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SEMIOLOGIA MÉDICA - teóricas

APARELHO CARDIOVASCULAR

APROXIMAÇÃO CLÍNICA A UM DOENTE COM PATOLOGIA


CARDÍACA:
- Dados do animal (sexo; idade; ambiente;...)
- História e sinais clínicos
- Exame físico:
Pulso jugular
Pulso arterial
Membranas mucosas
Choque de ponta
Auscultação cardíaca
- Exames complementares:
Electrocardiografia
Radiografias torácicas
Analítica sanguínea (hemograma)
Ecocardiografia (doppler; contraste)
Cateterismo cardíaco
Angiocardiografia

SINTOMAS INDIRECTOS DE CARDIOPATIAS COLHIDOS


PELO EXAME GERAL

São numerosas as manifestações mórbidas, sobretudo de carácter funcional, que


os aparelhos:
- Digestivo
- Respiratório
- Urinário
- Sistema nervoso

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evidenciam como consequência das alterações circulatórias e de
irrigação, provocadas pelas cardiopatias.

1. Colapso cardiovascular
Algumas cardiopatias conduzem as estado de insuficiência cardíaca que se
estabelece paralelamente com um estado de insuf. circulatória.
De acordo com a rapidez com que se desenvolve a síndrome de insuficiência
circulatória, o tempo de duração e a reversibilidade, consideram-se 3
designações:
- choque
- síncope
- morte súbita

2. Alteração da cor da pele e mucosas


Pode-se observar a cianose que é uma coloração azul violácea facilmente
reconhecível (pode produzir-se por edema pulmonar, patologias cardíacas
congénitas que levam a policitémia por hipóxia)
Noutras situações pode observar-se a coloração vermelha intensa (shunt’s).

3. Sintomas respiratórios
Alteração dos movimentos respiratórios, em relação ao modo e ao ritmo, não
surpreendem devido à estreita sinergia funcional entre o pulmão e o coração.
Pode observar-se dispneia em doentes cardíacos que se apresentam sob a forma:
- paroxística (episódica)
- de decúbito (daí a tosse nocturna dos cardíacos)
- de esforço

A principal razão da dispneia é a estase pulmonar devida a alterações do


coração esquerdo, por falência ventricular ou por dificuldades de esvaziamento
da aurícula esquerda. A estase leva a transudação de plasma e alterações de

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permeabilidade das paredes alveolares, as quais interferem nas trocas gasosas
entre o sangue e o ar, por acúmulo de fluído nos alvéolos.
A dispneia agrava-se subitamente e associa-se com outras alterações
respiratórias nas situações de edema pulmonar agudo provocado por falência do
ventrículo esquerdo.
Nos pacientes cardíacos pode-se observar arritmia respiratória do tipo
Cheyne-Stokes, independentemente da síndrome de azotémia (que pode também
surgir por má perfusão renal), provavelmente coexistente.
As cardiopatias, por si só, ou por processos associados (como a bronquite ou a
fibrose pulmonar), podem provocar a presença de crepitações audíveis na
auscultação torácica e de tosse (pelo edema pulmonar, ou por compressão dos
brônquios principais).

4. Edemas e hidropsias viscerais


Verificam-se em determinadas situações clínicas como consequência da
hipertensão hidrostática.
No início das cardiopatias, o edema é discreto, apresentando-se como
espessamento dos territórios em declive, sobretudo nas extremidades dos
membros, regiões subesternal e abdominal inferiores e prepúcio. Nesta fase, o
edema não é constante, observando-se o seu desaparecimento com o repouso.
Mais tarde torna-se permanente e de maior extensão. A pressão dos dedos sobre a
pele com edema subcutâneo imprime o característico sinal de “godet” (fica uma
depressão no local onde se pressiona).
As hidropsias viscerais surgem por insuficiência cardíaca direita e surgem:
• no abdómen (ascite)
• no tórax (hidrotórax)

O diagnóstico sintomatológico de ascite é fácil (pela presença de prova da


ondulação positiva), embora se necessite conhecer, quer por exame físico, quer
por exames complementares, outros aspectos relativos à etiologia/patogenia que
possam negar ou confirmar a responsabilidade do coração. Para além das
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cardiopatias que geram aumentos da pressão hidrostática, outras etiologias que
podem originar ascite (ou efusão torácica) são:
- hipoproteinémia por:
má-nutrição
nefropatias (patologias renais) com perda de proteína
hepatopatias (patol. hepáticas) por não produção de proteínas
enteropatias (patologias gastrointestinais) com perda de proteína
- aumento da permeabilidade vascular
- obstrução linfática

Figuras 1 e 2: Edema do tarso (setas brancas). Na imagem da direita pressionou-se a zona do


edema e produziu-se uma depressão no tecido (sinal de “godet”) - seta transparente.

SINTOMAS COLHIDOS PELO EXAME CLINICO DIRIGIDO


AO CORAÇÃO

Inspecção - choque pré-cordial (desvios, alt. frequência e ritmo)


Palpação - localização
- intensidade
- frequência e ritmo

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Percussão
Auscultação - ruídos normais
- modificação patológicas dos ruídos cardíacos:
- variações de intensidade - aumento ou diminuição
- variações de frequência e ritmo
- variações do nº de ruídos por cada ciclo cardíaco (normal
é haver 2 ruídos)
- ruídos adventícios:
- sopros
- ruídos de atrito (pericárdio)

EXPLORAÇÃO CARDÍACA POR MEIOS INSTRUMENTAIS


Exame radiológico do coração e dos grandes vasos
Importante para definir volume e silhueta global e parcial do coração e dos
grandes vasos (aorta e cava caudal).
A silhueta cardíaca, em condições normais, varia com a posição do animal, no
momento da radiografia, consoante este se encontra posicionado em:
- decúbito lateral esquerdo
- decúbito lateral direito
- dorso-ventral ou ventro-dorsal

As relações cardíacas com os órgãos vizinhos, particularmente com o


diafragma, modificam-se fisiologicamente com a sístole, a diástole e as fases do
ciclo respiratório.

Excluída a hipótese do coração globoso próprio de animais jovens e de outras


situações normais (como raças braquicéfalas), o alargamento geral das dimensões
da silhueta cardíaca resulta, em geral, da dilatação do órgão, por alterações
valvulares, miocárdicas ou de pericardite com derrame.

