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O dispositivo nas sentenças de desapropriação direta

O processo judicial de desapropriação por utilidade pública é regulado pelo


Decreto-Lei nº 3.365/1941, que também trata da desapropriação administrativa, feita
de forma consensual entre as partes.
A dúvida que surge é quanto à sentença em uma ação dessa natureza: ela
declara desapropriado o bem, decreta a desapropriação ou simplesmente estabelece o
valor da indenização, pressupondo-se que a desapropriação em si já ocorreu antes,
com a expedição do ato administrativo?
Particularmente, entendo que a ação judicial decreta a desapropriação, ou seja,
constitui uma situação jurídica nova. Tenho essa visão com base no Decreto-Lei nº
3.365/1941. É certo que esse texto legal é contraditório e, em alguns momentos, dá a
entender que a perda da propriedade acontece em momento pré-processual. Nesse
sentido:

Art. 13. A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de


Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com um
exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o
decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a
planta ou descrição dos bens e suas confrontações.

Porém, em outros artigos, o Decreto-Lei nº 3.365/1941 toma um caminho


diverso. O principal deles, a meu ver, é o art. 10, que diz:

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Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou
intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da
expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.

Ora, se o dispositivo legal diz que a desapropriação será administrativa ou


buscada judicialmente, significa que a ação judicial não serve apenas para verificar o
valor do bem, mas também para constituir a nova situação jurídica.
Na doutrina, as opiniões se dividem, como destaca Madalena Porangaba1:

Quanto à natureza jurídica da sentença há divergência doutrinária:

Kiyoshi Harada, Pontes de Miranda, Diogo de Figueiredo Moreira Neto entendem que
há duas espé ies de se te ça a desapropriação: u a o stitutiva a da e tal
quando decreta a perda da propriedade e manda expedir o mandado de imissão na
posse definitiva (art. 29 do Decreto-Lei 3325/41) e outra o atureza de laratória
quando fixa a justa indenização (art. 27, § 1º do Decreto-Lei 3325/41).

F. Whitaker afirma que a sentença é declaratória, atributiva e condenatória (custas e


honorários).

Miguel Seabra Fagundes ratifica a existência de duas sentenças (uma que fixa o preço
e outra que autoriza a imissão) mas nega expressamente o caráter de sentença à
homologação de acordo, aduzindo que seria mero ato administrativo. Já Pontes de
Miranda reconhece a natureza de sentença ao ato do juiz que homologa acordo.

Calmon de Passos segue a linha que adoto2:

5 - O Decreto-Lei n. 3.365/41, hoje disciplinando a desapropriação por utilidade


pública, dispõe em termos diversos daqueles adotados pela lei paulista.

Em seu art. 10 é explícito, afirmando dever a desapropriacão efetivar-se (grifo nosso)


mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data
da expedição do respectivo decreto (que declarou a utilidade pública) e findos os quais
este caducará.

Consequentemente, a ação de expropriação é mais que simples ação declaratória de


uma expropriação já efetivada. Ela é o meio pelo qual se consuma a expropriação que
amigavelmente não se pôde ou não se quis efetivar.

1
PORANGABA, Madalena. Ação de desapropriação: noções gerais com foco no procedimento. Disponível em
<https://goo.gl/i12pfX>. Consultado em 19 dez. 2017.
2
CALMON DE PASSOS, J. J. A transferência da propriedade para o domínio do expropriante no curso da ação de
desapropriação. Disponível em <https://goo.gl/WZbMzh>. Consultado em 19 dez. 2017.

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(...)

6 - Nesses termos, inatacável o ensinamento de Pontes de Miranda, arrolando a ação


de expropriação na categoria das ações constitutivas, dela cuidando, largamente, no
seu 'Tratado das Ações', justamente no vol. IV, no qual estuda as ações constitutivas
em espécie (p. 433 e segs.).

Nem me parece que se possa levantar dúvida razoável a respeito. Outros estudiosos do
instituto da desapropriação ou se limitam a um tratamento descritivo do procedimento
da ação expropriatória, sem situá-lo em qualquer das categorias hoje fixadas pela
ciência processual, ou concordam com a lição do mestre, à semelhança do que se
verifica com Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no seu Curso de Direito Administrativo,
Il/310.

A sentença final, no processo expropriatório, conclui Pontes de Miranda, é constitutivo-


mandamental: 'Constitutiva porque é ela que decreta a perda da propriedade e serve
de título ao registro de imóveis; mandamental, porque manda expedir o mandado de
imissão de posse. O elemento declarativo é interior, funciona como questão prévia de
declaração de estarem satisfeitos os pressupostos da desapropriação' (ob. e vol. cits.,
p. 483).

