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MATERIAL DE APOIO AOS ESTUDOS EXTERNOS

CURSO DE DIREITO

DIREITO CIVIL III – CONTRATOS

Inversão do Ônus da Prova

PROFESSOR: Lucas Henrique Mascarenhas

JACIARA – MT
Sumário

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ................................................................................................... 3


O que é inversão do ônus da prova no CDC? ...................................... 3
Vulnerabilidade do consumidor............................................................ 3
Qual a diferença entre hipossuficiência e vulnerabilidade? .................. 4
Quais os requisitos para inversão do ônus da prova no CDC? ....... 5
Jurisprudência de inversão do ônus da prova no CDC ..................... 6
Hipossuficiência Técnica ....................................................................... 6
Hipossuficiência Econômica ................................................................. 7
Hipossuficiência Informacional ............................................................ 8
Aspectos importantes para advogados ................................................. 9
Requerimento do ônus da prova. ............................................................. 9
Análise do pedido .................................................................................... 9
Inversão do ônus de custeio da prova .............................................. 10
Conclusão .................................................................................................. 10
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Uma das inovações mais importantes trazidas pelo Código de Defesa do


Consumidor, foi a possibilidade de ser declarada a inversão do ônus da prova no
processo judicial. Prevista no art. 6º, inciso VIII, ela consta no rol dos chamados
“direitos básicos do consumidor”.

Sendo assim, neste artigo iremos abordar os principais aspectos da inversão do


ônus da prova no CDC.

O que é inversão do ônus da prova no CDC?

A inversão do ônus da prova no CDC é caracterizada como uma facilitação da


proteção dos direitos do consumidor. Assim, incumbe ao autor provar o fato
constitutivo de seu direito e ao réu provar a existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor.

Portanto, a regra geral sobre distribuição do ônus da prova em processos


judiciais é aquela inserida no artigo 373, incisos I e II, do Código de Processo
Civil de 2015. É sempre bom lembrar que essa regra já vinha no antigo Código
de Processo Civil, em seu artigo 333.

No entanto, a aplicação dessa distribuição do ônus da prova parte do


pressuposto de igualdade entre as partes litigantes. Isto é, não se observa em
uma relação de consumo onde a vulnerabilidade do consumidor é presumida.

Vulnerabilidade do consumidor

Sobre a vulnerabilidade do consumidor como um princípio do CDC, Flávio


Tartuce nos ensina que: de acordo com a realidade da sociedade de consumo,
não há como afastar tal posição desfavorável, principalmente se forem levadas
em conta as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais
nas últimas décadas”

E ainda completa:
Com a mitigação do modelo liberal da autonomia da vontade e a massificação
dos contratos, percebe-se uma discrepância na discussão e aplicação das
regras comerciais, o que justifica a presunção de vulnerabilidade, reconhecida
como uma condição jurídica, pelo tratamento legal de proteção. Tal presunção é
absoluta ou iure et de iure, não aceitando declinação ou prova em contrário, em
hipótese alguma.”

Sendo assim, o legislador previu a possibilidade de se inverter o ônus da prova.

Ou seja, ele desviou da regra geral prevista no Código de Processo Civil visando
facilitar a defesa dos direitos do consumidor.

Esse regimento tem sido de grande importância em processos judiciais


envolvendo relações de consumo. Pois, muitas das vezes o consumidor não tem
condições de provar o fato constitutivo de seu direito.

Isso pode acontecer por questões de hipossuficiência:

▪ técnica: como nos casos envolvendo, por exemplo, revisionais de


contratos bancários;
▪ econômica: como nos casos em que se revela muito custoso ao
consumidor produzir a prova;
▪ informacional: quando o consumidor não tem acesso a todas as
informações capazes de fundar o seu direito.

No entanto, isso não significa que a inversão do ônus da prova se aplica a


qualquer processo consumerista. Em cada caso deve ser analisado se estão
presentes os requisitos legis.

