação de
Graças e, se eu conheço bem Ricky, ele não vai perder a chance de
estar na arquibancada para me intimidar.
A diferença é que, desta vez, não vai funcionar.
— Ei, Rollins. Estou falando com você, porra.
Ergo o rosto ao ouvir a voz de Keeran. Meu amigo está
parado diante de mim, com as mãos no quadril, e criando uma
sombra por causa dos ombros largos. Mason está a alguns passos
atrás, com o pescoço sujo de terra.
— Não escutei. Foi mal. O que foi agora?
— Ricky comentou algo com você sobre o centro esportivo
em North Groove?
Faço um esforço para me lembrar.
— Acho que sim. Ele falou que iria participar da inauguração,
se não me engano. Por quê? Você vai estar lá?
Keeran dá um suspiro e se acomoda novamente ao meu lado
no banco.
— O treinador Turner me convidou para participar de forma
voluntária. O centro esportivo vai oferecer aulas gratuitas de futebol
americano para crianças carentes — explica. — Ainda estou na
dúvida se aceito.
— Pode ser legal. Eu aceitaria, se fosse você.
Mason resmunga em concordância, esfregando o pescoço
para se livrar da sujeira que se impregnou também no tecido da
camiseta suada.
— Talvez — murmura, pensativo. Às vezes, eu gostaria de
saber mais sobre Keeran Flanagan. Afinal, a gente mora junto. Ele
pode ser um serial killer e não quer contar para ninguém. — Não
levo jeito para criança.
— As mulheres adoram homens que levam jeito para criança.
Experimenta andar com um bebê na rua para ver o que acontece.
Keeran faz uma careta.
— Esse é o lance do Dave. Esse negócio de criança, esposa,
aliança e família não é para mim. — Um arrepio faz ele tremer da
cabeça aos pés. — Vocês sabem que eu prezo pela solteirice.
— Mal sabe o que está perdendo, Flanagan.
Minha frase, dita inocentemente, faz Mason e Keeran virarem
os rostos em uníssono. O primeiro me observa com curiosidade, um
vinco criando rugas entre as sobrancelhas. Já o segundo esboça um
sorriso que não é nada discreto. As intenções de Flanagan são tão
claras como a água dentro de um copo.
— O que, especificamente, estou perdendo, Rollins? —
questiona, cruzando os braços. — Você e Anne transando quando
nenhum de nós está em casa?
Sim.
— Foi por isso que vocês dois ontem chegaram tarde da
noite? Estavam transando no banco do carro? — Meu outro amigo
arregala os olhos, a realidade o atingindo.
— Não seja inocente, Henderson — Keeran diz. — Aposto
que eles transaram bem abaixo de nossas cabeças. E ainda
cuidando para não fazerem barulho. Estou certo, não?
Sufoco uma risada e aperto os cadarços da minha chuteira,
me levantando do banco em um pulo.
— Eu não faço ideia do que vocês estão falando — falo e,
antes que um deles possa me derrubar no chão, eu corro para onde
Dave está treinando há minutos e exclamo: — Anne e eu não somos
nada além de amigos!
Keeran explode em uma risada e passa a língua pelos
dentes, exibindo uma expressão de quem sabe das coisas.
— Vou me lembrar disso quando ver ela se esgueirando para
dentro do seu quarto durante a noite — grita, chamando a atenção
dos outros jogadores. — Você não me engana!
Afugento um palavrão.
Acho que esse é um sinal para que Anne e eu sejamos mais
discretos.
Ou para que ela gema mais baixo quando eu estiver fodendo-
a de quatro contra a cabeceira enquanto nossos colegas de casa,
supostamente, dormem.

Como sou um homem que cumpre as suas promessas, após


o fim do treino, estou estacionando o Jeep em frente uma loja de
lingeries em Maple Hills.
Não achei que faria isso tão cedo, mas a imagem de Anne
segurando na ponta do dedo a calcinha de renda rasgada não sai
da minha cabeça. E o fato dela ter ido para a palestra sem usar
absolutamente nada já é motivo grande o bastante para que compre
um estoque inteiro.
Só para poder rasgar tudo novamente depois.
Entro na loja e fico embasbacado diante de tantas opções. Eu
nem sabia que isso era possível. Vermelho. Azul. Roxo. Preto.
Branco. Tem até uma calcinha com um pingente que, se eu estiver
imaginando, certo, fica bem naquele lugar.
Agora eu entendo porque Anne ficou triste. Enfrentar uma loja
dessas não deve ser nada fácil.
Eu deveria ter chamado Dave para vir comigo. Aposto que
ele entenderia melhor desse negócio do que eu, já que compra
presentes para Claire desde que consigo me lembrar.
Depois de ser atendido por uma funcionária que sorria até as
orelhas, estou saindo da Sweet Ass com um novo estoque de cinco
calcinhas. Uma para cada dia da semana. Afinal, no sábado e no
domingo, Anne pode usar nada além do meu pau dentro dela.
Assim que meus pés pisam na calçada, um corpo tromba de
encontro ao meu.
— Caramba! — a pessoa exclama, assustada.
Uso minhas mãos para mantê-la de pé e arfo em surpresa ao
identificar a garota diante de mim.
Faz semanas que não ouço falar de Angel Peterson. Desde
aquele jantar desastroso com o seu namorado babaca, não a vi
mais pelo campus, e nenhuma mensagem mais foi enviada. E como
eu estava ocupado, nem mesmo me lembrei de ligar para ela.
Sou um amigo de merda.
— Angel?
— Reed! Não vi que era você!
Analiso o seu semblante e um nó se aperta ao redor da
minha garganta. Angel, neste momento, não se parece em nada
com a garota que conheci durante o verão. O cabelo está preso em
um rabo de cavalo baixo, não há nenhuma maquiagem cobrindo as
olheiras roxas e as costumeiras roupas que traziam tanto da
personalidade dela foram substituídas por um moletom que cobre
todas as curvas e calças largas que devem ser, no mínimo, dois
números maiores que ela.
— Você está bem?
— Sim. Por que não estaria? — Abre um sorriso tímido. —
Foi só um esbarrão.
Semicerro os olhos, desconfiado.
— Não tenho mais visto você pelo campus. Sei que tenho
estado ausente, mas se tiver algo de errado, você sabe que pode
falar comigo, certo?
Angel abraça o próprio corpo e assente.
— É claro que sei. Tenho estado ocupada com alguns
projetos pessoais, além do novo emprego. Ele me cansa demais.
— Novo emprego?
Ela mordisca o cantinho do lábio inferior.
— Achei que o Aaron tinha lhe contado, mas eu saí da banda
com as meninas faz um mês, mais ou menos. Elas continuam
tocando para ele, mas estão procurando por uma nova guitarrista.
Se você conhecer alguém, pode ser de grande ajuda.
Fico momentaneamente confuso. Nas poucas semanas que
Angel e eu passamos juntos, ela havia me contado que a banda era
como uma segunda família e que não tinha dúvidas de que, um dia,
elas conseguiriam ir muito mais além do que somente os pubs do
Condado de San Valley.
— Por quê? — O cenho franzido dela me faz refazer a
pergunta. — Por que você saiu da banda? Achei que fosse algo
importante para você.
— A banda era, sim, algo importante para mim. Mas as
coisas mudam, Reed. — Ela cruza os braços sobre o peito, como se
estivesse na defensiva. — Mudaram para você também nos últimos
meses, não? Você até mora com a sua namorada e, sinceramente,
nem eu, que te conheço razoavelmente bem, imaginei que poderia
acontecer.
Minha língua pinica para dizer que não é exatamente isso
que ela está pensando. Porque a realidade é uma bola de neve
gigante repleta de acordos, xingamentos e sentimentos confusos
pra cacete.
Entretanto, eu me limito a assentir com um único movimento.
— A vida gosta de surpreender a gente.
Angel imita o meu gesto e ajeita a mochila ao redor dos
ombros, soando exausta. O aspecto cansado começa a fazer
sentido. A saída da banda, que deve ter mexido com ela; o novo
emprego, que deve estar sendo cansativo; e a rotina de estudos
que, a gente bem sabe, não costuma pegar leve.
Fico um pouco menos preocupado ao saber que não é nada
sério demais. Ela vai passar por essa fase, como já passou por
tantas outras.
— Foi legal reencontrar você. — Afaga o meu antebraço. —
Qualquer dia desses, quando a minha vida se acalmar, a gente pode
tomar um café. Micah disse que abriu uma cafeteria perto da USVL
e que eles têm cupcakes deliciosos de chocolate.
— Me avisa, então. A Anne vai adorar se eles tiverem donuts
também.
Angel aquiesce com um balançar de cabeça e se despede
com dois beijinhos na minha bochecha e um abraço desengonçado.
Penso em relembrar a ela que, se precisar, pode contar com a
minha ajuda. No entanto, quando olho para o outro lado da rua, vejo
que Micah está esperando-a dentro do carro.
Antes dela atravessar a rua, assovio. Angel para no meio do
caminho e me lança um olhar sobre o ombro.
— E quanto ao meu irmão, Angel?
Ela demora para entender que estou falando sobre a questão
dela sair da banda sem deixar uma substituta. Pelo o que sei, as
músicas que elas tocam ao vivo são uma das principais atrações
durante a semana. Deve ser uma merda deixar Aaron na mão. Ele
não é do tipo que leva as coisas numa boa.
— Ele vai sobreviver sem mim.
Angel não espera pela minha resposta. Gesticula em
despedida e atravessa a rua, entrando dentro do carro.
A última coisa que vejo é Micah acenando para mim com
aquele sorriso que eu daria de tudo para quebrar cada um dos
dentes.
 
“Gostaria que você me deixasse ficar”
Friends | Chase Atlantic
 

 
Nem toda temporada é feita de vitórias. O jogo de hoje é o
maior exemplo disso. A partida contra os Fox Barnes terminou com
o placar empatado. Não é uma notícia ruim, mas também não é algo
que arranque sorrisos do treinador Turner. Ao final da partida, ele se
limitou a nos cumprimentar com um aceno de cabeça.
O treino de segunda vai ser uma merda, não tenho dúvidas.
— London Foot Pub para comemorar? — Bradley brada para
o vestiário inteiro ouvir.
JP se encosta no armário, que fica ao lado do meu, e ergue a
sobrancelha direita em um gesto debochado.
— Comemorar o quê, Powell?
— A sua solteirice que não é, JP.
Keeran dá risada, mas se cala de imediato diante do olhar
que recebe do colega de time. Bradley, no entanto, não se deixa
abalar. Ele engata o braço ao redor da nuca de JP e dá um peteleco
no nariz dele.
— Comemorar mais um jogo. Não é porque não detonamos
com a cara dos Fox Barnes que não podemos beber algumas
cervejas, certo? — Diante do silêncio, ele olha para mim. — O seu
irmão está esperando pela gente, não é, Rollins?
Ocasionalmente eu penso que a existência de Bradley é um
tipo de castigo decorrente da vida passada. Não sei como o coitado
do Cooper aguenta a presença dele. Deve ser difícil ser o melhor
amigo do cara e ainda morar na mesma casa.
— Acho que sim.
Bradley me dá o dedo do meio e se dedica, durante os
próximos minutos, a tentar convencer o restante do time a ir com ele
no pub. Dave, como de costume, vai para a fraternidade com a
Claire, enquanto JP e Chad também dispensam o convite.
Keeran concorda de prontidão, porque ele é um babaca que
não consegue sossegar a bunda. Mason acaba topando ir também.
Cooper não tem nem opção de negar. E eu? Eu não sei. Tudo
depende de Anne.
— Eu vou ver com a Anne e qualquer coisa aviso a vocês —
digo colocando a mochila nas costas e trancando o armário. — Se
eu não aparecer, vocês já sabem a minha resposta.
Bradley reclama, mas eu não lhe dou ouvidos. Saio do
vestiário e rumo para o estacionamento que, para a minha sorte, já
está bem vazio.
Encontro Anne encostada contra a lataria do Jeep,
conversando com Dave e Claire. Ao me notar, ela abre um sorriso
feliz que eu retribuo ao notar que está usando a minha camiseta.
Dessa vez, nem precisei pedir. Ela veio por livre e espontânea
vontade.
— Ei! — Cumprimento-a com um beijo na bochecha e aceno
para Claire. Assim como Anne, ela também usa uma camiseta com
o sobrenome de Dave estampado nas costas. — Um pessoal do
time quer ir comemorar no pub do meu irmão. Você quer ir?
Anne faz uma expressão confusa.
— Comemorar o quê?
— O fato de termos empatado, eu acho — Dave diz, o queixo
apoiado no topo da cabeça de Claire. — O Bradley não tem umas
ideias muito coerentes.
— É só uma desculpa para ele poder beber cerveja e encher
a barriga de anéis de cebola. — Claire concorda, dando risada.
Rio também e Anne se vira para mim. Fico um pouco sem
reação quando ela, timidamente, entrelaça a mão na minha. Eu
ainda não contei para Dave que as coisas avançaram desse jeito
entre a gente, mas Claire parece saber, porque me direciona um
sorrisinho.
— Você quer ir?
— Eu vou, se você for.
Ela revira os olhos e direciona a pergunta para o casal de
namorados:
— E vocês? Vão comemorar o empate com a gente?
Claire nega e os óculos de grau, provavelmente de leitura,
escorregam por seu nariz largo. Nos últimos dias, ela tem estado
super ocupada com o desfile que vai acontecer daqui a algumas
semanas e Dave, como é o último romântico do mundo, não vai
deixá-la passar a noite de sexta sozinha.
— Tenho que acertar os últimos detalhes do desfile. — Ela
levanta as mãos em rendição para Anne. — E eu prometo que não
vou dormir tarde! Dave vai garantir que eu durma igual uma
princesa.
Dave coça a nuca, envergonhado, mas dá uma piscadela
para Anne.
— Não se preocupe, Scott. Deixa comigo — assegura e
aponta para nós dois. — Vocês podem ir comemorar. Bebam
cerveja pela gente e comam todos os anéis de cebola do Bradley.
Anne gargalha e nos despedimos deles. Anne faz Claire jurar
de dedinho que vai se esforçar para parar de pensar tanto no desfile
e Dave me dá dois tapinhas nas costas. Eles entram na
caminhonete e vão embora.
Quando o carro desaparece, Anne me analisa com cuidado.
Os dedos empurram uma mecha do meu cabelo para trás, enquanto
a outra pousa sobre o meu peitoral. Com um impulso, ela beija a
ponta do meu queixo, sem conseguir alcançar a minha boca.
Reprimo um comentário sarcástico e agarro a sua bunda,
colocando-a sentada sobre o capô. As alturas, agora igualadas,
permitem que ela me beije sem nenhuma dificuldade. Os lábios se
movimentam timidamente, mas com aquela fagulha que sempre
crepita dentro de nós.
Agarro a cintura fina e me acomodo entre as suas pernas.
Estar com Anne é sempre uma experiência única e a mera
possibilidade de pensar que há uma pequena chance disso acabar
entre a gente, eu me sinto vazio.
— Você está linda, sabia? — murmuro contra a boca dela e a
sinto sorrir. — Gostosa pra cacete. Chega a ser um crime levar você
para um pub cheio de caras babacas.
— Pelo o que eu me lembro, você era um desses caras até
uns meses atrás.
— Você está muito engraçadinha. Não sei se gosto disso ou
acho que é um tipo de vingança para o meu lado.
— É uma vingança por você não ter me deixado gozar
naquela palestra.
O nariz se arrebita para cima, teimosa bem do jeito que eu
gosto.
— Gozar em uma palestra vai além dos meus limites da
safadeza — provoco-a e beijo a pontinha do seu nariz, seguindo
para a orelha e puxando o lóbulo entre os dentes. — Já te falei,
Annie. Não quero que ninguém ouça as reações que eu provoco em
você. Cada maldito gemido é meu. — Passo a língua por um
pontinho da sua nuca que faz as pernas se engancharem ao lado do
meu quadril. Meu pau resvala de encontro à boceta coberta. — Você
é minha.
— Não sei se concordo com isso.
— A sua sorte é que sou ótimo em fazer as pessoas
mudarem de opinião. Especialmente você.
Anne rosna um xingamento que a deixa ainda mais linda. Vê-
la com os braços cruzados, em uma posição que reflete a sua
teimosia, mas ainda mantendo o corpo colado no meu, serve
apenas para fazer meu coração se expandir em felicidade.
— Eu odeio tanto você, Rollins.
— Eu sei. — Beijo-a suavemente, mas me afasto antes que
possamos prolongá-lo. — É o que torna tudo ainda mais divertido.
A reação de Anne é bufar e abaixar as pernas. Aproveito a
oportunidade para trazê-la para a beirada do capô. Observo-a com
cautela, desde as maçãs do rosto magras, os lábios livres de batom
— que já conheço o gosto — e as íris esverdeadas que, nesta noite,
se parecem com uma floresta obscura.
Direciono a ela um pequeno sorriso e, aos poucos, ela
começa a se desfazer em meus braços. A tensão é deixada para
trás e as feições relaxam, dando lugar a uma Anne que não tem
nenhum muro impenetrável ao seu redor.
Eu sou apaixonado por esse lado dela.
— Posso te contar uma coisa? — pergunto e ela assente.
Respiro fundo, criando coragem. — Faz mais de dez anos que jogo
futebol americano. Não houve uma única partida que meu pai não
estivesse lá, me vigiando. Hoje, para a minha surpresa, o assento
dele estava vazio.
Anne faz menção de dizer algo, mas eu prossigo, dizendo:
— E sabe o que isso significa, joaninha? Que essa foi a
primeira vez que joguei por mim e não por ele.
E eu fico feliz pra cacete que você estava lá, na
arquibancada, torcendo por mim, mesmo que diga me detestar.
As pálpebras piscam diversas vezes, até que ela entrelaça as
mãos ao redor da minha nuca e abre um dos sorrisos mais bonitos
que já vi.
— Eu sempre vou torcer por você, Reed — confidencia,
baixinho. — Mesmo quando eu não te detestar mais.

