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Caro aluno

Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclusiva metodologia em período integral, com aulas e Estudo
Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares.
O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos
alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades.
A seguir, apresentamos cada seção:

INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS VIVENCIANDO


De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desen- Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico
volvida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e é o seu distanciamento da realidade cotidiana, o que difi-
nos principais vestibulares voltados para o curso de Medicina culta a compreensão de determinados conceitos e impede
em todo o território nacional. o aprofundamento nos temas para além da superficial me-
morização de fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios na
aprendizagem dos conteúdos, foi desenvolvida a seção “Vi-
venciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma preo-
cupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações
TEORIA
entre aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada co- contato em seu dia a dia.
leção tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolu-
ção das questões propostas. Os textos dos livros são de fácil
compreensão, completos e organizados. Além disso, contam
com imagens ilustrativas que complementam as explicações APLICAÇÃO DO CONTEÚDO
dadas em sala de aula. Quadros, mapas e organogramas, em
cores nítidas, também são usados e compõem um conjunto Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fa-
abrangente de informações para o aluno que vai se dedicar zem parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos
à rotina intensa de estudos. compilados, deparamos-nos com modelos de exercícios re-
solvidos e comentados, fazendo com que aquilo que pareça
abstrato e de difícil compreensão torne-se mais acessível e
de bom entendimento aos olhos do aluno. Por meio dessas
MULTIMÍDIA resoluções, é possível rever, a qualquer momento, as explica-
ções dadas em sala de aula.
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cui-
dadosa seleção de conteúdos multimídia para complementar
o repertório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a
compreensão, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM
livros, etc. Tudo isso é encontrado em subcategorias que fa-
cilitam o aprofundamento nos temas estudados – há obras Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desem-
de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões de aplicati- penho ao fim da escolaridade básica, organizamos essa
vos que facilitam os estudos, com conteúdos essenciais para seção para que o aluno conheça as diversas habilidades e
ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, em uma competências abordadas na prova. Os livros da “Coleção
seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais Vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas
o conhecimento do nosso aluno. dessas habilidades. No compilado “Áreas de Conhecimento
do Enem” há modelos de exercícios que não são apenas
resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva e
descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no
dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para
CONEXÃO ENTRE DISCIPLINAS ajudá-lo a apurar as questões na prática, a identificá-las na
Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é prova e a resolvê-las com tranquilidade.
elaborada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que
trata de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares
atuais não exigem mais dos candidatos apenas o puro co-
nhecimento dos conteúdos de cada área, de cada disciplina.
DIAGRAMA DE IDEIAS
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran- Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso,
gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, criamos para os nossos alunos o máximo de recursos para
como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Ma- orientá-los em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de
temática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato Ideias”, para aqueles que aprendem visualmente os conte-
com essa realidade por meio de explicações que relacionam údos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas
a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de mentais e fluxogramas.
outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo
o aluno consegue entender que cada disciplina não existe de da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta
forma isolada, mas faz parte de uma grande engrenagem no aos principais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a
mundo em que ele vive. organização dos estudos e até a resolução dos exercícios.
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Letícia de Brito Ferreira
Matheus Franco da Silveira

projeto gráfiCo e Capa


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ISBN: 978-85-9542-213-1

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vo o ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à dis-
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SUMÁRIO
ENTRE LETRAS
GRAMÁTICA 5
AULAS 27 E 28: PERÍODO COMPOSTO: ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS ADJETIVAS 7
AULAS 29 E 30: PERÍODO COMPOSTO: ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS 10
AULAS 31 E 32: PERÍODO COMPOSTO: ORAÇÕES SUBORDINADAS ADVERBIAIS 12
AULAS 33 E 34: COLOCAÇÃO PRONOMINAL 14

INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS 17
AULA 14: TEXTOS EM VERSO I 19
AULA 15: TEXTOS EM VERSO II 22
AULA 16: LEITURA DE IMAGENS I: ARTE RUPESTRE E ARTE DA ANTIGUIDADE 25
AULA 17: LEITURA DE IMAGENS II: DA ARTE MEDIEVAL À ARTE RENASCENTISTA 32

LITERATURA 41
AULAS 27 E 28: PRÉ-MODERNISMO 43
AULAS 29 E 30: TEORIA DA VANGUARDA 50
AULAS 31 E 32: MODERNISMO PORTUGUÊS I 62
AULAS 33 E 34: MODERNISMO PORTUGUÊS II 68
MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM

Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
Competência 1

H1 Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.

Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais.
Competência 2

H5 Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.


H6 Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.

Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade.
Competência 3

H9 Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.
H10 Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
H11
diferentes indivíduos.

Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade.
Competência 4

H12 Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.
H13 Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.
Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e
H14
étnicos.

Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,
Competência 5

organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.


H15 Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.
H16 Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construçãodo texto literário.
H17 Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.

Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constitu-
Competência 6

ição de significados, expressão, comunicação e informação.


H18 Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
H20 Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional.

Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
Competência 7

H21 Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.
H22 Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.
H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.
Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção,
H24
chantagem, entre outras.

Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da
Competência 8

própria identidade.
H25 Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
H27 Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.

Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social,
Competência 9

no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tec-
nologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.
H28 Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem.
ENTRE
LETRAS

4
LINGUAGENS
CÓDIGOS
GRAMÁTICA
e suas tecnologias

TEORiA
DE AULA
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

Todos os temas deste livro têm alta inci- Compreender como os pronomes fun-
dência no Enem. cionam dentro do período, contribuindo
para sustentar as relações de coordena-
ção e subordinação dentro dos períodos
pode ser um diferencial ao candidato.

Aborda o uso dos pronomes apresenta- Compreender a importância das conjun- Ocorre com certa frequência as fun-
dos neste livro. Além disso, perceber a ções em relação ao estudo dos períodos ções pronominais dentro de orações e
importância das relações de coordena- simples e compostos coordenados e períodos. Assim, o conteúdo deste livro
ção e subordinação dentro dos períodos subordinados será a chave para o bom aborda os elementos que constituem o
será um diferencial para questões que desempenho. período e as relações de coordenação e
envolvam textos, literários ou não. subordinação.

A resolução dos exercícios exige conhe- Além de saber reconhecer as regras Aborda os sentidos possíveis decor- A objetividade de que se compõe dá
cimentos sobre a especificidade de cada da colocação pronominal, o candidato rentes das relações de subordinação e margem para questões bastante diretas
classe gramatical. É relevante, então, deverá reunir a maior quantidade de coordenação. Compreender como essas sobre os usos dos pronomes e os efeitos
saber reconhecer como as próclises e ên- conhecimento sobre as construções sin- relações se constituem e por meio de de sentido decorrentes das relações den-
clises atuam, bem como as conjunções táticas de coordenação e subordinação. quais termos elas se estabelecem será tro do período composto.
para efeitos distintos de sentido dentro de grande ajuda ao candidato.
de um período.

UFMG
Frequentemente apresenta textos con- É comum questões que se atentem aos
A relação entre linguagens verbal e não
figurados por linguagens verbal e não elementos sintáticos de que um texto se
verbal é uma constante neste vestibular.
verbal. Assim, compreender como os vale para a sua composição. Portanto,
Propagandas e charges, então, acabam
pronomes e as relações dentro do perí- convém estar seguro sobre o uso correto
sendo fonte para questões. Reescrever
odo produzem determinados efeitos de dos termos que compõem os períodos
frases pode ser comum, para tanto, saber
sentido será essencial ao candidato. compostos.
utilizar corretamente os pronomes será
um diferencial.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

O uso dos pronomes pode aparecer em A abordagem deste vestibular ampa- Bastante direto, apresenta muitas ques-
questões de aplicação direta, por isso, ra-se na atenção aos diferentes usos tões a respeito de conhecimentos sobre
compreender as funções e regras de das conjunções, de modo a construir a colocação pronominal. É comum, tam-
ênclise e próclise será muito importan- efeitos de sentido dentro de um período bém, que questões ligadas aos efeitos de
te. Ademais, este caderno traz estudos composto. Ademais, entender o uso dos sentido advindos das relações de subor-
sobre os períodos simples e compostos. pronomes trabalhados neste caderno dinação apareçam.
poderá ser de grande ajuda.

6
sentença, podem ser classificadas como adjetivas, subs-

PERÍODO tantivas ou adverbiais.


Nessa aula, especificamente, conheceremos o funcionamen-
COMPOSTO: to das orações coordenadas e de uma das subordinadas
ORAÇÕES (a subordinada adjetiva). As demais orações subordinadas
(subordinadas substantivas e subordinadas adverbiais), por
COORDENADAS E serem mais extensas, serão trabalhadas nas próximas aulas.

SUBORDINADAS 1.1. Orações coordenadas assindéticas


ADJETIVAS São chamadas de orações coordenadas assindéticas
aquelas que não são introduzidas por conjunção. São ora-

LC AULAS ções coordenadas, postas lado a lado e separadas por


sinais de pontuação.
27 E 28
Exemplos:
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
1, 6 e 8 1, 18 e 27 Abriu a porta, entrou em casa, acendeu as luzes.
Esquece isso. Vamos dar uma volta.

1. Noções preliminares 1.2. Orações coordenadas sindéticas


1. Oração é um enunciado linguístico que apresenta uma Conforme o tipo de conjunção que as introduz, as orações
estrutura caracterizada pela presença de um verbo. coordenadas sindéticas podem ser aditivas, adversati-
vas, alternativas, conclusivas ou explicativas.
2. Chama-se período composto aquele que apresenta mais
de um verbo dentro do mesmo conjunto de enunciação. a) As aditivas expressam ideia de adição, de acréscimo.
Se se tratar de período simples, há apenas um único verbo Regularmente indicam fatos, acontecimentos ou pensa-
dentro do período, sinalizado pelo ponto final. mentos dispostos em sequência. As conjunções coorde-
nativas aditivas típicas são e e nem (e + não).
Exemplos:
Exemplos:
Falou com a menina hoje cedo. (estrutura com
Viajaram e trouxeram muitas fotos de lembrança.
apenas um único verbo à qual se dá o nome de
oração absoluta.) Não trouxeram presentes nem fotos da última viagem.
Falou com a menina hoje cedo e percebeu que
ela estava nervosa. (nessa estrutura, há mais de
Observação:
um verbo no mesmo período; a ela se dá o nome
de período composto.) As orações sindéticas aditivas podem também estar
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

ligadas pelas locuções “não só... mas (também)”; “tan-


Em língua portuguesa, as orações podem ser subdivididas
to... como” e semelhantes. Essas estruturas costumam
em dois grupos: orações coordenadas e orações su-
ser usadas quando se pretende enfatizar o conteúdo da
bordinadas.
segunda oração. Ele não só canta, mas também (ou
a) orações coordenadas: são colocadas lado a lado na fra- como também) interpreta muito bem. Ela sabe tanto
se e não desempenham qualquer função sintática matemática como português.
como termo de outra oração. Encontram-se, portanto,
no mesmo nível sintático. Costumam ser classificadas por
b) As adversativas exprimem fatos ou conceitos que se
conta da ausência (assindéticas) ou presença (sindéticas)
opõem ao que foi declarado na oração coordenada ante-
de conectivos.
rior, estabelecendo entre elas contraste ou compensação. O
b) orações subordinadas: são orações que estabelecem mas é a conjunção adversativa mais utilizada. Além dela,
funções sintáticas em relação a outras orações (são orações empregam-se os vocábulos porém, contudo, todavia,
que dependem de outras para que ocorra a configuração entretanto e as locuções no en­tanto, não obstante e
de sentido). Dependendo da função que desempenham na nada obstante.

7
Exemplos: Exemplos:
Eles embarcariam para a Europa dentro de uma Vá com cuidado, que o caminho é perigoso.
hora, mas perderam o voo. Mudou de emprego, porque estava farto da rotina.
O cachorro não é bonito; no entanto, é simpático. Ligue para ela, pois hoje é o seu aniversário.
O problema é grave; contudo, há solução.
1.3. Orações subordinadas adjetivas
Importante Uma oração subordinada adjetiva tem valor e função
Dependendo do contexto em que for empregada, a de adjetivo, ou seja, equivale a essa classe de palavras.
conjunção “e” pode indicar ideia de adversidade. As orações adjetivas vêm introduzidas por pronome
relativo e exercem a função de adjunto adnominal do
Exemplo: antecedente.
Resolveu deitar mais cedo e não conseguiu dormir.
Exemplo:
Este é o livro que te indiquei como referência.
c) As alternativas expressam ideia de alternância de
fatos ou escolha. Regularmente é usada a conjunção ou. No exemplo apresentado, a conexão entre a oração su-
Além dela, empregam-se também os pares ora... ora; já... bordinada adjetiva e o termo da oração principal que ela
já; quer... quer e seja... seja. modifica é feita pelo pronome relativo “que”.

Exemplos:
Diga agora ou cale-se para sempre.
Atenção: apenas a segunda oração é sindética, mas am-
bas são alternativas, dada a ideia de escolha.)
Ora mostra-se alegre, ora expressa tristeza profunda. multimídia: poema
Estarei lá, quer você aceite, quer não.
Atenção: nesse último exemplo, a segunda oração fica su- O poema a seguir, de Carlos Drummond de Andrade, é
bentendida, para evitar a redundância do mesmo verbo.) constituído por meio de um encadeamento de diversas
orações adjetivas. Avalie o tipo de oração adjetiva que
d) As conclusivas exprimem conclusão ou consequên- foi usado e os sentidos que ela incorpora ao poema.
cia referentes à oração anterior. As conjunções típicas são:
logo, portanto e pois (pospostos ao verbo). Usa-se Quadrilha
ainda então, assim, por isso, por conseguinte, de
modo que, em vista disso etc. João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

que não amava ninguém.


Exemplos: João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Tenho prova amanhã, portanto não posso ir ao show. Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
A situação econômica é delicada; devemos, pois, agir que não tinha entrado na história.
com cautela.
O time jogou bem, por isso foi vencedor.
Aquela substância é toxica, logo deve ser manuseada Importante
com cuidado.
O pronome relativo “que” pode ser substituído por
e) As explicativas Indicam uma justificativa ou uma ex- suas formas com gênero (o qual, a qual, os quais, as
plicação referente ao fato expresso na declaração anterior. quais), desde que obedeça ao sistema de concordância
As conjunções que merecem destaque são: que, porque nominal com o substantivo a que se refere:
e pois (obrigatoriamente antepostos ao verbo).

8
A ausência de vírgula restringe o sentido da palavra homem,
Exemplo: designando um tipo de homem entre vários.
Refi­ro-me ao livro que é referência.
Trata-se de oração subordinada restritiva que apre-
(ou)
senta valor sintático de adjunto adnominal, uma vez que
Refiro-me ao livro o qual é referência.
qualifica o termo anterior.

1.3.1. Classificação das orações Exemplo:


subordinadas adjetivas O homem, que trabalha, é útil à sociedade.
Na relação que estabelecem com o termo que caracterizam, A presença de vírgula amplia o sentido da palavra homem,
as orações subordinadas adjetivas podem atuar de duas
que pode ser entendida como todo homem.
maneiras diferentes. Há as que restringem ou especificam o
sentido do termo a que se referem, individualizando-o. Nes- Trata-se de oração subordinada explicativa, pois acres-
sas orações, não há marcação de pausa; são as chamadas centa uma informação acessória; desempenha também va-
orações subordinadas adjetivas restritivas. lor sintático de adjunto adnominal, uma vez que qualifica o
Há também as orações que realçam um detalhe ou am- termo anterior.
plificam dados sobre o antecedente, já suficientemente Observação: A oração subordinada adjetiva explicativa é
definido; são as denominadas orações subordinadas separada da oração principal por uma pausa, que, na es-
adjetivas explicativas.
crita, é representada pela vírgula. É comum, por isso, que
a pontuação seja indicada como forma de diferenciar as
Exemplo:
orações explicativas das restritivas. De fato, as explicativas
O homem que trabalha é útil à sociedade. vêm sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não.

DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES ORAÇÕES
COORDENADAS ADJETIVAS

SINDÉTICAS ASSINDÉTICAS EXPLICATIVAS RESTRITIVAS


VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

COM CONJUNÇÕES SEM CONJUNÇÕES COM VÍRGULAS OBRIGATÓRIAS SEM VÍRGULAS


Eles desceram do carro porque Chegamos na praia, A professora, que é uma Ele é um dos poucos
o trânsito estava parado. nadamos, comemos. das mais novas da escola, diretores que é admirado
é adorada pelos alunos. pelos funcionários.

9
Substituindo a oração subordinada em destaque pelo
PERÍODO pronome “isso”, temos:

COMPOSTO: É importante isso (ou, na ordem direta: Isso é impor-


tante). Percebemos então que a função sintática do
ORAÇÕES pronome “isso” na construção é de sujeito. Vejamos
outro exemplo:
SUBORDINADAS Não sei se entregaremos a encomenda hoje.
SUBSTANTIVAS Substituindo a oração subordinada em destaque pelo
pronome “isso”, temos:
Não sei isso (o pronome “isso” completa o sentido do

LC AULAS
29 E 30
verbo “ser”). Percebemos então que a função sintáti­ca
do pronome “isso” na construção é de objeto direto.

COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
1, 6 e 8 1, 18 e 27
1.1. Classificação das orações
subordinadas substantivas
De acordo com a função que exerce no período, a oração
1. Orações subordinadas subordinada substantiva pode ser:

substantivas a) subjetiva: exerce a função sintática de sujeito do verbo


da oração principal:
A oração subordinada substantiva trata-se de uma construção
Exemplo:
com verbo que possui valor de substantivo (esta oração fica
posicionada onde, habitualmente, deveria haver um substanti- É importante que investiguemos o caso.
vo) e vem introduzida, geralmente, pelas conjunções integran- § Oração principal: É importante
tes que ou se. Sintaticamente, podem exercer a função de:
§ Oração subordinada: que investiguemos o caso. (sin-
§ sujeito taticamente exerce função de sujeito da oração principal).
§ objeto direto b) objetiva direta: exerce a função de objeto direto do
§ objeto indireto verbo da oração principal:

§ complemento nominal Exemplo:


§ predicativo do sujeito Eu percebo que ficarei com bastante sono hoje.

§ aposto § Oração principal: Eu percebo


§ Oração subordinada: que ficarei com bastante sono
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

hoje (sintaticamente exerce função de objeto direto da


Atenção oração principal).
É importante, nesse momento, que sejam recuperados c) objetiva indireta: exerce a função de objeto indireto
os conceitos de identificação de conjunções integran- do verbo da oração principal (a conjunção integrante vem
tes anteriormente aprendidos. Lembremos que, para precedida de preposição).
localizarmos uma conjunção integrante, devemos
substituir os elementos “que” ou “se” pelo pronome Exemplo:
demonstrativo “isso”. A função que couber a esse Tudo depende de que ela se esforce.
pronome indicará a função exercida pela oração.
§ Oração principal: Tudo depende
Exemplos: § Oração subordinada: de que ela se esforce. (sintatica-
É importante que chegue cedo ao atendimento. mente exerce função de objeto indireto da oração principal.)

10
d) completiva nominal: exerce a função de comple- § Oração principal: Eu espero a seguinte solução
mento nominal (complementa o sentido de um elemento
§ Oração subordinada: que religuem a energia elétri-
não-verbal que pertença à oração principal; também vem
ca da casa. (sintaticamente exerce função de aposto da
marcada por preposição).
oração principal).
Exemplo: Atenção: a oração subordinada substantiva apositiva é
Sou favorável a que o absolvam. a única que pode prescindir da conjunção integrante. Isso
§ Oração principal: Sou favorável ocorre por conta do sinal de "dois pontos" que a introduz
funcionar também, como elemento integrante.
§ Oração subordinada: a que o absolvam. (sintati-
camente exerce função de complemento nominal da
oração principal.)

Importante
Não podemos esquecer que as orações subordinadas
substantivas objetivas indiretas integram o sentido de
um verbo, enquanto as orações subordinadas subs- multimídia: música
tantivas completivas nominais integram o sentido de Fonte: Youtube
um nome. Para distinguir uma da outra, é necessário Eu sei que vou te amar – Tom Jobim
levar em conta o termo complementado.
Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
e) predicativa: exerce o papel de predicativo do sujeito do Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
verbo da oração principal e vem sempre depois do verbo “ser”.
Exemplo: E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
O grande mal é que me esqueço das coisas. Por toda minha vida
§ Oração principal: O grande mal é Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
§ Oração subordinada: que me esqueço das coisas. Mas cada volta tua há de apagar
(sintaticamente exerce função de predicativo da oração O que esta ausência tua me causou
principal.)
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
f) apositiva: exerce a função de aposto de algum termo A espera de viver ao lado teu
da oração principal. Por toda a minha vida
Na canção apresentada, de Tom Jobim, vemos que o
Exemplo: autor mobiliza orações substantivas na composição de
Eu espero a seguinte solução: que religuem a certos versos, como “Eu sei que vou te amar”.
energia elétrica em casa.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

DIAGRAMA DE IDEIAS

ORAÇÕES
SUBSTANTIVAS

POSSUEM VALOR DE SUBSTANTIVO


SÃO INTRODUZIDAS POR CONJUNÇÃO INTEGRANTE
Eu desejo que eles sejam felizes.
oração substantiva objetiva direta

11
§ Oração subordinada: Como ninguém se interessou
pelo projeto (assume valor de adjunto adverbial de cau-
PERÍODO sa, uma vez que provoca um determinado fato, ao mo-
tivo do que se declara na oração principal.)
COMPOSTO: b) consequência
ORAÇÕES Exemplo:
SUBORDINADAS Sua fome era tanta que comeu com casca e tudo.