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Frequentemente verifica-se o aumento de uma só cavidade, por exemplo:
* aurícula esquerda insuf. mitral
* ventrículo esquerdo estenose aórtica
* ventrículo direito estenose pulmonar

Ao realizar-se um Rx torácico devem avaliar-se, no mínimo, 2 posições:


- lateral esquerdo
- dorsoventral ou ventrodorsal (++)

A exposição deverá ser, idealmente feita durante a inspiração. Na expiração


os pulmões aparecem mais densos, o coração está relativamente aumentado, o
diafragma pode sobrepor-se ao bordo caudal do coração e os vasos pulmonares
estão mal delimitados.
Uma silhueta cardíaca anormalmente pequena resulta de uma redução do
retorno venoso, tal com pode ocorrer no choque
hipovolémia

Electrocardiografia

Ecocardiografia
É uma importante ferramenta não invasiva. É utilizada para avaliar:
- tamanho das câmaras cardíacas
- espessamento das paredes
- movimento das paredes
- configuração das válvulas e seu movimento
- os grandes vasos proximais

É também um método sensitivo para a detecção de fluído pericárdico


pleural

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Figura 3: Esquemas de imagens ecocardiográficas de várias secções do coração
observáveis em cortes de eixo curto (transversal) e eixo longo (longitudinal).

Angiocardiografia
- Não selectiva - instilação de contraste numa veia de grande calibre
(avalia bem a vasculatura pulmonar)
- Selectiva - realiza-se através da colocação de cateteres cardíacos
via um vaso periférico (artéria/veia), permitindo a inoculação
de contraste em pontos específicos do coração ou grandes

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vasos. Necessita do recurso à fluoroscopia (radiologia em
tempo real) para correcto posicionamento do cateter.

Figura 4: Rx de uma angiocardiografia não- Figura 5: Rx de uma angiocardiografia não-


selectiva direita (contraste instilado via veia selectiva esquerda.
jugular).

Figura 6: Angiografia selectiva Figura 7: Angiografia esquerda para diagnóstico de


esquerda (repara na ponta do cateter tromboembolismo ilíaco (seta - interrupção do fluxo da
- seta). aorta abdominal) num gato.

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Cateterismo cardíaco
É a colocação selectiva de cateteres em diferentes áreas do coração e
vasculatura para fazer:
- medição de pressões
- determinação do débito cardíaco
- medir a concentração de O2 sanguíneo (para o diagnóstico de
certos ductus arterioso persistente)

PULSO ARTERIAL

São numerosas as afecções de origem - respiratória


- renal
- nervosa
- cardíaca (+++)
que tem a sua repercussão no pulso, particularmente no
arterial => daí a importância da sua exploração dever ser realizada
sistematicamente.

Embora a exploração do pulso seja comum a todos os exames clínicos, o


estudo das características do pulso merece cuidado particular na exploração do
ap. cardiovascular.

Exploração: mantendo o animal em estação, o clínico coloca-se detrás do


animal e, com as mãos a contornar os bordos ant. das coxas e com as polpas dos
dedos sobre as artérias femorais, palpa-se as pulsações arteriais.

Def.: o pulso arterial é a elevação produzida na artéria, pela passagem da onda


sistólica, e que é perceptível pelos dedos que comprimem ligeiramente a parede
do vaso.
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As variações patológicas do pulso arterial dizem respeito aos seguintes
caracteres:
1- Absolutos - amplitude, tensão ou dureza e velocidade
2- Relativos – alterações na frequência e ritmo

1. - Modificação dos caracteres absolutos


1.1. – Amplitude
Def.: É a diferença de calibre do vaso entre as fases diastólica e
sistólica da contracção cardíaca (logo resulta da diferença entre a pressão
sistólica e diastólica).
a - calibre do vaso na sístole
b - calibre do vaso na diástole
c c - AMPLITUDE do pulso
a
b

Quanto à amplitude podemos ter várias designações:


- Pulso forte, vigoroso ou cheio
É um pulso de grande amplitude podendo ser provocado por:
- excessiva pressão sistólica
- baixa pressão distólica
- a combinação das duas ant. em simultâneo

Patologias: são variadas as situações clínicas que se apresentam com


pulso forte, entre elas todas as afecções cardíacas ou extracardíacas que
provocam hipertrofia do coração.
Ex.: * Insuficiência aórtica - na diástole o sangue reflui de novo para
o interior do ventr. esquerdo devido à insuf da válvula. Na sístole há uma
sobrecarga de volume ventricular (ao sangue recebido no ventrículo proveniente
da aurícula esq., junta-se o sangue proveniente do refluxo vindo da aorta) => o
músculo cardíaco tem de realizar um trabalho redobrado => hipertrofia das
paredes
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* Excitação
* Cardiomiopatia hipertrófica (gatos) / hipertiroidismo
* Ductus arterioso persistente (durante a diástole o sangue reflui, via
ductus, para a art pulmonar, reduzindo a pressão diastólica)

- Pulso fraco, débil, pequeno ou imperceptível


É um pulso de pequena amplitude que se encontra na:
- debilidade cardíaca (cardiomiopatia dilatada - CMD)
- estenose aórtica severa (dificuldade em ejectar o sangue do vent.)
- estenose mitral
- choque / desidratação

1.2. - Tensão ou dureza


Def.: É a acção (pressão) exercida pelo sangue contra a parede da
artéria, de dentro para fora do vaso. É avaliada pela pressão, maior ou menor,
exercida pelos dedos que exploram a artéria.

- Pulso tenso ou duro


É o pulso arterial que apresenta grande resistência à depressão.
Ex.: Hipertrofia ventricular esq.

- Pulso brando, mole ou depressível


A artéria deprime-se (colapsa) facilmente sob a pressão dos dedos.
Ex.: Astenia cardíaca (CMD); hipotensão; choque

Nota: À combinação de um pulso de fraca tensão e pequena amplitude


chama-se Pulso Filiforme (geralmente associado a prognóstico
reservado).

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1.3. - Velocidade
Def.: Corresponde à velocidade de passagem da onda sistólica na
artéria.
- Pulso rápido (não confundir com frequência aumentada!!)
A elevação e depressão da artéria é rápida, sem alteração obrigatória do nº
de pulsações.
Ex.: * Hipertrofia cardíaca (HCM) - porque o ventrículo a contrair
energicamente => sangue impulsionado com violência
* Insuficiência aórtica - porque durante a diástole há refluxo do
sangue da art. aorta de volta ao vent. esq. => a pressão arterial cai rapidamente
=> fase descendente do pulso é rápida.
* Ductus arterioso persistente (o refluxo de sangue pelos ductus
durante a diástole faz com a pressão diastólica caia rapidamente)

- Pulso lento
O pulso eleva-se com dificuldade ou a fase de declínio atrasa-se em relação
ao normal.
Ex.: * Insuficiência mitral - porque durante a sístole vent. parte do
sangue reflui para o interior do átrio esq..
* Estenose aórtica - porque o sangue tem dificuldade em vencer
a passagem da válvula => sístole mais prolongada.

