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ENTRE
ASPAS
LIVRO OBRAS
TEÓRICO
LINGUAGENS, CÓDIGOS
E SUAS TECNOLOGIAS
Caro aluno
Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva metodologia em período integral,
com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totali-
zando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla,
de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Para melhorar a
aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A seguir, apresentamos cada seção:

INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS VIVENCIANDO


De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desen- Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico
volvida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e é o seu distanciamento da realidade cotidiana, o que difi-
nos principais vestibulares voltados para o curso de Medicina culta a compreensão de determinados conceitos e impede
em todo o território nacional. o aprofundamento nos temas para além da superficial me-
morização de fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios na
aprendizagem dos conteúdos, foi desenvolvida a seção “Vi-
venciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma preo-
cupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações
TEORIA
entre aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada co- contato em seu dia a dia.
leção tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolu-
ção das questões propostas. Os textos dos livros são de fácil
compreensão, completos e organizados. Além disso, contam
com imagens ilustrativas que complementam as explicações APLICAÇÃO DO CONTEÚDO
dadas em sala de aula. Quadros, mapas e organogramas, em
cores nítidas, também são usados e compõem um conjunto Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fa-
abrangente de informações para o aluno que vai se dedicar zem parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos
à rotina intensa de estudos. compilados, deparamos-nos com modelos de exercícios re-
solvidos e comentados, fazendo com que aquilo que pareça
abstrato e de difícil compreensão torne-se mais acessível e
de bom entendimento aos olhos do aluno. Por meio dessas
MULTIMÍDIA resoluções, é possível rever, a qualquer momento, as explica-
ções dadas em sala de aula.
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cui-
dadosa seleção de conteúdos multimídia para complementar
o repertório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a
compreensão, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM
livros, etc. Tudo isso é encontrado em subcategorias que fa-
cilitam o aprofundamento nos temas estudados – há obras Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desem-
de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões de aplicati- penho ao fim da escolaridade básica, organizamos essa
vos que facilitam os estudos, com conteúdos essenciais para seção para que o aluno conheça as diversas habilidades e
ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, em uma competências abordadas na prova. Os livros da “Coleção
seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais Vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas
o conhecimento do nosso aluno. dessas habilidades. No compilado “Áreas de Conhecimento
do Enem” há modelos de exercícios que não são apenas
resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva e
descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no
dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS ajudá-lo a apurar as questões na prática, a identificá-las na
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é prova e a resolvê-las com tranquilidade.
elaborada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que
trata de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares
atuais não exigem mais dos candidatos apenas o puro co-
nhecimento dos conteúdos de cada área, de cada disciplina.
DIAGRAMA DE IDEIAS
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran- Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso,
gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, criamos para os nossos alunos o máximo de recursos para
como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Ma- orientá-los em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de
temática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato Ideias”, para aqueles que aprendem visualmente os conte-
com essa realidade por meio de explicações que relacionam údos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas
a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de mentais e fluxogramas.
outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo
o aluno consegue entender que cada disciplina não existe de da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta
forma isolada, mas faz parte de uma grande engrenagem no aos principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a
mundo em que ele vive. organização dos estudos e até a resolução dos exercícios.
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ISBN
978-85-9542-237-7

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licadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições.
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SUMÁRIO

ENTRE ASPAS
OBRAS LITERÁRIAS
OBRA 1: MARÍLIA DE DIRCEU: TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA 004
OBRA 2: QUINCAS BORBA: MACHADO DE ASSIS 010
OBRA 3: ALGUMA POESIA: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE 019
OBRA 4: MENSAGEM: FERNANDO PESSOA 024
OBRA 5: ANGÚSTIA: GRACILIANO RAMOS 032
OBRA 6: ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA: CECÍLIA MEIRELES 042
MARÍLIA
DE DIRCEU

LC
OBRA Tomás Antônio
Universidade de Coimbra (Portugal)

1 Gonzaga
Em Vila Rica, essas ideias levaram vários intelectuais e es-
critores a sonhar com a independência do Brasil, principal-
mente após a repercussão do movimento de independên-
cia dos Estados Unidos das América (1776). Tais sonhos
culminaram na frustrada Inconfidência Mineira (1789).

2. Autor

1. Minas Gerais e o ciclo do ouro

Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) é um dos mais im-


portantes poetas árcades que desfilou sua lira pelas cidades
Ouro Preto (MG) históricas mineiras, em especial Vila Rica (atual Ouro Preto).
O Arcadismo brasileiro originou-se e teve expressão princi- Apesar de ter nascido no Porto, em Portugal, é estudado no
palmente em Vila Rica (hoje Ouro Preto), Minas Gerais, e seu âmbito da Literatura Brasileira, pois foi em território nacio-
aparecimento teve relação direta com o grande crescimento nal que teve sua importância artística e histórica. Gonza-
urbano verificado no século XVIII nas cidades mineiras, cuja ga vem ainda na infância com a família para o estado da
vida econômica girava em torno da extração de ouro. Bahia, onde viveu e estudou até a juventude. Em idade uni-
versitária regressa para Portugal por conta dos estudos, ele
O crescimento dessas cidades favorecia tanto a divulgação se laureou em Direito na famosa Universidade de Coimbra,
de ideias políticas quanto o florescimento da literatura. Os uma das mais importantes do mundo até hoje.
jovens brasileiros das camadas privilegiadas da sociedade
Neste contexto universitário, o autor entra em contato com
costumavam ser mandados a Coimbra para estudar, uma
a vanguarda do pensamento da época que era a filosofia
vez que na colônia não havia cursos superiores. E, ao re-
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iluminista, inclusive escreve o “Tratado de Direito Natu-


tornarem de Portugal, traziam consigo as ideias que faziam ral” que é uma homenagem ao Marquês de Pombal. É na
fermentar a vida cultural portuguesa à época das inova- própria Universidade de Coimbra que conhece Cláudio Ma-
ções políticas e culturais do ministro Marquês de Pombal, nuel da Costa, outro importante poeta que irá fazer parte
adepto de algumas ideias do iluminismo. do processo de inconfidência.

4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


Em seu retorno ao Brasil, Tomás Antônio Gonzaga vai fin- sua poesia é mais emotiva e espontânea. Sua Marília, em
car residência em Vila Rica e trabalhar como ouvidor, mo- vez de se apresentar como uma mulher irreal, como a Nise
mento em que inicia sua atividade literária e sua relação de Cláudio Manuel da Costa, mostra-se mais humana, pró-
amorosa com Maria Dorotéia de Seixas, uma jovem então xima e real. Observe esta descrição do rosto de Marília:
com 16 anos, cantada em seus versos com o pseudônimo
Na sua face mimosa,
de Marília.
Marília, estão misturadas
Purpúreas folhas de rosa,
Brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.

Os temas árcades do distanciamento da mulher amada e


do sofrimento dele decorrente não são, no caso, de Gon-
zaga, meros temas clássicos convencionais, mas assumem
feição de pura verdade, uma vez que muitos dos seus po-
emas o poeta escreveu quando se encontrava preso. Veja
os versos a seguir:
Estou no inferno, estou, Marília bela;
e numa coisa só é mais humana
a minha dura estrela;
uns não podem mover do inferno os passos;
eu pretendo voar e voar cedo
à glória dos teus braços.

Essas experiências dão à obra de Gonzaga maior subjeti-


vidade, espontaneidade e emotividade – traços que foram
aprofundados pelo movimento literário subsequente, o Ro-
mantismo.
Gonzaga cultivou a poesia lírica, reunida na obra Marília de
Dirceu, e a poesia satírica, reunida nas Cartas Chilenas.

3.1. O Arcadismo e a obra


Em 1789, acusado de participar da Inconfidência, Gonzaga
Marília de Dirceu
foi preso e mandado ao Rio de Janeiro, onde ficou encarce-
rado até 1792, quando foi exilado para Moçambique. Ape-
sar dos sofrimentos passados na prisão, Gonzaga levou na
África uma vida relativamente tranquila. Ali se casou, enri-
queceu e ainda se envolveu com a política local.

3. A arte e a vida
A poesia de Tomás Antônio Gonzaga, se comparada à dos
demais poetas árcades brasileiros, apresenta algumas ino- A obra Marília de Dirceu é uma das grandes representantes
vações que apontam para uma transição entre Arcadismo do arcadismo no Brasil, apesar de apresentar algumas
e Romantismo. características particulares, como podemos observar na
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segunda parte em que assume um tom mais melancólica.


Incorporando muito de sua experiência pessoal à poesia, Pois, como é sabido, Gonzaga conclui a obra já no exílio em
escrita antes e durante a prisão, Gonzaga conseguiu que-
Moçambique distante de sua amada. Porém, não podemos
brar em grande parte a rigidez dos princípios árcades. Por
perder de vista aquilo que o vestibular pode cobrar sobre a
exemplo, em contraposição à contenção dos sentimentos,
relação da obra com sua escola literária.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  5


4. Estrutura da obra

As características centrais do arcadismo que estão presen- A obra Marília de Dirceu é tradicionalmente dividida em
tes no poema são: duas partes. Porém, é possível encontrar edições com três
partes sendo que a terceira é uma reunião de poemas sol-
§ Uma forte preocupação formal com o poema, do aspec- tos de Tomás Antônio Gonzaga que são atribuídos temati-
to racionalista oriundo desta pulsão neoclássica, todavia camente ao conjunto de Marília de Dirceu.
neste caso renunciando ao uso dos tradicionais versos
decassílabos. Neste sentido, a linguagem assume uma di-
Parte 1
mensão de simplicidade e coloquialismo, uma vez que há
uma aproximação estética entre forma e conteúdo; A primeira parte do poema compõe-se de um eu-lírico
otimista, que busca uma vida futura feliz, casado com sua
§ O culto à natureza, ao chamado “pastoralismo”, uma
amada e vivendo uma vida perfeita e equilibrada junto ao
espécie de constituição estética das arcádias em que o
campo. O poeta celebra sua musa, ou seja, a pastora Marília.
eu-lírico se transmuta em uma voz típica da enunciação
árcade, um pastor que vive uma vida simples em harmonia Esta parte do livro foi escrita antes da perseguição e prisão
e equilíbrio com o ambiente. do autor, bem como do castigo impresso pela coroa portu-
guesa de ser exilado para Moçambique.
§ A recuperação da tradição Greco-latina, especialmente ob-
servada na menção de elementos da mitologia grega, mas Parte 2
principalmente na relação temática dos clichês latinos;
A segunda parte da obra “Marília de Dirceu” é escrita du-
§ O culto à simplicidade somado ao repúdio à vida citadina rante a prisão e o exílio de Tomás Antônio Gonzaga. Ele
como fundamentos que guiam o poeta em sua louvação imprime um ritmo um pouco diferente da parte inicial em
do amor e da amada em equilíbrio com o meio bucólico claro nunca deixar de exaltar sua amada Marília.
e pastoril.
O que o vestibulando precisa atentar e isso é motivo de
muitos tropeços nos vestibulares é que essa é uma parte
que assume um tom melancólico e com pitadas de pessi-
mismo, uma vez que o eu-lírico entende que diante de sua
 VOLUME 1

condição não poderá mais ter o amor de sua ama musa.


Neste sentido, é comum a crítica apontar para um traço
pré-romântico nesta segunda parte. Surgem expressões
mais sentimentalistas, e direcionamentos emocionados de
pesar e emotividade enquanto expressão do eu. “Marília

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de Dirceu” influenciou toda a literatura brasileira vindoura, Para ter que te dar, é que eu queria
prenunciou o Romantismo e tornou-se um dos mais impor- de mor rebanho ainda ser o dono;
tantes clássicos de nossa língua. prezava o teu semblante, os teus cabelos
ainda muito mais que um grande trono.
Agora que te oferte já não vejo,
Parte 3 além de um puro amor, de um são desejo
Na terceira parte, como mencionado na introdução, obser- Se o rio levantado me causava,
vamos poemas que apontam para a musa Marília, porém Levando a sementeira, prejuízo,
o eu-lírico lança mão do advento da pluralidade no que diz Eu alegre ficava, apenas via
respeito ao direcionamento de seu louvor, ou seja, ao lado de Na tua breve boca um ar de riso.
sua amada surgem outras pastoras também igualmente lou- Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
de ver-te ao menos compassivo o rosto.
vadas. Tais edições que trazem a terceira parte, recolhem po-
emas escritos por Tomás Antônio Gonzaga antes de conhe- Ah! Minha bela, se a fortuna volta.
cer e se relacionar com Marília. São poemas que remetem a Se o bem, que já perdi, alcanço e provo
gênese de seus escritos diante das convenções árcades. Por essas brancas mãos, por essas faces
Te juro renascer um homem novo,
Romper a nuvem que os meus olhos cerra,
A poesia lírica: Amar no céu a Jove e a ti na terra!

Marília de Dirceu Se não tivermos lãs e peles finas,


podem mui bem cobrir as carnes nossas
as peles dos cordeiros mal curtidas,
e os panos feitos com lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
Por mãos de amor, por minhas mãos cosido.

Nas noites de serão nos sentaremos


cos filhos, se os tivermos, à fogueira:
entre as falsas histórias, que contares,
lhes contarás a minha, verdadeira.
Pasmados te ouvirão; eu, entretanto,
ainda o rosto banharei de pranto.

A Musa

A poesia lírica é a parte mais conhecida da produção literária


de Tomás Antônio Gonzaga. São popularmente conhecidos,
principalmente na região de Minas Gerais, os amores en-
tre Dirceu (pseudônimo pastoral de Gonzaga) e Marília. Até
mesmo na literatura de cordel esse tema já foi explorado.
LIRA 77
Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro
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fui honrado pastor da tua aldeia; Marília de Dirceu, 1946 - Guignard Óleo sobre gesso e cola
vestia finas lãs e tinha sempre 172,00 cm x 116,00 cm Col. Família Rodrigo M.F. de Andrade
a minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal e o manso gado, Marília de Dirceu é muitas vezes exaltada ao patamar de
nem tenho a que me encoste um só cajado. uma personagem mitológica. Além, claro, de ser a musa

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  7


a qual o eu-lírico destina seus versos, ela também agrega III. Está dividida em três partes: a primeira tem como
características em caráter de comparação com deuses da foco a exaltação da amada, a segunda expressa sen-
mitologia. Um aspecto que, como já ressaltamos, retoma timento de solidão, enquanto a terceira é fortemente
marcada pelo pessimismo.
os princípios clássicos que norteiam os árcades, bem como
dá a ela um aspecto extra-humano. a) Apenas I está correta.
b) Todas estão corretas.
O poeta se vale de pequenas fábulas ficcionais para clara- c) Nenhuma está correta.
mente elucidar de forma mais enfática o dote de sua ama- d) Apenas II está correta.
da, suas características físicas e seus ornamentos. e) I e II estão corretas.

Um exemplo disso se dá na lira I, 2, em que a aparência de 3. Leia o poema de Tomás Antônio Gonzaga, transcrito
a seguir, e marque a alternativa que aponta três carac-
Marília é comparada ao retrato do deus Cupido:
terísticas do Arcadismo brasileiro que nele podem ser
Pintam, Marília, os Poetas observadas.
A um menino vendado, Lira I
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão; Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Ligeiras asas nos ombros, Que viva de guardar alheio gado;
O tenro corpo despido, De tosco trato, d’expressões grosseiro,
E de Amor ou de Cupido Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
São os nomes, que lhe dão. Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Aplicando para aprender (A.P.A.)


Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Leia o SONETO.
Graças à minha Estrela!
Obrei quanto o discurso me guiava, a) Vulgarização da figura da mulher; medievalismo;
Ouvi aos sábios quando errar temia; egocentrismo.
Aos bons no gabinete o peito abria,
b) Denúncia social; exaltação da vida no campo; te-
Na rua a todos como iguais tratava. mas urbanos.
Julgando os crimes nunca os votos dava, c) Exaltação da vida no campo; linguagem simples;
Mais duro, ou pio do que a lei pedia: pastoralismo.
Mas devendo salvar ao justo ria, d) Temas urbanos; linguagem simples; medievalismo.
E devendo punir aos réu chorava. e) Egocentrismo; pastoralismo; denúncia social.

Não foram, Vila Rica, os meus projetos, 4. Assinale a alternativa correta em relação a Marília de
Meter em ferro cofre cópia de ouro, Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga.
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos: a) No livro, é estabelecido um contraste entre a pai-
sagem, bucólica e amena, e o cenário da masmorra,
Outras são as fortunas, que me agouro,
opressivo e triste.
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro. b) Trata-se de um conjunto de cartas de amor, en-
viadas por Marília, de Minas Gerais, a Dirceu, que se
1. Analisando as características do poema, assinale o encontra em Moçambique.
movimento literário ao qual ele pertence, bem como o c) Na obra, o pensamento racional é anulado em fa-
seu autor: vor do sentimentalismo romântico.
a) Romantismo, de autoria de Gonçalves Dias. d) Nas liras de Gonzaga, Marília é uma mulher irreal,
b) Arcadismo, de autoria de Santa Rita Durão. incorpórea, imaginada pelo pastor Dirceu.
c) Arcadismo, de autoria de Tomás Antônio Gonzaga. e) Trata-se de um livro satírico, carregado de termos
d) Simbolismo, de Alphonsus de Guimaraens. pejorativos em relação às convenções da época.
e) Romantismo, de autoria de Álvares de Azevedo. Texto para as próximas duas questões.
2. Sobre a obra Marília de Dirceu é correto afirmar: Lira XV
I. Tem caráter autobiográfico, sendo Marília o sujeito lí- Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro,
 VOLUME 1

rico de Maria Joaquina Dorotéia Seixas, amor proibido Fui honrado Pastor da tua aldeia;
de Tomás Antônio Gonzaga. Vestia finas lãs, e tinha sempre
II. Contém as seguintes características árcades: exalta- A minha choça do preciso cheia.
ção ao bucolismo, linguagem coloquial, culto à simpli- Tiraram-me o casal, e o manso gado,
cidade. Nem tenho, a que me encoste, um só cajado.

8  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


Para ter que te dar, é que eu queria 5. O poema apresenta a temática árcade conhecida
De mor rebanho ainda ser o dono; como
Prezava o teu semblante, os teus cabelos
a) fugere urbem (fuga da cidade).
Ainda muito mais que um grande Trono.
b) inutilia truncat (corte das coisas inúteis).
Agora que te oferte já não vejo
c) carpe diem (desejo de aproveitar o dia, a vida).
Além de um puro amor, de um são desejo.
d) aurea mediocritas (vida simples materialmente,
Se o rio levantado me causava, mas feliz).
Levando a sementeira, prejuízo,
Eu alegre ficava apenas via 6. NÃO é correto afirmar que o pastor
Na tua breve boca um ar de riso.
a) é o eu lírico do poema.
Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
b) projeta pela imaginação seu futuro.
De ver-te aos menos compassivo o rosto.
c) revela à Marília a causa de sua desgraça.
Propunha-me dormir no teu regaço d) apresenta uma visão nostálgica do passado.
As quentes horas da comprida sesta,
Escrever teus louvores nos olmeiros,
Toucar-te de papoulas na floresta.
Julgou o justo Céu, que não convinha
Gabarito
Que a tanto grau subisse a glória minha.
1. C 2. B 3. C 4. A 5. D
Ah! minha Bela, se a Fortuna volta,
Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo; 6. C
Por essas brancas mãos, por essas faces
Te juro renascer um homem novo;
Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,
Amar no Céu a Jove, e a ti na terra.
Fiadas comprarei as ovelhinhas,
Que pagarei dos poucos do meu ganho;
E dentro em pouco tempo nos veremos
Senhores outra vez de um bom rebanho.
Para o contágio lhe não dar, sobeja
Que as afague Marília, ou só que as veja.
Senão tivermos lãs, e peles finas,
Podem mui bem cobrir as carnes nossas
As peles dos cordeiros mal curtidas,
E os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
Por mãos de amor, por minhas mão cosido.
Nós iremos pescar na quente sesta
Com canas, e com cestos os peixinhos:
Nós iremos caçar nas manhãs frias
Com a vara envisgada os passarinhos.
Para nos divertir faremos quanto
Reputa o varão sábio, honesto e santo.
Nas noites de serão nos sentaremos
C’os filhos, se os tivermos, à fogueira;
Entre as falsas histórias, que contares,
Lhes contarás a minha verdadeira.
Pasmados te ouvirão; eu entretanto
Ainda o rosto banharei de pranto.
Quando passarmos juntos pela rua,
Nos mostrarão c’o dedo os mais Pastores;
Dizendo uns para os outros: “Olha os nosso
“Exemplos da desgraça, e sãos amores”.
 VOLUME 1

Contentes viveremos desta sorte,


Até que chegue a um dos dois a morte.
GONZAGA, Tomaz Antonio. Marília de Dirceu.
Disponível em <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>.
Acesso em: 25.out.2012.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  9


Em 1856, entrou para a Imprensa Nacional como aprendiz
QUINCAS de tipógrafo. Em 1858, tornou-se revisor e colaborador no
Correio Mercantil e, em 1860, foi para a redação do Diário
BORBA do Rio de Janeiro. Escreveu para a revista O Espelho, onde

LC
estreou como crítico teatral, para a Semana Ilustrada e para
o Jornal das Famílias, no qual publicou contos. Foi um dos
fundadores da Academia Brasileira de Letras, que presidiu
por mais de dez anos. Casou-se com Carolina Augusta Xa-
vier de Novais, que foi sua companheira durante 35 anos.

