As bactérias presentes no intestino são capazes de consumir alguns dos componentes dietéticos (principalmente as fibras alimentares) gerando metabólitos, principalmente os ácidos graxos de cadeia curta (como butirato e acetato) com efeito benéfico no organismo humano.
Alguns indivíduos, por uma série de disfunções, apresentam
prejuízo na absorção de alguns nutrientes, e uma microbiota mais propensa à fermentação, fazendo com que mais substrato chegue até as bactérias do intestino, e ocorra ainda mais fermentação. Neste caso, a fermentação exagerada forma uma grande quantidade de gás, que, juntamente com o acúmulo de água (pela propriedade osmótica das partículas que chegam íntegras ao intestino), causam distensão, dor, gases e diarreia.
Na figura a seguir, vemos o acúmulo de água (em branco) no
lúmen intestinal de um indivíduo após o consumo de uma grande quantidade de frutose, um FODMAP, por exemplo.
Além disso, quando a fermentação intestinal acontece de maneira disfuncional, os ácidos graxos de cadeia curta, que em concentrações normais são benéficos ao organismo, passam a trazer malefícios.
A produção demasiada de butirato pode aumentar a
sensibilidade intestinal, e concentrações elevadas de ácidos graxos de cadeia curta podem estimular demasiadamente a produção de 5-hidroxitriptamina (5HT, serotonina) que
acelera o trânsito intestinal e pode agravar um quadro diarreico.
Nem todos os componentes dos alimentos são fermentados
na mesma magnitude pelas bactérias intestinais.
Aos componentes com maior tendência à fermentação,
damos o nome de FODMAPs (oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis). O consumo de FODMAPs em uma dieta usual varia de 15 a 30g por dia.
Com base na quantidade de FODMAPs presentes, os
alimentos podem ser classificados como baixos em FODMAPs ou altos em FODMAPs, sendo que essa classificação não tem um valor de corte absoluto, mas leva em consideração a quantidade de FODMAPs, o tipo e a porção usual.
Em Varney e col. temos acesso à quantidade de FODMAPs em
vários alimentos, e a respectiva classificação entre altos e baixos em FODMAPs.
A dieta baixa em FODMAPs busca diminuir os sintomas gastrintestinais em indivíduos mais sensíveis (principalmente pacientes com Síndrome do Intestino Irritável, mas algumas pesquisas, com nível de evidência bem menor, mostram utilidade em casos de Doenças Inflamatórias Intestinais e fibromialgia)
De maneira geral, esta dieta pode ser dividida em três fases,
sendo a primeira, a fase de exclusão, onde são excluídos (ou bastante reduzidos) os alimentos considerados ricos em FODMAPs buscando aliviar os sintomas gastrintestinais.
A fase de exclusão é bastante severa e de difícil adesão, assim,
após um período de 6 a 8 semanas, é iniciada a segunda fase (fase de testes), onde os alimentos são reintroduzidos aos poucos, a fim de identificar qual a tolerância do paciente aos FODMAPs (tanto em quantidade como em qualidade, já quem
nem todos os pacientes respondem mal a todos os diferentes FODMAPs).
Após o final da fase de testes, iniciamos a fase de
manutenção, onde paciente e profissional já conhecem quais e quanto FODMAPs causam exacerbação dos sintomas, e conseguem desenvolver um planejamento mais flexível, facilitando a adesão.
Mesmo com o crescente número de estudos e protocolos, a
implementação de uma dieta baixa em FODMAPs ainda enfrenta muitos obstáculos, entre eles: Explicar o motivo e objetivos da dieta, garantir aporte nutricional e calórico adequados, garantir a adesão e adaptar a dieta à um comportamento alimentar considerado normal.
Ensinar e aprender
A dieta baixa em FODMAPs é bastante complexa, assim,
pacientes podem se beneficiar de uma explicação de
mecanismos (obviamente que de maneira simplificada) para que possam entender os motivos e necessidade de tamanha restrição.
Em alguns tipos de serviço, é possível prestar atendimento
individualizado paciente a paciente, mas como sabemos, esta função educacional do nutricionista toma tempo - escasso em algumas configurações de serviço. Assim, o paciente pode se beneficiar de grupos educacionais, aumentando o conhecimento dos pacientes sobre as dietas baixas em FODMAPs e economizando tempo para os profissionais de saúde.
O uso de materiais complementares, figuras, modelos, vídeos
e cartilhas pode ser útil durante a educação do paciente.
Dificuldade de adesão
A restrição de FODMAPs normalmente implica em uma
grande mudança na dieta usual do paciente, podendo dificultar a adesão. Nesse sentido, a disponibilização de livros de receitas, específicos para dietas baixas em FODMAPs, é
bastante útil para melhorar as propriedades sensoriais do cardápio.
Situações sociais também podem ser problemáticas para
pacientes neste tipo de dieta (maior variedade de alimentos; preparados por terceiros; falta de informação nutricional acerca da quantidade de FODMAPs) sendo recomendado que o paciente receba orientações específicas acerca deste tipo de situação.
Pacientes de renda mais baixa podem enfrentar um obstáculo
adicional, pois a dieta adaptada pode ter valor elevado em comparação com a dieta usual.
Constipação
A retirada de alimentos ricos em FODMAPs ainda pode
diminuir o aporte de fibras da dieta, o que pode exacerbar casos de constipação em pacientes que apresentam esta tendência: Não só pelo papel da fibra no aumento do bolo fecal e formação de gel, mas pela redução da pressão
osmótica, que diminui a quantidade de água no lúmen e pode contribuir para o ressecamento das fezes.
Estudos mostram que quando a dieta baixa em FODMAPs é
implementada por um profissional capacitado, o aporte de fibras não é diminuído em relação à alimentação usual, ademais, na fase de reintrodução, alimentos mais ricos em fibras e com menor teor de FODMAPs podem voltar ao cardápio.
Adequação nutricional
Muitas preocupações em relação ao aporte nutricional
adequado existem pela implementação de dietas baixas em FODMAPs, entre eles, aporte calórico, de fibras e de ferro insuficientes pela exclusão de alimentos ricos em carboidratos; deficiência de vitaminas, minerais e antioxidantes pela exclusão de alguns tipos de vegetais; e deficiência de cálcio pela exclusão de laticínios - não só pela grande quantidade de cálcio nestes produtos, mas também pela participação da lactose na absorção de cálcio,
Diversos estudos, como Tuck e col., mostram que a intervenção baixa em FODMAPs apresenta maior taxa de sucesso e maior adequação nutricional quando esta é implementada por um nutricionista em relação à quando é implementada apenas pelo médico.
ReferênciasVarney, Jane, et al. "FODMAPs: food composition,
defining cutoff values and international application." Journal of gastroenterology and hepatology 32 (2017): 53-61. Precisa do nutricionista - Tuck, Caroline J., et al. "Implementation of the low FODMAP diet in functional gastrointestinal symptoms: A real‐world experience." Neurogastroenterology & Motility 32.1 (2020): e13730. Bellini, Massimo, et al. "Low FODMAP diet: Evidence, doubts, and hopes." Nutrients 12.1 (2020): 148.
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