ADVERBIAIS § Oração principal: Sua fome era tanta


§ Oração subordinada: que comeu com casca e tudo
(assume valor de adjunto adverbial de consequência,

LC AULAS uma vez que declara o efeito na oração principal.)

31 E 32 c) condição
Exemplo:
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
1, 6 e 8 1, 18 e 27 Se o torneio for bem estruturado, todos sairão
ganhando.
§ Oração principal: todos sairão ganhando.

1. Orações subordinadas § Oração subordinada: Se o torneio for bem estrutura-


do (assume valor de adjunto adverbial de condição, uma
adverbiais vez que a oração subordinada impõe-se como necessária
Uma oração subordinada adverbial exerce a função de ad- para a realização ou não de um fato sobre a principal.)
junto adverbial do verbo da oração principal. Dessa forma, d) concessão
pode exprimir circunstância de tempo, modo, fim, causa,
condição, etc. Classifica-se de acordo com a conjunção ou Exemplo:
locução conjuntiva que a introduz. Embora não goste de cogumelos, irei provar
o prato.
Exemplo:
§ Oração principal: irei provar o prato
Quando vi a pintura do artista, senti uma das maio-
res emoções de minha vida. § Oração subordinada: Embora não goste de cogu-
A primeira oração, “Quando vi a pintura do artista”, atua melos (assume valor de adjunto adverbial de conces-
como um adjunto adverbial de tempo, que modifica a for- são, uma vez que admite uma ideia de cessão a algum
ma verbal “senti”. fato, ou mesmo anormalidade em relação a esse fato).

Trata-se de uma oração subordinada adverbial tempo- e) comparação


ral, uma vez que indica uma circunstância temporal acresci- Exemplo:
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

da ao verbo da segunda oração. É importante lembrar que a


classificação das orações subordinadas adverbiais é feita do Andava rápido como um foguete.
mesmo modo que a classificação dos adjuntos adverbiais (e § Oração principal: Andava rápido
no sentido das conjunções que introduzem a oração).
§ Oração subordinada: como um foguete (assume va-
A seguir, temos as circunstâncias expressas pelas orações lor de adjunto adverbial de comparação, uma vez que
subordinadas adverbiais: estabelece uma comparação com a ação indicada pelo
a) causa verbo da oração principal).

Exemplo: f) conformidade

Como ninguém se interessou pelo projeto, não


Exemplo:
houve alternativa a não ser cancelá-lo.
Fez o bolo conforme a receita.
§ Oração principal: não houve alternativa a não ser
cancelá-lo. § Oração principal: Fez o bolo

12
§ Oração subordinada: conforme a receita (assume va- § Oração principal: traga-me um presente.
lor de adjunto adverbial de conformidade, pois exprime
§ Oração subordinada: Quando você for a Londres
uma regra, um modelo adotado para a execução do que
(assume valor de adjunto adverbial temporal, uma vez
se declara na oração principal).
que acrescenta uma ideia de tempo ao fato expresso
g) finalidade na oração principal, podendo exprimir noções de simul-
taneidade, anterioridade ou posterioridade).
Exemplo:
Li o manual a fim de aprender mais sobre como Importante
usar o produto.
Não confundir as orações coordenadas explicativas
§ Oração principal: Li o manual com as subordinadas adverbiais causais. As orações
§ Oração subordinada: a fim de aprender mais sobre coordenadas explicativas caracterizam-se por forne-
como usar o produto (assume valor de adjunto adver- cer um motivo que explica a oração anterior.
bial final, pois expressa a intenção, a finalidade daquilo
que se declara na oração principal). Exemplo:
h) proporção A criança devia estar doente, porque chora-
va muito. (o choro da criança poderia não ser
Exemplo: a causa de sua doença.)

Viaja ao exterior à medida que a empresa soli- As orações subordinadas adverbiais causais expri-
cita seu trabalho. mem a causa do fato.

§ Oração principal: Viaja ao exterior


Exemplo:
§ Oração subordinada: à medida que a empresa so-
Ele está triste porque perdeu seu emprego.
licita seu trabalho (assume valor de adjunto adverbial
(a perda do emprego é a causa da tristeza dele.)
proporcional, pois exprime ideia de proporção, ou seja,
um fato simultâneo ao expresso na oração principal). § Observe também que há pausa – vírgula, na escrita
– entre a oração explicativa e a precedente e que ele
i) tempo trabalha com sistemas imperativos (verbos no impe-
rativo) ou hipotéticos (marcadores de dúvida como
Exemplo: “talvez”, verbo “dever”).
Quando você for a Londres, traga-me um presente.

DIAGRAMA DE IDEIAS
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

ORAÇÕES
ADVERBIAIS

POSSUEM VALOR DE ADVÉRBIO OU ADJUNTO ADVERBIAL E SÃO INTRODUZIDAS POR CONJUNÇÃO SUBORDINATIVAS
A questão era tão difícil que ele não conseguiu resolver.
oração adverbial consecutiva

13
c) Nas orações em que existam pronomes indefinidos ou
advérbios, sem marcas de pausa.

Exemplos:

COLOCAÇÃO Tudo me irrita nessa cidade. (pronome indefinido)


Hoje se vive melhor no Brasil. (advérbio)
PRONOMINAL
Observação: caso tenhamos marcas de pausa depois do
advérbio, emprega-se ênclise.

Exemplo: Hoje, vive-se melhor no Brasil. (advérbio)

LC AULAS
33 E 34
d) Nas orações iniciadas por pronomes ou advérbios de
tipo interrogativo.

COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s) Exemplos:


1e8 1 e 27
Quem te chamou até aqui? (pronome interrogativo)
Por que o convidaram? (advérbio interrogativo)

1. Sintaxe de colocação e) Com gerúndio precedido de preposição “em”.

A colocação de pronomes oblíquos átonos em português Exemplo:


pode ser realizada em três posições, obedecendo a regras Em se tratando de pesquisas, melhor utilizar a
e condições específicas. Essas três posições são a próclise, biblioteca.
a mesóclise e a ênclise.
f) Nas orações introduzidas por pronomes relativos.
1.1. Próclise
Exemplos:
Temos próclise quando o pronome surge antes do verbo.
Suas condições de colocação são: Foi aquele rapaz quem me pediu para falar com você.
Há situações que nos constrangem.
a) Nas orações que contenham uma palavra ou expressão Essa foi a festa onde te conheci.
de valor negativo.
g) Com a palavra “só” (no sentido de “apenas” ou
Exemplos: “somente”) e com as conjunções coordenativas al-
Ninguém me ajuda. ternativas.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Não me fale de problemas hoje. Exemplos:


Nunca se esqueça do que lhe disse Só se lembram dos pais quando precisam de
dinheiro.
b) Nas conjunções subordinativas: Ou vai embora, ou se prepare para a bronca.

Exemplos: h) Nas orações iniciadas por palavras exclamativas e nas


optativas (que exprimem desejo).
Voltarei a fazer contato se me interessar.
Ela não quis jantar, embora lhe servissem o me- Exemplos:
lhor prato.
Deus o ilumine! (oração optativa)
É necessário que o vendamos por um bom preço. Como te admiro! (oração exclamativa)

14
b) A mesóclise é uso exclusivo da língua culta e da mo-
dalidade literária. Não a encontramos na comunicação
oral mais básica.
c) Com esses tempos verbais (futuro do presente e futu-
ro do pretérito) jamais ocorrerá a ênclise.
multimídia: poesia
1.3. Ênclise
Pronominais
Temos ênclise quando o pronome surge depois do verbo.
Dê-me um cigarro Seu emprego obedece às seguintes regras:
Diz a gramática
Do professor e do aluno a) Nos períodos iniciados por verbos (desde que não este-
E do mulato sabido jam no tempo futuro), pois, segundo a gramática normati-
Mas o bom negro e o bom branco va, não podemos iniciar frases com pronome oblíquo.
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada Exemplos:
Me dá um cigarro Fale-me o que está acontecendo.
(Oswald de Andrade)
Compravam-se muitos produtos antes da crise.
O poema de Oswald de Andrade, publicado no início
do século, coloca em cena a discussão a respeito dos b) Nas orações imperativas afirmativas.
usos linguísticos coloquiais e não-coloquiais que faze-
mos dos pronomes oblíquos. É importante perceber que
Exemplos:
esse assunto ultrapassa o campo linguístico e literário e
problematiza o que seriam as possíveis relações entre Ligue para seu primo e avise-o do horário
uma cultura fundamentalmente brasileira e os dados
Ei, ajude-me com essa receita!
culturais aqui inseridos pelo colonizador português.
c) Nas orações reduzidas de infinitivo.

1.2. Mesóclise Exemplos:


Temos mesóclise quando o verbo estiver em algum dos
Convém dar-lhe um pouco mais de tempo.
tempos futuros do indicativo (futuro do presente ou futu-
ro do pretérito), desde que não existam condições para a Espero enviar-lhe isto até amanhã cedo.
próclise. O pronome é colocado no meio do verbo.
d) Nas orações reduzidas de gerúndio (desde que não ve-
Exemplos: nham precedidas de preposição “em”).
Comprar-lhe-ei umas roupas novas. (compra-
Exemplos:
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

rei + lhe)
Encontrar-me-iam se realmente quisessem. (en- A mãe adotiva ajudou a criança, dando-lhe cari-
contrar + me) nho e proteção.
Ele se desesperou, deixando-se levar pela situação.
Observações:
Observação: Se o verbo não estiver no início da frase, nem
a) Havendo condições para a próclise, esta prevalece conjugado nos tempos Futuro do Presente ou Futuro do
sobre a mesóclise: Pretérito, é possível usar tanto a próclise como a ênclise.
Exemplo:
Exemplos:
Sempre lhe contarei os meus segredos. (O ad-
vérbio “sempre” exige o uso de próclise.) Eu me encontrei com ela.
Eu encontrei-me com ela.

15
multimídia: site

No artigo apresentado, o Linguista Marcos Bagno nos


apresenta uma visão histórica e crítica a respeito dos
motivos que obrigariam os brasileiros a utilizarem, ain-
da, em textos normativos, os parâmetros de colocação
pronominal fundados no português europeu.

DIAGRAMA DE IDEIAS

SINTAXE DE
COLOCAÇÃO

PRÓCLISE MESÓCLISE ÊNCLISE

PRONOME OBLÍQUO PRONOME OBLÍQUO PRONOME OBLÍQUO É


ANTECEDE O VERBO. É COLOCADO NO IN- COLOCADO APÓS O VERBO.
Não me desrespeite! TERIOR DO VERBO. Deixe-me em paz!
Far-me-ia um favor?
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

16
ENTRE
LETRAS

4
LINGUAGENS
CÓDIGOS
INTERPRETAÇÃO
DE TEXTOS
e suas tecnologias

TEORiA
DE AULA
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

O Enem é conhecido por ser essencial- A interpretação de textos acontece de


mente interpretativo. Os temas presen- forma mais prática, muitas vezes ligada
tes neste livro servirão, portanto, como aos textos literários. Por isso, este livro
conhecimento crucial às resoluções das traz aulas sobre como realizar a interpre-
questões. tação de textos em versos.

Por ser um vestibular crítico, a ideia de Boa parte das questões da frente de lin- A prova conduz a interpretação de
interpretação acontece, sobretudo, pela guagem diz respeito à interpretação. Re- textos em paralelo aos textos literários,
habilidade compreensiva do candidato. conhecer textos não verbais e ser capaz majoritariamente. Compreender e inter-
Interpretar textos em versos poderá ser de amplificar os seus diálogos com as pretar corretamente textos em versos
uma ferramenta eficaz no trato com os áreas artísticas será uma habilidade útil. será um diferencial.
textos literários.

Dentre as habilidades pedagógicas, a A interpretação de textos pode ser a É uma prova de conceitos. A inter- De forma geral, a prova equilibra bem as
prova costuma trabalhar, em suas ques- chave para um bom resultado. Saber ler pretação de textos ocorre de maneira frentes da área de Português, de modo
tões, a aplicação. Assim, relacionar rapi- um texto em verso será de grande ajuda. direcionada, por isso, saber reconhecer, que as questões de interpretação se
damente textos não verbais a elementos de forma rápida e eficaz, os elementos tornam bastante direcionadas. Conhecer
artísticos pode ser uma forma de avaliar artísticos de um texto não verbal será os conceitos por trás da produção dos
a capacidade interpretativa do aluno. uma ferramenta extra. textos em versos ajudará o candidato a
interpretá-los.

UFMG
A prova alinha a interpretação de textos O exame é objetivo e exige uma capaci-
A habilidade interpretativa trabalha com
às obras literárias que costuma exigir na dade leitora fundamental, que demons-
questões que exigirão do candidato uma
sua lista obrigatória. Por isso, este livro tre aptidão em reconhecer, em textos
leitura cuidadosa. Desse modo, com-
traz duas aulas sobre como interpretar não verbais, os elementos artísticos que
preender que textos em verso têm suas
textos em versos, para que o candidato os compõem. Saber estruturar um texto
peculiaridades, bem como os textos não
possa dominar todo e qualquer tipo de em verso pode ser um diferencial na
verbais, será um diferencial.
texto literário. hora de resolver as questões.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

De caráter mais material, trabalha com Perceber que essa frente se alinha às A interpretação de textos é a chave para
questões interpretativas que exigem frentes de Gramática e Literatura é resolução da grande maioria das ques-
um senso crítico apurado. Por isso, seja um excelente primeiro passo. Por isso, tões da prova. Manter-se alerta para
diante do texto em verso ou do texto compreender os recursos artísticos dos questões que trabalhem com textos em
não verbal, ter em mãos as ferramentas textos não verbais e em versos será de versos será muito importante.
necessárias para a interpretação será um grande ajuda ao candidato.
primeiro passo essencial.

18
(No centro da Praça o busto de D. Pedro escuta.)
Batuta pra esquerda: relincham clarins,
requintas, tintins e as vozes meninas da banda do 20.
Batuta à direita: de novo os trombones
e as trompas soluçam. E os bombos e as caixas: ban-ban!
TEXTOS EM Vêm logo operários, meninas, cafuzas,
mulatos, portugas, vem tudo pra ali.
VERSO I Vem tudo, parecem formigas de asas
Rodando, rodando em torno da luz.
Nos bancos da Praça conversas acesas,
apertos, beijocas, talvezes.
D. Pedro II espia do alto.
(As barbas tão alvas

LC AULA tão alvas nem sei!)

14 E os pares passeiam,
parece que dançam,
que dançam ciranda,
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
em torno do Rei.
5 15, 16 e 17
(Jorge de Lima. Poemas negros. Cosac Naify, página 41, 2014).

§ Verso: entende-se por verso uma sucessão ou sequência


de sílabas que mantém determinada unidade rítmica
1. Textos em verso e melódica em um poema, correspondendo, habitual-
mente, a uma linha do poema. No poema apresentado,
Muitos vestibulares, atualmente, fazem uso dos gêneros lite-
cada linha do poema corresponde a 1(um) verso, então
rários para construir questões de interpretação de textos. Ou temos um total de 21 versos.
seja, as questões não abordam necessariamente um conhe-
cimento profundo sobre a obra (seu enredo), mas exigem do § Estrofe: entende-se por estrofe um agrupamento
candidato um trabalho mais acurado com as questões es- de versos realizado pelo autor do poema. Os agrupa-
truturais e também com a compreensão do conteúdo de al- mentos podem variar bastante, de acordo com a for-
gum poema ou trecho de livro. Nessa primeira aula, daremos ma do poema (forma fixa ou forma livre). Por exem-
plo, no poema de Jorge de Lima que foi apresentado,
ênfase às características dos textos em verso (os poemas).
opta-se por uma forma mais livre, com agrupamentos
variados. Temos na abertura duas estrofes de 3 versos
1.1. O poema (conhecidas como tercetos), seguidas por uma de 6
O poema é um gênero textual de cunho bastante subjeti- versos (sexteto). Em seguida, temos um agrupamento
vo, que se constrói não apenas com ideias ou sentimentos, com 2 versos (chamado dístico), seguido de outro de
mas que articula combinações de palavras que, na maioria 3 (mais um terceto). O poema é finalizado com um
dos casos, constituem sentidos variados. Essas combina- grupo de 4 versos (quarteto).
ções de palavras costumam ser distribuídas em um “cor-
po” bastante complexo, dotado de vários elementos que 1.1.1. Formas fixas
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

conheceremos mais adiante, como o verso, a estrofe (ele-


São conhecidos como formas fixas aqueles poemas que
mentos estruturais), a rima, o ritmo (elementos sonoros), apresentam um padrão predeterminado em sua constru-
entre outros. O jogo de palavras realizado nos poemas (de ção. Existem vários tipos de forma fixa, como o vilance-
fortes marcas conotativas), muitas vezes, imprime dificul- te (um terceto mais dois outros tipos de estrofe à escolha
dades de interpretação. Vejamos os elementos do poema: do poeta), o haicai (poema de origem japonesa que se
a) O verso e a estrofe constrói com três versos e um número predeterminado de
sílabas) ou as redondilhas (formas fixas de 5 ou 7 versos).
Para entendermos com mais precisão o que são esses dois
A mais tradicional dessas formas é o soneto. Ele possui
elementos, vejamos o poema a seguir, do escritor Jorge Lima:
uma forma estruturada a partir do agrupamento de duas
Retreta do Vinte estrofes de 4 versos (dois quartetos) e outras duas de 3 ver-
O cabo mulato balança a batuta, sos (dois tercetos), totalizando 14 versos. Em sua composi-
meneia a cabeça, acorda com a vista ção, costuma ser desenvolvida uma ideia ou discussão que
os bombos, as caixas, os baixos e as trompas. perpassa os 13 primeiros versos e encontra sua resolução/

19
fecho no último verso. Vejamos um exemplo de soneto, de cerrada na última sílaba tônica da última palavra do verso (a
Carlos Drummond de Andrade: palavra “futuro” é paroxítona; sua tônica é a sílaba “-tu”).
Já no segundo verso encontramos outra regra que deve ser
Oficina Irritada
obedecida (sublinhada no verso): a junção da vogal final de
Eu quero compor um soneto duro uma palavra com a vogal inicial de outra (des-per-te em).
como poeta algum ousara escrever.
Também é um verso decassílabo. De acordo com a variabili-
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler. dade de sílabas poéticas, as estrofes terão nomes diferentes:
Quero que meu soneto, no futuro, § 5 sílabas poéticas: pentassílabo ou redondilha menor
não desperte em ninguém nenhum prazer. § 6 sílabas poéticas: hexassílabo
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser. § 7 sílabas poéticas: heptassílabo ou redondilha maior

Esse meu verbo antipático e impuro


§ 8 sílabas poéticas: octossílabo
há de pungir, há de fazer sofrer, § 9 sílabas poéticas: eneassílabo
tendão de Vênus sob o pedicuro. § 10 sílabas poéticas: decassílabo
Ninguém o lembrará: tiro no muro, § 11 sílabas poéticas: endecassílabo
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender. § 12 sílabas poéticas: dodecassílabos ou alexandrinos
O processo de contagem e separação de sílabas poéticas re-
Temos aí um soneto de estilo clássico, que além de apresen-
cebe o nome de escansão.
tar o agrupamento de estrofes que comentamos (dois quar-
tetos e dois tercetos), apresenta elementos de métrica e rima
bastante determinados. Aliás, é importante nesse momento
2.2. Ritmo
conhecermos um pouco melhor esses outros elementos. O ritmo corresponde a uma “melodia” que se cria no cor-
po do poema por conta da acentuação de certas sílabas
que há nos versos. Usando novamente os versos acima
2. Elementos estruturais apresentados, podemos perceber que há um conjunto de

do poema sílabas mais fortes nas mesmas posições de cada verso (no
caso, a sexta e a décima são as mais fortes). Esse padrão
cria um ritmo que dá certa musicalidade ao poema, quan-
2.1. Métrica do este é recitado.
A métrica é a medida dos versos, ou, em termos mais cla- Que/ ro/ que/ meu/ so/ ne/ to,/ no/ fu/ tu/ ro,
ros, a quantidade de sílabas de cada linha que compõe o 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

poema. No entanto, a contagem de sílabas poéticas


não/ des/ per/ te em/nin/ guém/ ne,/ nhum/ pra/zer
segue um padrão diferente da separação de síla- 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
bas tradicional. Na contagem de sílabas poéticas deve-
mos proceder da seguinte maneira:
2.3. Rima
§ Contam-se as sílabas como numa separação silábica ha-
A rima é um recurso sonoro que também atribui musicali-
bitual, mas realizando a junção da vogal final + vogal
dade ao poema. Constrói-se a partir da semelhança sonora
inicial de palavras que estão em fronteira de sílaba (des-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

de palavras no final de versos. Novamente:


de que, pelo menos uma delas seja átona).
Eu quero compor um soneto duro
§ A contagem deve ser encerrada na última sílaba tônica
como poeta algum ousara escrever.
da palavra que encerra o verso. Eu quero pintar um soneto escuro,
Vejamos um exemplo com os dois primeiros versos da segunda seco, abafado, difícil de ler.
estrofe do poema de Carlos Drummond que foi apresentado: Quero que meu soneto, no futuro,
Que/ ro/ que/ meu/ so/ ne/ to,/ no/ fu/ tu/ ro, não desperte em ninguém nenhum prazer.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
não/ des/ per/ te em/nin/ guém/ ne,/ nhum/ pra/zer Destacamos o sistema de rimas do poema de Drummond.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Fica evidente que é um esquema de rimas em que os versos
Pode-se notar que o primeiro verso que escolhemos é um se alternam “-uro” e “-er”. Essa sequência de versos alter-
decassílabo perfeito. A contagem, como dito, deve ser en- nados também garante musicalidade ao poema.