OBRA Machado de Assis


A obra de Machado de Assis abrange diversos gêneros li-
terários. Na poesia, inicia com o romantismo de Crisálidas
2 (1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo em
Americanas (1875) e pelo Parnasianismo em Ocidentais
(1901). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Con-
tos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873);
os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874),
Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) são considerados como
pertencentes ao seu período romântico.
A partir daí, Machado de Assis entrou na fase das obras-pri-
1. Machado de Assis mas que o tornaram o maior escritor da literatura brasileira e
um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa.
Machado publicou na Gazeta de Notícias, de 1881 a 1897,
diversos textos, mas, principalmente, suas melhores crôni-
cas. Em 1881, saiu o livro que daria uma nova direção à
sua carreira literária: Memórias póstumas de Brás Cubas. A
data se tornou o marco inicial do Realismo no Brasil. A partir
de 1881, ao remodelar a literatura e trazer conceitos que
negavam os princípios românticos, suas obras se tornaram
as representantes máximas do Realismo brasileiro. Os ou-
tros romances dessa fase são: Casa Velha (1885), Quincas
Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e
Memorial de Aires (1908).
Como contista, publicou Papéis avulsos (1882), Histórias
sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhi-
das (1899) e Relíquias de Casa Velha (1906)
Em 1889, foi promovido a diretor da Diretoria do Comércio
no Ministério.
Para se compreender as inovações do "Bruxo do Cosme
Velho", como Machado ficou conhecido, é preciso consi-
derar que ele começou a escrever inspirado no molde de
José de Alencar, ou seja, publicou inicialmente romances
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio românticos, como as já citadas obras Ressurreição, A mão
de Janeiro em 21 de junho de 1839. Era mestiço, filho do e a luva, Helena e Iaiá Garcia. Entretanto, seu reconheci-
pintor Francisco José de Assis e de Maria Leopoldina Ma- mento e consagração ocorre pelas obras realistas.
chado de Assis, portuguesa dos Açores. Perdeu a mãe muito O diálogo com o leitor, a digressão, a metalinguagem e
cedo e foi criado pela madrinha no Morro do Livramento.
 VOLUME 1

o mergulho na psicologia humana compõem o conjunto


Sem meios para cursos regulares, estudou sempre como de genialidade temperada por ironia refinada, estilo que
um autodidata. Com apenas 15 anos incompletos, publicou desnuda as aparências da sociedade burguesa com um
um soneto no Periódico dos Pobres, em 1854. Foi jornalista, cinismo elegante e que faz de Machado de Assis um dos
contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo. maiores nomes da literatura mundial.

10  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


1.1. Linha do tempo midores para seus produtos industrializados. O Brasil conso-
lidava o Império apoiado no sistema escravista e com algum
§ 1839 – Nasce Joaquim Maria Machado de Assis, no dia encaminhamento de modernização.
21 de junho, no Rio de Janeiro. Filho do brasileiro Fran-
cisco José de Assis e da portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis viveu momentos importantes da história
Machado de Assis, moradores do Morro do Livramento. do Brasil, como a Guerra do Paraguai, a luta abolicionista
e a constituição da República, que repercutiram em sua
§ 1849 – Depois do falecimento de sua mãe e de sua
produção literária. A segunda metade do século XIX foi, de
única irmã, Machado é cuidado por sua madrinha
fato, um período de intensas transformações na sociedade
§ 1854 – Seu pai casa-se com Maria Inês da Silva, brasileira. O que é possível perceber no romance Quincas
com quem Machado continuará vivendo depois da Borba, em que o Rio de Janeiro, por ser a corte, era um
morte do pai. espaço onde surgiam os enganadores e suas falcatruas.
§ 1855 – Publica “A palmeira”, seu primeiro trabalho,
e “Ela”, seu primeiro poema, no periódico Marmota
Fluminense.
2. Quincas Borba
§ 1856 – Entra para a Tipografia Nacional como aprendiz.
§ 1858 – Estuda francês e latim com o professor padre
Antônio José da Silveira Sarmento. Torna-se revisor de
provas de tipografia e da livraria do jornalista Paula Bri-
to. Nesse período, conhece membros da Sociedade Pe-
talógica, como Manuel Antônio de Almeida e Joaquim
Manoel de Macedo. Escreve para os jornais O Paraíba
e Correio Mercantil.
§ 1864 – Publica o volume de poesias Crisálidas, seu
primeiro livro.
§ 1867 – É nomeado ajudante do diretor no Diário Oficial.
§ 1869 – Casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novaes.
§ 1873 – É nomeado o primeiro-oficial da Secretaria
do Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas.
§ 1878 – Passa uma temporada em Friburgo para cuidar
da saúde.
§ 1881 – Torna-se oficial de gabinete do ministro da
Agricultura, Pedro Luis.
§ 1888 – Torna-se oficial da Ordem da Rosa por decreto
do imperador.
Na obra de Machado de Assis, o personagem Quincas Borba
§ 1889 – É nomeado diretor na Diretoria do Comércio. aparece pela primeira vez no livro Memórias póstumas de
§ 1897 – É eleito presidente da Academia Brasileira de Le- Brás Cubas. No romance de 1891, por sua vez, o título da
tras, da qual, um ano antes, havia sido um dos fundadores. obra faz referência direta ao filósofo Quincas Borba, que
morre logo no início da história. Depois de sua morte, Pedro
§ 1904 – Torna-se membro da Academia das Ciências
de Lisboa. Morre sua mulher, Carolina Xavier. Rubião de Alvarenga, que era seu discípulo e enfermeiro par-
ticular, é beneficiado com uma grande herança.
§ 1908 – Falece no Rio de Janeiro em 29 de setembro.
Com o dinheiro da herança, Rubião, ex-professor primá-
 VOLUME 1

rio e enfermeiro, muda-se da fazenda que vivia na cidade


1.2. Tempo de mudanças de Barbacena, em Minas Gerais, para a cidade do Rio de
Na segunda metade do século XIX, Inglaterra e França de- Janeiro, e passa a viver em um palacete no bairro de Bo-
tinham o controle administrativo, econômico e militar do tafogo. Rubião fica encarregado de cuidar do cão de seu
mundo capitalista e buscavam ampliar o número de consu- amigo, que, ironicamente, chama-se Quincas Borba.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  11


Na mudança de sua vida provinciana para a vida na cidade, “Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, en-
Rubião conhece o casal Palha: Sofia e Cristiano. quanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a
bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os
A partir daí, ele começa a ter contato com diversas caracte- metais que amava de coração; não gostava de bronze,
rísticas que o levam a se tornar um “professor capitalista”. mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço,
e assim se explica este par de figuras que aqui está na
No Rio de Janeiro, Rubião foi visto como uma pessoa que sala, um Mefistófeles e um Fausto.”
poderia ser facilmente enganada, dada a sua ingenuidade
e vida simples que levava em Minas Gerais. Então, Rubião § Cristiano Palha: marido de Sofia e suposto amigo de
passa a conviver com o casal Palha, seus supostos novos Rubião, mas que está interessado somente em sua fortu-
“amigos”, e acaba se interessando pela beleza e meiguice na. Cristiano rompe a sociedade com Rubião, alegando
de Sofia. Em certo ponto da história, Rubião resolve declarar a necessidade de se afastar da empresa para assumir
seu amor, mas é rejeitado pela moça, que é fiel a seu marido. cargos no sistema financeiro. Na verdade, já estabeleci-
Sofia conta o ocorrido a Cristiano, que, mesmo sabendo dos do, Cristiano quer continuar a conduzir sozinho os seus
intentos de Rubião, continua a relação com ele, uma vez que negócios. Sofia também se afasta de Rubião, recusando
está interessado em sua fortuna. Rubião e Cristiano se tor- seus insistentes convites para passeios.
nam sócios em uma importadora, Palha & Cia “Chegados à estação da corte, despediram-se quase fa-
miliarmente (...). No dia seguinte, estava Rubião ansioso
Rubião, aos poucos, vai perdendo a razão devido à rejeição por ter ao pé de si o recente amigo da estrada de ferro,
de Sofia. Ele acredita ser Napoleão III e repete aos quatro e determinou ir a Santa Teresa, à tarde; mas foi o próprio
cantos a máxima de seu falecido amigo Quincas Borba: Palha que o procurou logo de manhã.”
“Ao vencedor, as batatas”.
§ Sofia Palha: esposa de Cristiano, que por sua vez,
Fala de Quincas Borba: fica interessada em Carlos Maria. Ela apoia o marido
“Não há morte. O encontro de ditas expansões, ou a ex- em suas ações.
pansão de duas formas, pode determinar a supressão de “As senhoras casadas eram bonitas; a mesma solteira
uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, não devia ter sido feia, aos vinte e cinco anos; mas Sofia
porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência primava entre todas elas. Não seria tudo o que o nos-
da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e so amigo sentia, mas era muito. Era daquela casta de
comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. mulheres que o tempo, como um escultor vagaroso, não
Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As acaba logo, e vai polindo ao passar dos longos dias. Es-
batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, sas esculturas lentas são miraculosas; Sofia rastejava os
que assim adquire forças para transpor a montanha e ir
vinte e oito anos; estava mais bela que aos vinte e sete;
à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas,
era de supor que só aos trinta desse o escultor os últimos
se as duas tribos dividirem em paz as batatas do cam-
retoques, se não quisesse prolongar ainda o trabalho,
po, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de
por dois ou três anos.”
inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a
conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe § Carlos Maria: homem que desperta o interesse de Sofia
os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, e que, por fim, casa-se com a prima dela. Torna-se amigo
recompensas públicas e todos demais efeitos das ações
de Rubião. Trata-se de um rapaz que exala prepotência.
bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não
chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só “Queres o avesso disso, leitor curioso? Vê este outro
comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e convidado para o almoço, Carlos Maria. Se aquele tem
pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza os modos “expansivos e francos”, – no bom sentido
uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou laudatório, – claro é que ele os tem contrários. Assim,
compaixão; ao vencedor, as batatas.” não te custará nada vê-lo entrar na sala, lento, frio e
superior, ser apresentado ao Freitas, olhando para outra
No fim da história, Rubião foge para Barbacena com o cachor- parte. Freitas que já o mandou cordialmente ao diabo
ro, onde morre. O casal Palha, por outro lado, torna-se rico. por causa da demora (é perto do meio-dia), corteja-o
agora rasgadamente, com grandes aleluias íntimas.”
2.1. Personagens § Maria Benedita: prima de Sofia e esposa de Carlos
§ Rubião: enfermeiro, ex-professor do primário na cida- Maria. Trata-se de uma personagem secundária da obra.
de de Barbacena e protagonista da narrativa. De origem No livro, há o relato de que o nome “Maria Benedita” a
 VOLUME 1

humilde, muda radicalmente de vida quando conhece o incomodava, por ser um nome de velha. É uma mulher
filósofo Quincas Borba e se torna seu herdeiro. Rubião prendada, que aprende bons costumes com sua prima.
demonstra descontrole em relação à fortuna, além de “Maria Benedita, nome que a fechava, por ser de ve-
se mostrar ingênuo. Apaixona-se por Sofia, mulher de lha, dizia ela; mas a mãe retorquia-lhe que as velhas
seu mais novo amigo, Cristiano Palha. foram algum dia moça as meninas, e que os nomes

12  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


adequados às pessoas eram imaginações de poetas e
contadores de histórias.”
2.2. Análise
§ Camacho: advogado, político e falso jornalista, figura 2.2.1. Espaço e tempo
que vai se aproveitar da fortuna de Rubião.
O livro foi publicado em 1891, mas a narrativa começa em
“Ao mesmo tempo entrou no gabinete, onde os dez
1867, em Barbacena, Minas Gerais, estendendo-se para o
homens tratavam de política, porque este baile, ia-me
esquecendo dizê-lo, era dado em casa de Camacho, a Rio de Janeiro a partir de 1870. Toda a história se passa em
propósito dos anos da mulher.” Barbacena, devido à universalidade do texto, poderia ser
em qualquer lugar do mundo. Fora isso, os fatos intermedi-
§ D. Fernanda: a personagem nasceu em Porto Alegre e
ários acontecem na Corte (RJ).
possuía pouco mais de trinta anos. Era jovem, expansi-
va, corada e robusta.
2.2.2. O narrador
“Sofia organizou a comissão, que trouxe novas relações
à família Palha. Incluída entre as senhoras que forma- O narrado da obra, em terceira pessoa, possui uma posição
vam uma das subcomissões, Maria Benedita trabalhou imparcial sobre os fatos. O narrador de Quincas Borba é, em
com todas, mas granjeou em especial a estima de uma certa medida, o próprio Machado de Assis. É importante res-
delas, D. Fernanda, esposa de um deputado. D. Fernanda saltar que não se deve confundir o narrador com o escritor.
se casara com um bacharel das Alagoas, deputado agora
por outra província, e, segundo corria, prestes a ser mi- Machado de Assis assume a postura de escritor/narrador. A
nistro de Estado.” passagem a seguir, como outras da obra, quebra a objetivi-
§ Dona Tônica: é personagem secundária. D. Tônica é dade do narrador em terceira pessoa:
filha do Major Siqueira. Ela é caracterizada por ser uma Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler Me-
“solteirona” desesperada para se casar. mórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago
§ Quincas Borba (o cão): teve esse nome dado pelo da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado e
seu dono, também chamado Quincas Borba e, mais tar- inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora, em Barbacena.”
de, vem a ter outro dono: Rubião. Ao longo da narrativa,
o cão mostra-se amável e fiel. As atitudes do cão faziam 2.2.3. Temas: filósofo ou cachorro?
com que Rubião achasse que ele recebera a alma do A principal característica do romance é o foco nas relações
filósofo morto. sociais de seu tempo. Machado faz fortes críticas às rela-
ções humanas. Temas como herança, traição, poder, apa-
rência, loucura, ironia, imoralidade e falsidade são recor-
rentes na obra de Machado.
O adultério, temática sempre presente nas obras macha-
dianas da fase resalista, é insinuada no interesse que Sofia
manifesta pelos homens que a cortejam: vale mencionar os
personagens Rubião e Carlos Maria. A traição não chega a
acontecer de fato, talvez porque a moça tenha no marido
o seu melhor parceiro na enganação, sendo esta, afinal, a
temática central da obra.
O engodo sugere a existência de uma sociedade improdu-
tiva e parasitária, que age sempre sob máscaras que dis-
simulam duvidosas transações financeiras e falsos elogios
nos jornais. O jogo de aparências revela a verdadeira face
da sociedade: um diretor de banco é humilhado em uma
visita ao ministro e desconta em Cristiano Palha, tratando-
-o da mesma forma. O próprio Rubião, senhor de sua for-
tuna, sente-se pequeno ao se deparar com a suntuosidade
de uma baronesa do Império. Nesse sentido, a demonstra-
 VOLUME 1

ção de poder é sempre mais importante que o poder em si,


que permanece mascarado.
No desenrolar do enredo, o leitor pode questionar as razões
do título dado ao livro. Seria uma referência ao filósofo que

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  13


morre logo na abertura ou ao cachorro que fica de herança? Na obra Memórias póstumas de Brás Cubas, o personagem
A resposta não pode ser dada antes da reflexão de que am- Quincas Borba é citado pelo autor. Por isso, o livro Quincas
bas as respostas estão certas. Segundo a filosofia criada por Borba pode ser considerado (em partes) uma continuação
Quincas Borba, Humanitas é o princípio da existência que se de Brás Cubas.
manifestaria em todo ser vivente, podendo também existir As narrativas de Memórias póstumas de Brás Cubas e de
no cão. E talvez esteja nesse princípio a verdadeira razão do Quincas Borba tocam-se no início do capítulo IV, sendo
título: ele pode ser uma referência ao Humanitismo. uma espécie de continuação daquela. Mas a história de
A história de Rubião confirma a filosofia de Quincas Borba. Quincas Borba é completamente outra.
Sofia e seu marido não fazem mais do que seguir a máxima Quincas Borba retrata a jornada de Rubião rumo à loucu-
segundo a qual “Humanitas precisa comer”. Eles seguem ra. Assim, o verdadeiro elo entre os romances é apenas o
à risca essa prescrição, alimentando-se da fortuna e da in- Humanitismo, filosofia com a qual Quincas Borba marcou
genuidade de Rubião. Segundo outra máxima da filosofia sensivelmente Brás Cubas, mas que, apesar de seus esfor-
de Quincas e que aparece na fala de Rubião antes de mor- ços, não conseguiu transmitir a Rubião.
rer: “Ao vencedor, as batatas”. Os espólios da guerra se
destinam aos vitoriosos. Rubião é o derrotado justamente Nas duas obras, Machado trata da teoria filosófica do Hu-
por representar o anti-Humanitas, uma vez que nada em manitismo criada por Quincas.
sua vida foi conquistado com luta, mas por mera condição Segundo o filósofo, esse conceito está relacionado com a
do acaso. Sua loucura gradativa – aproximada da loucura exploração das pessoas e a falta de humanismo na cons-
que atinge Quincas Borba – é a confirmação do destino de trução das relações sociais.
quem acreditou excessivamente na aparência. Ironicamen-
Assim, nessa luta incessante pela sobrevivência, os ingênu-
te Rubião morreu acreditando ser Napoleão III.
os são manipulados pelos espertos, os fracos padecem, e
Nesse sentido, Quincas Borba simboliza a reafirmação dos os fortes permanecem vivos e manipulando outros.
princípios humanitistas, livres de moralidade, em que tudo
O livro retrata a filosofia inventada por Quincas Borba, de
é permitido, porque tudo se faz em nome da substância que a vida é um campo de batalha no qual só os mais for-
original. A filosofia se enquadra perfeitamente no jogo de tes sobrevivem, e em que fracos e ingênuos, como Rubião,
fingimento das relações sociais – a moralidade aparente es- são manipulados e aniquilados pelos fortes e espertos,
conde a imoralidade da essência dessas relações. como Palha e Sofia, que terminam vivos e ricos.

2.2.4. A filosofia: Humanitismo “Nunca há morte. Há encontro de duas expansões, ou ex-


pansão de duas formas”, diz a frase com que Quincas Bor-
ba criou sua filosofia. E, ao tentar explicá-la melhor, acabou
formulando a célebre máxima: "Ao vencedor, as batatas".
Esse é o princípio que rege a lógica constitutiva da obra.
Assim, é importante que o aluno entenda a explicação nas
palavras do próprio Quincas:
“Supõem-se em um capo de duas tribos famintas. As bata-
tas apenas chegavam para alimentar uma das tribos, que
assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra
vertente, onde há batatas em abundância; mas se as duas
tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam
a nutrir-se suficientemente e morrerão de inanição. A paz,
neste caso, é a destruição; a guerra, é a esperança.
Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos.
Daí, a alegria da vitória, os hinos, as aclamações. Se a
guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam
a dar-se. Ao vencido, o ódio ou compaixão. Ao vencedor,
 VOLUME 1

as batatas!”
Esta tal “filosofia” se enquadra no jogo de fingimento das
relações sociais em que a aparente moralidade esconde a
imoralidade dessas relações.

14  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


2.3. O romance machadiano da obra em que se insere. Por isso, hoje em dia, tende a
ostentar sentido pejorativo, equivalente a “desvio”, “di-
vagação”, “subterfúgio”.
2.3.1. Estilo (Moisés, Massaud. 2004, p. 125)
O estilo machadiano pode ser definido como elegância e
certa contenção ao escrever, rápidas pinceladas na compo- 2.3.2. Crítica
sição da personagem e muita discrição. O autor sempre foi “Seja no plano da forma, através das interrupções, seja
adepto de personagens fortes. A sua enorme capacidade no plano do conteúdo, através de anedotas e apólo-
de observação do ser humano e da sociedade não é um gos sobre a vaidade humana, a experiência visada não
privilégio da fase realista e está presente desde o início. muda, (...) Machado carrega a tinta com maestria – são
formas fechadas em si mesmo, e neste sentido, matéria
Machado de Assis organizou seus personagens de modo romanesca de segunda classe, estranha ao movimento
diverso ao dos românticos, ainda que tivesse aproveita- global própria ao grande romance oitocentista.”
do as lições que aprendeu na leitura de grandes mestres, (SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. p. 51.)
como José de Alencar, o português Almeida Garrett, o fran-
cês Victor Hugo e o inglês Swift.
Nos romances iniciais, Machado é um romântico um pouco
diferente: já é marcante a crítica que haveria de constituir
sua característica singular. Em sua obra, o casamento não
era a cura para todos males (como acreditavam os românti-
cos), mas um tipo de comércio, uma certa troca de favores.
Nos romances escritos depois de 1880, Machado intensifi-
cou essa crítica social, assumindo uma fina ironia ao foca-
lizar questões delicadas como o casamento, o adultério, a
exploração do homem pelo homem, entre outros. Notabi-
lizou-se por olhar além das máscaras sociais a fim de des-
mascarar o jogo das relações e de compreender a natureza
humana, focalizando personagens com espírito de análise.
Em outras palavras, Machado de Assis acreditava que nos
indivíduos existem sempre intenções supostas para objeti-
vos reais. É disso que resultam os atos, os quais se dirigem
para a satisfação pessoal de quem os prática.
De acordo com o crítico literário Roberto Schwarz, nos ro-
mances machadianos quase todas as frases possuem se-
gunda intenção ou propósito espirituoso:
A prosa é detalhista ao extremo, sempre à cata de efeitos
imediatos, o que amarra a leitura ao pormenor e dificul-
ta a imaginação do panorama. Em consequência, e por
causa também da campanha do narrador para chamar
a atenção sobre si mesmo, a composição do conjunto
pouco aparece.” 2.4. Trechos da obra
(SCHWARZ, Roberto. In: Um mestre na periferia do capitalismo Acompanhe alguns trechos para compreender melhor a
– Machado de Assis. p. 18) linguagem utilizada no livro. Confira abaixo:
Outro elemento do estilo machadiano é a digressão, que
o autor empregava com maestria. De acordo com o crítico 2.4.1. Prólogo da 3ª edição
Massaud Moisés: A segunda edição deste livro acabou mais depressa que a
Própria do discurso oratório, a digressão pode apresen- primeira. Aqui sai ele em terceira, sem outra alteração além
 VOLUME 1

tar qualquer medida, aparecer em qualquer parte do da emenda de alguns erros tipográficos, tais e tão poucos
texto e em obras de qualquer outra natureza, sobretudo que, ainda conservados, não encobririam o sentido.
a poesia épica, o romance e o ensaio. Empregada desde
a antiguidade greco-latina, constitui expediente difícil de Um amigo e confrade ilustre tem teimado comigo para que
manejar, uma vez que pode comprometer a integridade dê a este livro o seguimento de outro. “Com as Memórias