São quase duas horas da manhã quando estaciono o Jeep


na garagem.
A comemoração no London Foot Pub não foi ruim, mas a
experiência costuma ser mais divertida após uma vitória de verdade.
Um jogo empatado significa que precisamos melhorar. E não é na
cerveja e numa porção de anéis de cebola que vamos conseguir
isso.
— Você está meio desanimado — Anne comenta conforme
atravessamos o gramado. — É por causa do seu pai?
Discordo e dou um beijo no dorso de sua mão, procurando
seus olhos. Anne me encara com uma pequena ruga presente no
centro da testa, as linhas denunciando a preocupação que tenta
disfarçar.
— Ele é um problema para depois.
Subimos os degraus da varanda e insiro a chave na
fechadura. Entretanto, antes de entrarmos, Anne pousa a mão sobre
a minha, me impedindo.
— Qual é o problema, então?
— Estava pensando no resultado do jogo. Ter empatado não
foi uma coisa boa. Mas não vou preocupar você com isso. Quem
deve se estressar, se vamos chegar ou não aos playoffs, é o
treinador.
A menção aos playoffs faz as íris de Anne tremularem.
— Vocês vão conseguir — assegura e empurra a porta,
fugindo do meu toque e de qualquer pergunta que eu possa fazer
envolvendo o nosso acordo. — Esse ano o time está excelente nos
jogos.
Arqueio a sobrancelha e entro em casa. Acendo as luzes do
vestíbulo e apoio o ombro no batente, observando Anne se livrar
das botas e do casaco grosso, ficando somente com a minha
camiseta e a calça jeans que evidencia o contorno da sua bunda.
— Eu achei que você não tinha visto nenhum jogo até eu te
arrastar para eles.
A risadinha dela ecoa pelo espaço.
— E eu não vi. Só te elogiei para que você não chorasse no
banho hoje antes de dormir.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, desacreditado
com a resposta debochada. Anne é especialista em despertar um
lado meu que quer puni-la de diferentes maneiras durante o sexo.
— Pode ter certeza que eu vou fazer muitas coisas no banho
hoje, Annie. — Dou um passo para dentro e fecho a porta. — Chorar
pelo empate não é uma delas.
Minha voz sai áspera e profunda, escondendo as minhas
reais intenções com uma cortina de fumaça. Anne está consciente
disso, porque caminha em câmera lenta, os pés descalços raspando
pelo piso. Quando para diante de mim, minha boca se contrai em
um sorriso maldoso.
— E o que, exatamente, você vai fazer? — ronrona, as
pálpebras abaixadas e fixas na minha boca. — Me conte, Reed.
Porque, talvez, eu também te conte o que eu vou fazer no banho
hoje, depois que subirmos para os nossos quartos.
Trinco os dentes, desacreditado com a audácia dela, e inverto
nossas posições, imprensando-a contra a porta. Os seios, cobertos
pela camiseta, roçam no meu peitoral e juro que posso sentir o meu
pau se comprimir dentro da cueca.
— Eu vou te contar o que eu vou fazer, Anne. Na verdade,
vou te contar o que já fiz mais vezes do que você gostaria de saber
— sussurro e obrigo-a a espaçar os joelhos, deixando que minha
perna se acomode entre as suas coxas. — E, quem sabe, eu te
convide para se juntar a mim.
As pupilas se dilatam diante da minha frase e eu escondo o
meu sorriso satisfeito.
— Eu vou me masturbar pensando em você. Vou imaginar
que a água caindo em minhas costas são as suas mãos tocando a
minha pele. Desnudando cada parte e me levando para um lugar
onde não existe nada e nem ninguém além de nós dois —
confidencio, abaixando o timbre da voz. — Depois, eu vou segurar o
meu pau e vou bombeá-lo com as mãos, desejando que seja a sua
boca ali. Me chupando. Me sugando. Me levando até o fundo da
garganta.
Anne ofega e deslizo minha boca, parando na altura da
orelha.
— E então, eu vou aumentar a intensidade dos meus
movimentos, a ponto de um gemido alto me escapar. Não vou
economizar nos barulhos, porque a água do chuveiro vai abafar
cada um deles. — Preciso me conter para que um arquejo não seja
proferido diante da intensidade do olhar que Anne me direciona. —
Vou precisar me apoiar na parede quando os meus músculos se
contraírem de tanto tesão e, no momento que eu fizer uma pressão
dos dedos ao redor do meu pau, vou gozar forte.
— E você vai me imaginar ali, de joelhos com o seu pau
batendo na minha cara e seu gozo enchendo a minha boca?
O sorriso, que dessa vez não contenho, curva os meus
lábios. A imaginação de Anne é tão boa quanto a minha. E eu amo
isso pra cacete.
— Sim. Na minha cabeça, vai acontecer bem desse jeito. —
Resvalo o nariz no seu pescoço, apreciando o perfume de morango
que bagunça a minha cabeça. — E como vai ser com você, Annie?
Vai me imaginar te fodendo com os dedos?
A ponta da língua brinca com o cantinho da boca, em uma
provocação que aquece as minhas veias, e entreabre mais as
pernas. Meu pau se acomoda na altura da sua barriga, a extensão
pressionando o tecido da camiseta. Acho que essa é uma resposta
mais do que positiva.
— A primeira coisa que eu vou fazer é garantir que a minha
calcinha não seja rasgada — murmura, divertida. — Depois disso,
eu vou aquecer a água da banheira até que ela esteja na
temperatura ideal. Quando eu entrar, vou desejar que você esteja ali
também, me olhando daquele jeito que não deixa espaço para
dúvidas e que me faz ter certeza que está me imaginando nua.
Puta merda.
Minha mão afunda na sua cintura e empurra a barra da
camiseta para cima. A pele quente e macia desliza pela ponta dos
meus dedos.
— Eu vou começar massageando os meus seios e brincando
com os mamilos do mesmo jeito que você faz — continua a falar, o
ar ficando mais pesado ao nosso redor. — Vou apertá-los juntos,
imaginando que o seu pau está entre eles. Vou gemer Reed
baixinho, implorando por algo que nem eu sei exatamente o que é.
— Ela movimenta sutilmente o quadril, deixando que meu membro
se mova para cima e para baixo. — Depois, vou escorregar minha
mão pela barriga até que ambas fiquem submersas na água.
Não consigo conter as imagens que surgem na minha
cabeça.
Primeiro, Anne com os seios molhados, a espuma criando um
rastro ao redor dos mamilos. Eles estão inchados, naquela
proporção que cabe perfeitamente na minha boca. A segunda
imagem é dela com as pernas espaçadas, me dando uma visão
nublada da sua boceta quente e molhada. A terceira, e última, é
dela arqueando o pescoço para trás quando o orgasmo faz as orbes
revirarem de satisfação.
— E o que mais?
Os lábios resvalam no meu queixo. 
— Eu vou esfregar o meu clitóris em círculos com o polegar,
enquanto os outros dedos vão deslizar por minha extensão até
estarem afundados dentro de mim. — Resfolega e eu a acompanho.
Sou obrigado a apoiar uma das mãos na parede para não perder o
equilíbrio. — Vou curvá-los até sentir que eles estão tocando aquele
ponto que faz um arrepio percorrer a minha coluna.
Anne me beija suavemente, deixando que eu sinta o sabor da
sua boca que, bem suavemente, tem o gosto do drinque sem álcool
que bebemos juntos, horas atrás. Ela chupa a minha língua, fazendo
um barulhinho gostoso com a garganta, e se afasta novamente.
— E sabe qual vai ser a melhor parte de tudo isso, Reed? —
pergunta. — Quando os meus dedos estiverem me fodendo e o
orgasmo me atingir, a ponto de estrelas surgirem no teto, a única
pessoa em que terei pensado será você.
Algo dentro de mim desperta em um rugido.
E eu avanço para cima de Anne.
A boca se choca de encontro à minha, pega de surpresa,
mas não encontra nenhuma dificuldade em pegar o ritmo. As mãos
se prendem no meu couro cabeludo, puxando os fios, ao mesmo
tempo em que impulsiono o corpo dela para cima, firmando as
palmas na sua bunda.
O beijo é violento.
É necessitado.
É até doentio.
Ele grita em vários idiomas o quanto estamos ardendo de
tesão um pelo outro.
— Essas coisas que você disse... — Respiro fundo, tentando
controlar a minha respiração acelerada. — Já se tocou pensando
em mim, Scott?
— Se eu disser que sim, também vai dizer que já gozou
imaginando que eu estivesse ali, com você?
— Ainda tem dúvida sobre isso? — Levanto seu queixo,
alinhando nossos olhares. — Você está na minha cabeça a todo
momento. Cada maldito segundo. É como a merda de uma
maldição, Anne.
Assim como eu reagi anteriormente, Anne libera um gemido
do fundo da garganta e volta a me beijar. Conforme sinto a pressão
dos lábios sugando os meus, a ironia da situação me atinge. Meses
atrás, quando bati na porta do apartamento em que ela dividia com
Sidney e fiz a proposta do acordo, a possibilidade de avançarmos
em qualquer tipo de relação — que não fosse o namoro de mentira
— era praticamente nula.
E agora aqui estamos.
Eu, Reed Rollins, estou beijando a garota que jurou que
nunca tocaria um dedo em mim. E Anne Scott está se
desmanchando em meus braços, implorando para que cada uma
das palavras que dissemos se torne verdade.
Sem nenhuma dificuldade, firmo o aperto ao redor da sua
bunda e caminho pela casa escura. A sorte é que conheço cada
cômodo como a palma da minha mão, então chegar até a cozinha é
questão de poucos segundos. Sento-a sobre o balcão e acendo
somente os pendentes.
Não dizemos absolutamente nada por um longo tempo.
Minhas palmas repousam sobre o granito, ao redor das coxas de
Anne. Os cílios tocam suavemente o topo das maçãs coradas e uma
sutil risadinha é proferida.
— No que você está pensando? — pergunto.
— Que você é muito mais bonito do que eu gostaria de
admitir.
— Até umas semanas atrás, eu achei que você não
conseguia elogiar ninguém.
Anne dá um leve empurrão no meu ombro e, ao mesmo
tempo, me puxa pela gola da camisa.
— Cala a boca e me beija de uma vez, Reed.
Rio.
— Desde quando você é assim tão mandona?
— Desde que um jogador de futebol americano irritante
entrou na minha vida.
Dou a ela um último olhar antes de descer minha atenção
para a camiseta que recobre seu tronco. O tecido arranha a ponta
dos dedos conforme o empurro para cima, revelando primeiro a
barriga nua e depois o contorno dos seios, até escapar pela cabeça.
O seio adere perfeitamente ao tecido, dando mais volume. A
renda é tão fina que não faço ideia de como eles passaram a noite
ali, escondidos, sem escaparem para fora.
Jogo a camiseta em cima do balcão e dedilho a pele
arrepiada, escutando-a suspirar quando empurro uma das alças do
sutiã para baixo.
— É esse tipo de cena que você imagina — digo, não
deixando espaço para que uma resposta seja dita. — Meu pau entre
os seus peitos, ao mesmo tempo em que fodo a sua boceta com os
meus dedos?
— Sim — ela consegue confessar em um grunhido. — É bem
isso que imagino.
Sorrio.
— Garota safada.
Abaixo a outra alça e abro o feixe das costas, liberando os
seios por completo. Os mamilos estão duros e arrepiados,
parecendo ainda mais bonitos do que quando os vi da última vez.
— É, Anne. Tenho uma notícia ruim para te dar.
— Hum?
— Depois de hoje, não quero que mais ninguém te veja
assim. — Beijo as suas clavículas. — Quero que cada detalhe seja
conhecido somente por mim. Não quero nem pensar na
possibilidade de outro homem ter o que é meu.
O murmúrio que escapa de Anne é o incentivo que preciso
para seguir em frente. Abocanho um dos seios, apreciando a textura
macia. Brinco com a língua.
Circulando.
Chupando.
Mordiscando.
Com a outra mão, prendo o mamilo oposto entre os dedos
bem do jeito que ela disse que gosta que eu faça. Um barulhinho de
aprovação é liberado e eu prossigo com os movimentos, cada som
servindo para que eu também fique excitado.
A cabeça do meu pau pulsa, ansioso para estar dentro dela
logo.
Beijo o vão entre os seus seios e dou atenção ao outro.
Repito a mesma sequência, apreciando a maneira perfeita com que
eles se encaixam em minha boca e em minhas mãos. É como se
Anne tivesse sido feita para mim.
Levanto a cabeça e gravo cada detalhe. O quadril se remexe
sutilmente contra o mármore, buscando algum alívio. O cabelo solto
recai feito um véu ao redor dos seus ombros e os lábios se
encontram entreabertos, deixando a cena ainda mais erótica.
Não sei como vou sobreviver sem essa mulher na minha
vida.
— Reed, por favor — suplica, baixinho, arranhando o meu
couro cabeludo. — Eu preciso de mais.
Afasto a boca do seu mamilo.
— Mais do quê?
— Mais de você. Mais da sua boca. Mais de tudo.
Seguro sua bunda e a puxo para a beirada do balcão.
Desabotoo o botão da calça jeans e ela não hesita em arquear o
corpo para cima, me ajudando a descer o tecido por suas pernas.
Quando ele não passa de um amontado no chão, eu volto a olhar
para Anne.
Perco o ar.
Meu coração erra uma batida.
E um comichão se espalha por minha espinha.
Anne é a coisa mais linda que já vi nessa vida e as luzes de
baixa intensidade contribuem para que eu tenha certeza disso. É
como uma obra de arte escondida em um museu em algum canto
remoto do mundo.
Não aguento mais ficar nenhum segundo longe dela e dou
um passo, me aproximando, mas ela me impede. A cabeça sacode
em negação e o queixo aponta para o meu corpo.
— Uma vez, você me disse que, se eu quisesse ver você
sem roupas, era só pedir. — O desafio implícito é evidente. — Mas,
desta vez, não vou pedir. Eu vou mandar. Não quero ver nada te
cobrindo.
Levo as mãos ao primeiro botão da camisa.
— Seu pedido é uma ordem, Anne Scott.
Em movimentos que chegam a ser quase lentos demais, eu
desabotoo cada um dos botões. Empurro o tecido para trás,
descendo-o pelos braços, e o deixo cair no chão. Faço o mesmo
com a calça jeans. Quando o tecido pesado se junta às outras
peças, e faço menção de tirar a cueca, Anne emite um estalo com a
boca.
— Deixa que essa eu tiro.
Ela pula do balcão e se ajoelha diante de mim. Não acho que
seja possível, mas eu fico ainda mais duro quando meu pau é
gentilmente tocado, ainda coberto. A carícia é lenta, me obrigando a
fechar os olhos e praguejar um palavrão.
— Se você não está com pressa, tudo bem. Mas eu não sei
se vou aguentar.
Anne dá uma risadinha e engancha os polegares ao redor do
elástico.
— Por quê? Eu achei que você durasse mais que dois
minutos.
Ranjo os dentes.
— Você é a pior pessoa desse mundo, sabia?
Anne pisca os olhos, daquele jeito inocente que me deixa
excitado pra caralho, e empurra a cueca para baixo com um único
movimento. O meu pau salta para fora, batendo na altura do
umbigo. O pré-gozo pinga da ponta inchada.
— E mesmo assim, você continua aqui.
Minhas cordas vocais não tem nem a chance de proferirem
algum tipo de resposta. Anne leva meu membro para os lábios e
chupa a glande. A mão direita dedica-se a acariciar minha extensão,
se completando com os movimentos de entrar e sair da sua boca. A
saliva torna o vai e vem muito mais fácil e eu preciso firmar os meus
pés no chão para não cair.
— Não há nenhum maldito lugar que eu queira estar que não
seja aqui.
Meu pau é engolido e fica difícil abrir mão do controle da
situação. Meus tendões coçam para se fechar ao redor do seu
cabelo e empurrar a cabeça mais pra frente, a fim que eu toque o
fundo da sua garganta. Mas eu me contenho. Quero que essa
situação seja prazerosa para ela também.
Abaixo as vistas e contemplo Anne ajoelhada diante de mim,
as pernas espaçadas e as pupilas dilatando, quase fazendo o anel
esverdeado desaparecer. Aposto que a boceta dela está latejando,
porque a expressão em seu rosto é de quem sente cada partícula
do corpo incendiar feito um caldeirão.
De repente, a possibilidade de me queimar não parece tão
ruim.
— Puta merda, Anne.
Ela empina o traseiro, a coluna se curvando em uma posição
perfeita, e tira o meu pau da boca. A saliva escorre pelo canto da
boca. Ela não se incomoda, a mão continuando a bombeá-lo. A
outra desliza por sua barriga, até alcançar o clitóris.
Um gemido em conjunto nos escapa.
Minhas bolas pesam quase que instantemente. Ver Anne se
tocando diante de mim, sem nenhum pingo de vergonha, e ainda
deslizando a mão para cima e para baixo do meu pau, serve apenas
para que um milhão de formigamentos se espalhem por cada parte
esquecida minha.
Estou doido para fodê-la nessa maldita cozinha e deixar que
a vizinhança inteira escute.
Anne volta a cobrir o meu comprimento com a boca e a
língua brinca em lentidão, enviando espasmos diretamente para as
veias proeminentes. Estou latejando a cada maldita batida do meu
coração. E ela parece saber disso, porque usa a pontinha dos
dentes para me arrancar um gemido alto, ao mesmo tempo em que
o seu indicador mergulha para dentro da boceta.
Ela é uma desgraçada manipuladora.
Cedo e fecho minha mão em punho ao redor do cabelo loiro,
puxando a cabeça para trás. Anne me encara com astúcia, as orbes
exalando luxúria. Ela está gostosa pra cacete com os seios
empinados e a mão fazendo círculos contra a intimidade. Minha
boca saliva só com a possibilidade de poder sentir o gosto dela
novamente. 
— Isso é algum tipo de tortura pelo o que aconteceu no
auditório?
Anne abre um sorriso.
A merda de um sorriso.
— Sim — confirma e as pálpebras tremem. Noto que ela
acrescentou mais um dedo. O polegar continua a acariciar o clitóris.
Faço pressão com os dedos e os olhos dela se arregalam em
prazer. Ela está amando ter a minha mão apertando o seu pescoço
e o meu pau pulsando em resposta. Somos dois sedentos por
controle durante o sexo.
Não posso deixar que ela chegue ao orgasmo assim. Não
sem que eu esteja dentro dela para poder sentir.
— Não desta vez — rosno e puxo-a para cima. O choramingo
ecoa pelo silêncio da casa. — Hoje, nós dois vamos gozar. Juntos.
Que se foda essa vingança, Anne.
Os dentes mordiscam os meus e eu agarro o seu pulso,
tirando os dedos melados de dentro daquele lugar quente que já se
tornou um dos meus favoritos. Levo-os até a minha boca e chupo
cada um, sentindo o gosto inundar a minha língua.
O olhar que recebo de Anne é um sinal de que ela quer
mais.De que nada dessa merda é suficiente quando se trata de
prazer.
— Você é uma desgraça e ainda assim eu não consigo ficar
longe de você. — Dou um tapa na sua bunda. O barulho é como
música para os ouvidos. — O que você está fazendo comigo, porra?
— O mesmo que você está fazendo comigo, Reed — diz, a
voz tão baixa quanto um sussurro. — Nos arruinando para todas as
outras pessoas que virão.
Se existe algum limite, ele acaba de ser destroçado.
Rasgo a sua calcinha com um único puxão e aponto para o
balcão.
— Apoie as mãos ali e empine essa bunda gostosa para mim,
porque hoje eu vou te comer por trás.
Anne faz exatamente o que eu peço.
Os seios são esmagados pelo mármore e um arrepio
percorre a pele branca, arrepiando-a por inteira. Tombo a cabeça
para o lado e passo a língua pelos dentes, contemplando a visão
diante de mim.
Pego uma camisinha dentro do bolso da calça jeans caída no
chão e fico por trás. Beijo a curva da sua coluna e depois os dois
lados da bunda empinada. A boceta pulsa logo abaixo.
Molhada.
Sedenta.
Quente.
Convidativa.
— Você é fissurado por bundas?
A pergunta feita de repente quase me faz rir.
— Não. — Meus dedos passeiam por suas dobras, mas
nunca chegando no lugar que realmente quer ser trocado. — Sou
fissurado na sua. Somente na sua.
— Já entendi, então. — Me lança um olhar sobre o ombro. —
Você é fissurado por mim.
Franzo a pontinha do nariz e rasgo a camisinha, vestindo o
meu pau.
— Não sabíamos que estávamos confessando o óbvio um
para o outro.
— Meus pensamentos nunca são óbvios — retruca.
Afasto as pernas de Anne e deslizo meu pau por sua entrada.
Afundo só um pouquinho da cabeça, deixando nós dois no limite.
Ela xinga um palavrão e fecha os olhos. A bochecha se mantém
grudada no mármore gelado.
— Pois os meus são mais do que óbvios. — Saio de dentro e
ela gagueja em fraqueza. Está bem perto de implorar. — Me conta
no que você está pensando.
Anne respira fundo e gira o quadril, procurando
silenciosamente por mim. Eu bato novamente na sua bunda,
mandando-a ficar quieta.
— Se você não me falar, eu não vou te foder.
Eu entro um único centímetro e permaneço parado. Minha
mão a mantém estática no lugar. Dá para ver que ela está ficando
impaciente.
— Se você quer que eu confesse algo, vai ter que se esforçar
mais.
— Às vezes, eu penso que odiar você talvez não seja uma
má ideia.
Um sorriso é direcionado para mim.
— Eu recomendo a experiência. É libertador.
Empurro o seu cabelo para o lado e beijo os seus ombros.
Entrelaço também as nossas mãos e afundo mais um pouquinho. É
para ser uma tortura para ela, mas está se tornando uma para mim
também.
— Você até pode dizer que me odeia, Anne — sussurro em
seu ouvido. — Mas a sua boceta não concorda com isso.
Entro dentro dela em uma única remetida, comprovando o
sabor das minhas palavras.
Gememos alto em uníssono.
Estamos presos em um abismo que, nesta noite, vai terminar
com nós dois caindo em sincronia.
Meu pau é sugado para dentro da sua boceta e meu coração
pulsa, mais do que satisfeito. As paredes internas me pressionam e
firmo minhas mãos ao redor da sua cintura, controlando os meus
movimentos. Quero começar devagar, sentindo a sua textura e os
sons que são executados por sua boca safada.
Contemplo a maneira com que me encaixo perfeitamente
dentro dela, pelo barulho que fazemos a cada vez que estoco fundo
e na vermelhidão que se destaca na sua nádega devido aos dois
últimos tapas.
É a melhor visão do mundo.
— Não seja um babaca comigo, Reed. — Anne resfolega e
empina mais a bunda, ficando na ponta dos pés. — Me fode com
força.
Abro um sorriso de escárnio e abro mais as pernas dela, indo
fundo. Engancho uma das mãos na coxa, levantando-a em um
ângulo para que a cabeça do meu pau toque naquele ponto que faz
nós dois perdermos o ar.
Cada impulso arranca um pedaço da minha alma.
Cada vez que Anne rebola, acompanhando as minhas
remetidas, eu me aproximo mais do orgasmo.
Minhas bolas batem contra o seu quadril e as unhas dela se
firmam na beirada da bancada. Os nós ficam brancos e ela
resmunga algo impossível de entender. O ar entra com dificuldade
nos meus pulmões e eu me dedico a cumprir com a minha palavra:
fazer nós dois gozarmos juntos.
— Goza comigo, Anne — peço, deitando meu corpo sobre o
dela e beijando seu pescoço. — Mostra para mim o quanto somos
bons juntos, independentemente se existe um acordo entre nós ou
não.
— É isso que você quer que eu confesse? — questiona, ao
mesmo tempo em que fricciono o seu clitóris, seguindo o ritmo das
minhas investidas em sua entrada molhada.
— Não. Eu quero que você sinta isso. — Procuro por seu
rosto e o encontro entre um emaranhado de fios suados. — Sinta o
quanto eu quero você. O quanto não consigo imaginar minha vida
sem ter você comigo. — Anne se contrai ao meu redor em um aviso
de que está perto. Faço mais pressão contra o clitóris que incha. —
Quero que saiba o quanto é maravilhosa, porque não há nada tão
bom quanto você.
Minhas últimas palavras são o suficiente para que estrelas
surjam no canto dos olhos e um raio nos atinja, puxando o orgasmo
para a beirada. Anne tremula embaixo de mim, gozando de corpo e
alma. Eu continuo a remeter dentro dela, buscando pela minha
libertação.
Quando ela finalmente chega, eu gemo o nome de Anne.
Digo mais um punhado de elogios que saem bagunçados. A
camisinha se enche do meu gozo e distribuo pequenos beijos nas
costas de Anne antes de sair de dentro dela. O arquejo denuncia a
sensibilidade em sua área íntima.
Viro-a para mim, firmando seus pés descalços no chão, e
empurro o cabelo loiro para trás. Estamos os dois suados e
cheirando a sexo.
— Você está bem?
Anne dá um sorrisinho cansado e entrelaça os braços ao
redor da minha nuca.
— Talvez você deva perguntar isso depois. Ainda estou
sentindo os fogos de artifício.
Rio.
— Guarde-os para o Ano Novo, joaninha.
Ela me dá um peteleco no nariz e deita a cabeça em meu
peitoral. Desenho círculos imaginários em suas costas, seguindo o
contorno da coluna.
— Você é tão babaca — resmunga. — E como você está?
Estico o pescoço para trás e encaro o teto. Eu penso em
dizer para ela aquilo que está entalado na minha garganta há meses
e que faz a minha garganta arranhar em impaciência.
Entretanto, ao procurar pelo par de olhos esverdeados que
estão tão expostos e vulneráveis, eu desisto. Nenhum de nós vai
aguentar o peso da verdade.
Sendo assim, contento-me com a resposta mais simples de
todas:
— Melhor impossível.
 
 
“Eu acho que o amo, embora eu saiba que não é certo”
Met Him Last Night | Demi Lovato (feat. Ariana
Grande)
 

 
O golpe de realidade me atinge antes do que eu esperava.
Na terceira semana de novembro, poucos dias antes do Dia
de Ação de Graças, eu estou saindo da minha entrevista no PK
Journal. Essa é a segunda etapa do processo, ao qual cheguei bem
perto de esmagar o meu cérebro para conseguir responder as
perguntas feitas.
Estou confiante? Um pouco.
Vou conseguir a vaga? Espero que sim.
Charles, o entrevistador, me garantiu que daqui a algumas
semanas eles vão entrar em contato. Quero manter as expectativas
baixas, embora eu já esteja sonhando em andar pelos corredores
com o meu crachá pendurado ao redor do pescoço igual uma
coleira.
— Como foi? — Claire pergunta, assim que saio por entre as
portas giratórias.
Ela me deu uma carona até North Groove para a entrevista
na sede da empresa e está exibindo um sorriso animado no rosto
maquiado. A pele negra-escura contém pequenos pontinhos de
glitter por causa do iluminador e a peruca branca, com os fios
enrolados na ponta, a fazem parecer uma fada.
— Acho que fui bem. Na verdade, acho que fui muito bem. —
Solto uma risada. — Algumas perguntas eram difíceis, mas outras
eram tão óbvias que fiquei até com preguiça.
Claire engancha o braço no meu e começamos a caminhar
por entre as ruas. Conhecendo-a tão bem, sei que está à procura de
uma cafeteria.
— Você vai conseguir essa vaga, não tenho dúvidas. É
inteligente, esforçada e a futura estrela do jornalismo. Quem ainda
não sabe disso, é uma pessoa sem noção.
— Você acha que sou uma super estrela, hein?
— Eu só aceito ser amiga de super estrelas como eu. — Me
dá uma piscadela. — Então, sim, Anne, você também é uma.
Abro um sorriso divertido e indico uma cafeteria do outro lado
da rua. É bem pequenina, com mesas expostas na calçada e uma
fachada charmosa. Nos acomodamos em uma das cadeiras e uma
garçonete vem anotar os nossos pedidos.
Eu peço um Macchiato e Claire opta por um Frappuccino de
abóbora.
Quando a atendente vai embora, eu torço as mãos umas nas
outras, a voz do entrevistador ainda ecoando na minha cabeça. Há
uma parte em específico que tem me preocupado mais do que
deveria. Não sei se quero pensar na possibilidade de falar disso,
mas esconder algo de Claire é uma tarefa difícil.
— Que cara é essa? — questiona, a sobrancelha direita
arqueada. — Tem alguma coisa que você não está me contando?
Suspiro alto e despejo a informação:
— Charles, o entrevistador, disse que se eu conseguir a vaga
de estágio, é para a sede aqui em North Groove...
— Você se mudaria para cá — conclui, completando a minha
frase.
— Sim. É apenas uma possibilidade, porque não é certeza
que vou ser selecionada, mas ainda é uma coisa a se pensar.
Claire faz um biquinho, pensativa.
Diferente de mim, que optei por roupas sociais, minha amiga
é um ponto colorido dentro da cafeteria. O vestido verde-limão de
gola alta e os sapatos de salto baixo com presilhas de pérolas são
itens que eu nunca imaginaria usar, mas nela ficam perfeitos.
— E o Reed?
Gelo da cabeça aos pés.
— O que tem ele?
— Você vai contar para ele sobre essa parte?
Cruzo as pernas por debaixo da mesa, agradecendo
mentalmente pela garçonete que volta com os nossos pedidos.
Encho a minha boca de café, como se isso fosse capaz de adiar a
minha resposta.
Claire não se deixa abalar. A expressão que ela me direciona
é fria feito lascas de gelo.
— Não tem o que contar, porque ainda não aconteceu nada
— retruco, soando mais na defensiva do que gostaria. — Se eu
conseguir a vaga, vou contar. Enquanto isso não acontece, ele não
precisa saber de nada.
Minha amiga dá um longa respirada e assente, encarando as
pessoas ao nosso redor.
Imagino que, se eu me mudar para cá, as nossas tardes na
cafeteria da USVL não serão mais tão frequentes. Meu tempo livre
vai diminuir consideravelmente e, se eu já acho meu horário de
trabalho na lanchonete de Adele cansativa, o estágio tende a ser
ainda pior.
— E o meu acordo com ele também já está acabando —
relembro e Claire move novamente o rosto na minha direção. —
Essa oportunidade veio na hora certa. Procurar por apartamentos
em North Groove é mais fácil do que em Maple Hills. E aposto que
ele também vai ficar feliz por se livrar de mim.
A risada sem humor que ela me direciona causa um rebuliço
na boca do estômago.
— Reed pode querer tudo, menos se livrar de você, Anne.
Nego com um chacoalhar de cabeça.
— Essa mentira que concordamos em participar foi só para
acabar com os boatos envolvendo a Angel e a falta de um teto para
mim. Nada além disso. Não era um acordo para estarmos juntos até
estarmos com pés de galinha.
— Você vai chutá-lo para fora da sua vida? É isso?
Ignorar a presença de Reed é algo que jamais vou conseguir
fazer. Mas uma pequena parte de mim está consciente de estarmos
avançando por um caminho em que logo irei me sentir pressionada
demais. No ano que vem, nossas vidas serão diferentes. Ele vai ser
draftado por um time e as chances de mantermos qualquer tipo de
contato são pequenas.
Não quero me manter presa nesse tipo de relação, seja ela
qual for.
É confuso demais e desgastante em níveis que não estou
disposta a enfrentar.
— Não foi isso que eu disse, Claire — murmuro,
semicerrando os olhos para a minha melhor amiga. — A vida das
pessoas seguem rumos diferentes e nós dois não vamos ser a
exceção. Vai ser incrível ver ele jogando por um time da NFL? É
claro que sim. Mas também vai ser maravilhoso, eu alcançar os
meus objetivos dentro do jornalismo.
— Você pode ter os dois. Sabe disso, certo?
Reprimo a vontade de me esconder dentro do casaco que
estou usando. Claire sabe, melhor do que ninguém, o quanto esse
tópico é sensível para mim. Não consigo ver as coisas com a
mesma facilidade que ela.
Cruzo os braços, me protegendo. Do quê? Não faço ideia. Da
verdade, talvez. Do olhar intenso de Claire, também. Conversar com
ela sobre assuntos como esse é como uma montanha-russa com
um milhão de descidas. 
— Não sei onde você quer chegar com essa conversa.
Claire pressiona os lábios em uma linha reta e permanece
taciturna por um longo período que contribui para meu estômago se
contorcer em posições nada confortáveis.
— O que você sente por ele, Anne?
O questionamento age como uma faca sendo apunhalada no
meu coração. Se eu pudesse, sairia correndo dessa cafeteria e
ignoraria o assunto. Entretanto, sei que Claire não vai se dar por
satisfeita.
Meu consciente se encolhe em um cantinho, não gostando de
ser pressionado. Já meu coração galopa no peito a mil por hora.
Repasso mentalmente cada momento que tive ao lado de Reed
desde que entramos nesse acordo improvável.
No começo, eu realmente não o suportava. Mas, conforme os
meses foram se passando, percebi que Reed era muito mais do que
aquele garoto filho de uma estrela do esporte com uma carreira
incrível esperando por ele no futuro.
Reed Rollins é incrível.
É a pessoa mais extraordinária que tive ao meu lado.
O verdadeiro Reed Rollins não chega nem perto daquele que
tive o desprazer de conhecer, quase dois anos atrás. A versão que
criei na minha cabeça é deturpada demais. Não faz jus à realidade
que ele me mostra dia após dia.
— Ele é importante para mim. Eu me importo com ele e quero
que tenha a carreira dos sonhos. Posso não estar na arquibancada,
como estive nesses últimos jogos, mas ainda vou estar torcendo por
ele do outro lado da tela da televisão.
Claire assente.
— E o que mais?
Bufo.
— Precisa ter mais?
— Deve haver algo a mais, Anne.
Sua calmaria é uma bomba relógio para a minha impaciência.
Estou perto de chamar a garçonete para pedir uma rodada inteira de
cupcakes, porque essa conversa está mexendo com o meu
estômago.
— Eu gosto dele. Gosto bem mais do que imaginei que
poderia gostar um dia — antes que ela possa me interromper, eu
prossigo: — Mas eu não posso deixar que as coisas avancem além
disso. Ter aceitado em termos esse acordo colorido já foi um grande
passo. A única razão de eu não ter negado é que posso terminar
quando quiser.
Claire murcha na cadeira, mas disfarça com um movimento
tímido de ombros.
— E você vai terminar?
Bem lá no fundo, eu sei a resposta.
Claire também sabe.
Mas, ainda assim, acho que ela espera que eu mude de
ideia.
— Quando chegar a hora certa, sim.
— E quando vai ser?
— Não existe a hora exata, Claire. Mas, se eu conseguir a
vaga de estágio, não vou ter outra escolha — declaro. — Vou me
mudar para North Groove e dar fim ao nosso acordo.
— North Groove não é tão longe. Ainda dá para vocês
estarem juntos.
Balanço a cabeça em negação.
— Não é essa a questão, Claire. Eu não terei tempo para ele,
quem dirá para mim.
Minha amiga encolhe o corpo na cadeira e despeja a única
pergunta que tem me assombrado:
— E se, por algum azar, você não conseguir a vaga? O que
vai fazer?
A possibilidade mexe comigo, latejando dolorosamente do
lado esquerdo da minha cabeça.
— Então, vai ser Reed quem vai terminar comigo. Porque
não haverá espaço para mim na vida dele.