20
3. Versos brancos
São chamados de versos brancos aqueles quem sistema mé-
trico organizado, mas não apresentam nenhum tipo de rima.
Exemplo
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Carlos Drummond de Andrade - Elefante (fragmento)

Se fizermos a escansão dos versos que compõem esse po-


ema de Carlos Drummond de Andrade, veremos que todos
– sem exceção – apresentam 6 sílabas poéticas (são he-
xassílabos). Também é possível notar que não há esquema
de rimas entre os versos. Quando temos esses dois fenô-
menos em um mesmo poema, dizemos que ele é formado
por versos brancos.

VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

21
b) Rima rica: quando as rimas são feitas com palavras
pertencentes a classes gramaticais diferentes
§ altar (substantivo) / mudar (verbo)
§ contente (adjetivo) / certamente (advérbio)

TEXTOS EM Exemplo:

VERSO II Aqui outrora retumbaram hinos;


Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos...
(Raimundo Correia)

c) Rima rara ou preciosa: quando as palavras que ri-


mam possuem terminações pouco comuns ou combina-

LC AULA
15
ções entre classes fechadas e verbos pronominalizados
§ Elêusis (substantivo que dá nome à cidade grega /
deuses (substantivo comum)
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
§ cabelo (substantivo comum) / fazê-lo (verbo prono-
1, 4 e 5 1, 2, 15, 16 e 17
minalizado)

Exemplo:
Por que ninguém me deu um aviso?
1. Estrutura dos textos em Pra quê que serve essa porra de bip?
Assim não dá. Que falta de juízo,
verso (aprofundamento) de... de... sei lá! Eu lá em Arembipe
(Paulo Henriques Britto)
O objetivo dessa segunda parte da aula é fornecer um
aprofundamento a respeito das teorias sobre a formação 1.1.2. Classificação por tonicidade
estrutural dos textos em verso.
Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste-
mas rímicos a partir de variações entre as tonicidades das
1.1. Tipos de rimas palavras que fecham o verso.
Na aula anterior, vimos o conceito geral de rima. a) Rima aguda (masculina): quando as rimas são feitas
Agora veremos seus detalhamentos. As rimas podem com palavras oxítonas ou monossílabos
ser classificadas de acordo com o valor, a tonicidade,
§ per-der / per-cor-rer (oxítonas)
a correspondência fonética e posição no texto. Veja-
mos os tipos: § mun-da-réu / céu (oxítona + monossílabo)

Exemplo:
1.1.1. Classificação por valor Um sussurro também, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste- De alguns, talvez, ainda, os ecos falarão.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

mas rímicos a partir de variações entre classes gramati- E em seu surto, a buscar eternamente o belo,
cais ou combinações inusitadas de palavras. misturado à voz das monjas do Carmelo,
subirão até Deus nas asas da oração.
a) Rima pobre: quando as rimas são feitas com palavras
(Alberto de Oliveira)
pertencentes a mesma classe gramatical
b) Rima grave (feminina): quando as rimas são feitas
§ amor / dor (substantivos) com palavras paroxítonas
§ correr / perder (verbos) § gar-ra-fa / es-ta-fa (paroxítonas)

Exemplo: Exemplo:
De repente do riso fez-se o pranto Foste o beijo melhor da minha vida,
Silencioso e branco como a bruma ou talvez o pior... Glória e tormento,
E das bocas unidas fez-se a espuma contigo à luz subi do firmamento,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto. contigo fui pela infernal descida!
(Vinícius de Moraes) (Olavo Bilac)

22
c) Rima esdrúxula: quando as rimas são feitas com pa- b) Rima interna: as coincidências sonoras aparecem no
lavras proparoxítonas interior de um único versos, geralmente entre palavras que
§ es-tá-ti-co / a-pá-ti-co (proparoxítonas) estão no meio e no fim desse verso (é um tipo menos co-
mum de rima, encontrado geralmente em poemas de ma-
Exemplo: triz oriental, chamados de haicai).
Começou de súbito Exemplo:
A festa estava mesmo ótima
Ela procurava um príncipe Rosa (que exibida!)
Ele procurava a próxima que posa assim toda prosa
é prova de vida.
(Samuel Rosa / Rodrigo Fabiano Leão)
(Guilherme de Almeida)

1.1.3. Classificação por correspondência fonética 1.1.5. Classificação pela


Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste- organização dentro da estrofe
mas rímicos a partir de equalizações / coincidências sono- Na aula anterior, vimos também o conceito geral de estrofe.
ras entre as palavras que encerram os versos. Agora veremos sua classificação a partir do modo como as
a) Rima perfeita (consoante): há correspondência total de rimas são organizadas pelo poeta.
sons, havendo repetição tanto dos sons vocálicos como dos a) Rimas alternadas (ou cruzadas): as rimas organi-
sons consonantais (a partir da última vogal tônica do verso) zam-se alternadamente, seguindo o esquema ABAB.
(A) - Senhora, partem tão tristes
Exemplo: (B) - meus olhos por vós, meu bem,
Destes penhascos fez na natureza (A) - que nunca tão tristes vistes
O berço em que nasci: Oh! quem cuidara, (B) - outros nenhuns por ninguém.
Que entre penhas tão duras se criara (João Roiz de Castel-Branco)
Uma alma terna, um peito sem dureza! b) Rimas emparelhadas (ou paralelas): as rimas orga-
(Cláudio Manuel da Costa)
nizam-se em duplicatas, seguindo o esquema AABB.
b) Rima imperfeita: há correspondência parcial de sons, (A) - Vagueio campos noturnos
podendo ser as vogais tônicas ou átonas ao final dos ver- (A) - Muros soturnos
sos (rimas toantes/assonantes); ou apenas as consoantes (B) - Paredes de solidão
(rimas aliterantes) (B) - Sufocam minha canção.
(Ferreira Gullar)

Exemplo: c) Rimas interpoladas (ou intercaladas): as rimas


O cristal do Tejo Anarda organizam-se em sistemas de oposição, seguindo o es-
Em ditosa barca sulca; quema ABBA.
Qual perla, Anarda se alinda,
Qual concha, a barca se encurva. (A) - Busque Amor novas artes, novo engenho
(B) - para matar-me, e novas esquivanças;
(Botelho de Oliveira)
(B) - que não pode tirar-me as esperanças,
(A) - que mal me tirará o que não tenho.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

1.1.4. Classificação por posicionamento da rima (Camões)


Ela envolve a capacidade do poeta em estabelecer siste- d) Rimas encadeadas: as rimas correm entre palavras que
mas rímicos ao final dos versos (algo mais comum) ou em estão no fim de um verso e no início ou meio do outro.
seu interior (algo mais raro).
Salve Bandeira do Brasil querida
a) Rima externa: as coincidências sonoras aparecem no Toda tecida de esperança e luz
final dos versos (é o tipo mais tradicional de rima Pálio sagrado sobre o qual palpita
A alma bendita do país da Cruz”
Exemplo: (Francisco de Aquino Correia)

O poeta é um fingidor. e) Continuadas: o esquema rímico segue de modo contí-


Finge tão completamente nuo por todo o poema.
Que chega a fingir que é dor
(A) - Já se viam chegados junto à terra
A dor que deveras sente.
(B) - que desejada já de tantos fora,
(Fernando Pessoa)
(A) - que entre as correntes Índicas se encerra

23
(B) - e o Ganges, que no céu terreno mora.
(A) - Ora sus, gente forte, que na guerra 3. As relações entre forma
(B) - quereis levar a palma vencedora:
(A) - Já sois chegados, já tendes diante e conteúdo no poema
(B) - a terra de riquezas abundante! É muito importante para um bom desempenho nas provas
(Camões) de vestibular que os alunos entendam que o conteúdo de
f) Rimas mistas (ou misturadas): as rimas existem, mas um poema (seu assunto) muitas vezes dialoga com sua for-
apresentam combinações variadas ao longo do poema (ri- ma (estrutura de versos). Vejamos exemplos.
mando em alguns pontos e não rimando em outros) RÁPIDO E RASTEIRO
Os navios existem, e existe o teu rosto vai ter uma festa
encostado ao rosto dos navios. que eu vou dançar
Sem nenhum destino flutuam nas cidades, até o sapato pedir pra parar.
partem no vento, regressam nos rios. aí eu paro, tiro o sapato
e danço o resto da vida
As palavras que te envio são interditas (Chacal)
até, meu amor, pelo halo das searas
se alguma regressasse, nem já reconhecia Nesse poema, do poeta carioca Chacal, ele fala sobre uma
o teu nome nas suas curvas claras. experiência de dançar indefinidamente. Esse seria o conte-
(Eugénio de Andrade)
údo (assunto) do poema. Conseguimos perceber que a for-
ma (estrutura) espalha os versos pela página, para a direita
2. Cavalgamento (enjambement) e para a esquerda, como se estivessem dançando. Vemos
então que o conteúdo dialoga com a forma.
O cavalgamento (mais conhecido pela palavra francesa
DA SUA MEMÓRIA
“enjambement”) consiste em um processo poético de pôr
no verso seguinte uma ou mais palavras que completem o mil
sentido do verso anterior. e
mui
Trata-se de um recurso que atende a algumas estratégias tos
semânticas do poema, como out
ros
§ criar expectativa em relação à conclusão de uma ideia ros
§ chamar a atenção para alguma palavra / complemento tos
que surgirá no verso seguinte sol
tos
§ ampliar as possibilidades interpretativas de um verso pou
coa
Exemplos: pou
Debaixo dos pés duros dos ardentes coa
Cavalos treme a terra, os vales soam pag
(Camões) amo
meu
Nesse exemplo, de Camões, vemos que a palavra “cavalo” (Arnaldo Antunes)
chama a atenção por não estar na sequência natural da sen-
Nesse poema, de Arnaldo Antunes, vemos que o assun-
tença, antes do adjetivo (...pés duros dos cavalos ardentes...)
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

to (se lermos as palavras fragmentadas na sequência,


Que Neruda me dê sua gravata encontraremos um período com sentido) é sobre vários
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski. rostos que vão, aos poucos, aparecendo na mente do eu
(Carlos Drummond de Andrade) lírico, e que vão apagando o seu próprio rosto. Em suma,
Nesse exemplo, de Drummond, a qualificação da “gra- o poema tem como conteúdo (assunto) o estreitamento
vata” só surge no verso seguinte, encerrando o período das lembranças de si próprio (por conta de pensar mui-
e chamando a atenção do leitor para essa informação. to nos outros rostos). Para representar isso na forma, o
autor faz justamente um estreitamento na estrutura do
A voz é dela, embora me pertença
a música. E mais a mão que a toca. poema, por meio da fragmentação das palavras. Desse
(Paulo Henriques Britto) modo, se o poema discute estreitamento de lembranças,
ele terá um formato estreito.
Nesse exemplo, de Paulo Henriques Britto, a quebra do ver-
so entre “pertença” e “a música” nos permite duas leituras
do verso (1. A voz é dela, embora me pertença / 2. A voz é
dela embora me pertença a música).

24
envolviam, caça, pesca e outros tipos de contatos com
animais. Por esse motivo, os estudiosos ressaltam que
LEITURA DE são pinturas pautadas pela técnica do naturalismo,
que consiste na tentativa de registrar fielmente (realísti-
IMAGENS I: camente) aquilo que se vê.

ARTE RUPESTRE E As pinturas rupestres também foram encontradas no


Brasil, especialmente na região de São Raimundo Nona-
ARTE DA to, no Piauí e também nas regiões da Chapada Diaman-
tina e Gruta do Sol, na Bahia. Elas apresentam motivos
ANTIGUIDADE naturalistas (humanos e animais em cenas de caça)
ou motivos geométricos (círculos, cruzes e espirais).

LC AULA
16
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
1e4 1, 12, 13 e 14

Artista desconhecido – Pintura rupestre de Altamira (c.15000 a.C.)

1. Leitura de imagens I
1.1. Introdução
Os estudos dessa aula abordarão especificamente expres-
sões artísticas que englobarão um arco que vai da pré-his-
tória (arte rupestre) até o que foi produzido pelos povos
antigos do Egito, da Grécia e de Roma (período conhecido
como Arte da Antiguidade).

1.2. A arte rupestre


O termo “arte rupestre” é usado para descrever a prática Artista desconhecido – Pintura rupestre de Ubirr (c.40000 a.C.)
que os povos antigos tinham de pintar e entalhar rochas,
além de empilhar pedras para formar grandes desenhos
no chão. São trabalhos oriundos do Paleolítico Superior e
do Neolítico. Os mais antigos de que se tem registro estão
na caverna Blombos, na África do Sul. Estima-se que foram
feitas há 77 mil anos.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Há algumas dessas expressões artísticas que se tornaram


mais famosas, especialmente por conta da qualidade do
registro, como é o caso das pinturas rupestres de Ubirr, na Artista desconhecido – Pintura rupestre de Ubirr (c.40000 a.C.)
Austrália; as da caverna de Altamira, na Espanha; ou as
do complexo de Lascaux, na França. Todas elas apresen-
tam grande qualidade artística na represen­tação de figuras
humanas ou animais, dispostas de maneira que tirassem
maior proveito dos contornos das paredes das cavernas
(chegando a transmitir sensações tridimensionais, como as
da caverna de Altamira).
É necessário que entendamos que os registros rupes-
tres nos revelam dados materiais da vivência de povos Artista desconhecido – Pintura rupestre da
muito antigos, especialmente nas suas relações que Gruta do Sol (c.40000 a.C.)

25
1.3. Arte egípcia de frente para o espectador, enquanto a cabeça e as pernas
eram vistas de perfil.
Engloba o período que vai de 2649 a.C. e 1070 a.C, e
apresenta uma notável variedade de expressões artísticas, De acordo com estudiosos, como a arte egípcia estava
como pinturas (em afrescos e papiros), esculturas, cerâmi- intimamente ligada a experiências dinásticas e religiosas
cas e obras arquitetônicas. Importante salientar que, nesse (mesmo as relações de trabalho, como a que é vista na
período, não havia ainda a distinção entre “arte” e “arte- imagem, estavam conectadas à ideia de servir ao faraó), as
sanato”, que aparecerá no Renascimento. imagens não deveriam representar as individualidades (a
criatividade) do artista. As pinturas também não deveriam
Suas obras, em geral, retratavam doutrinas políticas, sociais ter um caráter altamente naturalista (o observador não
e espirituais, com função dinástica, religiosa e cultural. Ape- deve confundir uma pintura com o indivíduo), ela deveria
sar de existirem alguns sistemas de regras para produção ser explicitamente representativa.
artística, nota-se grande criatividade no desenvolvimento
de certas obras.
1.3.2. Escultura
É muito importante conhecermos as bases artísticas egíp-
A escultura egípcia foi trabalhada de maneira bastante
cias, pois elas serão altamente influentes para as produ-
detalhista e naturalista, diferente da pintura. Era comum
ções artísticas gregas e romanas em momento posterior.
que se encomendassem esculturas que reproduzissem não
apenas os dados físicos do indivíduo (por exemplo, fisiono-
1.3.1. Pintura mia e traços raciais), mas também traços de sua condição
A arte pictórica egípcia, apesar de não apresentar sistemas social. Vejamos a imagem a seguir:
adequados de proporcionalidade (diferença ideal de altura/
largura entre figuras humanas ou mesmo entre humanos
e animais), ou sistema de perspectiva (recurso gráfico que
utiliza o efeito visual de linhas convergentes para criar a ilu-
são de tridimensionalidade do espaço e das formas), traba-
lhava com a peculiar “regra da frontalidade”, que veremos
detalhada na imagem a seguir. A pintura se concentrava
em papiros funerários e afrescos realizados, em geral, no
interior de construções como pirâmides.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Artista desconhecido – Inspecionando os campos


para Nebamun (1350 a.C.) - Afresco. Artista desconhecido – Escriba sentado (2500 a.C.)

A pintura acima é um afresco (aplicação de tintura sobre Trata-se de uma das esculturas mais impressionantes da
estrutura previamente preparada com pedra ou gesso) que arte egípcia. Talhada em calcário fino, conserva até hoje
retrata a vivência nos campos de plantação egípcios. Nela sua base constitutiva original (no Louvre, onde está insta-
vemos um sujeito, à esquerda, que inspeciona os campos lada, passou por leve restauração em 1998). O que mais
de trabalho para o Faraó Nebamun (que teria vivido em chama a atenção é o detalhamento do rosto e do corpo
meados de 1350 a.C.). (que influenciará muito, mais adiante, a arte grega). Há
Sobre a parte estética, é possível reparar que – além de também a preocupação em registrar fielmente o trabalho
não ter perspectiva nem proporcionalidade adequada – se- do escriba, com a mão em forma de pinça, como se esti-
guiam uma estética rígida chamada de “regra da frontali- vesse segurando um instrumento de escrita, além de um
dade”, na qual o tronco e um dos olhos eram retratados documento na mão esquerda.

26
1.3.3. Arquitetura
A arquitetura egípcia destacou-se pelo fascinante trabalho
com construções de pirâmides, esfinges e templos. Esses
monumentos eram realizados para atestar a grandiosidade
e a imponência do poder político e religioso dos faraós.

Artista desconhecido – Colunas do templo de Luxor (séc XIV - XII a.C.)

Artista desconhecido – Pirâmides de Quéops, Quéfren e 1.4. A arte grega


Miquerinos, no deserto de Gizé (século XXVII – XXVI a.C.)
A arte grega, em seus primórdios, recebeu forte influência
As pirâmides da imagem acima foram construídas a pedido da produção artística egípcia. Destacam-se as produções
dos faraós que dão nome a cada uma das construções, a escultóricas e arquitetônicas do período. Também encon-
fim de abrigar seus restos mortais. A maior delas, a de Que- tramos pinturas, mas em geral possuem como suporte
óps, possui 146 metros de altura e ocupa uma superfície vasos e ânforas.
de 54.300 metros quadrados, revelando o grande domínio
Os gregos criaram várias obras de arte que enfeitavam
que os egípcios possuíam da técnica de construção.
templos e prédios públicos, celebrando vitórias em bata-
lhas e retratando pessoas famosas já mortas. Foi uma arte
que idealizou um forte projeto realista de reprodução dos
corpos, que em momento posterior influenciaria a arte do
Renascimento.
Já na arquitetura, destacam-se o rápido desenvolvimento
artístico na produção de elementos geométricos e simétri-
cos, além de uma preocupação com a ornamentação que
compunha as colunas dos templos gregos, destacando-se
as ordens arquitetônicas dórica, jônica e coríntia.

1.4.1. As ordens arquitetônicas


Artista desconhecido – Esfinge do faraó Quéfren (século XXVII a.C.)
na Grécia antiga
A imagem acima apresenta uma esfinge que está loca-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

lizada próxima às três pirâmides da imagem anterior. A Na arquitetura grega, as edificações que mais despertaram
gigantesca construção (20 metros de altura e 74 de com- interesse foram os templos, que eram locais utilizados não
primento) tenta representar a figura do faraó Quéfren, no apenas para reunir pessoas para atividades religiosas, mas
entanto, a ação erosiva do vento e das areias do deserto também para proteger de intempéries climáticas (excesso
desgastaram a imagem (o nariz, por exemplo), dando-lhe de chuva ou sol). Sua construção obedecia a regras bem rí-
um aspecto misterioso. gidas que foram evoluindo com o passar do tempo, e essas
mudanças deram origem ao que chamamos de (novas) or-
Quanto aos templos, o mais conhecido é o “Templo de dens arquitetônicas (que consistiam em modificações pon-
Luxor”, cujas apresentam um aspecto ar­tístico importante: tuais na ornamentação e reforço da construção). Vejamos
são decoradas com uma espécie de flor de papiro enro- as três principais ordens:
lada na base (corpo da coluna) e no capitel (a cabeça da
coluna). Esse tipo de decoração servirá de ins­piração para I. Ordem dórica
a composição de outros modelos de colunas e capitéis que A ordem dórica surge nas costas do Peloponeso, em mea-
veremos na arte grega. dos do século V a.C. É a mais simples das ordens. Foi muito

27
empregada no exterior de templos mais baixos, de caráter III. Ordem coríntia
sólido. A coluna não tem base, tem entre quatro a oito mó- A ordem coríntia é característica do final do século V a.C.
dulos de altura, o fuste apresenta vinte estrias (sulcos ver- É um estilo predominantemente decorativo. A coluna apre-
ticais na coluna). O capitel é simples, sem ornamentação, e senta na base um fuste que é composto por vinte e quatro
se assemelha a uma almofada. sulco afiados. O capitel apresenta uma exuberância deco-
rativa que imitavam folhas de uma planta chamada acanto.
Foi um sistema de ornamentação que, posteriormente, foi
muito utilizado na arte romana. Também, o teto difere da
ordem anterior: passa a ser horizontal.