2. - Modificação dos caracteres relativos


2.1. - Frequência
Reflecte o nº de pulsações por minuto.
Para estudar os mecanismos subjacentes que estão relacionados com
a alteração da frequência => recorre-se ao electrocardiograma (E.C.G.).

- Pulso taquisfígmico - pulso que apresenta uma frequência superior ao


normal.
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Causas: ansiedade; febre; dor; tirotoxicose (excesso de hormonas da
tiróide endógenas - hipertiroidismo - ou exógenas - suplementação em excesso);
insuficiência cardíaca; hipotensão; choque; fármacos (catecolaminas; atropina).
- Pulso bradisfígmico - é uma consequência da redução da frequência
cardíaca.
Causas: - acção do S.N.A. sobre o nó sinusal (ex. doenças
respiratórias ou do tracto G.I.)
- dificuldades à condução do estímulo através do tec. de
condução cardíaca (=> E.C.G. para determinar causa)
- fármacos (tranquilizantes; anestésicos e digitálicos)
- trauma ou doença do SNC; hipotermia; hiperkalémia
(aumento da concentração de K+); hipotiroidismo.

2.2. - Ritmo
- Normalmente o ritmo deve ser regular, tornando-se irregular em certas
situações patológicas, como nas arritmias cardíacas.
- No entanto há uma excepção - A arritmia cardíaca respiratória - é
comum nos cães onde se verifica um aumento da freq. na inspiração e uma
diminuição da freq. durante a expiração. É uma arritmia regularmente irregular,
pois aparece de uma forma cíclica.

- Pulso intermitente (ou com ausências) - sempre que se verifica a


ausência de uma pulsação na sucessão normal. Houve uma contracção cardíaca,
mas não houve expulsão de sangue - causa mais comum => extrassístoles ou
contracções prematuras (é uma arritmia onde o que acontece é o surgir de um impulso
eléctrico cardíaco antes do esperado assim, se o ventrículo esquerdo ainda se encontra em fase
de diástole, este estímulo prematuro leva a que o ventrículo se contraia ejectando pouco, ou
nenhum, sangue, daí a ausência de onda de pulso).

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2.3. - Outras alterações
- Pulso alternante - alternância de uma pulsação forte e de uma fraca ou
desigualdade na amplitude das ondas de pulso. Reflecte uma cardiopatia grave
que se traduz pela incapacidade do músculo cardíaco em realizar duas sístoles
sucessivas com a mesma energia (ex. CMD). Também pode ocorrer em
extrassístoles, pois o volume de sangue ejectado nessas contracções é menor
(porque a contracção ocorre antes do fim da diástole ventricular) que o ejectado
nas contracções normais.

- Pulso assimétrico ou diferente - refere-se a características distintas


encontradas em 2 art. homólogas. As pulsações são desiguais ou faltam algumas,
ou todas, as pulsações.
Causas: estenose de uma das artérias por:
- trombose (frequente das art. ilíacas em gatos com HCM)
- compressão externa

Figuras 8, 9 e 10: Necrópsia de um gato com tromboembolismo ilíaco secundário a uma


cardiomiopatia hipertrófica (HCM). Região da bifurcação da art. aorta abdominal nas artérias
ilíacas assinalada pelas setas a branco.

- Pulso paradoxal ou de Kussmaul - característico de situações de efusão


pericárdica (presença e quantidades anormais de líquido no saco pericárdico). Há
uma diminuição acentuada da amplitude das ondas durante a inspiração porque:
- há interferência mecânica sobre o ventrículo direito - o pericárdio está
unido ao diafragma => durante a inspiração há tracção sobre o saco
pericárdio
- durante a inspiração aumenta a pressão intratorácica que faz com que o
fluído no saco pericárdico comprima o ventr. direito
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PULSO VENOSO

É uma situação patológica que, ao surgir, só afecta as veias jugulares. As veias


jugulares não devem estar distendidas quando o animal está em estação e com a
cabeça na posição normal; pulsações jugulares a estenderem-se para além do
terço inferior do pescoço são também patológicas.

Animais excitados / magros podem transmitir o pulso carotídeo aos tec.s


moles adjacentes, e destes à jugular, mimetizando um pulso jugular. Para
diferenciar => ocluir a veia jugular ligeiramente abaixo da área onde se produz
pulso (fazendo garrote) => se o pulso desaparece => pulso venoso verdadeiro; se
o pulso persiste => o pulso é transmitido da art. carótida.

O pulso jugular pode surgir por:


- insuficiência tricúspide
- ventrículo direito hipertrofiado e rígido (difícil enchimento)
- arritmias que causem contracção dos átrios contra válvulas
A-V fechadas.

Figuras 11 e 12: Ingurgitação das veias jugulares em repouso (setas).

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A - SÍNDROME DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Def.: A insuficiência cardíaca corresponde a uma incapacidade do coração para
garantir as funções a cargo da circulação sanguínea (nomeadamente em levar O2
e nutrientes aos tecidos periféricos), em condições normais de vida do animal ou
quando este é submetido a um esforço.

A síndrome insuficiência cardíaca representa uma interacção complexa de


respostas compensatórias que tentam preservar a função cardíaca e a circulação
periférica.

Etiologia:
São variadas as etiologias, mas como exemplos podem-se citar:
- Condições que impõe sobrecargas - de volume - insuficiências valvulares
- de pressão - estenoses valvulares
deprimem a contractilidade do miocárdio, interferem com o enchimento ventricular
- Diminuição da contractilidade do miocárdio (ex. cardiomiopatia dilatada)
- Aumentos dos requerimentos metabólicos sistémicos (hipertiroidismo
felino)
- Tóxicos (fármacos - doxorrubicina)
- Deficiências nutricionais - ex: taurina (nos gatos) e carnitina (nos cães)
- ambas podem produzir CMD.

Distinguem-se 3 tipos de insuficiência:


1. - miocárdica
2. - cardíaca
3. - circulatória

Se a contractilidade do miocárdio está suficientemente deprimida => surge


insuficiência cardíaca (efeito bomba) e a perfusão será inadequada.

