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PRÁTICA PEDAGÓGOCA NA INTER-RELAÇÃO ARTE CULTURA

COMUNIDADE

Leda Maria de Barros Guimarães – FAV/UFG


Comunicação Livre
Formação e profissionalização docente

RESUMO
Esse texto apresenta reflexões sobre experiências desenvolvidas nas disciplinas de estágio
supervisionado obrigatório na Faculdade de Artes Visuais da UFG que tem por base a inter-relação
arte, cultura e comunidade. O percurso vivido indica a opção metodológica da prática pedagógica
como prática cultural, ressaltando as contribuições teóricas atuais para a compreensão das relações
entre ensino e aprendizagem em face dos diferentes espaços, tempos e modos de ensinar e aprender
artes visuais. Acredito que essa discussão pode contribuir para uma ampla reflexão sobre didáticas
específicas para o desenvolvimento curricular e metodológico na formação de professores de artes
visuais a partir da pesquisa e das práticas de formação nas licenciaturas. Desde 2005, venho propondo
projetos de estágio/prática pedagógica que considerem a diversidade de contextos culturais na
elaboração de propostas de intervenção em espaços de educação formal e não formal. Os resultados
apontam para novas inter-relações que buscam romper com a idéia padrão de campo de estágio; de
arte e ensino de arte e com as classificações dicotômicas entre espaços adequados/não adequados,
elite/popular e outros termos que pré-conceituam espaços e ações pedagógicas.

Palavras-chave: prática pedagógica; artes visuais; cultura e comunidade.

1.Construção de uma agenda

Há quase quatro anos, venho me defrontando com desafios na formação de professores


em artes visuais atuando nas disciplinas de estágio supervisionado obrigatório entendidas
como o momento da prática pedagógica. Antes de dar continuidade a reflexões sobre essa
experiência contextualizarei as circunstâncias que me levaram a assmir disciplina. Também
enfatizarei concepções que são importantes para a minha ação docente independente da
disciplina que ministro ou irei ministrar.
No ano de 2005, estava voltando para a Faculdade de Artes Visuais ansiosa para
retomar os projetos que serviram de base para a construção do primeiro capítulo da minha tese
(GUIMARÃES, 2005), no qual discuto relações entre erudito e popular no ensino superior de
artes visuais. Para minha surpresa recebi a incumbência de ser professora de estágio o que não
me pareceu muito atraente e parecia um desvio ou empecilho a retomada dos meus projetos
em torno de visualidades populares. Mas a vida é dinâmica e percebi que atuar mais
explicitamente na formação docente oportunizaria enfrentamentos teóricos reflexivos,
trabalhando conceitos de comunidade, multiculturalismo e cultura visual para o ensino de
artes visuais. Comunidade pode ser entendida como uma “coleção de pessoas que estão
unidas pelo lugar/localidade (ou não), circunstâncias e/ou histórias similares, interesses
compartilhados e/ou ligações espirituais” (DANIEL, 2005). Na minha tese, a idéia de
universidade como família passa pelos mesmos laços conceituais que a professora Vesta
Daniel usa para comunidade.
Embora minhas reflexões possam ser expandidas para outras instâncias do processo
de ensino, meu alvo é o ensino de artes visuais dentro da própria universidade.
Acredito que pensar a família universidade pode ajudar a gerar ações alternativas e
questionamentos que construam posturas críticas de pluralidade e diversidade
cultural. [...] O que esperar desses futuros profissionais (artistas, professores,
designers, dentre outras possibilidades), se eles lidam nos seus cursos de formação
com rígidos padrões de arte e cultura? (GUIMARÃES, 2005, PG.05)
Os estudos multiculturais têm orientado a minha ação docente para a pesquisa de
contextos culturais diversos, os quais têm fornecido espaços à elaboração de propostas de
intervenções pedagógicas, mesmo antes de lidar especificamente com a disciplina estágio no
curso de Licenciatura. É importante enfatizar que a necessidade de formar profissionais tanto
para o contexto de educação formal quanto em espaços de educação não formal faz parte da
política de estágios da FAV desde o ano 2000, quando realizamos uma reforma curricular que
estruturou os estágios 1 em cinco etapas para serem vivenciados ao longo do curso.
A cultura visual é outro campo de estudos e indagações que propiciou bases teóricas
para as propostas que investem na descentralização da arte erudita como referencial único na
bagagem dos estudantes e na a subjetivação da recepção estética do cotidiano, na valorização
de micro narrativas, etc.
Outro referencial que serve de apoio teórico é a de artefato cultural, que propicia, além
de aprendizagens artísticas e estéticas, uma noção de sujeito, de identificação cultural, na qual
podemos nos reconhecer e reconstruir significados (vide projeto Objeto de Memória,
GUIMARÃES, 2005). Assim, potências pedagógicas de ensinar e aprender “arte” podem ser
encontradas em pinturas de muro, em objetos utilitários, na publicidade, nas artesanias, na
moda e em muitas outras instâncias não circunscritas no universo sacralizado do campo da
arte.
Compreendi que para trabalhar com as disciplinas de estágio eu não precisaria abrir
mão dessas ferramentas teóricas que dão suporte a minhas ações pedagógicas. Assumi as
disciplinas Estágio IV e V o que configura o último ano do curso. Fui propondo projetos que
vão se reconfigurando do primeiro momento, em 2005, até o presente momento, em 2009.
Nos embates ao longo desse tempo, alguns pontos foram se tornando norteadores na
construção de propostas alternativas com base na inter-relação arte e cultura: 1) Compreender
a prática pedagógica como prática cultural amparada pela noção de multiculturalismo e de
cultura visual; 2) Entender a experiência do estágio como momento de construção de
identidade docente; 3) Investir na formação docente com base na investigação; 4) Considerar
a escola ou espaço de estágio como uma comunidade a ser vivenciada, explorada, levantando
suas demandas e possibilidades; 5) Construir parcerias na elaboração, no desenvolvimento e
na avaliação da proposta de intervenção pedagógica e 6) Dar visibilidade ao resultado das
parcerias através da entrega de certificado de participação para todos os atores envolvidos no
processo (estudantes, professores, coordenadores, funcionários, pessoas da comunidade, etc.).