Qual a diferença entre hipossuficiência e vulnerabilidade?

De acordo com o CDC, todos os consumidores se encontram em posição de


vulnerabilidade. Por outro lado, a hipossuficiência deve ser demonstrada no
caso concreto.
Sobre o tema, vejamos a lição de Felipe Peixoto Braga Netto:

É possível, por exemplo, que em demanda relativa a cobranças indevidas


realizadas por operadora de telefonia celular, o juiz determine a inversão do ônus
da prova tendo em vista a hipossuficiência do cliente. Não é razoável exigir do
consumidor a prova de que não fez determinadas ligações. É razoável, por outro
lado, exigir da operadora semelhante prova. É preciso, para deferir a inversão,
analisar a natureza do serviço prestado, o grau de instrução do consumidor, etc).
A hipossuficiência diz respeito, nessa perspectiva, ao direito processual, ao
passo que a vulnerabilidade diz respeito ao direito material. Já a presunção de
vulnerabilidade do consumidor é absoluta. Todo consumidor é vulnerável, por
conceito legal. A vulnerabilidade não depende da condição econômica, ou de
quaisquer contextos outros.”

Assim sendo, não há de se discutir a vulnerabilidade, mas sim a


hipossuficiência para a decretação da inversão do ônus da prova. Porém,
ainda há um outro requisito que autoriza a inversão do ônus da prova no CDC.

Quais os requisitos para inversão do ônus da prova no CDC?

O próprio artigo 6º, inciso VIII, expõe os requisitos para aplicação da inversão do
ônus da prova no CDC: Quando a alegação do consumidor for verossímil e
quando o consumidor for hipossuficiente.

Desde logo, convém deixar claro que esses requisitos não são cumulativos. Isto
é, não é necessária a presença de ambos. Se o juiz verificar a presença de
apenas um dos requisitos, será declarada a inversão do ônus da prova.

À respeito da verossimilhança das alegações, Antônio Carlos Efing explica:

A verossimilhança da alegação do consumidor não pode ser confundida com a


verossimilhança imposta para o caso de antecipação de tutela de que trata o art.
273 do Código de Processo Civil [de 1973, incluído pela Lei 9.494/97]. Neste
caso antecipar total ou parcialmente os efeitos do provimento judicial pretendido
pela parte impõe ao magistrado o seu convencimento a respeito dos elementos
contidos nos autos. Já a verossimilhança de que trata a norma do art. 6º, inc. VIII
do CDC (muito anterior ao instituto da antecipação de tutela do CPC) não impõe
ao magistrado convencimento ou convicção, bastando que se revista o fato
narrado pelo consumidor de aparência de verdade.”

Como já dito, a hipossuficiência possui diversas particularidades. Sendo às


vezes caracterizada como hipossuficiência técnica e, em outras, como
hipossuficiência informacional ou econômica.

Portanto, a dica é sempre analisar se no caso concreto o consumidor está em


uma posição menos favorecida do que o fornecedor em relação à prova que
pretende produzir. Se essa condição se verificar, restará caracterizada a
hipossuficiência, motivando a inversão do ônus.

Por fim, importa salientar que há casos em que a inversão do ônus da prova se
dá por força da lei. Como por exemplo, nos casos previstos nos artigos 12, § 3º,
II, 14, § 3º, I, e 38 do CDC.

Jurisprudência de inversão do ônus da prova no CDC

Pela relevância do tema, a jurisprudência brasileira é abundante sobre a inversão


do ônus da prova no CDC. Para esse texto, separei precedentes em que houve
a inversão do ônus da prova em razão de hipossuficiência:

1. técnica;
2. econômica;
3. informacional.
4.
Hipossuficiência Técnica

Direito Processual Civil. Recurso especial. Ação de


indenização por danos morais e materiais. Ocorrência de
saques indevidos de numerário depositado em conta
poupança. Inversão do ônus da prova. Art. 6º, VIII, do CDC.
Possibilidade. Hipossuficiência técnica reconhecida. O
art. 6º, VIII, do CDC, com vistas a garantir o pleno exercício
do direito de defesa do consumidor, estabelece que a
inversão do ônus da prova será deferida quando a
alegação por ele apresentada seja verossímil, ou quando
constatada a sua hipossuficiência. Na hipótese,
reconhecida a hipossuficiência técnica do consumidor, em
ação que versa sobre a realização de saques não
autorizados em contas bancárias, mostra-se imperiosa a
inversão do ônus probatório. Diante da necessidade de
permitir ao recorrido a produção de eventuais provas
capazes de ilidir a pretensão indenizatória do consumidor,
deverão ser remetidos os autos à instância inicial, a fim de
que oportunamente seja prolatada uma nova sentença.
Recurso especial provido para determinar a inversão do
ônus da prova na espécie”
(STJ – REsp 915.599/SP – Terceira Turma – Rel. Min.
Nancy Andrighi – j. 21.08.2008 – DJe 05.09.2008);

Hipossuficiência Econômica

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE


RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA.
SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL (SFH).
RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ CONTRA A
DECISÃO SANEADORA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR, COM A INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA E
TÉCNICA DA DEMANDANTE DEMONSTRADA.
POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA.AGRAVO DE
INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.”

(TJPR – 10ª C.Cível – 0067344-79.2020.8.16.0000 – Pato


Branco – Rel.: Desembargador Guilherme Freire de Barros
Teixeira – J. 08.03.2021)
Hipossuficiência Informacional

Neste último caso, também será verificado que além da hipossuficiência


informacional, a inversão foi declarada tendo em vista a verossimilhança das
alegações do consumidor.

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AGRAVO DE


INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. AQUISIÇÃO DE
IMÓVEL NA PLANTA. DECISÃO SANEADORA QUE
RECONHECE A INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE, TAMBÉM, DE
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. VEROSSIMILHANÇA
DAS ALEGAÇÕES NO SENTIDO DE QUE A PROPOSTA
OFERTADA INCLUÍA O RECEBIMENTO DE VEÍCULO
COMO PARTE DO PAGAMENTO DO PREÇO FINAL.
ADEMAIS, HIPOSSUFICIÊNCIA INFORMACIONAL.
MAIOR FACILIDADE DE OBTENÇÃO DA PROVA PELA
EMPREENDEDORA, QUE TEM A POSSE DE
DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À ELUCIDAÇÃO DOS
FATOS NARRADOS, BEM COMO PODE INDICAR COM
PRECISÃO AS TESTEMUNHAS QUE DEVEM SER
INQUIRIDAS. PRESENTES OS REQUISITOS DO ART.
6º, INC. VIII, DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.RECURSO PROVIDO.” (TJPR – 16ª
C.Cível – 0044040-51.2020.8.16.0000 – Curitiba – Rel.:
Desembargador Lauro Laertes de Oliveira – J. 04.11.2020)

No mais, é indispensável ressaltar que não se deve analisar se o consumidor é


simultaneamente hipossuficiente em todas as hipóteses apresentadas. Como já
falamos na dica dada, se deve analisar o caso concreto a fim de avaliar a
possibilidade da inversão do ônus da prova.

Como exemplo, Felipe Peixoto Braga Netto traz:


É importante esclarecer que a hipossuficiência a que faz menção o CDC nem
sempre é econômica. Embora pouco freqüente, não é impossível que o
consumidor seja economicamente mais forte que o fornecedor, e ainda assim
ser hipossuficiente. A hipossuficiência pode ser técnica, por exemplo (paciente
submetido a cirurgia em clínica médica, ocasião em que ocorre um erro médico
que o deixa cego). O consumidor, nesse caso, será hipossuficiente, não tendo o
conhecimento técnico da especialidade médica, e a inversão do ônus da prova,
por isso mesmo, poderá ter lugar.”