Exemplo de estrutura dórica

II. Ordem jônica Exemplo de estrutura coríntia

A ordem jónica surge na Grécia oriental por volta de 450


a.C. (sendo muito usada em Atenas). Durante um bom
tempo, ela se desenvolveu em conjunto com a ordem dó-
rica, no entanto, suas formas mais fluidas, que traziam um
aspecto de maior leveza ao monumento, fizeram com que
fosse mais utilizada do que a ordem antiga. A coluna pos-
sui uma base larga (a dórica não possuía base), o fuste
é mais detalhado, apresentando vinte e quatro sulcos. O Planta de templo grego: nota-se o cuidado com a simetria
capitel apresenta um desenho espiralado (como se fossem dos espaços, com dimensões que se apresentam idênticas.

rolos projetados para os lados).


VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Colunas do Partenon (c. 440 a.C.), na Acrópole de Atenas

O famoso monumento grego chamado Partenon apre-


senta um conjunto de ornamentação de ordem dórica.
Reparem que o corpo das colunas é mais grosso, firmado
diretamente no degrau mais elevado do templo (não há
base). O capitel era mais simples. A arquitrave era lisa e
apoiada diretamente nas colunas. Sobre ela havia alguns
retângulos com sulcos verticais e retângulos que poderiam
Exemplo de estrutura Jônica ser lisos, pintados ou com figuras em relevo.

28
quebrando-se facilmente (como vemos na perna do guerrei-
ro, na imagem apresentada acima). A partir daí, começarão,
no século V a.C., as produções de esculturas em bronze, um
material mais resistente, que permitiu inclusive maiores de-
talhamentos da escultura (como, por exemplo, permitir ao
espectador perceber a alternância entre membros tensos –
com veias saltadas – e membros relaxados).

1.4.3. Pintura
A pintura na Grécia antiga não foi o elemento artístico de
maior destaque, e como em outras civilizações, apareceu
como elemento de decoração da arquitetura e da escul-
Colunas de Erecteion (c. 420 a.C.), na Acrópole de Atenas
tura. São muito comuns os grandes painéis pintados que
O templo de Erecteion apresenta um conjunto de orna- recobriam paredes de templos ou outras construções. O
mentação ordem jônica, que consistia em corpo das colu- maior destaque fica por conta das pinturas realizadas em
nas mais fino, firmado em uma base (um pequeno círculo cerâmica, mais especificamente em vasos e ânforas.
decorado). O capitel era ornamentado. A arquitrave era Essas pinturas ficaram conhecidas por valorizarem o equi-
marcada por três faixas horizontais. Sobre ela havia uma líbrio e a simetria entre os desenhos apresentados e o for-
faixa de esculturas em relevo. mato curvo dos vasos, além do uso de cores intensas que
davam maior destaque às imagens.
1.4.2. Escultura
A escultura grega se desenvolve no século VII a.C. Muito
influenciados pelos artistas egípcios, os gregos esculpiam
seus trabalhos em grandes blocos de mármore. Seus traba-
lhos escultóricos prezavam o naturalismo das figuras (ten-
tativa de imprimir grande realismo), valorizando a simetria
natural do corpo humano. Nesse sentido, havia preferência
pela pintura de corpos nus, normalmente em posição frontal,
para que a distribuição simétrica fosse mais adequada. Ao
final da composição, a obra deveria ser não apenas realística,
mas também bela em sim mesma (ou seja, havia um ideal de
beleza / perfeição humana na composição das obras).
A escultura grega, por não estar presa a regras religiosas,
pode se desenvolver mais livremente. Desse modo, passa-
mos a ver em períodos posteriores esculturas mais ousa-
das, em que o corpo humano aparece não apenas de pé,
mas em outras posições, como vemos na imagem a seguir:
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Exéquias – Ânfora da Ática com figuras negras (c.540 a.C. – 530 a.C.)

As pinturas em ânforas apresentavam silhuetas em negro


sobre um fundo em geral avermelhado. Costumavam retra-
Artista desconhecido - Guerreiro caído, do frontão triangular tar a mitologia grega e outros aspectos da época, como ritos
do Templo de Afaia, Egina (500 a.C – 480 a.C).
funerários, competições esportivas, trabalhos e feitos heroi-
Nessa escultura percebemos a preocupação com a perfeição cos no campo de batalha. Originalmente, esses objetos eram
dos corpos e o detalhamento dramático da expressão do utilizados em rituais religiosos ou mesmo para armazenar
guerreiro. O principal problema das posições inusitadas das água, vinho, azeite e outros mantimentos. Com o passar do
esculturas de mármore é que, muitas vezes, elas concentra- tempo, devido à qualidade e equilíbrio das imagens, passa-
vam um excesso de peso em algum ponto sem sustentação, ram a ser entendidos também como objetos artísticos.

29
1.5. A arte romana apresenta uma planta com uma cúpula circular fechada, que
cria um espaço isolado do exterior onde o povo se reunia
A arte romana recebeu influência definitiva da arte gre-
para o culto. Enquanto os monumentos gregos chamavam a
ga, especialmente no que diz respeito à manutenção do
atenção pelas peculiaridades de seu exterior, os monumen-
caráter naturalista das obras (esculpidas, em sua maio-
tos romanos trarão a atenção para o interior de suas obras.
ria, em bronze). Vemos também um grande número de
inovações na arquitetura, especialmente pela influência O trabalho com os arcos e as abóbadas permitiu também
dos povos etruscos, que deixaram como legado para os outros avanços: enquanto os templos gregos tinham que ser
romanos o uso dos arcos e das abóbadas nas constru- assentados próximos a colinas (tanto para favorecer a segu-
ções. Isso permitiu aos romanos desenvolverem cons- rança, evitando desmoronamentos, quanto para permitir a
truções não só mais amplas, mas também com espaços reunião do povo no entorno do templo), os romanos conse-
internos mais livres (uma vez que os arcos e as abó- guiam sustentar suas obras em qualquer espaço, indepen-
badas ajudavam a eliminar o excesso de colunas que dentemente da topografia, permitindo melhor sustentação e
habitualmente sustentavam as construções gregas). favorecendo boa visão do espaço interno. O Maior exemplo
Já na pintura, destacam-se os afrescos e as composições desse tipo de construção é o Coliseu romano.
em mosaicos de mármore. Um importante avanço desse
período é o fato de notarmos já em algumas obras os pri-
meiros trabalhos com a técnica da sobreposição (colocação
de um objeto opaco diante de outro, criando uma sensa-
ção de profundidade).

1.5.1. Arquitetura
Os templos romanos – grande destaque do período –
eram, em geral, construídos em um plano mais elevado Coliseu – Roma, Itália (68 – 79 d.C.)
e a entrada só era alcançada através de uma escadaria
É possível notar que o Coliseu é circundado externamente
construída diante da fachada principal. Estes elementos
por vários arcos que favorecem sua sustentação, e sua ele-
arquitetônicos – pórtico e escadaria – faziam com que a
vação e formato circular criam um sistema de auditório que
fachada principal fosse bem distinta das laterais e do fundo
favorece a visão do espaço interno.
do edifício, como vemos na imagem a seguir:
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Maison Carré, Nimes – França (16 a.C.)

Na imagem apresentada, vemos também que o monu-


mento apresenta várias características que foram preser-
vadas da arquitetura grega. No entanto, o trabalho com
os arcos e as abóbadas permitiu aos romanos um melhor
desenvolvimento dos espaços internos, como vemos no
Panteão romano.
É possível notar que, embora a parte externa da construção
se assemelhe muito às construções gregas, a parte interna Panteão, Roma – Itália (Século II)

30
1.5.2. Escultura 1.5.3. Pintura
Como dito no início dessa aula, a escultura romana se Embora circunscrita ao interior de templos e outras cons-
inspira na arte grega, pelo menos no que diz respeito ao truções, a arte pictórica romana também apresentou al-
caráter naturalista das esculturas. No entanto, não ha- guns avanços interessantes. Inicialmente, era comum que
via uma preocupação com os ideais de beleza cultivados as paredes de monumentos fossem decoradas com uma
pelos gregos. Para os artistas romanos, a preocupação camada de gesso que imitava placas de mármore. A partir
era mais pragmática, por isso é comum percebermos que desse trabalho, os artistas começaram a perceber que ape-
as esculturas dos indivíduos são esculpidas valorizando a nas com a pintura, era possível criar a ilusão de que na pa-
indumentária (ou seja, não há a preocupação em produ- rede existia um bloco de mármore saliente. Daí, da suges-
zir um corpo nu detalhado). A valorização da vestimenta tão da saliência para a sugestão de profundidade foi um
também está ligada ao fato de que ela, muitas vezes, pequeno salto. Em suma, os artistas romanos, aos poucos,
consolidava uma forte representação política, como ve- passaram a manipular a sugestão de frente e fundo, não
mos na imagem a seguir: só nos afrescos, mas também nos mosaicos, técnica muito
desenvolvida no período, e que vemos na imagem a seguir:

Artista desconhecido – Mosaico de Alexandre (333 a.C.)

A técnica do mosaico consiste na colocação, lado a lado,


de pequenos pedaços de pedras de cores diferentes sobre
uma superfície de gesso ou argamassa (em cima de um
desenho previamente definido). Após isso, a superfície re-
cebe uma solução de cal, areia e óleo que fixa a imagem e
preenche os espaços vazios, gerando um resultando muito
parecido com uma pintura.
A imagem acima apresenta um mosaico (já bem danifica-
do à esquerda) em que vemos não só sua semelhança com
uma obra pictórica, como conseguimos constatar o uso da
técnica da profundidade) vemos cavaleiros e cavalos pos-
tos mais à frente e outros mais ao fundo.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Artista desconhecido – Augusto de Prima Porta – Mármore (20 a.C.)

Nessa obra há que se destacar, para além da preocupa-


ção com a característica realista dos corpos, há a ideia
do detalhamento da vestimenta romana, vinculada a
ideia de composição de um líder. O braço levantado,
como se estivesse dando uma ordem, traz a obra de arte
para um campo mais naturalizado da experiência uma
humana (um líder em suas ações). Há ainda o curioso
fato de, simbolicamente, vincular o sujeito político ao
sujeito divino, colocando aos pés do imperador Augusto
um cupido sustentado por um golfinho. Há ainda, na
parte frontal da vestimenta, várias figuras míticas e reli-
giosas esculpidas em alto-relevo.

31
da capital do Império, dando origem a obras que assumem
um caráter mais majestoso (que exibem poder e riqueza).
LEITURA DE Foi um tipo de arte centrada em exaltar a religião cristã e a

IMAGENS II: autoridade do imperador (considerado um ser sagrado, re-


presentante de Deus na Terra), e por conta disso, acabou sen-
DA ARTE do pautada por muitas regras estabelecidas por sacerdotes.
Por exemplo, recuperou-se a regra da frontalidade da arte
MEDIEVAL À ARTE egípcia (com leves modificações), fazendo com que a ênfase
das imagens religiosas fosse na rigidez da figura retratada
RENASCENTISTA (conduzindo o espectador a uma atitude de veneração e res-
peito). Além disso, toda base de composição (lugar dos per-
sonagens, posição do corpo, das mãos, dobras de roupa) era

LC AULA determinada pelos sacerdotes. Era uma arte que apresentava


características figurativas (menos realistas) e decorativas.
17
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s) 1.1.1. Arquitetura
1e4 1, 12, 13 e 14 A arquitetura foi predominantemente religiosa, marcada
pela construção de grandes e sofisticadas basílicas, que mes-
clavam características dos grandes monumentos romanos e
certo clima místico, muito comum nas construções orientais.
1. Arte medieval
A arte do período medieval pode ser dividida em três mo-
mentos de maior destaque:
1º Arte bizantina – produção artística que corresponde
ao território onde estava localizado o Império Romano do
Oriente. Apresenta uma produção de maior relevância a par-
tir do século VI (embora tenha se iniciado um pouco antes)
que se estende até meados do século XV, quando os turcos
tomam a cidade de Constantinopla, capital do Império.
2º Arte românica (ou romanesco) - produzida na
transição da Alta Idade Média para a Baixa Idade Média
(séculos XI e XII). Trata-se de uma produção que recebe
influência não só das experiências artísticas romanas (es-
pecialmente o Império Romano do Ocidente), mas também
de outras matrizes, como a egípcia, a persa, a bárbara (Es-
candinávia e Alemanha) e bizantina.
3º Arte gótica – produção artística que se inicia propria-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

mente na Baixa Idade Média, passando pelo Renascimento


do século XII, e alcançando o Renascimento Italiano (Góti-
co Italiano) já na passagem do século XIV para o século XV.

1.1. Arte bizantina Basílica de Santa Sofia (532 – 537)

A arte bizantina é uma vertente que surge mais precisa- Umas das características que mais chama a atenção na Basí-
mente após o Imperador Teodósio decretar o cristianismo lica de Santa Sofia é a sua enorme cúpula (domo), que é sus-
como religião oficial do império romano (em 391 d.C.). Nos tentada por outras abóbadas esféricas. Essa cúpula central
anos anteriores, havia predominado uma produção deno- é vazada por quarenta janelas em arco que permitem a en-
minada arte cristã primitiva, que tinha como característi- trada da luz, dando leveza à estrutura e oferecendo a ilusão
ca – além da forte religiosidade – obras simples, de base de um anel celestial que se projeta para o centro do salão.
popular. Por outro lado, a produção artística bizantina vai Vemos também que a parte interna é marcada por grande
coincidir com um momento de grande esplendor e riqueza opulência, com muitas ornamentações em cor dourada.

32
1.1.2. Pintura e escultura A obra acima é uma das mais importantes da arte bizan-
tina e foi produzida já próximo à queda de Constantino-
A pintura e a escultura também apresentavam demarcação
pla. Trata-se de um monumento de contemplação espi-
religiosa e ficaram bastante conectadas à arquitetura (ser-
ritual na fé cristã. É importante notar que a pintura não
vindo muitas vezes como ornamentação das basílicas). Na
é essencialmente realística, mas figurativa, atendendo a
pintura, destacaram-se técnicas variadas, como o mosaico
demandas de contemplação.
(que dava à obra um ar, muitas vezes, de riqueza) e a têm-
pera (técnica em que se misturavam pigmentos a algum
aglutinante, como gema de ovo, a fim de se conseguir um
resultado de tintura mais brilhante e luminoso). Na escultu-
ra, destacam-se alguns belos trabalhos com marfim.

Artista desconhecido – Tríptico Borradaile (século X) – Marfim

Acima, vemos um tríptico (escultura ou pintura fundada


Artista desconhecido – Cristo Pantocrator, Basílica de
Monreale – Itália (1180 – 1190) – Mosaico
em três painéis, conectados por dobradiças, e cujas ima-
gens orientam uma leitura que apresenta conexões) que
Vemos que a imagem apresentada apresenta o Cristo em demonstra o rígido sistema de organização e ordem da
posição frontal, projetado na parte superior interna da arte bizantina: vemos que as figuras são apresentadas si-
abóbada principal da basílica (demarcando imponência. metricamente (mesma quantidade à esquerda e à direita).
Sua expressão é séria e demonstra autoridade, e vemos
que o mosaico é contornado por pedras douradas, demar-
cando a magnificência da imagem.
1.2. Arte românica
No século IX, com a subida ao poder do Imperador Carlos
Magno (como imperador do Ocidente), aumenta o incen-
tivo às artes na corte como um todo. Criam-se academias
literárias e oficinas para produção de objetos de arte. Esse
grande desenvolvimento cultural também promoveu um
resgate das tradições artísticas greco-romanas. Alguns
séculos depois, o resgate dessas tradições da antiguida-
de, misturado a outras influências artísticas do período,
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

fez com que surgisse um novo estilo que se consolidou


com maior força na arquitetura: o estilo românico (ou ro-
manesco), que determinará a produção artística medieval
entre os séculos XI e XII.

1.2.1. Arquitetura
As igrejas românicas ficaram conhecidas pela sua arquite-
tura peculiar, formada pelas abóbadas, pilares maciços e
paredes espessas. São igrejas grandes e sólidas (com orien-
tação horizontal), conhecidas como “fortalezas de Deus”.
Abóbada de berço: consistia num semicírculo, também
chamado de arco pleno, ampliado lateralmente por pare-
Andrei Rublev – Santíssima Trindade (1410) – Têmpera sobre madeira des solidas. Apresentava algumas desvantagens, como o

33
peso excessivo que ficava sobre o arco central, correndo colunas com capitéis que lembravam muito os vistos na arte
riscos de desabamento, além da baixa luminosidade no greco-romana. Também são muito comuns os tímpanos (es-
interior das construções, devido ao fato de se ter pouca pos- paços geralmente triangulares ou em arco, lisos ou ornados
sibilidade de inserção de janelas com esculturas, limitados pelos três lados do frontão por um
ou mais arcos ou por linhas retas que assentam sobre o por-
Abóbada de aresta: consistia numa intersecção em ângu-
tal de entrada de uma igreja, catedral ou templo).
lo reto de duas abóbadas de berço apoiadas sobre pilares.
Com isso distribuía-se melhor o peso das pedras para evitar
desabamentos, além de transmitir leveza para a construção
e melhorar a luminosidade dos espaços internos.

Abóbadas de berço e de aresta

Autor desconhecido – Cristo em majestade, Igreja de


San Clemente – Espanha (1123) – Afresco
O afresco acima, é uma imagem religiosa que lembra o Cris-
to Pantocrator que vimos nos estudos de arte bizantina. No
entanto, a imagem aqui segue algumas outras regras. Na
pintura religiosa romanesca, vemos que, além da regra da
frontalidade, temos um proposital sistema de desproporção
Abadia de Moissac, França (506 d.C.) e deformação da imagem (de modo que o Cristo, ao centro,
Vemos que as construções arquitetônicas romanescas, for- seja sempre maior que as demais figuras). Outro ponto que
madas por abóbadas de berço ou de aresta, davam origem chama a atenção é a técnica do colorismo, em que havia
a monumentos mais espessos (e, por isso, mais resistentes), uma distribuição variada e intensa de cores sobre a imagem,
mas que não favoreciam a iluminação (podemos reparar sem que houvesse preocupação em se trabalhar meios-tons,
que as janelas são feitas a partir de pequenas aberturas na matizes ou jogos de luz e sombra.
lateral da construção. Outro ponto relevante é a orientação
horizontal. Como as abóbadas de berço e de aresta não
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

sustentam muito peso, as igrejas, embora fortes e resisten-


tes, não eram muito elevadas.

1.2.2. Pintura e escultura


A pintura e a escultura também, como na arte bizantina,
apresentavam demarcação religiosa e ficaram bastante co-
nectadas à arquitetura. Na pintura, o principal diferencial
seria na técnica utilizada: como as igrejas possuíam paredes
feitas com pedras espessas, isso favorecia um preparo pré-
vio delas para inserção de afrescos (pinturas sobre gesso ou
argamassa). A escultura também se desenvolveu nas igrejas
e abadias. Influenciadas pela experiência da antiguidade
clássica, as obras nos espaços religiosos são formadas por Tímpano da Abadia de Moissac

34
Vemos que o tímpano é uma escultura que se insere nos
portais das igrejas, basílicas e abadias, e que seguem a
mesma orientação religiosa do período.

1.3. Arte gótica


No século XII, a economia fundamentada no comércio faz
com que a vida social se desloque do campo para a cida-
de, surgindo aí a burguesia urbana. Nesse período, ainda
predomina a arte românica, mas já começam a aparecer as
primeiras mudanças que promoverão uma revolução pro-
funda na arte, em especial na arquitetura.
Embora viesse se desenvolvendo desde o século XII, foi
apenas no século XIV que ganhou a denominação de arte
gótica. Sua principal característica reside na evolução dos
arcos e abóbadas utilizadas na construção e sustentação Abóbada de nervura
das igrejas. A criação do arco ogival (um arco com parte
superior não arredondada, mas cortada em um ângulo)
permitiu o desenvolvimento de um novo tipo de abóbada:
a de nervuras. Essa abóbada, por possuir vários arcos ogi-
vais entrelaçados, trazia duas grandes vantagens:
§ permitia o uso de colunas mais finas para a sustenta-
ção das construções, ao invés das grossas paredes que
existiam na arquitetura românica, o que, além de trazer
um aspecto mais elegante para a edificação, favorecia
a inserção de janelas maiores Basílica de Saint-Denis, França (século VII) –
Exterior (esquerda) – Interior (direita)
§ sustentava muito mais peso, fazendo com que as cons-
A basílica de Saint-Denis é um claro exemplo de arquite-
truções pudessem ser mais elevadas (dando um tom de
tura gótica. Vemos na imagem do interior que sua susten-
imponência para a edificação)
tação é feita por abóbadas de nervura e colunas finas. Na
imagem do exterior, vemos que isso favorece a horizonta-
lização da igreja (que passa a ser mais alta e imponente)
e a entrada de um número maior de janelas e vitrais com
temática religiosa.