1
Os estágios estão divididos em 5 disciplinas. ESTÁGIO I- esse primeiro estágio é exploratório. Nossos alunos
vão campo identificando diferentes possibilidades de espaços educativos e como e onde o ensino de artes visuais
é desenvolvido.
ESTÁGIO II – Nesse estágio nosso aluno vai vivenciar u processo de imersão no ensino formal. Vai escolher um
ou dois níveis de ensino, observando e analisando como o ensino de arte (ou a falta deste) impacta o cotidiano da
vida escolar.
ESTÁGIO III – esse estágio é dedicado a situações de educação não formal. Aqui expandimos o raio da ação
do(a) arte educador (a) para creches, asilos, associações, agremiações, circos, museus, ONG, etc. O desafio para
nossos estagiários é perceber como o ensino de artes visuais é (ou pode ser) trabalho para atender as
especificidades daquele determinado lugar.
ESTÁGIO IV -este é o momento no qual os alunos vão escolher um espaço para elaborar uma proposta de
intervenção pedagógico num espaço formal ou não formal.O que diferencia o estágio IV é que se configura
como um grande laboratório preparando a proposta que será desenvolvida no Estágio V.
ESTÁGIO V- esse estágio dá continuidade ao estagio anterior. É o momento da chamada prática pedagógica, na
qual a proposta elaborada no semestre anterior será colocada em prática exigindo uma postura de avaliação e
reflexão de todo o processo.
Estes pontos não nasceram prontos no ideário da disciplina, uma vez que nunca havia
trabalhado com estágio ou prática pedagógica. Mas, já a algum tempo, vinha me debruçando
sobre concepções de ensino de arte em contexto de comunidade e, nas minhas experiências,
trabalhando com cultura do visual povo.2 Procurei trazer minhas discusões sobre
multiculturalismo e cultura visual para o contexto da prática pedagógica e propor projetos que
rompessem tanto a forma quanto o conteúdo do que se vinha fazendo como estágio. Ainda
segundo Vesta Daniel, comunidades trazem a noção de locais que têm importância
pedagógica por serem contextos mais amplos de vivência nos quais a educação tem o seu
papel. A autora desenvolve projetos nos quais busca conectar as experiências pensadas a
partir dos “locais” com as responsabilidades acadêmicas, especialmente na formação de
professores.
Foram (e continuam sendo) muitas questões que nortearam aquele start point.
Primeiro: como conectar as questões de uma educação multicultural e de cultura visual à
prática pedagógica? Haveria espaço para trabalhar a desfronteirilização pedagógica entre arte
e não arte? Os alunos da licenciatura já estavam discutindo outras estéticas tais como:
estéticas do cotidiano, arte pública, arte popular e outras vertentes que fugissem do tradicional
ponto de vista da história da arte?
Eu deveria descobrir essas e outras coisas para ter uma noção de como agir e saber o
que propor. Comecei a disciplina fazendo um levantamento das experiências anteriores,
tentando detectar problemas e pontos positivos. Dois grandes grupos de “reclamações”
surgiram: a) problemas relativos à escola (má vontade da coordenação, falta de preparo do
professor regular, quando presente, o estagiário é visto como ameaça etc.) e b) problemas
relativos à dinâmica do curso (acúmulo de disciplinas no último ano, falta de conexão entre os
conteúdos estudados, falta de conexão entre os professores, superposição do relatório final de
estágio com o Trabalho de Conclusão de Curso - TCC,3 exigência para a conclusão do curso
superior.
Em 2005, elaborei o projeto Bairro, Escola, Universidade – uma proposta
interdisciplinar4. A proposta lançada aos alunos foi de começar o estágio não pela escola, mas
no bairro onde a escola estava situada. A diferença era que o estágio não partia de uma idéia
definida e de um plano organizado. O processo proposto foi o seguinte:
a) Ir a campo (várias vezes). Levantar e registrar o espaço físico, a equipe pedagógica,
as características dos discentes, do entorno, etc. Anotar, fotografar e entrevistar;
b) Investigar e refletir sobre o que já vem sendo desenvolvido na escola como ensino
de arte (temas, projetos, conteúdos etc.);
c) Considerar a experiência prévia do professor da casa (mesmo que sem formação ou
com formação defasada), evitando atitudes discriminatórias;
d) Ler o PPP ou documento equivalente e verificar qual o espaço (ou a ausência deste)
para a arte e a cultura no mesmo;
e) Construir processualmente um dossiê com as informações levantadas e compartilhar
com a turma em sala de aula. Buscar soluções coletivas;

2
Para Ana Mae Barbosa cultura visual do povo é um termo menos contaminado pelas construções ideológicas
em torno do popular.
3
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso que consiste na elaboração de uma monografia como etapa final
para a conclusão do curso superior exigida pela Universidade Federal do Goiás.
4
Esta experiência reuniu esforços, saberes e conteúdos de mais duas disciplinas: Atelier IV - Fotografia e Novos
Meios, com a Profa. Ana Rita Vidica;e História da Arte na América Latina, com a Profa. Maria Elizia Borges.
ANAIS ANPAP 2005 e 2006
f) Construir uma proposta (ou redimensionamento) a partir do diálogo construído nos
espaços de estágio (formais/não formais) e a partir das visualidades resultantes da pesquisa de
campo.
Antes que me acusem de propor um receituário, afirmo que essa organização em itens
demanda um esforço de pôr em ordem um processo não linear, que causa medo nos alunos
acostumados a caminhos menos tortuosos para “cumprirem” seu estágio. Eles aprendem a
planejar tema, objetivos, justificativa, carga horária etc e se julgam prontos para o “se vira nos
trinta”5.