Depois de várias semanas trocando curtas mensagens e


rápidas ligações, decido fazer uma visita à minha mãe.
Ela me recebe com um abraço e uma xícara de chá de
hibisco, como de costume. Depois de ajudá-la a preparar uma
fornada de cookies, estamos agora sentadas na varanda.
— Como você está?
Daisy dá uma breve olhada para mim e serve o chá em duas
xícaras.
— Fui visitar aquela galeria de arte que te falei com a Beth e
até consegui convencê-la a fazer algumas aulas comigo — diz, me
entregando a bebida quente. — Ela disse que o Sagan está
ocupado demais em Dublin. Você teve notícias dele?
A pergunta me faz lembrar que, desde que desliguei na cara
dele, não conversamos mais. Sagan deve me achar uma babaca
por não mantê-lo atualizado sobre a minha vida e das outras
pessoas de Sunbay.
— Faz umas boas semanas. E Clio?
Minha mãe aperta os lábios, pensativa.
Assim como a maioria das pessoas de Sunbay, ela também
acompanhou o relacionamento curto, mas intenso, entre Sagan e
Clio. A despedida foi dolorosa, o que me faz ter ainda mais certeza
de que manter um relacionamento dessa forma jamais funcionaria
para mim.
— Ela está em Boston. Beth disse que o clima está meio ruim
na editora. Não entendi direito, mas ela vai vir para cá no Dia de
Ação de Graças. — Ao mencionar a data, uma luz se acende acima
da cabeça da minha mãe. — Conversei com seu irmão na semana
passada, a propósito. Tudo certo para irmos para North Groove?
Merda.
Faço um beicinho que Daisy entende de imediato. As
sobrancelhas se erguem, quase alcançando o couro cabeludo.
— Você tem outros planos?
— Digamos que sim.
— Anne...
Dou risada e sinto o calor aquecer as minhas bochechas.
— Um amigo me convidou para passar o feriado na casa da
mãe dele, em Mountain City — explico, torcendo para que ela não
fique triste. — Espero que não seja um problema para você.
Daisy me analisa com atenção. Primeiro, meu rosto, depois o
conjunto de casaco de moletom e calça larga e, por fim, os tênis
gastos. Ao retornar para os meus olhos, há uma certa felicidade
oculta nas feições levemente enrugadas.
— Um amigo? Ou seria um namorado?
Reprimo a vontade de revirar os olhos para ela. Minha mãe
está ficando igual a Claire, imaginando um cenário que está bem
longe da realidade.
— Você sabe que esse dia está bem longe de acontecer.
Daisy não se aguenta e bufa, do mesmo jeitinho que eu faço.
Chega a ser engraçado o quanto somos parecidas, mesmo que ela
diga que sou uma cópia exata da personalidade do meu pai.
— As minhas esperanças são as últimas que morrem —
assinala e beberica um gole do chá.
— Somos apenas amigos, nada além.
— Okay. — Finge ceder e me entrega o prato com os
cookies. — Pode ir para Mountain City, danadinha. Vai ser diferente
comer peru sem você, mas Alex e Soren são ótimas companhias.
Você soube que seu irmão foi convidado para trabalhar no centro
esportivo que vai inaugurar em North Groove?
— Sério? Ele não me contou nada.
Minha mãe faz um movimento de desdém com a mão.
— Ele adora guardar segredos da gente. Quem me contou foi
o Soren em uma das ligações. Aquele jogador famoso de futebol
americano foi convidado para a inauguração.
Aquele jogador famoso de futebol americano.
Nem preciso perguntar para saber de quem ela está falando.
Minha mãe, diferente de mim, sabe um pouco mais sobre
futebol americano, mas não é uma enciclopédia ambulante como
Claire. Ela conhece os termos, algumas regras e acompanha, vez
ou outra, os jogos do time que Alex treina.
— Não faço ideia de quem seja. — Me faço de desentendida.
— Mas parece que vai ser algo importante para a carreira do Alex.
Minha mãe assente com um gesto de cabeça e gesticula para
o meu peito.
— E como foi a entrevista de estágio no PK Journal?
— Foi melhor do que eu esperava. Estou confiante, mas não
quero sonhar alto demais. Se eles decidirem que sou boa o
bastante, vou ter que me mudar para North Groove.
A xícara, que estava sendo levada aos lábios de Daisy,
paralisa.
— Você vai morar sozinha?
— Não sei ainda. São apenas possibilidades no momento,
mas acho que vou acabar dividindo o aluguel com alguém. Esse
lance de morar sozinha acaba ficando pesado demais para o meu
bolso, mesmo que o salário no PK Journal seja considerado bom.
— E o emprego na lanchonete?
— Adele já sabe da possibilidade de eu pedir demissão. Vai
levar numa boa — digo e dou uma mordida no cookie. — Ela sabia,
desde o início, que o Brooklyn Blues era algo temporário na minha
vida.
Pensar em me despedir de Adele e Becky faz o meu coração
se apertar. Não as conheço há anos, mas é como se fôssemos
amigas desde sempre. É triste pensar que não passarei mais as
tardes conversando com elas e bebendo milkshake de morango
quando o movimento de clientes estiver monótono.
Um fungado me faz virar o rosto. Minha mãe bem que tenta
disfarçar, mas dá para notar os olhos marejados e uma tímida
lágrima escorrer por sua bochecha. Ela não tem tempo de limpar
antes que eu feche minhas mãos ao redor dos seus pulsos.
— O que foi?
— Seu pai teria muito orgulho de você, danadinha. — Afaga
uma das minhas bochechas com a ponta dos dedos. — Me dói no
fundo da alma saber que ele não está aqui para ver você se
tornando essa pessoa incrível que vai conquistar o mundo inteiro
através do seu talento.
Um nó aperta a minha garganta.
— Mãe...
A cabeça dela oscila de um lado para o outro.
— Nunca deixe ninguém apagar o seu brilho, okay? — pede,
como se fosse capaz de saber da conversa que tive com Claire na
cafeteria. — Porque você merece somente coisas extraordinárias,
Anne. Não se esqueça disso.
Sorrio e enlaço meus braços ao redor dos ombros dela,
abraçando-a com cada fibra do meu ser.
— Não vou deixar, mãe. Não se preocupe.
 
“Não diga que não é justo,
você claramente não estava ciente de que me deixou miserável”
Happier Than Ever | Billie Eilish
 

 
— Vai querer uma cerveja?
Ergo a cabeça, encontrando o meu irmão atrás do balcão do
London Foot Pub. O pano de prato está pendurado no seu ombro e
o boné, com a aba virada para trás, esconde os cabelos castanhos.
Olho para o relógio atrás dele.
— São três horas da tarde, Aaron.
Os lábios se curvam no que julgo ser um sorriso.
— Estou apenas fazendo o meu trabalho. Se você aceitar a
bebida, o problema já não é meu.
— Eu tinha me esquecido o quanto você é um chato de 30
anos. Prefiro nem saber como vai ser quando chegar aos 50.
— Espero estar vivendo em uma ilha paradisíaca. Conviver
com você é bem desgastante.
Dou a ele o dedo do meio e Aaron gira os tornozelos, me
entregando um cestinho com amendoins. Mordisco um, enquanto
analiso os traços do seu rosto, ponderando se devo contar sobre o
que aconteceu na casa de Ricky.
Foda-se.
— Ricky e eu brigamos.
Aaron paralisa e uma veia do pescoço pulsa em resposta.
— Ele disse um monte de merda sobre a Anne e eu
simplesmente... Não consegui mais aguentar. Quando vi, estava
prestes a dar um soco na cara dele — continuo a falar. — A gente
não conversou mais desde então.
— O que ele disse?
Empurro a espessa saliva pela garganta, odiando a ideia de
reviver a memória.
— Disse que ela iria acabar com a minha carreira e que não
tinha nada de bom para oferecer. Uma vadia inútil com um pai morto
e uma mãe que não recebe rios de dinheiro.
A quietude domina o interior do pub por um longo tempo até
que Aaron fecha o armário em que guarda os copos e apoia os
braços no balcão interno.
— Acho que já está na hora de Noreen saber, Reed.
— Sobre o quê?
— Sobre tudo. — Gesticula para o meu peito. — Você já é
responsável o bastante para tomar as próprias decisões. Não pode
viver eternamente na sombra de Ricky apenas porque acha que isso
vai garantir a você um futuro no esporte. Nós dois sabemos que não
é assim que funciona.
O sentimento de querer desaparecer é gigante. Por longos
anos, vi meu pai como um herói. Aquele que era um exemplo para
se seguir e quem eu gostaria de me tornar um dia. Agora, ser uma
cópia de Ricky Rollins é um peso que não quero carregar.
— Ele pode cortar o meu dinheiro. E não tem como eu me
manter no esporte se não houver a merda do dinheiro dele
envolvido.
Aaron discorda.
— Ele não vai fazer isso. Você acha mesmo que Ricky vai
permitir que o filho dele, o projeto de anos, seja um fracasso no
esporte?
— Há sempre um risco, Aaron.
— O único risco que Ricky corre é o de você desistir do
esporte. E você não vai desistir, certo?
— Não.
A mera possibilidade de me ver longe do futebol americano já
me apavora. Ricky pode ter me colocado em uma posição que me
obriga a ser perfeito, mas o esporte jamais vai se tornar um castigo.
Nunca vou deixar que ele estrague algo tão importante na minha
vida.
Aaron acena em concordância e contorna o balcão, ficando
de frente para mim.
— Você já tem 22 anos, Reed. — Coloca a mão no meu
ombro coberto pela jaqueta dos Rebels Of Horizon. — Não é mais
aquele garoto de dez anos que queria agradar o pai a todo custo. A
única pessoa que você deve dedicar toda essa atenção é você
mesmo. Você é bom demais como running back para deixar que
Ricky estrague tudo.
— E se eu falhar?
Dar voz à minha maior insegurança torna a situação real.
Uma grande parte minha é confiante o bastante para saber
que posso ser tão bom quanto Dave e Bradley nos gramados. No
entanto, há aquela minúscula parte que acredita que, se não houver
Ricky ao meu lado, não irei conquistar porra nenhuma.
— Se você falhar, o que eu duvido que aconteça, eu vou
estar lá. Eu. Noreen. Dave. Até mesmo a sua namorada de mentira.
— A última pessoa me faz abrir um sorriso nada discreto. — As
pessoas que amam você de verdade não vão soltar a sua mão
diante do primeiro fracasso.
Pisco os olhos várias vezes, afastando o pinicar que
antecede a um choro. É desgastante perceber que levei anos para
conseguir reagir diante dos insultos de Ricky. Que foi preciso eu
chegar no meu limite para, finalmente, cortar o fio que me mantinha
preso a ele. 
Aaron parece compreender o turbilhão de sentimentos que
me acomete, porque me puxa para um abraço apertado. Um abraço
que diz, nas entrelinhas, que cada um entende o que o outro já
passou na presença de Ricky.
Ele nunca foi um pai de verdade para nós e duvido que algum
dia consiga ser. Não enquanto estiver depositando em nós tudo
aquilo que ele deseja viver novamente. Aaron foi o primeiro a sofrer
com isso. E eu me escondi quando passou a ser comigo.
— Você vai contar para Noreen, certo? — Aaron pergunta
minutos depois, com nós dois ainda abraçados de um jeito que não
fazíamos há milhões de anos.
Falar com minha mãe vai ser uma tarefa difícil, mas sei que é
o certo a ser feito, mesmo que tenhamos que enfrentar uma longa
conversa.
— Sim.
Aaron assente e se afasta. Ao inclinar a cabeça para o lado e
balançar sugestivamente a sobrancelha esquerda, já tenho a
certeza que ele vai dizer alguma merda bem sem noção.
— Agora você aceita uma cerveja?
Reviro os olhos.
— Me dá logo a merda dessa bebida, Aaron.
Pela primeira vez em anos, ouço meu irmão rir de verdade.E
eu rio de volta, sentindo uma pequena parte do peso de anos
abandonar as minhas costas.
Volto para casa perto do começo da noite.
Largo as chaves em cima do aparador e escuto vozes
animadas vindas da sala. Sigo a direção do som e vejo Anne e
Claire sentadas no sofá, rindo. Claire, desta vez, dispensou a
peruca e exibe os cabelos que já cresceram alguns bons
centímetros.
Já Anne... Eu sempre perco o fôlego quando olho para ela,
não importa quantas semanas ou meses se passam.
 
Como se houvesse um tipo de imã nos puxando, Anne estica
o pescoço e me encontra parado com o ombro apoiado na parede.
Um sorriso bonito acaba surgindo, me deixando ainda mais
encantado.
— Você acabou de chegar?
Concordo com um murmúrio e Claire acompanha o som, me
procurando. O aspecto cansado ao redor dos seus olhos deu um
descanso.
— Como o Aaron está?
— O humor dele continua uma merda, como de costume.
Mas fora isso, tudo certo. — Enfio as mãos dentro do bolso da
jaqueta. — E o Dave se meteu por onde?
— Estou aqui!
Dave entra na sala assoviando e segurando duas vasilhas de
pipoca. Assim como eu, ele está usando a jaqueta do time. A
diferença é que os dreads estão escondidos pelo boné do Las
Vegas Raiders, o time em que ele sonha em ser draftado.
— Vocês mudaram a noite de filme para hoje e não fiquei
sabendo?
Claire dá risada.
— A gente acertou os últimos detalhes do desfile e Anne
sugeriu que viéssemos para cá ver um filme — explica. — Não
escolhemos nenhum ainda, então você pode fazer essa terrível
escolha para a gente.
— Eu tenho um ótimo gosto para filmes, Howard.
— Eu não sei se concordo — Anne argumenta com uma
risadinha e faz um sinal para que eu me sente no espaço vago do
sofá. Dave entrega para cada uma delas uma das vasilhas de
pipoca e se acomoda ao lado da namorada. — Da última vez, a
gente assistiu um filme horroroso sobre uma mulher que acorda no
hospital depois de ter ficado em coma.
Dave bate com o dedo no queixo.
— Acho que conheço uns dez filmes com esse tipo de
enredo. Zero criatividade.
Xingo um palavrão.
— Kill Bill é uma das melhores histórias de vingança. Vocês é
que não estão preparados para isso.
Claire faz um barulhinho de discordância com a boca e Anne
entra na dela, retrucando:
— Você fala isso de todos os filmes que assistimos, mas a
verdade é que todos são péssimos.
Aperto a cintura de Anne, arrancando uma risada alta dela.
As pernas se agitam em cima do sofá, em uma tentativa de fugir de
mim. Agarro os tornozelos e a puxo para a beirada, enchendo-a de
cócegas. Ela implora para parar, mas continuo torturando-a. Os
gritinhos me fazem gargalhar e ouço Dave e Claire rirem também.
— Você nunca cansa de me insultar, joaninha? — Distribuo
beijos molhados no seu pulso. — Será que terei que tomar
providências e te amarrar?
— Talvez não seja uma má ideia — retruca, maliciosa.
— Não me provoque, Annie. Você sabe muito bem o que
posso fazer quando estivermos sozinhos.
É o pigarro que me faz desviar a atenção de Anne. Dave e
Claire permanecem no mesmo lugar de antes, mas com farelos de
pipoca no queixo.
— Se a gente estiver atrapalhando... Podemos ir embora. —
Claire prolonga as sílabas daquele jeito que só ela sabe fazer. —
Assistir na fraternidade é um saco, mas a gente aguenta.
— De jeito nenhum! — Anne salta para trás e abraça uma
das almofadas, criando uma barreira entre nós dois. — Essa é a
nossa última noite juntos antes do feriado. Vamos aproveitar.
O comentário faz Dave estremecer. Neste Dia de Ação de
Graças, ele vai passar pelo maior perrengue de todos: conhecer a
família da namorada. Se eu estivesse no lugar dele, já estaria
sofrendo de dor de barriga. A sorte é que, pelo o que dizem, a
família Howard é super de boa.
Aposto que eles vão adorar o Dave. Ele é uma super estrela
do esporte universitário e com um futuro brilhante pela frente. É,
basicamente, o sonho de qualquer garota.
— Preparado para enfrentar os pais da Claire? — pergunto
para Dave enquanto me sento ao lado de Anne. Pouso a mão sobre
o seu ombro, puxando-a para mais perto de mim. Ela se aconchega
no meu peito e a mão repousa em minha coxa. — Se ele não
aguentar, vou querer uma foto, Claire.
Ela ri.
— Ele vai resistir. É um muro de músculos, vai ser difícil
derrubá-lo. — Dá dois tapinhas no peitoral largo de Dave.
— Você diz isso porque não é você que vai precisar
impressionar um cirurgião cardíaco com anos de carreira. Seu pai
vai me picar em vários pedacinhos com o bisturi afiado dele.
Dessa vez, todos nós rimos.
— Você é tão dramático. — Claire revira os olhos. — Todos
vão te amar, até mesmo o meu pai. É impossível alguém não gostar
de você. Digo isso por experiência própria. Me apaixonei logo que
botei os olhos em você e nada mudou isso, nem mesmo quando
descobri que você tem chulé.
— Porra. — Abraça a namorada com mais força, beijando-a
na bochecha. — Eu passo boa parte do meu dia treinando, gata.
Seria impossível eu não feder chulé.
— Pelo o que eu sei, o Reed não fede chulé.
Três pares de olhos recaem sobre mim, mas mantenho a
atenção fixa em Anne. Existe um tipo de receio cintilando em suas
íris, embora ela esteja fazendo um esforço para esconder. Quero
muito perguntar do que se trata, mas essa não parece ser a melhor
hora. Não quando acabei de ter uma longa conversa com meu irmão
sobre Ricky Rollins.
Quero resolver as coisas por partes. E embora eu esteja
ansioso para conversar com Anne sobre a situação em que estamos
nos encaminhando, prefiro esperar o momento certo. Afinal, ainda
faltam boas semanas para o nosso acordo chegar ao fim.
Até lá, quero aproveitar o tempo que nos resta.
— Não sei — respondo. — Acho que você deve perguntar
para a Annie.
Anne dá um sorrisinho de quem não vai perder a
oportunidade de me sacanear.
— Reed fede a bunda suada.
Dessa vez, não me contenho e a encho de cócegas. Ela se
contorce embaixo de mim, mas não consegue fugir porque meu
corpo cria uma espécie de muralha ao seu redor. Nessas horas, eu
agradeço pelos treinos intermináveis.
Quando ela para de se agitar, eu empurro seus braços para
cima, prendendo-os através dos pulsos. A posição me causa um
déjà-vu mais do que bem-vindo. Nós dois sorrimos um para o outro,
alheios à presença de Dave e Claire.
— Estou começando a achar que você é fissurada na minha
bunda, hein?
— Nada mais justo, não acha? Você é fissurado na minha e
eu sou na sua.
— Então, acho que devemos concordar que a sua bunda
também fede.
Anne xinga um palavrão e desfaço o aperto ao redor dos
seus pulsos, para logo em seguida enlaçar os braços ao redor da
sua cintura. Enterro o nariz em seu pescoço, inspirando o perfume e
me prendendo na sensação de tê-la tão perto de mim.
— É, Dave, não vai ter jeito pelo visto — Claire cantarola, nos
relembrando a sua presença. — Vou ter que conviver com o seu
chulé.
Dave ri, daquele jeito contido dele, e leva um punhado de
pipoca à boca antes de dizer:
— A sorte é que o amor verdadeiro aguenta tudo. Até mesmo
o cheiro de bunda suada e chulé.
 
“Ninguém sabe como é sentir esses sentimentos como eu sinto”
Behind Blue Eyes | Limp Bizkit
 

 
— Há algo que eu precise saber?
Essa é a primeira pergunta que Anne faz assim que entramos
no carro com destino a Mountain City. A viagem é relativamente
longa, mas não muito. Três horas e meia de viagem, se estivermos
com sorte. Quatro, se o trânsito estiver uma merda.
— O que você quer saber?
— Não sei absolutamente nada sobre a sua mãe. Uma ficha
catalográfica talvez ajude.
Rio.
— Ela se divorciou do meu pai quando eu ainda era criança.
Foi um momento conturbado, ainda mais que Ricky estava no auge
da carreira. Noreen sempre foi o tipo de pessoa que preza pela
privacidade e a mídia arrancou isso dela — discorro, odiando a ideia
de tirar essas memórias do fundo da mente. — Acho que esse foi
um dos motivos que levou ao fim do casamento.
— Ela nunca te falou sobre o que, de fato, aconteceu?
— Não. Tenho várias suspeitas, mas a real merda por trás...
Nem Aaron deve saber. Noreen sempre foi muito boa em esconder
as coisas, principalmente os sentimentos.
Ela assente, soando pensativa. O assunto é um lembrete
silencioso de que não sei quase nada sobre a família da minha
namorada de mentira. Assim como minha mãe, Anne é boa em fingir
que certos assuntos não existem.
— E a sua mãe? — Uso um tom descontraído. — Me conte
algo legal sobre ela.
— Ela trabalha em uma lavanderia em Sunbay. Não consigo
me lembrar de uma única vez que eu não a tenha visto trabalhando
pra cacete para conseguir sustentar a mim e ao Alex — fala. — Ela
faz o tipo mãe que quer dar o melhor para os seus filhos, custe o
que custar.
— E o seu pai?
O clima dentro do carro se torna um cubo de gelo. Leva bons
minutos até que Anne diga, com a voz entrecortada:
— Ele morreu quando eu era criança.
Droga.
— Não precisa dizer nada — Anne prossegue, não me dando
a chance de consolá-la. — Eu quase não me lembro de Gustaf. O
pior das memórias ficou com minha mãe e Alex. A saudade deles é
três vezes maior que a minha.
— A saudade não se mede pelo tempo em que passamos
com uma pessoa, Annie.  Mesmo que você não tenha o conhecido
tanto quanto o resto da sua família, ainda tem o direito de se sentir
sozinha e de desejar que ele estivesse aqui, te acompanhando em
cada passo.
Ela assente, com um movimento tímido, e enxuga a única
lágrima que escorreu. Não sei como é perder alguém tão importante
como um pai ou uma mãe, mas deve ser devastador. O tipo de dor
que ninguém merece sentir, tampouco uma criança.
— Posso saber como aconteceu?
Anne funga e desvia o olhar, mirando a paisagem que passa
pela janela.
— Ele trabalhava como pescador, junto com outros
pescadores da região. Era um grupo de oito pessoas. Houve uma
tempestade em alto mar durante a temporada de pesca e ele
simplesmente... Escorregou, bateu a cabeça e caiu no mar. Nunca
encontraram o corpo e minha mãe só ficou sabendo quando o grupo
voltou, quase uma semana depois.
Um nó aperta a minha garganta. Foi mil vezes pior do que eu
poderia ter imaginado.
— Annie...
— Eu sei, é uma merda. Eu lembro que estava voltando da
praia e quando cheguei em casa... O clima tinha mudado e ninguém
nem precisou me falar nada — relembra. — Levou um bom tempo
para que minha mãe conseguisse seguir em frente. Às vezes, eu
ainda tenho a impressão que uma parte de Daisy vai estar
eternamente presa no passado. Naquele último segundo em que ela
foi se despedir dele no porto. Uma despedida que durou para
sempre.
Procuro por sua mão e entrelaço os nossos dedos. Faço uma
mínima pressão, passando a ela o conforto que não sou capaz de
colocar em palavras.
— Não deveria ter sido assim — digo, a atenção fixa na
estrada. — Mas, para o nosso azar, a vida gosta de dar essas
rasteiras na gente.
Anne inclina a cabeça para o lado e arqueia a sobrancelha
daquele jeito debochado.
— Seu conselho foi bem ruim, Reed.
Rio.
— Sou péssimo nesse lance, me desculpe. Ainda assim, se
precisar de um ombro para chorar, um amigo para encher a cara do
seu lado ou um abraço, eu sempre estarei aqui para você.
Direciono a ela um sorriso e me permito dar uma rápida
olhadinha na sua direção. Anne também exibe um sorriso. Quase
pequeno demais, mas está lá, exclusivamente para mim.
— Obrigada, Reed — agradece. — Agora, sobre a sua mãe...
Reviro os olhos.
— Fica tranquila, Scott. Ela vai adorar te conhecer. Até
porque é impossível não amar você.

Como eu suspeitei, Noreen não só adorou Anne, como as


duas viraram possíveis melhores amigas.
Já posso ver as duas conversando horas e mais horas pelo
celular, trocando mensagens e experiências. Minha mãe é do tipo
que adora lotar a caixa postal das pessoas e Anne é a sua próxima
vítima.
— O que vocês acham da gente ir almoçar no Flueban? —
Noreen sugere, de costas para mim e Anne. Chegamos de viagem
há cerca de duas horas e o peru vai ser preparado somente
amanhã. — É o restaurante favorito de Reed e eles tem um
Fettuccine com Molho Marzano maravilhoso.
Minha barriga ronca só de imaginar o sabor da comida na
boca.
— Me parece delicioso — Anne concorda, sorridente. — O
que você acha, Reed?
— Negar comida? Jamais.
Minha mãe bate palmas, animada, e puxa o celular de dentro
do casaco.
— Perfeito. Vou convidar a Kirsten também. — Há um traço
de insegurança na voz dela que costuma ser tão confiante. — Tudo
bem para vocês?
— Sem problemas, mãe. — Pouso as mãos nos ombros de
Anne, os acariciando. A viagem e o primeiro contato com Noreen
parecem tê-la deixado tensa. — A gente vai subir com as malas,
trocar de roupa e já descemos. Pode ser?
— Claro. — Sorri, e contorna o balcão da cozinha, me dando
um beijo estalado na testa. Flexiono os joelhos para baixo,
facilitando. Eu deixei de ser menor que ela há anos. — Vou me
arrumar também. Vista aquele suéter que te dei de Natal, que tal?
Azul escuro combina com seus olhos.
Mostro a língua para irritá-la e levo Anne comigo.
Diferente da casa que dividimos com Keeran e Mason, a
residência da minha mãe é pequena, contando com dois quartos,
dois banheiros e uma sala conjugada com a cozinha. Cada cômodo
tem a sua personalidade e, diferente da mansão que meu pai vive,
aqui é estranhamente aconchegante.
Pego a nossa bagagem no vestíbulo e indico o meu quarto
para Anne. Ela abre a porta e me ajuda a colocar uma das malas
em cima da cama. O colchão é de casal e a janela dá uma visão
bonita do jardim dos fundos. Tem, também, uma poltrona cinza
escura em um canto e uma estante com vários porta-retratos.
Anne caminha até lá, os analisando com curiosidade. A
maioria deles mostram eu e Aaron crianças, antes do divórcio.
Pouquíssimas fotografias trazem a imagem do meu pai. Uma em
específico é a mais especial, embora agora eu a ache detestável: o
primeiro jogo de futebol americano da liga juvenil que participei.
Levei várias pancadas do time adversário, mas o meu sorriso era de
quem estava feliz pra caralho.
— Você é bem parecido com o seu pai quando jovem —
Anne constata, segurando o porta-retrato. — Vocês não
conversaram mais desde aquela noite?
Abaixo a vista para a fotografia. É difícil acreditar que aquele
Reed ali, cheio de sonhos para o futuro, conheceria o lado mais feio
do seu pai antes mesmo de poder viver uma pequena parcela do
sonho que eles idealizaram juntos.
— O silêncio dele é resposta o bastante, pelo menos por
enquanto. Acredito que ele vai aparecer no último jogo antes dos
playoffs.
— E vocês vão conversar?
— É o certo a se fazer. — Pego o porta-retrato de suas mãos
e coloco de volta na estante. Se eu pudesse, o esconderia debaixo
do colchão. — Mas, antes, eu vou conversar com a minha mãe. Ela
precisa saber a verdade e, quem sabe, encontremos uma solução
melhor.
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior e acaricia o meu
rosto. O gesto me faz inclinar a cabeça para o lado, apreciando a
sensação.
— A solução você já sabe qual é, Reed — relembra. — Mas
conversar com a sua mãe é importante. Não pode deixar que as
coisas fiquem dessa forma entre vocês. E eu tenho certeza que ela
vai te apoiar, independentemente da decisão que tome.
— Acho que ela vai odiar a ideia de eu botar fogo na coleção
de troféus dele — brinco e Anne dá risada. — E xingá-lo no
casamento, na frente de todos, também não me parece algo que ela
apoiaria.
Sou surpreendido quando Anne não diz nada, somente me
enlaça em um abraço apertado. Apoio a ponta do queixo no topo de
sua cabeça e aperto os dedos ao redor da cintura, relaxando.
— Eu apoio a gente reunir o time inteiro e chutar a bunda
dele. E depois a gente pode comemorar no pub do seu irmão.
— Me soa perfeito, joaninha.
— Combinado, zangão.
O apelido me arranca um sorriso e encaixo o polegar
embaixo do seu queixo, erguendo-o. Anne me encara através dos
cílios maquiados.
— Posso? — pergunto, mantendo o foco em sua boca.
— O quê?
— Eu posso te beijar, Anne?
Ela me direciona um sorriso debochado que faz algo dentro
de mim se agitar.
— Você ainda pergunta?
Dou de ombros.
— Gosto de bancar o cavalheiro. Mesmo com você dizendo
que não sou.
— Para de ser babaca e me beija de uma vez, porra.
Rio contra os seus lábios.
— Como quiser, minha donzela.
Rodeio o seu pescoço com uma das mãos, usando a outra
para puxá-la para mais perto, e faço exatamente aquilo que Anne
me pediu: beijo-a com cada fibra do meu ser.
Expresso, através do movimentar de nossas línguas, o
quanto me sinto atraído por ela. Por cada parte sua, até mesmo
aquelas que não são assim tão bonitas e que desejamos manter
escondidas nas sombras. Expresso, entre um gemido baixo e um
ofegar curto, que amo cada um dos seus pontos fortes e fracos.
Procuro, acima de tudo, fazer Anne entender, por esse beijo,
que não importa o que aconteça quando nosso acordo chegar ao
fim, eu sempre vou estar aqui para ela.

