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Artigo recebido: 23/6/2022

ARTIGO DE REVISÃO Aprovado: 1/7/2023

Atuação psicopedagógica na educação


gerontológica para um envelhecimento saudável
Psycho-pedagogical performance in gerontological
education for healthy aging
Monika Kratzer1; Rosamaria Rodrigues Garcia2
DOI: 10.51207/2179-4057.20230022

Resumo Summary
No envelhecimento, o corpo sofre mudanças, inclusive In aging, the body undergoes several changes, including
cognitivas, que podem interferir na qualidade de vida e cognitive ones, which can interfere with the quality of life
na funcionalidade das ações do indivíduo. O objetivo geral and the functionality of the individual’s actions. The general
deste artigo é esclarecer como a Psicopedagogia pode con- objective of this article is to clarify how psycho-pedagogy
tribuir para manter ou melhorar as funções cognitivas em can contribute to maintaining or improving cognitive
idosos – devido à possibilidade de ocorrência de declínio functions in the elderly – due to the possibility of cognitive
cognitivo na velhice –, identificando estratégias que podem decline in old age –, identifying strategies that can be used
ser usadas na atuação clínica e educacional. Este artigo in clinical and educational activities. This scientific article
científico é de natureza aplicada, descritiva-exploratória, is of an applied, descriptive-exploratory nature, characteri-
caracterizada por revisão de literatura com abordagem zed by a literature review with a qualitative approach. The
qualitativa. Foram utilizados os descritores “psicopedago- descriptors “psycho-pedagogy” and “elderly” were used;
gia” e “idosos”; “idosos” e “estimulação cognitiva”, sendo “elderly” and “cognitive stimulation”, excluding materials
excluídos materiais que tratassem de idosos com déficit that dealt with elderly people with cognitive impairment
cognitivo ou demência. Foram selecionados nove artigos
or dementia. Nine articles in Portuguese published in the
em língua portuguesa publicados no Brasil no período de
period 2011-2021 that related psycho-pedagogical work
2011-2021 que relacionassem o trabalho psicopedagógico
with the elderly public were selected, using cognitive
com o público idoso, utilizando a estimulação cognitiva
stimulation as a tool. All analyzed articles reinforce that
como ferramenta. Os artigos analisados reforçam que a
the psycho-pedagogical performance with the elderly can
atuação psicopedagógica com idosos pode ser feita como
be done as a preventive and remedial measure. Among the
medida preventiva e remediativa. Estratégias interventivas:
jogos diversos; atividades de recordação; interpretação de interventional strategies are several games; remembrance
imagens; inclusão digital; atividades artísticas em geral; activities; image interpretation; digital inclusion; artistic
testes; associações; planejamento; ordenação e lógica; ati- activities in general; tests; associations; planning; ordering
vidades visuoconstrutivas; atividades cognitivas e motoras and logic; visuoconstruction activities; simultaneous cog-
simultâneas; mudança em elementos e atividades cotidianas. nitive and motor activities; change in everyday elements
Benefícios relacionados: valorização do idoso, melhora de and activities. Benefits related: appreciation of the elderly,
relações interpessoais, de criação de amizades, da qualidade improvement of interpersonal relationships, creation of
de vida, da independência, da autonomia, da funcionalidade, friendships, improvement of the quality of life, indepen-
da autossuficiência, da autoestima, da autoimagem, do auto- dence, autonomy, functionality, self-sufficiency, self-esteem,
cuidado, da percepção de problemas sociais, da superação self-image, of the self, the perception of social problems,
de dificuldades, da quebra de paradigmas, da realização overcoming problems, breaking personal care, improving
pessoal, da atuação cidadã, no desempenho das atividades citizenship, improving the performance of activities of daily
de vida diária, resgate de antigos sonhos e projetos de vida. living, rescuing old dreams and life projects.
Unitermos: Educação Gerontológica. Psicopedagogia. Keywords: Gerontological Education. Psycho-Pedagogy.
Idoso. Envelhecimento. Estimulação Cognitiva. Elderly. Aging. Cognitive Stimulation.

Trabalho realizado no Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.
1. Monika Kratzer – Especialista em Gerontologia; Pós-graduada em Psicopedagogia; Graduada em Letras (Português-Inglês) com habilitação
em tradução e interpretação, Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil. 2. Rosamaria Rodrigues Garcia – Fisioterapeuta; Especialista
em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia; Mestre e doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo; Docente do curso de Especialização em Gerontologia do Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil.

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Kratzer M & Garcia RR

Introdução A ONU, em Assembleia Geral de dezembro de


A aprendizagem está presente na vida dos seres 2020, declarou que o período de 2021-2030 seria a
humanos durante toda a existência, pois sempre “Década do Envelhecimento Saudável”, numa tenta-
estamos aprendendo algo novo, seja a manusear tiva de chamar a atenção para o despreparo mundial
um lançamento eletrônico, seja a usar um novo no que diz respeito ao atendimento das especifici-
aplicativo de smartphone, seja a mudar atitudes dades da pessoa idosa e na necessidade imediata de
ao se deparar com uma situação inusitada. Hoje promover uma velhice mais saudável, independente
sabemos que, diferentemente do que se achava, o e autônoma (Organização Pan-Americana da Saú-
cérebro humano tem plenas capacidades de apren- de/Organização Mundial da Saúde [OPAS/OMS],
der coisas novas sempre, inclusive na velhice, pois 2022). Com relação a isso, o Centro Internacional
tem contínua produção de novos neurônios. O que de Longevidade Brasil (ILC-Brasil) publicou, já
muda no processo de aprendizagem, portanto, é a em 2015, um relatório intitulado Envelhecimento
forma como ela acontece.