[...] a comunidade pode funcionar com um sítio/lugar de resistência ao fornecer


assuntos e comportamentos que convidam ao diálogo crítico. Isto é, as práticas
educacionais do status quo que dependem de uma interação unidirecional entre
professor e estudante podem ser remodeladas em uma colaboração instrutiva
multidirecional, com múltiplas vozes e em múltiplas camadas. Práticas educativas
que honram o microcosmo societal da educação baseada na comunidade prepara
estudantes para o macrocosmo da comunidade mundial. (DANIEL, 2005).

No ano de 2005, a pesquisa de campo começando pelo bairro colocou os alunos em


contato com formas de representação que não estavam nos livros de história da arte estudados
ali na Faculdade. Painéis publicitários, muros pintados, grafites, bustos, estátuas e
monumentos, painéis de artistas locais iam gerando narrativas que formavam o dossiê dos
diferentes grupos. Essa riqueza imagética ia revelando possibilidades de construção de
propostas pedagógicas para as escolas. Nossos alunos iam sendo provocados a refletir sobre:
Quem produz essas visualidades? Como e porque são produzidas? Que histórias contam? A
que e a quem servem estas imagens? Como interagimos (ou não) com as diferentes
visualidades? E, finalmente, o grande desafio: como podemos trazê-las para o contexto do
ensino de artes visuais? Tivemos um total de 10 bairros investigados e um acervo de muitas
imagens e narrativas, que continuam até hoje nos instigando a refletir sobre a importância de
um trabalho desta natureza.
Como exemplo, tivemos um grupo de alunas que realizou um trabalho tratando de
Educação Visual a partir das imagens do filme “Blade Runner, o caçador de andróides”,
versão do diretor, dirigido por Ridley Scott, 1982, ultrapassando os limites do ambiente
escolar e traçando relações entre escola, bairro e cinema. O grupo mapeou características do
bairro Campinas num trecho que tem um comércio feérico. A visualidade das fachadas das
lojas, dos luminosos e da multidão trouxe para o grupo possibilidades “em um processo
experimental, obteve-se a oportunidade de interagir com as visualidades urbanas no contexto
da leitura de imagens” (SILVA, 2005). No mesmo relatório, encontramos a seguinte reflexão:

Houve várias dificuldades ao longo do processo da pesquisa, mas, o produto final


deste trabalho de conclusão de curso vem ao encontro dos objetivos de propor um
diálogo do indivíduo com imagens que são inerentes ao seu cotidiano visual.
Esta pesquisa não parou no TCC, pois se tornou um marco, uma referência para a
prática do ensino de artes visuais, possibilitando diálogos entre a escola, sujeito e
bairro. Este trânsito se estende a linguagens inseridas na cultura que são
apreendidas pelos alunos refletindo nas suas compreensões e elaborações. (SILVA,
2005)

5
Se vira nos trinta é um quadro do programa Domingão do Faustão, veiculado pela Rede Globo de Televisão, no qual os
participantes devem entreter uma platéia por quaisquer meios durante 30 segundos. Uma aluna de 2007 usa o termo para se
referir à real situação dos estagiários de licenciatura nas escolas, quando forem atuar como profissionais.
Constantemente, encontro uma das componentes desse grupo. A ex-aluna é hoje
professora da rede pública e desenvolve um trabalho com os seus alunos no qual provoca a
interações entre os alunos e a visualidade do bairro, por meio da intervenção corporal e
registro fotográfico dos alunos com os grafites no bairro. Poderíamos pinçar do relatório de
2005 do grupo dessa professora o seguinte trecho, para refletir sobre o trabalho que
desenvolve na atualidade: “O cerne deste trabalho, portanto, é propor um diálogo do indivíduo
com imagens presentes no cotidiano visual, através de uma abordagem interdisciplinar no
contexto escolar“ (SILVA, 2005). Além disso, Rogéria é hoje, em 2008, aluna do programa
de mestrado em Cultura Visual e sua pesquisa é um desdobramento dessa rica experiência que
vivenciou em 2005, unindo estágio e TCC.

2. Outros olhares, outros desejos

Ano de 2006. Outros alunos, outros olhares, outros desejos. Repensei como seria a
dinâmica para aquele ano. Desta vez, não trouxe uma proposta feita por nem mim nem por
outros professores. Parti do mapeamento de temas que os alunos já haviam formulado (ou que
estivessem formulando naquele momento) para a prática pedagógica ou para a pesquisa do
TCC. A operacionalização da proposta foi diferente, mas os princípios básicos listados no
início desse texto, orientadores da prática, foram os mesmos.
Se em 2005 os temas nasceram no processo da pesquisa de campo nos bairros, em
2006 estes temas já estavam pré-definidos. O ponto forte foi poder perceber os desejos
relativos a determinados assuntos. A grande dificuldade foi que, com os temas
predeterminados, os alunos acharam que tinham todas as idéias prontas. O desafio foi:
 levar os alunos a perceberem que fazer perguntas é mais importante do que ter
respostas prontas; mas também importa ter disponibilidade para responder;
 fazê-los entender a importância de vivenciar um processo, de propor a
investigação como base para a prática pedagógica;
 estimular uma visão mais holística das aprendizagens ao longo da formação;
 propiciar a compreensão de que a prática pedagógica não é um repasse de
informações teóricas ou práticas “adquiridas”;
 vivenciar a experiência de que o conhecimento está sempre em processo e que
nunca se completa.