1.3.1. Escultura e pintura


A escultura permaneceu atrelada à arquitetura, sendo usa-
da como ornamentação dos monumentos religiosos. Já a
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

pintura, passa a ter um maior desenvolvimentos, principal-


mente na passagem dos séculos XIV para o XV

Os arcos ogivais diferem dos arcos de forma perfeita da 2. Renascimento


arte românica, pois não são arredondados na parte su- Possivelmente, o Renascimento é um dos períodos mais
perior (apresentam um corte angular). Esse formato foi profícuos da história da arte. Configurou-se como um mo-
essencial para a criação de abóbadas de nervura. vimento cultural desenvolvido na Europa a partir do século
As abóbadas de nervura são construídas com vários arcos XIV até meados do século XVII. Os locais de maior expres-
são foram a Itália, a Alemanha, a Bélgica e os Países Baixos.
ogivais, o que cria um topo entrelaçado (as nervuras). Esse
entrelaçamento melhora a sustentação (favorecendo a hori- A consolidação da burguesia instituiu na sociedade a
zontalidade da edificação), e as colunas mais finas permitem figura do mecenas, que seria o grande financiador não
a colocação de mais janelas (o que favorece a iluminação). apenas de pesquisas científicas (a fim de que a sociedade

35
avançasse do ponto de vista da exploração socioeconô- seriam a Bélgica e Luxemburgo); o Renascimento italiano
mica), mas também de projetos culturais (as artes como e também o Renascimento na Alemanha e Países Baixos. 
consolidação da imagem e do poder financeiro do bur-
guês na sociedade do período). Também, o pensamento 2.1.1. O gótico flamengo
de ordem mais racional (antropocêntrico) que começava
O gótico flamengo foi uma expressão artística ligada aos pri-
a operar no período faz com que os valores medievais
meiros anos do Renascimento, e que marca justamente uma
(vinculados a um pensamento católico-cristão) sejam dei-
procura por uma pintura mais realista não apenas do ponto
xados de lado pelo homem do Renascimento, que passa-
de vista da imagem, mas também da temática, retratando
rá a buscar novos valores na Antiguidade Clássica.
com maior frequência cenas da vida doméstica (sem deixar
Do ponto de vista estético, o investimento do mecenato fez de lado o dado de espiritualidade que ainda era muito forte).
com que houvesse grandes inovações artísticas no período.
Embora despertem a atenção pela alta qualidade realística,
Os estudos aprofundados em geometria, perspectiva, anato-
os artistas flamengos não costumavam organizar suas com-
mia humana e tridimensionalidade fizeram com que as obras
artísticas ganhassem uma dimensão de perfeição nunca an- posições a partir de rigorosos métodos matemáticos para
tes vista. Essa ideia de obra de arte que reproduz o indivíduo cálculos de perspectiva e proporção (como veremos com
a partir de uma preocupação em representa-lo perfeitamen- frequência no Renascimento Italiano). Eles preferiam traba-
te em suas dimensões corporais remete justamente aos ide- lhar de modo mais intuitivo, sendo os primeiros a explorar
ais de beleza e perfeição da representação do indivíduo que mais intensamente as possibilidades da pintura a óleo.
vimos nos estudos de arte grega e romana.
Vale ressaltar que foi um período artístico em que os gran-
des destaques ficaram por conta da arte pictórica e da arte
escultórica. A arquitetura apresentou alguns avanços mais
simples em relação ao projeto gótico, investindo em cons-
truções que articulassem a proporcionalidade entre suas
partes (ou, em termos mais práticos, uma edificação que
respeitasse uma geometria mais organizada).

2.1. A pintura e a escultura renascentista


A interpretação mais científica do mundo, que vemos no
Renascimento, refletiu-se na pintura e na arquitetura por
meio da aplicação – na arte – dos estudos de perspecti-
va, geometria, proporcionalidade, anatomia, matemática,
entre outros. Vale ressaltar que muitos desses despertaram
outras tendências importantes: foi o caso dos estudos de
perspectiva, que conduziram os artistas a uma preocupa-
ção com o trabalho de iluminação na pintura, por meio
da técnica do claro-escuro, em que o artista pinta algumas
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

áreas iluminadas e outras na sombra. Esse jogo de con-


trastes faz com que os corpos ganhem uma aparência de Jan van Eyck, O casal Arnolfini (1434) – Óleo sobre tela
volume (favorecendo o naturalismo / realismo da pintura).
O casal Arnolfini é certamente a obra mais famosa da pin-
Outro aspecto relevante do Renascimento, em especial da
tura flamenga. Trata-se de uma primorosa obra feita a óleo,
pintura, é a formação de um estilo artístico mais pessoal.
que retrata um espaço doméstico burguês (possivelmente
No caso, o artista não estava necessariamente obrigado a
uma reservada cerimônia religiosa matrimonial). Merece
produzir uma obra que estivesse vinculada a alguma matriz
destaque o trabalho com a técnica da profundidade, ainda
religiosa (algo muito comum na arte egípcia ou medieval)
mais acentuado pela inserção de um espelho convexo ao
ou mesmo que objetivasse a veneração de algum líder.
fundo da imagem que reflete o próprio autor da pintura e
Essa maior autonomia, fez com que, no período, surgissem
outra pessoa a seu lado (talvez o padre responsável pela
um grande número de artistas com características próprias.
consolidação do casamento). Vemos que é uma imagem
Em geral, estudamos a arte do Renascimento em três es- que está situada em um campo que é mais humanista (que
paços: o gótico flamengo (praticado nas regiões que hoje registra a vida privada) sem perder a dimensão religiosa.

36
2.2. Renascimento italiano

Sandro Botticelli, A primavera (c. 1478) – Óleo sobre tela

Nessa famosa pintura de Sandro Botticelli, vemos um trabalho que é inspirado claramente nas fontes greco-romanas. A re-
tomada de deuses e outras figuras mitológicas da antiguidade (temos Vênus ao centro, Zéfiro e Clóris à direita, entre outras
figuras) é um dos traços marcantes da pintura renascentista italiana. Além disso, podemos ver que o trabalho com os corpos
tenta seguir o ideal de beleza da Antiguidade Clássica.

VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Leonardo da Vinci, Homem Vitruviano (1490) – Lápis e tinta sobre papel.

37
O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, é um desenho
à lápis feito pelo autor, acompanhado de algumas anota-
ções. Tornou-se famoso por indicar em um pequeno espa-
ço uma variedade de estudos, como anatomia, geometria,
proporcionalidade e simetria. Tais estudos acabaram viran-
do a base não apenas do trabalho pictórico de da Vinci,
mas de quase todo o tipo de pintura naturalista que foi
produzida posteriormente.

Michelangelo, Davi (1501 – 1504) – Mármore

2.3. Renascimento na Alemanha


e nos países baixos
O Renascimento na Alemanha e nos países baixos, embora
seguisse muitos dos parâmetros que vimos na vertente ita-
liana, ainda exibe, de certa forma, resquícios de uma matriz
teocêntrica, remanescente do período medieval. Vejamos
Leonardo da Vinci, Mona Lisa (1503 – 1506) – Óleo sobre tela algumas obras.

Também conhecida como Gioconda, a famosa obra de


da Vinci também nos dá uma noção da qualidade téc-
nica do autor. A modelo é colocada propositalmente em
uma espécie de balcão que permite ao autor realizar um
trabalho com a perspectiva (na paisagem ao fundo), a
sobreposição (em que percebemos que, quanto mais
longe, mais opaca se torna a figura) e também com as
nuances de iluminação (que parece se projetar com maior
claridade na pele da modelo e no fundo da paisagem, e
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

de modo mais escurecido no vestido e na parte inferior


do quadro). Vale ressaltar também o cuidadoso trabalho
com as feições de Mona Lisa, resultado de cuidadosos
estudos de anatomia e simetria).
A escultura de Michelangelo também é exemplar dos traba-
lhos escultóricos vistos no Renascimento italiano. Vemos que
a ideia grega de representar o corpo nu, a fim de melhor de-
talhar sua simetria, é resgatada nesse período. Não apenas o
ideal de beleza está em cena, mas a ideia de transmitir certas
sensações por meio do trabalho esculpido: a cabeça ereta e
o resto passam uma imagem de autoconfiança, as mãos são
razoavelmente grandes, permitindo ver as veias saltadas de Albrecht Durer, Os quatro cavaleiros do
tensão, e dando uma maior percepção de sua força. Apocalipse (1498) – Xilogravura

38
A obra acima faz parte de uma coletânea de quinze xilogravuras (técnica de gravura na qual se esculpe a imagem na madeira
para posterior reprodução da imagem gravada sobre o papel ou outro suporte adequado. É um processo muito parecido com
um carimbo) batizadas de Apocalipse. É possível notar que as técnicas do desenho são muito avançadas, com profundidade
e grande detalhamento dos corpos, no entanto a temática é de tonalidade religiosa.

Hieronymus Bosch, O jardim das delícias (1500 – 1505) – Óleo sobre tela

Uma das obras mais fascinantes do período, O jardim das delícias de Hieronymus Bosch chama a atenção pelo caráter
fantasioso (chegando a lembrar uma obra surrealista). Trata-se de um tríptico com muitas referências religiosas. O painel da
esquerda mostra uma espécie de paraíso (vemos figuras bíblicas como Adão e Eva, que parece ter acabado de ter sido criada
a partir da costela de Adão). O painel da direita seria um inferno repleto de instrumentos musicais (vemos sujeitos sendo
torturados). Já o painel central, apresenta o tal Jardim das delícias, um local onde estariam os prazeres terrenos (conseguimos
ver figuras tendo relações sexuais).

VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Pieter Bruegel, Jogos infantis (1560) – Óleo sobre tela

39
Nessa pintura, Pieter Bruegel, apesar de já estar inserido no contexto do Renascimento, retrata a realidade das pequenas al-
deias que ainda conservavam a cultura medieval. Vale a penas ressaltar, no entanto, que embora retrate a cultura medieval, a
temática da pintura não tem vínculos religiosos. Ela chama a atenção pelo volume de personagens em cena e pela sensação
de movimento que dimensões circulares das personagens imprime na imagem.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Hans Holbein, Os embaixadores (1533) – Óleo sobre tela

Hans Holbein talvez tenha sido o pintor do Renascimento alemão que mais valorizou a característica humanística / racional
que víamos na vertente italiana. Em gera, suas obras retratam personagens dotadas de um realismo tranquilo, sem que exis-
tam as agitações que vimos nas obras anteriores. Na imagem acima, vemos também a inserção na pintura de uma curiosa
técnica que surge no período: a pintura anamórfica. Trata-se da inserção de uma imagem distorcida em algum ponto da
pintura que só adquire forma natural quando vista de determinado ângulo, ou com o suporte de algum espelho cilíndrico
posicionado no centro do quadro.

40
ENTRE
LETRAS

4
LINGUAGENS
CÓDIGOS
LITERATURA
e suas tecnologias

TEORiA
DE AULA
INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS

O Enem exige que o candidato tenha co- A maior parte das questões de Literatura
nhecimento das diferentes escolas lite- se refere às obras de leitura obrigató-
rárias. Neste livro, encontram-se alguns ria. Neste livro, encontram-se alguns
exercícios a respeito de dois assuntos exercícios a respeito do Modernismo
recorrentes nessa prova: Modernismo e português, movimento do qual algumas
vanguardas do século XX. das leituras exigidas pelo exame fazem
parte.

A maior parte das questões de Literatura As questões contemplam o conheci- As questões contemplam o conheci-
se refere às obras de leitura obrigatória. mento acerca das escolas literárias, bem mento acerca das escolas literárias,
Neste livro, encontram-se alguns exer- como de seus principais representantes. bem como de seus principais represen-
cícios a respeito do Modernismo portu- Neste livro, encontram-se alguns exer- tantes. Neste livro, encontram-se alguns
guês, movimento do qual faz parte “O cícios a respeito da estética modernista exercícios a respeito do Modernismo
marinheiro”, de Fernando Pessoa. europeia e das vanguardas europeias português.
que a influenciaram.

Parte das questões de literatura dessa A prova exige conhecimentos acerca dos As questões contemplam o conheci- A prova exige conhecimentos acerca dos
prova se baseia nas obras de leitura diversos movimentos literários. Neste mento acerca das escolas literárias, bem movimentos literários no Brasil e em Por-
obrigatória da Fuvest. Neste livro, en- livro, estão presentes questões sobre a como de seus principais representantes. tugal. Neste livro, estão presentes ques-
contram-se alguns exercícios sobre o estética modernista europeia, conteúdo Neste livro, encontram-se alguns exercí- tões que abordam como o Modernismo
Modernismo português, estética literária cios a respeito da estética modernista e se desenvolveu em território nacional e
bastante frequente nesse vestibular. das vanguardas europeias que a influen-
que aparece com alguma frequência lusitano.
neste exame. ciaram.

UFMG
A maior parte das questões de Literatura A prova avalia os conhecimentos acerca
A maior parte das questões de Literatura
se refere às obras de leitura obrigatória. dos gêneros literários e dos movimentos
se refere às obras de leitura obrigatória.
Neste livro, encontram-se alguns exercí- literários brasileiros. Neste livro, encon-
Entretanto, para interpretar corretamen-
cios a respeito das vanguardas europeias tram-se alguns exercícios a respeito da
te tais obras, é essencial conhecer bem
e do modernismo europeu. estética modernista, em suas bases eu-
os movimentos literários e seus princi-
ropeias, e das vanguardas europeias que
pais representantes.
a influenciaram.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

As questões desse exame vestibular con- A prova avalia os conhecimentos acerca A maior parte das questões de Literatura
templam o conhecimento acerca dos di- dos gêneros literários e dos movimentos se refere às obras de leitura obrigatória.
ferentes gêneros literários e das escolas literários brasileiros. Este livro contém No entanto, também são comuns exercí-
literárias brasileiras, bem como de seus exercícios sobre a estética modernista, cios que cobrem o conhecimento do can-
principais representantes. em suas bases europeias, as vanguardas didato acerca dos movimentos literários
e o estilo de seus principais represen- em geral, bem como de seus principais
tantes. representantes.

42
2. Euclides da Cunha

PRÉ-MODERNISMO

LC AULAS
27 E 28
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909) termi-
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s) nou o curso de Engenharia Militar na Escola Superior de
5 15, 16 e 17 Guerra, em 1892. Trabalhou na construção da Estrada de
Ferro Central do Brasil e, mais tarde, atuou na cidade de
São Carlos do Pinhal (SP) como engenheiro-assistente, na
O termo Pré-modernismo foi criado em 1939 por Tris- Superintendência de Obras. Ao mesmo tempo colaborava
tão de Athayde (pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, com artigos para o jornal O Estado de S. Paulo, que o con-
1893-1983) para denominar o “momento de alvoroço vidou para ser correspondente em Canudos – cidade do
intelectual, marcado pelo fim da grande guerra [1914- interior da Bahia – durante o conflito entre o líder Antonio
1918] e, entre nós, por toda uma ansiedade de renova- Conselheiro e as forças governistas. Permaneceu no ser-
ção intelectual, que alguns anos mais tarde redundaria
no movimento modernista” tão baiano de agosto a outubro de 1897 e testemunhou o
massacre de Canudos.
– Jean Marcel Oliveira Araujo
Ao regressar, em 1899, foi transferido para o município de
São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, onde de-
1. O pré-modernismo veria construir uma ponte sobre o rio Pardo. Lá escreveu Os
O pré-modernismo compreende um período histórico. sertões, obra que publicaria em 1902 e que o consagraria
Por isso, é importante compreendê-lo como um mo- no panorama cultural brasileiro.
mento de transição, em vez de uma escola literária, de
fato. Há de se perceber, assim, dois fatores que podem
provocar unidade no conjunto selecionado e estudado
comumente: a recusa aos modelos passados, o realis-
mo, o romantismo, entre outros, seja ela em partes ou
total, o que resulta em uma inventividade e uma plu-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

ralidade ideológica nunca antes vista, e, também, na


proclamação do Modernismo com a semana de vinte e multimídia: livro
dois, a recusa ao modernismo, em si, como é o caso do
polêmico Monteiro Lobato.
Perfil de Euclides e outros perfis – Gilberto Freyre
Assim, é comum que o aluno encontre características bas-
Gilberto Freyre foi um dos maiores intérpretes da realida-
tante "modernistas", nas obras de Lima Barreto ou de Eucli-
de brasileira e, nesse livro, revela um lado seu bastante
des da Cunha, mas uma vez que os movimentos históricos perspicaz: o de grande observador do gênero humano.
marcaram o início do Modernismo no Brasil com grandes Em Perfil de Euclides e outros perfis, Freyre nos brinda
pompas em uma semana de arte, não cabe a classificação. com textos instigantes sobre personalidades importan-
De forma geral, compreenderemos como pré-modernistas tes da história e da literatura brasileiras, como Euclides
algumas das obras publicadas entre 1902, ano de publica- da Cunha, Augusto dos Anjos, D. Pedro II, Oliveira Lima,
ção de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e 1922, ano da Manuel Bandeira, Nina Rodrigues e outros.
Semana de Arte Moderna e de falecimento de Lima Barreto.

43
2.1. Os sertões

As forças governistas acabaram por aniquilar


o primitivo exército de jagunços.

Na terceira parte, finalmente, desenrola-se a luta, organi-


zada em seis episódios: Preliminares, Travessia do comboio,
Expedição Moreira César, Quarta expedição, Nova fase da
luta e Últimos dias.
Trecho da segunda parte, "O homem", de Os sertões.

Os sertões situa-se entre a literatura, a sociologia e a ci-


ência. Trata-se de uma análise sociocultural que revelou
ao brasileiro um mundo desconhecido, de miséria abso-
luta. O rigor científico de Euclides da Cunha – de linha
cientificista do final do século XIX, que analisa o ser hu-
mano em razão de seu ambiente –, aliado à linguagem
vibrante e pomposa, faz do livro uma fonte preciosa de
informação e de expressão. Xilogravura de Gabriel Arcanjo
Serviram de roteiro as reportagens que Euclides da Cunha,
Capítulo III
como correspondente especial, escrevera no dia a dia da
Guerra de Canudos. O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitis-
mo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
Armado de cultura técnico-científica, o engenheiro trouxe
para Os sertões o vocabulário preciso de seu ofício e or- A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista,
ganizou o livro em três partes – a terra, o homem e a luta revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desem-
–, com o intuito de trazer ao leitor uma visão completa do peno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
que se passava em Canudos. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo,
Na primeira parte, o narrador descreve a terra, palco reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem
onde foi representada a trágica peleja entre brasileiros-ir- firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso, aparenta a
mãos que se desconheciam e que o destino colocou no translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

papel de antagonistas. normalmente abatida, num manifestar de displicência que


lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando
Na segunda parte, retrata o homem brasileiro que se de-
parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou
fronta naquele palco: de um lado, o sertanejo resistente; de
parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para tro-
outro, o militar incumbido de domá-lo. Emerge nessa parte
car duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos
a figura do chefe da revolta, Antônio Conselheiro, o ser-
estribos, descansado sobre a espenda da sela. Caminhan-
tanejo que representava todos os combatentes/lutadores,
do, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e
ponto de agregação para o qual convergiam as caracterís-
firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de
ticas da sociedade sertaneja.
quem parece ser o traço geométrico os meados das trilhas
Nessa parte, alguns personagens secundários do sertão sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar,
são trazidos à cena: Volta-Grande, Pajeú, Pedrão, João para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira
Abade, Trança-Pés, Boca-Torta, Chico-Ema, bem como os conversa com um amigo, cai logo – cai é o termo – de có-
coronéis Moreira César e Tamarindo, o general Machado coras, atravessando largo tempo num posição de equilíbrio
Bitencourt e muitos militares. instável, em que todo seu corpo fica suspenso pelos dedos

44
grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma
simplicidade a um tempo ridícula e adorável.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em
tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar
desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na
tendência constante à imobilidade e à quietude. multimídia: vídeo
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Fonte: Youtube
Guerra de Canudos
Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de
improviso. Naquela organização combalida operam-se, em Em 1893, Antônio Conselheiro (José Wilker) e seus se-
segundos, transmutações completas. Basta o aparecimen- guidores começam a tornar um simples movimento em
to de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das algo grande demais para a República, que acabara de
energias adormidas. O homem transfigura-se. [...] ser proclamada e decidira por enviar vários destacamen-
tos militares para destruí-los. Os seguidores de Antônio
Conselheiro apenas defendiam seus lares, mas a nova
ordem não podia aceitar que humildes moradores do
sertão da Bahia desafiassem a República.