Ativo: um marco político em resposta à Revolução
Durante o envelhecimento, o corpo humano
da Longevidade, no qual estabelece que as políticas
sofre diversas mudanças, inclusive cognitivas, que
públicas precisam estar embasadas nos quatro pila-
podem interferir diretamente na qualidade de vida
da pessoa e na funcionalidade de suas ações. De res do envelhecimento ativo: saúde, aprendizagem
acordo com Bortolanza et al. (2005), o declínio dos ao longo da vida, participação, segurança/proteção.
aspectos biopsicossociais pode limitar o indivíduo Nesse sentido, estudos diversos já comprovaram
a realizar atividades que antes fazia, privando-o de que a estimulação cognitiva auxilia na prevenção
determinadas situações e restringindo sua partici- de demências e na desaceleração de demências
pação social. diagnosticadas. Sendo assim, o objetivo geral deste
Levando em consideração o aumento da lon- artigo é esclarecer como a Psicopedagogia pode con-
gevidade humana e o crescente número de idosos tribuir para manter ou melhorar as funções cogniti-
no mundo – idosos esses que, no geral, tendem a vas em idosos – devido à possibilidade de ocorrência
aprender a lidar com novas demandas e situações de declínio cognitivo na velhice –, identificando,
todos os dias –, é de extrema importância associar para isso, estratégias psicopedagógicas que podem
a Psicopedagogia – área do conhecimento que ar- ser usadas na atuação clínica e educacional com o
ticula ações interdisciplinares de educação e saúde objetivo de prevenir ou remediar o aparecimento
e que tem como objeto de estudo qualquer pro- de declínios cognitivos em idosos saudáveis.
cesso de aprendizagem – à Gerontologia – ciência Como objetivos específicos, estão: abordar a
que estuda o envelhecimento humano. A respeito importância da manutenção da aprendizagem du-
disso, Bortolanza et al. (2005, p. 162) enfatizam que
rante a velhice; discutir a estimulação cerebral como
“atualmente, a psicopedagogia está voltada para a
ferramenta de manutenção das funções cognitivas;
compreensão do ser humano, no seu processo de
analisar e discutir estudos científicos que mostrem
aprendizagem, nas diferentes etapas de sua vida,
a aplicabilidade da Psicopedagogia na estimulação
direcionando o seu olhar também para o idoso”.
Com o avanço da expectativa de vida e o sur- cognitiva de pessoas idosas, bem como em outras
gimento de grande número de doenças neurode- atividades relacionadas à aprendizagem de pessoas
generativas, cresceu também o interesse social e nessa faixa etária, como alfabetização e inclusão
científico no envelhecimento saudável. As disfun- digital.
ções cognitivas trazem não só custo financeiro para Acredita-se que este estudo contribuirá para
as pessoas e para o Estado, mas também têm alto o trabalho de psicopedagogos, pedagogos, neuro­
custo emocional tanto para as vítimas quanto para psicopedagogos e demais profissionais que tenham
seus familiares. Prevenção e tratamento, portanto, como foco o desenvolvimento e a manutenção
são o foco de diversas áreas do conhecimento, prin- cognitiva de pessoas idosas, já que objetiva fazer
cipalmente das Neurociências (Bear et al., 2008). um apanhado de estratégias para tal finalidade.
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Justifica-se também incentivar profissionais de di- velhice, pois hoje entende-se que muitos problemas
versas áreas da saúde e da educação a recorrerem são resultantes de doenças, hábitos de vida e influ-
à atuação interdisciplinar com psicopedagogos ência do ambiente, não necessariamente próprios
visando a aplicação de estratégias psicopedagógicas do envelhecimento, o que explica, portanto, em
em pessoas idosas para prevenção desses declínios partes, o fato de os declínios físicos e mentais da
cognitivos. senescência começarem em idades diferentes para
Além disso, por meio de recomendações feitas pessoas diferentes.
por profissionais do público-alvo deste estudo, Além disso, analisando a expectativa de vida,
pretende-se conscientizar a população geral, tanto em vez de considerar a idade numérica, passamos
idosa como não idosa, a buscar auxílio profissional a pensar em quantidade de anos que se pode viver
para manter uma cognição saudável na velhice, já sem deficiências que afetem seu desempenho fí-
que o conceito de envelhecimento ativo e saudável sico e social (Papalia & Feldman, 2013). Torna-se
abrange não somente a área física, mas mental, essencial, portanto, o cuidado do indivíduo como
emocional e social. Espera-se, por fim, por meio da um todo, considerando seu bem-estar físico, mental,
disseminação de conhecimento, contribuir para o social e emocional, sem deixar de lado o entrelaça-
desenvolvimento de hábitos que auxiliem um pro- mento desses campos e a influência que exercem
cesso de envelhecimento ativo e funcional visando entre si, a fim de conservar e/ou melhorar a quali-
bem-estar e qualidade de vida na velhice. dade de vida pelo maior tempo possível.
O corpo humano passa por diversas mudanças
Referencial teórico enquanto envelhece, algumas delas visíveis, como
A população mundial envelhece exponencial- a cor e textura dos cabelos e da pele, e algumas
mente e cresce com ela a necessidade de dedicar delas menos perceptíveis, como as estruturas e o
atenção especial para a fase “mais longa” da vida: funcionamento de órgãos internos e o organismo
a velhice. Os fatores que impactam diretamente no em geral (Papalia & Feldman, 2013; Barboza &
envelhecimento da sociedade vão além do avanço Wisniewski, 2017; Bastos, 2019; Santos et al., 2019;
tecnológico, da ciência e da medicina, já que in- Oliveira et al., 2017; Bortolanza et al., 2005). São
cluem melhores condições gerais de infraestrutura e alterações orgânicas, sistêmicas, cerebrais, senso-
saneamento básico, principalmente para populações riais, psicomotoras, no sono e nas funções sexuais.