A noção de construção processual continuava sendo uma tentativa de romper com a


relação hierarquizada do estagiário como o “aluno universitário” que está naquele espaço para
“passar” ou “transmitir” o conhecimento. Nos depoimentos sobre as dificuldades do estágio, a
maneira desconfiada como os professores e coordenadores recebe os estagiários foi um dos
pontos de dificuldade identificados. Aqui entra a importância da construção de parcerias.
Neste ano, nem todos os grupos adotaram a idéia de investigar o entorno do espaço
escolar como ponto de partida da construção da proposta de intervenção pedagógica. Novos
formatos surgiram. Relatarei aqui duas experiências, uma individual, que trabalha
explicitamente com a idéia de comunidade e outra, em grupo, que faz uma triangulação entre
universidade, museu e escola, trabalhando com a noção de arte e patrimônio cultural.
A aluna Eliane Quintais procurou trabalhar com os valores culturais de um local
chamado “Subaco da Onça”, uma grande favela ao lado do Centro Cultural Oscar Niemeyer 6.

6
O Centro Cultural Oscar Niemeyer, projetado e idealizado pelo arquiteto de quem leva o nome, é um complexo
de espaços culturais situado na região sul da cidade de Goiânia, Goiás, Brasil. Os seus 17 mil metros quadrados
abrigam um teatro, um museu, uma biblioteca, bem como um monumento aos direitos humanos. Foi construído
pelo Governo do Estado de Goiás sobre uma esplanada de 26 mil metros quadrados. A sua inauguração teve
lugar em 30 de março de 2006.
A proposta inicial partiu de uma escola da região que desenvolve um trabalho social com
jovens dessa comunidade. A então aluna se propôs a pesquisar e buscar identificar os registros
culturais dessa região, que foi invadida por posseiros. Segundo seu depoimento:
Além do levantamento das visualidades, pretendo realizar uma busca na questão
das narrativas e imagens que fazem as mediações entre a pessoa e o mundo, porque
estas imagens representam o mundo, tornando-o mais visual que verbal. Tenho,
entre outras, dúvidas quanto à ligação que deverá se estabelecer claramente em meu
trabalho que é a questão da prática pedagógica ligando a utilização da arte como
linguagem numa ligação direta com a imaginação, a emoção, o sentimento e o
resgate cultural (QUINTAIS, 2006).

Quando a aluna manifestou suas inquietações, seu trabalho estava em andamento e ela
já havia realizado o levantamento de campo, mas não havia ainda interagido com o grupo de
jovens interessados em partcipar do projeto. A ferramenta de mediação foi a linguagem
fotográfica. Os jovens receberam aulas de fotografia e, munidos de câmeras, realizaram
diversas narrativas a respeito da sua comunidade. Família, lazer, religião e natureza foram
alguns dos temas resultantes dessa empreitada. Os participantes selecionaram junto com a
professora-estagiária três imagens que lhes fossem mais significativas para uma mostra a ser
exibida no vizinho Oscar Niemeyer, centro cultural no qual nunca haviam entrado antes.
O segundo relato de 2006 é o do grupo composto na época por Maria Lina, Sonia,
Juliana e Daniela. Essas alunas estabeleceram conexões entre ensino de arte e patrimônio
cultural. Construíram uma proposta que vinculava o acervo do Museu Antropológico - MA7
da UFG com o contexto escolar. Conheceram o setor de Educação (onde não havia arte
educador) e acompanharam as etapas de reformulação da antiga “exposição permanente” para
outra concepção de “exposição de longa duração”, intitulada “Lavras e Louvores”8. Ao
mesmo tempo, o grupo estabeleceu contato com a escola pública onde se desenvolveria,
depois de negociações, um projeto envolvendo a escola e o MA.
Durante o processo, as alunas propuseram para os alunos (entre 12 a 16 anos) a
construção de um “Museu pessoal”: uma caixa de sapatos na qual fossem colocados objetos
que recordassem algo ou alguém. Ou seja, um espaço de memórias afetivas: pedaços de
cabelo, dentes, cartas, gomas de mascar, papel de balas e tantos outros objetos com histórias
que falavam da vida e da identidade daqueles alunos. Foram exploradas conexões entre os
itens do “museu pessoal” de cada aluno e a produção de alguns artistas contemporâneos, que

7
Museu Antropológico (MA) da Universidade Federal de Goiás (UFG) é uma instituição sem fins lucrativos,
aberta ao público, e que se destina à coleta, inventário, documentação, preservação, segurança, exposição e
comunicação de seu acervo. Vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG), o MA é um órgão
suplementar da UFG, e tem em seu caráter dinâmico e pedagógico, suas principais características.
(http://www.museu.ufg.br/)
8
: Lavras e Louvores. “A exposição inaugura um outro modo de dizer a Região; os instrumentos de trabalho, os
objetos rituais religiosos e as imagens telúricas e de pessoas foram escolhidos para dizer que toda região é uma
construção cultural ou simbólica à espera de interpretação e não uma realidade externa independente de nós.”
construíam suas obras com aqueles mesmos objetos. A importância da arte e da cultura na
construção e percepção de como nos entendemos no mundo foi enfatizada.
Por meio desses relatos, podemos perceber a importância do estagiário entender-se
como investigador-aprendiz na construção de saberes em processo e na interdependência das
trocas sócio-culturais e educativas. Foi discutida com todos os grupos a percepção da
trajetória individual e coletiva de sua formação em Artes Visuais dentro e fora da
universidade: datada, incompleta e, portanto, passível de transformações.