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  15


Póstumas de Brás Cubas, donde este proveio, fará você
uma trilogia, e a Sofia de Quincas Borba ocupará exclusiva-
mente a terceira parte.” Algum tempo cuidei que podia ser,
mas relendo agora estas páginas concluo que não. A Sofia
está aqui toda. Continuá-la seria repeti-la, e acaso repetir o
mesmo seria pecado. Creio que foi assim que me tacharam
este e alguns outros dos livros que vim compondo pelo multimídia: vídeo
tempo fora no silêncio da minha vida. Vozes houve, gene-
Fonte: Youtube
rosas e fortes, que então me defenderam; já lhes agradeci
em particular; agora o faço cordial e publicamente. Quincas Borba, 1987, dirigido por Roberto Santos
1899 – M. de A.
Releitura do clássico de Machado de Assis. Rubião sai
do interior de Minas Gerais com apenas um objetivo
em mente: aproveitar ao máximo todos os prazeres que
2.4.2. Capítulo II
uma cidade como o Rio de Janeiro pode lhe oferecer, em
Que abismo que há entre o espírito e o coração! O espírito uma viagem patrocinada pelo dinheiro que seu mestre,
do ex-professor, vexado daquele pensamento, arrepiou ca- o filósofo Quincas Borba, lhe deixou como herança. No
minho, buscou outro assunto, uma canoa que ia passando; entanto, assim que Rubião chega à Cidade Maravilhosa,
o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria. Que as coisas começam a se complicar.
lhe importa a canoa nem o canoeiro, que os olhos de Ru-
bião acompanham, arregalados? Ele, coração, vai dizendo
que, uma vez que a mana Piedade tinha de morrer, foi bom Aplicando para aprender (A.P.A.)
que não casasse; podia vir um filho ou uma filha... – Bonita
1. (ITA) Em 1891, Machado de Assis publicou o roman-
canoa! – Antes assim! – Como obedece bem aos remos do ce Quincas Borba, no qual um dos temas centrais do
homem! – O certo é que eles estão no céu! Realismo, o triângulo amoroso (formado, a princípio,
pelas personagens Palha–Sofia–Rubião), cede lugar a
2.4.3. Capítulo XCV uma equação dramática mais complexa e com diversos
desdobramentos. Isso se explica porque:
Vou agarrá-la antes de chegar ao Catete, disse Rubião su-
a) o que levava Sofia a trair Palha era apenas o interesse
bindo pela Rua do Príncipe. na fortuna de Rubião, pois ela amava muito o marido.
Calculou que a costureira teria ido por ali. Ao longe, des- b) Palha sabia que Sofia era amante de Rubião, mas
cobriu alguns vultos de um e outro lado; um deles pare- fingia não saber, pois dependia financeiramente dela.
ceu-lhe de mulher. Há de ser ela, pensou; e picou o passo. c) Sofia não era amante de Rubião, como pensava
seu marido, mas sim de Carlos Maria, de quem Pal-
Entende-se naturalmente que levava a cabeça atordoada:
ha não tinha suspeita alguma.
Rua da Harmonia, costureira, uma dama, e todas as rótu- d) Sofia não era amante de Rubião, mas se interessou
las abertas. Não admira que, fora de si, e andando rápido, por Carlos Maria, casado com uma prima de Sofia, e
desse um encontrão em certo homem que ia devagar, ca- este por Sofia.
bisbaixo. Nem lhe pediu desculpa; alargou o passo, vendo e) Sofia não se envolvia efetivamente com Rubião, pois
que a mulher também andava depressa. se sentia atraída por Carlos Maria, que a seduziu e de-
pois a rejeitou.
2.4.4. Capítulo CCI 2. (PUC-RS) No início de Quincas Borba, a personagem
Rubião avalia sua trajetória, enquanto olha para o
Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu
mar, para os morros, para o céu, da janela de sua casa,
também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do em Botafogo. Passara de _________ a capitalista ao
dono, e amanheceu morto na rua, três dias depois. Mas, ven- _________. Mas, no final do romance, o personagem
do a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável acaba morrendo na miséria.
que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que As lacunas podem ser correta e respectivamente pre-
dá o titulo ao livro, e por que antes um que outro, – questão enchidas por:
 VOLUME 1

prenhe de questões, que nos levariam longe. Eia! chora os a) jornalista – receber um prêmio
dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! b) professor – receber uma herança
É a mesma coisa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, c) enfermeiro – se tornar comerciante
como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os d) filósofo – investir em terras
risos e as lágrimas dos homens. e) enfermeiro – se casar com Sofia

16  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


3. (UFRGS) Assinale a alternativa correta em relação a c) da capacidade de Machado de Assis em antever os
Quincas Borba, de Machado de Assis. muitos “ismos” que surgiriam no século XIX: darwi-
a) O título do livro, como esclarece o narrador, refere-se nismo, positivismo, evolucionismo.
ao filósofo Quincas Borba, criador do “Humanitismo”. d) da preocupação didática de Machado de Assis com
b) Quincas Borba é apenas um interiorano milionário a transmissão de conhecimentos filosóficos consoli-
explorado por parasitas sociais como Palha e Camacho. dados na época.
c) Rubião é objeto de disputa amorosa entre a bela e) da competência de Machado de Assis em antecipar
Sofia e dona Tonica, filha do major Siqueira. a estética surrealista surgida no século XX.
d) Rubião, sócio do marido de Sofia, comete adultério 6. (CEFET-PR) A filosofia de Quincas Borba é explicada
com ela sem levantar suspeitas. nos primeiros capítulos do romance. Posteriormente, em
e) Ao fugir do hospital, Rubião retorna com Quincas alguns momentos de delírio, Rubião recorda-se dos ensi-
Borba à sua cidade de origem, Barbacena. namentos do mestre e os sintetiza na frase: “Ao vencedor,
as batatas”. A versão completa da máxima, enunciada
As questões 4 e 5 referem-se ao texto a seguir, extraído
por Quincas a Rubião no capítulo 6, é esta: “Ao vencido,
do sexto capítulo de Quincas Borba (1892), de Machado
ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.
de Assis (1839-1908).
A filosofia inventada por Quincas Borba pode ser com-
“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As ba- provada com os seguintes acontecimentos do romance,
tatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim exceto:
adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente,
a) a organização da comissão das Alagoas.
onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividem
em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficiente- b) a morte da avó de Quincas, atropelada por carro puxa-
mente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a do a cavalos.
guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e reco- c) o tipo de relação estabelecida entre Camacho e Rubião.
lhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, re- d) o empenho de D. Fernanda em casar Maria Benedita.
compensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. e) o gesto de Rubião de salvar de um atropelamento
Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a o menino Deolindo.
dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o
que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que 7. (FATEC) Leia o texto.
nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Capítulo CC
Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.”
(ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Quincas Borba. Rio Poucos dias depois, [Rubião] morreu... Não morreu súbdito nem
de Janeiro: Nova Aguilar, 1997, p. 648-649.) vencido. Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa
na cabeça, — uma coroa que não era, ao menos, um chapéu
4. Com base nas palavras de Quincas Borba, considere
velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão.
as afirmativas a seguir:
Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada;
I. As duas tribos existem separadamente uma da outra. só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes
II. A necessidade de alimentação determina os termos e outras pedras preciosas. O esforço que fizera para erguer meio
do relacionamento entre as duas tribos. corpo não durou muito; o corpo caiu outra vez; o rosto conservou
III. O relacionamento entre as duas tribos pode ser porventura uma expressão gloriosa.
amistoso (“dividem entre si as batatas”) ou competiti- — Guardem a minha coroa, murmurou. Ao vencedor...
vo (“uma das tribos extermina a outra”). A cara ficou séria porque a morte é séria; dous minutos de ago-
IV. O campo de batatas determina a vitória ou a derrota nia, um trejeito horrível, e estava assinada a abdicação.
de cada uma das tribos.
Capitulo CCI
Estão corretas apenas as afirmativas:
Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu também,
a) I e IV. ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono, e ama-
b) II e III. nheceu morto na rua, três dias depois. Mas, vendo a morte do
c) III e IV. cão narrada em capítulo especial, é provável que me perguntes
d) I, II e III. se ele, se o seu defunto homônimo é que dá titulo ao livro, e por
e) I, II e IV. que antes um que outro, – questão prenhe de questões, que nos
levariam longe... Eia! chora os dous recentes mortos, se tens lá-
5. (UEL) O Humanitismo, filosofia criada por Quincas grimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma cousa. O Cruzeiro que a
Borba, é revelador: linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto
a) do posicionamento crítico de Machado de Assis para não discernir os risos e as lágrimas dos homens.
 VOLUME 1

aos muitos “ismos” surgidos no século XIX: darwinis- (Machado de Assis. Quincas Borba.)
mo, positivismo, evolucionismo.
b) da admiração de Machado de Assis pelos muitos Depreende-se do texto que:
“ismos” surgidos no início do século XX: futurismo, a) ao narrar a agonia de Rubião, o narrador deixa
impressionismo, dadaísmo. implícito que aquele merecia as honrarias de um rei.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  17


b) a ambiguidade no título do romance, Quincas Bor-
ba, justifica-se pelo fato de o autor não conseguir de-
finir-se por homenagear o filósofo ou seu cão.
c) a afirmação que encerra o capítulo CC revela um
traço machadiano característico: a ironia.
d) a declaração de que Sofia não quis fitar o Cruzeiro
revela a indiferença como matriz do estilo do autor.
e) a linguagem empregada para descrever a morte
de Quincas Borba revela tendência do narrador a dar
mais importância ao cão do que a Rubião.

Gabarito
1. D 2. B 3. E 4. E 5. A
6. D 7. C
 VOLUME 1

18  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


“Se eu gosto de poesia?

ALGUMA Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho,


papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está
POESIA contida nisso tudo”

LC
(Carlos Drummond de Andrade em 'Procura da poesia')

Ao longo de sua carreira como escritor, lançou dezenas


de livros de prosa, verso, contos e ensaios. Teve seu título
traduzido para diversas línguas e levou a poesia mineira
para muito além das fronteiras brasileiras. Drummond foi
OBRA Carlos Drummond seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influen-

3 de Andrade te da literatura brasileira em seu tempo. Além disso, foi


tradutor de autores estrangeiros: Balzac, Marcel Proust,
García Lorca e Molière.
Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ,
no dia 17 de agosto de 1987, 12 dias após a morte de sua
filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade
Disponível em: <http://static.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/
homenagens-a-carlos-drummond-de-andrade-marcam-
o-dia-nacional-da-poesia>. Acesso em: jan.2021

1. Carlos Drummond de Andrade 2. Alguma Poesia


Meu primeiro livro, Alguma poesia (1930), traduz uma
grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação
ingênua com o próprio indivíduo. Já em Brejo das al-
mas (1934) alguma coisa se compôs, se organizou; o
individualismo será mais exacerbado, mas há também
uma consciência crescente de sua precariedade e uma
desaprovação tácita da conduta (ou falta de conduta)
espiritual do autor.
Drummond de Andrade, Carlos. "Autobiografia
para uma revista". Confissões de
Minas. Poesia e
prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.

Alguma Poesia é o livro de estreia do poeta de Itabira. Uma


obra ímpar para compreensão da Literatura no Brasil hoje
e sempre, o livro é, também, uma chave importante no
1.1. A vida do poeta e cronista auxílio à percepção crítica do que foi o movimento mo-
dernista. Dedicado a Mário de Andrade, amigo do autor
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, em 31 e outro grande escritor brasileiro, a obra capta e trabalha
de outubro de 1902. De uma família de fazendeiros, estu- sobre os influxos da semana de 22, reunindo a "grande
dou em Belo Horizonte, onde também começou a carreira inexperiência", como diz o próprio Drummond, e uma sin-
de escritor como colaborador do Diário de Minas, que reu- cera vontade de escrita.
nia conhecidos jornalistas e escritores mineiros expoentes Definindo o primeiro momento do modernismo como
do movimento modernista. uma busca não apenas pelo rompimento e pela iden-
tidade nacional, mas também como um marco para a
Pressionado pela família, Drummond formou-se em far-
apropriação de uma linguagem que fosse real, o livro
mácia na cidade de Ouro Preto, em 1925. Não seguiu a de Drummond, datado de 1930, figura bem na transi-
carreira. Ingressou no serviço público e, em 1934, mudou-
 VOLUME 1

ção desse referido período para um segundo momento, a


-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete do fase em que a linguagem está em posse dos escritores, o
amigo Gustavo Capanema, então ministro da Educação. momento de consolidar os ideais. Alguma poesia, portan-
Em 1945, passou a trabalhar no Serviço do Patrimônio His- to, traz em seus 49 um olhar irreverente para a tradição
tórico e Artístico Nacional até se aposentar em 1962. literária, na mesma medida em que propõe com enorme

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  19


autenticidade atenção para importantes questões sobre o O bonde passa cheio de pernas:
indivíduo, o Brasil e a própria poesia. pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
Aspectos gerais não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
§ Otto Maria Carpeaux define o conjunto como: “no-
é sério, simples e forte.
tações sensíveis, descontínuas, características do Quase não conversa.
impressionismo sentimental.”; Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,
§ Sensação de incompletude;
Meu Deus, por que me abandonaste
§ Significações para as impotências existenciais e se sabias que eu não era Deus
poéticas: “Tinha uma pedra no meio do caminho” se sabias que eu era fraco.

§ O sujeito moderno e a autoidentificação; Mundo mundo vasto mundo,


se eu me chamasse Raimundo
§ Possibilidades do humor e da confidência prosaica; seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
§ Legado, desarranjado, do Modernismo de 22 .
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
2.1. A Modernidade mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
A obra de Drummond é carregada por tensões dialéticas
que vez ou outra privilegiam uma face em detrimento da O gauche drummondiano foi bastante estudado por Alci-
outra – o destaque na expressão do privilégio aqui diz res- des Villaça, professor doutor na Universidade de São Paulo,
peito ao fato de tal tensão jamais encontrar solução. Nessa e, em seu livro, Passos de Drummond (2006), desenvolve:
direção, o poeta que vem de Itabira, o mineiro no Rio, ex- Por ocasião do "Poema de Sete Faces", o estreante Drum-
plora a modernidade como o indivíduo que se apresenta mond está ainda num primeiro passo da perplexidade: o
gauche se mostra sobretudo na insuficiência psicológica
enquanto faces de uma "vida besta" e de um "mundo
para a ação dentro de um mundo de movimentos rápidos e
torto". Há impotência em modificar o último. No entanto, de excessivos convites. A primeira tarefa, para o poeta, é ter
ainda assim, há no fazer poético certo aclaramento sobre consciência disso, é iluminar a timidez na praça antes que
as questões que turvam este mesmo mundo. seja acusada pelo outro – sempre um virtual demolidor.

Figura que sintetiza a leitura da modernidade nessa obra Assim, o poeta assume uma posição de tocaia, como quem
aparentemente descontínua é o gauche, indicado no fa- adapta o voyeurismo de Baudelaire. Essa tocaia, no entan-
moso Poema de sete faces. A figura desse passante (pelas to, não deixa de expor percepções e de retorcer sentidos do
ruas, pela vida) remete também aos movimentos moder- fazer poético, da autoidentificação e do projeto nacional do
nos de Baudelaire. Enquanto seja a modernidade a busca modernismo de 22.
por um abandono do arcaico e do provinciano, há a tenta-
tiva de encontro e conciliação com modos de estar nesse Resumo do tópico
novo mundo. O gauche de Drummond, contudo, atualiza
§ Entre “a expressão humana e a angulação geométrica”
o pessimismo do poeta francês, trazendo irreverência ao
soturno e humor como forma de identificação ao sujeito § Consciência moderna múltipla e dinâmica
moderno no Brasil. § Apresentada em discurso poético
§ O gauche e o desajuste
Poema de Sete Faces § Refinamento irônico da própria condição
Quando nasci, um anjo torto § A condição de voyeur
desses que vivem na sombra
§ A existência e a movimentação pelos desejos
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
 VOLUME 1

§ Responsabilização humorística da investigação


As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres. do sujeito
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

20  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


2.2. Poemas Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Cidadezinha qualquer Os percevejos heróicos renascem.
Casas entre bananeiras Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
mulheres entre laranjeiras E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
pomar amor cantar. Desconfio que escrevi um poema
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Anedota búlgara
Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens. multimídia: vídeo
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e an- Fonte: Youtube
dorinhas,
ficou muito espantado O SOBREVIVENTE - ZÉ MIGUEL WISNIK declama
e achou uma barbaridade CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo Aplicando para aprender (A.P.A.)
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Leia o poema "Sentimental".
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Sentimental
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes Ponho-me a escrever teu nome
que não tinha entrado na história com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
A rua diferente e debruçados na mesa todos contemplam
Na minha rua estão cortando árvores esse romântico trabalho.
botando trilhos
Desgraçadamente falta uma letra,
construindo casas.
uma letra somente
Minha rua acordou mudada. para acabar teu nome!
Os vizinhos não se conformam.
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!
Eles não sabem que a vida
tem dessas exigências brutas. Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
Só minha filha goza o espetáculo
e se diverte com os andaimes, "Neste país é proibido sonhar."
a luz da solda autógena – Alguma Poesia
e o cimento escorrendo nas formas. 1. Da leitura do poema, é coerente afirmar que:
Sobrevivente a) Drummond recupera o sonho adolescente do me-
nino que se distrai, brincando de estar apaixonado,
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da
humanidade. durante a ceia.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de b) Drummond evoca um amor que se manifesta di-
verdadeira poesia. retamente na figura do sonho, trabalhando o incons-
O último trovador morreu em 1914. ciente, o onírico.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais. c) O discurso direto configura um rompimento poé-
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades tico elaborado por Drummond, sendo uma inovação
mais simples. característica do modernismo.
Se quer fumar um charuto aperte um botão. d) A ideia do eu lírico extremamente apaixonado
Paletós abotoam-se por eletricidade. contrasta com o restante da obra, na qual o eu lírico
 VOLUME 1

Amor se faz pelo sem-fio. aparece sempre maduro e realista.


Não precisa estômago para digestão. e) Drummond explora uma temática que só é possível
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta dentro do modernismo, o amor nos gestos cotidianos
muito para atingirmos um nível razoável de da figura do adolescente.
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  21


Leia um trecho de “Lanterna mágica”, poema de Carlos b) A linguagem adotada no poema recupera a tra-
Drummond de Andrade, que tem como foco a cidade de dição da poesia clássica e, por esse motivo, adota o
Itabira, onde o poeta nasceu. estrangeirismo “Stop”.
c) Para o eu lírico, a invenção do automóvel é uma possi-
Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.
bilidade da humanidade dominar completamente o uso
Na cidade toda de ferro
do tempo e, portanto, ser mais produtivo e mais feliz.
as ferraduras batem como sinos.
Os meninos seguem para a escola. d) Já que o poema fala sobre o automóvel, é possível
Os homens olham para o chão. analisarmos as referências do futurismo no texto de
Os ingleses compram a mina. Drummond.
e) A partir da concisão, o poema discute como a vida
Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota in- moderna parece se paralisar frente às invenções tec-
comparável. nológicas.
2. A partir da análise do trecho, assinale a alternativa Leia o poema “Cidadezinha qualquer”, de Carlos Drum-
correta: mond de Andrade.
a) No poema, por meio do primeiro verso do trecho,
há uma reivindicação da divisão igualitária dos bens Casas entre bananeiras
naturais da cidade de Itabira. Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.
b) Ao caracterizar Itabira como “cidade toda de fer-
ro”, o eu lírico apresenta um cenário em que não há Um homem vai devagar.
possibilidade nenhuma para a experiência de senti- Um cachorro vai devagar.
mentos e emoções. Um burro vai devagar.
c) Ao encerrar o trecho do poema dizendo que “Tutu
Devagar… as janelas olham.
Caramujo cisma na derrota incomparável”, o eu lírico
Eta vida besta, meu Deus.
quer demonstrar uma perspectiva positiva do proces-
so histórico de transformou Itabira no século XX. 5. Da leitura do poema, pode-se afirmar que:
d) Com os versos “Os meninos seguem para a escola/
a) O poema expõe um olhar de ternura frente à condi-
Os homens olham para o chão”, o eu lírico apreende
ção de desajuste do ser humano no mundo moderno.
a banalidade dos dias e está interessado em demons-
trar os ciclos da vida humana. b) O poema focaliza as experiências de desventuras
amorosas do eu lírico.
e) No verso “Os ingleses compram a mina”, o eu lírico
faz um flagrante do processo histórico de exploração c) A partir de uma linguagem bastante simples, o eu
dos bens naturais de Itabira. lírico expõe um sentimento nostálgico da sua infân-
cia, que é apresentada enquanto um momento feliz
3. Assinale a alternativa que melhor apresenta a relação da sua trajetória.
existente entre o primeiro livro de poesias de Drummond, d) O poema capta a monotonia e o tédio que parece
Alguma poesia, com a primeira geração modernista: estruturar as vidas dos habitantes das pequenas cidades.
a) Nos poemas, há uma avaliação positiva do desen- e) Há, no poema, um posicionamento político do eu
volvimento urbano. lírico que encara de forma negativa as mudanças na
b) O poeta, na maior parte dos poemas, assim como sua cidade de infância.
Mário de Andrade, busca dar conta das diferentes cul-
6. A partir da leitura integral da obra Alguma poesia, é
turas que estruturam a identidade brasileira.
possível dizer que:
c) Os poemas observam, a partir de um prisma sub-
jetivo, as experiências cotidianas modernas, apresen- a) O desajuste no mundo que é característica do eu
tando, a partir delas, significações mais profundas lírico do livro é também uma posição política.
sobre a existência humana e apontamentos políticos. b) O livro analisa, de diferentes perspectivas, a rela-
d) A poesia é apresentada como a possibilidade de ção entre o sujeito e o mundo.
alcançar um estado sublime. c) Não há no livro uma preocupação com a forma dos
e) Assim como Oswald de Andrade, Drummond, na poemas, já que está inserido no contexto da primeira
maioria das vezes, opta por poemas bastante curtos, já geração modernista.
que considera esta a forma adequada à modernidade. d) Os poemas metalinguísticos reforçam a perspectiva
de que o poeta não busca diálogo com o grande público.
Leia o poema “Cota zero” de Carlos Drummond de Andrade e) O uso do tom irônico e humorístico é uma estra-
Stop. tégia comercial para que a poesia tivesse uma maior
A vida parou. circulação no Brasil.
Ou foi o automóvel?
 VOLUME 1

7. Sobre as características principais de Alguma poesia,


4. Assinale a alternativa correta: livro de estreia de Carlos Drummond de Andrade, pode-
-se dizer que
a) O poema, ao optar pela síntese extrema, apresenta
uma visão positiva do desenvolvimento tecnológico a) O livro apresenta uma ampla crítica a todas as ins-
na modernidade. tituições sociais.