O Flueban é um restaurante localizado na região nobre de


Mountain City, ficando no topo da montanha. Como minha mãe está
determinada a impressionar Anne, ela reservou uma mesa que nos
permite uma vista panorâmica da cidade. É de tirar o fôlego e um
dos motivos de eu gostar tanto de almoçar aqui.
A única parte triste é que eu não costumo visitar Noreen com
frequência e o motivo disso acontecer é que, por causa de toda a
merda envolvendo o meu pai, eu evitei manter um contato mais
íntimo com medo de que ela descobrisse a verdade por trás.
Não quero que minha mãe se preocupe comigo da mesma
forma que faz com Aaron. Dá para perceber, de longe, o quanto isso
mexe com ela e a possibilidade de ter que lidar com dois filhos, não
somente um, tendo uma péssima relação com Ricky seria demais.
— Kirsten deve estar logo chegando — Noreen diz ao se
sentar de frente para mim e Anne. — Estou ansiosa para ela
conhecer vocês dois.
— Eu já vi ela alguma vez, não? — pergunto, entregando o
cardápio para Anne e esticando meu braço sobre a sua cadeira. —
Pelo o que me lembro, ela esteve em algum dos eventos do seu
trabalho.
— Sim, mas ela não teve a chance de conhecer você de
verdade. — O sorriso é tão animador que me vejo retribuindo,
mesmo sem saber o motivo. — E agora tem a Anne também. Vai ser
divertido.
— Ela é advogada também, como você?
Minha mãe nega, o cabelo castanho balançando de um lado
para o outro. Ela se produziu pra cacete para este almoço. Está
exibindo no pescoço um colar de pérolas, um vestido cor de rosa
com botões perolados no busto e sapatos de salto fino que
combinam com o tom dos seus olhos.
Não sei porque ela não se casou novamente. Noreen
Newman poderia conquistar todos os homens desse restaurante
com um simples sorriso e um piscar de olhos.
— Não, ela trabalha como assessora do prefeito aqui da
cidade. Ele estava se divorciando da esposa e eu cuidei de todo o
processo na época. Foi assim que acabamos nos conhecendo.
Anne assente e, pelos próximos curtos minutos, elas
conversam sobre o trabalho da minha mãe. É irônico pensar que foi
através do seu divórcio conturbado com Ricky que ela decidiu seguir
na Vara de Família. Hoje, o seu dia a dia é feito inteiramente de
casamentos infelizes e casais amargurados.
— Oh, ela chegou! — Noreen se levanta da cadeira e, pelo
canto do olho, vejo uma mulher se aproximar da nossa mesa. —
Estou tão feliz que tenha conseguido vir, Kirsten.
As duas se abraçam de forma bem íntima.
— O convite foi de última hora, mas eu não poderia perder
essa oportunidade. — Gira sobre os saltos, encarando a mim e a
Anne. — E você deve ser o Reed. — Abre um sorriso cordial. — Me
lembro vagamente de conhecer você em um dos eventos da sua
mãe. Ainda jogando futebol americano?
— Firme e forte no esporte.
Ela assovia em aprovação e move a atenção para a Anne. As
duas se apresentam, trocando também um abraço, e logo em
seguida Kirsten se acomoda na cadeira vaga restante, cruzando as
mãos sobre a mesa.
Kirsten deve ter quase a mesma idade que a minha mãe. O
cabelo é castanho escuro, quase preto, e os olhos são angulados e
estreitos, estando maquiados de forma marcante. Ela deve ter
ascendência coreana, se eu estiver certo. Também está trajando um
vestido que exibe a pele livre de imperfeições e que exibe uma
tatuagem no formato de libélula.
— Já fizeram os pedidos? — Kirsten pega o cardápio
restante. — Me disseram que o Capeletti in Brodo daqui vale a
carteira inteira.
— Isso porque você não experimentou ainda o Fettuccine
com Molho Marzano. É uma obra de arte em formato de comida.
Kirsten dá risada e gosto dela imediatamente. Ela aparenta
ser aquele tipo de pessoa carismática que aproveita cada segundo
da vida, não deixando que arrependimentos futuros atrapalhem. 
— Serei obrigada a pedir esse, então. — As íris na cor avelã
se movem para a minha mãe. — E você, querida, vai pedir o quê?
As duas engatam em uma debate sobre qual prato escolher e
eu aponto para o cardápio nas mãos de Anne.
— Vai arriscar ou vai querer o Fettuccine com Molho
Marzano?
Anne me dá aquele sorriso sapeca que eu adoro.
— Até parece que você não me conhece. Vou arriscar, mas
quero a sua opinião. O que você sugere?
Leio as diversas opções. Como o Flueban é um restaurante
voltado para a culinária italiana, a maioria dos pratos envolvem algo
que Anne já provou. A macarronada é clássica, mas como ela quer
inovar, eu aponto para o penúltimo item da sessão de pratos
variados.
— Arancini de Bacalhau? — Há um traço de surpresa em sua
voz.
— Experimentei no meu aniversário de 21 anos e tenho
certeza que você vai gostar. Se odiar, a gente pode pedir outra
coisa. É por conta da casa.
— Nem fodendo que vou deixar você pagar.  
— Ah, você vai sim. — Beijo a linha do seu maxilar. — Você
pode me agradecer no quarto depois. Garanto que as paredes da
casa da minha mãe são bem grossas.
Recebo um chute por debaixo da mesa e engulo uma
gargalhada.
— Vou concordar que você pague pelo Arancini de Bacalhau
apenas se me deixar escolher o seu prato.
— Não tem Fettuccine ao Molho Odeio Reed Rollins no
cardápio. Lamento informar, Annie.
Anne me mostra a língua e retorna a atenção para o
cardápio.
— Antepasto de Berinjela me soa perfeito. O que você acha?
Deixo escapar um suspiro de alívio. Com berinjela, eu
consigo lidar.
— Eu acho que vai ser o gosto da minha segunda paixão.
A sobrancelha loira se ergue em um arco.
— A primeira é o Fettuccine com Molho Marzano?
Nego.
— O Fettuccine está bem longe de ser o primeiro, joaninha.
— Deslizo a mão por debaixo da mesa, tocando o seu joelho.
Empurro o tecido do vestido para cima, deixando que meu dedos
subam alguns centímetros pelo interior da coxa. — Tem algo muito
melhor que isso.
— Ah, é? E você vai me contar ou vai ficar nesse mistério
todo?
Desenho um círculo ao longo da pele dela, arrancando um
gemido baixo que faz o meu pau se animar dentro da calça.
Aproximo a boca da sua orelha e sussurro, ciente de que Noreen e
Kirsten assistem a nossa interação com um pingo de interrogação:
— Vou deixar você descobrir por conta própria.
 
“Porque eu sei que é delicado”
Delicate | Taylor Swift
 

 
Ao final do dia, depois de passar a tarde apresentando a
cidade para Anne e tirando foto nos principais pontos turísticos, nós
retornamos para casa.
Kirsten esteve ao nosso lado a maior parte do tempo e tenho
que concordar que ela é uma pessoa muito mais legal do que eu
havia imaginado. Fez brincadeiras, perguntou sobre a USVL e ainda
nos contou algumas histórias envolvendo a sua vida antes de se
mudar para Mountain City.
— Kirsten é divertida — digo distraidamente, ajudando a
minha mãe a colocar a louça no lava-louças. Anne foi para o quarto,
nos dando um tempo a sós. — Fico feliz que você tenha uma amiga
como ela.
A última frase faz minha mãe apertar os dedos ao redor da
taça. O seu semblante é confuso e não sei o que ele quer dizer.
Uma combinação estranha entre medo e insegurança, talvez.
— É sobre isso que quero conversar com você — declara, a
voz tremulando.
Fico preocupado na mesma hora.
— O que está acontecendo?
Noreen respira fundo e coloca a taça dentro do lava-louças,
para logo depois, indicar uma das cadeiras que ficam em frente à
janela. A mesa é minúscula e minhas pernas mal cabem embaixo
dela. Estou com os nervos explodindo. A possibilidade dela estar
doente...
— Eu estou bem, Reed. — Pousa a mão sobre o meu ombro
e puxa a cadeira vaga, se sentando de frente para mim. As íris
estão doces demais para quem está envolvida em um problemão, o
que já é um ponto positivo. — Mas há algo que você precisa saber.
Eu queria ter lhe contado há um bom tempo, mas por telefone não
me parecia uma boa ideia e esse foi um dos motivos pelos quais te
convidei para passar o feriado comigo.
— Mãe...
Noreen estende o braço sobre a mesa e aperta os meus
dedos em um gesto reconfortante.
— Kirsten é muito mais que uma amiga para mim.
Fico momentaneamente confuso.
Para mim, ao longo do dia de hoje, elas pareciam próximas,
como se soubessem os segredos uma da outra e se
compreendessem através de um mínimo olhar. Teria sido tudo um
fingimento, como eu e Anne?
Ao notar as minhas feições, Noreen abre um pequeno
sorriso, quase impartível.
— Kirsten é a minha namorada, Reed.
Silêncio.
Um longo e gigantesco silêncio se estende entre nós.
Posso até ouvir o tum tum tum do meu coração ecoar nos
ouvidos.
— Eu sei que é algo inesperado para você, mas não queria
mais guardar segredo sobre uma pessoa que é tão importante na
minha vida — discorre, mantendo o olhar baixo. — Eu levei bons
anos para compreender os meus próprios sentimentos e o que eles
representavam para mim. Foi um longo processo para entender que,
sim, há uma definição: bissexualidade. Eu me casei com o seu pai
porque fui apaixonada por ele, mas também sou apaixonada pela
Kirsten. 
Permaneço quieto, deixando que ela prossiga. Dá para notar
que é um assunto sensível e que necessita de toda a coragem do
mundo para ser dito em voz alta. 
— Sou uma mulher bissexual com quase 50 anos e que
demorou décadas para conseguir poder afirmar isso sem medo do
que os outros irão pensar.
Minha mãe abre um sorriso que faz meus olhos lacrimejarem.
— Desde quando vocês estão juntas?
Os lábios se curvam ainda mais para cima, fazendo as
covinhas surgirem nas bochechas.
— Desde que fiz aquela viagem logo depois do Quatro de
Julho. Começamos a sair algumas vezes, nada sério. Até que, numa
caminhada pelo parque, eu percebi que estava apaixonada por ela.
E acho que ela percebeu a mesma coisa, porque dava para notar
através dos olhos dela que havia algo gigante crescendo entre nós
duas — conta, animada. Não vejo minha mãe dessa forma há anos.
— Você ter gostado dela já me deixa feliz. E eu sei que é ainda tudo
muito recente, mas seria incrível se nós pudéssemos passar mais
tempos juntos. Eu, você, Anne e Kirsten. Tenho certeza que ela vai
adorar falar de filmes com você.
Rodeio os dedos magros junto dos meus e dou uma
apertadinha, obrigando-a a olhar para mim. Quando Noreen levanta
o rosto, me observando através de uma expressão cheia de
esperança, eu posso jurar que meu coração aumenta de tamanho.
Vê-la assim, com um sorriso de orelha a orelha, é o maior presente
que eu poderia pedir.
— Você não vai dizer nada, Reed? — Franze a pontinha do
nariz e solta o ar em uma lufada longa. — Talvez eu tenha me
precipitado e ...
— Mãe — interrompo-a e os olhos encontram os meus,
receosos. Tento tranquilizá-la, massageando o dorso de sua mão. —
Eu quero saber apenas de uma coisa.
— O quê?
— Você está feliz?
Uma única lágrima escorre por sua bochecha.
— Nunca estive tão feliz na minha vida quanto agora, Reed.
Limpo a lágrima com o polegar e acaricio a pontinha do seu
nariz, bem do jeitinho que ela fazia comigo quando criança.
— Isso é o mais importante para mim. — Encosto a testa na
sua. —Ver você feliz acima de qualquer outra coisa.
Noreen funga baixinho.
— Você não está chateado?
Nego.
— Jamais, mãe. — Me levanto da cadeira e indico com o
queixo para que ela faça o mesmo. — Mas você tem que me
prometer uma coisa.
Ela encaixa as palmas ao redor do meu rosto, fazendo uma
pequena pressão e deixando os meus lábios no formato de um bico
de pato horroroso.
— Não me venha com gracinhas para cima de mim.
Dou uma risada debochada.
— Nada disso por hoje — garanto. — A promessa é simples:
não deixe Kirsten falar mal dos meus filmes favoritos e, o mais
importante, garanta que ela não vá quebrar o seu coração.
Minha mãe revira os olhos.
— E se eu quebrar o coração dela?
— Aí a gente vai ter que bater um papo bem sério sobre isso.
Noreen belisca uma das minhas bochechas.
— Não precisa se preocupar. O meu coração e o da Kirsten
estão a salvo. — A palma dela desliza, parando na altura do meu
peito. — Eu quero saber sobre o seu coração. Como ele está?
— Batendo, para a minha sorte.
— Não foi isso que eu perguntei. — Dá um passo para trás e
retorna para a lavadora de louças. Ainda há resquícios do jantar
espalhados pela cozinha. — Quero saber sobre Anne e o
relacionamento de vocês.
Apoio o quadril na bancada em um gesto descontraído.
— É complicado. Não sei se tem ao certo uma definição.
— Vocês, jovens, são difíceis de entender. — Se abaixa e
fecha a lavadora, ligando-a. O barulho da água esguichada
preenche a casa silenciosa. — Você gosta dela?
Gostar é eufemismo, mãe.
— Mais do que eu gostaria.
Noreen abre um sorriso e procura uma garrafa de vinho na
pequena adega ao lado da geladeira. Pega duas taças e me entrega
uma.
— E o que ela sente?
Mordisco a ponta da língua, não sabendo ao certo o que
dizer. Anne e eu nunca tivemos essa conversa e eu também não fiz
questão de tocar no assunto porque sei que, quando acontecer, ela
vai se trancar dentro de si própria e dar uma resposta evasiva que
não vai nos levar a lugar nenhum.
— Espero que ela sinta o mesmo que eu.
— Você não sabe?
Sacudo os ombros, sentindo os músculos ficarem tensos.
— Bom, eu suspeito que ela sinta o mesmo que você — diz.
— Mesmo que a relação de vocês seja diferente do que estou
acostumada, ela não teria viajado até aqui se não houvesse algum
sentimento envolvido. E eu vi o jeito que ela olha para você...
— De que jeito?
A taça está tremendo em minhas mãos. Ter essa conversa
não era bem o que eu tinha planejado para o fim desta noite.
— Do mesmo jeito que eu olho para a Kirsten. — Inclina a
cabeça para o lado, me olhando com sabedoria. — Como se
estivesse determinada a dar o mundo para essa pessoa. É assim
que ela te olha, Reed.

Ao retornar para o quarto, encontro Anne deitada na cama


com um livro na mão. Fecho a porta e me recosto na madeira,
cruzando os braços. Os cabelos dela estão um pouco molhados na
raiz e o pijama, composto por uma camiseta da USVL e uma calça
de moletom estampada, a deixam incrivelmente fofa.
— Como foi a conversa com a sua mãe?
— Longa, mas boa. — Tiro a jaqueta jeans e a penduro no
encosto da cadeira. O quarto está inundado com o perfume de
Anne. — Foi esclarecedor de diferentes maneiras.
Anne fecha o livro, deixando-a sobre a cabeceira. Se
conheço bem a capa, é Adagas & Segredos da Clio McGoy.
— O que ela disse sobre seu pai?
Respiro fundo e me sento na beirada da cama, tirando os
sapatos.
— Não falei sobre ele.
— Como assim?
— Não acredito que seja a hora certa em falarmos sobre
esse assunto. Fiquei um bom tempo pensando em como tocar no
assunto, mas desisti. — Empurro os sapatos para debaixo da cama
e encaro as minhas mãos. — Por que, o que ela vai fazer? Ligar
para ele e discutir? Não é essa solução. Eu quero resolver essa
situação por conta própria e, somente depois disso, contar para ela.
Estou cansado de viver na sombra de alguém e não enfrentar os
meus problemas por conta própria.
Os lábios de Anne ficam rígidos e as narinas dilatam um
pouquinho. Pelo silêncio, acredito que ela esteja absorvendo o que
acabei de dizer. Nunca fui tão sincero na minha vida quanto agora.
É bom perceber, mesmo que tarde demais, que sou
independente. Que não preciso ter sempre a mão de alguém me
amparando e impedindo que eu tropece na primeira pedra que
surgir ao longo do caminho.
— Você, melhor do que ninguém, sabe qual é a melhor
decisão a ser tomada — fala e cruza as pernas em posição de yoga.
— Mas se não vai conversar com a sua mãe... Qual é o próximo
passo?
— Conversar com o meu pai. — Trago um dos travesseiros
para mais perto e me deito ao lado dela, esticando as pernas. —
Quanto antes eu resolver isso, melhor. Esse silêncio dele está me
matando.
Anne assente.
Eu estendo o braço e toco os seus joelhos. Ela ergue as
vistas e trocamos um olhar que, se tivesse som, estaria acima de
vários decibéis. Tento decifrar algo por trás da face serena. Procuro
pela maldita intensidade que minha mãe mencionou e que, segundo
ela, é visível para qualquer um.
Entretanto, não encontro absolutamente nada.
— Obrigado por ter vindo até aqui comigo. Esse lance de
conhecer os pais é uma merda, mas...
Anne pousa o indicador sobre a minha boca, me calando.
Inclina o corpo para frente e se aconchega ao meu lado, se
encolhendo feito um tatuzinho. Beijo o topo da cabeça dela e fecho
os olhos, apreciando a sensação de tê-la em meus braços.
— Sua mãe é incrível. Eu precisava desse tempo longe de
Maple Hills. — A voz soa distante, meio tensa até. — E amanhã vai
ser ainda melhor. Eu estou doida para me afogar em um pernil.
Evito gargalhar alto demais.
— Essa frase não soou muito bem.
Ela cutuca as minhas costelas e eu me contorço, quase
caindo para fora da cama.
— Você é tão chato. É difícil acreditar que exista algum tipo
de inteligência dentro dessa sua cabeçona irritante.
— Voltamos com as ofensas e não fiquei sabendo?
— As ofensas nunca acabaram, Rollins. — Ergue o queixo,
me fitando de baixo. Eu olho para a sua boca. A boca que eu
poderia passar um milhão de anos beijando e, ainda assim, não
perderia a graça. — Você que baixou a guarda.
Não me contenho e abro a porra de um sorriso. Toco a ponta
do nariz arrebitado e depois entremeio os dedos ao redor dos
cabelos úmidos. Inspiro o perfume e aproximo minha boca da sua,
resvalando os lábios propositalmente, para então soprar as
seguintes palavras:
— E foi a melhor coisa que eu poderia ter feito, joaninha.
A resposta dela é, simplesmente, me dar o melhor beijo do
mundo.
 
“O destino está te levando pra muito longe e pra fora do meu
alcance”
Rewrite The Stars | James Arthur & Anne-Marie
 

 
Dois dias após o Dia de Ação de Graças, estou na cozinha
preparando o café da manhã. Keeran está sentado em uma das
banquetas, com o celular em mãos. O prato de panquecas integrais
está intacto à sua frente.
— Ficou ruim?
Ele levanta o olhar do celular com um vinco entre as
sobrancelhas.
— O quê?
— As panquecas. — Indico a montanha redondinha. —
Ficaram ruins?
— Se eu disser que sim, você vai preparar outras para mim?
Mostro a ele o dedo do meio e encho a minha xícara de café.
— É claro que não. Cala a boca e come de uma vez,
Flanagan.
Keeran dá risada e guarda o celular no bolso. Corta um
pedaço e espeta uma das panquecas, experimentando. O ruído
fingido de um vômito me dá vontade de chutá-lo para fora da
banqueta. Os amigos de Reed são tão irritantes quanto ele.
— E como foi a viagem até Mountain City? A mãe do Reed é
uma gata.
Se eu estivesse com o café dentro da boca, certamente teria
cuspido.
— Você sempre tem que dar em cima de todo mundo?
As sobrancelhas dele dançam em resposta.
Diferente dos outros dias, hoje ele está vestido igual a um
bad boy: jaqueta de couro, camiseta preta, calças rasgadas no
joelho e um par de coturnos. Flanagan não passa a energia de um
jogador de futebol americano, nem de longe. Diferente de Reed, que
exala por todos os poros possíveis.
— Apenas de quem vale a pena. — Sorri. — Eu, por
exemplo, não daria em cima da sua mãe.
Franzo o cenho.
— Você nem a conhece, Keeran.
— Não é preciso. Eu já conheço você, gatinha.
Arremesso o pano de prato na sua cabeça e Keeran explode
em uma gargalhada, pegando-o no ar com um único movimento.
Estou prestes a proferir uma sequência feia de xingamentos quando
o meu celular começa a vibrar em cima do balcão.
Olho de relance para o identificador de chamadas e um frio
arrebatador me congela da cabeça aos pés.
Puta merda.
— Você não vai atender?
Ergo o rosto ao som da voz de Keeran.
A descontração já foi deixada para trás.
Concordo com um aceno, nervosa, e aceito a chamada,
levando o celular ao ouvido. Fico em silêncio por um milésimo de
segundo. As batidas do meu coração estão tão altas quanto uma
caixa de som em uma festa.
— Alô?
A voz quase esquecida de Charles pinica no fundo da minha
cabeça.
Ele fala por um longo tempo.
E fala mais um pouco.
Charles fala tanto que até me esqueço da presença de
Keeran na cozinha.
Depois de eu murmurar várias respostas monossilábicas que
devem ter soado tão perdidas quanto eu estou neste momento,
Charles desliga em uma despedida ensaiada.
Abaixo o celular, as mãos tremendo e, quando olho
novamente para Keeran, não sei o que dizer.
A única coisa que meu cérebro consegue processar é que
consegui a vaga de estágio no PK Journal.