3.A sistematização do processo

Em 2007, outra turma de futuros professores, outros desejos. Enquanto professora, eu


também não permaneci a mesma. As experiências anteriores provocaram deslocamentos na
minha compreensão sobre o processo de formação em curso. Nesse ano, procurei sistematizar
mais pontualmente as idéias norteadoras do nosso estágio e insistir no tempo mais pontual de
preparação da pesquisa na mediação entre universidade e os diversos espaços escolhidos para
a prática pedagógica, entendendo os mesmos como comunidade.
Senti necessidade de enfatizar a percepção sobre cada etapa da experiência formativa:
do rascunho das primeiras idéias, do passo a passo da ida a campo registrada num diário de
campo até a “arte-final” da proposta definida. Para isso, construí um espaço virtual de
aprendizagem no qual os alunos postavam seus diários de campo.
Três tendências se esboçaram mais fortes naquela turma de 2007: a relação arte e
inclusão (necessidades especiais), a relação arte e tecnologias contemporâneas e, ainda, uma
preocupação com questões de identidade cultural, especificamente no que tange as questões
relativas à adolescência.

Intervir no NECASA por meio do ensino de artes visuais a fim de proporcionar aos
adolescentes um meio de inclusão social. Oferecendo-lhes oficinas artísticas,
fornecendo subsídios para o resgate e desenvolvimento de uma cultura estética e
cultural e de socialização. Inter-relacionando as artes visuais com aspectos da
identidade, perspectivas de futuro. E paralelamente buscar novos espaços de
atuação para o arte-educador (RODRIGUES, DUARTE & MORAES, 2007).

Embora a noção de identidade ainda apareça de forma fixa, vejo essa preocupação
como uma sinalização dos esforços que o corpo docente do curso de Licenciatura em Artes
Visuais da UFG vem desenvolvendo para discutir questões que fogem da concepção
modernista de arte e seu ensino. A elaboração deste texto é um esforço crítico de apreensão
desse processo. Sei que os resultados são sempre temporários e os tópicos delineados na
agenda de trabalho parecem, muitas vezes, escorrer como tinta molhada no papel. Mesmo
assim, posso me arriscar e apontar indícios de que esse trabalho vem modificando uma
postura de educadores, incorporando o investigador propositor de possibilidades pedagógicas
transformadoras na formação dos nossos alunos da licenciatura.

A oralidade em sala de aula é fonte primeira de compartilhamento com os colegas


das experiências vivenciadas pelos grupos nos respectivos projetos e também ação
fundamental no processo de construção de nossa prática pedagógica. À medida que
cada integrante do grupo de discussão tecia seus relatos, percebemos que os
desejos, as dúvidas, as preocupações, as frustrações, etc. eram comuns em certos
aspectos, assim chegamos ao final da aula com dois pontos para serem refletidos
em conjunto. São eles:a parceria e as dificuldade que alguns grupos tiveram em
efetivar as parcerias estabelecidas no início do projeto.

As dificuldades continuam e a cada ano são renovadas. A cada final de ano, penso em
desistir. A aparente falta de clareza leva a uma constante queda de braço com os alunos e com
os demais interlocutores. Por que, então, insistir? Talvez Daniela, da turma de 2007, possa
trazer alguma resposta:

“Finalizando esse meu depoimento, quero deixar claro que para mim após esta
experiência educacional, não mais importa o imediatismo dos resultados que às
vezes esperamos, e sim perceber que o desenvolvimento mesmo que caminhe a
passos lentos, possa ser percebido, talvez não por todas as pessoas, mas por aquelas
que tenham a sensibilidade para vê-los e alcançá-los.” (Daniella Moreira in: LIMA
& NEVES, 2007)