22  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


b) Os poemas de Alguma poesia recuperam os mode- Leia o poema “Política literária”.
los clássicos da literatura brasileira. O poeta municipal
c) Alguma poesia é o livro em que a literatura en- discute com o poeta estadual
gajada de Drummond se apresenta de forma mais qual deles é capaz de bater o poeta federal.
acentuada.
Enquanto isso o poeta federal
d) O eu lírico dos poemas do livro, apesar de enfrentar
tira ouro do nariz
situações adversas, confere um sentido à sua própria
existência. 10. Levando em consideração a leitura do poema, faz-se
e) Grande parte dos poemas do livro trabalham com correta a afirmação presente na alternativa:
a inadequação do sujeito. a) O poema, ao tematizar o confronto entre os poe-
tas estadual e municipal, está tratando, unicamente,
Leia um trecho do “Poema de sete faces” sobre as divergências políticas que estruturam os di-
Meu Deus, por que me abandonaste ferentes governos.
Se sabias que eu não era Deus b) O poema defende que toda produção artística
Se sabias que eu era fraco deve, necessariamente, tematizar os conflitos polí-
ticos e sociais.
Mundo mundo vasto mundo c) A tentativa de “bater o poeta federal” representa
Se eu me chamasse Raimundo o desejo de aprimorar os conhecimentos literários por
Seria uma rima, não seria uma solução parte dos poetas municipal e estadual.
Mundo mundo vasto mundo d) O ouro que é tirado pelo poeta federal de seu pró-
Mais vasto é meu coração prio nariz representa as qualidades da poesia brasileira.
8. Da leitura do poema, é correto concluir que: e) O poema demonstra que, assim como a política, a
literatura também é influenciada por divergência de
a) As duas estrofes trabalham com uma perspectiva ideias e antagonismos.
de mundo desencantada, já que o autor apresenta o
seu desamparo. 11. O poema que tornou famoso Carlos Drummond de An-
b) No poema, o eu lírico recusa completamente a drade foi “No meio do caminho” de 1928. Leia-o a seguir.
perspectiva religiosa e, por isso, reclama de seu aban- No meio do caminho tinha uma pedra
dono no mundo. Tinha uma pedra no meio do caminho
c) Na segunda estrofe do trecho, há uma perspectiva Tinha uma pedra
positiva do mundo pela afirmação a subjetividade do No meio do caminho tinha uma pedra
eu lírico: “Mais vasto é meu coração”
Nunca me esquecerei desse acontecimento
d) Drummond utiliza das rimas como uma forma de
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
demonstrar que a poesia, para alcançar uma perspec-
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tiva sublime do mundo, tem que se preocupar com a
Tinha uma pedra
questão sonora do texto.
Tinha uma pedra no meio do caminho
e) A autodeclaração do eu lírico, “se sabias que eu No meio do caminho tinha uma pedra
era fraco”, demonstra que o autor segue as propostas
veiculadas pelo Ultrarromantismo. Sobre o poema, é possível afirmar que:
a) O poema, ao repetir as mesmas sentenças, de-
9. Já no primeiro poema de Alguma poesia, o eu lírico é monstra que a poesia, no mundo moderno, não tem
caracterizado como gauche. Sobre esse aspecto na obra espaço para a inventividade.
de Drummond, assinale a alternativa INCORRETA
b) É possível perceber no poema uma ausência completa
a) Mesmo em meio ao contexto familiar, o eu lírico da figura do eu lírico, o que pode representar o mundo
dos poemas de Alguma poesia se sente desajustado em que os objetos são mais importantes que as pessoas.
e, portanto, destoante. c) O impasse “encenado” no poema permite uma refle-
b) O fato de o eu lírico ser um gauche relaciona-o a toda xão sobre a própria subjetividade do poeta e também
uma tradição poética de desajustes frente à sociedade, das condições socioculturais em que estava inserido.
como no caso dos poetas considerados “malditos”. d) A questão do impasse, simbolizada pela pedra no
c) Há uma desconfiança do eu lírico em relação aos meio do caminho, é uma forma de representar a crise
comportamentos cotidianos e, por isso, em muitos criativa do autor.
poemas focaliza fatos aparentemente banais da vida. e) A imagem das “retinas tão fatigadas” é uma forma
d) Mesmo sentimento amoroso é tratado por Drum- do autor tematizar a sua própria maturidade.
mond como algo desajustado, já que o eu lírico dos
poemas não concebe, no amor, um sentido para a vida. Gabarito
 VOLUME 1

e) O eu lírico explora a sua situação de desajustado


e, a partir disso, posiciona-se junto aos explorados e 1. A 2. E 3. C 4. E 5. D
marginalizados, explorando, nos poemas, as situa-
ções de pobreza e de opressão. 6. B 7. E 8. A 9. E 10. E
11. C

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  23


os estudos secundários. Frequentou, durante um ano, uma
escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda,
MENSAGEM o Intermediate Examination in Arts, na Universidade do
Cabo (onde obteve o Queen Victoria Memorial Prize, pelo

LC
melhor ensaio de estilo inglês), finalizando os seus estudos
na África do Sul. No tempo em que viveu no continente
africano, passou um ano de férias (entre 1901 e 1902), em
Portugal, tendo residido em Lisboa e viajado para Tavira,
na intenção de contatar a família paterna, e para a Ilha Ter-
ceira, onde vivia a família materna. Já nesse tempo redigiu,
OBRA Fernando Pessoa sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes.

4 De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por


um período breve (1906-1907), o Curso Superior de Letras.
Após uma tentativa falhada de montar uma tipografia e
editora, Empresa Íbis — Tipográfica e Editora, dedicou-se,
a partir de 1908, e a tempo parcial, à tradução de corres-
pondência estrangeira de várias casas comerciais, sendo o
restante tempo dedicado à escrita e ao estudo de filosofia
(grega e alemã), ciências humanas e políticas, teosofia e
literatura moderna, temas que acrescentavam à sua for-
1. Fernando Pessoa mação cultural anglo-saxónica, determinante na sua per-
sonalidade. Em 1920, ano em que a mãe, viúva, regressou
Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais
alto que pode obrar alguém da humanidade. a Portugal com os irmãos e em que Fernando Pessoa foi
viver de novo com a família, iniciou uma relação sentimen-
– Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa.
(Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e tal com Ophélia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano
Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966. - 100. e retomada, para rápido e definitivo término, em 1929). A
relação de Fernando e Ophélia é testemunhada pelas Car-
tas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David
Mourão-Ferreira, e editadas em 1978.
Em 1925, ocorreria a morte da mãe. Fernando Pessoa viria
a morrer uma década depois, a 30 de Novembro de 1935
no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado
com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo
consumo excessivo de álcool.
Adaptado de: <https://escritas.org/pt/bio/
fernando-pessoa>. Acesso em: jan 2021.

2. Mensagem
Mensagem foi um dos poucos livros publicados por Fer-
nando Pessoa em vida e o único em língua portuguesa.
Nele. o autor, estudioso declarado do ocultismo, faz com
que os elementos mais sobressalentes sejam os símbolos.
Fernando Pessoa foi um escritor português de importân- A partir desse "monte e desmonte" dos símbolos, o que
cia ímpar na história da literatura em língua portuguesa. veremos é uma poesia que transcende a própria matéria.
Pessoa nasceu a 13 de Junho, em uma casa do Largo de O significado do termo torna-se incapaz de expressar a
essência daquilo que comunica, os símbolos, por sua vez,
 VOLUME 1

São Carlos, em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vi-


timado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o irmão, Jorge. apresentam um tom mais abrangente.
Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o Pensemos que para definir o perigo, seriam necessárias
cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse uma série de palavras que, por sua vez, aparecem dentro e
país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, de forma genérica de um simples sinal de alerta. Um sím-

24  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


bolo é, portanto, uma forma de tratar de algo que não é [...]
totalmente conhecido ou que as palavras não dão conta O Quinto Império. O futuro de Portugal —que não cal-
de definir da melhor maneira possível. Para Fernando, as culo mas sei —está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas
palavras foram transformadas em símbolos. trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostra-
damo. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja portu-
guês, pode viver a estreiteza de uma só personalidade,
Noções sobre o gênero épico de uma só nação, de uma só fé? Conquistámos já o Mar:
resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os
§ Ilíada e Odisséia: apresentação e representação Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascen-
de valores culturais e crença religiosa ça, os europeus que não são europeus porque não são
portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a
§ Epopeias naturais/espontâneas - realidade mítica
verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa!
§ Ulisses enquanto sábio grego Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeismo Su-
premo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os
§ Os lusíadas, de Luís Vaz de Camões deuses todos são verdade.
§ Poema épico de enaltecimento de Portugal - re- Ultimatum e Páginas de Sociologia Política . Fernando Pessoa.
alidade histórica (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão.
Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
§ Figura histórica: Vasco da Gama
§ Mensagem enquanto modelo épico moderno 2.2. Estrutura Geral de Mensagem
§ O vazio do mito do Quinto Império - dimensão § Título: inicialmente “Portugal”
transcendente § Mens Agitat Molem: a mente move a matéria
§ Falência do discurso épico: sujeito fragmentário § Epígrafe: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit
nobis signum”
§ Bendito sejas Deus nosso Senhor, que nos deu sinal
2.1. Quinto império § Estrutura tripartida
O Quinto Império aparece como uma referência bíblica re- § “Brasão”, “Mar português” e “O encoberto”
cuperada na tradição literária e, também, por Pessoa, em § Ciclo da vida/nação
Mensagem.
§ 1541: Bandarra, o primeiro profeta, é julgado 2.2.1. Brasão
pela Inquisição
A primeira parte da obra tem no uso do brasão de Portugal
§ 1578: Batalha de Alcácer-Quibir uma forma de evocar a origem do país. Os elementos do
símbolo são transformados em poemas, que se destinam a
§ Sumiço de D. Sebastião
falar dos mitos fundadores do país.
§ 1688: Sermão de Acção de Graças pelo nasci-
Desde o primeiro poema, O dos Castelos, fica evidente a
mento do príncipe D. João, Padre Antonio Vieira relação entre passado e futuro que Pessoa irá desenvolver.
§ Condenado pela Inquisição Nele, a Europa é simbolizada como o corpo de uma mulher,
a partir do qual uma profecia sobre o futuro da civilização
§ 1896: fim da Guerra de Canudos
se faz presente.
§ 1934: Mensagem, Fernando Pessoa
Tomando os castelos como pedras fundamentais da nação,
O próprio Pessoa, em seus escritos, comenta o mito do Pessoa estabelece relação entre eles e os personagens histó-
Quinto império: ricos pertinentes à formação de Portugal. Respectivamente,
Ser português, no sentido decente da palavra, é ser euro-
temos Ulisses, Viriato (um herói celta que lutou contra os ro-
peu sem a má-criação de nacionalidade. Arte portuguesa manos), conde dom Henrique, Dona Tareja, rei Dom Afonso
será aquela em que a Europa - entendendo por Europa Henriques (primeiro rei de Portugal) e Dom Diniz (fundador
principalmente a Grécia antiga e o universo inteiro - se da Universidade de Lisboa) habitando do primeiro ao sexto
mire e se reconheça sem se lembrar do espelho. Só duas castelo. O sétimo é habitado por Dom João I (Mestre de Avis)
 VOLUME 1

nações - a Grécia passada e Portugal futuro - receberam e Dona Filipa de Lencastre (princesa do Santo Gral).
dos deuses a concessão de serem não só elas mas tam-
bém todas as outras. Chamo a sua atenção para o facto, Em seguida, as cinco Quinas do Brasão aparecem como con-
mais importante que geográfico, de que Lisboa e Atenas solidadoras da glória do império português. Elas são repre-
estão quase na mesma latitude. sentadas pelas figuras de Dom Duarte décimo primeiro rei

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  25


de Portugal), Dom Fernando, Dom Pedro (um dos oito filhos III – As Quinas
de Dom João I e Dona Filipa de Lencastre), Dom João e Dom
1º “D. Duarte, Rei de Portugal”
Sebastião (o desaparecido da batalha de Alcácer-Qibir).
2º “D. Fernando, Infante de Portugal”
Sobre o Brasão, há, ainda, dois importantes símbolos: a co-
roa e o grifo. Para simbolizar a coroa, Pessoa evoca Nunál- 3º “D. Pedro, Regente de Portugal”
vares Pereira, apoiador de Dom João, Mestre de Avis e um 4º “D. João, Infante de Portugal”
dos maiores generais portugueses, uma vez que derrotou
o exército de Castela, cinco vezes maior do que o seu. Nu- 5º “D. Sebastião, rei de Portugual”
nálvares se torna o Santo Condestável, isto é, uma figura IV – A coroa
canonizada. É na mão do santo que Pessoa irá colocar a
1º “Nuno Álvares Pereira”
espada mítica Excalibur.
V – O timbre
O grifo, por sua vez, híbrido de águia, leão e outros ani-
mais, é o timbre do Brasão. É uma forma de conotar poder 1º “A Cabeça do Grypho/ O Infante de D. Henrique”
sobre o ar, a terra e a água. Pessoa o divide em três per- 2º “Uma asa do Grypho/ D. João, o Segundo”
sonagens: a cabeça é atribuida ao Infante Dom Henrique
(fundador e mantenedor da escola de Sagres); uma das 3º “A outra asa do Grypho/ Afonso de Albuquer-
asas é atribuída a Dom João II (responsável por descobrir que”
o caminho para as Índias); e a outra é atribuída a Afonso
de Albuquerque (assegurou a ocupação militar das terras 2.2.1.2. Características
além-mar orientais). § Epígrafe: Bellum sine bello - Guerra sem guerrear
§ A preparação para a difusão cultural das Grandes
Navegações
§ Recriação histórica da fundação do país
§ Apresentação de figuras históricas importantes na
fundação do país
§ Apresenta figuras históricas anteriores ao empreendi-
mento marítimo

2.2.1.3. Organização
§ Os campos: apresentação do destino histórico e da
Brasão Real de Portugal no Séc XV. espiritualidade portuguesa
§ Os castelos: criação e espacialização de Portugal (1º rei)
2.2.1.1. Estrutura Interna
§ As quinas: ínclita geração, vitória sobre os mouros, D.
Primeira parte: Brasão – 19 poemas Sebastião
I – Os Campos § A coroa: O santo condestável e Excalibur
1º “O dos Castellos” § O timbre (grifo): os domínios da terra, ar e água –
2º “O das Quinas” encaminhamento para as Grandes Navegações.

II – Os Castellos 2.2.1.4. Poemas


1º “Ulysses”
O dos castelos
2º “Viriato”
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
3º “Conde D. Henrique”
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
4º “D. Tareja” E toldam-lhe românticos cabelos
 VOLUME 1

5º “D. Afonso Henriques” Olhos gregos, lembrando.

6º “D. Diniz” O cotovelo esquerdo é recuado;


O direito é em ângulo disposto.
7º I “D. João, o Primeiro”
Aquele diz Itália onde é pousado;
8º II “D. Filipa de Lencastre” Este diz Inglaterra onde, afastado,

26  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


A mão sustenta, em que se apoia o rosto. divina, como se fosse missão de Portugal ser o protagonista
Fita, com olhar sphyngico e fatal, da Era das Descobertas e o transformador do mundo.
O Ocidente, futuro do passado.
Como na primeira parte, vemos a mitificação de persona-
O rosto com que fita é Portugal. gens importantes do momento descrito, como Fernão de
Magalhães e Vasco da Gama; D. Sebastião reaparece no
O das quinas
penúltimo poema.
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
Baste a quem baste o que Ihe basta
O bastante de Ihe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.

Ulisses
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre Armada portuguesa, Livro de Lisuarte de Abreu, 1565.
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre. 2.2.2.1. Estrutura Interna
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre. Segunda parte: Mar português – 12 poemas
I. O Infante
D. Sebastião, Rei de Portugal
II. Horizonte
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá. III. Padrão
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está IV. O Mostrengo
Ficou meu ser que houve, não o que há. IX. Ascensão De Vasco Da Gama
Minha loucura, outros que me a tomem V. Epitáfio De Bartolomeu Dias
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem VI. Os Colombos
Mais que a besta sadia,
VII. Ocidente
Cadáver adiado que procria?
VIII. Fernão De Magalhães
2.2.2. O mar português X. Mar Português
 VOLUME 1

A segunda parte do livro traz à tona as conquistas maríti- XI. A Última Nau
mas de Portugal. Simultaneamente, há uma busca espiritual
XII. Prece
que demonstram a ambição pelo conhecimento de si. Nessa
parte da obra, Pessoa liga o destino de Portugal à vontade

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  27


2.2.2.2. Características Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.
§ Epígrafe: Possessio maris - A posse do mar
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
§ Traça o período histórico das Grandes Navegações Aportou? Voltará da sorte incerta
§ A participação pioneira de Portugal no século XV e XVI Que teve?
§ O “espírito” que busca a Verdade Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
§ Apresenta os aspectos subjetivos das navegações E breve.
§ Coragem, braveza, triunfo, etc.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
2.2.2.3. Poemas E entorna,
O infante E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço.
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Que torna.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse. Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma. Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
E a orla branca foi de ilha em continente, Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
Clareou, correndo, até ao fim do mundo, A mesma, e trazes o pendão ainda
E viu-se a terra inteira, de repente, Do Império.
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português. 2.2.3. O encoberto
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. A última parte do livro é dedicada ao oculto e ao místico,
Senhor, falta cumprir-se Portugal! aquilo que não conhecemos. Contudo, o "encoberto" é
Ascensão de Vasco da Gama
também um título dado ao desaparecido D. Sebastião e,
como vemos, a terça parte do livro apresenta, também, um
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
caráter sebastianista. Essa parte é também tripartida em:
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus Os símbolos, Os avisos e Os tempos.
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus, Em Os símbolos, Pessoa trabalha com a temática sabas-
Primeiro um movimento e depois um assombro.
tianista, a conquista marítima e o mito do Quinto Império
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões. – que deveria se fazer maior do que todos os anteriores
(Assírios, persa, Grego e Romano). Pessoa renova o mito.
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões, Já na segunda parte de O encoberto, três poemas de-
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta. senvolvem o mito sebastianista na literatura. Primeiro, a
Mar Português profecia de Bandarra, depois, a elevação ao patamar de
Mito por Antonio VIeira e, por fim, um terceiro poeta não
Ó mar salgado, quanto do teu sal
identificado, mas que pode ser lido como próprio Pessoa,
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, que o continua.
Quantos filhos em vão rezaram! Na finalização do texto, em Os tempos, temos cinco po-
Quantas noivas ficaram por casar
emas, sendo que três deles são situações climáticas pre-
Para que fosses nosso, ó mar!
judiciais às navegações. A última delas fecha a obra e se
Valeu a pena? Tudo vale a pena chama O nevoeiro, nele, Pessoa brada que é chegada a
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
hora de dissipar a névoa que tanto já encobriu.
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
 VOLUME 1

A última nau
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago

28  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


Terceira parte: O Encoberto – 13 poemas O encoberto

I - Os Símbolos Que símbolo fecundo


Vem na aurora ansiosa?
1º D. Sebastião Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
2º O Quinto Império
Que símbolo divino
3º O Desejado Traz o dia já visto?
4º As Ilhas Afortunadas Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
5º O Encoberto
Que símbolo final
II - Os Avisos Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
1º O Bandarra A Rosa do Encoberto.
2º António Vieira
O Bandarra
3º Escrevo Meu Livro À Beira-mágoa. Sonhava, anónimo e disperso,
III - Os Tempos O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
1º Noite E plebeu como Jesus Cristo.
2º Tormenta Não foi nem santo nem herói,
Mas Deus sagrou com Seu sinal
3º Calma Este, cujo coração foi
4º Antemanhã Não português mas Portugal.

5º Nevoeiro Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Poemas Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
O quinto império
Que é Portugal a entristecer —
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar, Brilho sem luz e sem arder
Sem que um sonho, no erguer de asa, Como o que o fogo-fátuo encerra.
Faça até mais rubra a brasa Ninguém sabe que coisa quer.
Da lareira a abandonar! Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
Triste de quem é feliz! (Que ânsia distante perto chora?)
Vive porque a vida dura. Tudo é incerto e derradeiro.
Nada na alma lhe diz Tudo é disperso, nada é inteiro.
Mais que a lição da raiz —
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
Ter por vida a sepultura.
É a hora!
Eras sobre eras se somem
Valete, Fratres.
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem! Aplicando para aprender (A.P.A.)
E assim, passados os quatro 1. Leia o poema “Tormenta” pertencente à terceira par-
Tempos do ser que sonhou, te do livro Mensagem de Fernando Pessoa.
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro TORMENTA
Da erma noite começou. Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
Grécia, Roma, Cristandade, Nós, Portugal, o poder ser.
Europa — os quatro se vão Que inquietação do fundo nos soergue?
 VOLUME 1

Para onde vai toda idade. O desejar poder querer.