O coração pode falhar de forma aguda, sem perda de contractilidade, se é


submetido a uma sobrecarga de volume sanguíneo súbita => é o caso da
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ruptura de uma corda tendinosa => gera instabilidade hemodinâmica e um
decréscimo no trabalho cardíaco efectivo, devido a uma insuficiência de
bombeamento. Outro exemplo é o que ocorre nas arritmias cardíacas
episódicas (paroxísticas) que muitas vezes causam diminuição do débito
por um aumento muito marcado da frequência cardíaca.

Interferência com o retorno venoso por efusão pericárdica ou pericardite


restritiva (fibrose do pericárdio), que não permite o enchimento ventricular
na diástole, apesar de uma pressão de enchimento elevada =>
comprometimento severo do débito cardíaco sem um efeito directo sobre a
contractilidade do miocárdio.

MECANISMOS COMPENSATÓRIOS NA INSUFICIÊNCIA


CARDÍACA
São activados na insuf. cardíaca (e em outros estados de diminuição do débito
cardíaco) na tentativa de aumentar o débito e manter a pressão arterial.

1. Alterações compensatórias neurohumorais


- aumento do tónus simpático (surge em 1º lugar)
- activação do sistema renina-angiotensina-aldosterona
(activado mais tarde, após vários dias)
- libertação da hormona antidiurética (vasopressina)
- alteração da circulação intrarrenal
estas alterações produzem um aumento do volume vascular circulante.

2. Hipertrofia cardíaca
É um mecanismo de adaptação a um aumento de tensão crónico sobre
as fibras do miocárdio causado pela sobrecarga sistólica ou pela
diminuição da contractilidade.

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Há 2 tipos de hipertrofia ventricular dependendo da natureza do stress:
• ventrículos sobrecarregados por pressão adaptam-se ao
aumento de tensão sistólica da parede aumentando a
espessura das paredes em relação ao volume da
cavidade (o qual permanece inalterado) => hipertrofia
concêntrica
• ventrículos sobrecarregados por volume adaptam-se aos
aumentos crónicos de volume de ejecção submetendo-
se a uma marcada dilatação no final da diástole (tal
como ocorre de forma similar nos defeitos de
contractilidade) => hipertrofia excêntrica - nesta
situação as paredes apresentam uma espessura
aproximadamente igual ao normal, ou diminuída,; as
cavidades cardíacas aumentam de volume.

Em situações agudas de baixo débito cardíaco (hemorragia; desidratação), os


mecanismos de compensação neurohumorais são benéficos e podem manter a
vida até que a anomalia aguda seja rectificada.
Na insuficiência cardíaca, apesar da manutenção da pressão arterial e do
volume circulatório terem efeitos positivos na fase inicial, a continuação da
activação dos mecanismos neurohumorais exacerba os sinais de congestão da
insuficiência cardíaca e aumenta as exigências sistólicas de um coração em
falência => a activação contribui para a progressão da insuficiência cardíaca.

Débito Cardíaco = frequência cardíaca x contractilidade x pré-carga


pós-carga

A insuficiência cardíaca pode manifestar-se por 2 formas de sintomatologia:


⇒ de baixo débito - com desmaios / síncopes e episódios de fraqueza
⇒ congestiva - com sinais de edema pulmonar / subcutâneo e/ou ascite
e/ou efusão pleural
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MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA INSUFICIÊNCIA
CARDÍACA CONGESTIVA

Sinais pulmonares Sinais sistémicos


(Coração esquerdo) (Coração direito)
- fervores (edema alveolar) - dilatação venosa generalizada
- expectoração espunosa, rosada - hepatomegália
- taquipenia - edemas periféricos
- dispenia nocturna (decúbito) - efusões cavitárias:
- tosse - ascite
- derrame pleural
- derrame pericárdico
Sinais atribuídos a insuf biventricular (esquerda e direita)
- fraqueza e fadiga musculares (intolerância ao exercício)
- má perfusão periférica:
mucosas pálidas
< TRC
cianose ligeira
extremidades frias
- taquicardia
- perda de peso (por vezes caquexia cardíaca)

Classificação funcional da Insuficiência Cardíaca


Útil para uma categorização clínica dos pacientes pelo grau de incapacidade funcional, para
depois se tomarem decisões terapêuticas.

Classe Sinais Clínicos


(todos têm evidências de patologia cardíaca)
I Capacidade de exercício limitada apenas em actividade extenuante.
II Tosse, fadiga, taquipneia tornam-se evidentes com exercício normal.
III Confortável em repouso; capacidade para exercício mínima.
IV Sem capacidade para o exercício. Sinais clínicos em repouso.

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B. - SÍNDROMES CARDIOVASCULARES

B.1. - SÍNDROMES ENDOCÁRDICAS

As afecções que afectam o endocárdio manifestam-se por:


1 - alteração dos ruídos cardíacos (+ abafados)
2 - presença de sopros
3 - manifestações indirectas resultantes de uma endocardite primária
ou de um processo extracardíaco que se agravou a posteriori com
uma endocardite bacteriana: prostração; hepato/esplenomegália;
febre; claudicação; sintomas analíticos (hemograma; bioquímica;
hemoculturas). As endocardites são frequentemente responsáveis por
anomalias dos orifícios valvulares do tipo estenose (por diminuição
do diâmetro valvular) ou insuficiência (por tornar os bordos das
cúspides valvulares irregulares e assim dificultar a coaptação
durante o encerramento valvular).

Figuras 13 e 14: Imagens de uma endocardite bacteriana onde se observa enrugamento das cúspides
da válvula aórtica produzido por microabcessos (setas).

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Vegetação

VE

Ao

AE

Figura 15: Ecocardiografia de um animal com uma


endocardite ao nível da válvula aórtica (seta). AE - átrio esq;
VE - ventrículo esq.; Ao - artéria aorta.

B.1.1. - Síndrome da Estenose Mitral


- há uma diminuição ou estreitamento do calibre do orifício de comunicação
A-V esquerdo => atraso ou diminuição do enchimento vent. esq. => estase
a montante.

Etiologia:
muitas vezes advém de malformações congénitas que fazem parte do
complexo displasia mitral que inclui:
- encurtamento / alargamento de cordas tendinosas
- regurgitação mitral por insuficiência valvular (++)
- encurtamento / espessamento das cúspides
- excessiva dilatação do anel valvular
- estenose mitral

Sinais clínicos:
- Afecta mais cães machos de raças grandes.
- Sintomatologia geralmente progressiva de insuficiência
cardíaca esquerda que ocorrem em animais jovens:
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• intolerância ao exercício; síncopes
• sinais de insuf. cardíaca esq. (tosse; dispneia)
• sinais de insuf. cardíaca dir. (ascite, edemas periféricos)
• arritmias atriais (fibrilhação atrial p. ex.)