Saí de casa antes mesmo que Mason tivesse a oportunidade


de experimentar as panquecas que preparei. Também dei uma
desculpa qualquer para Keeran e me desviei de qualquer pergunta
que ele pudesse fazer a respeito da ligação.
E, ao chegar na USVL, evitei a presença de Reed durante o
almoço. A minha sorte é que não tínhamos nenhuma aula em
comum, o que facilitou para que eu pudesse pegar um ônibus até
Sunbay e contar para Adele sobre a novidade sem precisar lidar
com o peso de uma mentira.
Agora, horas mais tarde após a ligação que se repetiu
durante a minha cabeça o dia inteiro, eu estou bebendo um
milkshake de caramelo e comendo um pedaço da minha torta
favorita do Brooklyn Blues.
Becky está radiante com a notícia, rodopiando sobre os
patins dizendo que tinha razão que eu conseguiria o emprego,
enquanto Adele exibe um dos sorrisos mais orgulhosos que já vi.
— Considere hoje a nossa despedida para você — Adele diz,
animada. — E não precisa mais se preocupar em vir trabalhar.
Vamos encontrar outra garota para o seu cargo.
Levo a mão ao coração.
— Você já está me demitindo, Adele?
As bochechas magras dela assumem um tímido tom rosa,
que se mescla com o blush marcado que ela adora usar.
— Estou garantindo que você possa se organizar com calma
para esse começo repleto de boas oportunidades. Aproveite North
Groove por nós. Morar no coração de San Valley é o sonho de
qualquer morador do Condado. Faça valer a pena.
— Prometo que vou conhecer todas as lanchonetes
temáticas da cidade e passar as receitas secretas deles para você.
— Eu ficaria honrada, minha querida. — A expressão
brincalhona faz Becky rir ao nosso lado. — Estou disposta a usar de
todas as armas que tenho para derrubar o império do Jackson.
Becky revira os olhos.
— Para de mentir para si mesma, vovó. Todo aqui sabe que
você daria de tudo para se deitar em cima do império do Jackson
Cooney.
Adele dá um tapa de brincadeira no braço da neta.
— Olhe como você fala comigo, Becky!
Minha parceira de trabalho direciona um olhar de desdém
para a avó e cruza os braços sobre os seios.
— E eu estou mentindo, por acaso? Eu vi vocês dois de
papinho esses dias! E parecia ser uma conversa bem íntima para
duas pessoas que são concorrentes.
— Você anda me espionando?
Becky empina o queixo para cima do mesmo jeito que eu
aprendi a fazer quando ainda era criança.
— E você anda fazendo coisas escondidas, vovó?
Adele semicerra as pálpebras e levanta as mãos em
rendição, dando um passo para trás. Diferente da gente, que ainda
está com os patins nos pés, ela não abre mão das sandálias de
salto quadrado e é uma fiel defensora do vestido azul de bolinhas.
— Eu desisto dessa conversa com vocês. Vou buscar mais
um pedaço de torta. Quer alguma outra coisa, Anne?
— Apenas a torta está ótima para mim. — Antes que ela
possa ir para a cozinha, assovio. Adele me direciona um olhar
atento sobre o ombro. — Só tenho uma pergunta: se a gente entrar
aí, não vamos encontrar o Jackson escondido embaixo da mesa,
certo?
Becky explode em uma gargalhada, ao mesmo tempo em
que Adele resmunga algo que não conseguimos entender e
desaparece por entre as portas vai e vem, nos deixando sozinhas.
— Você é terrível, Anne. Se não fosse pelo estágio, ela teria
te demitido depois dessa — comenta risonha e se acomoda ao meu
lado. Um pedaço da minha torta é espetado. — E aí? Está animada
para se mudar para North Groove?
A resposta que Becky espera é bem diferente da que está
coçando o céu da minha boca. Ao mesmo tempo em que estou
radiante com a notícia, e me sentindo a pessoa mais foda do mundo
por conseguir o emprego que sempre quis... Me sinto pressionada a
contar a verdade para Reed, além de precisar colocar um fim em
nosso acordo.
Não quero que essa relação esquisita entre a gente alcance
patamares maiores. E não vou permitir, de forma nenhuma, que
meus sonhos fiquem para trás por causa de qualquer sentimento
envolvendo Reed Rollins.
— Animada e com medo. — Opto pela versão resumida da
verdade. — Estou acostumada com a calmaria de Sunbay e Maple
Hills.
— Se você quiser, eu posso ir junto com você — Becky
cantarola. — Posso segurar a sua mão enquanto desbravamos
North Groove juntas.
Deito a cabeça no ombro dela e solto um longo sopro de ar.
— É sua obrigação me visitar lá, Becky. Nós podemos beber
cerveja barata, passear no parque e, quem sabe, descobrir alguma
forma de você estar lá comigo. Não me esqueci do seu sonho de
dominar os palcos.
— Não sei se estou pronta para me jogar nesse sonho.
Levanto a cabeça, procurando por seu rosto. Assim como eu,
Becky está com os cabelos presos em um penteado que imita um
rabo de cavalo volumoso e uma maquiagem que deixa as
bochechas mais delineadas.
— Eu também não estou pronta, Becky. Mas as melhores
coisas da vida acontecem exatamente desse jeitinho: quando a
gente não está preparada e muito menos esperando — aconselho-
a. — Então, se arrisque. Se arrisque e faça o que o seu coração
está dizendo, mesmo que não passe de um sussurro.
Becky assente e aconchega o corpo ao redor do meu em um
abraço caloroso. A sorte é que estamos sentadas, porque eu cairia
com esses patins pesados do jeito mais feio possível. Nem acredito
que vou poder me livrar deles.
Um pigarro alto faz nós duas nos afastamos. Adele está de
volta à lanchonete, com uma fatia imensa de torta em um prato e na
outra uma fornada de cookies com gotas de chocolate.
— As despedidas já começaram?
Becky enxuga as lágrimas que eu nem havia percebido terem
sido derramadas.
— Ainda não. Estamos esperando o Jackson chegar.
Desta vez, Adele não pensa duas vezes em dar um tapa de
brincadeira em nossas cabeças.
Depois do fim do meu último expediente no Brooklyn Blues,
estou escondida dentro do meu quarto, com as luzes apagadas e
usando um pijama quentinho. A casa se encontra silenciosa, exceto
pelo som da televisão no andar de baixo. Acho que Keeran e Mason
estão jogando uma partida no Xbox.
Quanto a Reed, não o vejo há boas horas. Quando cheguei,
meio desconfiada, Mason disse que ele tinha saído, mas não me
informou para onde. Depois, na hora que fui pegar o jantar na
geladeira — o que tinha restado do café da manhã —, ele estava no
banho.
Não sei se isso é um golpe de sorte ou a vida facilitando para
que a gente não tenha a pior conversa de todas. Porque, bem lá no
fundo da minha consciência, eu estou ciente de qual decisão tomar,
mas, ao mesmo tempo, gostaria de ouvir uma segunda opinião.
Alguém que já tenha passado pelo mesmo que eu.
Suspiro de um jeito bem dramático e pauso o episódio de
Gilmore Girls que eu estava vendo. Procuro o celular entre as
cobertas e disco o número de Sagan. O fuso-horário não facilita,
mas torço internamente para que ele não esteja ocupado ou
dormindo, no pior dos casos.
Para a minha sorte, ele atende no quinto toque. Dessa vez,
nada de chamadas de vídeo.
— An-An? — A surpresa é evidente no tom de voz.
— Ei! Sei que faz tempo que a gente não conversa e ...
Sagan ri do outro lado da linha.
— Tempo é eufemismo. Da última vez, você desligou na
minha cara e me mandou uma mensagem no dia seguinte dizendo
que conversaria quando as coisas se acalmassem.
Argh. Sou horrível.
— Ainda estão meio bagunçadas, na verdade. Me desculpa.
É que eu ando ocupada pra cacete.
— Não precisa pedir desculpas. Se a sua vida está um caos,
prefiro nem falar sobre a minha aqui em Dublin — lamenta e posso
imaginar com facilidade a expressão de cansaço dele. — Como
você está?
Uso os próximos minutos para falar sobre o desfile de Claire,
a aprovação do estágio no PK Journal e da USVL. Começar já
falando de Reed não me soa como uma ótima ideia, mas Sagan
gosta justamente da fofoca, porque me interrompe, perguntando:
— E esse lance de você estar namorando o Reed?
Sinto vontade de afundar a cabeça contra o travesseiro e
gritar para Maple Hills inteira ouvir.
— É uma longa história. Ele fingiu ser o meu namorado em
uma festa da fraternidade no começo do semestre por causa de um
cara que estava me perturbando, então surgiu um boato no campus
que estávamos namorando. No meio disso, fui despejada do
apartamento que eu dividia com a Sidney e a Angel, uma garota que
Reed se envolveu durante o verão, pediu a sua ajuda. Acabou que
uma coisa levou a outra e concordamos em manter um
relacionamento de fachada por um tempo.
— E agora?
Franzo o cenho.
— E agora o quê?
— Como vocês estão agora? Porque acredito que algo tenha
acontecido desde que ele apareceu na câmera do seu celular me
chamando de coroa e essa ligação inesperada que você está me
fazendo.
— Posso te fazer uma pergunta? — Desvio do assunto,
torcendo para que a minha hesitação não esteja tão evidente. Posso
sentir meus dedos tremendo enquanto seguram o celular contra a
orelha.
— Sim.
Sagan fala de uma forma tão tranquila que quase me
desfaço. Não acho que um coração possa diminuir de tamanho, mas
a sensação que tenho é que o meu está se encolhendo, murchando
e perdendo a vida.
Engulo o nó invisível que pressiona a minha traqueia e faço a
pergunta que pode mudar tudo ou encerrar de uma vez as minhas
inseguranças:
— Você se arrepende de ter escolhido se mudar para Dublin
em vez de ficar aqui com a Clio?
Pode parecer loucura, mas Sagan tomou o tipo de decisão
que eu também tomaria. Por minha carreira, eu não pensaria duas
vezes em deixar tudo para trás.
O amor nos prende da pior forma possível e eu não quero
isso para mim.
— Não havia escolha para mim, Anne. Eu tive que vir porque
nunca houve outra alternativa além dessa.
A frase me atinge feito uma bala de canhão. Meus
pensamentos se tornam um emaranhado de fios confusos e
bagunçados.
— O que...
— Guarde o que eu vou te dizer — pede, em um tom de
súplica que nunca vi ele usar antes. — Quando você encontrar a
pessoa certa, você não vai precisar escolher entre ela e a sua
carreira. E sabe por quê? Porque ela vai apoiar os seus objetivos e
sonhar ao seu lado. Esse é o amor de verdade que todos nós
merecemos.
Encaro o teto escuro. Estou confusa pra cacete.
— Não sei o que você quer dizer com isso.
Sagan ri baixo e quase posso imaginá-lo aqui, diante de mim,
com as mãos escondidas dentro do bolso da calça jeans e com um
sorriso que marca as linhas de expressão de sua face.
— Acho que você sabe bem o que eu quero dizer.
Bufo, irritada.
— Odeio quando fala em enigmas comigo.
Ele debocha fazendo uma piada de mau gosto e, minutos
depois, quando está prestes a desligar, eu faço a última pergunta
que tem batucado na minha cabeça desde que começamos a falar
sobre Reed e o nosso namoro falso.
— E se eu estiver cometendo um erro?
Não sei se Sagan entende o que existe por trás da minha
frase. Nem eu mesma sei ao certo. Apesar disso, ele responde: 
— Não está. Eu confio em você e sei que vai tomar a decisão
certa.
 
“Você desenhou estrelas ao redor das minhas cicatrizes,
mas agora estou sangrando”
Cardigan | Taylor Swift
 

 
— Essa camiseta ficou horrível em você, Bradley.
— Nada fica feio em mim, cara. — Bradley passa a mão pelo
cabelo bagunçado. — Mas se você quiser, posso tirá-la. Eu fico
ainda mais gostoso mostrando o meu tanquinho.
Keeran faz uma ânsia de vômito.
— Eu dispenso. Ver a sua bunda todos os dias no vestiário já
é o suficiente para mim.
— Sempre tão romântico, Flanagan. É assim que você
conquista as suas garotas?
Dave ri ao meu lado ao ouvir a conversa entre Keeran e
Bradley. Eles estão a poucos metros de distância da gente, parados
em frente a um balanço que Cooper mandou instalar na área de
lazer da fraternidade.
Não faço ideia do que eles vão fazer com esse balanço.
— Por quê? Está precisando de algumas aulas? — Keeran
rebate. — Ou o lance de encontrar a sua princesa dos contos de
fada está indo de mal a pior?
Bradley xinga Keeran de um palavrão bem feio e se senta no
balanço, fazendo um bico. Parece uma criancinha de cinco anos
esquecida no parque porque os pais estavam ocupados demais
discutindo sobre o casamento fracassado.
Desvio o olhar e foco em Dave.
Ele está descontraído, exibindo um sorriso babaca que reflete
os dentes brancos e alinhados. Com os dreads torcidos em um
coque para trás, o sol ilumina totalmente a sua pele negra-retinta e a
pequena cicatriz próxima da orelha causada em um jogo na
temporada passada.
— Você vai me contar o motivo desse seu sorriso feio aí ou
eu vou ter que perguntar?
Meu amigo dá uma curta risada, daquele jeito tímido dele, e
bebe um gole do suco verde esquisito que Mason fez para o time.
Não vou arriscar, porque não quero ficar com dor de barriga.
— Não querendo me gabar, mas conquistei o pai da Claire.
— Quer dizer então que aquela aliança bonita vai parar no
dedo do velhote?
Dave acaba cuspindo um pouco do suco verde. Aposto que
está com gosto de verdura esquecida na última gaveta da geladeira.
— Vai parar dentro da sua bunda, pode apostar.
Sufoco uma risada e me estico na espreguiçadeira. A
fraternidade tem uma área de lazer de dar inveja. Piscina aquecida,
quiosque com churrasqueira, espreguiçadeiras espalhadas no
grande deque de madeira e uma casa na árvore. Agora tem também
a porra do balanço.
— Minha bunda vai aceitar de bom agrado um pedido de
casamento assim tão exótico.
Dave suspira tão alto que não sei como o pulmão dele não
salta para fora. Bebe mais um gole do suco verde, contendo uma
careta. A aparência do negócio dentro do copo me faz questionar o
que Mason colocou ali dentro.
— E como foi o Dia de Ação de Graças com a sua mãe?
Soube que Anne foi com você.
Ao mencionar o nome de Anne, uma pedra pesando uma
tonelada se aloja bem no meio do meu peito. Ela está me evitando
há exatos três dias e eu não sei o porquê.
Vários motivos me passaram pela cabeça, mas nenhum soou
convincente o bastante, não depois de termos comemorado o
feriado assando o pernil na cozinha da minha mãe e dando risada
sobre as histórias de vida dela. Kirsten também estava lá, rindo das
confusões que Noreen se metia quando adolescente.
— Foi divertido. Foi a primeira vez de Anne em Mountain City,
então deu para a gente sair em alguns lugares legais. — Não
menciono sobre a conversa que tive com minha mãe. — A gente foi
naquele meu restaurante favorito também.
— Pediram o Fettuccine?
— Não dessa vez. Experimentei o Antepasto de Berinjela.
A careta que cresce no rosto do meu amigo é impagável.
— Não sei o que é pior. Saber que você comeu algo
envolvendo berinjela ou esse suco verde horroroso.
— Aposto que esse suco. Vai saber o que Mason colocou aí
dentro. Ele não é muito confiável quando o assunto envolve dotes
culinários.
Dave empurra o copo para longe e limpa o canto da boca
com o dorso da mão.
— Você poderia ter me dito isso antes de eu tomar esse
negócio verde, Reed.
— Eu não ter aceitado já deveria ser um sinal de alerta para
você.
Morris se encolhe na espreguiçadeira e tira o celular do bolso
ao ouvi-lo vibrar. Pelo canto do olho, noto que é Claire. O contato
dela está salvo com incontáveis corações vermelhos. Os dedos
teclam com rapidez uma resposta e então a tela do celular é virada
para mim.
Claire tirou uma selfie dela com Anne e uma pilha de roupas
no fundo. Pelo tom das paredes e o pôster gigante no fundo de As
Patricinhas de Beverly Hills, as duas estão no quarto da irmandade
que a namorada de Dave faz parte.
Mesmo me esforçando, não consigo desviar o olhar do rosto
sorridente de Anne. Ela está radiante, mesmo com os cabelos
bagunçados e a pele livre de maquiagem.
— Elas estão acertando a última prova das roupas antes do
desfile — Dave explica, bloqueando o celular e o guardando
novamente dentro do bolso. — A maioria das modelos são da
irmandade, mas há também outras garotas que se voluntariaram.
— Como a Claire está?
— Cansada, estressada e ocupada. Quase não temos
passado muito tempo juntos. A viagem foi uma exceção, já que fiz
ela prometer que não falaria desse desfile durante o feriado, mas
agora ela está a todo vapor trabalhando para que tudo fique perfeito.
A informação despejada por Dave me faz pensar. Assim
como Claire, Anne também tem estado bem ausente e, pelo o que
ela me contou, as duas têm trabalhado juntas em vários detalhes do
desfile. Deve ser por isso que não conversamos direito nos últimos
dias.
Ela está imensamente ocupada e, quando chega em casa, a
exaustão é tão grande que só quer saber de um banho e uma cama
quentinha.
Eu sei bem como é se sentir assim.
Os próximos treinos do time, se vencermos o próximo jogo,
serão exatamente dessa maneira. Não terei tempo para quase nada
e, nas poucas horas que estiverem livres, vou usar para estudar e
dormir até babar no travesseiro.
Sendo assim, não há motivo para eu me preocupar.
Certo? Certo.
— Claire vai arrasar. Aposto que vai deixar todo mundo de
queixo caído..
— Espero que sim. Ela está dando um duro danado. O
mínimo é que as pessoas reconheçam o talento dela.
— Elas irão, Morris. Pode ter certeza.
Meu amigo assente. Não temos a chance de dar continuidade
no assunto, porque Keeran e Bradley se acomodam nas duas
espreguiçadeiras ao nosso lado com dois copos de suco verde.
Aparentemente, ninguém tem amor à vida por aqui.
— Preparados para o último jogo?
É Bradley quem pergunta. Os cabelos estão presos em um
tipo de coque samurai e, infelizmente, tenho que concordar com
Keeran. A camiseta de uma ação social envolvendo a adoção de
cachorros não combinou com ele.
— Mais preparado, impossível. O treinador pegou pesado
nos treinos nessas últimas semanas. — Keeran estala os dedos
tatuados. — Achei que minhas pernas não fossem aguentar.
Dave concorda com um murmúrio. Turner está determinado
que consigamos a vitória contra os UCL Ducks. Na temporada
passada, foi por uma diferença mínima de pontos que eles não
chegaram aos playoffs. Aposto que este ano, estão determinados a
vencer.
— E o draft? Já decidiram se vão se inscrever?
A pergunta de Bradley age como um balde de água fria.
Antes da discussão com o meu pai, os planos estavam
estabelecidos: desistir do curso de Jornalismo, ser draftado por um
time importante e seguir carreira no esporte. Agora que as coisas
mudaram entre nós, não sei o que pensar do futuro.
Pela primeira vez, depois de vários anos, tenho autonomia
para tomar uma decisão por conta própria, sem sofrer influência de
ninguém.
Se eu quiser, posso me inscrever, como sei que Dave irá. Ou
posso esperar até o último ano do curso, como boa parte do time,
incluindo Keeran, irão fazer.
Mas, antes de qualquer coisa, quero ter uma última conversa
com meu pai. A gente deve isso um para o outro e preciso que ele
saiba, de uma vez por todas, que não irei mais acatar aos pedidos
dele. Se vou me dedicar ao futebol americano profissionalmente,
quero fazer isso por mim mesmo.
— Com certeza — Dave responde, orgulhoso. — E vocês?
— Quero terminar o curso antes, mesmo que eu tenha
certeza que a minha vaga em um time grande está garantida. —
Bradley abre um daqueles sorrisos que deve fazer as bochechas
doerem. — Vou deixar o Dave brilhar dessa vez.
Eles trocam uma sequência engraçada de xingamentos, até
que Keeran se vira para mim.
— E você, Rollins? — Aponta para o meu peitoral. — Vai
estrelar nos gramados ano que vem?
Sim.
Não.
Ao mesmo tempo em que quero muito me inscrever no draft e
passar por esse processo ao lado de Dave, também não me sinto
preparado. A voz de Ricky ressoa em um sussurro na minha
cabeça, me lembrando que, sem o apoio dele, não vou conquistar
merda nenhuma.
Sei que é mentira.
Mas a mera possibilidade disso acontecer me assusta pra
cacete.
— Não pensei a respeito do assunto ainda — murmuro,
ignorando o formigamento no fundo da minha garganta. — Tenho
umas coisas mais importantes para resolver antes disso.
Dave me direciona um olhar preocupado, porque sabe dos
meus antigos planos envolvendo o draft. Para eu mudar de ideia
assim, é porque algo aconteceu.
Dou a ele uma discreta piscadela, indicando que esse é o
assunto que vamos conversar mais tarde. Ouvir a opinião do meu
melhor amigo, certamente, vai me ajudar.

Após uma conversa repleta de conselhos e questionamentos


por parte de Dave, estou estacionando o Jeep na vaga de sempre.
A moto de Keeran não está na garagem e, quando entro no
vestíbulo, também não há nenhum sinal da presença de Mason.
A casa se encontra silenciosa, exceto pelo som de passos no
andar superior. O que significa apenas uma coisa: Anne já voltou da
irmandade.
Um incômodo frio se apodera do meu estômago a cada
passo que dou em direção às escadas. Cada degrau é uma batida
pulsante do meu coração. Nunca me senti dessa forma antes, nem
mesmo antes de um jogo importante.
Respiro fundo e fecho a mão em punho, dando duas batidas
na porta. Como não obtenho nenhuma resposta, empurro o trinco
para baixo e entro dentro do quarto iluminado.
Segundos atrás, eu não fazia ideia do porque meu coração
estava batendo de um jeito tão esquisito.
Agora eu sei.
Acho que ele já estava me preparando para a cena que viria
a seguir.
O quarto de Anne está uma bagunça. A porra de uma
bagunça com caixas espalhadas para todos os lados, uma mala de
viagem aberta em cima da cama e roupas empilhadas em cima da
escrivaninha. Os itens de decoração desapareceram e a única coisa
que resta é um rastro de poeira sobre os móveis que comprei meses
atrás.
Mesmo que eu saiba com exatidão o que está acontecendo,
a pergunta me escapa entre um grunhido angustiado:
— O que é isso?
O som da minha voz faz Anne se sobressaltar. Ela gira sobre
os pés e me encara com uma expressão fria pra cacete. Não há
nenhum tipo de calor nas íris esverdeadas. Estão congeladas feito
um lago durante o inverno rigoroso de Minnesota.
A caixa, com algo escrito no centro, treme nas mãos
pequenas. Os lábios são pressionados em uma dura linha reta e o
silêncio cresce entre nós. É como se as muralhas que Anne
extinguiu nas últimas semanas estivessem de volta.
Mais fortes.
Mais resistentes.
Mais impenetráveis.
Há um muro gigantesco entre nós dois e não há
absolutamente nenhuma chance de eu conseguir atravessá-lo.
— Você está indo embora? — consigo murmurar, mal
reconhecendo a minha voz.
Anne coloca a caixa em cima da poltrona e cruza os braços
sobre o peito, assumindo uma posição protetora. O ar descontraído
que vi na foto com Claire, tirada horas atrás, deixou de existir. Não
sei que merda está acontecendo aqui.
— Eu fui aceita no estágio do PK Journal — declara e, antes
que eu possa encontrar uma forma de parabenizá-la, ela emenda:
— A vaga é na sede em North Groove. Estou me mudando para lá.
O mundo parece paralisar nesse milésimo de segundo.
De repente, a ausência gritante dela começa a fazer sentido.
Anne talvez estivesse ocupada cuidando dos últimos detalhes
envolvendo o desfile de Claire daqui três dias, mas sua maior
dedicação foi em me evitar em todas as circunstâncias.
Ela é especialista em fugir.
E eu fui um babaca por não perceber os sinais.
— E essa notícia ainda veio em uma ótima hora para a gente.
Os playoffs estão perto de começar, Angel se livrou dos boatos e fui
aceita no estágio — Anne continua a dizer, despejando as frases
para cima de mim. — Nós dois conseguimos o que queríamos com
esse acordo. Não tem mais nenhum motivo para mantê-lo.
Estou com vontade de soltar um palavrão.
Procuro algum traço de sentimento em suas feições, mas ela
não demonstra nada. O único vulnerável aqui sou eu. Anne tem o
meu coração nas mãos e o está estraçalhado sem nenhuma dose
de remorso. É como se tudo o que tivéssemos vivido desde o
começo dessa confusão não tivesse significado nada.
— Você encontrou outro lugar para ficar?
Anne dá um passo para trás.
— Ainda não.
Arqueio a sobrancelha.
— E você vai embora mesmo assim? Sem ter nem
encontrado a merda de um novo apartamento?
O palavrão dito com raiva faz o cenho dela se franzir em
vários vincos.
— É apenas uma questão de tempo, Reed. Eu quero agilizar
as coisas enquanto isso.
Concordo, lacônico, com um aceno.
O desapontamento queima em minhas veias.
— E você iria encaixotar as suas coisas e fazer a mudança
sem me avisar?
O silêncio que recebo, seguido de um olhar envergonhado, é
resposta o suficiente.
Afundo os dedos no couro cabeludo e solto um grunhido em
alto e bom som. O canto da minha visão está vermelho, e, bem lá no
fundo, sinto o meu olho pinicar em um desconforto que conheço
como a palma da minha mão.
Caminho de um lado para o outro dentro do quarto. As caixas
dominam cada maldito espaço. Não importa para onde eu olhe.
Anne está desejando na minha cara que o nosso tempo juntos
acabou.
E o que a minha mãe disse dias atrás, sobre ela sentir
alguma coisa por mim, começa a deixar de ser uma certeza.
Não existe nada aqui.
— Por que você está fugindo de novo? 
— Não estou fugindo. — Começa a colocar os livros da
estante dentro da caixa. — Estou seguindo os nossos planos. Não
era esse o nosso acordo?
— Então vai acabar assim? — Gesticulo em sua direção. —
A gente finge um namoro, contamos da vida um para o outro,
transamos e vamos embora? Era esse o seu plano desde o início?
Os questionamentos, despejados um a um, fazem o rosto de
Anne se contrair e o lábio inferior tremular.
— Eu disse para você não tornar as coisas maiores do que
elas eram.
Bufo.
— Porra, Anne, não faz isso comigo.
— Não estou fazendo nada com você, Reed! — exclama e
joga os livros dentro da caixa, perdendo a paciência. — Estou
fazendo isso por mim! Pela minha carreira, pelo meu sonho e pelos
objetivos que quero conquistar. Não quero ninguém no meio do
caminho.
Encaro os seus olhos marejados. Se o meu coração está se
partindo ao meio, o dela está apenas com uma mínima rachadura.
— Eu estou atrapalhando você — concluo, a voz arranhando
a garganta. — É isso que você quer me dizer? Fala de uma vez,
Anne. Fala o motivo real de você estar encaixotando a merda dessa
mudança e indo embora sem hesitar.
Anne respira fundo, os ombros se encolhendo dentro do
moletom. A vulnerabilidade não dura por tempo o bastante para que
eu acredite que a situação irá melhorar.
Estamos despencando em um abismo em que não há
nenhuma garantia de sobrevivência.
Lentamente, ela empina o queixo para cima, daquele jeito
que conheço tão bem e diz:
— Ter você na minha vida é um risco que não quero correr.
Ignoro o impacto que a confissão representa e me aproximo.
A cada passo que dou para frente, Anne dá um para trás. As costas
dela batem na parede oposta, ao mesmo tempo em que fico diante
do seu corpo. A diferença de tamanho a obriga manter o rosto
erguido.
— É isso que você quer?
Olho para a boca livre de batom e repito a pergunta que fiz
para ela semanas atrás, quando concordarmos em aumentar as
cláusulas do nosso acordo. Novamente, estou dando a ela o
controle da situação.
Permanecer ou recuar.
Ficar aqui ou ir embora.
Ela engole em seco, a garganta acompanhando o
movimento. Longos minutos se passam e nenhum de nós desvia o
olhar. Estou torcendo internamente para que ela fique. Que todo
esse medo e necessidade de fugir seja passageiro.
Quero que Anne sinta o mesmo que eu estou sentindo.
Porque, porra, eu poderia me ajoelhar aqui e implorar para
ela jamais sair da minha vida. Que permaneça todos os dias, com
acordo ou não — pouco me importa. Ele já deixou de fazer sentido
há muito tempo. Achei que o final de semana que passamos em
Mountain City tivesse deixado isso claro.
— Sim — profere com uma calmaria que não combina com a
gravidade da confissão. — Eu quero colocar um fim em nosso
acordo.
Fecho os olhos e obrigo meus pés a se moverem para trás.
Ao abrir novamente as pálpebras, encontro Anne ainda
encostada na parede, os braços pendendo ao lado do corpo. Ela
está inalcançável. Os cabelos loiros empurrados para trás, o
moletom da USVL escondendo as suas curvas que conheço tão
bem e a boca pressionada em uma linha rígida.
Meus dedos formigam tocar em seu rosto uma última vez e
beijar os seus lábios para gravar na memória o sabor que eles têm.
Uma despedida de verdade, talvez.
No entanto, a única ação que tomo é assentir com um
movimento de cabeça e girar sobre os tornozelos, rumando para a
porta que deixei entreaberta.
Ao sair do quarto, a consciência de que esta é a primeira vez
que dou as costas para Anne Scott atinge em vários golpes o meu
coração, tornando a sensação dez vezes pior.
 