socialmente vulneráveis; crescimento econômico, Além das perdas físicas, o idoso também sofre com
maior presença da mulher no mercado de trabalho perda de autoestima, de representatividade do seu
e consequente diminuição das taxas de natalidade; papel na família, no trabalho e na sociedade em
aumento do autocuidado, da prática de atividade geral, perda do poder aquisitivo e econômico, do
física e do cultivo de hábitos alimentares saudáveis, poder de decisão, da presença de parentes e entes
entre outros. Com isso, não somente os jovens en- queridos (Bastos, 2019; Santos et al., 2019; Oliveira
velhecem, mas também os velhos ficam cada vez et al., 2017; Bortolanza et al., 2005). Devido ao tema
mais velhos (Papalia & Feldman, 2013; Barboza & deste trabalho, será dado foco às características de
Wisniewski, 2017; Bastos, 2019; Moura, 2020; Rocha, envelhecimento do cérebro, por estarem relaciona-
2012; Oliveira et al., 2017; Bortolanza et al., 2005). das à aprendizagem, mas é obrigatório considerar
A longevidade, no entanto, traz consigo ques- o envelhecimento global do corpo, já que o apren-
tões importantes como o aumento da incidência de dizado humano ocorre principalmente pelas vias
doenças neurodegenerativas e psicossociais, já que sensoriais e psicomotoras.
viver mais nem sempre é sinônimo de viver com Com o envelhecimento, o cérebro humano dimi-
qualidade, boa saúde, autonomia e independência. nui de volume e peso, tem redução na quantidade do
Apesar disso, o envelhecimento populacional mun- neurotransmissor dopamina e diminuição na bainha
dial trouxe à luz um novo modo de compreender a de mielina. Tais alterações impactam diretamente
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no controle das funções executivas, na regulação da a memória coletiva e a transmissão de ideias e valo-
atenção e no declínio cognitivo e motor, respecti- res. É preciso aprender até mesmo a conviver com
vamente. Em contrapartida, o cérebro mais velho as limitações da idade, privilegiando o bem-estar
passa a criar novas células nervosas no hipocampo, pelo exercício cerebral, a busca de conhecimento
área relacionada à aprendizagem e à memória, e e novas experiências e o convívio social, uma vez
ativa mais áreas do que um cérebro novo durante que a interferência humana no mundo acontece por
tarefas cognitivas, usando vias alternativas para meio da cognição (Bortolanza et al., 2005). Conhe-
resolução de problemas (Papalia & Feldman, 2013; cemos hoje, portanto, uma revolução cultural do
Bastos, 2019; Santos et al., 2019). envelhecimento humano, na qual se entende que a
Normalmente, as mudanças que ocorrem melhor forma de experienciar a velhice é com saúde
com o envelhecimento do cérebro de pessoas (OPAS/OMS, 2022).
saudáveis são sutis e fazem pouca diferença
em seu funcionamento, variando considera-
O entrelaçamento entre a
velmente de uma pessoa para outra, de uma
Psicopedagogia e a Gerontologia
região do cérebro para outra, e de um tipo de
O Código de Ética do Psicopedagogo (2022)
tarefa para outro. Além disso, a plasticidade
tem estabelecido no Artigo 1o do Capítulo 1 (Dos
do cérebro pode “reorganizar os circuitos
princípios) que:
neuronais para responder ao desafio do
A Psicopedagogia é um campo de conheci-
envelhecimento neurobiológico”. (Park &
mento e ação interdisciplinar em Educação
Gutchess, 2006, como citado em Papalia &
e Saúde com diferentes sujeitos e sistemas,
Feldman, 2013, p. 107)
quer sejam pessoas, grupos, instituições
Ou seja, os declínios cognitivos de ordem gené- e comunidades. Ocupa-se do processo de
tica ou biológica (inteligência fluida) podem ser, de aprendizagem considerando os sujeitos e
certa forma, amenizados pelas influências culturais sistemas, a família, a escola, a sociedade e o
e sociais (inteligência cristalizada) que o indivíduo contexto social, histórico e cultural. Utiliza
teve no decorrer da vida (Silva et al., 2013). instrumentos e procedimentos próprios,
É importante lembrar que muitas pessoas acima fundamentados em referenciais teóricos dis-
de 60 anos sofrem de doenças crônicas, como a tintos, que convergem para o entendimento
hipertensão, e doenças mentais, como a depressão, dos sujeitos e sistemas que aprendem e sua
que quando não controladas podem interferir nas forma de aprender.
capacidades cognitivas e na aprendizagem. Em adul- Parágrafo 1o – A intervenção psicopedagógica
tos mais longevos é comum também o aparecimento é da ordem do conhecimento, relacionada
de demências, que são caracterizadas pelo declínio com a aprendizagem, considerando o caráter
comportamental e cognitivo de causas fisiológicas indissociável entre os processos de aprendi-
‒ há mais de 50 causas de demências de origem zagem, as dificuldades e as possibilidades dos
conhecida, mas as mais comuns são Alzheimer e sujeitos e sistemas.
Parkinson. Outro ponto relevante no trabalho com Parágrafo 2o – A intervenção psicopedagógi-
idosos é a compreensão básica da farmacologia ca ocorre com diferentes sujeitos e sistemas,
usada para tratamento dos problemas de saúde quer sejam pessoas, grupos, instituições e
geralmente apresentados nessa faixa etária, já que comunidades, considerando os processos de
podem causar efeitos colaterais que influenciam aprendizagem e seus contextos, em situações
diretamente nas funções mentais e cognitivas da de pesquisa, de atendimento clínico e/ou
pessoa idosa. institucional.