Exame físico:
Presença de uma sopro holossistólico na área de projecção da válvula
afectada mais intenso a nível do ápex (para onde irradia o som).

Diagnóstico:
- ECG - para identificar arritmias
- Rx - para identificar dilatação do coração esq. (de início o átrio esq.)
- Cateterismo cardíaco; angiocardiografia
- Ecocardiografia (método de eleição porque pode visualizar as alterações
morfológicas ou por detecção de fluxos sanguíneos anormais - no doppler
espectral - ou padrões de turbulência - no doppler de cor)

B.1.2. - Síndrome da Insuficiência Mitral


Pode ocorre por:
- alargamento do orifício valvular (na dilatação cardíaca)
- deformação das cúspides valvulares (na endocardiose)
- encurtamento das cordas tendinosas => válvulas não fecham

Origina refluxo de sangue do ventrículo esquerdo para a aurícula esquerda


durante a sístole => diminuição do débito cardíaco.

Etiologia:
Processos degenerativos crónicos da válvula mitral (endocardiose) - a
etiologia destes processos permanece desconhecida.

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Os processo degenerativos levam a alterações nas cúspides valvulares do tipo:
- formações nodulares no bordo das cúspides
- espessamento e encurtamento das cúspides
- espessamento (impede que as cúspides valvulares encerrem
completamente) ou debilidade das cordas tendinosas (as
cúspides valvulares podem fazer prolapso para o interior dos átrios)

Epidemiologia:
É uma patologia comum em cães geriátricos (meia-idade) de raças pequenas.
Os machos poderão ter 1,5X mais tendência do que as fêmeas.
Rara em gatos.

Sinais clínicos:
Muitos animais são assintomáticos e poderão passar meses a anos para que o
animal se torne sintomático; alguns cães nunca desenvolvem sintomas de insuf.
cardíaca congestiva, os quais serão tipicamente de falência do coração esquerdo:
- tosse (nocturna, após exercício e após excitação)
- intolerância ao exercício
- taquipneia / dispneia
- também podem ocorrer síncopes em:
ataques de tosse (tosse sincopal)
arritmias cardíacas
severo edema pulmonar

Exame físico:
Nota importante: A duração e intensidade do sopro não são correlacionadas
com o grau de insuficiência

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O achado mais característico é um sopro sistólico, audível com maior
intensidade sobre a área de projecção da válvula mitral; em casos ligeiros ou
iniciais poderá ser o único achado.
Em casos avançados, a dificuldade respiratória torna-se mais evidente com
presença de crepitações pulmonares. Normalmente há taquicardia por activação
do simpático, ao contrário do que ocorre nos outros problemas que cursam
também com tosse (como a bronquite crónica, o colapso de traqueia, as
pneumonias e a fibrose pulmonar) onde se ausculta uma frequência cardíaca
normal ou até diminuída com marcada arritmia respiratória, pois estas patologias
afectam as vias aéreas inferiores e levam a uma expiração activa e mais
prolongada.
O pulso femoral geralmente é forte; por vezes podem ocorrer arritmias.

Diagnóstico:
- Sinais clínicos + exame físico (auscultação)
- Rx - cardiomegália, dilatação da aurícula esquerda e/ou vent. esquerdo
- Ecocardiografia

VE

AE

Figura 16: Rx torácico onde se observa uma Figura 17: Ecocardiografia em modo B onde se
marcada dilatação do átrio esquerdo (seta) que observa um engrossamento e deformação das
comprime os brônquios principais; eventual cúspides da válvula mitral (VE - vent. esquerdo;
dilatação ventricular esquerda (pois a traqueia AE - átrio esquerdo); imagens típicas de
está mais elevada e paralela à coluna endocardiose.
vertebral).
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Figura 18: Ecocardiografia com doppler de cor de uma
insuficiência mitral, onde se observa um fluxo de
regurgitação que produz um chamado padrão em mosaico
(a mistura das várias cores, amarela, azul e vermelha)
devido ao fluxo turbulento gerado pelo jacto regurgitante.

- Electrocardiograma - na maioria das vezes o traçado está normal; em certas


situações podem observar-se evidência de dilatação da aurícula esq (onda P
larga) e/ou do ventrículo esquerdo (onda R alta amplitude); também se
podem observar alterações ao ritmo normal (arritmias).

B.1.3. - Síndrome da Estenose Aórtica


Mais correctamente chama-se Estenose Sub-aórtica, pois a verdadeira
estenose do anel valvular é rara.

Etiologia:
É um estreitamento do tracto de saída do vent. esquerdo que pode ocorrer
logo:
- abaixo da válvula aórtica => subvalvular (+ comum)
- acima da válvula aórtica, no vaso proximal

O estreitamento pode ser causado por um anel:


25
- supravalvular (gatos)
- fibroso
- fibromuscular

As cúspides valvulares estão normais.


As lesões estenóticas levam a um aumento da pressão ao nível do vent.
esquerdo => tempo de ejecção mais prolongado. É gerado um gradiente de
pressão através da estenose e a magnitude correlaciona-se com o grau de
obstrução (ou seja, quanto maior o gradiente de pressão => maior a estenose). O
gradiente de pressão frequentemente leva ao aparecimento de uma dilatação pós-
estenótica.
A resposta à estenose e ao aumento de pressão é o aparecimento de uma
hipertrofia concêntrica do miocárdio (o que depois pode vir a dificultar o
enchimento diastólico devido ao aumento da rigidez ventricular).

O estreitamento desenvolve-se nos primeiros meses de vida => é uma


malformação congénita, sendo uma das mais importantes em veterinária. No
gato, pode desenvolver-se secundariamente a uma cardiomiopatia hipertrófica
(por hipertrofia dos músc. papilares ou do septo interventricular).

Epidemiologia:
Certas raças são mais predispostas: Terranova; Pastor Alemão; Boxer; Golden
retriever.

Sinais clínicos:
Em muitos cachorros com um a pequena estenose, os sinais podem ser
mínimos, os animais podem estar assintomáticos, tendo apenas um sopro de
ejecção de intensidade ligeira a moderada.

26
Em animais mais severamente afectados, a história pode revelar intolerância
ao exercício, síncope; sinais de insuf. cardíaca congestiva esquerda (I.C.C.) e
morte súbita. As síncopes e a morte súbita são, frequentemente, devidas a
arritmias de origem ventricular que surgem em focos de isquémia que se
produzem no miocárdio como consequência do fluxo turbulento que se gera a
seguir à válvula aórtica (é neste ponto de onde saem as art. coronárias que
irrigam o miocárdio ventricular - a turbulência dificulta a entrada do sangue para
estas artérias).