Aspectos importantes para advogados

Seja em favor do consumidor ou em favor do fornecedor, o advogado que for


ajuizar uma ação de consumo deve ficar atento a alguns aspectos importantes.
Requerimento do ônus da prova.

Embora não seja essencial que o consumidor faça o pedido de inversão do ônus
da prova, é sempre bom deixar registrado o requerimento já na petição inicial.
A fim de que o réu possa exercer o contraditório e o juiz possa analisar a questão
carregado dos argumentos já vertidos nos autos.

Análise do pedido

Além disso, é fundamental que os advogados fiquem atentos ao momento do


processo em que a inversão é analisada. No passado, alguns julgadores
deixavam para analisar o pedido de inversão somente na sentença. Pois,
entendiam se tratar de regra de julgamento.

Essa prática já não é mais aceita, pois o Superior Tribunal de Justiça pacificou o
entendimento de que a inversão do ônus da prova é regra de instrução. Ou seja,
deve ser analisada na fase instrutória do processo.

Com a entrada em vigor do CPC/15, essa discussão foi definitivamente


superada. Já que a previsão do artigo 357, inciso III, determina que a análise
acerca da inversão do ônus da prova se dará com a decisão de saneamento do
processo.
Caso o juiz não verifique a distribuição do ônus da prova na decisão de
saneamento, o advogado deve se manifestar pedindo esclarecimentos. E,
persistindo a omissão, deverá ser interposto o recurso de Agravo de Instrumento.

Inversão do ônus de custeio da prova

Outro ponto importante a ressaltar é que a inversão do ônus da prova não opera
necessariamente a inversão do ônus de custeio da prova. Portanto, é o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Processual civil. Consumidor. Inversão do ônus da prova.


Honorários do perito. Responsabilidade. Hipossuficiência.
1. A simples inversão do ônus da prova, no sistema do
Código de Defesa do Consumidor, não gera a obrigação
de custear as despesas com a perícia, embora sofra a
parte ré as consequências decorrentes de sua não
produção. (REsp 639.534/MT – Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito – DJU 13.02.2006). Precedentes. 2.
Recurso especial provido” (STJ – REsp 1063639/MS –
Segunda Turma – Rel. Min. Castro Meira – j. 01.10.2009
– DJe 04.11.2009);

Esse entendimento é contestado por parte da doutrina com razão. Pois, nos
dizeres de Flávio Tartuce:

Não parece ser lógico que o consumidor adiante uma despesa que só interessa
ao fornecedor, por ser sua única forma de evitar uma derrota na decisão judicial”.
Por fim, cabe frisar que é nula a cláusula que estabeleça a inversão do ônus da
prova em prejuízo do consumidor nos termos artigo 51, inciso VI, do CDC.

Conclusão

Com todo o exposto, é possível averiguar que surgiram direitos básicos do


consumidor (inclusive textualmente previstos no CDC), em uma construção
como uma teia interligada para efetivamente promover a defesa do consumidor,
notadamente na função jurisdicional do Estado. É o caso do direito básico à
facilitação da defesa do consumidor.

Direito para todos os consumidores. Em algumas situações jurídico-processuais,


esse direito de facilitação da defesa se revela, inclusive com o direito à inversão
do ônus da prova. De acordo com o texto legal, quando o consumidor for (além
de vulnerável, condição presente em todos os consumidores) hipossuficiente, ou
quando houver presença de verossimilhança em suas alegações, de acordo com
critério do juiz, ocorrerá a inversão do ônus da prova.

Concluindo, o Código de Defesa do Consumidor completou 30 anos no ano de


2020. Nesse período, trouxe relevantes impactos na relação de consumo que
refletiram nos incontáveis processos judiciais ajuizados Brasil afora.

De todos os impactos trazidos pelo CDC, considera-se que o instituto da inversão


do ônus da prova seja um de maior relevância e utilidade. Tanto é, que foi
incorporado pelo Código de Processo Civil de 2015 (art. 373, § 1º, do CPC/15).

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