É natural que estas camadas profundas da nossa estratifi-


cação étnica se sublevassem numa anticlinal extraordinária
– Antônio Conselheiro...
multimídia: vídeo
A imagem é corretíssima.
Fonte: Youtube
Deus e o Diabo na terra do sol Da mesma forma que o geólogo interpretando a inclinação
e a orientação dos estratos truncados de antigas forma-
Manuel (Geraldo Del Rey) é um vaqueiro que se revolta
ções esboça o perfil de uma montanha extinta, o historia-
contra a exploração imposta pelo coronel Moraes (Míl-
dor só pode avaliar a altitude daquele homem, que si nada
ton Rosa) e acaba matando-o numa briga. Ele passa a
valeu, considerando a psicologia da sociedade que o criou.
ser perseguido por jagunços, o que faz com que fuja
Isolado, ele se perde na turba dos neuróticos vulgares.
com sua esposa Rosa (Yoná Magalhães). O casal se jun-
Pode ser incluído numa modernidade qualquer de psicose
ta aos seguidores do beato Sebastião (Lídio Silva), que
progressiva. Mas posto em função do meio, assombra. É
promete o fim do sofrimento através do retorno a um
uma diátese, e é uma síntese. [...]
catolicismo místico e ritual. Porém, ao presenciar a mor-
te de uma criança, Rosa mata o beato. Simultaneamen- É difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as tendên-
te, Antônio das Mortes (Maurício do Valle), um matador cias pessoais e as tendências coletivas; a vida resumida do
de aluguel a serviço da Igreja católica e dos latifundiá- homem é um capítulo instantâneo da vida de sua sociedade.
rios da região, extermina os seguidores do beato. Acompanhar a primeira é seguir paralelamente e com mais
rapidez a segunda, acompanhá-las juntas é observar a
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Capítulo IV mais completa mutualidade de influxos.

3. Lima Barreto
Lima Barreto foi um importantíssimo escritor brasileiro, “o
romancista da primeira república''. Sua obra antecede o
movimento modernista, caracterizando-se, assim, como
uma pré-modernista. No entanto, isso não quer dizer que
seus textos não se alinhem com as implicações políticas
típicas dos grupos modernistas e nem que não obtivessem
êxito em realização estética e formal da literatura moderna.
Filho de um tipógrafo e de uma professora, ambos pobres
Os Sertões – Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa. e, à época, designados como mestiços, Lima Barreto sofre

45
preconceito durante toda sua vida. Seja pela cor de pele, Permanece na função até se aposentar. Em 1905, adentra a
seja pela questão financeira. Temas que o autor irá abordar área do jornalismo com algumas reportagens escritas para o
de maneira intrínseca em sua obra. Sua mãe morre quando Correio da Manhã. Funda a revista "Floreal", em 1907, que
o autor tem apena sete anos. Por ser afilhado do Visconde lança apenas quatro números.
de Ouro Preto, pode ter acesso a uma educação de quali-
Sua estréia literária é marcada pelo romance Recordações
dade, estudando no Colégio Pedro II e, seguidamente, na
do Escrivão Isaías Caminha (1909). O texto conta a história
Politécnica do Rio de Janeiro.
de um jovem afrodescendente que vem do interior para a
cidade e sofre sérios preconceitos raciais. Há alto tom auto-
biográfico bem como uma bela satira do jornalismo carioca.

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Policarpo Quaresma, herói do Brasil
O major Policarpo Quaresma é um sonhador. Um visio-
nário que ama o seu país e deseja vê-lo tão grandioso
Afonso Henriques de Lima Barreto (Laranjeiras, quanto, acredita, o Brasil pode ser. A sua luta se inicia no
RJ 1881 - Rio de Janeiro, RJ 1922). Congresso. Policarpo quer que o tupi-guarani seja adota-
do como idioma nacional. Ele tem o apoio de sua afilha-
da Olga, por quem nutre um afeto especial, e de Ricardo
Coração dos Outros, trovador e compositor de modinhas
que contam a história do nosso herói do Brasil.

Triste fim de Policarpo Quaresma é lançado em 1915. É con-


siderada a obra-prima do autor. Destaca-se, também, em sua
multimídia: livro carreira, a publicação de Clara dos Anjos (1922), exímio con-
to em que destrincha a problemática do colorismo no Brasil,
Lima Barreto: triste visionário – Lilia Schwarcz associando a temática à questão de classe.
Durante mais de dez anos, Lilia Moritz Schwarcz mergu- Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia
lhou na obra de Afonso Henriques de Lima Barreto, com e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que
seu afiado olhar de antropóloga e historiadora, para lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fos-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

realizar um perfil biográfico que abrangesse o corpo, a sem... Em que lhe contribuía para a felicidade saber o
alma e os livros do escritor de Todos os Santos. Essa, nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante
que é a mais completa biografia de Lima Barreto des- é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das
de o trabalho pioneiro de Francisco de Assis Barbosa, coisas do tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrí-
colas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfa-
lançado em 1952, resulta da apaixonada intimidade de
ção? Nenhuma! Nenhuma!
Schwarcz com o criador de Policarpo Quaresma, e de
um olhar aguçado que busca compreender a trajetória O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o
do biografado a partir da questão racial, ainda pouco escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricul-
tura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil
discutida nos trabalhos sobre sua vida.
como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu
patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decep-
Durante o terceiro ano do curso de Engenharia, em 1903, ções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele a viu
Lima Barreto se viu obrigado a largar o curso. Seu pai ha- combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros,
via enlouquecido e cabia a ele sustentar os irmãos. No ano inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção,
seguinte, tornou-se escriturário do Ministério da Guerra. uma série, melhor, um encadeamento de decepções.

46
A pátria que quisera ter era um mito; um fantasma cria- documentalmente que o autor era filiado a um grupo
do por ele no silêncio de seu gabinete. paulista de eugenia. A revisão necessária, contudo, não
BARRETO, L. Triste fim de Policarpo Quaresma. Disponível anula o fato de que por anos o autor foi estudado dentro
em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 8 nov. 2011.
do pré-modernismo brasileiro, seja como autor, seja como
ponto polêmico, seja como conservador, seja como um in-
4. Monteiro Lobato centivador da literatura infantil.

5. Augusto dos Anjos

Monteiro Lobato é José Bento Renato Monteiro Lobato, filho


de fazendeiros e nascido em Taubaté, no interior paulista.
Desde criança se apaixonou pela literatura, pois, além de ter
sido alfabetizado cedo, coisa rara no país até então, tinha
acesso irrestrito à biblioteca de seu avô. Esse fator, talvez o
tenha incentivado à produção de uma obra precursora da Caricatura de Augusto dos Anjos
literatura infantil no país: O Sítio do Pica-Pau-Amarelo.
Augusto dos Anjos (1884-1914) cursou Direito, em Reci-
A literatura de Lobato não para por aí, porém. Dono de fe. No contato com o ambiente acadêmico, familiarizou-se
editora, foi autor de obras que tratavam o regionalismo no com a ciência e absorveu de tal maneira termos científicos
país, como Urupês (1918), conto em que se encontra o fa- que passou a usá-los cotidianamente, até mesmo em seus
moso personagem Jeca Tatu: poemas. Sempre voltado para a literatura, publicou em edi-
[…] a verdade nua manda dizer que entre as raças va- ção particular o livro de poemas Eu, que causou enorme
riadas do matiz, formadoras da nacionalidade e metidas polêmica, pois o público, acostumado com a linguagem
entre o estrangeiro recente e o aborígene de tabuinha parnasiana, julgou a obra, à primeira vista, de mau gosto.
no beiço, uma existe a vegetar de cócoras, incapaz de
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

evolução, impenetrável ao progresso. Feia e sorna, nada A poética de Augusto dos Anjos nasceu de uma situação
a põe de pé. […] Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, histórica híbrida. Influenciado pelas ciências da época, o
maravilhoso epitome de carne onde se resumem todas poeta parecia encantado com o uso de termos científicos.
as características da espécie. […] De pé ou sentado, as Seria uma forma de inovar a poesia. Embora empregasse
ideias se lhe entramam, a língua emperra e não há de
dizer coisa com coisa. De noite, na choça de palha, aco-
conceitos de origem científica, traduziu para o leitor verda-
cora-se em frente ao fogo para “aquentá-lo, imitado da deiras essências misteriosas, despertando-lhe um fascínio
mulher e da prole. […] Pobre Jeca Tatu! Como és bonito por aquilo que ele não conhecia.
no romance e feio na realidade!
Pode-se considerar Augusto dos Anjos como um poeta de tran-
(LOBATO, 2004. p. 166-168.) sição entre o Simbolismo decadente e a modernidade, muito
Hoje, a literatura de Lobato parece estar sendo revista, identificado sempre com os sofrimentos da população do cam-
uma vez que se percebe a reprodução de certos preconcei- po e da cidade marginalizada pelo progresso capitalista.
tos (étnicos e regionais) dentro de suas obras. Além disso, A doença, a dor e a desilusão de viver estão muito presentes
os mais atentos às polêmicas sabem que foi confirmado em seus poemas.

47
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
multimídia: livro Escarra nessa boca que te beija.
(Augusto dos Anjos) Euclides da Cunha
Antologia poética de Augusto dos
Anjos – Ivan Cavalcanti Proença
Augusto dos Anjos é um poeta estranho, perturbador, in-
quietante e, como não poderia deixar de ser, capaz de
grande sedução. O vocabulário pouco comum, a multipli-
cidade de influências literárias que recebe e recria, tornan-
do-se inclassificável, e principalmente, o desespero radical
com que tematiza o fim de todas as ilusões românticas
são alguns motivos de sua rejeição e paradoxal aceitação.

5.1. Eu

Obra composta de 58 poemas, quase todos com rima e em


verso decassílabo, Eu é o único livro que Augusto dos Anjos
publicou em vida, em 1912, escandalizando o público
leitor da época pela insistência na temática da podridão,
da morte, do sofrimento e do terror.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Nele, predomina a linguagem científica e extravagante,


aliada à temática da morte e da degradação em seus es-
tágios mais avançados: a putrefação, a decomposição da
matéria. Seus versos refletem a descrença e o pessimismo
frente ao ser e à sociedade. Trata-se, portanto, de uma
poesia de negação.
Versos íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,

48
DIAGRAMA DE IDEIAS

PRÉ-MODERNISMO

UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO

ESCRITORES DE CARÁTER MODERNISTA

1902 1912 1915

TRISTE FIM DE
OS SERTÕES EU POLICARPO
QUARESMA
EUCLIDES DA CUNHA AUGUSTO DOS ANJOS
LIMA BARRETO

1922 1918

SEMANA DE
URUPÊS
ARTE MODERNA

LIMA BARRETO CONCLUI MONTEIRO LOBATO


"CLARA DOS ANJOS";
FALECE POUCO DEPOIS
CRITICOU O
MODERNISMO
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

49
Vanguardas: o futuro é agora!
Do francês avant-garde, a palavra vanguarda significa
“o que marcha na frente”. Artística ou politicamente,
TEORIA DA vanguardas são grupos ou correntes que apresentam
uma proposta e/ou uma prática inovadora. Como se
VANGUARDA tivessem “antenas” que captam as tendências do fu-
turo, as vanguardas acreditam perceber, ou compreen-
der antes de todos aquilo que mais tarde será o senso
comum. Sua intenção é fazer o futuro acontecer agora,
por isso, suas ações muitas são incompreendidas.

LC AULAS
29 E 30
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
4e5 12, 15, 16 e 17

1. O conceito de vanguarda

O grito. Edvard Munch. 1893.

Guernica. Picasso.
2. As vanguardas
Na Europa, não houve uma arte moderna uniforme, mas
um conjunto de tendências artísticas – provenientes de pa- 2.1. Futurismo
íses diferentes – com propostas específicas, embora certos
traços as aproximassem, como o sentimento de liberdade 2.1.1. Arte em movimento
criadora, o desejo de romper com o passado, a expressão
da subjetividade e certo irracionalismo.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Paris era o principal centro cultural europeu da época, onde


as novas ideias artísticas irradiavam para o resto do mundo
ocidental. Essas tendências surgidas na Europa antes, du-
rante e depois da Primeira Guerra Mundial foram conside-
radas correntes de vanguarda.
No Brasil não poderia ser diferente. Víamos o exato mo-
mento da história em que as manifestações artísticas vi-
nham crescendo no país, espelhadas nas tendências euro-
peias, fosse para imitá-las, fosse para combatê-las. Publicado em 1909, o Manifesto Futurista definiu o
As vanguardas europeias passaram pela Literatura Brasilei- perfil ideológico do movimento. Em 1912, Marinetti lançou
ra e deixaram sua contribuição. A Semana de Arte Moderna o Manifesto Técnico da Literatura Futurista cujas
e o movimento modernista vieram romper com a antiga propostas representaram uma verdadeira revolução literá-
estética que até então reinava por aqui. ria, dentre elas:

50
Retrato de Marinetti. Prampolini.

As propostas técnicas do Futurismo italiano tiveram adep-


tos em todo o mundo: o escritor estadunidense Walt Whit-
§ destruição da sintaxe e da disposição das “palavras em
man, o poeta português Fernando Pessoa e os poetas bra-
liberdade”; sileiros Mário de Andrade e Oswald de Andrade.
§ emprego de verbos no infinitivo com vistas à substanti-
vação da linguagem; Observe que estes verbos do poema Ode triunfal, de Fer-
nando Pessoa, manifestam certos traços da poesia futu-
§ abolição dos adjetivos e dos advérbios;
rista, como o tom exaltado e exclamativo, a negação do
§ emprego de substantivo composto por substantivos
passado e a exaltação das máquinas.
em lugar de substantivo acompanhado de adjetivo:
praça-funil, mulher-golfo;
À dolorosa LUZ das grandes lâmpadas elétricas
§ abolição da pontuação e substituição por sinais da ma-
temática (+, -, :, =, >, <) e sinais musicais; [da fábrica
§ destruição do eu psicologizante. Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza
[disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
[antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
[...]
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se
[exprime!
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Ser completo como uma máquina!


Velocidade abstrata: o carro passou. Giacomo Balla. 1913.
Pode ir na vida triunfante como um automóvel
Evidentemente, nem todas essas propostas firmaram-se na
[último-modelo!
literatura. Contudo, o verso livre foi uma das mais impor-
tantes contribuições do Futurismo e do Cubismo às corren- Poder ao menos penetrar-me fisicamente de
tes contemporâneas. [tudo isto,
Embora a área de maior penetração do Futurismo tenha Rasgar-me todo, abrir-me completamente,
sido a literatura, o movimento também encontrou ecos
na pintura e na escultura, particularmente nas obras de [tornar-me passento
Carlo Carrà, Umberto Boccioni, Gino Severini, Luigi Rus- A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
solo e Giacomo Balla. Nas telas futuristas, são comuns
elementos que sugerem velocidade e mecanização da Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
vida moderna. (Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965. p. 306.)

51
2.2. O Cubismo Apollinaire realizou experiências que ainda despertam gran-
de interesse. No Brasil, nas décadas de 1950-1960, essa
técnica influenciaria o Concretismo.
2.2.1. A simultaneidade de perspectivas
e o geometrização das formas Ilogismo, humor, anti-intelectualismo, instantaneísmo, simul-
taneidade, linguagem predominantemente nominal são ca-
O movimento cubista teve início na França, em 1907, com
racterísticas da literatura cubista.
o quadro Les demoiselles d’Avignon, do pintor espanhol
Pablo Picasso. A partir de então, em torno de Picasso e do As principais expressões do Cubismo europeu foram Picas-
poeta francês Apollinaire, formou-se um grupo de artistas so, Léger, Braque, Gris e Delaunay, na pintura; e Apollinaire
que cultivaria as técnicas cubistas até o término da Primei- e Blaise Cendrars, na literatura.
ra Guerra Mundial, em 1918.
A convivência entre os escritores e artistas plásticos des- Picasso no cinema
se grupo favoreceu uma rica troca de ideias e técnicas Aos 60 anos e no auge de sua carreira, o pintor Pablo
de modo que os poetas familiarizavam-se com técnicas Picasso convidou uma jovem de 23 anos a morar com
pictóricas enquanto os pintores assimilavam ideias filo- ele, iniciando com ela um relacionamento que dura-
sóficas e poéticas. ria dez anos. Esse é o enredo do filme Os amores de
Os pintores cubistas opõem-se à objetividade e à line- Picasso (1996), de James Ivory, com o ator Anthony
aridade da arte renascentista e realista. Buscam novas Hopkins no papel de Picasso.
experiências com a perspectiva, procuram decompor os
objetos representando-os em diferentes planos geomé-
tricos e ângulos retos, em espaços múltiplos e descontí-
nuos, que se interceptam e se sucedem, de tal forma que
o olhar do espectador possa retomá-los e obter uma
visão do todo, de face e de perfil, como se tivesse dado
uma volta em torno deles. Outra técnica introduzida
pelos cubistas foi a colagem, que consiste em montar
a obra a partir de diferentes materiais: figuras, jornais,
mamadeiras, etc.

Entre os modernistas brasileiros da década de 1920 são


notáveis as influências cubistas.
Neste poema de Oswald de Andrade, a fragmentação da
realidade, a predominância de substantivos e flashes cine-
matográficos comprovam isso.

Hípica
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Saltos records
Cavalos da Penha
Correm jóqueis de Higienópolis
Os magnatas
Les demoiselles d´Avignon. Picasso. 1907. As meninas
As mulheres da esquerda identificam-se com a cultura ibérica e as
da direita revelam influência da arte negra pesquisada pelo pintor. E a orquestra toca
Na literatura, essas técnicas de pintura correspondem à Chá
fragmentação da realidade, à superposição e simultaneida-
Na sala de cocktails
de de planos – reunião e mistura de assuntos aparente-
(Poesias reunidas. 5. ed. Rio de Janeiro:
mente sem nexo, com espaços e tempos diferentes. Com Civilização Brasileira, 1978. p. 129.)
base na disposição espacial e gráfica do poema, o poeta

52
2.3. Expressionismo Durante e depois da Primeira Guerra, o Expressionismo as-
sumiu um caráter mais social e combativo, denunciando os
horrores da guerra, as condições de vida desumanas das
2.3.1. Liberdade de expressão
populações carentes, etc.
do mundo interior
Segundo o crítico de arte Giulio Argan, “o Expressionismo
põe-se como antítese do Impressionismo, mas o pressu-
põe: ambos são movimentos realistas, que exigem a dedi-
cação total do artista à realidade, mesmo que o primeiro
a resolva no plano do conhecimento e o segundo, no pla-
no da ação” (Arte moderna. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993. p. 227).
Dentre os principais fundamentos do Expressionismo, des-
tacam-se:
§ A arte não é imitação, mas criação subjetiva, livre. A
arte é expressão dos sentimentos.
§ A realidade que circunda o artista é horrível; por isso,
ele a deforma ou a elimina, criando a arte abstrata.
§ A razão é objeto de descrédito.

Autorretrato. Van Gogh.


§ A arte é criada sem obstáculos convencionais; repre-
senta repúdio à repressão social.
No começo do século XX, um grupo de pintores alemães
e de fauvistas franceses passou a se reunir com o objetivo § A intimidade e a vivência da dor derivam do sentido
de combater o Impressionismo, tendência da qual eles se trágico da vida e causam uma deformação significativa,
provinham, em nome do chamado Expressionismo. torturada.

O Impressionismo consistia de uma pintura que valorizava § A arte desvincula-se do conceito de belo e feio e torna-
a impressão, a captação da realidade mediante uma arte -se uma forma de contestação.
sensorial e subjetiva. A relação entre artista impressionis- As características da literatura expressionista são mani-
ta e realidade compreendia o movimento da criação do festadas por:
mundo exterior para o mundo interior. O Expressionismo,
por sua vez, propunha o oposto: o movimento da criação § linguagem fragmentada, elíptica, frases nominais sem
partia da subjetividade, do mundo interior do artista em di- sujeito, aglomeração de substantivos e adjetivos;
reção ao mundo exterior. A obra de arte seria reflexo direto § despreocupação com a organização do poema em es-
de seu mundo interior cuja atenção estaria voltada para a trofes, rimas ou musicalidade; e
expressão: forma e conteúdo uniam-se livremente para dar
vazão às sensações do artista no momento da criação. Essa § temas voltados para o combate à fome, à inércia e aos
liberdade de expressão assemelhava-se à que os futuristas valores do mundo burguês.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

pregavam com o lema “palavras em liberdade”. Dentre os artistas ligados ao Expressionismo, destacam-
-se: Kandinsky, Paul Klee, Chagall, Munch, na pintura;
Erich Mendelsohn, na arquitetura; August Stramm, Ka-
simir Edschmid e, mais tarde, Hermann Hesse e Thomas
Mann, na literatura; Kayser e Brecht (fase inicial), no teatro,
Schoenberg, na música; e Wiene, no cinema.
Leia abaixo um fragmento do poema expressionista O meu
tempo, do poeta alemão Wilhelm Klemm. Observe como a
aglomeração de frases nominais realçam a externalização
das sensações do poeta:
Cantos e metrópoles, lavinas febris,
Terras descoradas, polos sem glória,
Karl Johan ao anoitecer. E. Munch. 1892. Miséria, heróis e mulheres da escória,

53
Sobrolhos espectrais, tumulto em carris.
Soam ventoinhas em nuvens perdidas.
Os livros são bruxas. Povos desconexos.
A alma reduz-se a mínimos complexos.
A arte está morta. As horas reduzidas.
(Apud Lúcia Helena. Movimentos da vanguarda europeia
São Paulo: Scipione, 1993. p. 33.)