Mas, apesar de tantos declínios e enfraquecimen- Com relação aos instrumentos de trabalho,
tos, a conservação da lucidez é capaz de manter viva afirma-se no Artigo 12 do Capítulo V (Dos
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instrumentos) que “são instrumentos da Psico- autonomia e independência; adaptação am-


pedagogia, aqueles que servem ao seu objeto de biental; reinserção no contexto social; ativida-
estudo – a aprendizagem humana. Sua escolha des corporais e comportamentais; segurança
decorrerá da formação profissional e competência e defesa de direitos; antropologia; educação.
técnica do psicopedagogo” (Código de Ética do (SBGG, 2022)
Psicopedagogo, 2022). A Gerontologia, assim como a Psicopedagogia,
Entende-se, aqui, portanto, que a Psicopedagogia aqui definida, é uma especialidade de formação de
é a área do conhecimento que lida com quaisquer base múltipla, que exige do profissional uma visão
crítica e especializada sobre a velhice e o envelhe-
processos de aprendizagem humana relacionados
cimento, em seus diversos aspectos.
a indivíduos diversos e heterogêneos, levando em
Com relação ao entrelaçamento da Psicopedago-
consideração as características inerentes de tais indi-
gia com a Gerontologia, Júlia Eugênia Gonçalves,
víduos. Além disso, o profissional de Psicopedagogia em sua obra Psicopedagogia para adultos e idosos:
pode recorrer a todos os instrumentos de que dispor diagnóstico e intervenção (2020), estabelece que:
de acordo com sua formação e experiência pessoal. a Psicopedagogia é, portanto, um campo
Já de acordo com a Sociedade Brasileira de Ge- do conhecimento humano essencial para a
riatria e Gerontologia (SBGG, 2022), Gerontologia: sociedade da informação dos tempos atuais,
É o estudo do envelhecimento nos aspectos – que articula saberes e fazeres de forma trans-
biológicos, psicológicos, sociais e outros. Os disciplinar e atende os indivíduos em suas
profissionais da Gerontologia têm formação necessidades de Educação Continuada no es-
diversificada, interagem entre si e com os paço lúdico da aprendizagem no qual desejo
geriatras. e conhecimento se mesclam em criatividade.
Campo científico e profissional dedicado
às questões multidimensionais do envelhe- Estimulação cognitiva
cimento e da velhice, tendo por objetivo a A estimulação cognitiva se define como um
descrição e a explicação do processo de enve- grupo de estratégias de intervenção cognitiva
lhecimento nos seus mais variados aspectos. baseadas na plasticidade cerebral que pressupõe
É, por esta natureza, multi e interdisciplinar. a reorganização de sinapses neurais com o intuito
Na área profissional, visa a prevenção e a de melhorar o desempenho cognitivo, aumentar a
intervenção para garantir a melhor qualidade capacidade da memória e aprimorar habilidades
de vida possível dos idosos até o momento em tarefas de atenção, linguagem, velocidade de
final da sua vida. processamento e outras, observando-se, inclusive,
Com relação ao profissional especialista em efeitos de generalização tanto para tarefas similares
Gerontologia, a SBGG enfatiza que tal profissional quanto para tarefas distantes.
O treino de habilidades cognitivas tem sido um
pode ter formação superior em diversas áreas do co-
dos principais tratamentos não farmacológicos
nhecimento, e que precisa ser “apto para lidar com
para a manutenção da saúde cognitiva em seres
questões do envelhecimento e da velhice, com um
humanos, já que não gera efeitos adversos e acaba
olhar interdisciplinar a partir da sua área original de sendo o tipo de intervenção financeiramente mais
conhecimento” (2022). Ela também estabelece que: viável. Ainda não há um protocolo de programa de
A atuação profissional pode ser de prevenção, intervenção tido como o mais eficaz, o que abre pos-
de ambientação, de reabilitação ou nos cuida- sibilidades para um leque de treinos com variedade
dos paliativos, abrangendo, entre outras, as de duração, intensidade, técnicas e ferramentas,
seguintes áreas: ensino; pesquisa; educação sendo, atualmente, exploradas também ferramentas
comunitária; promoção de saúde; controle e eletrônicas e aplicativos digitais, o que beneficia
tratamento de doenças; reabilitação; apoio idosos com dificuldades de mobilidade ou questões
psicológico; manutenção e promoção da de distanciamento (Brum et al., 2018).
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Saúde e bem-estar mental na velhice caracteriza-se por revisão de literatura com abor-
Chegar à velhice com boa qualidade cognitiva é dagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada
um dos principais marcos de velhice bem-sucedida, por consulta à literatura técnica acerca do tema,
já que estudos comprovam que, quanto melhor consistindo de obras impressas, revistas eletrônicas,
é o desempenho cognitivo, mais alto é o grau de artigos e livros digitais. Foram consultados também
independência, autonomia e socialização. Silva e bancos de dados públicos – Scientific Electronic Li-
Silva referem que o Centers for Disease Control brary Online (SciELO), Biblioteca Virtual de Saúde
e a Alzheimer Association estabelecem como de- e Google Acadêmico – e bancos de dados privados
sempenho cognitivo saudável o funcionamento de: – Medline Complete, Dynamed Plus e Minha Biblio-
domínios como linguagem, pensamento, teca do Centro Universitário São Camilo.
memória, funções executivas . . ., julgamento, Foram utilizados os descritores “psicopedago-
atenção, percepção, capacidade de lembrar gia” e “idosos”; “idosos” e “estimulação cognitiva”,
habilidades. . . e a capacidade de manter ob- sendo excluídos deste trabalho artigos incompletos
jetivos na vida. . . a saúde cognitiva refere-se à e materiais produzidos de forma não científica,
capacidade de manter as habilidades cogni- bem como materiais que tratassem de idosos com
tivas, funcionais e a rede de contatos sociais déficit cognitivo ou demência. Foram selecionados,
ativos. (Silva & Silva, 2018, p. 9) portanto, materiais em língua portuguesa (nove ar-
Estudos na área do envelhecimento mental indi- tigos) publicados no Brasil no período de 2011-2021
cam que o declínio cognitivo costuma se acentuar que tratassem de idosos saudáveis e relacionassem
por volta dos 70 e 80 anos de idade e sofre grande o trabalho psicopedagógico com o público idoso,
influência de fatores socioeducacionais, neurofisio- utilizando a estimulação cognitiva como ferramen-
lógicos e ambientais, o que caracteriza um processo ta do psicopedagogo. Nesse ponto, é importante
bastante diverso e variável. No entanto, há com- ressaltar que, mesmo com o aumento dos estudos
provações de que o fator que mais influencia é a na área do envelhecimento, ainda há poucas pu-
escolaridade, devido ao desenvolvimento neuronal blicações relacionando as áreas de Psicopedagogia
(Silva & Silva, 2018). e Gerontologia, o que justifica a seleção de apenas
Há na literatura indicações consistentes de que nove artigos encontrados no período de 10 anos.