Exame físico:
- O pulso pode ser fraco e lento como consequência da obstrução.
- O sopro produzido normalmente é de grande intensidade e pode produzir
frémito (ruído que é palpável) no lado esquerdo próximo à base do coração. O
sopro é normalmente sistólico de ejecção de maior intensidade sobre a área de
projecção da válvula. Frequentemente o sopro pode irradiar para as art.
carótidas, passando a ser auscultado quando se coloca o estetoscópio sobre estas
artérias ao nível do ângulo da mandíbula.
- À auscultação torácica pode ainda detectar-se a presença de edema
pulmonar e arritmias.

Diagnóstico:
- Faz-se com base na auscultação

- Rx torácicos - as alterações podem ser subtis; pode haver dilatação do


ventr. esquerdo e pode, por vezes, observar-se a dilatação pós-estenótica.

- ECG - na maioria das vezes está normal, podendo observar-se evidências


de hipertrofia do coração esq.. Por vezes alguns animais com estenoses
severas, podem apresentar arritmias, particularmente com origem
ventricular (VPC’s), porque se produzem focos de isquémia miocárdica.

27
Estes focos produzem-se por uma deficitária circulação sanguínea pelas
artérias coronárias, que suprem o miocárdio. Devido à turbulência gerada
no tracto de saída do ventr. esq. dificulta-se a passagem do sangue para
aquelas artérias cujo suprimento sanguíneo normal provém exactamente do
local onde se está a produzir a turbulência.

- Ecocardiografia - método de eleição porque:


Pode ver-se o estreitamento (mas nem sempre se vê)
Pode medir-se a velocidade do fluxo sanguíneo através da válvula
aórtica com doppler espectral (em cães com velocidades superiores a
1,5-2 m/seg são diagnósticas de estenose sub-aórtica)
Pode observar-se turbulência ao nível do tracto de saída do ventr.
esq. nos estudos de doppler de cor

Figura 19: Imagem ecocardiográfica


em modo-B onde se pode observar a
presença de uma banda fibrose no
tracto de saída do ventr. esquerdo
(seta) compatível com uma estenose
sub-aórtica. No entanto, na maioria
das vezes não é frequente a
observação desta banda.

Figura 20: Doppler espectral do fluxo sanguíneo Figura 21: Imagem de um músculo papilar com
normal através da válvula aorta um foco de isquémia miocárdica (seta). São estes
focos que podem originar as arritmias dos
animais com estenose subaórtica.
28
B.1.4. - Síndrome da Insuficiência Aórtica
Def.: Surge por uma deficiente coaptação das cúspides valvulares da válvula
aórtica de que resulta um refluxo de sangue da aorta para o vent. esq., durante a
diástole ventricular.

Etiologia:
Pode ser congénita ou adquirida. Geralmente a forma adquirida desenvolve-se
em animais:
secundariamente a uma endocardite bacteriana que deforma os bordos
das cúspides por formação de microabcessos
com estenose sub-aórtica onde o fluxo sanguíneo de alta velocidade e
turbulento, produzido pela estenose, tende a lesar / erodir os bordos das
cúspides valvulares

Sinais clínicos:
A não ser que ocorra descompensação, a insuf. valvular aórtica não causa
sintomas devido à grande capacidade de adaptação que o ventr. esq. tem para
superar o acréscimo de sangue que lhe chega vindo do refluxo aórtico.
Quando se desenvolvem sinais clínicos, eles são normalmente devidos aos
sinais sistémicos produzidos pela endocardite bacteriana, como:
Apatia, letargia
Febre recorrente
Claudicação(ões) intermitente(s)

Exame físico:
Só a auscultação revela um sopro diastólico ao nível da área de projecção da
válvula aórtica, que se inicia com o 2º ruído (S2).
Pode detectar-se um pulso rápido e forte. Rápido porque a onda de pulso
ascende e desaparece rapidamente porque o sangue da art. aorta reflui de novo
29
para o ventr. esq, reduzindo mais depressa a pressão arterial diastólica. O pulso é
forte, porque o que acontece é uma diminuição da pressão diastólica => diferença
entre p. sistólica e p. diastólica é maior.

Diagnóstico:
Ecocardiografia - técnica de eleição pois pode ver-se a deformação das
cúspides por formações vegetativas (endocardite) ou nos estudos doppler
espectral onde se observa um fluxo sanguíneo de regurgitação.

Figura 22: Estudo doppler espectral onde se observa o fluxo


sanguíneo negativo de ejecção normal (setas fechadas) e um fluxo
sanguíneo positivo regurgitante durante a diástole (setas abertas).

B.1.5. - Síndrome da Estenose Pulmonar

Etiologia:
É um defeito congénito comum no cão e ocasional no gato. Normalmente o
termo mais correcto é o de displasia da válvula pulmonar porque pode incluir
mais do que uma das seguintes alterações:
Espessamento assimétrico das cúspides valvulares
Fusão parcial das cúspides valvulares
30
Espessamento das bases das cúspides valvulares
Hipoplasia do anel valvular (a verdadeira estenose)

Dependendo do grau da estenose e como consequência dela, produz-se


inicialmente uma hipertrofia do ventr direito que tenderá a evoluir para uma
posterior dilatação ventricular secundária pelo impedimento ao esvaziamento
sistólico. É frequente o aparecimento subsequente de insuficiência tricúspide
levando à dilatação do átrio direito.
O fluxo sanguíneo de alta velocidade, produzido pela estenose, cria
turbulência no tronco pulmonar principal, levando ao aparecimento de uma área
de dilatação pós-estenótica.

Epidemiologia:
É mais comum em certas raças como os Beagle, Samoiedo, Chihuahua,
Bulldog inglês e Schnauzer.

Sinais clínicos:
A maioria dos animais são assintomáticos na altura do diagnóstico.
Podem ocorrer sinais de insuf. cardíaca dir. ou história de intolerância ao
exercício ou síncopes (por arritmias).

Exame físico:
Típico choque pré-cordial mais proeminente no lado direito.
Pode surgir pulso jugular e pode-se sentir um frémito no lado esq. do tórax
junto à base do coração.
A auscultação permite ouvir um sopro de ejecção, mais intenso sobre a área de
projecção da válvula pulmonar; ode irradiar para a direita, mas NÃO É

31
auscultável sobre as art. carótidas. Pode auscultar-se um sopro tricúspide
secundário, em casos mais avançados.