2.4. Dadaísmo
2.4.1. A antiarte
Para os dadás, com a Europa banhada em sangue, o cultivo
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Suíça, que tinha se
da arte não passava de hipocrisia e presunção. Em razão
mantido neutra no conflito, recebeu em Zurique artistas e
disso, adotaram procedimentos que tinham em vista ridi-
intelectuais de todos os pontos da Europa. Esses “fugidos da
cularizá-la, agredi-la, destruí-la.
guerra” reuniam-se no “Cabaret Voltaire”, ponto de encon-
tro e espaço cultural no qual nasceu o movimento dadaísta. Foram muitas as atitudes demolidoras dos artistas dada-
Criado a partir do clima de instabilidade, medo e revolta ístas a partir de 1916: noitadas em que predominavam
provocados pela guerra, o movimento dadá pretendia ser palhaçadas, declamações absurdas, exposições inusitadas,
uma resposta à nítida decadência da civilização represen- além de espetáculos relâmpagos que faziam de improviso
tada pelo conflito. Dessa postura, provêm a irreverência, o nas ruas, em meio a urros, vaias, gritos, palavrões e à total
deboche, a agressividade e o ilogismo dos textos e mani- incompreensão da plateia.
festações dadaístas. O Dadaísmo suíço produziu um pequeno acervo de obras
artísticas, mas o movimento foi reforçado pelas montagens
e colagens de Max Ernst e Hans Arp, e pela técnica do
ready-made desenvolvida por Marcel Duchamp, que satiri-
za o mito mercantilista da civilização capitalista. Essa téc-
nica consiste em extrair um objeto do seu uso cotidiano e,
sem alguma ou com pequenas alterações, atribuir-lhe um
valor. Ficaram famosos certos objetos, como um urinol de
porcelana, uma roda de bicicleta enxertada numa cadeira,
um rolo de corda, uma ampola de vidro, um suporte para
garrafa, todos elevados por Duchamp à condição de
objetos de arte.
Na literatura, o Dadaísmo caracteriza-se pela agressivi-
Le violon d’Ingres. Man Ray. 1924. dade, improvisação, desordem, rejeição a todo tipo de ra-
cionalização e equilíbrio, bem como pela livre associação
de palavras – técnica da “escrita automática”, mais tarde
O que significa dadá?
aproveitada pelo Surrealismo – e pela invenção de pala-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Segundo Tristan Tzara, líder dadaísta, a palavra dadá vras com base na exploração de seu significante. Este poe-
não significa nada: ma fonético Die Schlacht (A batalha), de Ludwig Kassak, é
“Encontrei o nome casualmente ao meter uma es- um bom exemplo dessas propostas:
pátula num tomo fechado do Petit Larousse. Ao abrir o
livro, a primeira linha que me saltou à vista foi DADÁ.”
Um fragmento do “Manifesto do Senhor Antipirina” da
primeira exposição pública do pensamento dadaísta dizia:
“Dadá permanece no quadro europeu das fraquezas,
no fundo é tudo merda, mas nós queremos doravante
cagar em cores diferentes para ornar o jardim zoológi-
co da arte de todas as bandeiras dos consulados”.
Urinol de porcelana. Duchamp.

54
Berr... bum, bumbum, bum... com coerência, significados, adequação etc. Na literatura, esse
procedimento recebeu o nome de escrita automática.
Ssi... bum, papapa bum, bumm 
Outra linha de atuação surrealista, a onírica, busca a trans-
Zazzau... Dum, bum, bumbumbum  posição do universo dos sonhos para o plano artístico.
Prã, prà, prã... ra, hã-hã, aa...

Hahol...

A poesia sonora e o Dadaísmo


A poesia sonora, composta de sons apenas, sem
palavras, nasceu com os dadaístas no começo do
século XX. Depois de oitenta anos desaparecida, re-
nasceu na década de 1990 entre poetas brasileiros
e portugueses. Em agosto de 2000, foi realizado em
São Paulo o Ciclo Internacional de Poesia Experi-
mental Sonora.

Francis Picabia, Philippe Soupault e André Breton des- O Surrealismo. Max Ernst.
tacaram-se como dadaístas. De orientação anarquista e
niilista sem um programa de arte, o movimento não teve
longa duração. Tristan Tzara e André Breton desentende-
ram-se. Como o fim da guerra, era hora de reconstruir o
que fora demolido: a Europa e a arte. Tzara insistia em
manter a linha original do movimento. Breton rompeu
com o Dadaísmo e abandonou o grupo para criar o mo-
vimento surrealista, uma das mais importantes correntes multimídia: livro
artísticas do século XX.
A necessidade da arte – Ernst Fisher
2.5. Surrealismo Muito utilizada na disciplina História da Arte, nos cursos
de História, Turismo e Design, a nona edição brasileira
2.5.1. O combate à razão dessa excelente obra concebe a arte como substituto da
Nascido na França, o movimento surrealista apareceu com a vida, como uma forma de colocar o homem em estado
publicação do “Manifesto do Surrealismo” (1924), de André de equilíbrio.
Breton. Interessados nas propostas de Breton, que, psicana-
lista, procurava unir arte e psicanálise, diversos pintores ade- Na concepção freudiana, o sonho é a manifestação das zo-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

riram ao movimento, que optou por experiências criadoras nas ocultas da mente, do inconsciente e do subconsciente.
automáticas e pelo imaginário extraído do sonho como linhas Os surrealistas pretendiam criar uma arte livre da razão,
de atuação. que correspondesse à transferência direta das imagens ar-
tísticas do inconsciente para a tela ou para o papel, uma
Freud, na psicanálise, e Bergson, na filosofia, já haviam destacado arte produzida num estado de consciência em que o artista
a importância do mundo interior do ser humano, as zonas pouco estaria “sonhando acordado”.
ou propriamente desconhecidas da mente humana. Encaravam o
Nessas duas linhas de pesquisa e trabalho predominam
inconsciente, o subconsciente e a intuição como fontes inesgotá- o ilogismo, o devaneio, o sonho, a loucura, a hipnose, o
veis e superiores de conhecimento humano, legando a segundo humor negro, as imagens surpreendentes, o impacto do
plano o pensamento sensível, racional e consciente. inusitado, a livre expressão dos impulsos sexuais, etc.
O automatismo artístico consiste em extravasar sem controle O Surrealismo teve repercussão na literatura, com André
algum da razão ou do pensamento os impulsos criadores do Breton, Louis Aragon, Antonin Artaud; nas artes plásticas,
subconsciente. Ao proceder assim, o artista leva para a tela ou com Salvador Dali, Max Ernst, Joan Miró, Jean Harp; no
para o papel seus desejos interiores profundos sem se importar cinema, com o cineasta espanhol Luis Buñuel.

55
A bela da tarde
Esse é o titulo de um filme de Luis Buñel, premiado no Festival de Veneza, em 1967, cuja protagonista é Catherine Deneuve.
Trata-se de um debate sobre a relação entre repressão sexual rígida e moral burguesa. O filme narra as aventuras amorosas
de Séverine, uma jovem rica e infeliz no casamento, que busca realizar suas fantasias num discreto bordel da cidade.

Cena do filme A bela da tarde.

multimídia: livro multimídia: livro


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Outros critérios – Leo Steinberg Vanguarda europeia e Modernismo


Os treze ensaios escritos entre 1955 e 1972 do crítico brasileiro – Gilberto Mendonça Teles
novaiorquino Leo Steinberg, reunidos nessa obra e pre- Nick Hart é um artista estadunidense que se esforça,
faciados pelo autor especialmente para essa edição, tra- que vive entre a comunidade de expatriados na dé-
zem uma contribuição singular aos estudos sobre artes cada de 1920, em Paris. Ele passa a maior parte do
moderna e contemporânea. tempo bebendo e socializando-se nos cafés locais e
Um dos renovadores da crítica de arte, Steinberg mis- irritando o dono da galeria Libby Valentin para vender
tura a visão do scholar à do crítico militante, em uma suas pinturas. Envolve-se em uma trama da rica patro-
vibrante vocação interpretativa. Com uma leitura crítica na de arte Nathalie de Ville para forjar três pinturas.
(ou autocrítica), vinculada aos problemas da história da Isso leva a vários episódios com o magnata da borra-
arte moderna, ele estabelece o que seria a tarefa histó- cha estadunidense Bertram Stone, que se casou com a
rica da crítica, do meio do convívio com as obras. ex-esposa de Hart, Rachel.

56
VIVENCIANDO

Conhecer sobre arte é conhecer o próprio ser humano. Quem interpreta o mundo sob a óptica da arte tem mais
noção crítica sobre quem é e o que está fazendo no mundo. Noções estéticas em mimeses com a realidade dão
dimensão e clareza do mundo, fazem sujeitos críticos afastados do mal da alienação e da massa de manobra. Os
movimentos artísticos do início do século XX registram o processo de fragmentação do sujeito que a violência
das guerras e da busca irremediável por poder e dinheiro trouxe ao mundo pós-industrialização.

O cavalo azul. Franz Marc. 1911. Casas d’estaque. George Braque. 1908 Quadro I. Piet Mondrian. 1921
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Estado de espírito II. Umberto Boccioni. 1911. A persistência da memória. Salvador Dali. 1931

57
VIVENCIANDO

Mesa posta ou harmonia em vermelhos. Henri Matisse. 1908.


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multimídia: vídeo multimídia: vídeo


Fonte: Youtube Fonte: Youtube
Nós que aqui estamos por vós esperamos O discreto charme da burguesia
Um filme documentário/cinema memória de Marcelo Um embaixador rico (Fernando Rey) e um grupo de
Masagão, de 1999, sobre o século XX, a partir de uma amigos burgueses se reúnem para jantar, mas a anfitriã
poética e criativa linguagem de montagem de recortes (Stéphane Audran) estava esperando por eles em uma
biográficos reais e ficcionais (como fotografias, filmes noite diferente. O grupo, então, tenta jantar em um res-
clássicos e outros tipos de registros audiovisuais) de taurante, só para encontrar os garçons de luto pela mor-
pequenos e grandes personagens que viveram no sé- te repentina de seu gerente. Logo fica claro que o grupo
culo passado, de forma a resumir e definir o espírito sofisticado está fadado a ter a sua refeição interrompida
dessa época. por ocorrências cada vez mais bizarras.

58
multimídia: vídeo multimídia: vídeo
Fonte: Youtube Fonte: Youtube
Metropolis Meia-noite em Paris
Metrópolis, ano 2026. Uma cidade dividida em duas: Gil (Owen Wilson) sempre idolatrou os grandes escri-
de um lado estão os operários, em regime de escravi- tores estadunidenses e sonhou ser como eles. A vida o
dão, vivendo na miséria e explorados por máquinas. Do levou a trabalhar como roteirista em Hollywood, o que
outro, estão os poderosos, os políticos, que desfrutam fez com que fosse muito bem remunerado, mas que
de um jardim idílico, o Jardim dos Prazeres. Uma história também lhe rendesse uma boa dose de frustração. Ago-
de amor surge entre os dois extremos da cidade. ra, ele está prestes a ir a Paris ao lado de sua noiva, Inez
(Rachel McAdams), e dos pais dela, John (Kurt Fuller) e
Helen (Mimi Kennedy).

multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
The moderns
multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Nick Hart é um artista estadunidense que se esforça,
que vive entre a comunidade de expatriados na dé- 1900
cada de 1920, em Paris. Ele passa a maior parte do Na Itália, a vida de dois amigos de infância separados
tempo bebendo e socializando-se nos cafés locais e por seus destinos. Olmo Dalcò (Gérard Depardieu), filho
irritando o dono da galeria Libby Valentin para vender bastardo de um camponês, é um trabalhador inverter:
suas pinturas. Envolve-se em uma trama da rica patro- politicamente consciente. Alfredo Berlinghieri (Robert De
na de arte Nathalie de Ville para forjar três pinturas. Niro), filho de um proprietário de terras, vive do dinheiro
Isso leva a vários episódios com o magnata da borra- da família, sem maiores preocupações. De classes opos-
cha estadunidense Bertram Stone, que se casou com a tas, os dois compartilham um contexto: o crescimento do
ex-esposa de Hart, Rachel. fascismo e do comunismo.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

59
ÁREAS DE CONHECIMENTO DO ENEM

HABILIDADE 12
Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.

Esta competência trata de um conhecimento humano fundamental que é dominar as generalidades das
expressões artísticas existentes. Entender que a arte é um tentáculo da cultura e, assim sendo, como se
comporta em sua concepção levando em consideração o autor, seu processo criativo (estética, técnica,
suporte, objetivo, etc.) e relação como o contexto de produção. Estudar esta competência na disciplina de
Literatura faz parte de um movimento contemporâneo das bases educativas que buscam interdisciplinari-
dade entre os conteúdos, sobretudo por conta do fato de que a literatura é arte. A partir dessa premissa,
infere-se que também recebe as mesmas influências que os artistas de outros gêneros (como é o caso da
pintura) e de movimentos artísticos receberam, como aconteceu com as vanguardas artísticas europeias.
Estas habilidades pressupõem que o aluno tenha conhecimento das concepções artísticas, no caso o con-
ceito de uma vanguarda artística do século XX específica: o Surrealismo. A construção dos procedimentos
artísticos e sua função está ligada aos fatores estéticos que podem levar em consideração a forma e/ou
conteúdo do texto em relação à concepção artística do contexto (meios culturais).

MODELO 1

(Enem) O Surrealismo configurou-se como uma das vanguardas artísticas euro-


peias do início do século XX. René Magritte, pintor belga, apresenta elementos
dessa vanguarda em suas produções. Um traço do Surrealismo presente nessa
pintura é o(a):

a) justaposição de elementos díspares, observada na imagem do homem no espelho;


b) crítica ao passadismo, exposta na dupla imagem do homem olhando sempre para frente;
c) construção de perspectiva, apresentada na sobreposição de planos visuais;
d) processo de automatismo, indicado na repetição da imagem do homem;
e) procedimento de colagem, identificado no reflexo do livro no espelho;

ANÁLISE EXPOSITIVA

O movimento surrealista apresenta como principais características a ausência da lógica, a fusão consciente
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

da realidade com a ficção, a exploração do mundo onírico e a exaltação da liberdade de criação, entre
outros. Magritte é conhecido pelas obras provocadoras que desafiam as percepções dos observadores,
como a tela “A reprodução proibida”, em que a imagem do homem refletida no espelho contraria a lógica.

RESPOSTA Alternativa A

60
DIAGRAMA DE IDEIAS

VANGUARDAS EUROPEIAS
DO SÉCULO XX

AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS EUROPEIAS PREGAVAM UM MESMO


IDEAL: ERA PRECISO DERRUBAR A TRADIÇÃO POR MEIO DE
PRÁTICAS ARTÍSTICAS INOVADORAS, CAPAZES DE SUBVERTER
O SENSO COMUM E CAPTAR AS TENDÊNCIAS DO FUTURO.

A PALAVRA VANGUARDA, DO FRANCÊS AVANT-


GARDE, SIGNIFICA A “GUARDA AVANÇADA”,
O QUE PRESSUPÕE, NESSE CONTEXTO, UM
MOVIMENTO PIONEIRO DAS ARTES.

PARA LEMBRAR SOBRE AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS:


• Representação dos sentimentos humanos através de linhas e cores.
• Deformação e fragmentação do homem moderno.
• Deformação da realidade; Pessimismo e negatividade.
• Abandono ou fuga das regras tradicionais da arte.
• Melancolia e tristeza.
• Retrato do mundo interior (aspecto psicológico registrado em seus imediatismos caóticos.

O PRINCIPAL OBJETIVO DAS VANGUARDAS ERA


LEVAR PARA A ARTE O SENTIMENTO DE LIBERDADE
CRIADORA, A SUBJETIVIDADE, CERTO IRRACIONALISMO
E, FUNDAMENTALMENTE, A MIMESE DE UM
MUNDO VIOLENTO, VELOZ E FRAGMENTADO.
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

61
1.1. Orfismo
O primeiro tempo do Modernismo português, conhecido
como Orfismo, associou-se à profunda instabilidade polí-
tico-social da primeira República, e recebeu esse nome por-
MODERNISMO que, à luz das modernas vanguardas europeias, em 1915,
alguns jovens – Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro,
PORTUGUÊS I Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros e o brasileiro
Ronald de Carvalho, entre outros – resolveram fundar uma
revista que os congregasse. Surgiu a revista Orpheu.
A Orpheu era uma publicação porta-voz dos ideais de
renovação futurista desejados pelo grupo. Ela teve dois

LC
números. No primeiro, Luis de Montalvor e Ronald de Car-
AULAS valho pretenderam aproximar o Modernismo português do
31 E 32 Modernismo brasileiro. Além disso, a revista tinha como
proposta tirar Portugal de seu descompasso em relação à
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
Europa. Sua poesia, irreverente e alucinada, tinha por obje-
5 15, 16 e 17 tivo preciso irritar o burguês.
No segundo número, sob a direção de Fernando Pessoa e
Mário de Sá-Carneiro, declarou-se o fim do Simbolismo.
1. Contexto histórico Em decorrência de questões financeiras e de outras situ-
ações, a revista não prosseguiu, encerrando-se em 1916.
Os primeiros anos do século XX em Portugal foram conturba-
dos. Com a descrença na monarquia, em 1910 foi proclama-
da a República, mas as mudanças sociais que eram esperadas
não aconteceram. Desse modo surgiram dissidências inter-
nas, o que levou à instabilidade da democracia portuguesa.

Capa do primeiro exemplar da revista Orpheu, publicada no primeiro trimestre


de 1915, com 83 páginas e impressa em papel de excelente qualidade.

2. Características do
modernismo em Portugal
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Essa litografia popular representa os principais eventos da Revolução


que levaram Portugal à proclamação da República. No primeiro
plano, chefes e civis que tomaram parte na luta. Acima, o bombardeio
do palácio real pelos navios de guerra, o embarque da família real
para o exílio e os jesuítas sendo presos por revolucionários.

Em 1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal. No ano


seguinte, ao lado dos países aliados, um corpo expedicioná-
rio de 55 mil portugueses e muitas tropas seguiram para
Angola e Moçambique, países africanos, limítrofes com
colônias da Alemanha. Tanto na Europa quanto na África a
guerra causou enormes perdas, mas permitiu que Portugal
se incluísse entre os vencedores no Tratado de Versalhes. Retrato de Fernando Pessoa. Óleo sobre tela, 201 cm x 201 cm.1954.

62
2.1. Crise do progressismo
burguês e Intuicionismo
A instabilidade europeia do início do século XX atingiu Por-
tugal e representou um período de grande insatisfação e
também de crise da sociedade liberal burguesa.
Nessa época imperou um novo individualismo, que os
primeiros modernistas cultivaram como determinação do
próprio eu e não como algo imposto pela sociedade. Surgiu
também o Intuicionismo, como um conhecimento do mundo Almada Negreiros
que vem da espontaneidade, de forma natural, e não pela ci-
Em 1917, o poeta e pintor Almada Negreiros ressaltou
ência ou pela técnica, como é possível perceber neste poema
a necessidade de transformações e, vestido de operário,
de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:
apresentou no Teatro da República, a conferência “Ultima-
“O que nós vemos das cousas são as cousas. tum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX”.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir? Ultimatum futurista
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.”
(PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro. Obra completa
de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro. Aguilar. 1977.)

Nesse poema, o eu poético questiona e aponta uma


relação de sensações com o mundo e a natureza, ne-
gando qualquer sentido profundo nas coisas que for-
mam a realidade.
É nítida também a postura de não aceitar a raciona-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

lidade e a ordenação das coisas, características do


progressismo burguês. A sabedoria está em descons-
truir, desaprender.
Às gerações portuguesas do século XXI

“Acabemos com este maelstrom de chá morno!


2.2. Vanguardismo: O
Mandem descascar batatas simbólicas a quem disser que
Cubofuturismo e o Surrealismo
não há tempo para a criação!
Entre os movimentos europeus de vanguarda que influen-
Transformem em bonecos de palha todos os pessimistas e
ciaram o Modernismo português, devem ser citados o
desiludidos!
Cubismo e o Futurismo que, já de início, foram adotados
principalmente pelos poetas. Despejem caixotes de lixo à porta dos que sofrem da impo-
tência de criar!
A Primeira Guerra Mundial havia assolado a Europa, e mui-
tos artistas portugueses regressaram a Portugal. Rejeitem o sentimento de insuficiência da nossa época!

63
Cultivem o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia! O título desse quadro é o mesmo do conto de Almada Ne-
Virem contra a parede todos os alcoviteiros e invejosos do greiros, de característica cubofuturista.
dinamismo!
Declarem guerra aos rotineiros e aos cultores do hipnotismo!
Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem
intelectual!
Defendam a fé da profissão contra atmosferas de tédio ou
qualquer resignação!
Façam com que educar não signifique burocratizar! multimídia: vídeo
Fonte: Youtube
Sujeitem a operação cirúrgica todos os reumatismos
espirituais! Entrevista de Almada Negreiros - 1968

Mandem para a sucata todas as ideias e opiniões fixas!