o engajamento em atividades cognitivamente desa-
fiadoras, associadas a atividades físicas, contribuem
para a plasticidade cerebral, para a criação de novos Resultados
processos sinápticos e para a formação de novos Barboza e Wisniewski (2017) ressaltam que a
neurônios, ou seja, é preciso que a aprendizagem Psicopedagogia pode contribuir para a melhoria da
esteja presente no dia a dia do indivíduo, princi- aprendizagem em idosos a partir da identificação
palmente durante a velhice, para que a cognição de potencialidades e dificuldades de cada indiví-
se mantenha ativa e saudável. duo, considerando os declínios que podem ocorrer
O ILC-Brasil, no documento referido anterior- com o envelhecimento. A atuação pode ser tanto
mente, enfatiza que a aprendizagem ao longo da preventiva quanto terapêutica e deve ser feita sem
vida perpassa por todos os demais pilares do en- estereótipos ou preconceitos. As autoras destacam
velhecimento ativo, ou seja, “nos instrumentaliza também o papel inclusivo e de valorização do idoso
para permanecer saudáveis, relevantes e engajados que a educação assume, “ampliando suas relações
na sociedade” (ILC-Brasil, 2015, p. 49). interpessoais, melhorando sua qualidade de vida,
sua autoestima, e autoimagem” (Barboza & Wis-
niewski, 2017, p. 34). Por fim, as autoras reforçam
Método que o exercício da memória é a melhor maneira de
Este artigo científico é de natureza aplicada, preservá-la e citam algumas práticas como jogar
descritiva-exploratória, cuja estratégia de pesquisa jogos de xadrez, fazer palavras cruzadas, realizar
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exercícios mentais diários simples como recordar Silva et al. (2013) afirmam que a pessoa idosa,
fatos cotidianos, aprender a usar o computador, a se adequadamente estimulada, apresenta grande
fazer pinturas, a cantar ou tocar um instrumento potencial cognitivo para novos conhecimentos
musical, entre outras atividades. Um envelhecer pedagógicos, tecnológicos e culturais. Os autores si-
bem-sucedido pode estar relacionado à continui- nalizam o despreparo dos profissionais de educação
dade de aprendizado de coisas novas. no que diz respeito ao ensino para idosos, bem como
Bastos (2019) analisou sete artigos publicados a falta de políticas públicas eficazes e direcionadas a
em 2018 que tratavam de idoso e Psicopedagogia. esse público, enfatizando que conhecer como ocorre
Ela enfatiza a falta de preparo de muitos profissio- a aprendizagem no cérebro em envelhecimento é
nais no que diz respeito ao trabalho com idosos, já essencial para elaborar métodos precisos para a
que uma atuação equivocada pode marginalizar o educação na velhice. Indicam, ainda, a alfabetização
aprendente em vez de incluí-lo, e sinaliza que a pró- como estratégia desafiadora e emancipatória, já
pria trajetória de vida do idoso interfere no processo que proporciona o desenvolvimento de habilidades
de envelhecimento, que comumente passa por uma cognitivas, sendo trabalho do psicopedagogo cola-
quebra de paradigmas para que a aprendizagem borar para uma educação gerontológica que leve em
se concretize. Sugere ainda que o profissional que consideração o contexto e as experiências de vida do
trabalha com aprendizagem deve possibilitar ao idoso, a manutenção do foco atencional, o aumento
do tempo para execução de uma tarefa, a eliminação
idoso novas descobertas e novas possibilidades de
de distrações e a repetição verbal e visual.
aprendizado, pois trabalha com a “interpretação do
Moura (2020) ressalta a importância de dar aten-
desenvolvimento cognitivo, social e motor e suas
ção às necessidades educativas do idoso, bem como
relações com o ambiente” (Bastos, 2019, p. 556), a
às especificidades do envelhecimento, pensando
fim de criar vínculos afetivos com a aprendizagem
ações psicopedagógicas assertivas e que atuem em
e atuar de forma interventiva e preventiva, capaz
problemas de aprendizagem não identificados em
de minimizar os declínios cognitivos e melhorar a
fases anteriores da vida do ser aprendente, que pode
qualidade de vida.
ou não ter mantido seus padrões de funcionalidade,
Bastos (2019) evidencia que quase metade dos
autonomia e independência na velhice. Ela elenca
idosos brasileiros é analfabeta e identifica um nicho
as seguintes demandas do trabalho psicopedagó-
de trabalho psicopedagógico importante, assim gico: promoção da autoestima ao retomar projetos
como de criação de políticas públicas que envolvam de vida interrompidos; identificação de situações
educação e envelhecimento. Outro ponto elencado causadoras de dificuldades de aprendizagem; auxílio
é a baixa procura de idosos por cursos do Ensino na identificação de transtornos neurobiológicos;
Superior, que traria benefícios pessoais e sociais a auxílio no planejamento de estudos e nova ativi-
eles. Além disso, aponta que intervenções indivi- dade profissional; intervenções cognitivas (treino,
duais ou em grupos com atividades de memória, estimulação, reabilitação).
jogos de tabuleiro, jogos de palavras, atividades de No relato de caso que Moura (2020) apresenta
coordenação motora auxiliam no processo de reserva é possível perceber os benefícios da estimulação
cognitiva e, nesse sentido, salienta a importância cognitiva e seus efeitos positivos nas atividades de
da Neuropsicologia, que fornece recursos para a vida diária do idoso, ressaltando que esse tipo de
identificação da modalidade e do estilo de aprendi- serviço não cresce na mesma proporção que o país
zagem, bem como os recursos usados por cada idoso envelhece, e que é preciso valorizar as potenciali-
para aprender. Ela ressalta, ainda, a relevância do dades do idoso e torná-lo protagonista de qualquer
suporte familiar para que o aprendizado aconteça, ação direcionada a ele.