Quem vem viver a verdade Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...
Que morreu D. Sebastião? Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar escuro estruge.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  29


Pode-se dizer que: possível, portanto, interpretar a relação do poema com
a) O poema, pela grandiosa imagem do mar ao final, este momento da obra de Fernando Pessoa?
denota um sentido violento e necessário para o soer- a) Ao retomar as figurações das ilhas, o eu lírico retoma
guimento da pátria. o passado glorioso dos empreendimentos marítimos.
b) É pela situação de “poder ser/poder querer” que Por esta recuperação, é possível perceber que o passa-
Portugal pode se retirar do fundo do abismo em que do de Portugal é glorioso, porém, o futuro não o será.
se encontra. b) A noção de espera no verso “Onde o Rei mora es-
c) O mistério da própria vida se apresenta enquanto perando” demonstra a impossibilidade portuguesa
insolucionável e, portanto, as possibilidades de soer- de acreditar em um futuro melhor para a nação
guimento são todas anuladas. c) As diversas imagens que misturam a presença e a
d) O título do poema apresenta uma condição de ques- ausência, como a voz que “se escutamos, cala”, apre-
tionamento social - dada pelo neocolonialismo - que sentam o aspecto messiânico do livro que crê na volta
estrutura a obra e reflete a organização social da época. de D. Sebastião.
e) O “farol de Deus”, ao promover uma relação do d) O mar é a figura final do poema, uma vez que o eu
divino com o mundo concreto demonstra o comporta- lírico entende o empreendimento marítimo como um
mento cético do autor em relação às religiões. dos aspectos problemáticos da história portuguesa.
e) O verso “Dormente, a dormir sorrimos” demonstra
2. A obra Mensagem, de Fernando Pessoa, ao apresen- que a glória portuguesa está invariavelmente na fic-
tar diferentes aspectos históricos de Portugal, permite cionalização da sua própria história, partindo de uma
uma identificação da especificidade do espírito portu- reconstituição das suas principais figuras.
guês. Nesse sentido, qual das alternativas melhor apre-
sentam o indivíduo português delineado na obra poéti- 4. Leia um trecho do poema Screvo meu livro à beira-
ca de Fernando Pessoa? -mágoa e responda ao que se pede.

a) Há uma preocupação, exclusiva, com a postura de Quando virás, ó Encoberto,


Portugal na modernidade do século XX. Sonho das eras português,
b) Há uma análise da história no seu aspecto político- Tornar-me mais que o sopro incerto
-social, apresentando as contradiçõe sociais de Portugal. De um grande anseio que Deus fez?
c) Reconstituição da história portuguesa desde a figu- De que forma, neste poema, o empreendimento poéti-
ra lendária de Dom Sebastião. co se relaciona ao anseio sebastianista?
d) Denotação do impacto da religião católica na alma a) O poema, ao prenunciar a volta de D. Sebastião,
portuguesa como força exclusiva e determinante. demonstra que a poesia é o elemento capaz de
e) Apresentação recorrente de elementos culturais transformar os aspectos problemáticas da realidade
portugueses, como o messianismo e o empreendi- portuguesa.
mento marítimo b) O eu lírico, ao se questionar sobre o momento da
volta de D. Sebastião, demonstra que o próprio proje-
3. Leia o poema abaixo e responda ao que se pede.
to do seu livro necessita desse retorno para assegurar
a glória portuguesa e do empreendimento poético
AS ILHAS AFORTUNADAS
que o anunciava.
Que voz vem no som das ondas c) A literatura, pelo seu aspecto imaginativo, não se
Que não é a voz do mar? relaciona com a realidade e, portanto, o sebastianis-
É a voz de alguém que nos fala, mo é apenas um “Sonho das eras português”.
Mas que, se escutamos, cala, d) O aspecto religioso é colocado como o grande res-
Por ter havido escutar. ponsável por toda a transformação do país e a poesia
não estabelece nenhuma relação com a mudança
E só se, meio dormindo,
pela presença de D. Sebastião.
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança e) D. Sebastião pode ser compreendido como a pró-
A que, como uma criança pria figura do poeta, ou seja, aqui Fernando Pessoa
Dormente, a dormir sorrimos. se considera o próprio salvador da glória portuguesa.

São ilhas afortunadas, 5. Leia o poema Prece, de Fernando Pessoa.


São terras sem ter lugar,
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Onde o Rei mora esperando.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Mas, se vamos despertando,
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
 VOLUME 1

Cala a voz, e há só o mar.


O mar universal e a saudade.
Mensagem, livro de poesias de Fernando Pessoa, tem Mas a chama, que a vida em nós criou,
a sua terceira e última parte nomeada de O encoberto. Se ainda há vida ainda não é finda.
O poema “As ilhas afortunadas” pertence à primeira O frio morto em cinzas a ocultou:
subdivisão, “Os símbolos”, desta terceira parte. Como é A mão do vento pode ergué-ía ainda.

30  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -, Pensando na estrutura do livro Mensagem de Fernan-
Com que a chama do esforço se remoça, do Pessoa, não é possível dizer que a sua primeira par-
E outra vez conquistaremos a Distância - te, Brasão:
Do mar ou outra, mas que seja nossa! a) refere-se às principais figuras representativas da
(Fernando Pessoa. Mensagem, 1995.) fundação do país.
b) apresenta, pela história de Portugal, um país já há
Mensagem é o único livro, em língua portuguesa, publi- muito tempo representativo do futuro da civilização
cado em vida por Fernando Pessoa. Pode-se dizer que o Ocidental.
livro assume um caráter nacionalista pois:
c) apresenta, pela primeira vez, a figura de Dom Se-
a) Portugal é apresentado, unicamente, como uma bastião - figura histórica que se fará presente nas três
nação decadente, que não se relaciona ao seu passa- partes do livro e que tem sua importância histórica
do de heroísmo e glórias. reverberada por todas as composições.
b) o passado heróico do povo português é esquecido d) apresenta na subdivisão “O Timbre” figuras de
na atualidade. grande importância para o desenvolvimento do em-
c) busca reviver o sonho de uma da nação em ruínas, preendimento marítimo do país.
pelo qual Portugal almeja os feitos gloriosos dos pa- e) promove um retorno histórico à fundação do país
íses vizinhos. que serve de comparação com o presente português
d) formula o desejo do povo português glorificar seus também muito glorioso.
heróis, atitude, até então, inédita na literatura do país.
8. Leia o poema “Ocidente” pertencente à segunda par-
e) promove uma recuperação histórica de aspectos te do livro Mensagem de Fernando Pessoa.
heróicos e vislumbra um potencial de grandiosidade
para a nação.
OCIDENTE
6. Leia os seguintes versos: Com duas mãos — o Acto e o Destino —
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
O poeta é um fingidor.
Uma ergue o facho trémulo e divino
Finge tão completamente E a outra afasta o véu.
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente. Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
(Fernando Pessoa)
Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Verifique a veracidade das sentenças a seguir em rela- Da mão que desvendou.
ção ao autor dos versos acima: Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
I. O poeta promove uma ruptura com as noções ideali- A mão que ergueu o facho que luziu,
zadas da pátria em que nascera. Foi Deus a alma e o corpo Portugal
II. Esse poeta criou uma obra que, além do fenômeno Da mão que o conduziu.
heteronímico, sintetiza uma crise de identidade de Por- Pode-se dizer que:
tugal com sua própria história.
a) O destino glorioso português vislumbrado pelo eu
III. O poeta foi um dos responsáveis pelo Modernismo
lírico é um fato a ser concretizado independente das
em Portugal.
próprias atitudes do povo.
A seguir, assinale a alternativa b) A união entre a imagem divina e Portugal é a forma
a) se apenas I estiver correta. compreendida pelo eu lírico para o avanço e a consti-
b) se apenas II estiver correta. tuição do novo império do Ocidente.
c) se apenas III estiver correta. c) O “Acaso” e o “Temporal” são representações da
d) se I, II e III estiverem corretas. força portuguesa no projeto conquistador.
e) se II e III estiverem corretas. d) A “Ciência” e a “Ousadia” são apresentados enquan-
to propostas negativas que invalidam o empreendimen-
7. Leia o poema e responda ao que se pede. to conquistador e a glorificação da pátria portuguesa.
e) A figuração religiosa no poema prescreve a inexis-
D. Duarte, Rei de Portugal tência de atitude desbravadora, ou seja, entende-se,
no poema, que é necessário um respeito total às de-
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
signações divinas.
A regra de ser Rei almou meu ser,

Gabarito
 VOLUME 1

Em dia e letra escrupuloso e fundo.


Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever. 1. B 2. E 3. C 4. B 5. E
Inutilmente? Não, porque o cumpri.
6. E 7. E 8. B

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  31


ao seu cotidiano.
Viveu grande perte de sua infância na cidade de Buíque
ANGÚSTIA (PE) e também residiu em Viçosa (AL). No entanto, concluiu
seus estudos em Maceió, a capital alagoana, sem cursar o

LC
Ensino Superior.
Em 1927, Graciliano Ramos tornou-se prefeito de Palmei-
ra dos Índios (AL) e, em 1933, estreou na literatura com a
publicação da obra Caetés. Em 1936, foi preso em Maceió
e levado para o Rio de Janeiro acusado de ser comunista.
OBRA Graciliano Ramos
Na então capital do país, não recebeu acusação formal ou

5
julgamento, mas sofreu diversas privações que abalaram
sua saúde. Ficou 9 meses na prisão. Nessa época, escreveu
a obra de denúncia à ditadura de Getúlio Vargas, bem como
de sua experiência como preso político: Memórias do cárcere
(publicado só em 1953). Depois de solto, quase como uma
provocação, filiou-se ao Partido Comunista. Graciliano per-
maneceu no Rio de Janeiro, mas se manteve fiel ao cenário
regional do Nordeste. Não descreveu qualquer paisagem do
Rio durante dezessete anos. Depois de descobrir que estava

1. Graciliano Ramos com câncer, chegou a operar em Buenos Aires, mas não se
curou e morreu em 1953.
O célebre romance Vidas secas, considerado a sua obra
mais importante, foi escrito e publicado em 1938. Conta a
história de uma família de retirantes nordestinos que, atin-
gida pela seca, é obrigada a perambular pelo sertão em
busca de melhores condições de vida.
Do ponto de vista técnico e da profundidade psicológica, An-
gústia (publicado em 1936) se destaca entre todas as obras
de Graciliano Ramos, pois é considerado o seu romance mais
complexo e inovador. A narrativa conta a história de um frus-
trado, Luís da Silva, homem tímido e solitário, que vive entre
dois mundos com os quais não se identifica. Produto de uma
sociedade rural em decadência, Luís da Silva alimenta um
nojo impotente dos outros e de si mesmo. Apaixonado por
uma vizinha, Marina, pede-a em casamento e lhe entrega as
parcas economias para um enxoval hipotético. Surge Julião
Tavares, que tem tudo o que falta a Luís: ousadia, dinheiro,
posição social, euforia e uma tranquila inconsciência. A fútil
Marina se deixa seduzir sem dificuldades, e Luís, amargura-
do, vai nutrindo impulsos de assassino que o levam, de fato,
a estrangular o rival.

1.1. Características de sua obra


Graciliano Ramos nasceu em 1892, na cidade de Quebran-
Além de abordar as relações humanas e reafirmar fortes crí-
gulo (AL). Morou com sua família em diversas cidades do in-
ticas sobre o descaso com o sertão nordestino, suas obras
terior de Alagoas e de Pernambuco. Quando menino, gostava
tinham outras características:
de contar histórias para os frequentadores da venda do pai.
 VOLUME 1

Sua família era de classe média e Graciliano teve o privilé- § Identidade nacional.
gio de estudar. A vivência no sertão nordestino se tornaria § Contexto biográfico: aspectos vivenciados no nordeste
uma inspiração para suas obras. Graciliano acabaria abor- brasileiro.
dando em sua literatura temas e situações que pertenciam

32  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


§ Prosa “seca”, firme e crítica. § Durante a existência, à medida que se experimentam
§ Antropomorfização e humanização de personagens novas vivências, redefine-se o próprio pensamento (a
não humanas, como a cadela Baleia, em Vidas secas. sede intelectual, tida como a alma para os clássicos),
§ Em um primeiro momento, dá voz às relações humanas, adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da pró-
e, num segundo momento, às paisagens retratadas. pria essência, caracterizando-a sucessivamente.
§ Depois da Segunda Guerra Mundial, uma corrente li-
terária existencialista contou com autores como Albert
Camus, Boris Vian e Jean-Paul Sartre. É importante ob-
servar que Albert Camus era contrário ao existencialis-
mo, sendo este somente uma característica de sua obra
literária. Vian definia-se como patafísico.
§ Vale ressaltar que Graciliano Ramos vai manter conta-
to com a literatura de Camus ao traduzir um dos seus
romances. Na leitura de Angústia, é possível perceber
claramente que Luís da Silva enxerga a vida como uma
série de lutas. No existencialismo (e no romance), o in-
divíduo é forçado a tomar decisões, e, frequentemente,
as escolhas são ruins.

2.2. Intertextualidade
A crítica aponta uma interessante intertextualidade em An-
gústia, e o leitor certamente poderá fazer uma associação
com o livro Crime e castigo, do escritor russo Fiódor Dos-
toiévski. De fato, nas duas obras é possível identificar as
angústias de um crime e o medo de ser descoberto.
Em Angústia, o crime é o clímax; em Crime e castigo, é o
2. Angústia ponto de partida para a história, e o personagem consegue
a redenção. Outra influência marcante é a dos naturalistas
2.1. Contexto brasileiros, especialmente a de Aluízio Azevedo, com o de-
terminismo e a animalização do homem. O narrador não
Angústia é um romance publicado por Graciliano Ramos,
quer ser um rato e luta contra isso. Durante diversas pas-
em 1936, e que pertence à segunda geração modernista,
sagens da narrativa, os homens são comparados a bichos,
conhecida como “Regionalista” ou “Geração de 30”. Nes-
como porcos, formigas e ratos; além disso, são utilizados
se período, Graciliano estava preso pelo governo de Vargas
verbos de animais para as reações humanas.
e contou com a ajuda de amigos, como o escritor José Lins
do Rego, para a publicação do livro.
Apesar de Vidas secas ser considerado o grande marco da
2.3. Temas e principais conflitos
obra do autor, Angústia, romance ignorado por parte da O realismo de Graciliano Ramos – considerado o ficcionista
crítica na época do lançamento, é considerado uma das mais importante da Geração de 30 – tem sempre caráter
obras-primas de Graciliano, que entrega ao leitor uma lei- crítico. Nesse sentido, o herói é sempre problemático e não
tura densa sob o ponto de vista do narrador Luís da Silva. aceita o mundo, nem os outros e nem a si mesmo.
Para auxiliar na compreensão do romance, alguns dados
§ Romance de confissão – livro escuro e sombrio.
são fundamentais, como os questionamentos abordados
na narrativa de Luís da Silva. § Economia vocabular – a palavra que corta como faca.
 VOLUME 1

§ O existencialismo, uma corrente filosófica e literária que § Estudo completo da frustração.


destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a § Sem predomínio de regionalismo.
subjetividade do ser humano. O existencialismo con-
sidera cada homem como um ser único, que é mestre § A paisagem interessa à medida que interage com o
dos seus atos e do seu destino. psicológico.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  33


“Ainda não disse que moro na rua do Macena, perto § os ratos representam a sujeira que o personagem enx-
da usina elétrica. Ocupado em várias coisas, frequente- erga à sua volta e a necessidade de uso da água para
mente esqueço o essencial. Que, para mim, a casa onde
lavar a sujeira que o toma.
moramos não tem importância grande demais. Tenho
vivido em numerosos chiqueiros. Provavelmente esses
imóveis influíram no meu caráter, mas sou incapaz de re- 2.5. Foco narrativo
cordar-me das divisões de qualquer deles. Não esperem
A obra apresenta um narrador em primeira pessoa, Luís da
a descrição destas paredes velhas que Dr. Gouveia me
aluga, sem remorso, por cento e vinte mil-réis mensais, Silva, funcionário público de 35 anos, solitário, desgostoso,
fora a pena de água.“ que mescla fatos do passado e do presente, num ritmo rápi-
do, o que pode ser considerado um grande monólogo interior.
A princípio, a narrativa de Angústia pode causar estra-
nhamento: trata-se de um romance que requer bastante
atenção e cautela do leitor, visto que há fluxo de consciên-
cia em boa parte da história, além das diversas temáticas
existentes na trama, que passeiam desde o existencialismo
aos constantes símbolos, que abrem espaço para uma nar-
rativa primorosamente cinematográfica.
O romance é narrado em tom confessional e memorialista.
Alguns críticos atribuem-lhe um lugar na trilogia densa e
fortemente existencialista, completada por Caetés (1933)
e São Bernardo (1938). Os três romances, narrados em pri-
meira pessoa, apresentam personagens em intenso conflito
interior, buscando respostas para seus atos e indagando o
porquê dos acontecimentos que os afligem. Essas narrativas
são semelhantes a diários íntimos. Em cada uma delas, o
narrador se desnuda e se desvenda expondo as dolorosas
confissões de culpas dramáticas.

2.4. Simbologia 2.6. Memória


O romance parece ser pura memória, uma espécie de diário
Angústia pode ser resumido como o relato de um crime
no qual se registram, de modo caótico, alucinado e aleatório,
cometido por um intelectual, Luís da Silva, um homicídio
os fatos que marcaram o narrador. Some-se a isso a culpa
contra o rival Julião Tavares, que lhe roubara a mulher ama-
que ele sente pelo ato cometido e, por fim, acrescente-se a
da, Marina, às vésperas de um casamento planejado. Há
tudo a mágoa que, pouco a pouco, transforma-se em rancor
alguns símbolos citados com frequência no romance, como
contra a mulher que um dia amou e desejou. O que Gracilia-
a corda, a cobra e os ratos.
no Ramos capta em seus livros em primeira pessoa não é a
ambiência do nordeste ressequido, é o interior dos seres em
conflito, seus desajustes com o mundo que lhes deve algo
que procuram como resposta a si mesmos.
Em Angústia, o centro de onde procede a descrição e a com-
preensão dos demais personagens é evidentemente Luís
De acordo com pesquisas no Dicionário de Símbolos Literários: da Silva. Esses personagens são compreendidos a partir do
§ a cobra, além de representar o fálico, simboliza fusão, pensamento dele, em cujo íntimo o leitor se coloca desde o
sedução e asfixia, um constante confronto pessoal do início da narrativa. Para justificar essas afirmações, pode-se
personagem protagonista; na obra, simboliza também tomar como exemplo a descrição de Marina, a vizinha nova
 VOLUME 1

a falsidade; do narrador, por quem ele vai se apaixonar:


§ a corda, assim como a cobra, representa, de certa for- “Era uma sujeitinha vermelhaça, de olhos azuis e cabe-
ma, o fálico, portanto, fornece também uma ideia de los tão amarelos que pareciam oxigenados”.
busca de redenção e salvação; (Angústia, 1996, p. 120)

34  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


No decorrer da narrativa, Luís da Silva vai caracterizando
Marina como uma mulher vulgar, muito jovem e extrema-
mente ambiciosa. Marina existe apenas em imagem, o que
significa que a descrição dela faz parte essencialmente da
construção realizada por Luís da Silva. O leitor adquire a
respeito dela um conhecimento que é fruto das informa-
ções relatadas pelo narrador. Luís da Silva vê Marina senti-
mentalmente, ou seja, em função do sentimento que nutre
por ela. O leitor vê Marina “com” ele.
Quando o narrador analisa um determinado personagem ou
uma determinada situação, não se trata de uma análise im-
(Angústia, 1936, p. 188)
pessoal, mas sim de uma análise impactada por sua interiori-
dade; nesse sentido, o leitor recebe a imagem que o narrador
2.7. Espaço
concebe dos outros e do mundo. O modo como Luís da Silva
analisa Julião Tavares, Marina, seu Ramalho, dona Adélia, Em geral, a obra de Graciliano Ramos apresenta espaços
seu Ivo, o pai, o avô, entre outros personagens, é sempre afe- que envolvem a seca, os retirantes, o latifúndio e a caatin-
tado pela sua subjetividade: o leitor vê os outros “com” ele ga. Sua condição social fez com que ele fosse um artista
empenhado na vida e no registro histórico de seu tempo.
e a partir dele. Em Angústia, quando o narrador-personagem
Em Angústia, a cidade de Maceió é escolhida como o palco
se encontra com outro personagem, tudo o que é narrado
onde se desenvolve a história sob a égide de duas pecu-
faz parte da compreensão do narrador. Num romance com a
liaridades, ou seja, as realidades humana e social. Com a
visão “com” (analisando a relação narrador-personagem),
percepção do que acontece nas mais diversas camadas so-
um único personagem constitui o centro da narrativa (em ciais, a literatura de Graciliano reproduz o dinamismo inte-
primeira ou terceira pessoa), que fica limitada ao campo rior de uma ação. Assim, o personagem Luís da Silva revela
mental de um só personagem. É o caso de Luís da Silva, com a forma como o romancista via a sociedade; no entanto, o
suas inúmeras impressões que norteiam a narrativa. pior lugar para Luís da Silva sempre foi dentro dele mesmo.
É possível classificar o narrador como narrador-protago- Apesar de tudo, foram reunidas, dentro de um máximo de
nista, pois aparece representado por um personagem que compreensão, suas lembranças, ainda que vindas da me-
conta sua própria história, em primeira pessoa, de um cen- mória de um ser cuja alma estava a caminho da essência.
tro fixo e, por não ter acesso ao estado mental das demais
personagens, fica limitado exclusivamente às suas percep- 2.8. Tempo
ções, pensamentos e sentimentos. Diante disso, identifica- O tempo da narrativa é o século XX, especificamente os
-se no romance uma abordagem interna, pois Luís da Silva anos 1930, logo depois do início do primeiro governo de
conta sua própria história, o que faz com que seja repre- Getúlio Vargas. Contudo, prevalece o tempo psicológico, a
sentada na obra uma visão mais restrita, tendo em vista ação interior por meio do fluxo das ideias e dos pensamen-
que a finalidade do narrador é narrar a si mesmo. tos de Luís da Silva. A ação se desenvolve nas frinchas do
Angústia é um relato desesperado, cuja tentativa do narra- labirinto composto pelo incessante ir e vir do pensar do
dor é colocar em ordem os fatos da vida, que está estilha- personagem narrador.
çada, sem rumo e objetivos. É um grito de dor: a decepção
amorosa, o ciúme, o desejo contido e humilhado e a mu-
lher escolhida pertencendo a outro ser. O ódio pela perda
gera o crime, o assassinato transtorna o narrador e o deixa
doente depois de matar o oponente:
”Retirei a corda do bolso e em alguns saltos, silencio-
sos como os das onças de José Bahia, estava ao pé
de Julião Tavares. Tudo isto é absurdo, é incrível, mas
realizou-se naturalmente. A corda enlaçou o pescoço
 VOLUME 1

do homem, e as minhas mãos apertadas afastaram-se.