Diagnóstico:
- ECG - pode evidenciar uma dilatação ventricular direita e/ou um desvio do
eixo eléctrico para a direita.
- Rx torácico - pode observar-se marcada dilatação do ventrículo direito:
⇒ o coração aparece com a forma de um “D”
invertido e pode, por vezes observar-se a dilatação
pós-estenótica nas projecções VD ou DV
⇒ o coração aparece com a porção mais cranial do
coração “mais deitada” sobre o esterno nas
projecções laterais

- Ecocardiografia - método de eleição. Revela hipertrofia e dilatação do ventr.


direito e pode, por vezes, observar-se a dilatação pós-estenótica. Os estudos
de doppler espectral revelam aumento da velocidade do sangue através da
válvula pulmonar (normal até 1 m/seg, com estenose velocidades > 1m/seg).
O doppler de cor pode revelar turbulência no tronco pulmonar.

B.1.6. - Síndrome da Insuficiência Pulmonar


É uma condição rara que, a ocorrer, surge secundariamente a:
- dirofilariose (+++)
- ductus arterioso persistente com hipertensão pulmonar

Diagnóstico:
A ecocardiografia com doppler - documenta-se a presença de regurgitação por
insuficiência pulmonar

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B.1.7. - Síndrome da Estenose Tricúspide
A atrésia ou estenose da válvula é de ocorrência muito rara. A ocorrer uma
patologia congénita que afecte a tricúspide a mais comum é displasia da
tricúspide.

B.1.8. - Síndrome da Insuficiência Tricúspide

Etiologia:
Normalmente surge como consequência de um processo degenerativo das
valvas (endocardiose) => a patologia é em tudo igual à insuficiência da válvula
mitral. Na maioria das vezes, a endocardiose mitral e tricúspide podem concorrer
no mesmo animal.
Pode ocorrer também:
- na dirofilariose
- na dilatação do anel da válvula tricúspide na cardiomiopatia dilatada
- no ductus arterioso persistente avançado
- na estenose pulmonar

Sinais clínicos:
Em muitos casos, os cães apresentam-se com sinais de stress respiratório
devido à insuficiência mitral primária.
Os sinais referentes à insuf. tricúspide (típicos de insuf. cardíaca direita) são:
- distensão abdominal (ascite) e/ou efusão pleural
- anorexia, perda de peso, vómitos e/ou diarreia (devido à congestão do
aparelho gastrointestinal).
- pulso jugular evidente e ingurgitação jugular

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Exame físico:
Pode ser difícil diferenciar insuf. tricúspide de um sopro mitral que irradia
para o lado direito => importante tentar recorrer à observação concomitante de
pulso jugular e frémito do lado direito

Diagnóstico:
-Rx - pode observar-se evidências de dilatação do coração direito.
- podem observar-se imagens compatíveis com infestação por Dirofilaria
immitis (dilatação atrial e/ou ventricular direita + vasos pulmonares dilatados e
tortuosos)
- Ecocardiografia - técnica de eleição onde se pode observar:
fluxo sanguíneo regurgitante para o interior do átrio direito nos
estudos de doppler espectral
presença de um padrão em mosaico no interior do átrio direito
(indicador de fluxo turbulento pela regurgitação) nos estudos de
doppler de cor
imagens compatíveis com a presença de vermes adultos de
Dirofilaria no interior do ventr. direito ou artérias pulmonares.

LV

LA

RA

Figura 23: Imagem ecocardiográfia em doppler de cor onde se


observa a regurgitação tricúspide (padrão em mosaico do jacto
regurgitante) em direcção ao interior do átrio direito. LV - ventr.
esquerdo; LA - átrio esquerdo; RA - átrio directo.

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C - SÍNDROMES MIOCÁRDICAS

C.1. - Síndrome da Dilatação Cardíaca ou Cardiomiopatia Dilatada (CMD)

O termo cardiomiopatia denota anomalias estruturais e funcionais do


miocárdio. Ocorre devido a disfunção sistólica.

Etiologia:
A doença do miocárdio pode resultar de:
infecções
degeneração idiopática (+++)
isquémia
tóxicos (doxorrubicina)
inflamação
trauma
deficiência em carnitina (alguns casos)
desordens multissistémicas ou metabólicas:
hipotiroidismo
feocromocitomas (neoplasia da medula adrenal
produtora de catecolaminas)
diabetes mellitus
distrofias musculares (Springer spaniel)

A maioria dos casos são considerados primários ou idiopáticos (de etiologia


desconhecida).

O termo cardiomiopatia dilatada descreve uma função miocárdica


caracterizada por reduzida contractilidade que ocorre com ou sem arritmias.

Morfologicamente há uma dilatação de todas as câmaras cardíacas devido a


pressões diastólicas finais elevadas resultantes de um menor esvaziamento
sistólico.
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Sinais clínicos:
Gatos:
- surgia devido a uma deficiência em taurina na dieta (no início da
formulação das rações para gatos estas eram deficitárias em taurina; depois que se
descobriu esta correlação da CMD felina e a taurina, as dietas passaram a ser
correctamente suplementadas para compensar qualquer perda que existisse com o
processo de fabrico e a CMD passou a ser extremamente rara)
- surgia em gatos na meia-idade
- todas as raças podiam ser afectadas
- os sinais erão vagos: anorexia; dispneia; letargia e parésia de um
membro por tromboembolismo

O exame físico revela letargia, depressão e desidratação. A auscultação pode


revelar um ruído de galope (geralmente S3) e um sopro sistólico mais intenso no
ápex direito e/ou esquerdo. Os ruídos pulmonares podem revelar crepitações ou
ruídos abafados (derrame pleural /pericárdico).
Pode detectar-se um pulso femoral fraco e / ou assimétrico devido à presença
de um tromboembolismo ilíaco.