dando destaque para o trabalho com as habilidades Rocha (2012) aponta a modificabilidade neuro-
emocionais e de comunicação. funcional, princípio da plasticidade cerebral, como
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responsável pelas novas aprendizagens e conse- a memória, o raciocínio lógico, a agilidade mental,
quente retardo do envelhecimento pela formação de as associações. Além disso, destacam a motivação
reserva cognitiva cerebral, e sinaliza que os avanços (vínculo afetivo com a aprendizagem) e a psico-
da Neurociência atualmente subsidiam a definição motricidade (função motora e de percepção) como
de estratégias de estimulação ou reabilitação cere- fatores essenciais para uma aprendizagem efetiva.
bral. Ressalta que a ação psicopedagógica tem como Como sugestões, os autores indicam como recurso
objetivo otimizar ou reabilitar o potencial cognitivo educacional para o idoso as universidades de terceira
do idoso, enriquecendo-o ou compensando dificul- idade, estimulação cognitiva associada à psicomotri-
dades e, para isso, busca identificar a modalidade de cidade, estudo da informática e de novas tecnologias.
aprendizagem (perfil de modificabilidade) do sujeito Guimarães et al. (2020) chamam a atenção para
antes de iniciar uma intervenção, que pode acon- a concretização do envelhecimento populacional e a
tecer individualmente ou em grupos, e apresenta necessidade de conscientização das pessoas para
benefícios e melhoria de qualidade de vida. Por fim, a situação do idoso na sociedade e suas condições
Rocha reforça a necessidade de haver profissionais cognitivas, e ressaltam que os conhecimentos da
bem preparados para a realização desse trabalho Neurociência contribuem para o envelhecimento
psicopedagógico. saudável. Uma dessas contribuições é a noção de
Cleto e Penna (2011) chamam a atenção para a que o cérebro é capaz de criar uma reserva cogni-
necessidade de profissionais especializados para tiva a partir de estímulos ambientais e experiências
atender às exigências atuais dos idosos, que são desafiadoras (plasticidade cerebral), permitindo a
específicas e de natureza diversa, inclusive educa- manutenção das funções cerebrais no envelheci-
cional, que traz qualidade de vida, inclusão social mento. Outro ponto relevante é a descoberta de que
e valorização ao sujeito. Para tanto, é preciso uma quase todos os seres produzem novos neurônios em
mudança de pensamento em relação às condições todas as fases da vida.
físicas, mentais e comportamentais da pessoa idosa, Esses autores afirmam que o treino cognitivo
que está muito mais ativa, independente e partici- tem o intuito de gerar independência e autonomia
pativa. Os autores apresentam uma definição de para os idosos melhorando a qualidade de vida deles
gerontologia educacional fomentada por autores e de seus familiares, já que atua em suas funções
renomados e a categorizam em educação direcio- físicas, psíquicas e sociais. Eles estabelecem que o
nada aos idosos; educação sobre velhice e idosos; e treino cognitivo deve ser personalizado, ou seja,
educação de capacitação profissional para lidar com de acordo com o perfil cognitivo do idoso e seu
o público idoso. Ressaltam também que a geronto- repertório intelectual e social. Deve-se fazer uma
logia educacional dá suporte para a “construção anamnese e propor atividades que trabalhem a me-
de uma velhice digna, por meio de intervenção mória, a linguagem, o planejamento, a ordenação, a
pedagógica e prevenção de perda cognitiva precoce” lógica, as habilidades visuoespaciais e as principais
(Cleto & Penna, 2011, p. 15). funções executivas. Deve-se também explicar ao
Cleto e Penna (2011) afirmam que, de acordo idoso o motivo de fazer estimulação cognitiva para
com a bibliografia analisada, a educação para o que ele se conscientize sobre essa necessidade, as-
idoso precisa dispor de ferramentas pedagógicas sim como incentivar a prática de atividades físicas
capazes de valorizar sua experiência de vida, suas e as relações sociais.
potencialidades e sua visão de mundo, além de Santos et al. (2019) recordam que o envelheci-
estimulá-lo de maneira global: motora, cognitiva, mento e o declínio cognitivo acontecem de dife-
afetiva, social e espiritualmente, com atividades rentes formas em diferentes pessoas, dependendo
cognitivas, lúdicas e prazerosas (exercícios, jogos, das singularidades de cada uma e seu estilo de
testes, quebra-cabeças, enigmas, atividades com ta- vida, e que a estimulação cognitiva é feita para
buleiro) que estimulem a inteligência, a criatividade, “melhorar o desempenho das funções cognitivas”
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(Santos et al., 2019, p. 38) por meio de exercícios ca- visual, auditiva, olfativa, tátil, gustativa, coorde-
pazes de formar novas sinapses cerebrais e induzir a nação ampla e fina, organização espaço-temporal,
plasticidade cerebral. Além disso, chamam a atenção raciocínio, sequência lógica” (Oliveira et al., 2017, p. 24),
para o uso de jogos eletrônicos para fins de desenvol- entre outras; e dentre os benefícios alcançados
vimento de habilidades cerebrais (atenção, memória, estão a melhoria no desempenho psicomotor, na
raciocínio lógico, concentração, sistematização de capacidade funcional, na autonomia, no equilíbrio,
conhecimento), autonomia, autossuficiên­cia, so- na integração social, na atenção, na concentração, na
ciabilidade e inclusão digital, desde que usados de memória, na aprendizagem, na velocidade de racio-
forma lúdica e prazerosa. cínio, na linguagem etc.