4. Game over ou play again?

Turma de 2008. Minha promessa de parar e ter um tempo para refletir ainda não foi
possível. Comecei um novo processo de proposta de formação por meio da prática
pedagógica. Passamos pelo processo de mapeamento dos estágios anteriores, escuto e tomo
notas de queixas sobre o campo de estágio que muito se assemelham as dos anos anteriores.
Mais uma vez, tivemos a resistência inicial ao trabalho de campo ou a dificuldade de
conectá-lo a possibilidades pedagógicas para o ensino de arte. Vi grupos que fizeram o
levantamento dos dados de uma escola ou outro espaço achando uma inutilidade. Quando
questionados como poderia surgir uma proposta daqueles dados ou como aquelas informações
sobre os espaços físicos - características do bairro, dos estudantes e outros atores - poderiam
modificar a proposta inicial que tinham em mente, eles não souberam responder. Depois de
quase quatro anos, não posso evitar uma sensação de frustração e me pergunto: Por que
insisto nisso? Quando o cansaço me toma, eis que um ou outro grupo vem para a discussão
com um insight e reacende aquela luzinha no painel: pode ser que dê certo! Play again!
Os grupos de 2008 organizaram seus temas com base em interesses de pesquisas ou
inquietações anteriores que já vinham desenvolvendo ou planejando desenvolver. A
dificuldade foi fazer o adentramento no contexto do estágio e perceber que “a ordem dos
fatores altera o produto”, ou seja, elaborar uma proposta de estágio considerando o contexto
das comunidades torna as ações mais significativas.
Os alunos Adriana Teles e Valdson Pereira desenvolveram uma proposta sobre o uso
das tecnologias móveis da imagem como o celular e a câmera digital, muito popular entre
estudantes, mas consideradas distúrbios para a aprendizagem pela escola. Eles seguem o
mesmo trajeto de Rogéria, aluna do mestrado, mas enfatizam as tecnologias de bolso para
fazer cinema. Essa dupla conectou estágio e TCC. Desenvolveram a experiência em uma
escola pública da cidade de Anápolis da qual Valdson foi aluno, fato que propiciou o
acolhimento dos estagiários naquela instituição e também facilitou para que um projeto que
“liberava” o uso dos aparelhinhos indesejados pudesse ser acolhido. Em parceria com outros
professores, eles estão realizando filmes sobre a história da própria escola.
Considero o acolhimento um dos fatores imprescindíveis para o desenvolvimento do
estágio para que não sejamos olhados como intrusos no cotidiano de um determinado
contexto (de educação formal ou não formal). Pimenta e Lima apontam a resistência que as
escolas em abrir suas portas devido muitas vezes a atitudes dos estagiários que por serem
universitários acreditavam estar numa posição de superioridade em relação ao conhecimento
do contexto escolar.
Lisiane Alves Vieira também lidou com tecnologias da imagem, mas usa a máquina
fotográfica simples para pesquisar questões de representação identitárias dos adolescentes de
uma escola na cidade onde mora. Aqui, a máquina é emprestada e passada de adolescente para
adolescente, para que estes fotografem o seu quarto. Seu projeto “Do quarto a escola: um
estudo de percepções de alunos do ensino médio sobre identidade”, procurou discutir as
relações de espaço, representações estéticas da mídia e o cotidiano dos adolescentes naquela
cidade de Hidrolândia. Um dos seus objetivos foi desenvolver, a partir das imagens
capturadas, exercícios práticos de re-significação do sentido de morar/habitar, construindo
relações entre casa e escola.
Frederico Elias escolheu trabalhar individualmente e não conectar estágio e TCC. Seu
projeto de estágio propôs em uma escola uma “Intervenção urbana dentro do contexto sócio
político”. Depois da imersão no cotidiano escolar, nosso estagiário detectou um problema que
mobilizava a todos e era (deve continuar sendo) constante fonte de indignação: a carência de
transporte para o acesso a escola. Segundo Frederico Elias:

A instituição atende aos alunos da comunidade do próprio setor e setores vizinhos,


alguns se deslocam de muito longe para estudar, pois o colégio possui uma boa
referência pelo seu contexto histórico com a educação, que surgiu em 1982 e sua
localização estratégica de acesso a outros bairros, facilitando as condições de
acesso ao colégio. Por exemplo, alunos que trabalham durante o dia, depois da
jornada de trabalho podem estudar no colégio e em seguida seguir para casa, e
como se o colégio estivesse no caminho para casa de pelo menos 80% de todos os
alunos do período noturno. O prédio encontra-se de esquina com a avenida
principal do setor, sendo fácil acesso a linhas de ônibus do transporte coletivo
urbano, onde me parece ser mais de cinco linhas diferentes de acesso a três
terminais e diversos bairros vizinhos. (Relatório de Estágio, 2008)

Apesar disso, a oferta de transporte público é deficitária. Esse problema social poderia
ser trabalhado por qualquer outro professor e ainda melhor por um conjunto de professores.
Mas peço sempre que meus alunos se façam a seguinte questão: como posso trabalhar essa
questão como professor(a) de artes visuais?
Juntamente com os alunos, Frederico desenvolveu uma proposta de intervenção
urbana sobre o descaso do transporte público. Utilizaram referências de arte pública dentro da
produção de arte contemporânea. Grupos de alunos da escola elaboraram projetos de
intervenção urbana na avenida principal do setor, as dependências do colégio e ruas da
comunidade. O intento é alertar a comunidade para o assunto proposto pelos alunos, formando
parcerias dentro e fora do colégio para uma melhor abrangência do projeto.
O projeto “A cultura visual no contexto da educação infantil: compartilhando uma
proposta pedagógica no Centro Municipal de Educação Infantil Recanto das Garças, na região
noroeste de Goiânia” surgiu da observação de Petrônio e Antônio “que o ensino de artes
visuais está amplamente inserido na educação infantil, constituindo-se num dos conteúdos
mais recorrentes nesse nível educacional”. Outro fato motivador vem da experiência que
Petrônio teve como auxiliar de ensino em uma creche e no estágio curricular anterior,
realizado com crianças de 4 a 12 anos na escola de Artes Veiga Valle.
As situações enfrentadas pelos dois rapazes no Centro Municipal de Educação Infantil
(CMEI) enriqueceram as reflexões da turma como um todo. Por exemplo: na observação, eles
não tiveram permissão para acompanhar o banho dado nas crianças. Nesse dia de
compartilhamento, esse fato deflagrou uma discussão sobre gênero e as diferentes atribuições
de papéis e confiança no professor ou professora. Os estagiários entenderam que não
poderiam realizar um trabalho direto com as crianças, mas re-estruturaram a proposta para
realizar um trabalho com os profissionais que lidam com educação infantil naquela
instituição:
“voltamos a nossa atenção para os profissionais docentes, professores regentes e
agentes educativos com o propósito de pensarmos juntos sobre algo que é nosso
interesse comum nesse nível da educação institucionalizada. Após o contato inicial
com o referido CMEI, durante o primeiro semestre de 2008, levantamos algumas
sugestões e os profissionais docentes apontaram para a leitura de imagens como
sendo algo que, no entendimento deles, poderia contribuir no desenvolvimento dos
conteúdos de forma integrada no contexto da educação infantil, o que propiciaria
trabalhar temas como construção da identidade, cultura popular, entre outros.
Percebemos, também, que os professores já utilizavam recursos que poderiam ser
mais amplamente explorados se trabalhássemos a partir da compreensão critica da
cultura visual, mediante recursos como, por exemplo, a câmera fotográfica, os
materiais alternativos (retalhos de tecido, sabugos de milho e outros), assim como,
os materiais tradicionais das artes visuais, como o lápis grafite, o lápis de cor, o giz
de cera sobre o papel.”