“Esse medo dentro de você irá amenizar, dê tempo ao tempo”
Hold My Hand | Lady Gaga
 

 
Na sexta, após longos meses de planejamento e muito
trabalho, Claire vai exibir para a universidade inteira seu talento
como estudante de Moda. A Davis Corporation, principal parceira
deste projeto, ofereceu para minha amiga todas as regalias
possíveis. E, como Claire é apaixonada por organizar qualquer tipo
de evento, este aqui tem a sua essência em cada detalhe.
O espaço alugado fica aqui no campus da USVL, mas a
decoração está tão bonita que se torna quase irreconhecível.
Há um lustre pendente no centro que imita àquele da Bela e a
Fera na cena da icônica dança, um buffet com vários aperitivos,
garçons circulando de um lado para o outro com bandejas de
bebidas e uma passarela montada para que as garotas possam
desfilar com os modelitos desenhados por Claire.
— Porra. — Keeran assovia ao meu lado, encarando também
o espaço iluminado. — Eu achei que era um simples desfile de
roupas. Isso está mais parecendo o Fashion Week.
Rio.
— Não sabia que você conhecia isso.
— Eu posso ser um pouco alienado, mas não tanto.
Um garçom passa ao nosso lado e entrega para nós duas
taças de champanhe. Experimento apenas um golinho, enquanto
Keeran vira o conteúdo de uma única vez. Ele faz uma careta e
limpa os lábios com o dorso da mão.
— Eu detesto champanhe — explica diante do meu olhar
curioso. — Quanto antes acabar, melhor.
Reprimo a vontade de fazer um comentário debochado e
perlustro o lugar ao nosso redor, visualizando as pessoas. A maioria
do time está aqui. Até mesmo o treinador Turner deu o ar da sua
presença. Ele conversa com Claire, rindo de um jeito que eu nunca
vi acontecer antes. 
Bradley e Mason estão em frente ao buffet, enchendo a boca
de camarões em uma disputa de comida que é a cara deles. Já no
canto oposto, próximo à porta, estão Dave e Cooper usando um
conjunto de paletó e gravata que combina com o tom de suas peles.
— Ele não veio.
Viro o rosto e encontro Keeran me observando. Assim como
boa parte dos convidados, ele usa uma camisa de botões branca,
calça social e sapatos brilhantes na ponta. Os cabelos foram
penteados para trás e a barba aparada.
— Eu...
Tento formular a frase, mas minhas cordas vocais não
obedecem ao comando. Depois da péssima conversa no meu
quarto, não tive mais notícias de Reed. Três longos dias se
passaram sem eu ouvir o som da sua voz ou sentir o costumeiro
perfume de sândalo no ar.
Nem mesmo quando deixei um envelope com o dinheiro em
cima da escrivaninha do seu quarto obtive algum tipo de resposta. O
silêncio da parte dele é longo e perturbador.
Mas eu mereço. A decisão que eu tomei implicava
exatamente nisso: com ele desaparecendo da minha vida.
— Aconteceu algo? — Keeran me pressiona com o
questionamento. — Ou alguma coisa que eu precise saber?
Respiro fundo e dou mais um gole no champanhe, desejando
fugir dessa conversa. Keeran não me parece ser o tipo de pessoa
em que a gente abre o coração e despeja os problemas. Ele passa
a vibe de amigo que te leva para beber em um bar ruim de Maple
Hills e depois te traz de volta para casa em segurança.
— Eu consegui um estágio em North Grove.
Tão rápido quanto surge o seu sorriso, ele desaparece.
— Você está se mudando.
Não é uma pergunta, mas a constatação de um fato. Mesmo
assim, eu concordo com um aceno e desvio o olhar. Não estou no
clima para entrar em outra discussão sobre esse assunto. Keeran,
no entanto, não se deixa abalar pela minha expressão.
Um grunhido escapa da sua garganta.
— Olha, Scott, eu não sou uma pessoa que se ofende fácil,
mas você está sendo bem filha da puta.
Giro o rosto quase que automaticamente.
— O quê?!
— A gente aceitou você na nossa casa, mesmo que não
fossemos muito íntimos. O Reed mobiliou um quarto inteiro do jeito
que achou que você gostaria. A gente deixou você entrar nas
nossas vidas e te tratamos bem pra caralho — diz. — E então, você
decide ir embora sem avisar. Não espere que eu concorde com essa
atitude.
Encaro seu rosto, me atentando por mais tempo à expressão
magoada. As suas palavras estão agindo como uma faca cortando a
minha pele em carne viva.
— Eu iria avisar.
Ele arqueia a sobrancelha.
— Não. Você não iria — retruca. — Eu conheço esse
comportamento, Scott.
Mordo o interior da bochecha com força e escrutino
novamente o ambiente, não gostando nem um pouco da verdade
que Keeran acabou de despejar para cima de mim. É como um tapa
na cara.
Noto, de relance, um fotógrafo conversando com Claire e,
logo em seguida, ela caminha para onde Keeran e eu estamos.
Torço internamente para que ele não faça nenhum comentário a
respeito do que acabou de acontecer. Não quero discutir com
ninguém hoje.
Esboço o meu melhor sorriso quando ela dá dois beijos nas
bochechas de Keeran e depois me abraça. O vestido adere às
curvas dela e é feito de um tecido suave que muda de cor
dependendo da iluminação. A maquiagem em tons dourados
evidencia o contorno das maçãs do rosto e o formato dos olhos.
Desta vez, ela exibe os cabelos naturais. Nada de perucas.
— Vocês estão maravilhosos! — elogia e arruma a gola do
colarinho da camisa de Keeran. Quando está satisfeita, dá um
tapinha na bochecha dele e se vira para mim. — Você pode vir aqui
um instantinho?
Assinto e me despeço de Keeran com um sorriso amarelo.
Caminhamos por entre as pessoas até chegarmos em um local mais
afastado da multidão. Aqui, o espaço exala mais privacidade. As
mesas contam com plaquinhas de reservado e uma dupla de
seguranças se mantém de pé de forma estratégica.
Claire aperta o meu braço e aponta, discretamente, para um
casal que está conversando a poucos metros de nós.
— Você sabe quem são eles? — ela pergunta e eu nego, o
que rende a Claire um biquinho fofo. — Aqueles são Kaycee Cross
e Frankie Rivera. Se eu não estiver enganada, eles são os editores-
chefes do PK Journal em North Groove.
Perco o ar.
— Talvez vocês possam conversar hoje, já que você é uma
das pessoas que me ajudou a organizar esse evento.
— Claire...
Ela abre um sorriso.
— Tive que batalhar para convencê-los a virem até aqui, mas
acho que vai valer a pena no final — diz, de um jeito carinhoso. —
Não quero vê-la triste.
Trinco os dentes.
— Não estou triste, apenas cansada. Foi uma longa semana.
Minha amiga cruza os braços e ergue sugestivamente uma
das sobrancelhas. Não contei ainda para ela sobre a decisão em dar
um fim no meu acordo com Reed.
O dia de hoje não é sobre mim e minhas inseguranças.
É sobre Claire Howard e o projeto que ela batalhou por tantos
meses. Não vou ter essa conversa quando, na verdade, ela deveria
estar dando entrevistas e conquistando um estágio na Davis
Corporation.
— Tem certeza? A gente pode encher a cara depois de
sairmos daqui. Dave conhece um ótimo bar que cura corações
partidos.
Rio de forma nasalada.
— Eu dispenso. Depois daqui, a gente vai comemorar o seu
sucesso!  — Engancho o braço ao redor do seu e puxo-a para longe
de Kaycee Cross e Frankie Rivera. — Será que o Dave conhece um
lugar que serve Margaritas e Mojitos de Morango?
Um sorriso curva a boca dela para cima e um brilho cintila no
fundo das íris. Pelo visto, ela já tem planos em mente.
— Se ele não souber, eu conheço o bar perfeito — exclama,
animada. — E eles ainda servem os melhores petiscos do mundo.
— Será que eles tem algo com atum?
Claire finge uma ânsia de vômito e eu gargalho pela primeira
vez desde que a ausência de Reed se tornou uma constante da
minha vida. Nesta noite, vou fazer o que estiver ao meu alcance
para que ele habite o lugar mais profundo e distante da minha
consciência.
Eu tomei uma decisão.
E vou ser firme com ela até o fim.
Mesmo que haja uma rachadura aumentando de tamanho
bem no meio do meu coração a cada dia que passa.

O desfile de Claire foi de um sucesso gigantesco. Ela foi


aplaudida de pé após fazer um discurso emocionante e cada uma
das peças desenhadas tinha um traço de sua personalidade.
A minha favorita foi a que mais deu trabalho: o vestido
inspirado no que a Cinderela usou no baile no castelo do Príncipe.
As camadas imitavam um céu estrelado em uma noite de lua cheia
e os detalhes em azul e lilás trouxeram a ele uma delicadeza de tirar
o fôlego.
E a melhor parte foi ver Dave emocionado ao meu lado na
plateia. Deixou explícito, através do rio de lágrimas, que vai estar ao
lado de Claire independentemente do que aconteça.
Agora, depois de uma longa sessão de fotos e uma entrevista
exclusiva para o PK Journal, estamos todos reunidos no bar que
Claire mencionou. É tão chique que poderia, facilmente, estampar
um cartão postal de Maple Hills. Eu nem sabia que esse lugar
existia.
— Pode me ver um Mojito de Morango — peço para o
garçom engravatado e me sento em uma das várias banquetas
vagas. — E uma porção de iscas de frango crocantes.
Ele concorda e desaparece atrás do balcão. O meu momento
sozinha não dura mais que cinco segundos, porque mãos grandes
repousam sobre os meus ombros e uma lambida infantil é deixada
na minha bochecha.
Reconheço esse cumprimento há mil milhas de distância.
— Alex!
Meu irmão assovia em aprovação e se acomoda ao meu
lado.
A gente não se vê desde que a confusão envolvendo o boato
com Reed iniciou — ou seja, desde setembro. Mas isso não é
nenhuma novidade na nossa relação. Desde que ele se mudou para
North Groove, sua agenda se tornou uma confusão. Alex mal
consegue passar um tempo com a nossa mãe, quem dirá de me
visitar em Maple Hills.
— O que você está fazendo aqui?
— Claire me convidou. Recebi o convite de última hora e por
isso não consegui vir para o desfile. Ela me mandou uma
mensagem horas atrás para encontrar vocês aqui. — Perlustra o
local com atenção. — Desde quando você frequenta o Black Rose?
— Desde hoje. Não é muito a minha cara, mas Claire me
garantiu que eles servem ótimos petiscos.
— Ah, pode apostar que sim. — Concorda e faz um sinal
para o garçom. Ele entende de imediato sem que Alex diga
absolutamente nada. — Eu vim aqui algumas vezes com o Soren.
Ele tem uma história de paixão antiga com esse lugar.
Estico o pescoço, procurando pelo namorado do meu irmão,
mas não há nenhum sinal dele.
— E onde Soren está?
— Ele precisou viajar para West Falmouth — explica. — Eu
até iria junto, mas estou envolvido na inauguração do centro
esportivo, já que me convidaram para ser um dos treinadores da liga
infantil.
Não sei quais são os planos de carreira do meu irmão, mas
um convite como esse é importante pra cacete. Pelo o que eu
soube, esse centro esportivo vai oferecer aulas e treinos de
diferentes esportes, principalmente de futebol americano, para
crianças carentes de todo o Condado de San Valley.
— Daisy me contou! — Sorrio. — Como você está com a
notícia?
As bochechas do meu irmão assumem um tom rosado e ele
dá um pequeno apertão no meu joelho. Alex, como de costume,
está vestido daquele jeito que o faz parecer um riquinho milionário.
Nosso pai estaria orgulhoso por ver seu filho conquistar algo tão
importante.
— Estou tentando manter os pés no chão, mas estou eufórico
— sacode os ombros, entusiasmado. — E um passarinho usando
roupas coloridas por aí me contou que você conseguiu a vaga de
estágio no PK Journal.
— Claire e a sua língua grande. — Finjo um tom irritado e me
viro na banqueta, de forma que fiquemos de frente um para o outro.
— Eles me ligaram no começo dessa semana. Devo começar assim
que as festas de final de ano acabarem. Vou usar esse tempo para
encontrar um apartamento e cuidar da mudança.
— Você pode ficar comigo e com o Soren, se quiser. A gente
tem um quarto vago.
— E estragar a intimidade de vocês como casal? Nem
fodendo. — O garçom retorna e nos entrega os pedidos. Alex tem
diante de si o famoso Cuba Livre e uma porção de queijo coalho. —
Estou considerando ter uma colega de apartamento. Quero muito
morar sozinha, mas acho que, nessa fase de adaptação, ter alguém
para dividir as despesas é mais seguro. North Groove não é uma
cidade universitária como Maple Hills e as minhas economias
também estão escassas.
Mesmo com Reed dizendo que não aceitaria nenhum
dinheiro da minha parte, eu fiz questão de devolver cada dólar que
ele gastou mobiliando o quarto para mim. Eu não iria conseguir ir
embora sabendo que estava devendo algo. Já basta as outras
coisas que ele pagou para mim sem eu pedir.
— Posso te ajudar a encontrar um lugar legal. Quando Soren
e eu compramos o nosso apartamento, visitamos alguns que podem
caber no seu orçamento de aluguel.
— Você sendo bonzinho assim comigo até me deixa
desconfiada. Vou ter que devolver o favor depois?
Alex dá risada e leva um queijo coalho à boca. Mastiga e
bebe um gole do drinque logo em seguida.
— Você me conhece tão bem, irmãzinha. — Pisca um dos
olhos e limpa os dedos engordurados com o guardanapo. — E onde
está o seu namorado de mentira? Estou curioso para conhecer o tão
falado Reed Rollins. Ele joga tão bem quanto o pai?
Murcho por dentro, mas por fora mantenho a expressão
indecifrável. Meu objetivo é manter Reed o mais afastado possível
da minha mente e tudo o que diz respeito a ele.
— Ele não é mais o meu namorado de mentira.
Alex suspira, resignado.
— Ele é seu namorado de verdade agora?
Semicerro os olhos em um sinal de alerta. 
— Não. Ele não é nada meu. Nunca foi, na verdade.
— Anne...
Ignoro a preocupação escondida no tom de voz.
Alex é um romântico incorrigível. Essa é uma das nossas
maiores diferenças. Se fosse ele no meu lugar, estaria embaixo da
janela de Reed fazendo uma serenata e o esperando com uma
caixa de chocolates com a melhor declaração já dita nas histórias de
amor. 
Eu, no entanto, sou como um bloco de gelo esquecido em um
canto remoto do Alasca.
— Não vamos falar disso, okay? — peço em uma súplica. —
Amanhã, a gente pode conversar sobre isso. Hoje eu quero
aproveitar a noite sem pensar nos meus problemas.
Minha cabeça zune com a batida da música e o emaranhado
confuso de pensamentos são um alívio. Estou torcendo para que o
Mojito de Morango contribua para que essa sensação se estenda
por toda a noite.
— E como você vai fazer isso?
Levanto o copo de bebida, convidando-o a fazer o mesmo.
Só vou voltar para casa quando minha visão não passar de um
borrão.
— Bebendo! — Um grande gole do drinque desce queimando
pela minha garganta. — É assim que pretendo me divertir.
 
“Você não sabe que eu não sou boa para você?”
When The Party’s Over | Billie Eilish
 

 
Acordo com o som de uma chaleira apitando.
Minha cabeça parece que vai explodir ao ouvir o som. É
como mil facas perfurando o crânio. O gosto de bile em minha boca
também não é agradável. Mesmo que eu tenha dormido, a
sensação é de que passei a noite em claro.
Abro primeiro um dos olhos e depois o outro. A parede diante
de mim tem uma televisão sustentada no centro, um aparador na
cor amarela com vários itens de decoração e um imenso vaso de
flor em um dos cantos. Há também um porta-retrato do meu irmão
com Soren em que os dois estão sorrindo para a câmera.
— Que horas são? — pergunto, grogue de sono, e me sento
no sofá.
— Perto das dez — Alex responde da cozinha. — Eu ia te
acordar daqui a pouco.
— A sua chaleira barulhenta acabou com o meu sono.
Meu mau humor matinal, combinado com a ressaca, não
abala em nada meu irmão. Alex faz um sinal para que eu sente em
uma das banquetas a sua frente. Meio cambaleando, faço o que ele
pede.
— Não fale mal dela. Foi um presente da mãe do Soren —
reclama e se vira de costas, dando atenção para a frigideira. —
Como você está?
— Como se tivesse passado a noite enchendo a cara.
Alex dá uma risadinha e me lança um olhar sobre o ombro.
— Que ironia, porque foi exatamente assim que você passou
a noite — diz em brincadeira e desliga a chama do fogão. — Tive
que colocá-la no carro enquanto você ria sem motivo. Como eu não
sabia onde você estava morando, te trouxe para cá.
Me encolho dentro da camiseta gigante com o Clark Kent
estampado no centro.
— Desculpa pela noite passada. Acho que exagerei.
— Estou aqui para isso. — Se vira e empurra um prato com
uma pilha de panquecas sorridentes. — Mesmo que eu ache que
afogar as mágoas em Mojitos de Morango seja uma ideia ruim, meu
ombro está aqui para você chorar quando quiser.
— Não há pelo o que chorar.
Ele grunhe em discordância e me entrega os talheres,
voltando para o fogão. Assim como Daisy, ele também possui uma
paixão nada secreta por chás. O meu é preparado em questão de
segundos e colocado diante do meu prato. É um tipo de gesto que,
se Gustaf estivesse vivo, prepararia para mim.
O pensamento me deixa triste.
— Você sempre gostou de bancar a durona, mesmo quando
todo mundo sabia que estava de coração partido ou com o joelho
machucado, cheio de sangue — diz, me analisando com sabedoria.
— Mas você não precisa ser sempre assim, Anne.
— O que você quer dizer com isso?
Alex se debruça sobre o balcão. Os olhos sondam os meus e,
embora eu queira desviar o olhar, me mantenho firme.
— Quero dizer que, quando você precisar deixar esse peso
para trás, eu vou estar aqui. — Segura minha mão livre entre as
suas. — Eu também tenho os meus momentos de vulnerabilidade.
Não dá para ser forte para sempre. Você tem que se deixar sentir.
A vontade de chorar aperta a minha traqueia.
De repente, estou novamente deitada ao lado de Alex,
escondendo o rosto na curva do seu braço enquanto escutamos
Daisy chorar baixinho no quarto. Nenhum de nós tinha coragem de
bater na sua porta quando os momentos de luto chegavam.
A gente deixava ela sozinha. E talvez ter feito isso tenha sido
um tremendo erro.
— Não sei como fazer isso — confesso e tento me afastar,
mas ele intensifica o aperto ao redor dos meus dedos. — Alex, por
favor...
— Fala comigo, Anne — pede, baixinho, abaixando a cabeça
e me encarando com cuidado. É o mesmo olhar que ele me dava
quando me encontrava sozinha no quarto. — Me diz o que está
acontecendo.
Abaixo a cabeça. As panquecas sorridentes são quase uma
piada de mau gosto para o estado caótico em que me encontro.
— Nem sei por onde começar.
Alex dá uma risadinha.
— Pelo começo é uma ótima ideia.
Respiro fundo, deixando que o ar relaxe os meus músculos.
Me esforço para encontrar uma forma de tocar no pior assunto de
todos sem que Alex me julgue, mesmo que eu duvide muito que ele
faça isso.
Abrir o coração é um gesto que exige uma coragem absurda
da minha parte.
Fecho os olhos e despejo a confissão mais sincera de toda a
minha vida:
— Eu não quero acabar como Daisy.
Um longo silêncio se estende entre a minha frase e o arquejo
de surpresa de Alex. Posso ouvir minha pulsação acelerar conforme
os segundos avançam, me empurrando cada vez mais fundo para
dentro da minha zona segura.
É difícil demais sair dela.
— O que você quer dizer com isso?
Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e estico o
pescoço para trás.
— Antes de nossa mãe conhecer Gustaf... Ela tinha objetivos.
Uma vida inteira de metas para serem realizadas. Um mundo inteiro
para conquistar. Daisy queria visitar a tia-avó na Austrália, ser uma
pintora de sucesso e conhecer a Itália na primavera. — Cada sílaba
saí rasgando. — Então...
— Então, ela conheceu Gustaf.
Concordo com um aceno.
— E os sonhos ficaram para trás. Cada um deles foram
esquecidos dentro de uma caixinha e ignorados para sempre. —
Brinco com uma das amoras no prato. Não olhar para o rosto de
Alex torna essa conversa mais fácil. — Eles se apaixonaram, se
casaram, tiveram nós dois como seus filhos e, de uma hora para a
outra, os sonhos que eles começaram a ter juntos foram arrancados
com a morte de Gustaf.
Alex permanece quieto, a mão ainda pressionando a minha
em um incentivo doloroso. Confessar cada uma dessas coisas em
voz alta está arrebentando o meu coração ao meio. A dor chega a
ser insuportável.
— Daisy mergulhou em um poço profundo de tristeza por
causa do luto. Mesmo com ela nos criando da melhor forma
possível, eu sei que não foi fácil. Demorei muito tempo para
perceber isso. — Fungo, as lágrimas descendo pelas bochechas. —
E mesmo que ela diga que está feliz com a vida que tem hoje, não
consigo deixar de pensar que tudo poderia ter sido diferente. Que
ela merecia mais — gaguejo com o choro doloroso. — Daisy
merecia muito mais, Alex.
A constatação de que estou tremendo me acomete quando
Alex contorna o balcão e me enlaça em um abraço. Meu rosto
afunda no tecido da camiseta dele e as lágrimas descem sem
nenhuma dificuldade. Deixo escapar um soluço e prendo meus
dedos em suas costas, sentindo que cada parte minha está se
partindo ao meio.
É uma dor que não pode ser descrita em palavras.
É uma dor que esteve por tanto tempo escondida que nunca
me dei conta da proporção que ela dominava de mim.
Ela está presa em cada parte minha.
Em cada sorriso.
Em cada lágrima.
Em cada atitude.
— Eu não quero que isso aconteça comigo. — Balanço a
cabeça repetidas vezes, os cabelos grudando nos lábios por causa
do choro. — Não quero que o Reed ocupe um espaço tão
importante na minha vida. Porque se algo der errado... — Prendo a
respiração, buscando controlar o tremor na voz. — Se eu me deixar
perder no caminho, não vou saber lidar. Eu não quero ser Daisy
Scott.
Alex massageia as minhas costas, os lábios pressionados em
meus cabelos. Ele deposita um pequeno beijo ali e depois usa a
ponta dos dedos para limpar as minhas lágrimas.
O semblante dele é tranquilo, mas ao mesmo tempo
preocupado. As íris exibem um tipo de sabedoria que duvido
conseguir alcançar algum dia. Assim como eu, ele também deve ter
suas questões envolvendo a morte de Gustaf e a ausência curta de
Daisy. Não tem como passar ileso.
— Você não vai acabar como ela, Anne. A sua vida não é
uma repetição da história de Gustaf e Daisy.
— Como você pode ter certeza?
— Eu não tenho certeza de nada, mas gosto de pensar que
cada uma das pessoas tem a sua própria história. Você está
escrevendo uma história diferente. Eu também estou — diz. — Eu
tenho medo de perder Soren? Claro que sim, mas a possibilidade de
não estar ao lado dele me soa ainda mais doloroso. Quero que cada
segundo com ele valha a pena, mesmo que, no futuro, haja a
possibilidade de nossos caminhos serem diferentes.
— Isso não te apavora?
— Pra cacete. — Ri baixinho e volta a me abraçar, apoiando
o queixo no topo da minha cabeça. — A morte do nosso pai mexeu
muito comigo, Anne. Você não faz ideia do quanto. Mas, com o
passar dos anos, eu entendi que essa é uma parte que sempre vou
carregar comigo. Uma insegurança que Soren hoje também
consegue entender. Assim como eu entendo as questões
particulares dele.
Solto um pesado sopro de ar. Aos poucos, começo a me
acalmar, embora minha cabeça ainda esteja uma confusão. Essas
novas informações são difíceis de assimilar.
— E o que você acha que eu devo fazer?
Alex dá um passo para trás e volta a observar o meu rosto.
Devolvo o olhar, notando que há uma certa cumplicidade agora
entre nós.
Em todos esses anos, não tivemos a oportunidade de
conversar sobre muitas coisas. Mas agora que me permiti abrir essa
porta, acho que ele também vai abrir a sua. Vai me deixar entrar,
como eu também estou deixando.
— Eu acho que você deve conversar com Daisy —
aconselha. — Me ajudou em uma época em que estava passando
por uma situação semelhante.
A confissão me pega desprevenida.
— E por que você não me contou?
Ele encolhe os ombros e contorna novamente o balcão,
ficando de costas. 
— Pelo mesmo motivo que você demorou todo esse tempo
em contar para mim.
Não tenho a chance de responder, porque ele me entrega a
calda de chocolate e aponta para as panquecas sorridentes.
— Agora come — manda. — Sua cara de ressaca está bem
desagradável e estragando as boas energias da minha cozinha.
Essas panquecas vão ser a sua salvação.
Mostro-lhe o dedo do meio, fingindo uma irritação. Antes que
ele possa sair do cômodo para arrumar a bagunça que fiz na sala,
eu o chamo. Alex se vira sobre os calcanhares descalços, um
pequeno sorriso sendo direcionado para mim.
— Muito obrigada. Não só pelas panquecas, mas por cuidar
de mim durante todos esses anos. Nunca agradeci você de verdade.
A cabeça dele tomba para o lado, os cabelos loiros seguindo
o movimento.
— Eu sempre vou estar aqui, Anne. Basta você me chamar e
eu dou um jeito. É para isso que servem os irmãos.