Esses autores relacionam a tecnologia à vida da Elas ressaltam, ainda, a importância de realizar
pessoa idosa e apontam que há a necessidade de os tarefas duais que combinem capacidade motora e
idosos se manterem atualizados com as inovações cognitiva, fazer atividades com a mão não domi-
digitais, garantindo a independência e a inserção nante, fazer caminhos diferentes, mudar a ordem
sociocultural. Reforçam também que além da prá- de tarefas rotineiras, mudar móveis e objetos de
tica é necessário que eles compreendam a utilidade lugar, fazer atividades como quebra-cabeças, jogos
desses recursos tecnológicos e como eles podem de memória, criação de objetos a partir de imagens,
contribuir para o bem-estar deles na vida cotidiana, jogos e tabuleiros e enigmas. O psicopedagogo
auxiliando-os a superar déficits cognitivos que pos- torna-se mediador entre o idoso e a construção de
sivelmente tenham em decorrência da idade. Após conhecimentos.
a finalização do estudo feito, foi possível concluir
que o uso de aplicativos de jogos eletrônicos em Discussão
smartphones é uma excelente ferramenta psicope- Barboza e Wisniewski (2017) e Cleto e Penna
dagógica para estimulação cognitiva, já que provou (2011) mencionam o Estatuto do Idoso como política
trazer benefícios e melhorias não só cognitivas, mas pública que evidencia a aprendizagem como direito
também psicoemocionais, elevando a autoestima, o do idoso e critério de qualidade de vida. Bastos
bem-estar e a participação social do idoso. (2019), além do Estatuto do Idoso, cita a Política
Oliveira et al. (2017) ressaltam o alerta feito pela Nacional do Idoso como instrumento público de
Organização Mundial de Saúde sobre o despreparo referência para a prática. Já Oliveira et al. (2017)
dos sistemas de saúde atuais no que diz respeito ao mencionam apenas a Política Nacional do Idoso
atendimento do crescente número de idosos, além como publicação reguladora.
da carência de políticas públicas que deem conta Com relação à justificativa do trabalho psico-
dessa demanda. Afirmam, ainda, que uma velhice pedagógico com idosos, Barboza e Wisniewski
saudável é feita da combinação de hábitos saudá- (2017), Bastos (2019) e Moura (2020) citam termos do
veis de alimentação, convívio social, estimulação Código de Ética do Psicopedagogo. Quanto à fonte
motora e estimulação cognitiva, pois o cérebro é o de atualizações de informações, procedimentos e
órgão que menos envelhece, já que é capaz de gerar metas, Oliveira et al. (2017), Bastos (2019), Rocha
novos neurônios e também novas conexões entre (2012) e Santos et al. (2019) pautam-se pelas orien-
neurônios já existentes. tações da Organização Mundial da Saúde.
Com relação à atuação psicopedagógica, as auto- Todos os artigos analisados reforçam que a
ras reforçam que, antes de iniciar um atendimento, atuação psicopedagógica com idosos pode ser feita
é preciso conhecer o idoso, seu contexto social, como medida preventiva e remediativa (curativa
estilo de vida, grau de instrução, cultura, situação ou de reabilitação). Como prevenção, a interven-
econômica e social e hereditariedade. O trabalho de ção se dá com o intuito de munir o indivíduo de
estimulação exercita habilidades de “atenção, con- recursos cognitivos (reserva cognitiva) capazes
centração, equilíbrio, memória, percepção espacial, de manter a atividade cerebral e a funcionalidade
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de suas funções mentais, bem como evitar ou re- da funcionalidade, da autossuficiência, da autoesti-
tardar a manifestação de alguma demência. Como ma, da autoimagem, do autocuidado, da percepção
reabilitação, a intervenção visa evitar ou retardar o de problemas sociais, da superação de dificuldades,
avanço de quadros demenciais e auxiliar o idoso a da quebra de paradigmas, da realização pessoal, da
privilegiar o uso de habilidades mentais que ainda melhora da atuação cidadã, da melhora no desem-
estão preservadas para ter mais funcionalidade, penho das atividades de vida diária, do resgate de
independência e autonomia em suas atividades de antigos sonhos e projetos de vida.
vida diária. Para a atuação da prática psicopedagógica com
São bastante presentes em vários estudos as idosos, são enfatizadas as seguintes orientações:
descobertas atuais da área da Neurociência, que
• criar oportunidades de novas aprendizagens;
evidenciam a neuroeducação como fonte nortea-
• valorizar as potencialidades do paciente idoso;
dora de conhecimentos para a prática educacional,
• guiar-se pelo repertório intelectual e social do
seja ela gerontológica ou não.
idoso, ou seja, basear-se nos saberes obtidos por
Dentre as estratégias de atividades que podem
ser usadas para intervenção com idosos menciona- ele ao longo da vida (contextos e experiências);
das pelos autores lidos estão: jogos de tabuleiro, xa- • levar em conta a individualidade de cada idoso;
drez; jogos diversos; jogos e diagramas de palavras e • ter acolhimento emocional;
números; jogos de memória; atividades de recordar • identificar a existência de dificuldades de apren-
fatos do dia a dia ou outros fatos relevantes; criação dizagens pré-existentes e nunca diagnosticadas;
de objetos a partir de imagens; inclusão digital com • aumentar o tempo de execução das tarefas para
uso de computadores, smartfones, tablets e outras que o idoso consiga realizá-la, eliminando dis-
tecnologias; atividades que envolvam música ou trações e favorecendo a repetição verbal e visual;
instrumentos musicais; atividades artísticas; ati- • ter em mente que o aprendizado pode ser tanto
vidades de canto; testes; quebra-cabeças; enigmas; acadêmico quanto não acadêmico;
associações; planejamento; ordenação e lógica; • desenvolver o vínculo afetivo do idoso em
atividades visuoconstrutivas; realização de ativi- relação à aprendizagem, para que ela de fato
dades cognitivas e motoras simultâneas; mudança aconteça;
na ordem das atividades cotidianas; mudança de • assegurar que a estimulação cognitiva traga ati-
caminhos; mudança de decoração de um ambiente. vidades cognitivas e motoras, lúdicas, prazerosas
No geral, para montar uma metodologia de e desafiadoras;
trabalho eficaz com idosos, é preciso que sejam • explicar ao idoso o porquê de determinada ati-
estimuladas as habilidades de memória, percepção,
vidade estar sendo feita e elencar as habilidades
atenção, concentração, equilíbrio, criatividade,
desenvolvidas com ela para que ele esteja ciente
linguagem, comunicação, socialização, funções
e tenha melhor adesão à prática educativa;
executivas, inteligência, inteligência emocional, ra-
• incentivar que o idoso também pratique ativi-
ciocínio verbal, raciocínio lógico, raciocínio visual,
raciocínio abstrato, agilidade mental, esquema cor- dades físicas, tenha uma alimentação saudável
poral, estruturação espacial, competências motoras e mantenha ativas as relações sociais.