Diagnóstico:
ECG - pode revelar dilatação cardíaca ou arritmias
Rx - revela uma cardiomegália generalizada, muitas vezes acompanhada de
efusão pleural.
Ecocardiografia - revela dimensões ventriculares muito aumentadas no final
da sístole e no final da diástole

Cães
Afecta cães relativamente jovens com uma média de 4-6 anos. Afecta raças
grandes a gigantes (Grand’ Anois; S. Bernardo; Irish Woulfhound; Pastor
alemão; Boxer; Rottweiler e Doberman -+++). Pode també afectar,
excepcionalmente, raças pequenas (Cocker spaniel e Bulldog).
A prevalência é de 4 vezes superior em machos do que em fêmeas.
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Sinais clínicos:
Podem ser agudos na sua aparição:
- dispneia
- fraqueza
- letargia
- tosse
- síncope
- intolerância ao exercício
- distensão abdominal (ascite)

Exame físico:
Revela anomalias consistentes com baixo débito cardíaco e insuficiência
cardíaca esquerda (edema pulmonar) e/ou direita (efusão pleural, ascite ou
edemas subcutâneos):
- TRC aumentado; mucosas pálidas
- Pulso femoral hipocinético
- Distensão e pulsação jugular
- Hepatomegália e ascite (consequência da congestão hepática)
- Auscultação: - arritmias
- sopro A-V dir ou esq.
- elevada frequência cardíaca e com ritmo irregular (pela
fibrilhação atrial)
- ritmo de galope com S3
- ruídos cardíacos e pulmonares abafados por efusões
- crepitações (edema pulmonar)

Diagnóstico:
ECG - revela dilatação do coração esquerdo e, por vezes, arritmias (sendo a
mais comum a fibrilhação atrial)
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Rx - cardiomegália generalizada e edema pulmonar e efusão pleural.
Ecocardiografia - permite medir as dimensões das câmaras e a função
miocárdica (determinando a fracção de encurtamento F.S. %), bem como auxilia
na diferenciação entre efusão pericárdica ou insuficiência valvular de
cardiomiopatia.

C.2. - Síndrome da Hipertrofia Cardíaca ou Cardiomiopatia Hipertrófica


(HCM)
Ocorre por uma disfunção diastólica onde se verifica uma resistência ao
enchimento ventricular diastólico por insuficiente relaxamento devido a rigidez
por espessamento das paredes ventriculares; também ocorre por uma diminuição
do diâmetro das cavidades ventriculares por um hipertrofia concêntrica (as
paredes engrossam e as cavidades diminuem de diâmetro). Normalmente há uma
diminuição de volume das cavidades ventriculares, mantendo-se as dimensões da
silhueta cardíaca.
A hipertrofia ventricular esquerda é uma resposta compensatória importante
em resposta a uma sobrecarga de pressão do vent. esquerdo.

Etiologia:
Pode resultar de desordens primárias do miocárdio (idiopática) ou secundárias
como hipertensão arterial (de origem renal ou idiopática), hipertiroidismo,
metabólicas ou doenças infiltrativas.
É uma desordem miocárdica frequente em gatos; em cães é rara ou, pelo
menos, até agora pouco diagnosticada.
Morfologicamente a HCM caracteriza-se por uma hipertrofia muscular SEM
dilatação ventricular => aumento da pressão diastólica final.

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Sinais clínicos:
Gatos:
Pode afectar animais num intervalo de idade largo. Os gatos Europeu de
pêlo curto são mais afectados; os machos são também mais afectados que
as fêmeas.
O sinal clínico de apresentação é a dispneia aguda associada com edema
pulmonar e/ou efusão pleural. Pode também ocorrer anorexia e vómitos.
Muitas vezes ao animais apresentam-se com uma parésia de um membro
posterior, como consequência de um tromboembolismo ilíaco => ausência
e assimetria de pulso.
A auscultação pode revelar ruídos de galope (S4), sopros sistólicos
(graus I a II) nas áreas de projecção valvular tricúspide e / ou mitral e
podem detectar-se a presença de arritmias.

Cães:
Insuficientemente estudada (em princípio quase todas as
cardiomiopatias são dilatadas)
Pode afectar várias raças e os machos estão predominantemente
afectados.
As manifestações clínicas podem variar desde animais assintomáticos
até casos que surgem com morte súbita inexplicável.
Podem evidenciar sintomatologia de insuficiência cardíaca: síncope;
intolerância ao exercício; tosse; dispneia; ascite; hepatomegália e efusão
pelural.

Diagnóstico:
Gatos:
ECG - frequentemente revela distúrbios de condução eléctrica (mais
consistente é o bloqueio do fascículo anterior esquerdo do feixe de His - o
qual é raro noutras formas de doença miocárdica primária).
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Rx - pode revelar ligeira a moderada hipertrofia do ventrículo esquerdo
(frequentemente, na projecção VD, produz-se uma imagem de silhueta
cardíaca de coração de S. Valentino); pode observar-se também edema
pulmonar e efusão pleural.
Ecocardiografia - é a técnica mais sensível para avaliar hipertrofia - o
diagnóstico é realizado quando se obtém uma medição, em diástole, da
espessura da parede livre do ventrículo esquerdo e/ou do septo
interventricular, superior a 6 mm.

Cães:
ECG - revela distúrbios da condução do impulso eléctrico (bloqueios de
1º e 3º grau, bloqueio do fascículo direito do feixe de His).
Rx - são na maioria das vezes inconclusivos, excepto para os sinais de
Insuf Cardíaca Congestiva (edema pulmonar; efusão pleural e/ou ascite).

Figuras 24 e 25: Tipos diferentes de hipertrofia assimétrica do septo interventricular em gatos


com cardiomiopatia hipertrófica (HCM). No caso da direita produz-se obstrução do tracto de
saída do ventrículo esquerdo. O estreitamento do tracto de saída, durante a sístole ventricular,
força a saída do sangue a grande velocidade o que “suga” (por um efeito de Venturi) a cúspide
septal da válvula mitral de em contra o septo, produzindo uma estenose aórtica dinâmica. A
estenose chama-se dinâmica porque a obstrução não se produz de uma forma persistente, mas
vai- se produzindo de uma forma intermitente, consoante a frequência cardíaca, levado ao
aparecimento de um sopro cardíaco intermitente, que desaparece quando não se produz
obstrução.
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Figuras 26 e 27: No Rx da esquerda temos o tórax de um gato normal. No Rx da
direita temos um gato com cardiomiopatia hipertrófica (HCM) onde se observa uma
silhueta cardíaca aumentada e ainda se observa a presença de edema pulmonar (com
distribuição por todo o campo pulmonar, e não apenas nos lobos dorso-caudais como
nos cães).

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Figura 28: Rx VD de um gato com HCM onde se
observa dilatação da silhueta cardíaca em forma
de coração de S. Valentino. Também se observa
broncogramas sobre a silhueta cardíaca,
compatível com a presença de edema pulmonar.

Figura 29: Imagem de uma ecocardiografia em modo M, onde


se observa um espessamento do septo interventricular e parede
posterior do ventrículo esquerdo. Também se observa uma
diminuição da cavidade ventricular esquerda.

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