As estudantes Helga Valéria e Madalena Maria mantiveram no processo de estágio


uma parceria de amizade construída em outros momentos do curso. Mas esse fato não exclui o
conflito. Elas traziam consigo uma experiência de um projeto gestado na matéria Arte e
Percepção e Aprendizagem, com o professor Raimundo Martins, na qual estudaram processos
de desenvolvimento visual das crianças. “Percebemos, em cada uma de nós, uma ligação
direta com o processo de desenvolvimento da nossa própria visualidade, processo ocorrido no
cotidiano, desde a nossa infância até o presente momento enquanto graduandas de licenciatura
em artes”.
As reflexões iniciais desenvolvidas pelas duas alunas colocam o dedo numa ferida do
estágio na FAV: a dispensa parcial do estágio para estudantes que já exercem a docência.
Helga e Madalena enfatizam a importância dessa controvérsia quando afirmam que “o
estágio, que deve ser visto como um importante espaço de pesquisa e um exercício de
reflexão crítica é também uma das propostas curriculares que mais gera questionamentos
devido seu caráter desafiador.” A não dispensa “é um dos pontos polêmicos que gera
resistência sobre sua funcionalidade”.
Diante dessas questões, Helga e Madalena perceberam que ainda não havia um campo
estabelecido de estágio para a EAD – Educação a Distância – e, por isso mesmo, as
discussões não existiam. O problema para as duas seria, no primeiro momento, arranjar um
orientador/a e, num segundo, conjugar essa vontade à proposta de levantar dados da realidade
do campo de estágio para construir ou re-construir a proposta de estágio. Nesses impasses, as
duas aceitaram meu convite para realizar uma investigação em um dos pólos de EAD em que
oferecemos o curso de Licenciatura em Artes Visuais.
A proposta desenvolvida por Kim (Carlos Henrique) e Ângela Lima surgiu da
trajetória de ambos lidando com questões de reciclagem e de artesanato. Kim trabalha na
escola particular Comunidade Educacional “O Pequeno Príncipe”, que tem como fundadora e
matenedora a professora Arlete Bezerra ex-aluna da Escolinha de Arte do Rio de Janeiro nos
anos de 66 a 68. Na impossibilidade de desenvolverem o estágio nessa escola foi elaborado
um plano que estabelecesse conexões entre a experiência daquela escola e professores da rede
pública: “Arte, Educação e Meio ambiente, conexões necessárias”. Foram convidadas três
professora da escola anfitriã e mais três da rede pública, um de CMEI, uma do município e
outra da rede estadual.

No decorrer desse trabalho discutiremos textos sobre interdisciplinariedade (Ivani


Fazenda) e transdisciplinariedade (Carta da Terra e da Transdisciplinariedade),
vídeo com falas de Edgar Morin, discutiremos questões sobre meio ambiente, lixo e
consumo. Mostraremos imagens dos trabalhos de artistas contemporâneos [...] que
discutem esses assuntos e que tem como intenção denunciar os descasos dos
poderes públicos e de parte da população relacionados a esse tema.

Turma 2009: Vale a pena continuar no jogo?