Houve uma luta rápida, um gorgolejo, braços a deba-
ter-se. Exatamente o que eu havia imaginado. O corpo
de Julião Tavares ora tombava para a frente e ameaça-
va arrastar-me, ora se inclinava”.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  35


2.9. Personagens Assassinar seu concorrente passou a ser para ele um fluxo
do qual ele não podia mais escapar. Para ele seria uma
§ Luís da Silva questão de honra. Dessa forma, começa a alimentar in-
O narrador da história, apesar de oprimido, mostra-se incon- cessantemente a ideia de matar Tavares, até concretizá-la
formado, rude, amargo e decepcionado com o meio em que estrangulando-o com uma corda. Para simular um suicídio,
vive. Sua preocupação com a justiça social é pela inconformi- Luís o pendura pela corda em um galho.
dade com sua própria vida, e não com a dos outros. Narrando a própria história, Luís confessa no fim da obra
“Um homem emocionalmente de nervos estilhaçados, que cometeu o assassinato, não apenas pelo ódio contra o
35 anos, funcionário público, homem de ocupações concorrente, mas também por toda a angústia de sua vida
marcadas pelo regulamento [...] Um sujeito feio: olhos – libertando-se do rival ao matá-lo – e pelas decepções
baços, o nariz grosso, um sorriso besta e a atrapalhação, que o rondavam. Um narrador emocionalmente abalado,
o encolhimento que é mesmo uma desgraça.[...] Habi-
assustado com a dimensão de seus próprios atos, um de-
tuei-me a escrever, como já disse. Nunca estudei, sou um
ignorante, e julgo que os meus escritos não prestam. [...] lírio que, na estrutura, configura-se como desordenação e
Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escrevo fragmentação de ideias, tempo que se entrelaça, sem indi-
umas linhas. [...]“ cação de passado e presente.
A personalidade de Luís da Silva é marcada por tudo o Luís da Silva é, enfim, um frustrado violento e cruel que traz
que vivera. Seu histórico de vida, sua precária e pressio- em si amargura e negação. Esse sentimento volta-se contra
nada criação e toda a opressão que o cercava não o fi- ele próprio pela autopunição, e ele só consegue equilibrar-
zeram um homem submisso, que simplesmente abaixaria -se assassinando o rival. Um equilíbrio precário que o deixa
a cabeça para os contratempos da vida, sem questionar arrasado, mas que passa a ser a única maneira de sua afir-
os motivos pelos quais vivia daquela maneira. Seu desejo mação no mundo.
íntimo era de também oprimir, tanto quanto era oprimido. “Alguns dias depois, achava-me no banheiro, nu, fuman-
Quando expressava opiniões sobre pessoas ou mesmo do... Abro a torneira, molho os pés. [...]“
sobre outro assunto, revelava um caráter amargurado e “O banheiro da casa de seu Ramalho é junto, separado
rude, como se durante toda a vida remoesse e ruminasse do meu por unia parede estreita. [...])“
suas decepções e tristezas. A sua existência poderia ser “Lá estava Marina outra vez nova e fresca, enchendo a
considerada ordinária, não era relevante para os outros, boca e atirando bochechos nas paredes. [...]“
para a sociedade e nem para si próprio, mas seu interior § Marina
era deveras perturbador, sempre se atormentando por
Marina é um estereótipo das mulheres da época, tão bem
lembranças da infância e frustrações intelectuais.
retratadas por outros autores. Ela se caracteriza por cer-
O emprego o faz conseguir ter uma vida razoável, e, de- ta futilidade devido às leituras que faz. De personalidade
vido ao baixo salário, as dívidas se acumulam. Ele vive de fraca, deixa-se levar pelas situações e pelos interesses. É
forma precária numa casa simples. A vizinhança sempre representada mais como alvo, prêmio ou posse de Julião e
cuidando da vida alheia. É apaixonado por Marina, que é de Luís do que como mulher.
sua vizinha, e começa um namoro com ela, logo ficando “Se aquela tonta prestasse, estaria ajudando a mãe, en-
noivos. A parte financeira do personagem começa a pio- saboando panos. Preguiça. Estava era lendo besteiras,
rar ainda mais, sobretudo pelo fato de agora ter de gastar arrancando cabelos das sobrancelhas com a pinça ou
com o enxoval do casamento. raspando os sovacos. A princípio ainda tratara dos can-
teiros. Habituara-se depois a levar para ali um romance,
“Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escre- que não abria. Conversava. E eu me zangava com as
vo umas linhas. Os chefes políticos do interior brigam de- conversas dela, que, como já disse, eram malucas. Zan-
mais. Procuram-me, explicam os acontecimentos locais, gava-me de verdade. Mas estava ali com os olhos meio
e faço diatribes medonhas que, assinadas por eles, vão fechados, espiando os canteiros e esperando que a mu-
para a matéria paga. Ganho pela redação e ganho uns lherinha chegasse.”
tantos por cento pela publicação.”
Jovem bonita, sensual, vaidosa, volúvel e superficial, além
Luís mergulha cada vez mais no pessimismo, desejando de indolente. Gasta as economias de Luís da Silva a títu-
vingança quando descobre que Marina foi seduzida por lo de preparar-se para se casar com ele. Entretanto, com
 VOLUME 1

Tavares. Ela havia sido utilizada como um objeto fútil e grande facilidade, é seduzida por Julião Tavares e esque-
abandonada grávida, enquanto Julião já estava em outro ce Luís. Grávida de Julião, é abandonada por ele. Aborta
relacionamento. A mágoa, a decepção e o ódio que nutria clandestinamente, sendo tratada muito mal, ridicularizada
aumentavam cada dia mais, fazendo crescer em Luís um e chamada de “puta” e ameaçada por Luís de ser denun-
espírito de vingança. ciada à polícia.

36  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


“Cabelos de milho, unhas pintadas, beiços vermelhos e § Seu Ivo
o pernão aparecendo.“
Seu Ivo é considerado uma alma infeliz que bebe o tempo
“Era uma sujeitinha vermelhaça, de olhos azuis e cabe- inteiro e vaga pela rua. Ele sempre vai comer na casa de
los tão amarelos que pareciam oxigenados.“
Luís. É dele que o narrador recebe como presente a corda
§ Julião Tavares que enforcará Julião Tavares.

Personagem que possui linguajar rebuscado, com certo § Moisés


exagero na formalidade, fazendo referência à classe social É um judeu corcunda, amigo de Luís, porém envergonha-se
à qual pertence. Além disso, mostra-se um patriota vazio e de cobrar o amigo e evita de encontrá-lo na rua. Quan-
sem ideais políticos. do o encontra, recebe uma prestação e diz que elas já se
acabaram e restabelece a amizade, estando junto com ele
Ele é considerado o antagonista de Luís da Silva. Do pon-
para discutir assuntos, beber e frequentar a casa. Moisés é
to de vista físico, é descrito como um tipo forte e gordo,
socialista, fala pausadamente e é um pessimista invetera-
sempre suado e vestido com roupas caras. É bacharel,
do. É poliglota, inteligente e lê jornais com muita rapidez.
de razoável cultura, tem veleidades de poeta. Filho de
Tem um tio judeu, dono de loja, com quem trabalha. Vende
comerciantes, procura se mostrar satisfeito socialmente,
fiado para Luís, que vai lhe pagando quando pode.
sem a rebeldia de Luís da Silva, já que tem interesse pes-
soal em que as instituições funcionem; afinal de contas, § Vitória
pertence a uma família capitalista, logo, é conservador, Empregada e agregada de Luís. Aparentemente distraída,
católico e reacionário. Individualista, consequentemente mas percebe tudo o que se passa a seu redor. Tem o hábito
egoísta, só age em função de seu interesse pessoal, tanto de enterrar suas economias em buracos feitos no quintal,
que seduz várias jovens, que nada podem fazer contra às vezes “roubando” algum dinheiro de Luís, mas devol-
ele, pois são mulheres de famílias pobres que acreditam vendo-o posteriormente, num gesto sem explicação. Tem,
em suas promessas de bem-estar, através de sua riqueza. ainda, o hábito de ler a seção dos jornais em que se noti-
No máximo, ele lhes dá uma pequena quantia de dinhei- ciam chegadas e partidas de navios. Através desse hábito,
ro para que se calem. Assim acontece também com Mari- de alguma forma, queria dizer para o patrão Luís que ele
na, namorada de Luís. deveria mudar de vida, viajar, ir para outro lugar.
“Tudo nele era postiço, tudo dos outros.“ § Pimentel
“Conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo por alto a É um amigo de Luís e, como ele, é jornalista e socialista.
vida, o nome e as intenções do homem. Família rica. Ta- Muito prático, só conversa ou escreve sobre o que é de fato
vares & Cia., negociantes de secos e molhados, donos de útil, necessário; portanto é uma pessoa quieta, de pouquís-
prédios, membros influentes da Associação Comercial,
simas palavras. Faz sempre críticas sérias em suas escritas
eram uns ratos. Quando eu passava pela Rua do Comér-
sobre a sociedade, a política e a sociedade em geral.
cio, via-os por detrás do balcão, dois sujeitos papudos,
carrancudos, vestidos de linho pardo e absolutamente § Camilo Pereira da Silva
iguais. Esse Julião, literato e bacharel, filho de um de-
les, tinha os dentes miúdos, afiados, e devia ser um rato, Pai de Luís. Passa dias deitado preguiçosamente em redes,
como o pai. Reacionário e católico. – Por disciplina, en- às vezes lendo, outras vezes preparando palha para futuros
tende? Considero a religião um sustentáculo da ordem, cigarros. Acaba por dilapidar os poucos bens que sobraram
uma necessidade social.” da decadente herança que seu pai Trajano, avô de Luís, dei-
xara. Durante a morte e velório de Camilo, percebe-se o
§ Dona Adélia abandono em que fora criado Luís. Esse momento é uma
É a mãe de Marina. Queixa-se de tudo e é a responsável, das mais tocantes situações narradas no livro.
pela “perdição da filha“. Estimula a filha a casar-se, como § Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva
se fora um arranjo, e joga-a de encontro a Julião, quando
Pai de Camilo e avô de Luís. Fazendeiro rico, porém, já de-
descobre que ele é rico, aceitando comida e presentes.
cadente. É um homem de personalidade forte, na contra-
 VOLUME 1

§ Seu Ramalho mão do filho Camilo e do neto Luís. Ele não tem inveja e
envergonha-se diante de lembranças de certas ações cora-
Pai de Marina, um velho decente e sistemático, avisa Luís
josas. Acaba seus dias pobre e esclerosado.
de que a filha não é lá grande coisa. Torna-se amigo de Luís
da Silva quando Marina o abandona para ficar com Julião.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  37


2.10. Enredo — Deixa disso, Marina, vamos lá para dentro.

”Sou um bípede, é preciso ter a dignidade dos bípedes.” — Good bye.


— Vem cá, Marina.
O narrador da história é Luís da Silva, um funcionário público
que escreve para jornais locais, lê muito e ganha pouco, mas, — Vai-te embora, Lobisomem.”
a rigor, profissionalmente também produz pouco, já que lhe Num dado momento de sua vida, Luís conhece Julião Ta-
é comum a perda de razoável parte do seu tempo com re- vares, advogado e de família rica. Esse contato, já no início,
flexões sobre sua vida e sobre a de outras pessoas, com idas não agrada a Luís, que de hábito é avesso a contatos so-
e vindas pela casa ou pela cidade, sem objetivo concreto ou ciais, e ele não entende por que não afasta Julião do seu
útil. É razoavelmente culto, até considerado intelectual, ten- convívio, como já fizera com outras pessoas.
do em vista a limitação cultural do meio em que atua, mas Aos poucos e cada vez mais, o narrador vai sentindo aver-
extremamente frustrado e revoltado com sua situação. Vive são pelo novo “amigo”, pois Julião concentra todas as ca-
numa moradia simples e suja em um bairro de classe média, racterísticas e conceitos detestados pelo narrador, ou seja, é
convivendo com uma vizinhança constituída de pessoas sim- exatamente o oposto daquilo que Luís sente e pensa sobre
ples, que o tratam com respeito e com alguma solenidade, sociedade, religião, política, literatura e demais assuntos.
por entenderem que ele lhes é superior, considerando-se seu Além disso, Julião Tavares é rico, capitalista, o que contraria
trabalho e o fato de que é um homem que lê. a ideologia social de Luís da Silva. Como se não bastasse,
Julião trata todos com uma compreensão condescenden-
te, magnânima, como se estivesse fazendo favor em dar
atenção aos outros, quando, na verdade, está concentrado
em si mesmo, pois se trata de indivíduo egoísta, sente-se
poderoso e se dá grande importância. É conservador, como
consequência das atividades comerciais de sua família, já
que o status quo social e econômico tem conveniências para
os negócios de sua família. Enquanto os valores de Luís são
ditados por um sentir idealista, logo, mais autêntico e desin-
teressado pessoalmente, ao menos de acordo com o que ele
transparece para o leitor.
Como se não fosse o suficiente essas diferenças, Julião acaba
por conquistar Marina pelo fascínio que o seu poder econô-
mico exerce. Porém, Luís já se preparava para casar com a
moça, tendo gastado suas poucas economias para que ela
Apesar de ser um sujeito tímido, inicia um relacionamen- comprasse o enxoval. Luís se sente humilhado, entre tantas
to com Marina, sua vizinha, jovem, sensual e volúvel. No já vividas, e seu ódio por Julião toma forma definitiva.
início da relação, Luís sente algum desprezo por ela por
“Ao chegar à rua do Macena recebi um choque tre-
causa da ignorância e dos valores fúteis da moça, porém,
mendo. Foi a decepção maior que já experimentei. À
aos poucos, ela passa a ter muita importância para ele, não janela da minha casa, caído para fora, vermelho, pa-
só por representar uma conquista rara no parco cenário pudo, Julião Tavares pregava os olhos em Marina, que,
de sua trajetória amorosa, em razão da sua timidez e do da casa vizinha, se derretia para ele, tão embebida que
seu “desajeito” com mulheres, mas principalmente pela não percebeu a minha chegada. Empurrei a porta bru-
atração física que ela exerce sobre “o solitário Luís”; afinal, talmente, o coração estalando de raiva, e fiquei em pé
diante de Julião Tavares, sentindo um desejo enorme
trata-se de uma mulher bonita, aparentemente fácil e, pro-
de apertar-lhe as goelas. O homem perturbou-se, sorriu
vavelmente, sexualmente acessível. amarelo, esgueirou-se para o sofá, onde se abateu.”
“Marina tinha deixado de ver-me à tarde, mas todas as
noites a gente se reunia no fundo do quintal. Ela passava
Alguns meses depois, Julião abandona Marina e ela se dá
pelo buraco da cerca, encostava-se ao tronco da man- conta que está grávida do mesmo. Ela fica desesperada
gueira, e eram beijos, amolegações que nos enervavam. e vai até uma parteira e provoca o aborto. Luís descobre,
 VOLUME 1

— Vamos entrar, descansar um bocado, Marina. Já que pois a viu entrar e sair na casa da parteira. Luís, que já
chegou aqui, dê mais uns passos. não se apresenta muito constante e racional por causa da
— Você está maluco? Eu vou dar o fora. Qualquer dia somatória desses fatores, desequilibrado, decide matar Ju-
a gente mete o rabo na ratoeira. Os velhos descobrem lião. Luís talvez não tenha consciência, todavia, a morte
tudo, estrilam, e é um fuzuê da desgraça. de Julião poderia fazê-lo readquirir seu próprio equilíbrio

38  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


anterior a esses últimos acontecimentos, ainda que esse
equilíbrio precário o fizesse voltar ao eixo da rotina ente-
diante e mesquinha de até então. Tanto isso é verdadeiro
que, durante o assassinato, Luís sente-se forte e importan-
te, desmentindo a própria autoavaliação que sempre se
fazia, no sentido de que ele era pessoa insignificante. Luís
assassina Julião por enforcamento, de madrugada, numa
rua deserta, esperando-o na escuridão e enlaçando-o pelo
pescoço com uma corda. Com enorme esforço, por culpa
do peso do morto, consegue levantá-lo por um galho de
uma árvore, deixando-o pendurado pela corda, com o in-
tuito de simular suicídio. Ferido nas mãos, cansado, sujo e
rasgado, lentamente volta para casa. Pede à empregada
Vitória que ligue para a “Repartição” avisando que ele não
está bem e que não vai trabalhar. 2.11.1. A obra
Moisés e Pimentel, que são seus dois únicos amigos, vêm Angústia é o segundo romance do que chamamos ”ciclo
visitá-lo, uma vez que ele fica jogado na cama vivendo in- memorialista” de Graciliano Ramos; inesquecível e pertur-
tensa angústia, com medo da possibilidade de seu crime bador, não há nele divisão estrutural em capítulos: é escrito
ser descoberto e, o pior, ele vir a ser preso e julgado como como um fluxo confessional de um homem desesperado.
culpado. Entra em algumas paranoias, como por começar
a desconfiar de que está sendo vigiado por quase todos, e, 2. 11. 2. O protagonista
em sua cabeça, o passado e o presente começam a ficar
Luís da Silva, protagonista do romance, veio do mundo rural
confusos e a se misturar. É um processo doloroso para ele,
para a capital. Ele é um anônimo qualquer na cidade. Em seu
porque, acima de todo esse embaralhar de ideias, sobre-
cotidiano medíocre, escreve para o jornal o que lhe pedem,
leva a síndrome de vir a ser descoberto, preso e conde-
atendendo a encomendas, de forma quase robótica. Ele se
nado; mas ele precisa descansar. Numa espécie de delírio,
considera um intelectual fracassado num mundo sem lugar
pessoas com quem ele convivera no passado chegam, e
ele as convida para se deitarem com ele em sua cama e na prateleira de heróis: vive mediocremente, engaveta escri-
descansarem juntos. Luís precisa descansar de seus ódios e tos, não progride nem em sua vida profissional – carregando
humilhações morais, medos e frustrações. o fardo de ser um reles funcionário público –, nem em sua
vida afetiva – mantendo um noivado prolongado pela fal-
ta de condições para a efetivação do casamento. Marina, a
2.11. Análise e resumo da obra
noiva, acaba se envolvendo com outro homem, fato que vai
desencadear um pesadelo na vida do protagonista.

2.11.3. Interesses sociais


Inserido num mundo onde a voz do dinheiro fala mais alto,
afunda-se em dívidas, aluguéis atrasados e empréstimos to-
mados no intuito de agradar a amada, Marina. Ele a pede
em casamento, mas ela o deixa por outro mais bem-suce-
dido, Julião Tavares. Este sim, filho de comerciantes ricos,
audacioso e competente na arte de ganhar dinheiro. Julião
Tavares possui cacife para comprar Marina com todas as di-
”Lá estão novamente gritando os meus desejos. Ca-
lam-se acovardados, tornam-se inofensivos, transfor- tas que ela deseja: joias, sedas, idas ao cinema e ao teatro.
mam-se, correm para a vila recomposta. Um arrepio
atravessa-me a espinha, inteiriça-me os dedos sobre 2.11.4. Ciúmes
o papel. Naturalmente são os desejos que fazem isto,
O protagonista, Luís da Silva, vê-se impossibilitado de conviver
 VOLUME 1

mas atribuo a coisa à chuva que bate no telhado e


à recordação daquela peneira ranzinza que descia do com sua rotina desmotivada e passa a sentir um ciúme cres-
céu todos os dias.” cente que o leva a cometer um crime num forte clima de an-
(Angústia, de Graciliano Ramos) gústia. Luís acompanha como uma sombra a vida de Marina,
principalmente depois que Julião Tavares a abandona grávida.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  39


2.11.5. Vingança e ódio tes do livro Angústia, do mesmo autor. Indique-a.
a) Camilo Pereira da Silva
Luís vai nutrir um ódio mortal contra Julião, plantando a ideia
b) Moisés
crescente de que só a morte iria terminar com seu sofrimen-
c) Seu Ivo
to e angústia. Julião Tavares representa aquilo que ele não
d) Julião Tavares
podia ser e, com isso, surge como uma grande ameaça. Luís
e) Luís da Silva
da Silva, oprimido pelos acontecimentos, persegue seu rival,
uma vez que seu oponente anda às voltas com nova amante. 2. Aponte a alternativa em que se encontra uma carac-
Seu drama interior faz com ele se sinta diminuído diante da terística modernista presente no livro Angústia, de Gra-
prepotência de Julião Tavares. ciliano Ramos.
a) Atitude crítica em relação a certos valores sociais,
2.11.6. Psicologia humana como o provincianismo e a falta de cultura.
b) Ênfase a aspectos regionais e a tradições populares.
Após ter cometido o crime, Luís da Silva entra em uma c) Clara aversão a comportamentos ditados pelo mo-
crise psicológica que o angustia. Surge, então, um efeito dismo estrangeiro.
de circularidade em que o fluxo de consciência vai e vem, d) Violações gramaticais sistemáticas, como forma de
fazendo com que o narrador pense de maneira aleatória, desprezo pela língua padrão.
indo e vindo de forma não ordenada. A morte de Julião Ta- e) Opção pela narrativa linear, cronológica, evitando
vares representa para Luís da Silva uma grande vitória num flash-backs.
primeiro momento, porém, em seguida, perde o aparente 3. (Unicamp) Leia o seguinte trecho extraído do romance
significado de vitória: Angústia.
“Tive um deslumbramento. O homenzinho da repartição Onde andariam os outros vagabundos daquele tempo?
e do jornal não era eu. Esta convicção afastou qualquer Naturalmente a fome antiga me enfraqueceu a memória.
receio de perigo. Uma alegria enorme encheu-me. Pes- Lembro-me de vultos bisonhos que se arrastavam como
soas que aparecessem ali seriam figurinhas insignifi- bichos, remoendo pragas. Que fim teriam levado? Mortos
cantes, todos os moradores da cidade seriam figurinhas
nos hospitais, nas cadeias, debaixo dos bondes, nos rolos
insignificantes. Tinham-me enganado. Em trinta e cinco
sangrentos das favelas. Alguns, raros, teriam conseguido,
anos haviam-me convencido de que só me podia mexer
como eu, um emprego público, seriam parafusos insignifi-
pela vontade dos outros. Os mergulhos que meu pai me
cantes na máquina do Estado e estariam visitando outras
dava no poço da pedra, a palmatória de mestre Antônio
favelas, desajeitados, ignorando tudo, olhando com as-
Justino, os berros do sargento, a grosseria do chefe da
sombro as pessoas e as coisas. Teriam as suas pequeninas
revisão, a impertinência macia do diretor; tudo virou fu-
almas de parafusos fazendo voltas num lugar só.
maça. Julião Tavares estrebuchava.”
RAMOS, Graciliano. Angústia. 56. ed.
Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 140-141.