Mostrem que a geração portuguesa do século XXI dispõe
de toda a força criadora e construtiva!
3. Etapas do modernismo
Atirem-se independentes prá sublime brutalidade da vida! em Portugal
Dispensem todas as teorias passadistas!
3.1. Primeiro momento (1915-1927)
Criem o espírito de aventura e matem todos os sentimentos
passivos! Após o impacto provocado pelo lançamento da revista
Orpheu, em 1915, o grupo fundador resolveu trazer Por-
Desencadeiem uma guerra sem tréguas contra todos os
tugal ao compasso das vanguardas europeias, das quais
“botas de elástico”!
o grupo recebeu grande influência. Destacam-se, nesse
Coloquem as vossas vidas sob a influência de astros primeiro momento, Fernando Pessoa, Mário da Sá-Car-
divertidos! neiro e Almada Negreiros.
Desafiem e desrespeitem todos os astros sérios deste mundo!
Incendeiem os vossos cérebros com um projecto futurista!
Criem a vossa experiência e sereis os maiores!
Morram todos os derrotismos! Morram! PIM!”
(ALMADA NEGREIROS. José de. Obras completas. Lisboa: Imprensa
Nacional.1989 v. IV. (Col. Biblioteca de autores portugueses.)

Naquele mesmo ano, Almada Negreiros publicou o conto


K4, o quadrado azul, que inspirou este quadro homônimo
de Eduardo Viana:
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Florbela Espanca

Há escritores e poetas portugueses que não se filiaram a


nenhum desses momentos, permanecendo independentes
em suas criações. Foi o caso da poeta Florbela Espanca
(1894-1930), dona de lirismo neorromântico, e do escritor
José Saramago, cuja obra está em particular evidência atu-
almente, com a retomada ficcional da história de Portugal,
em livros como Jangada de Pedra, Memorial do Convento
K4, o quadrado azul. Óleo sobre tela, 47,5
x 56 cm. Eduardo Viana. 1917. e História do cerco de Lisboa.

64
4.1. Nacionalista místico
Em Mensagem, de 1934, o poeta faz uma réplica de Os
Lusíadas a partir de uma perspectiva nacionalista mística.
Atuando como um verdadeiro sebastianista, prega a volta
de el-rei D. Sebastião – morto na África em 1578 – para
restaurar Portugal e o Quinto Império. Divide-se em três
multimídia: livro partes: Brasão, Mar português e O encoberto. Brasão tem
como referência o brasão português, representado por sete
castelos amarelos em um campo vermelho e cinco quinas
Os anos vinte em Portugal – José Augusto França
azuis. Cada castelo equivale a uma figura historicamente
“Este livro é, como o que o autor publicou há 25 anos ligada à formação do Estado português. Abrange desde
sobre ‘O Romantismo em Portugal’, um estudo de fatos Ulisses – o fundador de Lisboa, segundo o mito – até D.
socioculturais, de informação e de reflexão sobre um pe- João I, o mestre de Avis, responsável pelas grandes navega-
ríodo da história nacional – arredado e ainda perto de ções. Mar português focaliza os navegadores e o desejo de
nós. A primeira data que nele nos aparece é, ao fim da conquistar os mares. O encoberto, última parte, concentra-
guerra, o assassinato de Sidónio Pais, e a última, a ins- -se no mito do Sebastianismo e do Quinto Império, que re-
talação de Salazar no poder, a meio de 1932, ao termo tirariam Portugal da decadência experimentada a partir do
de um lento processo de seis anos.” século XVIIII até o momento da enunciaçaõ, o século XX.

3.2. Segundo momento (1927-1940) 4.2. Poeta da mágoa


Em Cancioneiro, identifica-se com a produção lírica portugue-
Com a fundação da revista Presença, em 1927, surgiu um
sa, desde a Idade Média, revelando-se um poeta da mágoa.
grupo que pretendia fazer uma literatura mais intimista e
artística sem se opor, contudo, ao orfismo. Destacaram-se, “Boiam leves, desatentos
como presencistas, José Rodrigues Miguéis, Branquinho da Meus pensamentos de mágoa,
Como no sono dos ventos,
Fonseca, José e Irene Lisboa. As algas, cabelos lentos
[...]
3.3. Terceiro momento (1940-1947) Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Ao propor uma literatura de caráter social, o grupo que se Leve mágoa, breve tédio,
reuniu no terceiro momento por apenas sete anos preten- Não sei se para, se flui;
deu afastar-se do intimismo e do subjetivismo e fazer uma Não sei se existe ou se dói.”
literatura marcadamente social. É o chamado neorrealismo Poesias. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).
dos anos 1940, que veiculou principalmente romances de
Dentro da produção de Fernando Pessoa ortônimo, os poemas
denúncia da miséria social. O mais marcante livro desse
de Cancioneiro são aqueles que mais fixam o lirismo tradicio-
momento foi Gaibéus, de Alves Redol. Destacaram-se tam-
nal português, repleto de saudades, de mágoas, de piedade.
bém Vergílio Ferreira e Fernando Namora.
O Cancioneiro traz também um Fernando Pessoa que re-
3.4. Quarto momento (1947 à atualidade) flete sobre o ato de escrever, com grande espírito crítico e
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

uma organização intelectual incomum.


Em antagonismo à literatura de caráter engajado, surgiu
um grupo surrealista cujas obras foram expostas em Lis-
boa em 1949. Como a estética surrealista é totalmente
subjetivista, a denúncia social ficou pálida e desapareceu.
Pertencem a esse grupo os escritores-artistas José Augusto
França e Mário Cesariny de Vasconcelos.

4. Fernando Pessoa, ortônimo


Poeta lírico e nacionalista, Fernando Pessoa, ele mesmo, cul-
tivou uma poesia voltada aos temas tradicionais de Portugal
e ao seu lirismo saudosista, que expressa reflexões sobre seu Fernando Pessoa na Baixa de Lisboa, onde costumava passear
eu profundo, suas inquietações, sua solidão, seu tédio. e tomar um café na cafeteria A Brasileira, no Chiado.

65
“Autopsicografia Herdeiro do Decadentismo/Simbolismo, seu modo de en-
O poeta é um fingidor. xergar a vida não aceitava os limites. Isso é o que se pode
Finge tão completamente depreender da leitura de alguns de seus poemas.
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Da dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só os que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.” multimídia: livro
(Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.)
A morte de Mário de Sá-Carneiro
– João Pinto de Figueiredo
5. Mário de Sá-Carneiro Apesar do seu título, é da vida de Mário de Sá-Carneiro
que nos fala esse livro. Efetivamente, para o autor de
”Céu em fogo” a vida não passou de uma morte pro-
longada, de uma morte vivida. (...) Na escassa bibliogra-
fia sobre o grande poeta, A morte de Mário de Sá-Car-
neiro constituirá doravante uma referência obrigatória.

Dispersão

Conflituoso, Mario de Sá-Carneiro (1890-1916) sustentou sua


poesia sobre a memória do passado e a projeção do futuro.
Viveu parte de sua vida em Paris. Em 1914, no começo da
Primeira Guerra Mundial, uniu-se a Fernando Pessoa e ou-
tros intelectuais, participando, em 1915, da fundação da re-
vista Orpheu. Nessa permanência em Lisboa publicou duas
obras: Dispersão e A Confissão de Lúcio.
Viveu um tempo de grande euforia em torno dos compa-
nheiros e da agitação modernista. Morreu muito jovem e
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

foi um inadaptado. Poeta angustiado, estranho à vida, re-


pele a condição de existir com grande veemência, como se
a vida lhe fosse incômoda.

“Perdi-me dentro de mim


Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
[...]

66
Não sinto o espaço que encerro Obras
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro –
Não me acho no que projecto.
Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.
[...]
E tenho pêna de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

§ Amizade, peça em três atos (com Tomás Cabreira Ju-


“Quase nior), 1912.
Um pouco mais de sol – eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além. § Dispersão, 12 poemas, 1914.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa... § A Confissão de Lúcio, narrativa, 1914.
Se ao menos eu permanecesse aquém...
§ Céu em Fogo, novelas, 1915.
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d’espuma;
E o grande sonho despertado em bruma, Obras inéditas
O grande sonho – ó dor! – quase vivido... § Indícios de ouro, poemas.
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão...
§ Primeiro capítulo de um novela intitulada Mundo interior.
Mas na minh’alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... –
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
[...]”
(MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através
dos textos. São Paulo: Cultrix, 1991.)

VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

67
trata de pseudônimos, mas heterônimos, pois são várias
projeções do eu, cada qual com personalidade, biografia,
estilo e características específicas e distintas do seu brilhan-
te criador, Fernando Pessoa.

MODERNISMO
PORTUGUÊS II

LC AULAS
33 E 34
COMPETÊNCIA(s) HABILIDADE(s)
5 15, 16 e 17
O próprio Fernando Pessoa assim se
expressa a respeito de sua heteronímia
“Por qualquer motivo temperamental que me não
1. Os heterônimos de proponho analisar, nem importa que analise, construí

Fernando Pessoa dentro de mim várias personagens distintas entre si


e de mim, personagens essas a que atribuí poemas
vários que não são como eu, nos meus sentimentos e
ideias, os escreveria.
Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis
e os de Álvaro de Campos que ser considerados. Não
há que buscar em quaisquer deles ideias ou sentimen-
tos meus, pois muitos deles exprimem ideias que não
aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente
que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.”
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

Fernando Pessoa - Heterônimo. 1978. Costa Pinheiro.


“A única maneira de teres sensações novas
Verdadeiro mestre da poesia, a genialidade de Fernando é construíres-te uma alma nova. [...]
Pessoa evidenciou-se também com seus heterônimos: Al- E o único meio de haver coisas novas,
de sentir coisas novas é haver novidade no senti-las.
berto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Muda de alma como? Descobre-o tu.”
Desse modo, o poeta assumia outras personalidades lite-
rárias ao compor, como se fossem pessoas reais. Ou seja,
heterônimos são os vários nomes usados por ele. Não se

68
Ode triunfal 1.1. Alberto Caeiro
“À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica Dentro da heteronímia, o poeta Alberto Caeiro tem uma
Tenho febre e escrevo. trajetória de vida e características que o identificam. Era ór-
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, fão de pai e mãe, só teve instrução primária e viveu quase
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. toda a vida no campo, sob a proteção de uma tia.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Poeta bucólico, em contato direto com a natureza, Caeiro
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! dá importância às sensações, registrando-as sem a media-
Em fúria fora e dentro de mim,
ção do pensamento.
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Para Caeiro, “tudo é como é”, todo “é assim porque assim
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, é” – o poeta reduz tudo à objetividade, sem nenhuma ne-
De vos ouvir demasiadamente de perto, cessidade de pensar.
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações, O guardador de rebanhos
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! “[...]
[...] Sou um guardador de rebanhos
Eia todo o passado dentro do presente! O rebanho é os meus pensamentos
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia! E os meus pensamentos são todos sensações.
Eia! eia! eia! Penso com os olhos e com os ouvidos
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita! E com as mãos e os pés
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô! E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais. Por isso quando num dia de calor
Giro dentro das hélices de todos os navios. Me sinto triste de gozá-lo tanto.
Eia! eia-hô! eia! E me deito ao comprido na erva,
Eia! sou o calor mecânico e a eletricidade! E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Sei a verdade e sou feliz.”
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá! (Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1984.)
Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”
Situando a relação entre o homem do começo do século
XX e o mundo tecnicizado, a Ode triunfal tem um ritmo
nervoso e trepidante. Trata-se de um poema futurista, assi-
nado pelo heterônimo Álvaro de Campos, que demonstra
completa adesão à proposta de Marinetti, que integra à
poesia elementos da civilização industrial: motores, máqui-
VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

nas, Ferri, velocidade, automóveis.

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Fonte: Youtube
O Desassossego Pessoano - Teresa Rita Lopes Caricatura de Alberto Caeiro. Mário Botas.

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Tabacaria
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
multimídia: livro Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém
[sabe quem é]
O espelho e a esfinge – Massaud Moisés (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Essa obra reúne em nova edição, revisada e aumenta- Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente
da, alguns ensaios que Massaud Moisés escreveu com [por gente,]
o propósito de divulgar aspectos menos conhecidos da Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
produção literária de Fernando Pessoa. Desde 1957, o [...]
autor vinha se dedicando à interpretação das múltiplas
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
facetas desse grande poeta português da modernidade.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
1.2. Álvaro de Campos E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Álvaro de Campos nasceu no extremo sul de Portugal, em Falhei em tudo.
Tavira, a 15 de outubro de 1890. Estudou Engenharia na- [...]
val, na Escócia. Todavia, não exerceu a profissão por não Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
suportar viver confinado em escritórios. Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Homem sujeito à máquina, à cegueira de seus semelhantes, Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
de espírito inconformado com o tempo, é completamente E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode
inadaptado ao mundo que o rodeia; vive marginalizado, [haver tantos!]
sendo uma personalidade do não.
[...]
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
[...]
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a
[confeitaria.]
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Come, pequena suja, come!


Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com
[que comes!]
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha
[de estanho,]
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
[...]
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Caricatura de Álvaro de Campos. Almada Negreiros. 1958. Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Tabacaria é um dos mais importantes poemas de Álva-
ro de Campos, em que ele faz jus à ideia de um poeta Ele morrerá e eu morrerei.
inadaptado, negativo. O longo poema é exemplo marcante Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
do desalento que o caracteriza. A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.

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Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
E a língua em que foram escritos os versos. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
[...]
(Enlacemos as mãos.)
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Sigo o fumo como uma rota própria, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
E gozo, num momento sensitivo e competente, Mais longe que os deuses.
[...]
A libertação de todas as especulações
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
E a consciência de que a metafísica é uma consequência Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
[de estar mal disposto.] Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Depois deito-me para trás na cadeira Ouvindo correr o rio e vendo-o.
[...]”
E continuo fumando.
(Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.)
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira
[das calças?).]
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.) multimídia: livro
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo Dicionário de Fernando Pessoa –
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Fernando Cabral Martins
[Tabacaria sorriu.”] Esse volume de quase mil páginas reúne a soma dos
(Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.) conhecimentos sobre Fernando Pessoa, a sua obra e o
Modernismo. Um conjunto de mais de 80 especialistas
1.3. Ricardo Reis oferecem quase 600 artigos de síntese aos principais
nomes, títulos, imagens e temas relacionados a Fernan-
Ricardo Reis é natural do Porto; nasceu a 19 de setembro
do Pessoa, ou que ajudam a definir os traços culturais
de 1887. Teve formação em escolas de jesuítas e estudou
do seu tempo – e marcam, sobretudo, o período da sua
Medicina. Monarquista, autoexilou-se no Brasil por não
atividade pública entre 1912 e 1935.
concordar com a Proclamação da República em Portugal.
Foi profundo admirador da cultura clássica, tendo estuda-
do latim, grego e mitologia. O poeta latino Horácio foi um
grande inspirador de sua poesia, principalmente no que diz
respeito à filosofia do carpe diem, isto é, de usufruir o mo-
mento. Sua musa inspiradora se chamava Lídia.
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O ano da morte de Ricardo Reis – José Saramago


Nesse magnífico romance, o heterônimo mais clássico
do grande poeta português Fernando Pessoa, o ho-
raciano Ricardo Reis, acha-se novamente em Lisboa,
depois de uma temporada no Brasil, onde se autoe-
xilara. O ano é 1936. Médico, educado pelos jesuítas
e monarquistas, ele é um sábio capaz de se contentar
em assistir ao espetáculo do mundo, como diz numa
Caricatura de Ricardo Reis. Almada-Negreiros. das epígrafes do livro.

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Fonte: Youtube
Biografia - Fernando Pessoa

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Fernando Pessoa: uma quase autobiografia


– José Paulo Cavalcanti Filho
A primeira biografia escrita no Brasil sobre o poeta por-
tuguês Fernando Pessoa traz a mais completa obra de
referência das muitas personalidades assumidas pelo
autor de Tabacaria. Seus heterônimos, muitos deles des-
conhecidos do grande público, revelam-se no livro de
José Paulo Cavalcanti com riqueza de detalhes, apresen-
tando as produções e as origens de cada um desses que
habitaram o imaginário e a escrita de Fernando Pessoa.

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Introdução aos estudos de Fernando


Pessoa – Fernando Cabral Martins
Além de uma nova leitura do intrincado poema cujo fa-
c-símile vem reproduzido no prefácio, Fernando Cabral
Martins faz, em sua obra, importante contribuição sobre
a teoria e a história da heteronímia.

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VIVENCIANDO

Pintura
As banhistas / Retrato de Fernando Pessoa (1964) – Almada Negreiros

As banhistas, Almada Negreiros

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Retrato de Fernando Pessoa. Almada Negreiros.1964

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Pintura

Fernando Pessoa – Heterônimo. Costa Pinheiro.1978. O chapéu-heterônimo do poeta Fernando Pessoa,


óleo sobre tela(1979-1980). Pintura de António
Costa Pinheiro. Coleção do artista.

Fernando Pessoa. Júlio Pomar (Portuguese, b. 1926).


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DIAGRAMA DE IDEIAS

HETERÔNIMOS DE
FERNANDO PESSOA

A QUESTÃO DA HETERONÍMIA EM FERNANDO PESSOA RESULTA DE CARACTERÍSTICAS PESSOAIS


REFERENTES À SUA PERSONALIDADE, UMA ESPÉCIE DE DESDOBRAMENTO DO “EU” MODERNO
E FRAGMENTADO, À MULTIPLICAÇÃO DE IDENTIDADES E À SINCERIDADE DO FINGIMENTO.

FERNANDO PESSOA ESCREVEU “MENSAGEM” E CRIOU OS HETERÔNIMOS ALBERTO CAEIRO


(“PASTOR AMOROSO”, “POEMAS INCONJUNTOS”), RICARDO REIS (“PREFIRO ROSAS”, “BREVE
O DIA”) E ÁLVARO DE CAMPOS (“ODE MARÍTIMA”, “TABACARIA”).

OS PRINCIPAIS E MAIS CONSISTENTES HETERÔNIMOS DE FERNANDO PESSOA FORAM ALBERTO


CAEIRO, ÁLVARO DE CAMPOS, RICARDO REIS E BERNARDO SOARES.

ALBERTO CAEIRO NASCEU EM LISBOA. É O MESTRE DOS HETERÔNIMOS, VIVEU SUA VIDA NO
CAMPO E FICOU ÓRFÃO DE PAI E MÃE MUITO CEDO, PASSANDO A VIVER COM UMA TIA-AVÓ.
MORREU DE TUBERCULOSE. SUA POESIA VALORIZA A SIMPLICIDADE, NA QUAL MAIS IMPOR-
TANTE QUE PENSAR É SENTIR. SEGUNDO ELE, TODO O CONHECIMENTO SE DÁ A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA SENSORIAL, SOBRETUDO JUNTO À NATUREZA.

O HETERÔNIMO BERNARDO DE CAMPOS É CONSIDERADO UM “SEMI-HETERÔNIMO” POR


CONTA DE SUA PERSONALIDADE APRESENTAR CARACTERÍSTICAS MUITO SEMELHANTES ÀS DE
FERNANDO PESSOA, SENDO, MUITAS VEZES, CONFUNDIDO COM O PRÓPRIO ESCRITOR.

RICARDO REIS NASCEU EM 1887, NO PORTO, E NÃO SE SABE A DATA DE SUA MORTE, O QUE
FAZ O LEITOR PENSAR QUE ELE TERIA MORRIDO APÓS A MORTE DE FERNANDO PESSOA. ESTU-
DOU EM COLÉGIO DE JESUÍTAS E SE FORMOU EM MEDICINA. FOI VIVER NO BRASIL APÓS A INS-
TAURAÇÃO DA REPÚBLICA EM PORTUGAL, POIS ERA MONARQUISTA. TRADICIONAL, HELENISTA,
LATINISTA, PARA ELE, A MODERNIDADE É UMA MOSTRA DE DECADÊNCIA. SUA LINGUAGEM É
CLÁSSICA E SEU VOCABULÁRIO, ERUDITO. SUA MUSA É LÍDIA. VOLUME 4  LINGUAGENS, CÓDIGOS e suas tecnologias

ÁLVARO DE CAMPOS NASCEU EM TAVIRA, EM 1890. A DATA DO SEU FALECIMENTO, TAL QUAL
DE RICARDO REIS, NÃO É CONHECIDA. CAMPOS É FORMADO EM ENGENHARIA, NA ESCÓCIA,
E NÃO EXERCEU A PROFISSÃO. É O MAIS MODERNO DOS HETERÔNIMOS, VALORIZA A MODER-
NIDADE. É UM PESSIMISTA, POIS APESAR DO GOSTO PELO PROGRESSO, O TEMPO PRESENTE O
ANGUSTIA. SUA OBRA É DIVIDIDA EM TRÊS FASES: DECADENTISTA, FUTURISTA E PESSIMISTA.

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ANOTAÇÕES

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