Porém, em uma pesquisa nos três tribunais em relação aos quais estávamos
trabalhando as ͞Práticas de Sentenças͟ do JusTutor, no momento da redação deste
pequeno texto, notei que boa parte dos juízes profere sentenças declaratórias de
desapropriação, não sentenças constitutivas e muito menos sentenças que apenas
fixam o valor da indenização. Destaco algumas sentenças, as quais demonstram a
divergência entre os magistrados, mas com prevalência do comando declaratório:

Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e declaro incorporado ao patrimônio do


DER-MG – DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ESTRADAS DE RODAGEM DE MINAS GERAIS
o imóvel expropriado, mediante o pagamento da importância de R$238.235,51
(duzentos e trinta e oito mil, duzentos e trinta e cinco reais e cinquenta e um centavos),
pelo imóvel desapropriada e custo de adaptação do remanescente, com juros
moratórios de 1% ao mês a partir da citação inicial e correção monetária a partir do
laudo pericial, pelo índice da Tabela da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de
Minas Gerais, tudo isso incidindo tão somente sobre a diferença entre o apurado e o
ofertado. (0647 09 100045-3)

Diante do exposto, e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o
pedido da presente ação de DESAPROPRIAÇÃO proposta pelo MUNICÍPIO DE BELO
HORIZONTE em face de IMÓVEIS A. P. LTDA. e, em consequência, com fundamento no
Decreto-Lei nº 3.365/45, declaro desapropriada a área descrita no Decreto Municipal
nº 12.895, de 23.10.2007, e ainda identificada nos memoriais descritivos acostados nos
autos, e pelos índices municipal e matrículas imobiliárias, todas no Cartório do 2º

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Ofício de Registro de Imóveis, seguintes: a) parte do lote 03 da quadra 02, com índice
cadastral nº 450002 003 0015, matrícula 2575; b) parte dos lotes 03, 05 e 08 da
quadra 03, com índices cadastrais nº 450003 03 0011, 450003 005 001X e 450003 008
0014, matrículas nº 2579, 2143 e 2137; c) lote 08 da quadra 07, índice cadastral nº
049007 008 0015, matrícula 2077; d) parte dos lotes 11, 12, 13 e 14 da quadra 08,
índices cadastrais nº 450008 011 0018, 450008 012 0012, 450008 013 0017 e 4350008
014 0011, matrículas nº 2114, 2085, 2086 e 2087; e) lote 23 e parte dos lotes 25 e 26
da quadra 10, índices cadastrais nº 450010 023 0015, 450010 025 0014, 450010 026
0019, matrículas nº 2095, 2093, e 2638, que será incorporada ao patrimônio do
Município de Belo Horizonte. (0024 08 839185-9)

ISSO POSTO e por tudo mais o que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, a
fim de decretar incorporado no patrimônio da expropriante a área descrita na inicial,
mediante a indenização de... (0027 04 040.039-5)

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTES o pedido de desapropriação, declarando incorporada
ao patrimônio do expropriante a área descrita na inicial, pelo preço da avaliação
efetuada pelo perito (R$ 30.000,00 – fl. 126), a título de justa indenização, corrigido
conforme o §2º do art. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/41, a contar da data do laudo de
avaliação, acrescido de juros compensatórios no percentual de 12% (doze por cento) ao
ano desde a efetiva ocupação do imóvel e juros moratórios após o trânsito em julgado,
nos termos da fundamentação supra, em virtude da desapropriação indireta do imóvel
descrito na inicial. Devem ser abatidos os valores já recebidos durante a tramitação do
feito. (0326184-17.2017.8.21.7000)

ISSO POSTO, julgo extinta a demanda em relação aos Irmãos Beck e Cia Ltda., com
fundamento no artigo 267, inciso VIII, do CPC e JULGO PROCEDENTE a presente AÇÃO
DE DESAPROPRIAÇÃO ajuizada pela Companhia Municipal de Saneamento - COMUSA
em face de Paulo Leopoldo Beck, Suzana Beck para: a. declarar o domínio da autora
sobre o imóvel matriculado sob o nº 71.044 nos termos do Decreto nº 3.132/2007; b.
condenar a autora ao pagamento de justa indenização consistente no montante de
R$765.000,00, os quais já foram pagos. (0383416-55.2015.8.21.7000)

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a Ação de Desapropriação ajuizada pelo


MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE contra ADÃO ANOIR VITT, LÚCIA MILCHARECK VITT,
KAREN TATIANE NUNES TESTA, ADÃO CARDOSO LECINA, CARLA ZAVAREZE DE
OLIVEIRA, NATIELE ARAUJO DA SILVA, ENIO ALEX BUENO DE FREITAS, DAIANE BUENO
DE FREITAS, ALEXANDRO PEREIRA DA SILVA e GLORIA TEREZINHA LEMOS DA SILVA
para o efeito de DECLARAR o do í io do autor so re o terre o de for a irregular,
situado na Rua Jaguari, lado par e Av. Divisa, para a qual também faz frente e forma
esquina, constituído pelos lotes 36 e um sem número, da quadra 25, com área de
571,36m², como consta na matrícula nº 37.921, fl. 1, do livro nº 2, do Registro de
Imóveis da 5a Zona de Porto Alegre, localizado no quarteirão formado pelas Ruas
Jaguari, Upamoroti, Butuí e Av. Divisa, no Bairro Cristal, com a seguinte descrição: a
leste mede 22,00m de extensão no alinhamento da Rua Jaguari; a sul mede 44,00m de
extensão e limita-se com propriedade de Abrahão Pedro Nunes; a oeste, nos fundos,
mede 4,00m de extensão e limita-se com propriedade de Marina Condeixa Thompson
Flores; a norte mede 48,00m de exte são o ali ha e to da Av. Divisa , registrado o

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Ofício Imobiliário da 5ª Zona de Porto Alegre na matrícula nº 37.921. (0265957-
32.2015.8.21.7000)

Tribunal de Justiça de São Paulo

Posto isso, julgo procedente a pretensão inicial para decretar a incorporação do imóvel
identificado na inicial ao patrimônio público da expropriante, fixando como valor de
indenização para o bem expropriado a quantia de R$ 2.076.398,59 (para agosto de
2013), observando-se a atualização monetária prevista na Tabela do Tribunal de
Justiça. Em face do julgamento ora proferido, declaro extinto o processo com resolução
do mérito, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil/2015.
(0020132-65.2013.8.26.0053)

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação de desapropriação, com


fundamento no artigo 22 de Decreto lei 3.365/41 e declaro incorporado ao patrimônio
público da expropriante o imóvel descrito na inicial, de propriedade dos expropriados,
mediante o pagamento de R$ 428.600,00 (válido para maio de 2016 fl. 263),
devidamente corrigido desde a data supramencionada até a data do efetivo
pagamento pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça. (1013284-40.2016.8.26.0053)

Diante do exposto, julgo procedente a presente ação de desapropriação, com


fundamento no artigo 22 de Decreto lei 3.365/41 e declaro incorporado ao patrimônio
público da expropriante o imóvel descrito na inicial, de propriedade da ré, mediante o
pagamento de R$35.879.400,00 (trinta e cinco milhões, oitocentos e setenta e nove mil
e quatrocentos reais),devendo a diferença entre o valor ora fixado e o valor depositado
nos autos ser corrigido desde a data supramencionada até a data do efetivo
pagamento pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça. (1006756-58.2014.8.26.0053)

Tribunal Regional Federal da 5ª Região

3. DISPOSITIVO - Isto posto, FIXO, com fulcro no laudo pericial de fl. 653/700, como
justo preço da indenização pelo perdimento do domínio útil da área delimitada na
perícia o valor de R$ 1.847.562,32( um milhão, oitocentos e quarenta e sete mil,
quinhentos e sessenta e dois reais e trinta e dois centavos), apurada para novembro de
2014, condenando o Município de Fortaleza ao seu pagamento, através do depósito à
ordem do juízo já efetuado e respectiva complementação, acrescido de... (0011633-
30.2010.4.05.8100. Obs.: não declarou e nem decretou, mas apenas fixou a
indenização)

Ante todo o exposto, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido de desapropriação por


utilidade pública, para fins rodoviários, da área discriminada na exordial, mediante o
pagamento de indenização no importe total de R$48.963,18 (quarenta e oito mil,
novecentos e sessenta e três reais e dezoito centavos), em espécie
(00027895020134058500. Obs.: não trouxe o comando expresso, apenas julgando
procedente o pedido de desapropriação).

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para: a) declarar


consumada a desapropriação do imóvel descrito nestes autos; b) fixar a indenização
devida ao expropriado no valor de R$ 50.587,95 (cinquenta mil quinhentos e oitenta e
sete reais e noventa e cinco centavos) em espécie. Esse valor deverá ser corrigido

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monetariamente, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos da Justiça Federal. Dever-se-á, ainda, descontar-se os valores já depositados
em juízo pelo expropriante. (0800052-58.2015.4.05.8504)

A minha recomendação, diante de tamanha divergência, é buscar a forma


adotada pelo examinador que fará a sentença do concurso. Porém, como isso nem
sempre é possível, minha sugestão é construir um dispositivo que não adote
claramente nenhuma das opções. Algo mais ou menos assim:

Em razão do exposto, extingo o feito com resolução do mérito, julgando


procedente o pedido de desapropriação do imóvel de matrícula nº
11.560, localizado na Av. X, nº 562, cidade Tal/UF. Fixo a indenização...

Com um dispositivo redigido dessa maneira, foge-se das discussões doutrinárias


e jurisprudenciais sobre o tema, algo importante no momento da sentença,
especialmente quando não se sabe exatamente qual é a corrente adotada pelo
examinador.

Alexandre Henry
Professor e Juiz Federal

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