Encontro a turma de 2009 já mais familiarizada com a proposta por terem presenciado
a apresentação dos TCC da turma de 2008. Essa familiarização não garante evidentemente a
compreensão da proposta. Começo o ano levando para a turma ler o texto elaborado sobre
esse processo. Esse mesmo texto que ora modifico para apresentar a turma desse ano. Mais
uma vez, a angústia e premência das tarefas desse último ano de faculdade se sobrepõem a
curiosidade e as perguntas giram em torno de prazos, notas, etc. Faço questão de colocar a
proposta do casamento estágio TCC deixando que fosse uma opção. No entanto muito já
tinham feito a opção antes de chegarem a sala de aula apesar de terem um “tema” escolhido
para o TCC e conseqüentemente para o estágio.
Avanço na discussão teórica sobre estágio com apoio de autores tais como Selma
Garrido Pimenta , discutimos legislações e normatizações internas e externas a UFG, fizemos
o exercício da rememorança dos estágios anteriores. Essas discussões iam dando base para
que o campo de estágio fosse sendo definido.
Por recomendação das orientações da coordenação de estágio da FAV tentei conduzir
a turma para que os campos de estágios ficassem no limite de seis. Com essa limitação grupos
se dividiram no mesmo lugar. Mais um motivo de negociação, pois as escolas geralmente
limitam a dois o número de estagiários. Outro problema é que as escolas também entendem
apenas a sala de aula como enquanto a nossa orientação é considerar toda a escola, a
comunidade do entorno, espaços a serem investigados para a realização do estágio.
Essa é uma dificuldade também para os nossos alunos-estagiários. Ao longo desses
anos a resistência vem diminuindo porém podemos ver que muitas vezes a prática etnográfica
de imersão nos espaços de estágio não condiz com a atitude de pré-definir “temas” para a
realização do TTC. Como resultado não conseguem perceber conexões entre esse desejo e o
contexto investigado. A discussão/reflexão em sala de aula sobre a ida a campo e as possíveis
conexões ajudam a provocar atitudes mais atentas para essa questão e a entender a proposta de
pesquisa como base do estágio.
Nessa turma de 2009 quase todos os grupos estão aliando a experiência do estágio ao
TCC. Os temas são bem variados podendo perceber a contribuição da experiência de pesquisa
dos professores orientadores do TCC. Temos um grupo fazendo a de novo a conexão escola
museu desta vez ressaltando a ausência de diálogos pedagógicos entre espaços da própria
UFG tais como o Centro de Estudos Aplicados Educação –CEPAE, o Museu Antropológico e
a própria FAV. Dois grupos voltaram ao NECASA que já foi espaço de estágio em 2007.
Outro grupo tentou trabalhar com EAJA numa escola municipal, mas não obteve autorização
para tal. Assim, partiram para a Escola Estadual Olga Mansur na qual tiveram a grata surpresa
de encontrar uma professora de artes atuante e que já desenvolve um trabalho com tecnologia.
Dois grupos escolheram o Colégio Pré-Universitário onde estão desenvolvendo um projeto de
elaboração de vídeos em parceria com a professora titular da escola que é da área de música.
Terão a oportunidade de trabalhar questões interdisciplinares entre as duas linguagens de
expressão artística.
No início das aulas tivemos Noeli Batista apresentando suas experiências pós-estágio
já como professora da rede pública estadual. Depois da sua apresentação a professora
convidou alunos ali presentes a estagiarem na escola que dá aula. Assim um grupo se
interessou e atualmente desenvolve proposta para esse espaço famoso pela violência do bairro
e pela presença da polícia na escola.
Na exposição das propostas de planos elaborados na disciplina Estágio IV para serem
desenvolvidos no Estágio V pudemos perceber que os mesmos apresentam problemas tais
como: falta de conexão entre as diversas etapas; ênfase no fazer sem reflexão, excessos de
atividades e dificuldade de incorporar processos avaliativos que seja processuais, dentre
outros. Apesar disso, podemos afirmar a importância desses problemas na medida em são
compartilhados coletivamente. Muitos outros aspectos poderiam ser trazidos sobre a turma de
2009, mas o trabalho ainda está em processo.
Nesse trabalho, é impossível relatar os desdobramentos dos projetos. Ficam eles como
carta de intenções que apresentam a prática pedagógica que procuramos desenvolver como
instância formativa que considera os aspectos de comunidade. Ainda não foi possível
pesquisar os resultados dessas ações nos espaços onde os estágios foram desenvolvidos ao
longo desses anos (2005 a 2009). Fica a lacuna de descobrir como e se essas intervenções
resultantes de projetos de estágios têm impactado pessoas e espaços, ações, formas de ensinar
e a compreensão sobre a necessidade da presença do profissional específico nesses espaços.
Temos algumas pistas que precisam ser rastreadas, mesuradas e refletidas. As estratégias de
investigação teriam que ser desenvolvidas para buscar respostas retro-alimentadoras do
processo.
Termino dizendo que ainda não desisti, mas tenho medo que novos ventos reguladores
do estágio soprem em cima dessas frágeis construções. Para quem conhece a história dos três
porquinhos, jamais serei aquele que constrói sua casa de pedra. Temo os lobos tecno-
pedagocráticos. Minha resistência está na esperança de que aqueles que vivenciaram essas
experiências, mais do que “executar um plano”, tenham se apropriado visceralmente desse
processo, construindo uma autonomia pedagógica que necessita de interações e de contínuos
agenciamentos. Por fim, deixo aqui como notal final um depoimento escrito em 2006 em uma
das avaliações que fizemos da nossa trajetória:

É durante o estágio que compreendemos que existe um vasto leque de saberes que
já existe no local além daquele que levamos como forma de conhecimento
científico. A construção de novos saberes e da própria arte é um dos aprendizados
mútuo. A gente se transforma, se contamina, se identifica ou repudia com o meio e
aqueles que o compõem. No final eu me sinto mais como aprendiz do que como
professora, na conclusão desse estágio. (Cândida Lima: depoimento escrito em
avaliação no dia 19/10/06)

Referências
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didática. Campinas, SP: Papirus, 1997.
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FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: historia, teoria e pesquisa. Campinas. São Paulo:
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SILVA, Rogéria Eler. Um olhar na cultura e suas visualidades. Trabalho de Conclusão de
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especial de contar uma história. Trabalho de conclusão de curso: Goiânia, 2007.
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BORGES, Rosi-Meire Fátima da Silva. Imagem da Publicidade. Trabalho de
Conclusão de Curso: Goiânia, 2007.
Leda Guimarães é professora da Universidade Federal de Goiás. Atua na Graduação
e no Mestrado em Cultura Visual. É coordenadora de estágio da Licenciatura em Artes
Visuais e coordenadora dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais em EaD (UAB e
Pro-Licenciatura). É membro da ANPAP, da FAEB e do INSEA. É doutora em Artes
pela ECA-USP. ledafav@yahoo.com.br

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