Aplicando para aprender (A.P.A.) a) No momento da narração, a posição social do nar-


rador personagem difere de sua condição de origem?
1. (Fuvest) Responda sim ou não e justifique.
(...) Sem dúvida o meu aspecto era desagradável, ins- b) Na citação acima, o termo “parafusos” remete ao ver-
pirava repugnância. E a gente da casa se impacientava. bo “parafusar” que, além do significado mais conhecido,
também tem o sentido de “pensar”, “cismar”, “refletir”,
Minha mãe tinha a franqueza de manifestar-me viva
“matutar”. Como esses dois sentidos podem ser relacio-
antipatia. Dava-me dois apelidos: bezerro-encourado e
nados ao modo de ser do narrador personagem?
cabra-cega. (...)
c) De que maneira o segundo sentido do verbo “para-
Devo o apodo ao meu desarranjo, à feiúra, ao desen- fusar” está expresso na técnica narrativa de Angústia?
gonço. Não havia roupa que me assentasse no corpo: a
camisa tufava na barriga, as mangas se encurtavam ou 4. (UFPR) A respeito de Angústia, de Graciliano Ramos,
alongavam, o paletó se alargava nas costas, enchia-se é correto afirmar:
como um balão. (...) 01) Este é um volume do famoso ciclo da cana-de-açú-
Zanguei-me permanecendo exteriormente calmo, depois car, em que se narra a vinda de um rapaz do engenho
falido do avô, onde fora criado, para a cidade.
serenei. Ninguém tinha culpa do meu desalinho, daque-
02) O crime de Luís da Silva nos é apresentado como
 VOLUME 1

les modos horríveis de cambembe. Censurando-me a


inferioridade, talvez quisessem corrigir-me. (...) passional, mas é possível dizer que ele também repre-
senta uma desforra social.
O trecho acima, narrado em 1.ª pessoa, foi extraído do 04) Trata-se de um romance regionalista típico, já que
livro Infância, de Graciliano Ramos. O autorretrato lido sua ação, passada no sertão alagoano, gira em torno de
permite identificarmos uma das personagens importan- um crime político muito comum no Nordeste brasileiro.

40  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


08) Luís da Silva, oriundo de uma família de proprie-
tários rurais, sente-se isolado na cidade, não se en- Gabarito
quadrando bem em nenhum círculo social.
1. E 2. A
16) O narrador onisciente em 3.ª pessoa permite a ex-
ploração psicológica de um crime tanto por parte do 3.
assassino, Luís da Silva, quanto da vítima, Julião Tavares. a) Antes do momento narrado no trecho, Luís fora
32) Em várias ocasiões, a forma escolhida por Luís da Silva neto de proprietário rural decadente e filho de peque-
para cometer o assassinato – o enforcamento – é anteci- no comerciante. Órfão, foi socorrido por conhecidos,
pada. Exemplo disso é a semelhança que ele vê entre um também pobres. Posteriormente, chegou a ser pedin-
cano exposto na cozinha de sua casa e uma corda. te, serviu ao Exército, foi mestre-escola, trabalhou
64) A personagem principal, Luís da Silva, deseja uma como revisor, além de fazer poesias para vender para
revolução socialista, pois essa revolução pode transfor- estudantes, acabando por chegar a funcionário públi-
má-lo em alguém mais importante que Julião Tavares. co e redator de jornal. Essas duas últimas atividades
compunham a sua situação social no momento re-
5. De forma sucinta, destaque as principais diferenças so- gistrado pelo texto e lhe davam alguma estabilidade.
ciais e de personalidade entre Luís da Silva e Julião Tavares. b) O primeiro significado tem o sentido de mera peça
de um mecanismo maior, ou seja, insignificância. O
6. (UDF) Aponte o item que melhor conceitua a obra An- segundo uso remete à estagnação social em que vivia
gústia, de Graciliano Ramos. o narrador: girava à volta do seu próprio eixo sem sair
a) Essa obra complementa Memórias do cárcere, do do lugar, sem evoluir na escala social, atormentado
mesmo autor, relativamente às suas memórias, mas pelas suas reflexões repetidas sobre seus ódios, res-
sem o seu envolvimento político. sentimentos e culpas.
b) Narrativa ficcional de forte tendência psicológica, se- c) O pensamento de Luís gira em torno praticamente
guindo o fluxo do pensamento do narrador em 1.ª pessoa. das mesmas coisas, e uma delas é verdadeiramente
c) A exemplo das narrativas de Jorge Amado e Erico Ve- uma obsessão, como se fosse uma “ideia-parafuso”:
ríssimo, em Angústia, Graciliano Ramos privilegia a ação, o assassinato de Julião Tavares. Essa ideia vai e volta
de forma a registrar o universo das tradições nordestinas. constantemente, até que ele a realiza, o que lhe dá
d) Em Angústia, o autor movimenta as personagens a sensação de algum poder, de não ser, afinal, tão
em ações que lhe permitem registrar as relações ex- insignificante; quem sabe assim tenha saído do lugar,
teriores entre pessoas de diferentes crenças e origens, do buraco em que fora colocado para ficar girando
como num painel ou palco teatral. em torno de si mesmo.
e) Os contos reunidos no volume Angústia, de interação 4. 02 + 08 + 32 = 42
psicológica, assemelham-se aos de Insônia, do mesmo
autor, e a algumas coletâneas de Clarice Lispector. 5. Luís é pobre, sente-se fracassado e humilhado diante
da sociedade; desenvolve rancor e pessimismo em relação
7. Quatro das frases abaixo são de Luís da Silva, prota-
gonista do livro Angústia, de Graciliano Ramos, e, ainda a todos que, socialmente, estão em melhor condição que
que fragmentadamente, ajudam a compor sua reali- ele, além de criticar quase tudo na sociedade. Ao contrário
dade psicológica e social. A quinta frase foi dita pelo dele, Julião tem dinheiro e é egoísta, não tendo nenhuma
antagonista Julião Tavares e mostra uma faceta de sua preocupação social em relação aos outros, pois, para ele,
personalidade. Marque-a. conta apenas o seu próprio interesse.
a) À noite fecho as portas, sento-me à mesa da sala
de jantar, a munheca emperrada, o pensamento va- 6. C 7. B
dio, longe do artigo que me pediram para o jornal.
b) Agarrava a papelada com entusiasmo de fogo de
palha. Tempo perdido.
c) Afinal, para a minha história, o quintal vale mais do
que a casa. Era ali, debaixo da mangueira, que, de volta
da repartição, me sentava todas as tardes, com um livro.
d) Por disciplina, entende? Considero a religião um
sustentáculo da ordem, uma necessidade social.
e) A corda enlaçou o pescoço do homem, e as minhas
mãos apertadas afastaram-se.
 VOLUME 1

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  41


seja mais conhecida como poetisa, deixou contribuições nos
domínios do conto, da crônica, da literatura infantil e do fol-
ROMANCEIRO DA
clore. Perdeu o pai poucos meses antes de seu nascimento
INCONFIDÊNCIA e a mãe logo depois de completar três anos, sendo criada

LC
por sua avó materna, a portuguesa Jacinta Garcia Benevides.
Fez o curso primário na Escola Estácio de Sá, onde recebeu
das mãos de Olavo Bilac a medalha de ouro por louvor e
distinção. Em 1917, formou-se professora na Escola Nor-
mal do Rio de janeiro, passando a exercer o magistério em
OBRA Cecília Meireles
escolas oficiais da cidade. Estudou música e línguas.

6 Aos 18 anos de idade, estreou na literatura com o livro de


poemas Espectros, que possuía 17 sonetos de temas histó-
ricos. Em 1922, por ocasião da Semana de Arte Moderna,
participou – ao lado de Tasso da Silveira, Andrade Muricy e
outros – do grupo literário, católico e conservador da revista
Festa, que defendia o universalismo e a preservação de certos
valores tradicionais da poesia, e dessa vinculação herdou a
tendência espiritualista que percorre seus trabalhos com fre-
quência. Nesse mesmo ano, casou-se com o artista plástico

1. Cecília Meireles português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas.
Cecília Meireles estudou literatura, folclore e teoria educa-
cional. Colaborou na imprensa carioca escrevendo sobre
folclore e atuou como jornalista (1930-1931) publicando
vários artigos sobre educação. Fundou, em 1934, a primeira
biblioteca infantil no Rio de Janeiro – seu interesse pela edu-
cação se transformou em livros didáticos e poemas infantis.
Ainda em 1934, a convite do governo português, viajou para
Portugal, onde proferiu conferências divulgando a literatura
e o folclore brasileiros. No ano seguinte, morria seu marido.
Entre 1936 e 1938, Cecília lecionou Literatura Luso-Brasileira
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1938,
seu livro de poemas Viagem recebeu o Prêmio de Poesia da
Academia Brasileira de Letras. Em 1940, casou-se com o pro-
fessor e engenheiro agrônomo Heitor Grilo. Nesse mesmo
ano, lecionou Literatura e Cultura Brasileiras na Universidade
do Texas, proferiu conferência sobre Literatura Brasileira, em
Lisboa e Coimbra, e publicou, em Lisboa, o ensaio Batuque,
samba e macumba, com ilustrações de sua autoria.
Em 1942, tornou-se sócia honorária do Real Gabinete Por-
tuguês de Leitura do Rio de Janeiro. Realizou várias viagens
aos Estados Unidos, Europa, Ásia e África, fazendo confe-
rências sobre literatura, educação e folclore.

1.1. Características
 VOLUME 1

Cecília Meireles é o retrato da poesia de sua época. O grande


Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964), nasci- destaque de sua poesia é a projeção de vozes que se frag-
da no Rio de Janeiro, foi poetisa, professora, jornalista, pin- mentam em várias possibilidades líricas. Tais possibilidades de
tora e a primeira voz feminina de grande expressão na Lite- constituições de vozes surgem, por exemplo, com a recupe-
ratura Brasileira, com mais de 50 obras publicadas. Embora ração da estética simbolista, em que os temas abstratos são

42  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


tratados por intermédio dos estímulos sensoriais como a mu- 1.1.1. Poesia histórica
sicalidade, entre outros. Também trabalhou com a temática
A obra máxima de Cecília Meireles foi o poema épico-lírico
social, como era característica de muitos poetas de seu tem-
“Romanceiro da Inconfidência”, no qual se encontram os
po, ou seja, da segunda geração modernista (1930-1945).
maiores valores de sua poética. Trata-se de uma narrativa
rimada escrita em homenagem aos heróis que lutaram e
morreram pela Pátria.
Romanceiro da Inconfidência
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidência.
E diz o vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Virgílio...”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
Com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados,
antes que tal verso escrevam...”
Liberdade, Ainda que Tarde, (...)
Para que se tenha uma dimensão geral da poética da au-
tora, vale a pena mencionar que, para além da poesia his-
tórica (“Romanceiro da Inconfidência”), surge a dimensão
simbolista ou neossimbolista na qual fará o uso frequente
de elementos como vento, água, mar, ar, tempo, espaço,
solidão e música.
Das palavras aéreas
Ai, palavras, ai, palavras,
O interessante da lírica desenvolvida por Cecília Meireles que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
é justamente o fato de que sua versatilidade e pluralidade
sois de vento, ides no vento,
discursivas e temática – religiosidade, desespero, individua- no vento que não retorna,
lismo e misticismo no campo da solidão – fazem dela única e, em tão rápida existência,
na poesia de língua portuguesa, mas existe a consciência tudo se forma e transforma! (...)
de seus dons e seu destino. Talvez uma das mais belas pro-
duções de caráter metalinguístico de sua poética se dá com 1.1.2. Poesia reflexiva
o poema “Motivo”, a seguir. O caráter filosófico é outro aspecto de suma importância,
Eu canto porque o instante existe pois é um tema que perpassa por toda a sua obra. Cecília
e a minha vida está completa. Meireles vai trazer em sua poesia de caráter reflexivo as mais
Não sou alegre nem sou triste: diversas temáticas, como o efêmero e a transitoriedade da
sou poeta. vida, a natureza, o tempo, o amor e o infinito (como não
Irmão das coisas fugidias, poderia deixar de ser, este tema sempre permeou a poética
não sinto gozo nem tormento. dos grandes escritores). A intuição sempre foi um ponto fun-
Atravesso noites e dias damental na poética de Cecília Meireles e vale ressaltar que
no vento.
ela sempre procurou entender e questionar o mundo a partir
Se desmorono ou se edifico, das próprias experiências. Uma série de cinco poemas, todos
se permaneço ou me desfaço, intitulados “Motivo da rosa”, da obra Mar absoluto, trata do
— não sei, não sei. Não sei se fico
tema da passagem da vida e do tempo efêmero:
 VOLUME 1

ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo. 1º Motivo da rosa
Tem sangue eterno a asa ritmada. Vejo-te em seda e nácar,
E um dia sei que estarei mudo: e tão de orvalho trêmula,
— mais nada. que penso ver, efêmera,

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  43


toda a Beleza em lágrimas As reflexões sobre “quem sou eu?” e “o que estou fazendo
por ser bela e ser frágil. (...) aqui?” foram marcas e questões trabalhadas pelos poetas
Apenas em 1939, com a publicação da obra Viagem, é que a na geração de 1930. Foi da oscilação entre o fechamento
autora iniciou de fato seu mergulho no famoso espírito mo- e a abertura do “eu” à sociedade e à natureza que nasceu
dernista enquanto estética, escola e poesia. A escolha lexical a poesia que vai do “eu” (intimismo) ao “mundo” (univer-
continua inclinada para a musicalidade; o verso, compacto e sal). Todavia, Cecília Meireles foi única, e sua poesia mais
denso e as intertextualidades, com outros autores e períodos, do que nunca deve ser estudada e contemplada.
como é o caso da poesia medieval portuguesa:

Música 2. Romanceiro da Inconfidência


Noite perdida “Todo o presente emudeceu, como plateia humilde, e
Não te lamento: os antigos atores tomaram suas posições no palco. Vim
embarco a vida com o modesto propósito jornalístico de descrever as co-
No pensamento, memorações de uma Semana Santa; porém os homens
busco a alvorada de outrora misturaram-se às figuras eternas dos ando-
do sonho isento, res; (...) na procissão dos vivos caminhava uma procis-
Puro e sem nada, são de fantasmas (...). Era, na verdade, a última Semana
– rosa encarnada, Santa dos inconfidentes: a do ano de 1789”.
intacta, ao vento. (Cecília Meireles)
Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida

1.2. Contexto de publicação e estilo de época


Partindo da linha de raciocínio em que a percepção da
literatura moderna valoriza a linguagem simples, porém
com elevado grau de arte, Cecília Meireles situa-se ca-
nonicamente na chamada segunda fase do Modernismo
brasileiro, que compreende o período entre 1930 e 1945.
A segunda fase da poesia moderna é marcada por uma ló-
gica de consolidação dos valores heroicos da primeira fase
(1922-1930), buscando de maneira crítica nacionalizar a
literatura brasileira do século XX.

Cecília Meireles vai até Ouro Preto e, como muitos moder-


nistas contemporâneos a ela, tematizou o espaço numa
Com intensa variedade temática e, no caso específico da
proposta de ressignificar de alguma forma o projeto de
autora, também uma pluralidade formal, num primeiro mo-
literatura nacional de José de Alencar (Romantismo), com-
mento, foi caracterizada numa chave de análise que a coloca
pondo estes poemas de temática social, que evocam a luta
junto aos espiritualistas de influência católica, como é o caso
pela liberdade no Brasil do século XVIII, incorporando ele-
de Murilo Mendes e, principalmente, Jorge de Lima. Tal ten-
mentos de ordens lírica, dramática e épica.
 VOLUME 1

dência, que se agrupou em torno da revista Festa, no ano


de 1927, no Rio de Janeiro (RJ), mostra clara influência do Pela primeira vez, utilizou a temática social, de interesse
lirismo católico francês e das marcas dessa influência, que se histórico e nacional, enfatizando a luta pela liberdade.
fazem sentir na tendência introspectiva, intimista e na musi- Romanceiro da Inconfidência passou a ser uma das obras
calidade que marca a maior parte das obras da autora. mais conhecidas da autora, que com muita sensibilidade

44  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


traz uma visão mais humana dos heróis e protagonistas
daquele que foi o primeiro movimento de grande porte em
prol da independência do Brasil – a Inconfidência Mineira.
Do ponto de vista da linguagem, é possível observar uma
clareza maior em relação às suas demais obras – a comuni-
cação se faz de maneira a se tornar algo mais familiar, imagi-
nativo aos interlocutores, sobretudo por se tratar de poesia.

2.1. Contexto e projeção histórica


Romanceiro da Inconfidência marca um contexto de cará-
ter épico, todavia pode ser lido de maneira lírica e reflexiva.
A Inconfidência Mineira será o pano de fundo histórico
escolhido por Cecília Meireles para compor sua obra. A
autora leva em consideração os acontecidos no ano de
1789 quando, inspirados pelas ideias iluministas europeias
e pela independência dos Estados Unidos, alguns homens
– os inconfidentes –, organizaram um movimento de liber-
tação da colônia brasileira em detrimento da metrópole, ou
seja, da coroa portuguesa. § Tomás Antônio Gonzaga, o poeta árcade, e sua ama-
da Marília de Dirceu (Maria Doroteia Seixas);
As ações da coroa, seus altos impostos sobre a extração do
ouro e os interesses de classe dos inconfidentes fomentaram
a constituição deste movimento importante e histórico para
a pavimentação do processo de libertação e independên-
cia do Brasil. Logo, os donos de minas, profissionais liberais
como advogados e juízes formados em Coimbra, Portugal,
entre os quais se destacam diversos poetas árcades, aliás a
maioria, – começaram a conspirar contra Portugal. Porém,
a insurgência do movimento foi denunciada, numa delação
em que os envolvidos foram perseguidos, presos, exilados e
mortos. Tiradentes foi escolhido para dar de exemplo e foi
executado na forca, em 21 de abril de 1792.

§ José de Alvarenga Peixoto, minerador e poeta, jun-


to a sua esposa Bárbara;

2.1.1. Personagens
Na constituição dos romanceiros, Cecília Meireles trará à
 VOLUME 1

baila conhecidos personagens da Inconfidência Mineira.


Podemos citar:
§ Cláudio Manuel da Costa e as circunstâncias miste-
riosas envolvendo sua morte;

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  45


§ Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes – o enfor- e urbanísticas, museus, ateliês de escultura inspirados no
cado que se tornaria mártir. famoso aleijadinho e estudantes das mais variadas ordens,
como é o caso da própria literatura, que vão desfrutar des-
se cenário histórico e artístico de nosso país.

2.1.3. Tempo
Cecília Meireles opta por não fazer uma marcação cronológi-
ca no desenvolvimento de seus poemas – romanceiros –, to-
davia, é sabido que a obra situa-se no século XVIII e abrange
o período do ciclo do ouro (Brasil colônia), desde o período
que antecede a revolta até a morte dos inconfidentes, em
que a autora homenageará os heróis da tragédia mineira.

2.2. Gênero: romanceiro


O vestibulando precisa dar atenção especial ao gênero esco-
lhido por Cecília Meireles, pois, quando se trata desta obra
aqui analisada, é muito comum que os vestibulares cobrem
o aspecto formal, ou seja, o conceito do “romanceiro”.

2.1.2. Espaço

A gênese da obra ocorreu, de acordo com depoimento da


escritora, quando foi pela primeira vez à cidade de Ouro
Preto, local onde se organizou o movimento de Tiradentes
e seus companheiros. As alusões que Cecília Meireles faz A primeira grande questão que se deve ter atenção é o
não são consideradas diretas ao espaço geográfico evoca- fato de que não se pode confundir com a denominação do
do na narrativa, uma vez que o objetivo é apenas ambien-
atual gênero em prosa, o romance.
tar e valorizar a ação das personagens da história. Porém, o
espaço aparece como uma espécie de personagem secun- O gênero “romanceiro” é poesia e se estrutura num tipo de
dário de luxo, pois não é possível entender a história bem forma poemática de origem medieval na península Ibérica.
como os poemas, sem dominar plenamente os acontecidos Além disso, assume um caráter narrativo em que fatos he-
 VOLUME 1

naquelas ladeiras pedregosas, nas minas de ouro, o pal- roicos e históricos são contados a um determinado povo.
co de acontecimentos que foi a cidade de Vila Rica, atual É considerado na tradição como uma junção de poesias
Ouro Preto, centro do poder da então capitania de Minas ou canções de caráter popular. Em geral, a narrativa se de-
Gerais. Hoje considerada um patrimônio histórico mundial bruça sobre tema central, no caso aqui da Inconfidência
e resguardada por todos em suas estruturas arquitetônicas Mineira e seus personagens.

46  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias


São narrativas breves e rimadas sob a forma de poemas Inconfidência Mineira, abortada pela traição de Joaquim
épico-líricos e que originalmente surgiram cantadas em Silvério dos Reis, que culminou na execução de Tiradentes.
função da tradição oral (contexto de analfabetismo). Com A ambientação da narrativa aparece nos primeiros 19 ro-
85 “romances” (romanceiro), publicado em 1953, Cecília mances. A questão da descoberta do ouro e a estrutura-
Meireles mergulha na História do Brasil no século XVIII. Os ção de ordem social que se estabelece a partir deste novo
episódios narrados relacionam-se com a ambientação da contexto econômico. Esta configuração social se dá com a
mineração e do ciclo do ouro, passando desde Chica da vinda dos mineradores, seus costumes e aspectos culturais,
Silva, a da Inconfidência Mineira (Vila Rica) até o enforca- como se vê nos “causos”:
mento de Tiradentes.
§ Romance IV: A donzela morta por uma punhalada
desferida pelo próprio pai.
2.3. Estrutura
§ Romance VI ou os cantos dos negros nas catas.
§ Romances XIII a XIX: Surge o folclore, a história do
contratador João Fernandes e de sua amante Chica da
Silva e o alerta sobre a traição do conde de Valada-
res. O foco se desenvolve acerca da questão da am-
bição das pessoas circunscritas a esse ambiente, onde
a possibilidade de enriquecer via descoberta do ouro
ou exploração do mesmo era muito grande. E, é claro,
a cobiça em torno do ouro torna as pessoas cada vez
mais inescrupulosas.
§ Romance XXI: Neste interessante romance, começam
a surgir e circular naquelas passagens as primeiras ideias
de liberdade do País em ralação à coroa portuguesa.
Além disso, a Vila Rica será chamada de “país das Ar-
cádias”, uma menção direta a influências iluministas em
terras brasilis e que constituem o Neoclassicismo brasi-
leiro, com seus principais poetas e suas pastoras: cita-
-se Dirceu e Marília (Tomás Antônio Gonzaga), além de
Glauceste Satúrnio e Nise (Cláudio Manuel da Costa).
§ Romance XXIV: É a partir deste romance que a insa-
tisfação começa a ficar cada vez mais latente entre os
insurgentes, a revolta contra os portugueses explora-
Nessa obra de Cecília Meireles, há 85 romances, além de dores toma forma com a confecção de uma bandeira:
outros poemas, como os que retratam os cenários/espaços Libertas quae sera tamen.
e pelas falas:
§ romances: narrativas em versos relacionadas aos fa-
tos ligados à Inconfidência Mineira;
§ cenário/espaço: as descrições dos cenários onde se
desenrolaram os fatos;
§ falas: os comentários feitos pela narradora a respeito
dos fatos narrados.