ampla e fina, habilidades manuais, competências Grande parte dos artigos analisados trazem duas
espirituais, competências sensoriais, lateralidade, problemáticas importantes: a escassez de políticas
orientação temporal. públicas e investimento financeiro direcionados ao
Com relação aos benefícios atingidos com a público idoso e à continuidade educacional para
estimulação psicopedagógica, foram elencados pessoas 60+, independentemente do tipo ou da
valorização do idoso, melhora de suas relações in- meta de estudo, principalmente a alfabetização de
terpessoais, criação de novas amizades, melhoria da jovens adultos, que, além de garantir o pleno exer-
qualidade de vida, da independência, da autonomia, cício da cidadania, favorece toda a aprendizagem
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que o idoso venha a ter; e o despreparo dos profis- e que, para haver uma mudança de cenário, é im-
sionais da educação para lidar com o público idoso prescindível que os representantes políticos do país
como aprendente, já que se sugere a necessidade pensem nessa questão como estratégia de saúde e
de conhecer os declínios cognitivos e motores que prevenção de doenças, garantindo à pessoa madura
podem acontecer com o envelhecimento para que acesso à educação com métodos apropriados e a um
a didática e a prática educacional sejam melhores envelhecimento respeitoso e com mais qualidade
e mais bem desenvolvidas. de vida. Nesse sentido, é importante ressaltar que
Por fim, a título de curiosidade, dentre os mate- as políticas públicas devem ser precursoras de uma
riais excluídos deste trabalho estão diversos artigos mudança de visão em relação ao envelhecimento
que analisam a eficácia de intervenções baseadas humano, atuando ativamente contra atitudes pre-
em estimulação cognitiva tanto em idosos saudáveis conceituosas, na tentativa de erradicar o etarismo
quanto em idosos demenciados e todos eles apon- (ou idadismo), e incentivando a intergeracionalida-
tam ganhos significativos, em diversas escalas e em de e a valorização da pessoa idosa, sendo que, para
diferentes áreas da vida, seja social, pessoal, familiar isso, deve-se começar (mas não se limitando a isso)
etc., em maior ou menor grau, comprovando o al- pela atuação na Educação Infantil e na Educação
cance de bem-estar e qualidade de vida para o idoso. Básica, vista a função escolar de formação cidadã.
Ademais, entende-se que há carência do merca-
Considerações do por serviços especializados para o público 60+,
tanto como oferta de serviço quanto como qualifi-
Entendemos com este estudo que a estimulação
cação profissional, o que demonstra ser um nicho
cognitiva comprovadamente auxilia na prevenção
e no tratamento de declínios cognitivos e que essa com muitas possibilidades de pesquisa, inovação
atividade pode ser desenvolvida com idosos por e atuação. Quanto ao preparo dos profissionais
psicopedagogos por meio de testes de rastreamento atuantes com idosos, é importante que sejam ins-
e protocolos interventivos, associando a prática aos truídos adequadamente de forma a compreender as
conhecimentos da Gerontologia. alterações do envelhecimento humano e a aprender
Dentre as estratégias psicopedagógicas que a tratar a pessoa idosa com dignidade e respeito,
podem ser usadas na atuação clínica e educacional proporcionando-lhe a autonomia e a independência
com o objetivo de prevenir ou remediar o apareci- que lhe forem alcançáveis.
mento de declínios cognitivos em idosos saudáveis, O envelhecimento mundial chegou muito antes
estão: jogos de tabuleiro; xadrez; jogos diversos; do que as pessoas esperavam, e podemos perceber
jogos e diagramas de palavras e números; jogos agora uma corrida em busca da saúde perdida no
de memória; atividades de recordar fatos do dia a decorrer dos anos. Convenciona-se que o envelhe-
dia ou outros fatos relevantes; criação de objetos a cer físico, cognitivo e socialmente ativo é a melhor
partir de imagens; inclusão digital com uso de com- forma de poder viver essa fase da vida, mas como
putadores, smartphones, tablets e outras tecnologias; fazer isso em uma sociedade que não se preparou
atividades que envolvam música ou instrumentos para viver a velhice? É necessário mudar hábitos,
musicais; atividades artísticas; atividades de canto; atitudes e formas de pensar não apenas nos idosos
testes; quebra-cabeças; enigmas; associações; pla- de hoje, mas em todas as pessoas, pois virão a ser
nejamento; ordenação e lógica; atividades visuo- idosos um dia. A conscientização é, portanto, uma
construtivas; realização de atividades cognitivas e das alternativas de intervenção.
motoras simultâneas; mudança na ordem das ativi- A velhice é uma das fases da vida pela qual
dades cotidianas; mudança de caminhos; mudança todas as pessoas passarão, com suas marcas, seus
de decoração de um ambiente. declínios, suas desvantagens, muitas das quais
Conclui-se também que ainda há poucas políti- inevitáveis e progressivas. O envelhecer chega para
cas públicas envolvendo a educação gerontológica cada indivíduo de um jeito diferente, que o sente de
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maneira diferente e o experiencia dos modos mais Guimarães, C. C. P. B., Cunha, K. M. M. B., Gonçalves, K. C.,
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Correspondência
Monika Kratzer
Centro Universitário São Camilo
R. Raul Pompéia, 144 – Pompeia – São Paulo, SP, Brasil –
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