Ao final da tarde, Alex estaciona o carro em frente à casa em


que crescemos. Fico um bom tempo olhando para a fachada,
determinada a encarar uma conversa que deveria ter tido há muito
tempo.
Deixei a situação se estender demais.
Não quero mais carregar esse peso em meus ombros.
Estou cansada da existência dele.
— Se precisar de qualquer coisa, me liga — Alex diz ao
desligar o motor. — Se quiser ficar lá em casa alguns dias, é só me
avisar. Tenho um quarto sobrando, como te falei. E o Soren vai
adorar compartilhar as receitas malucas dele com alguém.
Sorrio e solto o cinto de segurança.
— Vou pensar a respeito. Obrigada mais uma vez, viu?
Alex me dispensa com um gesto e aponta para a casa.
— Vai logo, sua chata. Antes que eu me arrependa de ser um
irmão tão bonzinho.
Xingo-o e me despeço com um beijo estalado na bochecha.
Saio do carro e fecho a porta, mas antes que Alex possa ir embora,
eu me inclino sobre a janela aberta. Ele ergue a sobrancelha direita
do mesmo jeito que vi nas fotografias Gustaf fazer inúmeras vezes.
A semelhança entre os dois é surreal.
— Não sei como o Soren te aguenta. Aposto que vai pedir o
divórcio assim que descobrir que você tem uma coleção de
miniaturas do Clark Kent.
Ele me dá o dedo do meio, entre risadas, e vai embora
buzinando.
O som é o prelúdio para que eu reúna a coragem necessária
e caminhe em direção a pequena casa. Respiro fundo e aperto a
campainha. Longos segundos se passam até que a porta é aberta.
Os olhos cintilantes de Daisy se arregalaram em surpresa diante da
minha presença.
— Anne?
Abro um sorriso tímido, não querendo apavorá-la.
— Oi, mãe. A gente pode conversar?
Ela gagueja em concordância e dá um passo para trás, me
deixando entrar. Penduro a bolsa no gancho atrás da porta e tiro o
casaco recém comprado. Como eu não quis aparecer aqui usando a
roupa da noite passada, Alex e eu passamos em uma loja perto da
sua casa.
— Aconteceu alguma coisa? — Daisy pergunta, me
analisando. Apesar dos meus esforços para melhorar a aparência,
as olheiras causadas pela noite de bebedeira permanecem
evidentes. — Você foi assaltada? Expulsa do apartamento? Fez
algo de errado?
— Nada de errado. Quero apenas conversar com você. —
Encaro meus pés. — Sobre mim.... Nós... Sobre tudo, na verdade.
A compreensão inunda o rosto bonito de minha mãe.
Gentilmente, ela me leva até a sala e se senta ao meu lado.
Há uma bandeja com duas xícaras de chá em cima da mesinha,
indicando que ela estava esperando alguém.
— Beth vai aparecer daqui a pouco — explica ao notar o meu
olhar curioso para o bule. — Posso mandar uma mensagem e dizer
para ela vir mais tarde.
— Não precisa. Prometo que vai ser rápido.
— Anne...
Cruzo minhas mãos sobre a almofada e direciono minha
atenção para o porta-retrato na estante. Depois da conversa que
tive com Alex, a percepção de todas as coisas estão diferentes. Ao
olhar para os sorrisos eternizados de Daisy e Gustaf, não sinto mais
aquele frio desagradável na boca do estômago.
Sinto carinho.
Sinto saudades.
Sinto a intensidade do amor que eles compartilharam durante
os anos em que viveram juntos.
— Você disse que não se arrepende da vida que construiu ao
lado de Gustaf.
— Como eu poderia? Ele me deu o maior presente de todos:
você e o seu irmão.
— E a morte dele?
Daisy se acomoda melhor no sofá. Estamos ambas com o
olhar fixo no porta-retrato. Na cabeça dela, deve estar passando um
punhado de memórias.
— Me despedir do seu pai foi doloroso de um jeito que só
quem já passou por isso vai ser capaz de entender — explica, com
calma. — Mas não havia nada que pudesse ser feito. Não tem como
controlar certos acontecimentos em nossa vida. A vida, por si só, é
um risco a ser enfrentado.
As palavras agem como mais uma porta sendo destrancada e
aberta. Giro o pescoço e encontro minha mãe já me fitando.
Sustento o peso do seu olhar, não me sentindo incomodada por ela
perceber a minha vulnerabilidade.
— E os seus sonhos? O que aconteceu com eles?
— Eles nunca deixaram de existir, apenas se adaptaram.
Mudaram. Outros também surgiram com o passar do tempo. Eu não
deixei de ter meus próprios objetivos só porque encontrei o amor e
me casei — diz, entendendo as entrelinhas por trás da minha
pergunta. — Quando a gente ama uma pessoa verdadeiramente, a
gente sonha ao lado dela. Gustaf e eu realizamos muitas coisas,
Anne. Juntos e de forma individual.
Juntos e de forma individual.
A frase é semelhante a que Sagan me disse dias atrás. A
diferença é que eu tenho a escolha de permanecer ao lado de Reed.
De sonhar sozinha e com ele. Não há nada que nos impeça de
estarmos juntos, exceto a mim mesma. Porque o meu coração sabe
que, por ele, o nosso acordo não teria terminado dessa forma.
A constatação desse fato me arranca um gemido angustiado.
— Você não deixou a sua vida de lado por causa do amor,
então?
— Muito pelo contrário. A minha vida se tornou infinitamente
melhor por causa dele.
Daisy acaricia o meu rosto, enxugando as lágrimas que eu
nem havia me dado conta de ter derramado. O olhar que ela me
direciona é semelhante ao que Alex me deu hoje de manhã. Não é
fácil de descrevê-lo, mas eu consigo entender. Consigo sentir o que
ele quer dizer, mesmo que nenhuma palavra seja proferida.
Abraço com mais força a almofada contra o peito, começando
a perceber que, durante esses anos, tive a percepção errada sobre
a minha mãe. Por ter lembranças dela sofrendo com a morte de
Gustaf, associei a ideia de que, por causa das lágrimas derramadas
na calada da noite, ela havia se fechado dentro da própria casca.
Mas, na realidade, quem fez isso durante todos esses anos
foi eu.
Eu criei uma fortaleza ao meu redor.
Eu afastei as pessoas.
Eu me impedi de ser feliz por completo porque achei que ser
feliz por metade me garantiria uma vida muito mais segura.
Eu disse que Reed era um erro, quando, na realidade, ele foi
o melhor acerto nesses últimos meses.
Ter noção de cada uma dessas informações me deixa com
vontade de pegar o primeiro ônibus para Maple Hills e consertar a
bagunça que fiz. Consertar as merdas que falei, as mentiras que
contei e os sentimentos que escondi. Quero que Reed saiba que ele
pode ser muitas coisas, mas jamais um erro.
— Eu acho que tomei a decisão errada, mãe.
As sobrancelhas finas dela se erguem.
— Sobre o quê?
— Sobre o amor. Por anos, eu acreditei que ele era uma
fraqueza. Que se eu confiasse demais nele, ele teria o poder de me
machucar como machuca tantas pessoas. Como machucou você —
digo, brincando com a costura do casaco. — Eu achei que se eu
deixasse ele entrar, ele iria apagar o meu brilho.
— Eu nunca disse que você não poderia brilhar com alguém
ao seu lado, Anne — explica, relembrando o conselho que deu
anteriormente e que eu entendi errado do jeito mais vergonhoso
possível. — Brilhe sozinha, mas brilhe também se encontrar o amor.
Abro um sorriso fraco.
— Eu acho que o encontrei, mas talvez eu tenha complicado
um pouco as coisas.
Minha mãe dá um peteleco no meu nariz, do mesmo jeito que
fazia quando Alex e eu éramos crianças, e depois se aconchega ao
meu lado.
— E houve alguma vez que o amor não fosse complicado?
Rio.
— Mas dessa vez é complicado pra cacete. — Ganho um
beliscão diante do palavrão e eu arquejo, me esquivando. — Falei
algumas coisas que podem tê-lo magoado. Nunca estive
apaixonada por ninguém. Não sei nem se o que estou sentindo é
amor. 
Daisy abre a palma sobre a minha coxa, me convidando a
segurar a sua mão. Entrelaço os nossos dedos, sentindo os anéis
pressionarem a minha pele. A aliança de casamento continua
descansando em seu anelar.
— Você sabe, danadinha, e o seu coração também. A única
coisa que falta agora é descobrir o que esse garoto sente por você.
Reprimo a vontade de revirar os olhos. Reed vai fechar a
porta na minha cara e dizer que a vida é muito melhor sem mim. Se
fosse eu no lugar dele, ouvindo o que ele ouviu, reagiria assim. Até
pior.
— Acho que ele me odeia, mãe.
Daisy profere um muxoxo.
— Então, ele te ama.
— Mãe...
— Confie no que estou te dizendo, Anne — murmura. — Eu li
os livros da Clio McGoy, sei do que estou falando.
Dessa vez, caio na gargalhada, ao mesmo tempo em que
torço para que ela esteja certa.
 
 
“Eu me lembro do dia, até anotei a data que me apaixonei por você
e agora está riscado em vermelho, mas ainda não consigo
esquecer,
mesmo se eu quisesse”
Here’s Your Perfect | Jamie Miller
 

 
Hoje é oficialmente o grande dia.
Depois de uma longa temporada de treinos, finalmente
chegamos ao jogo que vai decidir a vaga do time nos playoffs, em
janeiro. Estou confiante de que vamos vencer, mas sempre há a
possibilidade de algo dar errado, o que me assusta pra caralho.
Não vou me perdoar se sair daqui como um perdedor.
— Nervoso?
A pergunta me faz erguer a cabeça. Dave está sentado no
banco de metal, amarrando as chuteiras. Assim como o restante do
time, há um traço de preocupação em sua voz.
— Parece que meu coração vai sair pela boca a qualquer
momento. E você?
— Prestes a me cagar nas calças — diz e dá dois toques no
joelho, se levantando. — E quanto ao resto?
Pego o capacete e fecho a porta do armário.
— Que resto?
Meu melhor amigo dá um pesado suspiro e cruza os braços.
A camiseta do time adere aos músculos tonificados do peitoral.
Dave tem o porte de um jogador de futebol americano profissional.
Parece uma muralha gigantesca.
— Você não responde as mensagens de ninguém, fica até
uma hora depois dos treinos, não apareceu no desfile da Claire e
ainda dispensou o meu convite para irmos ao Cheers Bar depois
daqui. Que merda está acontecendo, Reed?
— Está me vigiando, Morris?
— Não venha com essa merda para cima de mim. Estou
preocupado com você, cara.
Sugo o ar das bochechas e apoio meu pé no banco,
amarrando as chuteiras. Não quero ter essa conversa antes do jogo.
Abrir o meu coração enquanto o vestiário está lotado de jogadores
ansiosos não me parece uma boa escolha.
Eu quero apenas focar no que importa. Pensar em Anne é a
pior das distrações.
— Estive ocupado, apenas isso — minto.
Dave semicerra as pálpebras, desconfiado. Ele me conhece
como ninguém mais, então sei que, depois que o jogo terminar, vou
ser confrontado sobre o assunto.
— Ocupado uma merda. — Mason se intromete no meio da
conversa. Está sem camiseta, usando apenas a calça branca do
uniforme e os pads. — Quando voltamos do desfile, você estava
dormindo no sofá. Capotado feito um caminhão em beira de estrada.
— Ocupado e cansado — acrescento. 
Mason bufa e Dave coça o queixo, a barba escura cobrindo
boa parte da pele negra-retinta.
— Ocupado, cansado e de mau humor. — Meu colega de
casa retruca e abre o próprio armário. — Quando vai contar para a
gente o que está rolando? Brigou com a namorada?
Brigou com a namorada.
Se eu pudesse, esconderia minha cabeça dentro de um
buraco e não sairia de lá.
— Não. Não briguei com ninguém.
— Por que não vimos mais ela, então?
— Se estão tão curiosos, podem perguntar para ela — digo,
tentando soar descontraído. — Ela vai estar lá na arquibancada,
torcendo pela gente e usando a minha camiseta. Vai ser fácil de vê-
la.
As palavras queimam na língua. Eu sei que Anne não vai
estar aqui hoje. E, se houver uma garota usando uma camiseta com
o meu número, com certeza não vai ser ela.
Anne deve estar em North Groove, conhecendo
apartamentos e iniciando a nova vida que tanto almejou. Não há
espaço para Reed Rollins, treinos de futebol, jogos de temporada e,
tampouco, acordos improváveis.
Mason me dá uma longa olhada antes de assentir e vestir a
camiseta azul escura com a águia bordada na manga do antebraço.
— A gente vai comemorar no Cheers Bar hoje?
É a voz de Keeran que preenche o vestiário. Alguns
jogadores gritam em aprovação, enquanto outros não estão tão
confiantes da nossa vitória. Diferente dos jogos anteriores, não
havia problema em perder um ponto ou outro.
Mas o de hoje é decisivo pra caralho. Um erro pequeno e
podemos perder a vaga nos playoffs.
E o pior: eu sei que meu pai vai estar na arquibancada. Ricky
vai assistir cada uma das minhas jogadas, analisar cada um dos
meus lances e memorizar cada uma das minhas falhas. Como
Aaron disse, ele não vai esquecer tão fácil a ideia de me tornar uma
extensão do seu sucesso.
Solto o ar pelo nariz e pego a garrafa de água, rumando para
os bebedouros fora do vestiário. A conversa alta entre o pessoal do
time está fazendo a minha cabeça latejar.
Estou subindo o lance de escadas quando escuto um assovio
característico. Ao olhar para trás, vejo Dave me seguindo. Ele já
está com o equipamento completo, exceto o capacete e o protetor
bucal.
— Como foi o desfile? — Puxo assunto, antes que ele tenha
a oportunidade de me fazer qualquer pergunta. — Foi mal não ter
ido. Eu estava ocupado com outras coisas.
Dave assente, não parecendo chateado.
— Foi muito bom. Estou confiante que Claire vai receber uma
proposta de estágio. Ela estava maravilhosa e as roupas tinham a
personalidade dela. Você teria se divertido. A gente foi comemorar
no Black Rose depois.
O Black Rose é um dos melhores bares de Maple Hills. Eles
tem uma ótima cartela de drinks e petiscos. É a cara da Claire ter
encerrado a noite por lá.
— E o pedido de casamento? — Relembro da conversa que
tivemos no ônibus do time, semanas atrás. — Achei que você fosse
pedir no dia do desfile por ser um momento especial. Desistiu da
ideia?
Dave encaixa a garrafa na boca do bebedouro.
— Não desisti, mas aquele era o momento da Claire. Sobre
ela e todo o seu talento — explica. — Quero encontrar o momento
em que o nosso amor brilhe de forma exclusiva. Vai ser nesse dia
que vou colocar um joelho no chão e abrir o meu coração para ela.
E aí a gente vai poder brilhar junto.
Eu odeio como Dave consegue ser romântico. Ele faz parecer
fácil, como se abrir o seu coração para alguém fosse um gesto do
cotidiano.
Para Dave Morris e Claire Howard, o amor é tão fácil quanto
respirar.
E eu odeio saber que não vou ter a oportunidade de viver
essa experiência ao lado de Anne.
Abro um sorriso amarelo, que não deve convencê-lo em
nada, e apoio o ombro na parede.
Ao longe, dá para ouvir a barulheira que vem das
arquibancadas e a música alta. Hoje o estádio vai estar lotado. Os
UCL Ducks são um dos times universitários mais influentes. Eles
colecionam tantas vitórias quanto os troféus que tenho nas
prateleiras.
— Mesmo que você vá morar para o outro lado do país, não
esquece de me convidar para ser o padrinho, huh?
— Desde que você não me leve para uma despedida de
solteiro com strippers usando calcinhas fio dental.
Rio pela primeira vez em dias.
— Isso eu já não posso prometer. Strippers fazem parte do
pacote.
Dave me cutuca com o cotovelo e se afasta do bebedouro.
Eu imito a posição anterior dele, encaixando a garrafa de água no
bocal.
— Se a Claire me largar no altar, a culpa vai ser sua.
— Não se preocupe. Vou garantir que ela não fuja para lugar
algum.
Ele resmunga daquele jeito incompreensível e eu inspiro,
aguardando que a minha ferida seja cutucada.
— Reed...
Fecho os olhos.
— Você tem tido notícias dela?
Não preciso especificar de quem estou falando. Dave
entende na hora e inclina levemente o rosto para o lado, não
querendo me chatear.
— Faz alguns bons dias.
Concordo com um aceno. Nenhum sentimento me atinge.
Nem mágoa, tristeza e tampouco chateação. Acho que cheguei em
um ponto que nada mais me afeta.
— Certo. Acho que isso já quer dizer bastante coisa.
— Vocês brigaram, então?
Tiro a garrafa do bebedouro e bebo um gole. Gostaria que a
água fosse capaz de afogar o nó que aperta a minha traqueia.
— Acho que brigar não é a palavra certa. Ela me deu um pé
na bunda. — Dave reage com um franzir da testa, pego de surpresa.
— Não sou bom o bastante para ela. Na real, acho que não sou
bom o bastante para ninguém. Não importa o quanto eu me esforce,
nunca é o suficiente.
Meus pés se movem para trás, mas Dave aperta os dedos ao
redor do meu braço, me impedindo. Ele escrutina o meu rosto
minuciosamente, chateado.
— Ela não acha isso de você, Reed. Não depois de tudo o
que aconteceu entre vocês.
Balanço a cabeça, negando. Não tenho nem forças para
discutir com ele. Esse assunto me deixa irritado pra caralho e foi por
isso que evitei falar com qualquer pessoa durante esses dias.
— Ela é boa em fingir. — Desfaço o aperto dos seus dedos e
me movo um passo para trás. — E melhor ainda em fugir. É isso
que Anne faz. E eu estou cansado de insistir. Cansado de tentar.
— Reed... — Ele tenta de novo, mas eu grunho em
discordância. — Não pode acabar assim entre vocês.
— Já acabou, Dave.
Não espero para ouvir a sua resposta. Dou-lhe as costas e
caminho em direção à saída do complexo lotado. Mas antes de
entrar no campo e jogar como fiz durante todos esses anos, tenho
um assunto importante para resolver.

Ricky Rollins está de braços cruzados e com o corpo apoiado


na lataria da sua BMW X5. A posição passa aquela confiança que
ele domina como ninguém.
Eu me aproximo a passos determinantes. Cada passada é
um lembrete de que não vou mais me permitir ser manipulado. Que
cada decisão, a partir de agora, vai ser tomada somente por mim.
Não haverá mais nenhuma influência dele na minha vida. Estou
exausto pra caralho.
Paro a alguns poucos metros de distância e o encaro da
cabeça aos pés. Me pergunto, mentalmente, se daqui a alguns
anos, eu serei como ele. A aparência é quase certeza, mas o
restante... Não sei se vou conseguir conquistar uma carreira tão
célebre quanto a dele.
Ricky é inesquecível. Todo mundo vai falar dele por décadas.
É um nome que marca presença e que vai me acompanhar para o
resto da vida, mesmo que eu não queira.
— Espero que tenha seguido o meu conselho e terminado
com a garota.
Fecho as mãos em punho, as veias pulsando.
— Não vim falar disso com você.
A sobrancelha grisalha se arqueia em um traço de
desinteresse. Qualquer coisa que não esteja relacionada ao futebol
americano e suas imposições não lhe despertam nenhum tipo de
curiosidade. Para o meu pai, eu sou uma máquina programada para
viver, inteiramente, do esporte. Nada de distrações.
— Eu não vou me inscrever no draft. — Despejo a
informação que vai abalá-lo até o último fio de cabelo. — Vou
continuar cursando Jornalismo até o último ano, porque ter esse
diploma é importante para mim.
— Reed...
O sinal de alerta em sua voz faz minha confiança aumentar e
eu avanço um passo, encurtando a nossa distância.
— Vou prosseguir com os treinos e continuar no time. O
futebol americano ainda é a minha prioridade — prossigo, não me
deixando abalar. — Mas eu não quero mais você como meu
treinador. Não quero mais ver você na arquibancada me julgando
durante os jogos e depois apontando os meus erros como se eu
fosse um fracasso. Também não quero mais ouvir nenhuma merda
sobre Anne, sobre a minha carreira ou sobre qualquer outro
assunto.
O músculo do maxilar de Ricky pulsa. As íris me fuzilam de
forma tão raivosa que posso sentir a pele queimando. Mas eu me
mantenho firme.
Não me afasto. Não me acovardo. Não deixo a porra do
medo de dominar.
— Você está me expulsando da sua vida, é isso?
— Não. Estou dizendo que não quero mais que você me trate
como o seu projeto. Não vou ser uma segunda versão sua. Se eu
vou ser um jogador de futebol, quero fazer isso por conta própria —
murmuro. — Não quero que meu sucesso seja associado ao seu,
porque eu não sou você, pai. Nunca vou ser e está na hora de nós
dois admitirmos isso. 
Ricky permanece em silêncio por longos minutos. Não dá
para saber o que se passa na sua cabeça, mas não deve ser algo
positivo. Meu pai não é bom em aceitar mudanças e tampouco abrir
mão de algo, mesmo que esse algo seja o seu filho. Não sou um
bem material.
— Ela te influenciou a tomar essa decisão?
Ela.
É irônico constatar que, mesmo distante, Anne ainda exerce
um grande impacto na minha vida.
— Ninguém me influenciou em nada.
Ele impulsiona o corpo para frente e dá um passo, se
aproximando.
— Você vai se arrepender disso, Reed. — O tom de voz é
aquele que me acompanhou durante anos. A diferença é que, desta
vez, não vou me deixar ser influenciado. — Eu sei do que estou
falando.
Nego e repouso a mão sobre o seu ombro largo.
— Não tem como eu me arrepender — digo com uma
tranquilidade que surpreende a nós dois. — Porque estou pedindo
que você seja apenas o meu pai. Nada além disso.
As minhas palavras exercem um tipo de golpe certeiro contra
Ricky. Ele ofega e se afasta. Minha mão cai ao redor do corpo. Meu
coração erra uma batida. A tensão se alivia em meus ombros. É
como acordar de um tipo de pesadelo que te perseguiu durante toda
a noite.
A cabeça dele balança repetidas vezes e frases impossíveis
de entender são resmungadas. Um tipo de dor cruza o seu
semblante e as mãos afundam no couro cabeludo, bagunçando o
cabelo.
Por fim, Ricky aperta a ponte do nariz e me encara de
soslaio.
Eu o encaro de volta.
Há um tipo de conversa silenciosa se estendendo entre a
gente.
Um laço se rompendo.
Um ponto final.
Ricky não diz absolutamente nada. Ele apenas concorda com
um aceno e entra novamente na BMW X5. A porta bate em um
barulho que se espalha por todo o estacionamento do complexo.
O vidro do motorista não é abaixado e o ronco do motor é tão
baixo quanto o respirar de uma criança.
Meu pai dá ré e vai embora. Sem hesitar. Sem nenhum
remorso. Sem nenhum tipo de arrependimento pelo o que
aconteceu em todos esses anos em nossa relação como pai e filho.
Não sei o que vai acontecer daqui para frente.
Não sei se ele vai aceitar as minhas condições.
Mas é um começo.
O começo do fim.
 
“Então, jamais pense que preciso de mais. Já tenho a única por
quem viver.
Ninguém mais servirá. Estou te dizendo”
Over And Over Again | Nathan Sykes
 

 
— O que você acha de um cheesecake de frutas vermelhas?
Alex faz um barulhinho de aprovação e enche a boca com os
cookies que minha mãe acabou de tirar do forno. Desde que ele
chegou, no dia anterior, ela não para de cozinhar para a gente. Meu
estômago ainda nem se recuperou das outras receitas que ela fez.
Estou há uma semana em Sunbay, fingindo que ignorar Reed
Rollins é uma boa opção, no momento. Ele está ocupado demais
com o último jogo que vai garantir a vaga do time nos playoffs. Não
quero ser um empecilho.
E aposto que, se nos vermos, Reed vai dar um jeito de me
chutar para fora da sua vida, bem do jeitinho que eu tentei fazer com
ele.
A conversa que tive com Daisy foi esclarecedora de muitas
formas. Me fez enxergar a situação de outra perspectiva e entender
que ter Reed ao meu lado não é um erro. É possível amar mais do
que uma coisa.
Eu amo o jornalismo.
Eu amo a minha liberdade.
Eu amo sanduíche de atum.
Eu amo donuts de framboesa.
E eu também amo Reed Rollins.
Sorrio para a xícara de café diante de mim. Admitir isso para
mim mesma não soa como pisar em um prego enferrujado. Também
não faz o meu coração se encolher. Agora ele está transbordando
de sentimentos que achei que não poderia sentir por alguém algum
dia.
Sempre me achei meio vazia. Agora eu sinto que estou
transbordando de tudo aquilo que guardei durante anos dentro de
mim.
— Já falou com ele?
Alex interrompe a linha dos meus pensamentos ao jogar o
corpo na cadeira da cozinha.
— Não.
— Por que não?
Pego um dos cookies do prato e mordo a pontinha.
— Porque não acho que seja a hora certa. Hoje ele tem um
jogo importante contra o UCL Ducks. Eu queria ter ido, mas não sei
se ele quer me ver depois do que falei. Ainda mais em um dia
importante com esse. Eu seria um para-raios de azar.
— O que você disse para ele que foi assim tão ruim?
Minha mãe coloca uma caneca de chá diante do um irmão e
beija o topo dos seus cabelos. Ela faz o mesmo comigo, mas faz
uma careta diante da xícara de café. Daisy detesta cafeína. É
defensora número um dos chás.
— Eu disse que tê-lo na minha vida era um tipo de risco que
não queria correr — confesso. — Que ele estava me atrapalhando
em seguir os meus próprios sonhos.
Daisy e Alex fazem caretas idênticas.
— Você pegou pesado.
— Se eu falasse isso para o Gustaf, acho que ele pedia o
divórcio.
— Pedia nada. O velho era gamadão em você, mãe — Alex
responde, dando um gole no chá e retornando a atenção para mim.
— Mas o que você falou foi golpe baixo. Você vai ter que encontrar
um bom pedido de desculpas.
— Eu sei. Por isso que estou procurando o momento certo
para conversar com ele. Não quero deixar as coisas piores do que já
estão.
Minha mãe concorda e massageia minhas clavículas.
— Você vai encontrar, danadinha.
O momento de conforto é interrompido com o vibrar insistente
do meu celular em cima da mesa. O nome de Claire brilha na tela, o
que me deixa apreensiva. Ela não deveria estar no jogo? Minha
amiga não faz o tipo de namorada que perde um evento importante
como esse.
E se aconteceu algo com Reed? E se ele brigou novamente
com o pai, mas dessa vez na frente da USVL inteira?
Puta merda.
— Anne?
Percebo que estou tremendo quando a mão de Alex segura o
meu pulso, fazendo pressão. Ergo o olhar, procurando fixar na
imagem do seu rosto. A preocupação dele é fácil de notar.
Prendo a respiração e pego o celular, atendendo a ligação.
Os gritos característicos da torcida ecoam ao fundo, juntamente da
música alta. As arquibancadas devem estar lotadas feito uma lata
de sardinha.
— Claire?
Ela exclama alguma coisa, mas é difícil de entender. Repito o
nome dela diversas vezes, o que serve apenas para que o aperto na
boca do meu estômago fique insuportável.
— O Reed se meteu em uma briga durante o segundo quarto
de tempo! — grita, de forma afobada, a voz tentando se sobressair
aos barulhos.
Meu corpo inteiro gela.
— O quê? Com quem? Como aconteceu?
—Vem pra cá urgentemente!
Ela nem responde às minhas perguntas, apenas desliga na
minha cara.
Afasto o celular da orelha e olho novamente para Alex e
minha mãe. Os dois me observam com curiosidade, os dedos do
meu irmão ainda rodeando meu pulso. Gaguejo sobre a situação,
ainda tentando assimilar as informações. Reed não é do tipo que se
mete em discussões, então algo muito sério deve ter acontecido.
Merda.
Eu quero gritar.
— Pega o meu carro. — Alex puxa a chave do Ford Maverick
de dentro do bolso. — Que se dane a hora certa, Anne. Você tem
que ir para esse jogo agora.
Não tenho a chance de retrucar.
A chave pousa em minhas mãos e os próximos minutos se
tornam um borrão de acontecimentos em que eu funciono no
automático.