2.3.1. Os romances
A autora faz uma aprofundada pesquisa histórica para es-
 VOLUME 1

crever seu Romanceiro da Inconfidência. Nesse livro, por § Romances XXVII ao XLVII: Neste conjunto de roman-
meio de uma hábil síntese entre o dramático, o épico e o ces, surge mais claramente e especificada a atuação de
lírico, há um retrato da sociedade de Minas Gerais do sé- Tiradentes, apelido do alferes Joaquim José da Silva Xa-
culo XVIII, principalmente dos personagens envolvidos na vier. Sua atuação buscava atrair cada vez mais adeptos

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  47


para sua causa e ideologia de libertação, atraindo cons- Não posso mover meus passos
piradores em suas longas cavalgadas pelos caminhos e por esse atroz labirinto
estradas que, inclusive, o levavam para o Rio de Janeiro. de esquecimento e cegueira
em que amores e ódios vão:
§ Romance XXVIII: Os planos libertários de Tiradentes (…)
serão freados antes mesmo de serem colocados em
No entanto, vale observar que Cecília não se prende total-
prática, sobretudo por conta da ação de seus delatores,
mente a esse modelo, como uma boa escritora modernista. O
em especial a figura de Joaquim Silvério dos Reis.
texto vai girar em torno de outras perspectivas formais, com
§ Romance XLIX: Os ataques da coroa são cada vez mais versos mais curtos – de quatro sílabas (como em “Fala aos
ferrenhos, começa uma perseguição violenta a todos os Inconfidentes Mortos”) –, e mais longos, como é o caso dos
integrantes do movimento de libertação com confisco de decassílabos que podemos observar no poema “Cenário”.
bens, prisões, falsos testemunhos e a morte de Glauceste
Satúrnio (pseudônimo de Cláudio Manuel da Costa), sob
2.3.3. Rimas
condições misteriosas. Uma carta suicida é colocada ao
lado de seu corpo assassinado na cadeia. § Imperfeitas: No que diz respeito às rimas, a autora
utiliza as chamadas imperfeitas, cuja determinação se
§ Romance LII: Antecipação da execução de Tiradentes,
vale de terminações de versos semelhantes, como se
por intermédio da fala do carcereiro.
observa no Romance XIII.
§ Romances LVI a LXIII: Explicitação da morte de Ti-
Eis que chega ao Serro Frio,
radentes. à terra dos diamantes,
§ Romances LIV e LV: Julgamento e exílio de Tomás o Conde de Valadares,
Antônio Gonzaga para Moçambique (África). fidalgo de nome e sangue,
José Luís de Meneses
§ Romance LXXIII: Sem a presença de seu amado Tomás de Castelo Branco e Abranches.
Antônio Gonzaga, sua ex-noiva, Maria Doroteia Joaqui- Ordens traz do grão Ministro
na de Seixas (Marília), fica completamente inconsolada. de perseguir João Fernandes.
(…)
§ Romance LXXI: Tomás Antônio Gonzaga se casa com
Juliana de Mascarenhas, filha de um traficante de es- § Perfeitas: A escritora faz uso, ainda, de rimas perfei-
cravos em Moçambique. tas, que são as terminações em sons vocálicos e conso-
nantais idênticos, como se vê no Romance VI.
§ Romances LXXV a LXXX: Estes últimos romances
narram aspectos relativos à vida do poeta Alvarenga Já se preparam as festas
Peixoto e de sua família: sua esposa, Bárbara Heliodo- para os famosos noivados
que entre Portugal e Espanha
ra, e sua filha, Maria Ifigênia. Surge também o retrato
breve serão celebrados.
de Marília idosa. Ai, quantas cartas e acordos
§ Romances LXXXII e LXXXIII: Nestes romances, sur- redigidos e assinados!
gem os lamentos pela situação calamitosa em que se (…)
encontra Vila Rica e Minas Gerais como um todo, bem
como a morte de D. Maria, a Louca. 2.3.4. Temas
§ Romance XXIV: A obra é concluída com a “Fala aos De maneira geral, o grande tema desse livro é o valor his-
Inconfidentes Mortos”. Segundo a crítica, este é consi- tórico que a Inconfidência trouxe para o processo de inde-
derado um dos romances mais importantes, simboliza- pendência do Brasil. Os heróis e os símbolos da liberdade
do pela confecção da bandeira dos inconfidentes com que fazem parte de história nacional e que, muitas vezes,
todo o movimento que eles preparavam em Vila Rica. é esquecida por aqueles que desconsideram a importância
de se entender o passado para ressignificar o futuro.
2.3.2. Métrica utilizada § Inconfidência Mineira: O tema central da obra Ro-
Em sua composição, é utilizada principalmente a medida manceiro da Inconfidência é, como o próprio título in-
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velha, ou seja, a redondilha menor, verso de cinco sílabas dica, a Inconfidência ou Conjuração Mineira, episódio
poéticas (pentassílabo) e, predominantemente, a redondi- histórico ocorrido em 1789, que culminou com a morte
lha maior, verso de sete sílabas (heptassílabo). Este tipo de de Tiradentes, apelido de Joaquim José da Silva Xavier,
verso é típico da poesia popular, como ocorre no poema além da perseguição, prisão e morte de tantos outros
intitulado “Fala Inicial”: inconfidentes.

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§ Heroísmo e ousadia: A ousadia fica por conta do he- Gonzaga ou Cláudio Manuel da Costa, ao recordarem
rói do poema, Tiradentes, que ousava sair pelos campos em suas liras as pastoras Marília, Nise ou Anarda.
ou pelos quartéis bradando em nome da liberdade do
§ Arcadismo: A escola literária do Arcadismo também
País e falando contra a ambição da coroa portuguesa,
será abordada por Cecília Meireles, no sentido de ser
que estava sempre a exigir mais dinheiro de todos. Tira-
uma vanguarda em relação ao pensamento iluminista
dentes surge como um símbolo do heroísmo dos incon-
dos inconfidentes que encabeçaram a estética artística,
fidentes. Além disso, vale ressaltar que Cecília Meireles
pois foram buscar suas utopias liberais na Europa, so-
também mostra o lado humano do inconfidente mais
bretudo em seus estudos de Direito na famosa Univer-
famoso: sua profissão, sua origem humilde, seu cargo
sidade de Coimbra (Portugal). A experiência aparecerá
militar, sua utopia de liberdade. Relata também a trai-
como tema em diversos momentos da obra, em que
ção de que foi vítima, seu isolamento e execução. Não
as pastoras, as ovelhinhas e a natureza bucólica irão
se pode esquecer também dos outros inconfidentes e
contrapor-se ao clima de violência e insurreição que
dos heróis anônimos.
dominará a ação narrativa.
§ Morte de Tiradentes: A morte de Tiradentes surge
como uma centralização temática, no entanto, outros
temas giram em torno de sua execução. Podemos citar,
2.4. Leia alguns poemas
por exemplo, os fatores históricos do episódio, a trai- Fala inicial
ção, a ambição desmedida e a tal “febre do ouro”.
Não posso mover meus passos.
§ Traição e covardia: A traição e a covardia são temas Batem patas de cavalos
abordados nos romances, em função da busca desme- por esse atroz labirinto
dida pelo ouro em que muitos delataram os inconfiden- Suam soldados imóveis,
tes, movidos por interesse econômico, como é o caso de esquecimento e cegueira.
Na frente dos oratórios,
de Joaquim Silvério dos Reis – delator de Tiradentes
em que amores e ódios vãos;
–, ou por medo das ações do governador da capitania que vale mais a oração?
de Minas. Muitos dos delatores, inclusive, inventavam – Pois sinto bater os sinos,
histórias para se beneficiar das recompensas e nem vale a voz do Brigadeiro.
sequer viram ou ouviram qualquer coisa que pudesse Percebo o roçar das rezas,
servir de fato como prova contra os acusados. sobre o povo e sobre a tropa,
vejo o arrepio da morte,
§ Ambição: Deixando de lado qualquer escrúpulo ou louvando a augusta Rainha
ideia de amizade, a ambição está presente nas atitudes à voz da condenação;
do próprio Joaquim Silvério dos Reis ou do conde de – já louca e fora do trono –
Valadares, que se vendem por dinheiro e ouro. – avisto a negra masmorra na sua proclamação.
e a sombra do carcereiro
§ Loucura: O tema loucura vai figurar em caráter dra- que transita sobre angústias
mático com a figura da rainha D. Maria I, uma vez que Ó meio-dia confuso,
é sabido de suas características históricas, bem como a com chaves no coração;
menção ao fato de que ela se via condenada ao Infer- ó vinte-e-um de abril sinistro,
no. Outra circunstância vinculada à temática da loucura – descubro as altas madeiras
que intrigas de ouro e de sonho
se dá em relação à figura de Bárbara Heliodora, que so-
do excessivo cadafalso
fre muito em função do exílio de seu marido, o poeta e houve em tua formação?
inconfidente Alvarenga Peixoto, somado à tragédia da e, por muros e janelas,
morte de sua filha Ifigênia, ficando louca e morrendo. o pasmo da multidão.
§ Corrupção: O tema da corrupção, tão recorrente em
Romance XIV ou da Chica da Silva
nosso País até hoje, já nessa época dava a sua cara,
sobretudo num lugar onde circulava tanto dinheiro e Que andor se atavia
estruturas de poder. A corrupção vai entremear as rela- naquela varanda?
É a Chica da Silva:
ções de poder entre governadores, fiscais, magistrados
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é a Chica-que-manda!
e funcionários da coroa portuguesa.
Cara cor da noite,
§ O amor: Num contexto de tanta violência, revolta e cor- olhos cor de estrela.
rupção, ainda é possível perceber a resistência do amor. O Vem gente de longe
tema surge nos versos dos poetas árcades Tomás Antônio Para conhecê-la.

LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias  49


Romance LX ou do caminho da forca coisa que não te acomete.
Ele topa uma figueira,
Os militares, o clero,
tu calmamente envelheces,
os meirinhos, os fidalgos
orgulhoso impenitente,
[Águas, montanhas, florestas,
com teus sombrios mistérios.
que o conheciam das ruas, negros nas minhas, exaustos...
(Pelos caminhos do mundo,
das igrejas e do teatro, – bem podíeis ser, caminhos,
nenhum destino se perde:
das lojas dos mercadores de diamante ladrilhados...]
e até da sala do Paço; há os grandes sonhos dos homens,
Tudo leva na memória: e a surda força dos vermes.)
e as donas mais as donzelas em campos longos e vagos (Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência)
que nunca o tinham mirado, tristes mulheres que ocultam
os meninos e os ciganos, seus filhos desamparados... 1. (Fatec) Considere as seguintes afirmações sobre o texto.
as mulatas e os escravos, I. O emissor assume postura argumentativa ao exprimir
Longe, longe, longe, longe, juízos de valor sobre as ações de ambos os traidores
os cirurgiões e algebristas, no mais profundo passado... célebres.
leprosos e encarangados, – pois agora é quase um morto, II. A significação do texto constrói-se com base numa
e aqueles que foram doentes que caminha sem cansaço, ampla comparação, na qual se destaca crítica mais con-
e que ele havia curado que por seu pé sobe à forca, tundente à traição praticada por Joaquim Silvério.
– agora estão vendo ao longe, diante daquele aparato... III. O emissor enfatiza as vantagens obtidas pelos atos
de longe escutando o passo de Joaquim Silvério, como forma de expor sua vileza.
dos Alferes que vai à forca, IV. Os versos finais, postos entre parênteses, contêm um
Pois agora é quase um morto, comentário de natureza ética e generalizante que ex-
levando ao peito o braço, partindo em quatro pedaços, pressa o tema do texto.
levando no pensamento e – para que Deus o aviste –
caras, palavras e fatos; levantado em postes altos. Estão corretas as afirmações:
as promessas, as mentiras, a) I e III, apenas.
línguas vis, amigos falsos [Caminha a Bandeira b) II e IV, apenas.
coronéis, contrabandistas, de Misericórdia. c) I, III e IV, apenas.
ermitões e potentados, Caminho, piedosa, d) II, III e IV, apenas.
estalagens, vozes, sombras, mais alta que a tropa. e) I, II, III e IV.
adeuses, rios, cavalos...
Da forca se avista 2. (Fatec) À vista dos traços estilísticos, é correto afirmar
a Santa Bandeira que o texto de Cecília Meireles:
Tudo leva nos seus olhos, da Misericórdia.] a) representa grande inovação na construção dos versos,
nos seus olhos espantados, marcando-se sua obra por experimentalismo radical da
o Alferes que vai passando linguagem e referência a fontes vivas da língua popular.
para o imenso cadafalso,
b) é despida de sentimentalismo e pautada pelo culto
onde morrerá sozinho
formal expresso na riqueza das rimas e na temática
por todos os condenados.
de cunho social.
c) simula um diálogo, adotando linguagem na qual pre-
Aplicando para aprender (A.P.A.) domina a função apelativa, e opta por versos brancos, de
ritmo popular (caso dos versos de sete sílabas métricas).
Leia o texto a seguir para responder às questões 1 e 2. d) expressa sua eloquência na escolha de temática
Romance XXXIV ou de Joaquim Silvério greco-romana e nas tendências conservadoras típicas
do rigor formal de sua linguagem.
Melhor negócio que Judas e) é de tendência descritiva e heroica, adotando a sáti-
fazes tu, Joaquim Silvério: ra para expressar a crítica às instituições sociais falidas.
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples Alferes. 3. (Fuvest) Como o próprio título indica, no Romanceiro
Recebeu trinta dinheiros... da Inconfidência, de Cecília Meireles, os romances têm
-- e tu muitas coisas pedes: como referência nuclear a já frustrada rebelião na Vila
pensão para toda a vida, Rica do século XVIII. No entanto, deve-se reconhecer que:
perdão para quanto deves,
comenda para o pescoço, a) a base histórica utilizada no poema converte-se
honras, glória, privilégios. no lirismo transcendente e amargo que caracteriza as
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E andas tão bem na cobrança outras obras da autora.


que quase tudo recebes! b) as intenções ideológicas da autora e a estrutura
Melhor negócio que Judas narrativa do poema emprestam ao texto as virtudes
fazes tu, Joaquim Silvério! de uma elaborada prosa poética.
Pois ele encontra remorso,

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c) a imaginação poética dá à autora a possibilidade 6. (UFG) No Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meire-
de interferir no curso dos episódios essenciais da re- les mescla os três gêneros literários, entre os quais o lí-
belião, alterando-lhes o rumo. rico e o épico podem ser identificados, respectivamente:
d) a matéria histórica tanto alimenta a expressão po- a) nos trechos referentes ao amor de Marília por Dir-
ética no desenvolvimento dos fatos centrais quanto ceu e no fio narrativo da obra.
motiva o lirismo reflexivo. b) na descrição objetiva dos fatos e na manifestação
e) a preocupação com a fidedignidade histórica e com da imparcialidade dos protagonistas.
o tom épico atenua o sentimento dramático da vida, c) na escolha da forma romance e na marcação do
habitual na poesia da autora. tempo nas partes intituladas de Cenários.
4. (UFPR) Sobre o livro Romanceiro da Inconfidência, de d) na grandiloquência da linguagem e na fala dramá-
Cecília Meireles, considere as afirmativas a seguir. tica das personagens.
I. Os documentos históricos legados à posteridade não e) nos monólogos e diálogos expressos em versos e
esclarecem de fato certos episódios relacionados à na fusão do narrador com o mundo narrado.
Inconfidência Mineira. Em face dessa situação, Cecília 7. (UFG) “Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, e
Meireles optou por apresentar os acontecimentos e “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles,
as personagens a partir de uma perspectiva lírica que trazem episódios da História do Brasil para o plano lite-
prescinde de nitidez e definição. rário e, nessa releitura:
II. O poema contém partes de elaboração clássica, me- a) o tópico da traição é relativizado e exposto de for-
trificadas em versos longos e outras mais próximas das ma poética.
composições populares, em versos curtos. b) o açúcar e o ouro constituem temas secundários
III. Além das personagens diretamente envolvidas no desenvolvidos alegoricamente.
movimento sedicioso do título, o poema também trata c) os negros e as mulheres são subjugados e excluí-
de outras, como Chica da Silva, que embora não este- dos das cenas dramáticas.
jam diretamente envolvidas, ajudam a compor o am- d) a consolidação dos heróis da Independência rece-
biente histórico do texto. be tratamento irônico.
IV. Tiradentes, o alferes que a história transformou em he- e) o fracasso dos primeiros ideais de brasilidade é
rói, é apresentado na obra como indivíduo ambíguo e de mostrado por diversas vozes.
moral discutível, numa clara contraposição literária à ima-
gem apresentada pelos historiadores mais conservadores. 8. (Ufrgs) Considere o enunciado a seguir e as três pro-
postas para completá-lo.
Assinale a alternativa correta.
No “Romanceiro da Inconfidência”, Cecília Meireles...
a) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras.
I. recria a paisagem física e humana da Vila Rica dos
b) Somente as afirmativas I, II e IV são verdadeiras.
inconfidentes, dando voz a figuras centrais dos aconte-
c) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras. cimentos políticos da época.
d) Somente as afirmativas II, III e IV são verdadeiras.
II. recupera uma forma poética de origem medieval,
e) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras. proveniente da literatura oral ibérica, o que favorece a
5. (Ufrgs) Considere as seguintes afirmações sobre o inserção de vozes populares.
Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. III. retoma, em muitos “romances”, episódios da vida
de Tomás Antônio Gonzaga, relatando sua prisão, seu
I. O Romanceiro é narrativo e lírico ao mesmo tempo,
exílio e seus amores.
apresentando uma sequência de poemas, através dos
quais a autora realiza uma comovente reflexão sobre Quais propostas estão corretas?
um momento da história do Brasil. a) Apenas I.
II. A obra vale-se dos acontecimentos da Inconfidência b) Apenas II.
Mineira para expor a constituição da sociedade e a atu- c) Apenas I e III.
ação do homem, e, a partir deles, traçar um retrato da d) Apenas II e III.
condição humana. e) I, II e III.
III. O Romanceiro recria a cidade de Vila Rica durante
o episódio da Inconfidência, procurando dar voz tanto 9. (Fuvest) O verso “Só se estivesse alienado”, que fun-
às figuras conhecidas da história quanto ao povo que ciona como um refrão no “Romance LXXIII ou da incon-
assistiu perplexo ao desenrolar dos acontecimentos. formada Marília”, registra a reação desta personagem
do Romanceiro da Inconfidência à informação de que:
Quais estão corretas?
a) seu amado, o inconfidente e poeta Cláudio Manuel
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a) Apenas I. da Costa, se suicidara na prisão.


b) Apenas II. b) seu primo-irmão, o inconfidente Joaquim Silvério dos
c) Apenas I e III. Reis, traíra os companheiros de conjura, delatando-os.
d) Apenas II e III. c) seu noivo, o poeta e inconfidente Tomás Antônio
e) I, II e III. Gonzaga, se casara em África.

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d) seu prometido, o árcade e inconfidente Dirceu, se
suicidara na prisão. Gabarito
e) seu companheiro na Inconfidência, o alferes Tira-
1. E 2. C 3. D 4. A 5. E
dentes, assumira sozinho toda a culpa da conjuração.

10. (UFG) Leia o poema que segue. 6. A 7. E 8. E 9. C

Romance XXXV ou do suspiroso alferes 10.


Terra de tantas lagoas! a) A ironia está em querer a revolução e não fazer
Terra de tantas colinas! nada, ou seja, não lutar por ela.
No fundo das águas podres, b) O alferes está preso no Rio de Janeiro, traído e
o turvo reino das febres... desejando retornar para Minas Gerais. Presença de
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...” recursos estilísticos, entre eles: poema, verso, estrofe,
rima, refrão, presença de voz lírica, metáfora, repe-
Nos palácios, vãos fidalgos.
tição, alegoria, reticências, interrogação, exclamação,
Santos vãos, pelas esquinas.
anáfora, aliteração, hipérbole.
Pelas portas e janelas,
as bocas murmuradoras... c) O narrador é realista, cético. O alferes é sonhador,
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...” idealista.

Rios inchados de chuva,


serra fusca de neblinas...
Quem tivera uma canoa,
quem correra, quem remara...
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
(Que vens tu fazer, Alferes,
com tuas loucas doutrinas?
Todos querem liberdade,
mas quem por ela trabalha?)
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
(O humano resgate custa
pesadas carnificinas!
Quem morre, para dar vida?
Quem quer arriscar seu sangue?)
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
Minas das altas montanhas,
das infinitas campinas...
Quem galopara essas léguas!
Quem batera àquelas portas!
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
Mas os traidores labutam
nas funestas oficinas:
vão e vêm as sentinelas,
passam cartas de denúncia...
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
(E tudo é tão diferente
do que em saudade imaginas!
Onde estão os teus amigos?
Quem te ampara? Quem te salva,
mesmo em Minas? mesmo em Minas?)
MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 135-136.

Com base no poema “Romance XXXV ou do suspiroso


alferes”:
a) Explique a ironia presente no poema.
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b) Identifique o momento histórico que esse poema re-


toma e explicite duas características da linguagem usada
pela poetisa para transformar o documental em lírico.
c) Esclareça a divergência entre a voz do narrador e
a do alferes.

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ANOTAÇÕES

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ENTRE ASPAS - OBRAS LiTERÁRiAS LiNGUAGENS, CÓDiGOS E SUAS TECNOLOGiAS

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