Entrar no vestiário dos Rebels Of Horizon em um dos jogos


mais importantes da temporada foi mais difícil do que imaginei.
Tive que enganar, no mínimo, cinco seguranças e duas
pessoas que me abordaram no meio do caminho. Usei as desculpas
mais horripilantes possíveis e abusei do meu sorriso cordial. Me
doeu as bochechas, mas o que realmente importa é que me trouxe
até aqui.
Atravesso aos tropeços o corredor que dá acesso aos
vestiários e empurro a porta com força. Meu coração parece que vai
sair pela garganta e mal consigo sentir as minhas pernas. Estou
tremendo da cabeça aos pés.
E posso jurar que vou cair de joelhos ao ver Reed sentado
em um dos bancos. As costas largas estão curvadas e um saco de
gelo é pressionado contra a têmpora esquerda. A expressão
corporal dele é péssima, como quem foi jogado para fora do carro
em uma noite chuvosa.
— Reed?
Minha voz nem soa como a minha. Ela se encontra
vulnerável, tímida e insegura, quase como uma extensão de mim
mesma.
Reed ergue a cabeça ao som da minha voz. Há um roxo se
formando próximo do seu olho e uma sobrancelha cortada. O
sangue já está seco, indicando que a briga deve ter acontecido
quase uma hora atrás. Levei mais de vinte minutos para dirigir até
aqui e mais uns cinco para conseguir encontrar uma vaga no
estacionamento. Entrar no complexo foi pior ainda.
— O que você está fazendo aqui?
Avanço um passo e fecho a porta. Não quero que nenhum
segurança entre aqui e me leve embora a pontapés. Essa é a única
chance que eu tenho de consertar a cagada que causei.
— Eu que te pergunto. — Cruzo os braços e dou mais um
passo, me aproximando. — O que você está fazendo aqui no
vestiário?
Ele desvia o olhar e pressiona o saco de gelo com mais força,
soltando um gemido de dor.
— Reed — chamo-o novamente, cada um dos meus passos
acompanhando a pulsação acelerada, até que estou parada de
frente para ele. — O que aconteceu no jogo?
A cabeça é inclinada para trás, me dando uma visão
completa dos danos causados. Não está tão feio. O olho
provavelmente vai inchar e um roxo horroroso vai se mesclar com a
pele branca. A sobrancelha cortada se recupera rápido. Existem
também pequenos arranhões na bochecha, um tufo de grama no
cabelo e manchas de terra no uniforme.
Estendo a mão em sua direção, mas paraliso na mesma
hora.
— O que você acha? — Abaixa o saco de gelo e passa a
mão pelo cabelo bagunçado. O tufo de grama cai aos seus pés. —
Fiz o que sempre faço quando se trata de você: te defendi na frente
do time inteiro. O resto você pode imaginar como terminou.
Franzo o cenho, odiando a ideia dele ter me dado
informações tão rasas. Uma discussão que terminou em briga e com
Claire me ligando não me soa assim tão simples. Existe mais por
trás.
— Não. Eu não posso imaginar como terminou.
Reed geme e me encara no fundo dos olhos. O castanho se
encontra diluído, em um tom muito semelhante ao preto. Mal
consigo identificar as pupilas.
— O jogo estava indo bem. Começamos pontuando para
cima dos UCL Ducks sem nenhuma dificuldade, mas então o Chad
Eaton veio para cima de mim perguntando se o motivo de termos
terminado foi porque a sua boceta perdeu a graça para mim. — As
palavras cortam o ar, sujas e indecentes, como Chad Eaton foi
desde que nos conhecemos. — Como eu não falei nada, ele
continuou me provocando, dizendo que transou com você por pena,
porque sabia que você era uma foda ruim. Uma coitada que perdeu
o pai e ... — Reed engole em seco e fecha a mão livre em punho. —
E quando eu me dei conta, estava socando o nariz dele na frente da
USVL inteira.
Eu não ligo para o que Chad Eaton pensa de mim. Por mim,
ele pode ir para a puta que pariu. Mas deixar que Reed se meta na
merda dessa confusão por causa de uma coisa que um babaca
falou sobre mim me deixa com raiva.
— Por que você sempre faz isso? — Arranco o saco de gelo
da sua mão e pressiono eu mesma o machucado. — Me defende
como se eu fosse a sua namorada de verdade? Por que, Reed?
Reed respira fundo e encaixa a mão ao redor da minha
cintura, me puxando para perto. Meus joelhos batem contra as suas
coxas e me apoio em um dos ombros, pega de surpresa com o
movimento. Ao olhar para o rosto diante de mim, a vontade de
chorar me atinge. Estamos há quase duas semanas afastados e a
sensação que tenho é de que se passaram meses. Não vou
conseguir ir embora daqui.
— Não acredito que você ainda não entendeu o motivo.
— Não tem como eu entender se você não me falar.
As pálpebras dele tremulam e os lábios se prendem em uma
linha rígida, não deixando espaço para que o bom humor surja.
Nada de piadinhas. Nada de provocações. Nada de comentários
irônicos. Reed me desnuda com tanto afinco que não há camada de
roupa neste mundo capaz de me manter escondida.
Os dedos dedilham a minha cervical e a outra mão se
encaixa por trás da minha coxa. O tecido do vestido é empurrado
minimamente para cima e eu não faço nenhuma objeção. Deixo que
o toque me leve novamente para aquelas lembranças em que
estávamos juntos por causa de um boato.
  Me concentro em cada detalhe da sua face, vendo-o lutar
contra os próprios sentimentos.
— Porque eu sou apaixonado por você, porra. Como você
não consegue perceber isso, Anne?
Como um golpe inesperado, a sua confissão me arranca o ar.
Me deixa zonza.
Me deixa perdida.
Me deixa sem reação.
— Desde quando?
Sou puxada para mais perto, de forma que agora eu posso
sentir cada parte minha se conectando à sua. A possibilidade de
Reed estar apaixonado por mim, tanto quanto eu estou por ele, me
deixa sem chão.
— Desde a noite dos calouros. — Os dedos deslizam,
procurando pelos meus e os entrelaçando. — Fiz merda atrás da
merda em todos esses meses, mas meus sentimentos nem
chegaram perto de mudar.
— Eu...
Reed aperta os dedos ao redor dos meus.
— Te defendi todas essas vezes porque não posso deixar
alguém falar merda sobre a pessoa que amo — murmura. — Eu já
te disse uma vez, mas vou repetir: você não faz ideia das coisas que
eu faria em seu nome, Anne. O mundo é pouco para tudo o que eu
quero dar para você.
Paraliso.
Meus joelhos voltam a tremer e minha língua amortece dentro
da boca.
Não sei o que dizer.
Vacilo um passo para trás e a dor cruza o semblante de
Reed. As mãos caem ao redor do corpo e um longo suspiro é
proferido. Posso sentir a decepção sendo empurrada contra mim,
me deixando dolorosamente desesperada.
— Esquece o que eu falei. — Sacode a cabeça. — Nada é
bom o bastante para você. Já entendi.
Reed faz menção de levantar, mas aperto seu braço,
empurrando-o de volta para o banco. O movimento repentino o pega
desprevenido e, por estar acostumado a agir no automático, sou
puxada para cima do seu colo. Não tenho nenhuma dificuldade em
me acomodar sobre as coxas torneadas e firmar os pés no piso
emborrachado.
— Não dá para esquecer, Reed — contesto e pouso o
polegar embaixo do seu queixo, levantando-o. — Você é mais do
que bom. É perfeito até demais.
— Então por que você fugiu de mim?
Respiro fundo, obrigando meu corpo a manter a calma, e
volto a pegar o saco de gelo, pressionando contra o machucado.
Com a outra mão, acaricio os detalhes que aprendi a memorizar nos
últimos meses. Sou apaixonada pela cicatriz quase invisível, pelas
covinhas tímidas e pelo sorriso sacana.
Reed é bom por inteiro.
— Quando meu pai morreu naquele acidente em alto mar, eu
ainda era uma criança. Não entendi, de imediato, o impacto que o
falecimento de uma pessoa pode ter em nossa vida. Minha mãe
estava vivendo o luto da forma mais intensa possível, então ela não
estava lá para me ajudar a entender. Eu tinha apenas o Alex e ele
também era uma criança — conto, deixando que cada confissão
venha sem dificuldade. Quero que Reed entenda quem eu sou de
verdade. — O jeito que a gente passou a enxergar os
relacionamentos a partir desse acontecimento é complicado e
marcado por inseguranças.
Reed massageia um ponto atrás do meu pescoço, me
incentivando a continuar.
— Acreditei, por tempo demais, que minha mãe havia
abdicado de seus sonhos para se casar com Gustaf. Que os planos
que ela havia feito anos antes haviam ficado para trás e que a morte
dele só serviu para que esses sonhos fossem esquecidos de forma
definitiva. Comecei a encarar os relacionamentos como um risco.
Um atraso permanente na minha vida porque não fui capaz de
perceber que Daisy ainda conseguiu realizar o que havia planejado.
Sozinha e com o meu pai.
— Foi por isso que você disse aquilo sobre eu ser um atraso
na sua vida.
Me encolho ao redor dos seus braços.
— Sim, mas porque meus sentimentos estavam confusos. Eu
achei que, se deixasse você entrar na minha vida, não haveria mais
espaço para eu conquistar o que queria. E ainda haveria o risco de
você ir embora e eu esquecer quem eu era antes de conhecê-lo.
Os lábios dele se curvam em um sorriso que se tornou o meu
favorito do mundo inteiro.
— Eu não vou a lugar nenhum, Annie. — O apelido me
arranca um sorriso. — Porque meu lugar é com você. Não consigo
pensar em nenhum lugar para estar que não seja aqui. Ou em
qualquer outro que você decidir estar.
As lágrimas pinicam para serem derramadas.
— Reed...
— Annie. — Ele beija a pontinha do meu nariz e depois o
canto dos meus lábios. — Eu estou aqui e vou continuar pelo tempo
em que você quiser que eu esteja. Vou te apoiar em cada um dos
seus sonhos, vou vibrar pelas grandes e pequenas conquistas e vou
comprar todas as caixas de donuts possíveis nas derrotas. Irei
segurar a sua mão quando você decidir atravessar o mundo e, se
quiser, vou garantir que sempre haja um assento reservado para
você na arquibancada.
Enrolo meus dedos ao redor dos cabelos dele. Reed me
observa com tanta paixão no olhar que me sinto uma boba por ter
considerado a possibilidade dele não sentir o mesmo por mim. Dá
para perceber de longe. Ele grita em todos os idiomas que sempre
foi meu, mesmo quando eu não sabia que era dele também.
— Você não está magoado comigo?
Ele tira o saco de gelo da têmpora e o deixa em cima do
banco, para então beijar a ponta dos meus dedos gelados. Desce
para o pulso e depois retorna para o dorso.
— Um pouco, mas discussões fazem parte de qualquer
relacionamento, mesmo aqueles que são de mentira.
Deixo escapar uma risadinha. A tristeza que habitava o
semblante de Reed agora deu espaço para uma felicidade que se
assemelha a aquela que cresce dentro de mim. Se eu soubesse que
a conversa seria tão esclarecedora, não teria deixado que
intermináveis dias tivessem se passado.
— O que nós vamos fazer agora? Eu não sei como funciona
esse lance de namorar de verdade.
Reed faz um biquinho fofo e entrelaça as nossas mãos.
Encaro-as, admirando como meus dedos se encaixam com
perfeição ao redor dos seus. Ainda pareço uma formiguinha ao seu
lado, mas uma formiguinha feliz pra cacete.
— A gente descobre junto, joaninha. Mas você pode me
beijar, se quiser. Nos filmes, o final feliz costuma ser assim. 
Faço um comentário engraçadinho e resvalo minha boca na
sua, sentindo a maciez. O perfume inunda as minhas narinas,
abraçando o meu corpo em uma carícia invisível e cerro as
pálpebras, deixando que as sensações me dominem. As mãos de
Reed passeiam por meus ombros e descem até a minha cintura, me
puxando para mais perto.
A respiração quente se junta à minha e pressiono os seios
em seu peitoral, mesmo que haja várias camadas de tecido nos
separando. Mas isso não me impede de senti-lo por inteiro. Posso
sentir cada parte que corresponde a minha. Cada parte que se
encaixa com perfeição em mim. Cada parte que foi feita
minuciosamente para ser tocada somente por mim e por mais
ninguém.
Quando a boca se junta à minha, uma explosão de fogos de
artifício ocorre no gramado em que o jogo está acontecendo. Reed
sorri entre o beijo. Não sei se pela vitória do seu time ou por eu
estar em seus braços. Eu torço pelas duas opções, porque agora eu
sei que dá para amar duas coisas.
A língua brinca com a minha, não aprofundando o beijo do
jeito que eu quero. Me remexo em seu colo, desejando que ele
entenda que não quero que esse momento seja lento.
Quero que seja quente, como nós dois sempre fomos juntos.
Meu lábio inferior é repuxado entre os dentes e, antes que eu
possa agarrar os ombros dele e beijá-lo como se estivesse
procurando por uma gota de água no deserto, Reed se afasta. Abro
os olhos, observando as íris fixas nas minhas. Estrelas brilham ali,
mesmo que haja a porra de um sol iluminando o céu de dezembro.
— Isso é você finalmente cedendo para mim, Scott?
— Isso sou eu dizendo que estou apaixonada por você,
Rollins.
Reed, depois de tanto esperar, me dá o que pedi desde o
começo: o beijo digno de um filme de comédia romântica. Não há
gotas de chuva caindo do céu como na cena final de Uma Nova
Cinderela, mas existe o sentimento, tão forte quanto o de Austin
Ames e Sam Montgomery.
Eu sei que vamos ter discussões em nosso relacionamento.
Vamos brigar.
Vamos perdoar.
Vamos conhecer os limites.
Vamos, acima de tudo, descobrir como funcionamos juntos.
Mas eu estou disposta a amadurecer ao seu lado, crescer
profissionalmente e intelectualmente. Quero estar na arquibancada,
daqui a alguns anos, torcendo por ele e usando a droga da camiseta
com o seu nome estampado nas costas.
Quero ser feliz.
Porque nós dois merecemos isso.
Eu mereço Reed Rollins.
— Eu esperei muito tempo por isso — Reed murmura, se
afastando e encarando a minha boca. — Não acredito que um boato
precisou surgir para eu conseguir te beijar.
Abro um sorriso arrogante que sei que o tira do sério.
— Isso é você dizendo que não se garante sozinho?
Ele morde a ponta do meu queixo.
— Esse sou eu dizendo que todos os boatos do mundo me
levariam até você, joaninha.
E eu sorrio.
Sorrio do jeito mais apaixonado possível porque o acordo,
que começou do jeito mais improvável de todos, terminou sendo a
melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida.
E não tem como eu me arrepender disso.
Não mais.
 
 
 

 
Existem pequenos detalhes que ninguém conta sobre estar
namorando.
A primeira delas é que você, normalmente, não começa um
relacionamento fingindo que ele é de verdade.
A segunda é que o vício de sua namorada em donuts de
framboesa e sanduíche de atum pode ser preocupante.
A terceira, e mais importante, é que comemorar um ano de
namoro é um desafio.
Não porque você passou ileso de inúmeros assassinatos nos
últimos doze meses — o que é um pouco o meu caso —, mas
porque teve que descobrir uma forma de surpreender a sua
namorada quando já esgotou de todas as opções possíveis desde
que decidiram transformar o relacionamento de mentira em um
relacionamento de verdade.
Anne Scott é exigente.
E eu sou um bobo apaixonado por ela.
— Mantenha os olhos fechados — peço em seu ouvido,
ajudando-a a contornar as mesas vazias do Bistrô Boucherie. —
Isso, só mais alguns passos.
Anne resmunga, os olhos escondidos pela venda. Os sapatos
de salto batucam contra o piso encerado que poderia refletir até a
minha alma, se quisesse.
— Você está dizendo isso há quase meia hora, Reed. Daqui
a pouco, vou ter atravessado os Estados Unidos inteiro.
— Não seja tão impaciente. Se continuarmos assim, vou
terminar o próximo ano com cabelos brancos por sua causa.
Ela finge um choramingo e aperta os dedos ao redor dos
meus, preocupada em perder o equilíbrio.
Desvio de uma torre de taças e giro seu quadril, mudando a
direção. Na minha cabeça, montar um jantar romântico à luz de
velas soava incrível. Agora me soa como uma ideia desastrosa. A
falta de uma iluminação decente está fazendo o percurso durar além
do que deveria.
— Eu acho cabelos brancos um charme. Vão te deixar com
um cara de velho gostoso.
Faço uma careta diante da sua frase.
— Tem algo que você queira me contar, Annie?
Anne dá aquela risadinha que se tornou frequente nesse
último ano do nosso relacionamento e vira levemente o rosto para o
lado, seguindo o som da minha voz. Há um sorriso brincando em
sua boca pintada de batom vermelho. Estou ansioso para ver esses
lábios envolvidos ao redor do meu pau.
A cena tem se repetido por longos dias desde que ela me
chupou de surpresa após o treino dos Rebels Of Horizon no banco
de trás do meu Jeep. O batom borrado, combinado com o sutiã
vermelho que comprei, deixou-a ainda mais gostosa — e eu achei
que isso nem fosse possível.
— Nada, não. Eu apenas andei assistindo Uma Linda Mulher
em looping desde que a Claire se mudou para Los Angeles.
A mudança de Claire foi um acontecimento que pegou todos
nós desprevenidos. Após o desfile, que conquistou a atenção de
pessoas importantes, ela recebeu uma proposta de estágio meses
depois. Como Dave também foi draftado pelo Las Vegas Raiders, a
proposta caiu como um presente dos céus na vida deles.
Eles estão mais felizes do que nunca, embora Anne sinta
saudades de Claire e a ausência de Dave no time é um buraco difícil
de preencher, mesmo que o novo quarterback seja tão bom quanto
ele foi.
— Prometo que, daqui a alguns meses, a gente pode viajar
para visitá-los.
Anne se empolga ao redor dos meus braços e eu preciso
apertá-la para que não tropecemos. Vejo, ao longe, a mesa que
Gina preparou para a gente e contenho o alívio. Mais um segundo
andando no escuro e vou arrancar os meus cabelos.
— Eu já disse que te amo hoje? — Anne diz, manhosa.
— Talvez, mas eu não vou reclamar de ouvir mais um milhão
de vezes.
Se não estivesse usando a venda, aposto que ela reviraria os
olhos esverdeados para mim. Vê-la feliz e realizar os seus desejos
se tornou praticamente um passatempo para mim. O sorriso que
recebo todas as vezes é recompensador para caralho e me faz ter a
certeza de que me apaixonei pela garota certa.
— Nós já estamos chegando? — pergunta ao dar um passo e
parar ao sentir o salto enroscar no tapete. — Reed? Que merda
você está aprontando? Se isso aqui for um clube de strippers, saiba
que eu não vou tirar a roupa. Eu vim sem calcinha.
Engulo uma risadinha.
— Isso é você pedindo, de novo, para que levante a sua saia
e afunde os dedos na sua boceta quente e gulosa?
Ela geme de um jeito sofrido.
— Os seus dedos e o seu pau, por favor.
Solto um arquejo, surpreendido com a sua boca suja, e paro
os nossos passos diante da mesa com o candelabro aceso. Gina
caprichou na decoração, como eu pedi. As taças de vinho repousam
sobre a mesa e os pratos de entrada esperam pela gente no
carrinho dourado. Há também pequenos pisca-pisca colocados no
teto, imitando o céu estrelado de Sunbay.
Tiro a venda dos olhos de Anne e um suspiro extasiado
preenche o silêncio do bistrô.
— O que é isso?
Pouso as mãos nos ombros descobertos pelo vestido de
alcinhas e sopro o ar quente em seu pescoço. Os cabelos foram
presos em um coque elaborado, me dando livre acesso a uma das
partes favoritas do seu corpo.
— Um presente.
— Por eu te chupar depois de um treino difícil?
Sorrio.
— Pode ser também. Mas, principalmente, por ser a melhor
namorada do mundo. Embora seus gostos alimentares sejam um
tanto quanto preocupantes, eu ainda não consigo imaginar uma vida
sem que você esteja ao meu lado.
Anne gira sobre os saltos, ficando de frente para mim.
Contemplo cada detalhe que a compõe. Os cabelos loiros, os olhos
brilhantes e astutos, os lábios perfeitamente desenhados e as
maçãs do rosto magras.
Anne é como um anjo.
— Eu ainda sou péssima com declarações.
— Eu não me importo. — Uno as nossas mãos e a pouso
sobre o lado esquerdo do meu peito. — Eu sei o que você sente,
porque eu também sinto. Desde o momento em que acordo até que
vou dormir, é em você que eu penso, Annie. Não há espaço para
outra pessoa no meu coração. 
Ela aperta os lábios em uma linha reta e se aconchega em
meus braços, deitando a cabeça bem no lugar em que está o meu
coração. Ele bate por ela há tanto tempo que nem sei como é
imaginar uma vida sem Anne Scott. Estou acostumado a tê-la em
cada maldito segundo em que respiro. A cada pulsar. A cada
amanhecer e anoitecer.
— Meu coração também é seu, Reed. — A voz dela soa
levemente abafada. — E eu posso ser ruim falando dos meus
sentimentos, mas eu quero que saiba que eu amo você. Amo tanto
que chega a doer. Amo quando assisto algum filme brega dos anos
90, quando passo em frente a uma loja de lingeries e quando vejo
um Jeep passando nas avenidas de North Groove. Eu amo que
você esteja marcado em cada parte minha.
Encaixo a mão ao redor do seu pescoço e puxo sua boca
para um beijo. Movimento os lábios e faço o mínimo de pressão
possível, consciente de que os beijos lentos sempre a deixam
sedenta por mais. Quero ouvir Anne gemendo o meu nome baixinho
para que depois, quando todos os pratos forem servidos, eu possa
fodê-la em cima da mesa do bistrô.
Eu fechei o estabelecimento justamente para isso. Para que
ninguém escute o que eu faço com ela. Para que ninguém escute o
som dos seus gemidos. Para que ninguém saiba que meu pau se
encaixa com perfeição dentro da sua boceta.
— Feliz um ano de namoro, joaninha.
Ela entreabre os olhos, meio trêmula, e franze a pontinha do
nariz.
— Do namoro de mentira?
Acho graça. A inocência dela me deixa com vontade de beijá-
la novamente.
— Não tem nada de mentira no quanto eu te amo. — Passo a
língua pelo cantinho da sua boca e uso a mão livre para apertar a
sua bunda. Como ela disse, não há a merda de nenhuma calcinha
encobrindo sua boceta. — A única mentira que vamos ter que contar
é sobre o que viemos fazer aqui.
Um sorriso eleva as bochechas coradas.
— Não viemos aqui para jantar?
— Só se o jantar for você.
Anne me dá um beliscão e solta um gritinho quando encaixo
meus braços por debaixo de suas coxas e a pego no colo. A risada
animada atinge em cheio o meu coração apaixonado, me dando a
certeza de que essa noite é sobre nós dois e o nosso amor infinito.
Mas também é sobre a ausência de calcinhas.
 
 
 
 
Esse é o quarto livro que eu escrevo.
E a sensação de ter concluído mais uma história é sempre
diferente.
Anne Scott e Reed Rollins surgiram de outra forma. Não foi
como aconteceu com os meus outros personagens. Eles fizeram a
sua primeira aparição em Antes de Você Dizer Adeus e, logo no
primeiro diálogo, eu soube que eles seriam protagonistas. Eles
tinham aquela vibe que eu amo e que fica impossível de apagar da
cabeça. Quando me dei conta, eu tinha um título provisório, um
enredo e uma pasta no Pinterest.
Mas eu decidi esperar. Comecei a escrever outro livro,
porque achei que não era a hora deles. Eu não podia estar mais
enganada. Era a hora deles, sim, porque Anne e Reed não paravam
de fazer barulho na minha cabeça. Eu acordava e dormia pensando
deles. Então, abri um novo arquivo no Word e deixei as palavras
fluírem. Deixei eles contarem a história deles. Deixei, durante seis
meses, eles serem os meus maiores companheiros. Deixei que eles
falassem comigo, chorassem, desabafassem e mudassem o enredo
que planejei.
Deixei que Anne e Reed tivessem o seu felizes para sempre.
E agora, depois de meses, vocês tiveram a oportunidade de
ler e conhecer mais sobre esses dois personagens tão incríveis e
maravilhosos.
Mas nenhuma página desse livro existiria se não fosse pelas
várias pessoas que tenho ao meu lado diariamente, seja
presencialmente ou do outro lado do computador. Seja para me
apoiar, me incentivar a não desistir ou para dizer que a minha ideia
é um lixo e que preciso pensar em outra coisa — sim, vocês sabem
que estou falando de vocês!
Meu maior agradecimento é para os melhores pais que esse
mundo poderia ter me dado. A escrita desse livro aconteceu, quase
que inteiramente, na casa de vocês e eu não poderia ser mais grata
por todo o suporte que me dão diariamente. Obrigada por
acreditarem no meu potencial, nos meus sonhos e na minha
vontade de escrever. Compartilhar da vida ao lado de vocês, como a
família feliz que somos, é o motivo do meu maior sorriso. Amo
vocês!
E por falar em família, não posso deixar de falar da pessoa
que entrou de mansinho na minha vida e se tornou como uma irmã
para mim. Maria Clara, você ocupa um espaço tão importante no
meu cotidiano que nem sei colocar em palavras. Esse ano tivemos a
oportunidade de nos conhecermos pessoalmente e isso só me deu
ainda mais a certeza que a gente tem um encontro de almas!
Obrigada pelos conselhos, pelos puxões de orelha, pelos jogos de
futebol americano que assistimos juntas, pelos livros lidos em
conjunto e pelos áudios zoados. O processo de escrever se torna
muito mais divertido com você ao meu lado. Te amo, cara de bunda!
À Sofia Degan (@eulimaisum), a amiga mais incrível que o
mundo da escrita poderia ter me dado. Anne e Reed não existiriam,
nem em um 1%, se não fosse por você. Obrigada pelas ideias de
enredo, pelas sugestões de hot, pelos surtos em cada capítulo lido
durante a madrugada e pela amizade diária, apesar dos blocks.
Compartilhar desse processo ao seu lado me incentivou a não
desistir. Agora a gente pode encher a cara e sair beijando 60
pessoas! Eu te amo, sua chata!
À Anaju, a melhor beta (e treinadora) do mundo inteiro que
me acompanha desde a época do Wattpad. Nossas conversas no
WhatsApp são sempre uma bagunça e nossa saúde é de centavos,
mas a nossa amizade é de milhões. Obrigada por desacreditar
(risos) que Anne e Reed NÃO mereciam um livro inteiro e por
apontar cada defeito que deveria ser melhorado. Estou ansiosa para
o nosso encontrinho em um bar insalubre. TE AMU!
À Leonor Carvalho, a minha portuária favorita! Fizemos
alguns pequenos sprints de escrita, surtamos juntas e trocamos
várias ideias de enredo quando tudo aqui ainda era mato. Agradeço
infinitamente por ter você ao meu lado, por sua amizade de milhões
de euros e por sermos tão diferentes, mas tão iguais. Te amo pra
cacete e venha visitar as Fifis logo, por favor!
À Beatriz (@brennellygram), a responsável pelo título deste
livro! Um Acordo Improvável vai carregar para sempre um pedaço
seu e eu espero, do fundo do meu coação, que Anne e Reed
conquistem um espaço no seu coração como Dakota e Dean. Eu te
amo muito muito e sou grata por todo o apoio que você me dá
diariamente.
Ao Vitor Matheus, o número um em acompanhar meus surtos
de escrita, meus problemas de vida pessoal e o revisor que faz
todos os meus livros ficarem perfeitinhos em cada detalhe. Obrigada
por esses infinitos anos de amizade, pelos deboches e por jogar
verdades na minha cara! (Eu sei que mereço).
À Isabeli e Julia, os meus amorzinhos do coração. Ter vocês
acreditando em mim, apesar da distância, sempre vai me arrancar
os maiores sorrisos. Estou ansiosa para a gente se ver novamente,
beber vinho, fofocar sobre a vida e chorar as pitangas e cantar até
que a vizinha venha bater na porta pedindo silêncio (risos nervosos).
Amo vocês!
À Mariane, que acompanha meu processo sempre de longe,
mas que nunca deixa de me influenciar de alguma forma. Obrigada
por ser essa pessoa incrível durante todos esses anos de amizade.
Te amo muito!
Por último, mas não menos importante, a todos os meus
leitores que me acompanham desde a época do Wattpad, que
vieram de SHE, que me conheceram através de ADVDA ou que
estão aqui pela primeira vez. O apoio de vocês me incentiva a não
desistir, mesmo quando o que mais quero é fugir de qualquer coisa
relacionada à escrita. Se cada uma das minhas histórias existem, é
por causa de vocês!
Muito obrigada por me apoiarem através de posts no
Instagram, Reels, Tik Toks, stories e mensagens no privado. Amo
vocês até o infinito!
E se você chegou até aqui, agradeço pela leitura! Espero que
Um Acordo Improvável tenha lhe tocado de alguma forma.
A gente se vê em breve com a história de um certo
personagem aí (hehehehe).
 

 
 
 

[1] É o responsável por receber a bola lançada pelo quarterback.


[2] O quarterback é o principal jogador do time, responsável por passar a bola

e arquitetar as jogadas ofensivas.


[3] O cornerback joga nas laterais do campo e é responsável por seguir o wide

receiver do time rival pelo campo e derrubá-lo em caso de recepção;


[4] Período de folga da NFL;
[5] Os defensive tackle ficam no meio da linha defensiva e são responsáveis

por bloquear as corridas do adversário;


[6] Os defensive ends jogam nas extremidades da linha defensiva e tem por

objetivo sacar o quarterback do time adversário e impedir a corrida pela lateral


do campo;
[7] Pads são peças de plásticos revestidas de borracha. Elas são utilizadas em

bolsos internos da calça para proteger coxa, quadril e cóccix; 


[8] É o ato de derrubar o quarterback adversário antes mesmo que ele consiga

entregar a bola a um companheiro de ataque;


[9]  Pontuação máxima no futebol americano. É quando um time consegue

chegar até a endzone do adversário;


[10] O running back é o corredor do time. Pode ser half-back (correm com a

bola) ou fullback (são bastante usados para bloqueio);


[11] Originário da era pré-colombiana, esse prato é basicamente uma sopa ou

guisado feito de milho que leva também carne de porco ou de galinha.


[12] Os Licuados são sucos de frutas misturados com leite ou iogurte.  
[13] No Brasil, o título foi traduzido para “O Plano Imperfeito”.

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